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Funcionalismo: As Influéncias Anteriores i (0 Protesto Funcionalista ‘A Revolucio da Teoria Evo 0 Protesto Funcionalista evolio da Teoria Evoke © funcionalismo se refere, assim como indicao nome, ao (8091882) funcionamento da mente ou ao uso que o organismo A Origem das Espécies por dela faz para adaptarse a0 ambiente. © enfoque do Midi Sty Nata! voludo em andament movimento psicolégico funcional concentrava-se em ee mee uma questio pratica: quais sdo as realizagdes dos proces- ‘A Evolugao das Maquinas sos mentais? Os funcionalistas nao estudavam a mente se fe Deri on do ponto de vista da sua composigio —dos seuselemen- ye SOB, sonore tos basicos ou da sua estrutura —, mas como um conglo- ‘do de The Autobiography merado ou actimulo de fungoes e processos que resultam py. f hares Darwin (1876) em conseqiéncias pritcas no mundo real. As pesquisas _Pierengae individuals: | de Wundt e Titchener nao revelaram nada a respeito das ‘A Bingrafia de Galion conseqiiéncias ou realizagées da atividade mental huma- A Heranga Mental na, pois no eram esses 0s seus objetivos. Essas questes 2 Oia: Trecho Ex uitiltirias nao eram compativeis com a abordagem pura- dn inguin ts Las mente cientifica de psicologia adotada por eles. eee Sendo o primeiro sistema de psicologia exclusivamen- yuan Gator te americano, o funcionalismo consistia em um protesto Testes Mentais contra a psicologia experimental de Wundte a psicologia A Asociso de is estruturalista de Titchener, ambas consideradas excessi- Aiea Cuesta cubes vamente restritivas. Essas duas escolas de pensamento "Topics Comentérios ‘A Psicologia Animal ¢ a Evolugao do Funcionalismo ‘George John Romanes (1848-1894) . Lloyd Morgan (1852-1936) Comentérios nao davam respostas as quest6es dos funcionalistas: 0 que e como a mente produz? m1 122 HistoRIA DA PSCOLOGIA MODERN Como conseqiiéncia dessa énfase nas fung6es mentais, os funcionalistas interessaram- se pela possivel aplicacdo da psicologia aos problemas cotidianos relacionados com a rea- ‘cdo e a adaptagao das pessoas aos diferentes ambientes. A heranca mais importante do movimento funcionalista nos Estados Unidos foi a répida evolucio da psicologia aplicada. Precursores do Funcionalismo Este capitulo trata das raizes do movimento da psicologia funcional, incluindo os traba- Ios de Darwin, Galton e os primeitos estudiosos do comportamento animal. £ importan. te observar a época em que esses precursores do funcionalismo estavam desenvolvendo suas Idéias: o periodo anterior e durante os anos em que a nova psicologia estava come- ando a evoluir. A obra pioneira de Darwin sobre a evolucao, On the origin of species (1859), foi publi- cada um ano antes do livro de Fechner, Elements of psychophysics (1860), e 20 anos antes de Wunat instalar 0 laboratorio na University of Leipzig. Galton comesou a trabalhar no problema das diferencas individuais em 1869, antes de Wundt escrever a obra Principles of physiological psychology (1873-1874). As experiéncias com psicologia animal j4 eram realizadas na década de 1880, antes de Titchener seguir da Inglaterra para a Alemanha para estudar com Wundt. Portanto, a maior parte dos trabalhos a respeito das fungOes da consciéncia, das dife- rengas individuais e do comportamento animal estava sendo realizada ao mesmo tempo em que Wundt e Titchener optaram por excluir essas areas das suas definigdes de psico- logia. Somente com a chegada da nova psicologia aos Estados Unidos é que as fungoes ‘mentais, as diferengas pessoais e os ratos de laboratério ganharam destaque na psicologia. A Revolucao da Teoria da Evolu¢ao de Charles Darwin (1809-1882) A obra de Charles Darwin, On the origin of species by means of natural selection, publicada em 1859, é um dos livros mais importantes de todos os tempos. A teorla da evolugao apresen- tada em seu trabalho teve enorme impacto na psicologia contemporanea americana, que deve sua forma e substancia a Darwin, mais do que a qualquer outra idéia ou pessoa! A hipotese de que os seres vivos mudam com o tempo, nocdo fundamental da evo- lugao, ndo surgiu com Darwin, Outros intelectuais anteciparam essa idéia ja no século V a.C,, mas somente no final do século XVIII a teoria foi investigada de forma sistematica fisiologista inglés Erasmus Darwin (avé de Charles Darwin e de Francis Galton) afir- mava que todo animal de sangue quente havia evoluido de uni tinico filamento vivo e animado por Deus. T” No Capitulo 13 veremos que a tora da evolugio também foi muito Maporante para o Wabalho de Sigmund Freud 2 Erasmus Darwin era um homem enorme que desistiu de se pesar quando chegou aos 150 quilos. Fra médico e o Seu motorista também gordo) sempre sequia 3 sua frente até a cara do paciente para certitearse de que o chic ‘esistiria 20 seu peso. Escreveu poemas erticos@teve 14 filhos com duas esposas¢ uma governanta,inlormacbes a respeito da sua vida © do seu trabalho padem ser encontradas no site hitpiwww.ucmp berkeley edu/history! darwin, CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 123, Em 1809, o naturalista francés Jean-Baptiste Lamarck formulou a teoria comporta- mentalista da evolugao, que enfatizava a modificagao das caracteristicas fisicas do animal mediante o esforgo de adaptagao ao ambiente. Lamarck sugeria que essas modificacdes eram herdadas por geracdes sucessivas. Por exemplo: a girafa desenvolveu 0 seu longo escogo por varias geragbes devido a necessidade de alcangar os galhos cada vez mais altos para obter comida. Em meados da década de 1800, o ge6logo britanico Charles Lyell introduziu a nogao da evolugio na teoria geolégica, argumentando que a Terra havia passado por varios estigios de desenvolvimento até chegar a estrutura atual. Passados tantos séculos aceitando-se a doutrina biblica da criagio, por que os inte- ectuais buscavam uma explicacao alternativa? Uma das raz6es era a de que os cientistas estavam adquirindo cada vez mais conhecimento sobre as outras espécies que habitaram a Terra. Os exploradores estavam descobrindo formas de vida animal antes desconheci- das, Portanto era inevitavel que alguém questionasse como Noé fora capaz de colocar um casal de cada espécie animal na arca. Tantas foram as espécies descobertas que nao havia como os pesquisadores continuarem a acreditar nessa historia, © navegador italiano Américo Vespiicio escrevera, jé em 1501, apés a terceira via- gem em torno da costa da América do Sul: “Nao hé como descrever a enorme variedade de animais selvagens, a abundancia de pumas, panteras, gatos selvagens, diferentes dos que vemos na Espanha, mas parecidos com 0s das ilhas Antipodas; tantos lobos, veados vermelhos, macacos ¢ felinos, sagitis de diversas espécies e varias cobras enormes. (...) Tantas espécies nio caberiam na arca de Noé” (apud Boorstin, 1983, p. 250). Na década de 1830, os ingleses e europeus viram pela primeira vez espécies animais constrangedoramente semelhantes aos seres humanos. Antes disso, somente alguns exploradores corajosos haviam visto animais como os orangotangos ¢ chimpanzés. Em 1835, um ano antes de Darwin retornar de uma viagem de exploragdo que durou cinco anos, um chimpanzé chamado Tommy foi exibido no zoolégico de Londres. Em 1837, uma orangotango foi exibida e outra, dois anos depois; ambas se chamavam Jenny. Os donos do zoolégico vestiam Tommy e as duas orangotangos com roupas infan- tis. Ensinavam os animais a “comerem e beberem sentados 4 mesa, utilizando colheres, ratos e copos; a compreenderem as instrugdes dadas por eles € a reconhecerem o que Ihes era permitido ou proibido fazer. Os visitantes ficavam ansiosos para vé-los se com- Portarem como criangas, embora a maioria considerasse 0 espetaculo perturbador” (Keynes, 2002, p. 38). Quando a rainha Vit6ria visitou 0 zoolégico em 1842, escreveu em sua publicago que Jenny parecia “dolorosa e desagradavelmente humana” (apud Keynes, 2002, p. 40). Na década de 1850, um orangotango macho foi exibido em varias Cidades da Inglaterra ¢ da Escécia e a propaganda dizia que ele exibia comportamentos inteligentes quase no mesmo nivel dos humanos. Em 1853, 0 Museu Britanico exibiu o esqueleto de um gorila ao lado de um esque- eto humano. Tamanha era a semelhanca que muitos observadores alegavam sentir-se embaracados. Era possivel continuar insistindo que os seres humanos eram as tnicas ctiaturas totalmente diferentes das outras espécies? Talvez nao. Exploradores também descobriram fosseis e ossadas de criaturas que nao correspon- diam aos das espécies existentes, esqueletos aparentemente pertencentes a animais que em algum momento perambularam pela Terra mas que haviam desaparecido. Fssas des- cobertas fascinaram os cientistas e leigos interessados, e muitas pessoas comecaram a colecionar fosseis. 124 Hisr6R1 D4 PsicoLoGia MoERNA A Gra-Bretanha do século XVIII foi um marco de requinte ¢ impecivel bom gosto na pro- riedade ¢ exibicdo de colegdes de fosseis. Os proprios objetos nao apenas eram raros € Donitos (..) como a sua simples posse era uma indicagio de sede de conhecimento, de consciéncia da filosofia natural, de compreensio solidaria dos processos misteriosos da Terra. (Winchester, 2001, p. 106.) As pessoas desejavam saber o que aqueles fosseis e ossadas poderiam revelar sobre a origem do homem. Para os cientistas, o crescente actimulo desses artefatos dava indica- goes de que as formas vivas nao podiam mais ser consideradas constantes, imutavels desde o inicio dos tempos e deviam ser vistas como sujeitas a mudangas ¢ modificagées, As espécies antigas evidentemente tornaram-se extintas, dando lugar a novas, sendo algumas delas versOes alteradas das formas existentes. Talvez tudo na natureza houvesse Tesultado de mudangas e ainda continuasse no processo de evolucao. O impacto da mudanga continua fot observado nao apenas nos circulos cientificos € intelectuais, como também na vida cotidiana. O Zeitgeist social estava se transforman- do por causa da Revolugao Industrial. Os valores, as relagdes e as normas culturais, man- tidos constantes por varias geragoes, de repente foram rompidos quando a migracao em ‘massa da zona rural para as pequenas cidades promoveu o rapido desenvolvimento dos centros industriais urbanos. A crescente dominacio da ciéncia contaminava as atitudes populares. As pessoas estavam cada vez menos convencidas das idéias a respeito da natureza humana e da sociedade baseadas nos dogmas das antigas autoridades religiosas. Ao contrério, estavam. dispostas ¢ avidas para transferir essa crenga para a fé cientifica, Mudanga era a ordem do dia. Afetava 0 fazendeito, cuja vida agora pulsava no ritmo de uma maquina e nao das estagdes do ano, assim como afetava o cientista, cujo tempo era gasto tentando desvendar uma ossada desenterrada. A atmosfera intelectual dos tem- Pos produziu a nosdo de evolugao nao apenas respeitavel cientificamente, como tam- bem necessiria, Entretanto, durante muito tempo os estudiosos analisaram, especularam ¢ levantaram hipoteses, mas ofereceram poucas provas concretas. Entdo, Darwin, em seu livro On the origin of species, apresentou informaces tao bem organizadas que a teoria da evolugéo nao pode mais ser ignorada. O Zeitgeist demandava essa teorla e Charles Darwin tomou-se o seu agente. A Biografia de Darwin Quando crianca, Charles Darwin dava poucas indicagées de que se tornaria o cientista t4o dedicado ¢ entusiasmado que o mundo viria a conhecer. Era rude e maldoso, aprontando travessuras, mentindo ¢ roubando para chamar a atengao. Os bidgrafos relatam, da infan- cla de Darwin, um epis6dio em que cle tentou quebrar a janela de uma sala em que fora trancado como castigo por mau comportamento (Desmond e Mote, 1991), Ele parecia 80 pouco promissor que seu pai, um rico médico, acreditava que o jovem Charles acaba- 1a desgrasando 0 nome da familia. Embora seu desempenho escolar fosse fraco, demons- trava interesse por historia natural e em colecionar moedas, minérios e conchas. Seu pai © mandou para a University of Edinburgh para estudar medicina, mas logo o jovem se ‘mostrou entediado, Como resposta, 0 pai disse-the que deveria tornar-se clérigo, Darwin passou trés anos na Cambridge University e achou a experiéncia uma perda de tempo, pelo menos do ponto de vista académico. No ambito social, no entanto, achou fantastico, tendo sido esse 0 periodo mais feliz da sua vida. Passava os dias e as ——— CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 125 noites bebendo, cantando, jogando cartas, fazendo parte de um grupo que descrevia como esbanjador e de baixo nivel intelectual. Também colecionava besouros. © boténico John Stevens Henslow, um de seus professores, conseguiu uma indica- G40 para Darwin como naturalista para fazer parte da excursao do HMS Beagle, um navio que 0 governo briténico estava preparando para uma viagem cientifica a0 redor do mundo. A famosa excursio, que durou de 1831 a 1836, explorou as aguas da América do Sul, seguindo para o Taiti e Nova Zelandia, e retornou a Inglaterra, passando pela ilha Ascensao e pelos Acores. Todavia Darwin quase fora recusado para trabalhar a bordo do navio por causa do formato do seu nariz. O capitao, Robert Fitzroy, orgulhoso de sua capacidade de julgar o cardter pelas feigdes do rosto, tinha certeza de que o nariz de Darwin indicava um homem preguigoso, mas ele conseguiu convencé-lo do contrario. Fitzroy, um homem extremamente religioso, desejava a presenca de um naturalista a bordo para encontrar provas concretas sobre a teoria biblica da criagio. Escolhera 0 homem errado. A viagem rendeu a Darwin a oportunidade impar de observar uma variedade de vida animal e vegetal e de coletar diversas espécies, além de enorme quantidade de dados. A viagem também parece ter mudado sua personalidade. Nao mais um diletante e amante do prazer, Darwin retornou a Inglaterra como um cientista dedicado e com uma tinica paixdo: desenvolver a teoria da evolugio, Casou-se em 1839 e trés anos depois mudou-se com a esposa para o vilarejo de Down, a 26 quilometros de Londres, onde pode concentrar-se no trabalho sem as agita- oes da vida urbana. Sempre teve a satide frégil e agora comegava a sofrer de perturbacoes, fisicas como vomitos, gases, furdinculos, erupgdes cutdneas, tonturas, tremores e depressao. Sua casa se transformou em uma “enfermaria onde ninguém era saudavel; a doenga era regra e a satide uma excecao” (Desmond, 1997, p. 291). s sintomas de Darwin eram aparentemente de fundo neurético, provocados por qualquer interrupgao na sua rotina diaria. Sempre que alguma interferéncia externa o impedia de trabathar, sofria outro ataque. A doenga tornara-se um mecanismo conve- niente, protegendo-o dos afazeres mundanos e proporcionando a solidao e a concentra- co necessérias para ele criar e desenvolver sua teoria. Um escritor batizou a condicao de Darwin de “maldicao criativa” (Pickering, 1974). Ele se isolava, evitava festas e declinava de compromissos; chegou a instalar um espelho do lado de fora da janela da sua sala de estudos para espiar os visitantes que vinham pro- curé-lo. Dia apés dia, semana apés semana, 0 est6mago o incomodava. (..) Era um homem preocupado. (Desmond e Moore, 1991, p. xvili-xix.) Darwin tinha motivos de sobra para se preocupar. A idéia de evolucéo vinha sendo ‘condenada pelas autoridades religiosas conservadoras ¢ até em alguns meios académicos. clero, entendendo-a como moralmente degenerativa e subversiva, pregava que, se as pessoas fossem retratadas como animais, igualmente se comportariam. O resultado de tal selvageria certamente causaria o colapso da civilizagao. Darwin se autodenominava o “capelao do deménio”, dizendo a um amigo que traba- Ihar na teoria da evolucdo era como confessar um assassinato (Desmond ¢ Moore, 1991). Ele sabia que, quando publicasse o livro, seria condenado por heresia. Percebeu que essas preocupacdes com o trabalho eram a causa dos seus persistentes males fisicos, “a maior parte dos males de que a minha came é herdeira” (apud Desmond, 1997, p. 254). Esperou 22 anos para apresentar publicamente as suas idéias, pois desejava ter a certeza de que, a0 1126 Histon 99 PScOLOGiA Moc fazé-lo, a teoria estaria perfeitamente apoiada em provas cientificas irrefutaveis. Assim, Darwin prosseguiti no trabalho com calma e com cuidado extremamente rigoroso. Em 1842, Darwin redigiu um esquema de 35 paginas da sua teoria da evolugio. Dois anos mais tarde, expandiu as idéias em um ensaio de 200 paginas, mas ainda nao estava satisfeito. Continuou a manter segredo da maior parte do seu trabalho, compartithando. as idélas apenas com os amigos mais intimos, como o ge6logo Charles Lyell e 0 botani- co Joseph Hooker, Por mais 15 anos Darwin elaborou e trabalhou seus dados, conferin- do, aperfeicoando, revisando, insistindo para que todos os aspectos da sua posigao fossem inquestionaveis. Ninguém sabe ao certo quanto tempo mais ele se estenderia no trabalho se nao hou: vvesse recebido uma carta chocante, em junho de 1858, de uma pessoa chamada Alfred Russel Wallace, um naturalista 14 anos mais jovem que ele. Morando nas Indias Orientals para se recuperar de uma doenga, Wallace esborara uma teoria da evolucio nitidamente semelhante a de Darwin, embora nao estivesse baseada em dados tao ricos como 05 coletados por ele. E 0 pior € que Wallace afirmava ter desenvolvido a sua teoria completa em apenas trés dias! Pedia a opiniao e a ajuda de Darwin para publicé-la ‘Anos mais tarde, Wallace contou que 0 efeito causado pelo seu pequeno trabalho em Darwin foi “quase paralisante”. “Foi como se Darwin estivesse lendo a propria teoria”, disse um bidgrafo de Wallace. “Qualquer nogao da sua importancia desaparecera, sua ori ginalidade fora massactada” (apud Raby, 2001, p. 137), Assim como varios clentistas, Darwin era muito ambicioso. Escreveu em seu diario: “Gostaria de conseguir nao valorizar tanto essa tal de fama. (...) E ainda abomnino a idéia de escrever porque é importante criar; todavia certamente ficaria contrariado se outra pessoa publicasse essas doutrinas antes de mim” (apud Merton, 1957, p. 647-648), Darwin disse a0 amigo Lyell que, se ajudasse Wallace a publicar sua teoria, todos os seus anos de trabatho rduo e, o mais importante, o crédito pela criagdo da teoria da evolu- ao estariam perdidos (Benjamin, 1993). Enquanto ficava em duivida se devia ajudar Wallace ou apressar a publicagao do seu trabalho, seu filho de 18 meses morreu de febre escarlatina. Desesperado, Darwin remoia a respeito das implicacoes da carta de Wallace e as opcdes que surgiam para si proprio. Finalmente, munido de enorme sentido de justiga e de bom senso, decidiu: “Parece di cil para mim perder a prioridade de varios anos de dedicagao, mas nao tenho certeza absoluta de que isso altere a justica do caso. (...) Seria desonesto de minha parte publ cat agora” (apud Merton, 1957, p. 648). Lyell e Hooker sugeriram que tanto o trabalho de Wallace como partes do livro de Darwin que estava para ser publicado fossem lidos em um encontro na Sociedade Linneana (uma sociedade cientifica cujo nome homenageia o naturalista sueco Linnaeus), em 1° de julho de 1858, no mesmo dia em que o filho de Darwin fora enter- ado. O resto esta registrado na historia. Todas as 1.250 cépias da primeira edigao do livro de Darwin, On the origin of species, foram vendidas no dia da publicagao. A obra pr vocou reagdes € discussdes imediatas, ¢ Darwin, embora fosse objeto de consideraveis c ticas, ganhou a “tal da fama”, Quando o livto foi publicado, Darwin foi acometido de novas enfermidades. Ele des- creveu uma “terrivel ¢ longa ansia de vomito”, “furiinculos que ardiam”, além de se sen tir “extremamente mal € em cacos” (apud Desmond, 1997, p. 257). Fugiu para uma stancia hidromineral no norte da Inglaterra, onde se escondeu do mundo por dois meses. Wallace nunca expressou ressentimento por nao receber 0 reconhecimento pro- porcional pelo desenvolvimento de uma teoria tao semethante a de Darwin. Na verda- Creto 6 FUNCONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERORIS 127 de, sua reagdo foi praticamente contréria. Quando soube que 0 seu trabalho e o de Darwin seriam lidos na Sociedade Linneana, Wallace declarou haver recebido “mais reconhecimento e crédito do que merecia”. Mostrou-se satisfeito quando soube que, a0 mandar seus papéis para Darwin, ele fora 0 “meio inconsciente que fez com que [Darwin] se concentrasse na tarefa” para completar um dos livros mais importantes da historia (Wallace, apud Raby, 2001, p. 141-142)3 oO Hist6ria On-line bttp://wwnw.wku.edu/~smithch/indext.htm Esse site contém informacdes biogréficas de Wallace, além de biblografia cronologia, citagdes de seus trabalhos, textos completos de dezenas de entrevistas e muito mais. A Origem das Espécies por meio da Selecao Natural A teorla da evolugao darwiniana é tao conhecida que neste t6pico abordaremos apenas alguns pontos bisicos. A partir do fato evidente da variagao entre os membros indivi- duais de uma espécie, Darwin deduziu ser essa variabilidade espontanea transmitida de ‘uma geragdo a outra. Na natureza, o processo de selecao natural resulta na sobrevivén- cia dos organismos mais bem adaptados ao seu ambiente ¢ na eliminagao dos demais. A batalha pela sobrevivencia € constante e as formas de vida sobreviventes sao as que se adaptam ou se ajustam com éxito as circunstancias ambientais a que forem expostas. Resumindo: as espécies que nao se adaptam nao sobrevivem. Darwin formulou as idéias sobre a luta pela sobrevivencia e a “sobrevivéncia do mais apto” apés a leitura de Essay on the principle of population, (1789), de autoria do econo- mista Thomas Malthust, o qual observou que o suprimento de alimentos tende a crescer em proporgao aritmética, enquanto a populagaio humana, em progressio geométrica. O resultado inevitavel seria, como Malthus descreveu em tom melancélico, muitos seres humanos vivendo praticamente em condigoes de inanisdo. Somente os mais fortes, esper- tos e adaptaveis sobreviveriam. Darwin aplicou o principio malthusiano a todos os organismos humanos para desenvolver a sua teoria da selecdo natural. Esses seres vivos que sobrevivem a batalha atingem a maturidade tendem a transmitir aos seus descendentes as mesmas habili- dades e vantagens que Ihes permitiram prosperar. Além disso, como a variagao € uma das leis gerais da hereditariedade, a prole também apresenta variagbes; alguns descen- dentes acabam tendo suas boas qualidades mais desenvolvidas que as dos pais. As qua- lidades tendem a sobreviver e, ao longo de varias geragdes, ocorrem mudangas que podem ser bastante significativas, a ponto de produzirem as diferengas observadas hoje entre as espécies. J Em 15 de abil de 2000, a Sociedade Lineana passou a car da lapde de Wallace como forma de homenageor (os sus eitos 4 Alfred Russe Wallace também fl inluenciado pelo vo de Malthus, 128 HistORIA Da PsIcOLOGIA MODERNA A selecao natural nao foi o tinico mecanismo de evolugao reconhecido por Darwin. Ele também concordava com a doutrina de Lamarck de que as modificagoes na forma, derivadas da experiéncia durante o ciclo de vida do animal, podem ser transferidas as geracdes subseqiientes. Thomas Henry Huxley e a polémica sobre a evolucdo. A medida que os estudio- sos de diversas éreas aderiam a teoria da evolugdo ou a execravam, o préprio Darwin per- manecia parte € nao se interessava em participar das crescentes discussoes. Thomas Henry Huxley (1825-1895), ambicioso bidlogo que foi a forca diretriz no estabelecimen- to da ciéncia inglesaS, estava disposto a se envolver nas polémicas e fol um dos defenso- 15 mais avidos da teoria. Darwin chamava Huxley de seu “bom e gentil agente propagador do evangelho [da evolucao]” (apud Desmond, 1997, p. xiii). Huxley era um orador elogiiente e carismati- co € tinha prazer em debater com os inimigos da ciéncia, agora inimigos da evolucao. Era dotado de enorme apelo popular, principalmente entre os operarios. Para eles, Huxley promovia a ciéncia como uma nova religiao, um novo caminho para a salvacao, © bidgrafo de Huxley disse: “Operdrios barbudos com as maos calejadas acotovelavam- se para ouvir seus discursos. (..) Ele arrebanhava multiddes semelhantes as que vemos hoje em encontros evangélicos ou apresentagdes de bandas de rock” (Desmond, 1997, p. xvii). As pessoas paravam-no na rua para pedir aut6grafo e os taxistas nao Ihe cobravam a corrida. No periodo de um ano apés a publicagao de On the origin of species, a British Association for the Advancement of Science (Associa¢ao Britanica para o Progresso da Ciéncia) promoveu um debate a respeito do evolucionismo na Oxford University. Os amigos e defensores de Darwin pressionavam-no a participar do debate, no entanto ele nao suportava a idéia de ter de se defender em piiblico, Seus amigos insistiam e a situa- do tornava-se insustentavel. Finalmente, escreveu um bidgrafo, “Seu estomago o salvou. Dois dias antes da reuniao sua satide deteriorou-se completamente, Uma crise como essa nunca fora téo bem-vinda” (Browne, 2002, p. 118). No encontro, os oradores foram Huxley, defendendo Darwin e a evolugao, ¢ 0 bispo Samuel Wilberforce (apelidado de Soapy Sam [Sam, o Chato] por causa dos seus intermi- navels discursos), que defendia a Biblia. Com relasio as idéias de Darwin, [Wilberforce] se felicitava (..) por no descender de um. ‘macaco. Veio a resposta de Huxley: “Se tivesse de escolher, preferiria ser descendente de um simples macaco do que de um homem que emprega seu conhecimento e sua elo- quencia para deturpar a imagem daqueles que dedicam a vida em busca da verdade"” (White, 1896/1965, p. 92.) Outro orador no debate em Oxford foi Robert Fitzroy, o capitio do navio Beagle durante a viagem de Darwin. Fitztoy declarava-se culpado por ajudar na pesquisa de Darwin, aprovando a sua selecao para fazer parte da excursdo como naturalista (apesar do formato do seu nariz). Fitzroy agitava a Biblia, enquanto conclamava o ptiblico a acre- ditar na palavra de Deus, expressando seu profundo pesar e arrependimento por ter pro- porcionado a Darwin a oportunidade de coletar dados para o desenvolvimento da sua teoria. Ninguém estava interessado em ouvir as lamentagdes de Fitzroy. “A sala perma- 5 Tulian Huxley, bidlogo Tamoso, © Aldous Huxley, escrtore citice, autor da feqlo Brave new world (Admirivel ‘mando novo) (1932) eram netos de Thomas Henry Huxley, CAPTULO 6 FUNCONAUSMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 129 necia em siléncio”, declarou 0 bidgrafo de Darwin, e, por fim, Fitzroy “afundou-se em seu assento sem praticamente ser ouvido” (Browne, 2002, p. 123). Cinco anos depois, em uma manha de domingo, enquanto se preparava para ir a igreja, 0 perturbado capitao suicidou-se, cortando a garganta com uma navalha. A espo- sa de Darwin declarou que ele ficara “profundamente sentido, mas que ndo se surpreen- dera. Darwin lembrava-se [de Fitzroy] no Beagle como um homem quase insano” (apud Browne, 2002, p. 264). Algum tempo depois, Darwin enviou a carente vitiva de Fitzroy uma consideravel quantia em dinheiro. Darwin mantinha bom relacionamento com Wilberforce; considerava as colocagdes do bispo “inusitadamente perspicazes, [embora] nao tivessem qualquer valor cientifico” (Gould, 1986, p. 31). Huxley, no entanto, continuava rancoroso. Quando Wilberforce mor- teu, depois de cair do cavalo e sofrer um golpe na cabeca, ele comentou: “Coitado do que- rido Sammy! (...) Pela primeira vez, seu intelecto entrou em contato com a realidade © 0 resultado foi fatal” (apud Desmond, 1997, p. 431). ‘A evolucao desafia a religido. Embora alguns lideres religiosos aceitassem a teoria da evolucdo, a maioria a considerava uma ameaca, pois desafiava a interpretacao biblica literal sobre a criagao. Um religioso importante acusou a teoria de “tentativa de destituir Deus. (...) Se a teoria darwiniana fosse verdadeira, a Génese seria uma mentira (...) € assim, a revelagdo de Deus ao homem, na forma como nés, cristaos, conhecemos, se trataria de uma fraude” (apud White, 1896/1965, p. 93). A polémica foi acirrada e per- manece até hoje. Em 1925, no famoso “experimento com macacos” realizado em Dayton, no Tennessee, John T. Scopes, professor do ensino médio, foi condenado por ensinar a teoria da evolugio. Quase meio século mais tarde, em 1972, uma autoridade religiosa do Tennessee acusou a teoria de Darwin de “fomentar a corrup¢ao, a luxtria, a imora- lidade, a ganancia e atos criminosos como o consumo de drogas, a guerra e as atro dades do genocidio” (apud The New York Times, 1° out. 1972). Em 1968, a Suprema Corte americana derrubou a lei que proibia 0 ensino da teoria da evolugao nas escolas piblicas, mas uma pesquisa realizada em 1985 revelou que metade de uma amostra- gem nacional de americanos adultos rejeitava a versio do evolucionismo (The Washington Post, 3 jun. 1986). Em 1987, a Suprema Corte americana votou contra um projeto de lel do Estado da Louisiana que exigia que, se a teoria da evolucdo fosse ensinada nas escolas publicas, 0 “ctiacionismo” (a visdo biblica da origem das espécies) deveria igualmente constar do curriculo escolar. Em 1990, o conselho estadual de educacao do Texas aprovou a adogio de livros didaticos de ciéncias que tratam da teoria da evolugao, apesar da objecio de um. tergo dos membros. Em 1999, 0 consetho estadual de educagao do Kansas votou pela eliminagao de qual- quer mengao & teoria da evolucao do curriculo das escolas pablicas. Os jornais deram conta da polémica criada por um lider do movimento antlevolucionario que maldizia o evolucionismo de ensinar aos alunos que “somos apenas animais na luta pela sobrevi- véncia, criando uma sensacio de desesperanga e falta de sentido da vida, o que, creio, ‘conduz a dor, a morte e ao suicidio”. Assim, a batalha iniciada por Charles Darwin ainda persiste, um século € meio depois. © argumento da supremacia da raca branca. Outro alvo de ataque na teoria de Darwin logo apés a sua publicagao viria daqueles que defendiam a doutrina da suprema- cia branca, Essas pessoas acreditavam na superioridade herdada da raca branca ¢ a con- 130 HistOais Da Psicouocaa MODERNA seqiiente inferioridade das demais. Promovido por alguns intelectuais influentes e defen- sores da causa sulista na Guerra Civil Americana (1861-1865) e fomentado por artigos € discursos inflamados, esse ponto de vista racista denunciava a idéia de que negros ¢ brancos houvessem evoluido dos mesmos ancestrais, porque, se todas as racas tivessem ‘4 mesma origem, como os brancos poderiam ser superiores? Tanto Huxley como Darwin tornaram-se alvos de artigos agressivos de jornais e recebiam correspondéncias cheias de 6dio. Huxley menosprezava o argumento da pureza racial, afirmando ser um trabalho de “impostores”. Outros trabalhos de Darwin. Darwin logo desviou sua atengao dos debates da época e desenvolveu outro trabalho importante para a psicologia. O segundo importan- te trabalho sobre a evolucdo, The descent of man (1871), reunia as provas da evolugio humana a partir das formas de vida mais simples, enfatizando a semelhanga entre os processos mentais humanos e animais. O livro rapidamente ganhou popularidade e um famoso escritor de revista ressaltou: “Na sala de estar, o livro compete com o mais recen- te romance; na sala de estudos, incomoda como o homem da ciéncia, 0 moralista e © tedlogo. De todos os lados escorrem enxurradas mistas de Gdio, admiragao e encanta- mento” (apud Richards, 1987, p. 219). Darwin realizou um estudo intensivo das expresses emocionais nos humanos e nos animais. Sugeriu que as mudangas dos gestos e das posturas tipicas de varios estados emo- ionais podiam ser interpretadas com base no evolucionismo. Na obra The expression of the emotions in man and animals (1872), explicou as expresses emocionais como vestigios dos movimentos que em dado momento tiveram alguma fungao pratica. Darwin alegava que as expresses faciais e a chamada linguagem corporal eram “manifestagdes inatas € incontroléveis” dos estados emocionais intemnos. Por exemplo: a dor era acompanhada de trejeitos e o prazer, de um sorriso, Darwin afirmava que esses tipos de expresses humanas ¢ de outras espécies animais surgiam por meio da evolucao. Seu bidgrafo relatou: “As expresses que surgem nos rostos humanos eram, para ele, uma prova viva e didria da ancestralidade animal” (Browne, 2002, p. 369). Darwin também deu uma pequena contribuigao para a literatura psicol6gica infan- til com o didrio sobre seu filho. Ele registrou cuidadosamente 0 desenvolvimento da crianga e publicou o material intitulado “A biographical sketch on an infant” (1877) na revista Mind. O didrio € um importante precursor da psicologia do desenvolvimento, um exemplo da tese de Darwin de que as criangas passam por uma série de estdgios do desen- volvimento paralelos aos estégios da evolucao humana. oO Hist6ria On-line http://www.bbe.co.uk/education/darwin/index.shtml Esse site contém quase tudo que vocé sempre quis saber a respeito de Darwin e do evolucionismo e mais a chance de criar a propria experiencia sobre a evolugao da vida artificial httpi//wwwliterature.org/authors/darwin-charles/ Esse endereco oferece um acesso on-line para estes livos: The voyage of the Beagle, The origin of species e The descent of man. CCamTuLO 6 FUNCIONALSO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 131 http://www.pages.britishlibrary.net/charles.darwin/ Esse endereco oferece um acesso a todos os trabalhos principais de Darwin, além de informacoes biograficas, fotos, bibliografia e links para outros sites interessantes. http://www.uemp.berkeley.edu/history/evolution.htm! Esse site contém informacoes sobre o desenvolvimento do pensamento evo- lucionista, incluindo as ideias de Darwin e Wallace. http://www.darwinfoundation.org/about/main.html ‘A Charles Darwin Foundation (Fundacéo Charles Darwin) dedica-se 8 conser- vacao do ecossistema das ilhas Galdpagos e oferece informacoes sobre as pesquisas atuais em andamento a respeito da evolucao. A Evolugéo em Andamento: o Bico dos Tentilhées Darwin realizou varias de suas observacdes a respeito da variagao entre as espécies quan- do esteve nas ilhas Galépagos, no oceano Pacifico, préximo a costa da América do Sul. Observou como os animais da mesma espécie haviam evolufdo de formas diferentes em resposta as diversas condicdes ambientais. Seguindo os pasos de Darwin, os bidlogos Peter e Rosemary Grant, da Princeton University, acompanhados de um grupo dedicado de estudantes de pos-graduacao, visi- taram as ilhas para monitorar as modificacdes encontradas nas geragdes subseqiientes de 13 espécies de tentilhdes, decorrentes da adaptacio dos passaros as drasticas mudancas ambientais. O programa da pesquisa comecou em 1973 e durou mais de 20 anos. Os pes- quisadores testemunharam a evolugo em andamento, observando as diferencas nas pequenas aves cantoras de uma geragao a outra. Os Grants chegaram a conclusdo de que Darwin havia subestimado a forcada selecio natural. No caso dos tentilhdes, a evoltucao era mais rapida do que se imaginava. {As varlagdes observadas em uma espécie de tentilhdo iniciaram durante um rigoro- so periodo de seca que afetara 0 suprimento alimentar das aves, reduzindo-o a pequenas sementes duras pontiagudas. Somente os tentilhdes de bicos mais grossos, cerca de 15% da populacdo, quebravam e abriam as sementes. Muitas aves de bicos finos néo con- seguiam abrir as sementes e logo morriam. Portanto, sob essas condigdes de seca, os bicos mais grossos eram ferramentas necessérias para a adaptacao. Quando essas aves de bicos mais espessos se reproduziam, sua ninhada também her- dava essa caracteristica, com bicos de 4% a 5% maiores do que os dos seus ancestrais, antes da seca. Em apenas uma geragio, a selegao natural produzira uma espécic mais bem adaptada e forte. Logo vieram as chuvas, com enormes tempestades e enchentes que varreram da ilha as sementes gratidas, deixando apenas as mitidas como fonte de alimentacao dos passa- 10s. Agora as aves de bicos mais grossos estavam em desvantagem, pois nao conseguiam pegar a quantidade adequada de comida. Era nitida a necessidade de bicos mais finos para a sobrevivéncia, A partir dai, é facil deduzir 0 que aconteceu. Peter Grant escreveu: A seleco provocou uma verdadeira revolugio na vida dos passaros. As aves maiores, com Dicos grandes, estavam morrendo enquanto as aves pequenas, com bicos menores, estavam, se desenvolvendo. A selego mudou rapidamente de lado. (apud Weiner, 1994, p. 104.) 132 HistORs 0 PsicoLocia MODERNA, Na geracao seguinte, o tamanho médio do bico era menor. Mais uma vez a espécie havia evolufdo, adaptando-se as mudangas do seu ambiente. Assim como Darwin previra, apenas os mais aptos sobreviveram. A Evolugéo das Maquinas No Capitulo 2 relatamos que a maquina fora criada para repetir 0 movimento humano (como 0 rob), bem como para imitar o pensamento humano (como a calculadora de Babbage). Seré que as méquinas também evolufam para uma forma mais avancada, como se dizia ocorrer com os humanos e 0s animais? Em 1859, na época da publicacao da teo- ria de Darwin, a comparacdo da vida humana com o funcionamento da méquina era tio amplamente aceita nos meios intelectuais e sociais que a pergunta parecia inevitavel. ‘A pessoa a levantar essa dtivida e a estender a teoria da evolugao as maquinas foi Samuel Butler (1835-1902), um excéntrico escritor ingles, pintor e mtisico, que em 1859 emigrou para a Nova Zelandia a fim de criar ovelhas. Butler e Darwin trocaram varias correspondéncias Em um ensaio intitulado “Darwin among the Machines” (“Darwin entre as maqui- ras"), Butler afirmou que a evolucdo das maquinas ja havia ocorrido. Bastava comparar 0s itens primordiais e rudimentares como as alavancas, as cunhas e as polias com a ‘maquinaria complexa das grandes fabricas e dos navios movidos a vapor. Butler propés que a evolucao mecanica ocorria mediante o mesmo processo da evo- lugo humana: a selecdo natural e a luta pela sobrevivéncia. Os inventores criavam incessantemente novas maquinas para aumentar a competitividade. Essas maquinas eli- minavam ou acabavam provocando a exting4o dos antigos modelos mais simples que nao se adaptavam ou nio competiam mais pela sobrevivéncia, isto é, no conseguiam mais buscar a sua fatia de mercado. Conseqtientemente, as maquinas obsoletas acaba- vam desaparecendo do mesmo modo que os dinossauros. A répida evolugao da tecnologia mostrou a Butler que as maquinas evoluiam a pas- sos mais largos do que os animals, levando-o a refletir sobre as consequléncias. Previu 0 dia em que seriam dotadas de capacidade propria de ajuste e funcionamento, simulando a habilidade humana de processamento de informagdes — uma espécie de inteligéncia. Essa hipotese incitou a idéia da possibilidade de as méquinas evoluirem e se tornarem seres superiores, até mesmo monstruosos, dominadores da vida humana. Butler advertiu que a humanidade corria o risco de se tornar dependente das mAquinas, incapaz de sobre- viver sem elas, assim como qualquer espécie. Faltava apenas mais um estagio para prever que as méquinas acabariam tendo consciéncia. Butler declarou: Nao hé como garantir o nao-surgimento de uma consciéneia mecanica.(..) Quem pode afirmar que a méquina a vapor ndo seja uma espécie de consciéncia? Onde comega e conde termina a conseiéncia? Quem consegue tragar a linha diviséria? (apud Mazlis, 1993, p. 153.) Alguns criticos socials da atualidade esto levantando os mesmos questionamentos a respeito do computador, ud forma altamente evolufda de maquina. Esse assunto serd abordado no Capitulo 15. Butler promoveu suas idéias em diversos artigos, mas, como as revistas em que foram publicados eram de pouca divulgacio, tiveram pouco impacto no pensamento cientifico em geral. Em 1872, a nogdo da evolucdo das maquinas recebeu divulgacio CAPITULO 6 FUNCIONALISWO: AS INFLUENCAS ANTERIORSS 133 mais ampla quando ele a inseriu em um romance, £rewhon (mais ou menos “nowhere” [lugar nenhum] escrito a0 contrario). O enredo descreve uma sociedade utdpica em que as pessoas destruiram as méquinas porque elas estavam desenvolvendo habilidades men- tais e haviam se tornado uma grande ameaca aos principios da vida humana. A popula- Tidade do tema discutido por Butler confirma a fascinacdo existente no século XIX pelas ‘méquinas e pela imagem mecénica da natureza humana, Essas idéias foram o ponto cen- tral da ciéncia da psicologia que estava emergindo. Oo Hist6ria On-line http://hoboes.com/html/FireBlade/Butler/Erewhon/ Esse site contém o texto completo do romance de Butler, Erewhon. A Influéncia de Darwin na Psicologia © trabalho de Darwin, bem no final do século XIX, influenciou a psicologia contempo- ranea, mediante: * 0 enfoque na psicologia animal, que formou a base da psicologia comparativa; * a énfase nas fungdes e nao na estrutura da consciéncia; * aaceitagdo da metodologia e dos dados de diversas areas; +o enfoque na descrigao € mensuragao das diferengas individuais. A teoria da evolucao suscitou a intrigante possibilidade da continuidade do funcio- namento mental entre os humanos e os animais inferiores. Se a mente humana fosse uma evolugao das mentes mais primitivas, entao seré que haveria semelhangas entre o funcionamento mental dos animais ¢ dos homens? Dois séculos antes, Descartes insisti- ra haver uma diferenca entre o funcionamento humano e o animal. Agora a questao vol- tava a tona, Os psicélogos perceberam a importancia do estudo do comportamento animal para compreensao do comportamento humano e concentraram a pesquisa no funciona- ‘mento mental dos animais, introduzindo um novo topico no laboratorio de psicologia, A investigagao da psicologia animal viria a exercer grande impacto no desenvolvimento da area, A teoria da evolugéo provocou também uma mudanga no objeto de estudo e na meta da psicologia. O enfoque da escola de pensamento estruturalista era a anélise do contetido da consciéncia. O trabalho de Darwin inspirou alguns psicélogos que trabalha- ‘vam nos Estados Unidos a analisarem as fungdes da consciéncia. Para alguns pesquisa- ores, esse enfoque parece mais importante do que a descoberta de qualquer elemento estrutural da consciéncia. assim, gradualmente, a medida que a psicologia se dedicava mais ao estudo do funcionamento do ser humano € dos animais na adaptagao ao seu ambiente, a investigacdo detalhada dos elementos mentais, iniciada por Wundt ¢ Titchener, perdia 0 seu apelo. ‘As idéias de Darwin influenciaram a psicologia, ampliando os métodos que essa nova ciéncia passara a usar com legitimidade. Os métodos empregados no laboratorio de Wundt em Leipzig foram derivados principalmente da fisiologia, mais especificamente 134 HistoR DA PsscoLocia MODERNA dos métodos psicofisicos de Fechner. Os métodos de Darwin, que produziam resultado. aplicaveis tanto nos seres humanos como nos animais, ndo tinham qualquer semelhan. ‘¢a com as técnicas baseadas na fisiologia. Os dados de Darwin foram obtidos de diversa: fontes, incluindo a geologia, a arqueologia, a demografia, as observacdes dle animais sel vagens e domésticos e a pesquisa com reproducao. Foram as informagées obtidas de todos esses campos que deram suporte & sua teoria. Essa foi uma prova tangivel impressionante da possibilidade de os cientistas estu darem a natureza humana adotando técnicas que nao a introspec¢ao experimental Seguindo 0 exemplo de Darwin, os psicélogos que aceitavam a teoria evolucionista ¢ sua énfase nas fungdes da consciéncia tornaram-se mais ecléticos em relagdo aos seus méto- dos de pesquisa, expandindo, assim, os tipos de informagdes obtidos. ‘Outro efeito da evolugao na psicologia foi o crescente enfoque nas diferengas indi- viduais. Durante a viagem do Beagle, Darwin observou varias espécies e formas, de modo que, para ele, era evidente a variacdo entre os membros da mesma espécie. Se cada geracdo fosse idéntica aos seus ancestrais, nao haveria evolugo. Portanto essas variagbes, ou seja, essas diferencas individuais consistiam em um principio importante do evolucionismo. Enquanto os psicOlogos estruturalistas continuavam a buscar as leis gerais que abrangessem toda a mente, os psicOlogos influenciados pelas idéias de Darwin procura- vam as diferencas mentais individuals e logo apresentaram técnicas para medir essas diferengas. © material a seguir foi extraido da autobiografia de Darwin. Essa passagem nao se refere & sua pesquisa ou a sua teoria, mas trata da imagem que ele tinha de si proprio ¢ sua opiniao sobre as qualidades pessoais que o levaram ao sucesso. x Texto Original Trecho Extraido de The Autobiography of Charles Darwin (1876) ‘Meus livros tiveram boa vendagem na Inglaterra, foram traduzidos para varios idiomas e passaram por varias edicbes em outros paises. Ouvi dizer que o sucesso de um trabalho no exterior é 0 melhor teste para verificar seu valor perene. Tenho dividas se, afinal, essa afi maco € digna de confianca; todavia, a julgar por esse padréo, o meu nome deve perdurar por alguns anos. Portanto, talver seja de valia tentar analisar as qualidades mentais e as con- dicdes das quais dependeu o meu sucesso, embora ciente de ndo haver homem capaz de fazé-lo corretamente. N3o sou dotado de grande rapidez de apreenséo ou sagacidade, que é notavel em alguns homens inteligentes como, por exemplo, Huxley. Considero-me, assim, um mau cri- tico: quando leio pela primeira vez um trabalho ou um livro, normalmente ele suscita a minha admiracdo e somente depois de muita reflexdo ¢ que percebo os pontos fracos. Minha capacidade de seguir uma linha de pensamento extensa e puramente abstrata é bas- tante limitada e, portanto, nunca teria éxito na metafisica ou na matematica. Minha memo- ria é boa, porém vaga: suficiente para me alertar, indicando-me morosamente ja ter eu observado ou lido algo que contradiga a conclusdo a que estou chegando ou, de modo con- tratio, a favoreca; e depois de algum tempo geralmente sou capaz de lembrar-me onde bus- CAPITULO 6 FUNCIONAUSMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 135, car 0 embasamento necessario. Em certo sentido mintia meméria é to fraca, que jamais fui capaz de memorizar por alguns dias uma Unica data ou um verso de um poema. (...) Do lado favordvel da balanca, creio ser superior aos homens comuns no aspecto de ‘observar algo que facilmente escapa da atencéo, analisando-o cuidadosamente, Minha dedicacao ao trabalho de observacao e & coleta dos fatos chega praticamente ao extremo. ‘© meu amor fitme e ardente pela ciéncia natural é o mais importante. Esse amor puro, no entanto, tem sido alimentado pela ambicéo de ser estimado por meus colegas naturalistas. Desde a juventude, sinto o profundo desejo de compreender ou explicar tudo que observo, ou seja, de agrupar todos os fatos sob algumas leis gerais. Essas causas combinadas proporcionaram-me paciéncia para refletir ou ponderar por quanto tempo fosse necessério a respeito de qualquer problema inexplicavel. No que me concerne julgar, ndo tenho capacidade para seguir cegamente outros homens. Tenho me dedicado com firmeza para manter minha mente livre de modo a renunciar a qualquer hipétese, ‘mesmo que muito querida (e nao resisto a criar uma sobre qualquer assunto), assim que se apresentem fatos que a desmintam. De fato, no possuo outra alternativa sendo agir dessa forma, pois, com excecdo dos Coral Reefs, no tenho lembranga de uma Unica primeira hipétese que nao tenha sido, depois de algum tempo, renunciada ou bastante modificada Isso me conduziu, naturalmente, a rejeitar totalmente o raciocinio dedutivo nas ciéncias mis- tas, Por outro lado, nao sou to cético, uma caracteristica da mente que creio seja umn insul- to para o progresso da ciéncia. Uma boa dose de ceticismo ao cientista & aconselhavel para evitar muita perda de tempo, [mas] conheci nao poucos homens que, sinto com certeza, varias vezes foram assim dissuadidos da experiéncia ou das observacbes que poderiam pro- var-se direta ou indiretamente vAlidas (..) Meus habitos so met6dicos e essa qualidade vern se mostrando bastante eficaz para a minha linha particular de trabalho. Ultimamente, venho tendo amplo lazer por nao ter de obter meu préprio sustento. Até mesmo o meu estado de enfermidade, embora aniquilan- do varios anos da minha vida, salvou-me das distrac6es e divertimentos sociais. Portanto, 0 meu sucesso como um homem da ciéncia, aonde quer que ele tenha me levado, foi determinado, de acordo com o meu julgamento, por condigSes e qualidades mentais diversificadas e complexas, Dentre essas caracteristicas, as mais importantes sa0 0 amor & ciéncia, a paciéncia irrestrita para longas reflexes sobre qualquer assunto, 0 traba- Iho dedicado na observacio e coleta dos fatos e uma fatia razodvel de criatividade, além do senso comum. Com essas modestas habilidades que possuo, é realmente surpreendente que eu houvesse influenciado tao extensamente a crenca dos homens da ciéncia em alguns pon- tos importantes. Diferengas Individuais: Francis Galton (1822-1911) © trabalho de Galton a respeito da heranca mental e das diferencas individuais da capa- cidade humana incorporou efetivamente 0 espirito da evolugio na nova psicologia Antes dele, o fendmeno das diferencas individuais quase nao era considerado um tema adequado para estudo. Um dos poucos cientistas pioneiros a reconhecerem as diferencas individuais nas habilidades € nas atitudes foi o médico espanhol Juan Huarte (1530-1592). Trezentos anos antes dos estudos de Galton nessa area, Huarte havia publicado um livro intitula- 136 Histo D4 PSICOLOGIA MODERNA do The examination of talented individuals (O exame dos individuos talentosos), em que apre- sentava uma grande variedade de diferencas individuais da capacidade humana (apud Diamond, 1974). Huarte sugeria que as criancas comecassem a estudar desde cedo para que a educacao pudesse ser planejada individualmente de acordo com as suas habilida- des. Por exemplo: mediante uma avaliacao adequada, seria oferecida ao aluno com apti- dio musical a oportunidade de estudar miisica e as disciplinas afins. livro de Huarte teve alguma repercussao, no entanto suas idéias nao eram formal- mente seguidas antes de Galton. Embora Weber, Fechner e Helmholtz houvessem observado as diferencas individuais nas pesquisas experimentais, nao investigaram sis- tematicamente essas descobertas. Além disso, Wundt e Titchener sequer consideravam as diferengas individuais como parte legftima do estudo da psicologia. A Biografia de Galton Francis Galton era dotado de extraordinéria inteligencia (um QI estimado de 200) ¢ riqueza de idéias originais. Entre alguns dos topicos da sua pesquisa esto as impresses digitais (que a policia acabou adotando para a identificacao criminal), a moda, a distri- buicdo geografica da beleza, o levantamento de peso e a eficacia da oracao religiosa. Ele inventou uma versio inicial da impressora de teletipo, um dispositivo para abrir cadea- dos e um periscépio que o permitia olhar por sobre as cabecas das pessoas durante um desfile de rua. Galton era o cacula de nove filhos e nasceu em 1822, nas proximidades de Birmingham, Inglaterra. Seu pai era um banqueiro prOspero cuja familia abastada e socialmente destacada inclufa pessoas de esferas de grande influéncia como 0 governo, a Igreja € 0 exército. Aos 16 anos, por insisténcia do pai, Galton comecou a aprender medicina no Hospital Geral de Birmingham, como assistente de médico. Distribufa ‘medicamentos, lia livros de medicina, tratava de fraturas, amputava dedos, extraia dentes, aplicava vacina nas criangas e divertia-se lendo os classicos da literatura. No geral, entretanto, ndo achava uma experiéncia prazerosa e continuava somente por pressio do pai Um incidente ocorrido durante 0 aprendizado médico de Galton é um exemplo da sua curiosidade. Desejando conhecer os efeitos dos diversos medicamentos da farmécia, ele passou a tomar pequenas doses de cada um ¢ a anotar a sua reaco, iniciando, de forma sistemética, com os que comecavam com a letra “A”. Essa aventura cientifica teve fim na letra “C", quando tomou uma dose de 6leo de croton, um forte laxante. Depois de um ano no hospital, continuou seus estudos de medicina no King’s College, — em Londres. No ano seguinte mudou os planos e matriculou-se no Trinity College da Cambridge University. Ali, diante do olhar do busto de sir Isaac Newton, procurou seguit seu interesse pela matemética. Embora seu trabalho houvesse sido interrompido por um Profundo surto mental, conseguiu formar-se. Retomou o odioso estudo da medicina, até que a morte do seu pai finalmenite o libertou daquela profisséo. Nesse momento, a viagem e a exploracao chamavam a atencio de Galton. Viajou por toda a Africa e publicou relatos sobre as viagens, que Ihe renderam uma medatha da Royal Geographic Society (Sociedade Real de Geografia). Na década de 1850, parou de viajar, alegando como causas 0 casamento e a satide fragil, mas manteve o interesse pela exploracao e escreveu um famoso guia intitulado The art of travel. O livro fez tanto suces- So que fol publicado em oito edigdes, em oito anos, e reimpresso em 2001. Galton tam- (CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 137) bbém organizava expedicoes para exploradores e dava orientagdes sobre a vida no campo a soldados em treinamento para servirem em pais estrangeiro. Sua inquietacdo mental o conduziu em seguida a meteorologia e a criagao de instru- mentos para coletar informacdes meteorolégicas, Seu trabalho nesse campo resultou no desenvolvimento do tipo de mapa meteotol6gico utilizado até hoje. Galton resumiu suas descobertas em um livro considerado a primeira tentativa de cartografar em grande escala os padres de meteoros. Quando seu primo Charles Darwin publicou On the origin of species, Galton ficou fas- Cinado pela nova teoria. Escreveu, dizendo que o livro “marcou época no meu préprio desenvolvimento mental, assim como no pensamento humano em geral” (apud Gillham, 2001, p. 155). © primeiro ponto a chamar sua atenco foi o aspecto biologico da evolugdo, ¢ assim ele realizou uma pesquisa sobre os efeitos das transfusdes de sangue entre os coelhos para descobrir se as caracteristicas adquiridas seriam herdadas. Embora seu interesse pelo lado genético do evolucionismo nao houvesse durado muito tempo, as implicagoes sociais da teoria direcionaram seu trabalho subseqiiente e determinaram sua influéncia na psicologia moderna. A Heranca Mental primeiro livro importante de Galton para a psicologia foi Hereditary genius (1869). Quando Darwin 0 leu, escreveu a Galton, dizendo nunca ter lido algo tao interessante ¢ original, Galton procurou demonstrar que a grandeza ou a genialidade individuais ocor- riam com tanta freqiiéncia dentro das familias que a mera explicagao da influéncia ambiental nao era suficiente. Resumindo: sua tese afirmava que um homem notivel teria filhos homens notaveis. (Naquele tempo, as filhas tinham poucas oportunidades de se destacarem a nao ser por meto de um casamento com algum homem importante.) A maioria dos estudos biograficos descritos por Galton em Hereditary genius eram esquisas sobre os ancestrais de influentes cientistas € médicos contemporaneos. Os dados demonstravam que uma pessoa famosa herdava ndo apenas a genialidade, como também sua forma especifica, Por exemplo: um grande cientista nascia em uma familia que ja se houvesse destacado na cigncia. 0 objetivo de Galton era incentivar 0 nascimento de individuos mais notaveis ou mais aptos na sociedade e desencorajar 0 nascimento dos inaptos. Para essa finalidade, fundou a ciéncia da “eugenia’, palavra por ele cunhada. Eugenia, ele afirmou, lida com as “questoes relacionadas com o termo grego, Eugenes, isto é, de boa estirpe, hereditari mente dotado de qualidades nobres” (apud Gillham, 2001, p. 207). Galton desejava impulsionar o aperfeigoamento das qualidades herdadas da raga humana, Argumentava que 0s seres humanos, assim como os animals de criagao, podiam ter as caracteristicas melhoradas mediante a selecio artificial. Se as pessoas de muito talento fossem selecio- nadas e acasaladas geracao apés geracdo, o resultado seria uma raga humana extrema mente talentosa, Propés o desenvolvimento de testes de inteligéncia para selecionar homens ¢ mulheres brilhantes, destinados a reprodugio seletiva, e recomendou que os melhores recebessem incentivos financeiros para se casarem e procriarem.® © Galton, mesmo, no teve ios, nem seus inion, Aparentementeo problema era gendico 138 His10814 DA PCOLOGIA MODERNA Na tentativa de verificar sua teoria da eugenia, Galton estudou problemas de men- suracdo ¢ de estatistica. Para o livro Hereditary genius, aplicou conceitos estatisticos a pro- blemas de hereditariedade, classificando os homens extraordinarios de sua amostragem em categorias, conforme a frequéncia com que seus niveis de capacidade ocorriam na populacao. Os dados comprovaram que os homens notaveis apresentavam maior proba- idade de terem filhos extraordinarios do que os homens comuns. A amostragem con- sistia em 977 homens famosos, cada um tao notavel que a proporgao era de 1 para cada 4.000 homens. Aleatoriamente, a expectativa seria de haver no grupo apenas um paren- te importante; no entanto havia 332. A probabilidade de superioridade em algumas familias nao era alta o suficiente para Galton aceitar seriamente qualquer possibilidade de influéncia de um ambiente superior, como melhores oportunidades educacionais ou vantagens socials, Seu argumento era de que a eminéncia ou a sua auséncia deviam-se exclusivamente a uma funcao hereditéria, € nao a oportunidade. Galton escreveu também English men of science (1874), Natural inheritance (1889) € ‘mais 30 trabalhos a respeito da hereditariedade. Publicou a revista Biometrika, fundou 0 laboratorio de eugenia na University College, de Londres, e uma organizagao para pro- ‘mover suas idéias acerca do aperfeigoamento das qualidades mentais da raca humana, No trecho a seguir, extraido de Hereditary genius, Galton discute os limites do desen- volvimento tanto fisico como mental impostos pela hereditariedade. resto Original Trecho Extraido de Hereditary Genius: An Inquiry Into Its Laws and Consequences (1869), de Francis Galton Nao tenho como admitir a hip6tese ocasionalmente expressa, e muitas vezes implicita, prin- ipalmente nas historias escritas a fim de ensinar as criancas a sere boas, de que os bebés recem-nascidos 530 muito parecidos e que os tinicos agentes a criarem as diferencas entre dois garotos e entre dois homens sejam a rigida aplicacao e 0 esforgo moral. € da maneira ‘mais incondicional que faco objecdo contra as pretens6es da igualdade natural. As experién- cias do bercério, da escola, da universidade e das carreiras profissionais formam uma cadeia de provas contrérias. Admito francamente o enorme efeito da educacdo e das influ€ncias sociais no desenvolvimento dos poderes ativos da mente, assim como reconheco 0 efeito do uso no desenvolvimento dos misculos do braco de um ferreiro e nada mais. Deixe o ferrei- ro simplesmente trabalhar, e ele descobriré que existe algumas proezas acima do seu oder que sao convenientes para a forca de um homem de feitio hercileo, embora possa ter tido uma vida sedentaria.(..) Todo aquele que se exercita fisicamente descobre a magnitude da sua forca muscular para o refinamento. Quando comeca a caminhar, a remar, a utilizar halteres ou a correr, des- cobre, para seu deleite, que seus [musculos] se fortalecem e a sua resistencia a fadiga aumenta dia apés dia. Enquanto ¢ um novato, talvez se vanglorie da inexisténcia de um limi- te designavel ao treinamento dos seus musculos; todavia logo notaré que o ganho diario diminui e que, por fim, acaba desaparecendo. Seu desempenho maximo torna-se uma quantidade rigidamente determinada. Aprende a medir milimetricamente a sua capacidade de salto em altura ou distincia quando atinge o mais alto grau de treinamento. Aprende a CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCS ANTEORES 139 dosar a forca que pode aplicar no dinamémetro, comprimindo-o. € capaz de aplicar um ‘golpe na maquina utilizada para medicao de impacto e obter certo grau de indice, mas nada mais, € assim na corrida, no remo, na caminhada e em qualquer outra forma de exercicio. A forca muscular humana possui um limite definido que nao pode ser ultrapassado por nenhum exercicio ou treinamento. Esse argumento € precisamente similar 8 experiéncia vivida por cada aluno que trabalha com a sua capacidade mental. O garoto ansioso no primeiro dia de aula, a0 con- frontarse com as dificuldades intelectuais, fica maravilhado com seu progresso. Vanglo- ria-se do desenvolvimento mental recém-conquistado e da sua capacidade crescente de aplicacao e, talvez, carinhosamente acredite estar a seu alcance tornar-se um dos herdis que deixaram a sua marca ao longo da historia mundial. Os anos passam, ele compete repetidas vezes com os seus colegas nos exames da escola e da faculdade e logo conquis- ta 0 seu lugar entre eles. Sabe que pode vencer este ou aquele concorrente; que existem alguns com quem compete em igualdade de condicoes e outros com: feitos intelectuais dos quais ele nem se aproxima. (...) Dessa maneira, com esperancas recém-renovadas e com toda a ambicao de um jovem de 22 anos, sai da universidade e ingressa em um campo de competicao ainda maior. Ali, ‘© mesmo tipo de experiéncia pelo qual ja passou o aguarda, Surgem as oportunidades — elas surgem para todo homem — e ele se sente incapaz de agarré-las. Ele tenta e é tenta- do de diversas maneiras. Em mais alguns anos, a menos que definitivamente cegado pela propria vaidade, aprende exatamente quais sdo os desempenhos de que é capaz e quais S40 0s que esto além da sua capacidade. Quando atinge a maturidade, ¢ confiante ape- nas dentro de determinados limites e se conhece, ou deveria conhecer-se, assim como é provavelmente julgado pelo mundo, com todas as suas inconfundiveis fraquezas e todas as suas inegéveis forcas. No se tortura mais em realizar esforcos indteis pelos discursos fala- ciosos da presuncosa vaidade, todavia limita as suas realizacdes as matérias abaixo do nivel de seu alcance e descobre 0 verdadeiro repouso moral na conviccao honesta de que esta engajado na melhor empreitada de que é capaz de desempenhar, proporcionada pela sua natureza, Métodos Estatisticos Galton nunca ficava totalmente satisfeito com um problema até encontrar alguma maneira de quantificar os dados e analisi-los estatisticamente. Quando precisava, até desenvolvia os préprios métodos. O estatistico belga Adolph Quetelet (1796-1874) foi o primeiro a utilizar os méto- dos estatisticos e a curva normal de distribuigao em dados biol6gicos e socials. A curva normal fora empregada em trabalhos acerca da distribuicao de medidas e erros na obser- vagio cientifica, mas nao havia sido aplicada a variabilidade humana até Quetelet demonstrar que as medidas de altura de 10 mil individuos ficavam proximas da curva normal. A sua expresso l'homme moyen (0 homem médio) explicava a descoberta de que a maioria das medidas fisicas ficavam distribuidas em torno da média ou do centro da distribuigao e poucas se encontravam proximas de qualquer extremo. 140 HistoRiA D4 PsICOLOGIA MODERNA oO Histéria On-line http://www.maps jeu.edu.au/hist/stats/quet/index.htm Esse site contém informagbes acerca da vida e do trabalho de Quetelet, Galton ficou impressionado com os dados de Quetelet e presumiu que resultados similares seriam obtidos para as caracterfsticas mentais. Por exemplo: Galton descobriu que as notas atribufdas nos exames das universidades segulam a curva normal. Devido & simplicidade da curva normal e sua consisténcia em varios tragos, ele sugeriu que ‘qualquer conjunto grande de medidas ou de valores das caracteristicas humanas podia ser descrito satisfatoriamente por dois ntimeros: o valor médio da distribuicao (a média arit- mética) e a dispersio ou a faixa de variagdo em torno desse valor médio (0 desvio padrao). © trabalho estatfstico de Galton produziu uma das medidas cientificas mais impor- tantes: a correlaco. O primeiro relat6rio, utilizando o que ele chamou de “co-relacao”, fol elaborado em 1888. As modernas técnicas estatisticas para a determinacao da valida- de e confiabilidade dos testes, bem como dos métodos analitico-fatoriais, sto resultado direto da sua pesquisa de correlacdo, os quais foram baseados na observacdo da tendén- la das caracterfsticas herdadas de regressarem na dire¢do da média. Por exemplo: ele observou que, na média, os homens de estatura alta ndo so tdo altos quanto seus pais; por outro lado, os filhos de homens de estatura bem baixa sio mais altos do que os pais. Ele representou graficamente as propriedades basicas do coeficiente de correlacdo e criou uma formula para o célculo, embora nao seja mais usada. Incentivado por Galton, seu aluno Karl Pearson (1857-1936) desenvolveu a formula usada atualmente para calcular 0 coeficiente de correlacdo (0 coeficiente de correlagio produto-momento de Pearson), cujo simbolo € a letra “t” inicial da palavra “regressio”, ‘como homenagem a descoberta da tendéncia dos tragos humanos herdados de regresso para a média feita por Galton. A correlacao é uma ferramenta fundamental para as ciéncias sociais e comportamen- tais, bem como para a engenharia e as ciéncias naturais. Além disso, outras técnicas de estatistica foram desenvolvidas gracas ao trabalho pioneiro de Galton. Testes Mentais A expressio testes mentais foi cunhada por James McKeen Cattell, discipulo americano de Galton ¢ aluno de Wundt (veja no Capitulo 8). Entretanto foi Galton quem deu ori- gem ao conceito de testes mentais. Ele imaginava que a inteligéncia podia ser medida com base na capacidade sensorial individual e que, quanto mais inteligente, mais alto seria o nivel de funcionamento sensorial do individuo. Galton extraiu essa idéia da visao emplrista de John Locke de que todo conhecimento é adquirido por meio dos sentidos. Se Locke estivesse correto, as pessoas mais inteligentes teriam os sentidos mais agugados. Testes mentais: testes de habiljdade motora e capacidade sensorial os testes de inteligéncia usam ‘medicBes mais complexas de habilidade mental A fim de atingir seus objetivos, Galton precisava inventar um aparelho que realizas- se medidas sensoriais de grande néimero de pessoas com rapidez e precisio. Por exem- CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCAS AxTERORS 141. plo: para determinar a frequéncia sonora mais alta, passivel de deteccao, inventow um apito que testou em animais e em seres humanos. Caminhava pelo 200l6gico de Londres ‘com uma bengala que tinha 0 apito afixado em uma ponta e na outra uma espécie de bexiga de borracha que ele apertava para tocar 0 apito, enquanto observava a reagio dos animais. O apito de Galton tornou-se uma peca-padrao entre os equipamentos do labo- ratorio de psicologia até ser substituido, na década de 1930, por um dispositivo eletroni- co mais sofisticado. Entre outros instrumentos usados por Galton estao o fotOmetro, para medir a preci- so com que uma pessoa consegue encontrar dois pontos da mesma cor, um péndulo calibrado, para medir a velocidade de reaco & luz € ao som, e uma série de pesos orde- nados para medir a sinestesia ou a sensibilidade muscular. Criou ainda uma barra com varias medidas de distancia para testar a estimativa de extensdo visual ¢ conjuntos de recipientes contendo diversas substancias para testar a distingao olfativa. Em sua maio- tia, os testes de Galton serviram como prototipos para equipamentos que se tornaram padrao de laboratério. Munido de seus novos testes, Galton prosseguiu coletando uma enorme quantidade de dados. Fundou o Laboratorio Antropométrico na International Health Exhibition (Exposicao Internacional De Satide), em 1884, e mais tarde transferiu-o para o museu South Kensington de Londres. © laboratério funcionou durante seis anos e, nesse perio- do, Galton coletou dados de mais de 9 mil pessoas. Ele arrumava os instrumentos para as medidas psicométricas e antropométricas sobre uma mesa comprida, no fundo de ‘uma sala estreita, de mais ou menos 2m de largura por 11 m de comprimento. Median* ‘© pagamento de uma pequena taxa, o visitante entrava, passava por todo o comprimen- to da mesa e um atendente realizava a avaliagao e registrava os dados em um cartao. Além dessas medidas mencionadas, os funcionérios do laboratorio registravam a altura, 0 peso, a capacidade respirat6ria, a forca de Impulsdo e compressao, a rapidez de sopro, a audi¢do, a visdo e a percepcdo cromética. Cada pessoa passava por um total de 17 testes. O objetivo do programa de testes em larga escala de Galton era nada menos que a definigdo da variedade da capacidade humana de toda a populacao britanica para determinar seus recursos mentais coletivos. Um século mais tarde, um grupo de psic6logos americanos analisou esses dados (ohnson et al., 1985) e descobriu muitas correlagoes teste-reteste, indicando a consistén- cia estatistica dos dados. Esses psicélogos constataram também que os dados forneciam informagdes acerca das tendéncias do desenvolvimento infantil, juvenil e adulto, dentro da populagao testada. As medidas como o peso, 0 alcance do brago, a capacidade respi- ratoria e a forca de compress4o mostraram-se similares as descritas na literatura psicol6- gica mais recente, exceto em relacdo a velocidade de desenvolvimento que, na época de Galton, parece ter sido um pouco mais lenta. Os psicélogos chegaram & conclusio de que esses dados continuam instrutivos. A Associa¢ao de Idéias Galton trabalhou em dois problemas relacionados com a area da associagao: 1. a diversidade de associagdes de idéias; 2. 0 tempo de reagio (o tempo necessario para a produco de associ: \coes). 142. HistoR D4 PSICOLOGIA MODERNA Um dos métodos usados por Galton para estudar a diversidade de associagdes er: caminhar cerca de 400 metros pela rua Pall Mall (em Londres, entre a Trafalgar Square « © palacio de St. James), concentrando sua atengao em um objeto até que ele Ihe incitas. se uma ou duas associagies de idéias. A primeira vez. em que realizou essa experiéncia, surpreendeu-se com 0 niimero de associagbes provocadas por cerca de 300 objetos que vira. Muitas dessas associagSes eram Jembrangas de experiéncias do passado, inclusive de incidentes que pensava ter se esque- cido havia muito tempo. Ao repetir a caminhada alguns dias depois, constatou uma con- siderdvel repeti¢ao das associagdes ocorridas na primeira experiéncia, o que pés fim ao seu interesse na questo. Voltou-se para as experiéncias sobre o tempo de reacio, que produziam resultados mais satisfat6rios. Preparou uma lista de 75 palavras e escreveu cada qual em uma tira de papel sepa- tada. Depois de uma semana, leu uma palavra de cada vez e, com o cronémetro, regis- trou o tempo que Ievou para produzir duas associagbes para cada palavra. Muitas delas consistiam em apenas uma palavra, mas algumas eram imagens e figuras mentais que exigiam diversas palavras para descrevé-las. A tarefa seguinte era determinar a origem dessas associagOes. Identificou cerca de 40% dos acontecimentos da infancia e da adoles- ‘céncia, demonstragao inicial da influéncia das experiéncias da inféncia na personalida- de adulta. Galton também ficou bastante impressionado com a influéncia dos processos de Pensamento do seu inconsciente, que trouxeram para o nivel consciente incidentes que ovreditava haver esquecido muito tempo atrés. Disse que chegou a acreditar “que o met melhor trabalho cerebral era totalmente independente da [consciéncia]” (apud Gillham, 2001, p. 221). Escreveu sobre a importancia do inconsciente em um artigo publicado na revista Brain (1879). Em Viena, Sigmund Freud, que tinha idéias proprias a respeito da importéncia do inconsciente, era assinante da revista e foi nitidamente influenciado pelo trabalho de Galton (veja no Capitulo 13). Mais importante que os resultados foi o método experimental que Galton desenvol- veu para estudar as associacdes, hoje conhecido como o teste de associagdo de palavras. Wilhelm Wundt adaptou a técnica no laboratério de Leipzig, como mencionamos no Capitulo 4, limitando as respostas dos individuos a apenas uma palavra. O analista Carl Jung (Capitulo 14) aprimorou a técnica para aplicé-la na sua pesquisa de associagao de palavras relativa a personalidade. Imagens Méntais As pesquisas de Galton a respeito das imagens mentais marcaram a primeira aplicacio ampla do questionério psicologico. Pedia-se as pessoas que se lembrassem de alguma cena, como, por exemplo, a mesa do café da manha daquele dia, ¢ tentassem inferir ima- gens. Elas eram instrufdas a relatar se as imagens eram obscuras ou nitidas, claras ou escuras, coloridas ou nao, ¢ assim por diante, Para sua surpresa, o primeiro grupo de pes- soa, cientistas conhecidos, nao relatou nenhuma imagem nitida. Alguns nao entende- | Tam muito bem do que Galton estava falando. ‘Tomando uma amostragem mais ampla da populacao, Galton obteve relatos de ima- | gens nitidas e bem distintas, cheias de detalhes e de cores. As imagens descritas pelas mulheres e criangas eram mais concretas e detalhadas. Utilizando-se da anélise estatisti- a, Galton descobriu que as imagens mentais, assim como muitas outras caracteristicas humanas, estavam distribuidas na populacdo conforme a curva normal. Caputo 6 FUNGONAUSMO: As INFLUENCAS ANTERIORES 143, © trabalho de Galton sobre as imagens estava baseado na sua continua tentativa de demonstrar as semelhangas hereditarias, Descobriu que a probabilidade de ocorréncia de imagens semelhantes era maior entre parentes do que entre pessoas desconhecidas. Aritmética Olfativa e Outros Tépicos ‘A riqueza do talento de Galton fica evidente na variedade dos seus estudos de pesquisa. Ele chegou a se colocar no estado mental de uma pessoa que sofre de paranéia, imagi- nando que todos ou tudo que via o estavam o espionando. Um historiador relata que, ‘quando ele fazia isso durante a sua caminhada matutina, “sentia como se todo cavalo olhasse diretamente para ele ou, desconfiadamente, dissimulasse a espionagem, simples- ‘mente fazendo de conta que nao Ihe prestava atencao” (Watson, 1978, p. 328-329). ‘No auge da controvérsia entre o evolucionismo de Darwin ¢ a teologia fundamenta- lista, Galton estudou a questo com a objetividade necessdria e concluiu que, embora muitas pessoas tivessem fortes crengas religiosas, nao havia provas suficientes da sua validade. Realizou uma pesquisa sobre o poder da oragao na producao de resultados e verifi- cou nio ter ela eficdcia para os médicos curarem pacientes ou para os meteorologistas tentarem mudar as condigdes do tempo, nem para 05 religiosos aplicarem-na na vida cotidiana. Acreditava haver pouca diferenga entre as pessoas possuidoras de fortes cren- ‘gas religiosas e as que ndo possuiam, em termos de expectativa de vida, de relacionamen- to interpessoal ou de enfrentamento dos préprios problemas. Galton esperava que um conjunto de crencas mais efetivo pudesse ser estruturado em termos cientificos. Pensava que o desenvolvimento de uma raga humana superior por meio da evolugio, mediante a eugenia, devia ser a meta da sociedade e ndo um lugar no céu. Seu interesse na quantificagdo € na analise estatistica muitas vezes se expressava no seu apego aos mimeros. Passava o tempo entre palestras ¢ pecas teatrais contando os bocejos e as tossidas do publico. Descrevia os resultados como uma medida do tédio. Em uma ocasiao, quando um artista pintava o seu retrato, contou o numero de pinceladas: cerca de 20 mil, Um dia decidiu contar pelo cheiro e nao por nimeros, e praticou bas- tante para poder esquecer o significado deles. Mas, em vez de esquecer os nimeros, atri- bulu valores numéricos aos odores — como o cheito de menta — e aprendeu a adicionar e subtrair pensando no cheiro. Esse exercicio intelectual deu origem a um trabalho inti- tulado “Arithmetic by smell” (Aritmética olfativa), publicado na primelra edi¢ao da revista especializada americana Psychological Review. oO Histéria On-line http://Awmw.mugu.com/galton/ Esse site oferece acesso a uma rica variedade de trabalhos de Galton e sobre ele, incluindo suas contribuigées nas diversas areas do conhecimento, Apresenta também fotos e ilustracoes. http://www.maps.jeu.edu.au/hist/stats/galton/ Esse endereco contém informacdes sobre a vida e o trabalho de Galton. 144 HistOmia 04 PscoLoGia MODERNA http//www.abelard.org/galton/galton.htm Esse endereco apresenta 0 texto completo do trabalho “Statistical inquiries into the efficacy of prayer” (Investigacoes estatstcas da eficdcia da ora¢ao), além de um restimo biogréfico € uma visdo geral dos trabalhos a respeito da impresso digital, da eugenia e das exploracbes realizadas na Africa, Comentérios Galton passou 15 anos pesquisando problemas psicol6gicos e seus esforcos tiveram um Impacto significativo na dirego da nova psicologia, embora nao fosse realmente um psi- ‘c6logo. Era uma pessoa extremamente bem dotada, cujos talento e temperamento nao ficaram restritos a uma Gnica disciplina. Basta verificar 0s métodos e 0 escopo do seu interesse: adaptagio, hereditariedade versus ambiente, comparacdo das espécies, desen- volvimento infantil e testes mentais. Seu trabalho exerceu maior influéncia na evolucao da psicologia americana do que o trabalho do fundador da disciplina, Wilhelm Wundt. | A Psicologia Animal e a Evolugao do Funcionalismo | A teoria da evolugio de Darwin fol comprovadamente um estimulo para o desenvolvi- mento da psicologia animal. Antes da publicagio de On the origin of species, nao havia razdo para os cientistas se preocuparem com a mente animal, jé que os animais eram apenas robés sem mente e sem alma. Afinal, Descartes afirmou que 0s animais nio tinham qualquer semelhanca com os homens. trabalho de Darwin alterou essa visto conformista, pois suas conclusées apontaram ara a inexisténcia de qualquer distin¢ao evidente entre a mente humana e a animal. Assim, os cientistas propuseram a continuidade entre todo aspecto mental e fisico dos seres humanos e dos animais, com base na teoria de que o homem descende do animal por meio do continuo proceso de desenvolvimento evolutivo. Darwin afirmou: “Nio existe diferenca fundamental entre 0 homem e os mamiferos superiores em relagio as faculdades mentais” (1871, p. 66). E ainda acreditava que os animais inferiores sentiam Prazer e dor, alegria e tristeza; tinham sonhos e até certo grau de imaginacao. Mesmo as minhocas, afirmou Darwin, demonstram prazer ao comer, além de paixdo sexual e sent= mento social, sendo tudo uma prova da existéncia de alguma forma de mente animal. Se fosse possivel provar a existéncia da habilidade mental nos animais, além de com- Provar a continuidade entre a mente animal e a mente humana, essas evidéncias colo- cariam por terra a dicotomia humano/animal defendida por Descartes. Desse modo, estava lancado o desafio para os cientistas buscarem as provas da existéncia da inteligen- cia animal. Darwin defendeu suas idéias sobre a inteligéncia animal no livro The expression of the emotions in man and animals (1872), em que argumentava que 0 comportamento emo- cional humano deriva do comportamento herdado que um dia fora titil aos animais mas que nao ¢ mais relevante para 0 homem, Um exemplo é a expresso nos labios de uma’ pessoa quando ela quer demonstrar escdmio. Darwin alegava ser esse gesto remanescen- te da forma como 0 animais enfurecidos mostravam os dentes caninos. Nos anos que se seguiram a publicacéo de On the origin of species, o tema da inteli~ géncia animal ganhou popularidade, nao apenas entre a comunidade cientifica como, CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 145, também entre o pablico em geral. Nas décadas de 1860 e 1870, muitas pessoas escreviam. para as revistas populares e cientificas pedindo exemplos de comportamento animal que ‘comprovassem habilidades mentais antes ignoradas. Hist6rias circulavam dando conta de feitos marcantes da inteligéncia de gatos e cdes domésticos, cavalos e porcos e até de Jesmas e passaros. Nem o grande experimentalista Wilhelm Wundt escapou dessa tendéncia. Em 1863, antes de tornar-se o primeiro psic6logo da hist6ria, Wundt escreveu a respeito das habi- lidades intelectuais de varios seres vivos, desde besouros até castores. Ele presumia que os animais que exibissem qualquer capacidade minima sensorial também deviam ser dotados de poder de julgamento e de inferéncia consciente. Na verdade, os animais sim- ples nao deviam ser considerados inferiores, pois diferiam dos seres humanos nio tanto pela habilidade como por terem recebido menos educagdo e treinamento! Trinta anos depois, a sua generosidade em relacdo a inteligéncia animal havia diminuido, mas durante algum tempo sua afirmagio juntou-se as varias que sugeriam serem os animais t40 bem dotados quanto os seres humanos. “George John Romanes (1848-1894) O fisiologista britanico George Romanes formalizou e sistematizou o estudo da inteligén- la animal. Ainda crianga, fol considerado pelos pais “um perfeito idiota” (Richards, 1987, p. 334). Quando jovem, ficou impressionado com os trabalhos de Darwin. ‘Tornaram-se amigos e Darwin deu a Romanes seu caderno de anotages sobre o compor- famento animal. Desse modo, Darwin escolheu Romanes para dar continuidade aquele aspecto do seu trabalho, aplicando a teoria da evolucdo 4 mente assim como ele havia iplicado ao corpo, e Romanes mostrou-se um sucessor de valor. Por ser rico, Romanes precisava se preocupar em ganhar a vida. O tinico emprego que teve foi como pro- fessor de meio periodo na University of Edinburgh, que exigia a sua presenga no total de uas semanas no ano. Passava o inverno em Londres e Oxford e o verdo na praia, onde ¢onstrui um laborat6rio tio bem equipado quanto o de uma universidade. Romanes publicou Animal intelligence (Inteligéncia animal) (1883), geralmente con- siderado o primeiro livro de psicologia comparativa. Coletou dados do comportamento de protozoérios, formigas, aranhas, répteis, peixes, passaros, elefantes, macacos e ani- mais domésticos. Seu objetivo era demonstrar o alto nivel da inteligéncia animal e a sua semelhanga com o funcionamento intelectual humano, mostrando assim a continuida- de do desenvolvimento mental. Com suas palavras, Romanes desejava demonstrar que “no ha diferenea de modalidade entre os atos racionais executados pelo caranguejo qualquer ato racional humano” (apud Richards, 1987, p. 347). Romanes desenvolveu o que chamou de “escada mental”, em que ordenava as varias. espécies animals por grau de funcionamento mental (Tabela 6.1). Observa-se na tabela que ele creditava até as formas de vida inferior (como a gua-viva, 0 ourico ea lesma) um alto grau de funcionamento mental. Ele formou essas opiniées, de algum modo sur- Preendentes, coletando dados por meio do método anedético, definido como 0 uso de relatos ou narrativas de observagbes, muitas vezes casuais, sobte 0 comportamento ani- mal. Muitos dos relatos foram de observadores néo-treinados e acriticos, cujas observa- ‘Ges poderiam ser parciais e negligentes. | Método anedético: utlizaco dos relatos de observacao do comportamento animal 146 Histémta Da PsicoLocia MODENA Tabela 6.1 Escada de Funcionamento Mental de Romanes Espécies Nivel de desenvolvimento intelectual ‘Chimpanzé, cio Moralidade indefinida Macaco, elefante Uso de ferramentas Péssaro Reconhecimento de figuras, compreensio de palavras Abelha, vespa Comunicagao de idéias Réptil Reconhecimento de pessoas Lagosta, caranguejo Peixe Associacdo por similaridade Lesma, lula Associacdo por contigitidade Estrela-do-mar, ourigo-do-mar_ Meméria Agua-viva, anémona marinha Consciéncia, prazer, dor ‘Nota: Adaptado de Feral children and clever animals: reflections on human nature (p. 192), de D. K. Candland, 1993, Nova York: Oxford University Pres. Romanes desenvolveu essas definigdes a respeito da inteligéncia animal com base nas observagbes anedéticas obtidas por meio de uma técnica curiosa chamada intros- ecco por analogia, que acabou sendo descartada. Nessa abordagem, os pesquisadores partem do principio de que os mesmos processos mentais que ocorrem em suas mentes ocorrem na mente dos animais sendo observados. Assim, presume-se a existéncia de uma fungao mental especifica, observando-se 0 comportamento do animal e criando- se uma analogia — seja por alguma correspondéncia seja por relago — entre os proces- sos mentais humanos conhecidos ¢ os processos que, deduz-se, estejam ocorrendo na mente do animal. ara comear, com base no conhecimento subjetivo das operagées da minha mente e das atividades que essas operacées parecem indicar em meu organismo, sigo por analogia para deduzir, a partir das atividades observaveis demonstradas por outros organismos, 0 fato de que certas operacSes mentais sustentam ou acompanham essas atividades. (Romanes, apud Mackenzie, 1977, p. 56-57.) Com a técnica da introspeceao por analogia, Romanes sugeria que os animais eram capazes de realizar 0s mesmos tipos de racionalizagao, ideacao, raciocinio complexo, processamento de informacdo e solucdo de problemas que os humanos. Alguns de seus seguidores creditavam aos animais niveis de inteligéncia muito superiores ao do ser humano métio. Introspeceao por analogia: técnica para estudar 0 comportamento animal, partindo do princi piio de que os processos mentais que ocorrem na mente do observador também se dao na mente do animal Romanes acreditava que, excluindo 0 macaco ¢ o elefante, 0 gato era o animal mais inteligente. Escreveu muito sobre o comportamento do gato que pertencia ao seu moto- CAPITULO 6 FUNCIONALISHO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 147. ista. Realizando varios movimentos intrigantes, o gato era capaz de abrir as portas fecha- das que conduziam ao estabulo. Empregando a introspec¢o por analogia, Romanes con- cluiu que: ; Nos casos como esse, os gatos tém uma idéia perfeitamente definida das propriedades ‘mecanicas de uma porta; sabem que, para abri-la, mesmo quando destrancada, tém de empurré-la.(..) Primeiro, o animal deve ter observado que a porta ¢ aberta pela mao que segura a macaneta e move o trinco. Em seguida, deve raciocinar, pela “l6gica dos senti- ‘mentos”, que, se a mio € capaz de fazer isso, por que nao a pata? (...) O ato de empurrar com a pata traseira apés baixar o trinco deve-se a razdes de adapta¢ao. (Romanes, 1883, p. 421-422.) trabalho de Romanes empregava métodos muito aquém do rigor cientifico moder- noe, muitas vezes, a diviséo entre a interpretagao factual e a subjetiva de seus dados nao era clara, Todavia, embora os cientistas reconhecessem a deficiéncia dos seus dados métodos, ele era respeitado pelos esforgos pioneiros, incentivando o desenvolvimento da psicologia comparativa e abrindo caminho para 0 estudo do comportamento animal. Em diversas reas da ciéncia, a utilizagdo de dados observacionais antecede desenvol- vimento de uma metodologia experimental mais refinada. E foi Romanes quem deu ini- cio ao estagio observacional da psicologia comparativa. (+) Histéria On-line ttp://www.pigeon.psy:tufts.edu/psych26/romanes.htm Esse endereco apresenta informac6es a respeito do procedimento utilizado or Romanes para compilar relatos anedéticos sobre a inteligéncia animal, ‘além de um exemplo desses relatos e dos critérios usados para afirmar a exis- ‘tencia da mente nos animais, C Lloyd Morgan (1852-1936) © ponto fraco inerente aos métodos anedético e da introspeceao por analogia foi indi- cado formalmente por Conwy Lloyd Morgan (1852-1936), a quem Romanes designou como seu sucessor. Morgan foi aluno de Thomas Henry Huxley e tornou-se professor de Psicologia e de educagio da University of Bristol, na Inglaterra, além de ter sido uma das primeiras pessoas a pedalar uma bicicleta dentro dos limites da cidade. Também se inte- ressava por geologia e zoologia e propds a lei da parciménia (também denominada none de Lloyd Morgan) para neutralizar a tendéncia predominante de atribuir exces- siva inteligéncia aos animais. ei da parciménia (Canone de Lloyd Morgan): a nocio de que no se deve atrbuir a0 com- portamento animal um processo mental superior, quando for possivel explicé-lo em termos de um pprocesso mental inferior. A lei da parciménia afirma que o comportamento animal nao deve ser interpretado ‘como o resultado de um processo mental superior, quando pode ser explicado em ter- 148 HistOni D4 PsicoLociA MODERNA mos de um processo mental inferior. Morgan desenvolveu essa idéia em 1894 e pode té-la criado com base na lei da parciménia similar descrita por Wundt dois anos antes. Wundt havia observado que “os principios explicativos complexos devem ser empre- gados somente quando’ os [princfpios} mais simples forem insuficientes” (Richards, 1980, p. 57). A intengdo de Morgan nao era a exclusio completa do antropomorfismo dos traba- Ihos sobre 0 comportamento animal, mas a redugio do seu uso e a aplicacao, de modo mais cientifico, dos métodos da psicologia comparativa. Morgan concordava com Romanes em que os relatos subjetivos eram inevitdveis, no entanto tentou manter ao minimo as inferéncias anedéticas no seu trabalho. Morgan disse: Com relacio as varias observagdes anedéticas de Romanes (...) noto, e sem diivida ele também notou, que a ciéncia da psicologla comparativa nao deve ser construida com tals fundamentos anedéticos. A maioria das hist6rias so meros registros casuais, comple- ‘mentados por opinides amadoristicas de observacdes passageiras, cujo treinamento psi- col6gico € praticamente desprezivel. Entdo, levanto diividas se alguém é capaz de extrait da mente do animal (...) 0s dados exigidos para uma ciéncia. (1930/1961, p. 247-248.) No geral, Morgan seguiu a abordagem de Romanes na observacao do comportamen- to de um animal e na sua explicaco por meio de uma andlise introspectiva dos proprios processos mentais. No entanto, ao aplicar a lei da parciménia, evitou atribuir processos ‘mentais de nivel mais elevado aos animais, quando 0 comportamento podia ser explica- do em termos de processos de nivel inferior. Ele acreditava que a maioria dos comportamentos animais resultava da aprendiza- gem ou da associagéo baseada na experiéncia sensorial; esse tipo de aprendizagem con- sistia em um processo de nivel inferior, e ndo em um pensamento racional ou em uma ideagao. Com a aceitagao do canon de Morgan, o método da introspeceo por analogia fol aperfeicoado e proporcionou dados mais tteis, mas acabou sendo superado por outros métodos mais objetivos. Morgan foi o primeiro cientista a conduzir estudos experimentais em larga escala na psicologia animal. Embora suas experiéncias ndo fossem realizadas sob condigées clentificas rigidas exigidas hoje, elas constituiram observagdes cuidadosas do compor- tamento animal, a maioria em ambientes naturais mas com algumas modificagdes artificiais. Apesar de esses estudos nao comportarem o mesmo grau de controle das experiéncias realizadas em laboratrios, foram um avanco importante do método ane- dético de Romanes. oO Historia On-line http://psychclassics.yorku.ca/Morgan/murchison.htm Esse site contém 0 texto completo da autobiografia de Morgan Comentarios trabalho inicial na psicologia comparativa foi conduzido na Inglaterra, mas a lideran- ¢a no campo passou rapidamente para os Estados Unidos. Romanes faleceu mais ou ‘menos aos 40 anos, vitimado por tumor cerebral, e Morgan trocou sua pesquisa por uma [CAPITULO 6 FUNCIONALISMO: AS INFLUENCIAS ANTERIORES 149) carreira administrativa na universidade, A psicologia comparativa surgiu da excitagio e da polémica provocadas pela sugestdo de Darwin a respeito da continuidade entre as espécies humana e animal. As idéias basi- cas da teoria darwiniana sio a nogio de fungdo e a afirmagdo de que as espécies evoluem fe que as estruturas fisicas so determinadas pela luta pela sobrevivéncia. Essa premissa levou 0s bidlogos a considerarem cada estrutura anatémica um elemento utilitério ou funcional em um sistema total de vida e adaptacdo. Quando os psicélogos comecaram a ‘examinar os processos mentais da mesma maneira, estabeleceram o trabalho de base para um novo movimento: a psicologia funcional. Temas para Discussao ne 3. 10. a riz s funcionalistas lidavam com que aspectos da consciéncia? Baseados em que eles protestavam contra a psicologia de Wundt e o estruturalismo de Titchener? Por que parecia inevitével que a teoria evolucionista fosse proposta e aceita em meados do século XIX? Qual a influéncia do Zeitgeist no éxito das idéias de Darwin? Explique como 0 estudo dos bicos dos tentilhdes serve de comprovaco para a teoria evolucionista. De que forma a doutrina malthusiana da populacéo e do suprimento ali- ‘mentar influenciou 0 conceito darwiniano da seleg4o natural? Descreva o papel de Thomas Henry Huxley na promogdo da teoria de Darwin, Por que movimento da supremacia branca atacou a teorla de Darwin? Fale sobre a evolucao das maquinas. Por que ela foi considerada uma amea- a as seres humanos? De que maneira os dados e as idéias de Darwin alteraram 0 objeto de estu- do e 0s métodos da psicologia? Descreva 0 trabalho de Juan Huarte, antecipando as contribuigbes de Galton. De que modo a visio empirista de Locke influenciou o trabalho de Galton sobre os testes mentais? Quais as ferramentas estatisticas desenvolvidas por Galton para a medi- do das caracteristicas humanas? Descreva a pesquisa de Galton sobre o genio hereditério. Como Galton estudou a associacio de idéias? Como aplicou 0 teste de inte- ligencia? De que forma o evolucionismo de Darwin incentivou o desenvolvimento da psicologia animal? Qual foi a primeira reagdo de Wundt em relagio a esse desenvolvimento? Descreva 0 método anedético e a introspeccio por analogia. Em que consis- tia a escada mental de Romanes? 150. Histon Ds PacoLocia MoDERNA 13. Como Morgan limitou 0 uso da introspece4o por analogia? Qual dessas técnicas Morgan utilizou para estudar a mente animal: (a) a observacao anedética, (b) o estudo experimental, (c) 0 método da extirpacao ou (d) 0 estimulo elétrico? Sugestées de Leitura Angell, J. R. The influence of Darwin on psychology. Psychological Review, n® 16, p. 152- 169, 1909. Discute as idéias de Darwin sobre a evolugao e seu impacto no desenvol- vimento da psicologia funcional. , E.G. The influence of evolutionary theory upon American psychological thought. In PERSONS, S. (Ed.). Evolutionary theory in America. New Haven, CT: Yale University Press, p. 268-298, 1950. Descreve a influéncia do trabalho de Darwin nos psicélogos americanos Baldwin, Dewey, Hall, James e Watson. Browne, J. Charles Darwin: the power of place. Nova York: Knopf, 2002. Este € o segun- do volume da maior biografia de Darwin. Aborda inclusive a resposta de Darwin ao trabalho de Alfred Russel Wallace, a publicacao de The origin of species e o impacto das suas idéias na ciéncia da era vitoriana. O primeiro volume, Charles Darwin: voya- ing, foi publicado em 1996. Costall, A. How Lloyd Morgan's Canon backfired. Journal of the History of the Behavioral Sciences, n® 29, p. 113-122, 1993. Discute as abordagens de Morgan ¢ Romanes no estudo do comportamento animal, Diamond, S. Francis Galton and American psychology. Annals of the New York Academy of Sciences, n® 291, p. 47-55, 1977. Descreve a influéncia de Galton sobre os pionei- 105 americanos da psicologia funcional Larson, E. J. Summer for the gods: the scopes trial and America’s continuing debate over science and religion, Nova York: Basic Books, 1997. Documenta a constante polémi- ca entre 0 darwinismo e a religito fundamentalista. Recria a tentativa de John Scopes de ensinar a evolug4o em um colégio em Tennessee, complementada cor seus pitorescos advogados e o inevitavel apelo da midia Morgan, C. L. Autobiography. In MURCHISON, C. (Ed.). 4 history of psychology in auto biography, Nova York: Russell & Russell, 1961, v. 2, p. 237-264. (Trabalho origina Publicado em 1930.) Conwy Lloyd Morgan descreve sua vida e seu trabalho sobre psicologia animal. Shermer, M. In Darwin's shadow: the life and science of Alfred Russel Wallace. Nova Yor! ‘Oxford University Press, 2002, Esse “estudo biografico sobre a historia da psicologia mostra como Wallace, 0 co-escobridor da teoria evolucionista, era dotado de um personalidade fascinante, extremamente autodidata, quebrando os moldes da ort doxia cientifica. Weiner, J. The beak of the finch: a story of evolution in our time. Nova York: Alfred » Knopf, 1994. Descreve os estudos realizados pelos bidlogos Peter ¢ Rosemary Grai a tespeito das modificagoes evolutivas dos bicos dos tentilhOes como reagio as co digdes climaticas e a consequente disponibilidade alimentar, Conclui que as muda as naturais nos tragos das espécies podem ser mais comuns e mais répidas do q Darwin imaginava.

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