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PAGINA ABERTA Prof Josélia Rocha 0 LADO RUIM DE ESQUECER O “direito” de “nao ser lembrado de fatos desabonadores” é uma ameaca 4 liberdade de expresso e pode impedir 0 conhecimento da historia © a preservacao da memoria coletiva QUEM NAO GOSTARIA de apagar da meméris coletiva | Os erros que cometeu e foram tornados piblicos? Ou.os epi- s6dios dolorosos ou constrangedores que viveu e podem voltar tona a qualquer momento? Pois essa possibilidade est agora em discusso no Supremo Tribunal Federal | (STF), A Suprema Corte deve apreciar em breve um recur- soem caso que envolve o debate sobre tim suposio “direito ‘20 esquecimento”. O Superior Tribunal de justiga (ST!) reconheceu a existéncia do direito “de nfo ser lembrado, contra a sta vontade, especificamente no tocante a fatos Gesabonadores”. Para 0 STJ, o transcurso do tempo pode tornar ilicita a exposigéo de fatos passados que causem dor ou embarago.a quem neles esta envolvido, O tema, discut do em tado 0 mundo, gera polémica e decisdes divergentes em tribunais nacionais e internacionais, desde que a inter- net tornou a Jembranga permanente algo palpavel. Agora, no Brasil, o assunto esta nas méos do STF. Fenso que, 20 menos em relacdo a fatos que envolvam interesse piiblico — o que inclui aqueles ligados a0 co- nhecimento do nosso passado e da nossa histéria —, 0 dlireito ao esquecimento no deve ser reconhecido. Isso Porque, nessa hipdtese, a imposic&o do esquecimento ‘do se compatibiliza com a protecio constitucionai con- ferida a liberdade de expresso e ao direito fundamental de acesso a informagao A.Constituigio de 1988 foi muito enfitica na protegéo dessas liberdades puiblicas. Com isso, procurou exorcizar © fantasma da censura, que assombrou o pais durante 0 regime de excegéo — uma censura que no apenas repri mia as criticas politicas, mas também se fazia guardia de “Esse direito tende ase converter em remédio juridico para que politicos, autoridades e poderosos limpem a sua ficha” | um moralismo conservador ¢ intolerante. A Constituinte reforgou @ garantia das liberdades comunicativas tam. 'bém por saber que elas sio indispensiveis para o floresci- mento da democracia, para o progresso social e para. li= vre desenvoliimento dos individuos E natural que as pessoas desejem 0 esquecimento dos seus erros. Mas erigir esse desejo & condigao de direito é 0 mesnio que impedir o conhecimento da historia ea pre- servagdo da memoria coletiva. Bessa é uma ameaga espe- cialmente grave numa sociedade como a brasileira, que ece muito mais pela amnésia coletiva do que pela exces- so de meméria, Casquecimento & antitese da historia, en histéria néo. serve apenas para a compreensio do passado, mas também do presente e do futuro, Ela nos permite entender meliior 0 ‘mundo atual e nos ajuda — como individuos, coletividade Ounagdo — # evitar que continuemos a cometer, lina fren- te, 05 mesmos erros. A ideia de um “direito ao esquecimen- 0”, portanto, é francamente incompativel com a valoriza- fo da histéria e da meméria coletiva. Mais: diante de uma cultura censoria que, a despeita 2 Constituicéo, ainda sobrevive no Poder Judiciério bra sileiro, e da forte desigualdade ¢ do acesso assimétrico & Justiga que caracterizam o pais, 0 “direito ao esquecimen to” tende a se converter em remédio juridico para que po liticos, utoridades piblicas e poderosos de todo tipo pos: ‘sam “limpar a sua ficha’, apagando registeos de episédios ouco edificantes de sua vida ou amordagando seus criti cose veiculos de comunicagio. Entendo até que exista um campo para o “direito ac esquecimento” que ndo envolva tensio com as liberdades de expresséo ¢ informacio, Trata-se da protecio da auto. determinagao informativa quanto a dados pessoais que ndo digam respeito go interesse pliblico — coletados, ar- mezenados, tratados ou utilizados por instituigdes publ as ou privadas, especialmente no ambiente digital Na contemporaneidade, a internet ¢ outras tecnolo: gias permitem que se mantenham registros praticamentc sternos sobre a vida privada das pessoas: 0 que cada um

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