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I ‘As Facges Concorrentes Os Neofreudianos ea Psicologia do Ego Anna Freud (1895-1982) 4 AndliseInfansl As Teorias das Relagdes entre os Objetos Melanie Klein (1882-1960) Heine Kohut (1913-1981) Carl Jung (1875-1961) A Biografia de Jung A Psicologia Analitica O Inconsciente Coletivo Os Arquetipos A Introversio ea Extroversio 05 Tipos Fsicologicos Fungoes eAtitudes Comentarios As Teorias da Psicologia Ressurgimento do Zeitgeist Alfred Adler (1870-1937) A Biografia de Adler A Psicologia Individual © Sentimento de Inferioridade © Estilo de Vida © Poser Ciiativo do “Se A Ordem de Nascimento Comentiios 386 Psicandlise: Apos a Fundacao As Faccoes Concorrentes Assim como ocorreu com Wundt e sua psicologia experi- mental, Freud nao manteve 0 monopolio do seu novo sistema de psicanilise por muito tempo. Passados apenas 20 anos da fundagao, o movimento se dividia em facgoes concorrentes lideradas pelos analistas que discordavam dos pontos basicos. Freud nao reagia bem a esses dissi- dentes e via com desprezo os analistas que adotavam novas posigdes. Nao importava 0 quao proximas fossem as relagdes pessoal e profissional: se abandonassem 0s seus ensinamentos, Freud os expulsava e nunca mais fala- va com eles. Mencionaremos primeiro 05 varios analistas que nao discordavam totalmente das visdes basicas de Freud; eles trabalhavam baseados no estudo de Freud a fim de aper- feicod-lo. Entre esses analistas estao a sua filha Anna e os tedricos do objeto Melanie Klein e Heinz Kohut. Em seguida, discutiremos os trés principais dissidentes, que desenvolveram teorias proprias ao longo da vida de Freud: Carl Jung, Alfred Adler e Karen Horney, (A maio- Hia dos neofreudianos, tais como 0s tedricos das relagées entre 0s objetos, ainda se identificam como “freudianos", porém, esse rétulo nao se aplica aos dissidentes como Jung, Adler e Horney.) Por ultimo, descreveremos 0 movimento da psicologia humanista desenvolvido na década de 1960, varios anos depois da morte de Freud, Dois grandes te6ricos, Abraham Maslow e Carl Rogers, aspiravam substituir a psicandlise (bem como 0 behavio- Corinuio 14 rismo) pela sua visio da natureza humana. E preciso ter em mente que, independentemente da extensdo das di- vergencias entre essas tiltimas teorias € os ensinamentos de Freud, esses te6ricos extrairam as suas idéias a partir do trabalho de Freud, seja aperfeicoando-o, seja opondo- se a sua teoria. Os Neofreudianos e a Psicologia do Ego Nem todo te6rico e profissional seguidor da tradicao psi canalitica freudiana sentia necessidade de abandonar ou suplantar o sistema de Freud. Conservou-se um grupo razoavel de analistas neofreudianos que, mesmo adotan- do as premissas centrais da psicandlise, modificaram-Ihe © sistema. A principal mudanga introduzida por esses leais seguidores foi a expansio do conceito de ego (Hartmann, 1964), o qual, para eles, era dotado de um papel mais abrangente do que apenas servir ao id. A psi cologia do ego inclufa a nogio de maior independéncia do ego em relacao ao id, ou seja, ele era dotado de ener- gla propria, e nao derivada do id, e com fungoes separadas das do id. Os analistas neofreudianos também sugeriam a isengdo do ego em rela¢do ao conilito produzido pela pressdo dos impulsos do id em busca da satisfacao. Na visdo de Freud, 0 ego sempre respondia ao id, jamais esta- va livre das suas demandas. Em uma visio revisada, 0 ego funcionaria independentemente do id — perspectiva bem distante do pensamento ortodoxo freudiano. Outra alteracao introduzida pelos neofreudianos foi a redugdo da énfase na influéncia das forcas biolégicas sobre a personalidade. Ao contrario, mais énfase foi dada a0 impacto das forcas psicol6gicas e sociais. Os neofreu- dianos também minimizavam a importdncia da sexual dade infantil e do complexo de Edipo, sugerindo que o desenvolvimento da personalidade era determinado principalmente pelas forgas psicossociais e nao pelas psi- cossexuais, Dessa forma, as interagdes sociais na infancia assaram a assumir maior importancia do que as intera (0es sexuals reais ou imaginarias. Anna Freud (1895-1982) A filha de Freud, Anna, fol a lider da psicologia do ego neofreudiana. Cacula dentre os seis filhos, Anna Freud PsicanAuise APOS 4 FLNO Karen Horney (1885-1952) A Biografia de Horney As Divergéncias com Freud ‘\ Ansiedade Basiea As Necessidades Neurbticas ‘X Auto-tmagem Kdealizada Comentarios ‘A Evolucao da Teoria da Personalidade: a Psicologia Humanista As influéncias Antesiores na Psicologia Humanista ‘A Natureza da Psicologia umanista ‘Abraham Maslow (1908- 1970) A Biograia de Maslow A Auto-Realizagio Texto Original: Trecho sobre Psicologia Humanista, Extraido de Mativaton and Personality (1970), de Abraham Maslow Comentarios Carl Rogers (1902-1987) ‘A Blografla de Rogers A Auto-Realizaca0 Comentarios 0 Destino da Psicologia Humar A Psicologia Positiva A Tradicao Psicanali Historia 388 HISTORIA DA PSICOLOGIA MoneRs afirmou que nao teria nascido se na época existissem métodos contraceptivos mais segu- ros. Em uma carta que escrevera a um amigo, Freud anunciara o nascimento da filha com. um tom de resignagao e nao de entusiasmo, comentando que, se fosse um menino, teria mandado um telegrama para contar a novidade (Young-Bruehl, 1988). No entanto, 0 ano do nascimento de Anna (1895) foi simbélico, talvez até profético, j4 que coincide com 0 surgimento da psicandlise. Anna seria a tinica dentre os filhos de Freud a seguir a carreira do pai, tornando-se analista. Sendo a menos favorecida das meninas da familia, Anna teve uma infancia infeliz, Ela se lembrava de ter sido uma crianga triste e solitéria, muitas vezes excluida das brin- cadeiras pelos irmaos mais velhos. Sentia citimes da irma Sophie, claramente a favorita da mae, Anna tornou-se a predileta do pai; ele “ficou viciado na cacula tanto quanto era viciado nos charutos” (Appignanesi e Forrester, 1992, p. 277). Aos 14 anos, interessou-se pelo trabalho de Freud. Ficava sentada discretamente em ‘um canto, nas reunides da Sociedade Psicanalitica de Viena, absorvendo tudo que ouvia. ‘Aos 22, por causa da ligacdo emocional com Freud e da preocupagao com a sua sexuali- dade, Anna comecou a fazer aniilise com o pai. Ela relatava violentos sonhos em que ati- ava, matava, mortia e defendia o pai dos inimigos. A anélise, mantida secreta por muito tempo, durou quatro anos, com seis sess6es noturnas por semana, comegando as 10 da noite, Posteriormente, Freud seria criticado por tentar analisar a propria filha. A situagao foi considerada “absurda e incestuosa”, “um acontecimento bizarro e sério” e uma “atua- ao do complexo de Edipo em ambos os lados do diva” (apud Mahony, 1992, p. 307) Nagquela época, entretanto, parecia-Lhes nao haver outra opgdo. Um historiador afirmou que “Ninguém mais ousaria realizar essa tarefa, j4 que a anilise de Anna inevitavelmen- te acabaria levantando questoes acerca do papel de Freud como pai” (Donaldson, 1996, p. 167). Era impensavel admitir outro analista ouvindo os detalhes intimos sobre a vida do pai da psicanalise. Em 1924, Anna apresentou seu primeiro trabalho académico para a Sociedade Psicanalitica de Viena. O trabalho, intitulado “Beating Fantasies and Daydreams” (“Fan- tasias de Espancamento e Devaneios”) fora supostamente baseado no caso de uma paciente, mas, na verdade, abordava as suas fantasias. Ela descrevia sonhos envolvendo surras, masturbagdo e relagOes incestuosas entre pai e filha. O trabalho foi bem recebido por Freud e seus colegas, rendendo-the a admissao na Sociedade. Anna Freud jamais se casou, Dedicou a vida a desenvolver e aprimorar a teoria psi- canalitica, bem como sua aplicagao no tratamento de criancas emocionalmente pertur- badas. Outra atividade a que se dedicou foi a de cuidar do pai durante a sua prolongada doenga. Quando ele morreu, cla guardow 0 casaco dele em seu armario. Em uma ocasio, mais de 40 anos depois, quando a propria Anna estava quase morrendo, um amigo a acompanhou ao parque e a observou como “a diminuta figura de Anna Freud, hoje to pequena quanto uma aluna de escola priméria, sentada (na cadeira de rodas}, agasalha- da dentro do enorme casaco de la do pai” (Webster, 1995, p. 434). A Andlise Infantil Em 1927, Anna Freud publicou o livro Introduction to the technique of child analysis, um. Prentincio dos rumos dos seus interesses. Ela desenvolveu uma abordagem para a aplica- 40 da terapia psicanalitica em criangas, levando em conta a relativa imaturidade e 0 nivel da capacidade verbal infantil. Embora Sigmund Freud nao houvesse trabalhado CAPITULO 14 PSICANAUISE APs A FUNDACAO 389 com criangas, sentiu-se orgulhoso com 0 trabalho de Anna. Ele disse: “As visoes de Anna acerca da anilise infantil sao independentes das minhas; compartilho das suas opiniGes, mas ela as desenvolveu a partir de experiéncias proprias e independentes” (apud Viner, 1996, p. 9). Entre as inovagdes introduzidas estavam 0 uso de brincadeiras ¢ a observacao da crianga no ambiente da familia. Grande parte dessas observagbes foi realizada em Londres, onde a familia de Freud se instalara em 1938, depois de fugir de Viena por causa dos nazistas. Ela abriu uma clinica ao lado da casa do pai e ali estabeleceu um centro de tratamento e um instituto de treinamento em psicandlise que atraia psicélogos clinicos do mundo inteiro. O Centro Anna Freud de Londres da continuidade ao seu trabalho até hoje. Seus estudos constaram dos volumes anuais da publicagao The Psychoanalytic Study of the Child, langada inicialmente em 1945. A coletanea dos seus trabalhos compreende oito volumes, publicados entre 1965 ¢ 1981. ‘Anna Freud revisou a teoria psicanalitica ortodoxa, expandindo o papel do ego com um funcionamento independente do id. Em The ego and the mechanisms of defense (1936), ela explicou como os mecanismos de defesa funcionam para proteger 0 ego da ansiedade. A lista-padraio dos mecanismos de defesa freudianos (veja a Tabela 13.2 do capitulo 13) era substancialmente um trabalho seu. Anna definiu com mais precisdo os ‘mecanismos ¢ contribuitt com exemplos extraidos das andlises conduzidas com as crian- as na sua clinica Comentarios sistema de psicologia do ego desenvolvido por Anna Freud ¢ outros tornou-se a prin- cipal forma de psicanalise americana, desde a década de 1940 até o inicio da década de 1970. Um dos objetivos dos neofreudianos era transformar a psicandlise em uma parte aceita da psicologia cientifica. “Assim o fizeram, traduzindo, simplificando e definindo operacionalmente as nogées freudianas, incentivando a investigacao experimental das hip6teses psicanaliticas e modificando a psicoterapia psicanalitica” (Steele, 1985, p. 222), Nesse proceso, 03 neofreudianos promoveram uma relacdo mais conciliatoria entre a psicanalise e a psicologia experimental académica. oO Hist6ria On-Line http://www.webster.edu/~woolfim/annafreud.html Esse site contém uma biografia detalhada de Anna Freud e a bibliografia das suas publicagées. http://www.annafreudcentre.org/ Esse endereco oferece a descricéo do Centro Anna Freud de Londres, que continua o trabalho de Anna, atendendo a criancas e adolescentes pertur- bados emocionalmente, 390 HistoR D4 PSICOLOGIA MoneRNA As Teorias das Relagdes entre os Objetos Freud usava a palavra “objeto” para se referir a qualquer pessoa, objeto ou atividade com capacidade para satisfazer ao instinto, Na sua visdo, o primeiro objeto na vida do bebé capaz de satisfazer ao instinto era o seio materno. Mais tarde, a propria mae como pes- soa torna-se um objeto de satistacao do instinto. E, a medida que a crianga cresce, outras pessoas tornam-se objetos de satisfagao do instinto, As teorias dos objetos concentram-se nas relagdes interpessoais entre esses objetos, enquanto a de Freud enfocava mais os impulsos instintivos propriamente ditos. Assim, 05 te6ricos das relagdes entre 0s objetos dao énfase as influéncias sociais e ambientais sobre a personalidade, principalmente na interacao entre mae ¢ filho. Eles também acre- ditavam que, devido a natureza dessas relagdes, a formagao da personalidade na infan- cia ocorria mais cedo do que Freud afirmava. Os adeptos da teoria dos objetos afirmam que as questdes mais cruciais no desenvol- vimento da personalidade envolvem o aumento da capacidade e da necessidade da crianga, com o passar do tempo, de libertar-se do objeto primario (a mae) a fim de esta- belecer uma firme nogao de si mesma e desenvolver relaces com outros objetos (pes- soas). Destacamos o trabalho de dois te6ricos das relagées entre os objetos: Melanie Klein ¢ Heinz Kohut. Melanie Klein (1882-1960) Melanie Klein sabia da importncia das relagdes entre pais e filhos por causa da propria experiéncia como crianga e como mie. Filha nao desejada, sofreu a vida toda de depres- so por causa do sentimento que tinha de que seus pais a rejeitavam. Ela propria acabou se afastando da filha adulta (que mais tarde tornou-se analista). A filha acusava Klein de interferir na sua vida e afirmava que seu irmao, morto durante uma escalada a uma mon- tanha, na verdade se suicidara por causa da péssima relacéo que tinha com a mie. A teo- tia dos objetos de Klein concentrava-se na liga¢ao emocional intensa entre mae € filho, principalmente durante os seis primeitos meses de vida do bebé. Descreveu a ligacio entre o bebé e a mae em termos sociais e cognitivos ¢ nao em termos sexuais. Na visio de Klein, o seio materno seria o primeiro objeto parcial para o bebé, que o julgaria como sendo bom ou nao, dependendo da satisfacao do instinto do id. Dessa forma, 0 bebe per- cebe © seu ambiente, definido e representado com base nesse objeto parcial bom ou tuim, como satisfatorio ou hostil. A medida que se expande o universo do bebé, ele se relaciona com objetos completos (a mae como pessoa, por exemplo) e ndo com objetos Parcials, e define aqueles objetos completos do mesmo modo que definiu o scio, ou seja, satisfatorios ou hostis. A interagao social inicial entre a mae e o bebe € generalizada a todos os objetos (pessoas) da vida da crianga e assim a formacao da personalidade do adulto baseia-se na natureza da relagao dos primeiros seis meses de vida. http://www.webster.edu/~woolfim/klein.html Esse site contém informagées a respeito da vida, do trabalho e do legado de Melanie Klein, CaPiTUL 14 PSicANAUISE APOS a FuNDACAO 391 Heinz Kohut (1913-1981) Kohut enfatizava aquilo que chamava de seif nuclear, 0 que considerava ser a base para ‘um individuo tornar-se independente. O self nuclear se desenvolve a partir das relacoes formadas entre a crianga e os chamados “objetos do self” no ambiente, que eram as pes- soas que desempenham papéis to vitais na nossa vida infantil que passamos a acreditar que sao partes de nosso self. Tipicamente, a mae € o objeto do self primério do bebé. Na visio de Kohut, 0 papel da mie € 0 de satisfazer nao apenas as necessidades fisicas da crianca como também as psicol6gicas. E, para tanto, a mae deve atuar como um espelho para a crianca, refletin- do o sentimento de peculiaridade, de importancia e de grandeza. Desse modo, a mae confirma o senso de orgulho da crianga, 0 qual acaba se tornando parte do self nuclear. Se a mae rejeita a sua crianca, refletindo, assim, o sentimento de falta de importancia, a crianga pode desenvolver vergonha ou culpa. Dessa forma, todos os aspectos do self adul- to (os positivos e negativos) sao formados pelas relacdes iniciais da crianca com o obje- to self primario. oO Hist6ria On-Line http://www.sfu.ca/~psimpson/kohutppr1.htm Esse site contém informagbes a respeito da vida e do trabalho de Kohut http://www.selfpsychology.org/ Esse endereco apresenta informacées sobre a psicologia de Kohut. Carl Jung (1875-1961) Freud chegou a considerar Carl Jung o seu substituto e herdeiro do movimento psicana- litico, chamando-o de “meu sucessor e principe coroado” (apud McGuire, 1974, p. 218). Depois do rompimento da amizade entre os dots, em 1914, Jung desenvolveu a psicolo- gia analitica, em oposicao a grande parte do trabalho de Freud. Psicologia analitica: (eoria de Jung sobre personelidade. A Biografia de Jung Talentoso yodeler — cantor a moda dos montanheses suigos e tiroleses —, Jung fot cria~ do em um vilarejo no nordeste da Suiga, proximo a famosa queda do Reno. Ele préprio foi o responsavel por sua infancia solitaria, isolada e infeliz Jung, 1961). Seu pai, religio- so que aparentemente havia perdido a fé, era irascivel e rabugento. Sua mae sofria de dis- tarbios emocionais, exibindo um comportamento excéntrico, pasando em um instante de uma esposa feliz para uma mulher endemoninhada e incoerente, falando coisas sem nenhum sentido. Um biégrafo chegou a comentar que “todo o lado da familia materna parecia apresentar tracos de insanidade” (Ellenberger, 1978. p. 149). Jung aprendeu 392 HistoRia 04 PsicoLocia MonERNA, desde cedo a nao confiar nem acteditar nos pais e, por analogia, a desconfiar do resto do mundo. Saia do universo consciente da razaio para mergulhar no dos seus sonhos, visdes ¢ fantasias, ou seja, no seu inconsciente. Esse tipo de fuga dirigiu a sua infancia, e assim. seguiu até a vida adulta. Nos momentos dificeis, Jung resolvia os problemas e tomava as decisdes baseado no que o inconsciente Ihe dizia por meio dos sonhos. Quando estava para ingressar na uni- versidade, um sonho revelou-the a carreira que seguiria, Ele se viu desenterrando ossadas de animais pré-historicos em um local bem abaixo da superficie terrestre. Interpretou como sendo um sinal de que ele devia estudar algo relacionado a natureza e a ciéncia. Uma lembranga que teve dos trés anos de idade, quando sonhou estar em uma caverna subterranea, previa o seu futuro como um estudioso da personalidade. Jung viria a d car-se ao estudo das forcas inconscientes enterradas bem abaixo da superficie da mente. Jung frequientou a University of Basel, na Suiga, formando-se em medicina, em 1900, Estava interessado em psiquiatria e sua primeira indicacio profissional foi para tra- balhar em um hospital de doentes mentais em Zurique. O diretor do hospital era Eugen. Bleuler, um psiquiatra famoso por seu trabalho sobre a esquizofrenia. Em 1905, Jung foi indicado para ser professor de psiquiatria na University of Zurich, mas demitiu-se varios anos depois para dedicar-se a escrever, pesquisar ¢ atender pacientes particulares. No atendimento aos pacientes, diferentemente de Freud, Jung nao pedia que se dei- tassem no diva, comentando que nao era 0 seu desejo coloca-los na cama. Jung ¢ 0 paciente sentavam-se em confortévels poltronas, um de frente para o outro. As vezes ele tealizava as sess6es de terapia a bordo do seu barco a vela, aproveitando o vento forte do lago, velejando, feliz. Algumas vezes chegava até a cantar para os seus pacientes. No entanto, outras vezes, chegava a ser deliberadamente rude. Nessas ocasides, quando um paciente chegava para a consulta, Jung dizia: “Ah, no! Nao agiiento ver mais ninguém. V4 para casa e cure-se sozinho, hoje” (apud Brome, 1981, p. 185). Jung interessou-se pelo trabalho de Freud, em 1900, quando leu The interpretation of dreams, considerando-o uma obra-prima. Por volta de 1906, 0s dois comegaram a se cor- sesponder e, um ano depois, Jung viajou para Viena a fim de visitar Freud, O primeiro encontro dos dois durou 13 horas, um inicio bem animado para o que viria a se tornar ‘uma relagdo intima como a de pate filho (Freud era quase 20 anos mais velho que Jung), A proximidade entre os dois pode ter envolvido elementos do complexo de Edipo, como propoe a teoria psicanalitica de Freud, com o desejo do filho de destruir o pai. Outro fator complicador, que pode ter prejudicado a relagao desde o inicio, foi uma experiéncia sexual vivida por Jung aos 18 anos. Um amigo da familia, que ele via como uma figura paterna, teria assediado Jung sexualmente, que o teria repelido e imediata- mente rompido a relacao, Anos depois, quando Freud tentou assegurar que Jung daria continuidade a0 movimento psicanalitico como ele previra, Jung rebelou-se contra 0 encargo, talvez sentindo novamente estar sendo dominado por um homem mais velho. Em ambos os casos, Jung ficara decepcionado com a sua escolha de figura paterna, Talvez por causa do primeiro incidente Jung nao conseguisse manter a intima relagdo emocio- nal desejada por Freud (Alexander, 1994; Elms, 1994). Ao contrrio da maioria dos discipulos da psicandlise, Jung j4 construira uma repu- taco profissional antes de associar-se a Freud. Era 0 mais conhecido entre os primeiros adeptos da psicanilise. Por isso, talvez ele fosse menos sujeito a se impressionar e suges- tionar do que os jovens analistas membros da familia psicanalitica de Freud, muitos dos quais ainda cursavam a escola de medicina ou a pés-graduacao e eram indecisos em rela- ao a identidade profissional. CAPITULO 14 PSICANAUSE AOS A FuNOagAO 393 Embora durante algum tempo Jung se identificasse como discipulo de Freud, jamais deixou de expressar sua opiniao. No inicio da relagdo entre os dois, tentou dirimir diivi- das e expressar suas objegOes. Enquanto escrevia a obra The psychology of the unconscious (1912), comentou que estava enfrentando um problema, j4 que, quando 0 livro fosse langado, a apresentacao pablica da sua posicdo significativamente diferente da psicané- ise ortodoxa prejudicaria o seu prestigio junto a Freud. Durante meses, Jung no conse- guiu levar adiante 0 projeto, tamanha a preocupagdo com a provavel reacio de Freud. Evidentemente, acabou publicando o livro, e 0 inevitavel aconteceu. Em 1911, por insisténcia de Freud, e apesar da oposicao dos membros vienenses, Jung tomou-se 0 primeiro presidente da Associagao Psicanalitica Internacional. Freud acreditava que o anti-semitismo impediria 0 crescimento da psicandlise se o presidente do grupo fosse judeu. Os analistas vienenses, quase todos judeus, ressentiram-se € des- confiavam do jovem suigo Jung, que claramente era o favorito de Freud. Esses analistas nao apenas estavam. ha mais tempo no movimento, como também acreditavam que Jung tivesse visdes anti-semiticas. Pouco tempo depois, a amizade entre Jung ¢ Freud comesou a exibir sinais de tensao e, por volta de 1912, os dois deixaram de se correspon- der. Em 1914, Jung renunciou e deixou a Associacao, os 38 anos, Jung foi acometido de problemas emocionais profundos que persist ram por trés anos; Freud passara por um periodo de turbuléncia semelhante mais ou menos na mesma etapa da vida. Acreditando que estava ficando louco, Jung sentia-se incapaz de realizar qualquer tipo de trabalho intelectual ou até mesmo de ler um livro ientifico. Pensou em suicidio e mantinha uma arma ao lado da cama “caso sentisse que havia chegado ao ponto sem retorno” (Noll, 1994, p. 207). £ interessante observar que, ‘mesmo durante essa crise, ele ndo deixou de atender aos seus pacientes. Resolveu o seu dilema basicamente da mesma maneira que Freud, confrontando a sua mente inconsciente. Embora nao analisasse constantemente os seus sonhos, como fazia Freud, Jung seguiu os impulsos inconscientes neles revelados, bem como nas suas fantasias. Assim como ocorreu com Freud, esse periodo foi de intensa criatividade para Jung, levando-o a formular a sua teoria da personalidade. O interesse por mitologia o incentivou a realizar expedigdes de campo na Africa, na década de 1920, para estudar os processos cognitivos do individuo pré-alfabetizado. Em 1932, foi indicado para lecionar na Federal Polytechnical University, em Zurique, onde permaneceu por 10 anos até que a fragilidade da sua satide o obrigou a pedir demissao. Uma cadeira de psicologia médica foi criada para ele na University of Basel, na Suica, mas a doenga ndo Ihe permitiu manter essa posigio por mais de um ano, Durante gran- de parte da vida até os 86 anos, trabalhou ativamente, pesquisando ¢ escrevendo, tendo Publicado uma quantidade impressionante de livros. A Psicologia Analitica ‘As experiéncias da vida de Jung sem diivida influenciaram sua psicologia analitica. ‘Como se observou anteriormente, a aceitagdo das forcas da propria mente inconsciente antevia seus futuros interesses profissionais. H4 também fortes evidéncias autobiografi- ‘eas acerca da sua visio de sexo. Na teoria de Jung nao havia espaco para 0 complexo de Edipo; esse conceito simplesmente nao teve importancia na sua infancia. Ele achava a mae gorda € nem um pouco atraente, e jamais entendeu a insisténcia de Freud em afir- mar que os meninos desenvolvem paixdes sexuais pela mae. 394 HistOnia 04 PscoLoGia MoDERNA Ao contrarlo de Freud, Jung nao desenvolveu nenhum tipo de inseguranca, inibigao ou ansiedade sexual na vida adulta. Ademais, Jung nao tentava refrear suas atividades sexuais, assim como fazia Freud. Preferia a companhia de mulheres em vez de homens ¢ vivia rodeado de adoréveis discipulas e pacientes do sexo feminino. Quando inevitavel- mente surgia algum tipo de paixio, ele nao hesitava em iniciar um relacionamento sexual, alguns dos quais duraram anos. Ele até alertava as alunas de que cedo ou tarde elas acabariam se apaixonando por ele (Noll, 1997). Uma analise da malfadada relacao entre Freud e Jung revelou que, “Para Jung, que satisfazia livre e freqiientemente as suas necessidade sexuais, o sexo desempenhava um papel pequeno na motivacdo humana, Para Freud, bloqueado pelas frustragdes e ansioso por causa dos seus desejos reprimidos, © sexo desempenhava um papel fundamental” (Schultz, 1990, p. 148). Na infancia, Jung preferia se isolar das outras criangase ficar sozinho. Essa opcao tam- bem se reflete na sua teoria, por meio do enfoque no crescimento interior em lugar do cultivo das relagdes sociais. Por outro lado, a teoria de Freud est mais voltada para as rela- (es Interpessoais, até porque ndo teve uma infancia assim tao isolada e introvertida, Outro ponto de divergéncia entre a psicologia analitica de Jung e a psicanilise de Freud refere-se a libido. Enquanto Freud a definia exclusivamente em termos sexuais, Jung referia-se a libido como uma energia de vida generalizada da qual 0 sexo apenas fazia parte. Para Jung, a energia basica da libido expressava-se no crescimento, na repro- dugao e em outras atividades, dependendo do que o individuo considerava crucial em determinado periodo. Outra diferenga entre o trabalho de Jung e de Freud consiste na diregio das forcas que afetam a personalidade. Freud descrevia 0 individuo como vitima dos acontecimen- tos da inféncia, enquanto Jung acreditava na pessoa moldada nao apenas pelos acontecimentos do passado, como também pelas proprias metas, esperangas e aspiragdes futuras. Na visio de Jung, o comportamento nao era totalmente determinado pelas expe- riéncias vividas durante os primeiros cinco anos de vida e podia ser modificado ao longo da vida do individuo. Além disso, Jung tentou investigar a mente inconsciente mais a fundo do que Freud. Ele acrescentou uma nova dimens4o — o inconsciente coletivo — que descreveu como as experiéncias herdadas das espécies humanas e de seus ancestrais animais. O Inconsciente Coletivo Jung descreveu dois estados da mente inconsciente. Um pouco abaixo da consciéncia estaria 0 inconsciente pessoal, contendo as lembran¢as, os impulsos, os desejos, as per- cepedes indistintas e outras experiéncias da vida do individuo suprimidas ou esquecidas. O inconsciente pessoal nao é muito profundo e os incidentes ali armazenados podem ser facilmente trazidos para o nivel consciente. eee aor HE EDS Inconsciente pessoal: local em que se armazena 0 que em algum momento fol consciente, mas ‘ue fo} esquecido ou suprimido, a a bE EOE EE ES ESE PEE ESSE EE As experiéncias do inconsciente pessoal sdo agrupadas em complexos, ou seja, em Padroes de emosoes e de lembrangas com temas comuns. O individuo manifesta um complexo devido @ preocupagio com alguma idéia (como a inferioridade ou a superiori- CAPTULO 14 PSICANAUISE APOS A FUNDACKO 395 dade) que, por sua vez, influencia 0 comportamento. Portanto, 0 complexo consiste basicamente em uma personalidade menor dentro da personalidade total, Em um nivel abaixo do inconsciente pessoal estaria o inconsciente coletivo, desco- nhecido para o individuo. Nele estariam armazenadas as experiéncias acumuladas das geracdes anteriores, inclusive dos nossos ancestrais animais. Essas experiéncias univer- sais e evolutivas formam a base da personalidade. Todavia observe que as experiéncias contidas no inconsciente coletivo sio inconscientes. 0 individuo nao esta ciente delas nem se lembra ou as tem em imagens, assim como ocorre com as experiéncias contidas no inconsciente pessoal. Inconsciente coletivo: nivel mais proundo da psique que contém as experiéncias herdadas das. espécies humanas e pré-humanas. Os Arquétipos As tendéncias herdadas, armazenadas dentro do inconsciente coletivo, s4o denominadas arquétipos e consistem em determinantes inatos da vida mental, que levam o individuo a comportar-se de modo semelhante aos ancestrais que enfrentaram situagdes similares. A experiéncia do arquétipo normalmente se concretiza na forma de emogées associadas a0s acontecimentos importantes da vida, tais como o nascimento, a adolescéncia, 0 casa- mento e a morte, ou as reagdes diante de um perigo extremo. Jung referia-se aos arqué- tipos como as “divindades” do inconsciente (Noll, 1997) Arquétipos: tendéncias herdadas contidas no inconsciente coletiva, que levam 0 individuo a com- Portar-se de forma semelhante aos ancestrais que passaram por situacoes similares, Quando Jung investigou as criacdes artisticas e misticas das civilizacoes antigas. des- cobriu simbolos de arquétipos comuns, mesmo entre culturas bem distantes no tempo € no espago, sem nenhum indicio de influencia direta. Também descobriu o que pensou. serem tracos desses simbolos nos sonhos relatados pelos pacientes. Todo esse material confirmava 0 seu conceito de inconsciente coletivo, Oy arquétipoy que ocorem com mais frequéncia so a persona, a anima e © animus, a sombra eo self. ‘A persona seria a mascara que 0 individuo usa quando est4 em contato com outra pessoa, para representé-lo na forma como ele deseja parecer aos olhos da sociedade. Assim, a persona pode nao corresponder a verdadeira personalidade do individuo. nogao de persona é semelhante ao conceito socioldgico do desempenho de papel, em. que a pessoa atua da forma como cré que as outras esperam que ela atue nas diferentes situagoes. Os arquétipos da anima e do animus refletem a nocio de que cada individuo exibe algumas caracteristicas do sexo oposto. A anima refere-se as caracteristicas femininas pre- sentes no homem, € 0 animus denota as caracteristicas masculinas observadas na mulher. Assim como os demais arquétipos, a anima e o animus surgem do passado primitivo das espécies humanas, quando 0 homem e a mulher adotavam as tendéncias emocionais € comportamentais do sexo oposto. arquétipo da sombra, 0 nosso self mais sombrio, consiste na parte animalesca da ersonalidade, Para Jung, esse arquétipo é herdado das formas inferiores de vida. A som- 396 Histom DA PsicoLOGIA MoDERNA bra contém as atividades € os desejos imorais, violentos e inaceitavels. Ela nos incita a nos comportarmos de uma forma que ordinariamente nao nos permitiriamos. E, quan- do isso ocorre, geralmente o individuo insiste em afirmar que foi acometido por algo. Esse “algo” seria a sombra, a parte primitiva da natureza do individuo. No entanto, a sombra possui também um lado positivo, responsivel pela espontaneidade, pela criati- vidade, pelo insight e pela emocdo profunda, caracteristicas necessérias para o total desenvolvimento humano, Na opinido de Jung, o principal arquétipo € o self. Integrando e equilibrando todos (05 aspectos do inconsciente, 0 self proporciona unidade e estabilidade 4 personalidade. Jung 0 comparava a um impulso para a auto-realizagao, para a harmonizagao, a com- pletitude € o total desenvolvimento das habilidades individuais. Entretanto acreditava que a auto-realizacio plena seria atingida somente na meia-idade (30 a 40 anos), perfo- do crucial para o desenvolvimento da personalidade. Esse seria o periodo natural para a transigo, quando a personalidade passa por varias mudangas necessarias e benéficas. Observa-se aqui outro exemplo de elemento autobiografico na teoria de Jung. Na meia- dade ele proprio havia atingido a auto-integragio resultante da solucao de sua crise neurética. Dessa forma, para Jung, o estagio mais importante no desenvolvimento da personalidade nao seria a infancia (como foi no sistema e na vida de Freud) mas 0 periodo da vida adulta, entre os 30 e os 40 anos, quando ocorreram as mudancas na sua personalidade. A Introversdo e a Extroversdo Os conceitos de Jung a respeito da introversao e da extrovers4o sao bem conhecidos. O individuo extrovertido libera a libido (a energia de vida) dentro dele, direcionando-a aos acontecimentos e as pessoas do mundo exterior. A pessoa desse tipo é bastante influen- ciada pelas forcas do ambiente, além de se demonstrar socidvel e confiante nas diversas situagoes. ‘Ao contririo, o introvertido direciona a libido para o seu interior. Fsse tipo de pes- soa é pensativo, introspectivo e resistente as influéncias externas. O introvertido normal- mente é mais inseguro do que o extrovertido ao lidar com pessoas e situagoes. Todo individuo 6 dotado de algum nivel dessas atitudes opostas, mas normalmente ‘uma € mais forte que a outra. Nenhum individuo € completamente extrovertido ou introvertido. A atitude dominante em algum momento especifico pode ser determinada elas circunstancias. Muitas vezes, o introvertido torna-se sociével e expansivo diante de situagdes de seu interesse. Os Tipos Psicolégicos: Fun¢des e Atitudes Na teoria de Jung, as diferengas de personalidade sao expressas ndo apenas por atitudes introvertidas ou extrovertidas, como também por meio de quatro fungOes: o pensamen- to, 0 sentimento, a sensagio e a intuicao, Essas fungdes consistem em formas de orienta- ‘40 seguidas pelo individuo para se comportar tanto diante do universo exterior objetivo como diante do universo interior subjetivo. CarTULo 14 PSICANALISE AROS A FUNDACAO 397, * © pensamento € 0 processo conceitual que proporciona o significado ¢ a com- preensio. + O sentimento ¢ 0 processo subjetivo de ponderacao e de avaliacao. * A sensagao € a percepgao consciente dos objetos fisicos, * A intuigao envolve a percepcao de maneira inconsciente, Jung rotulou 0 pensamento e 0 sentimento como modos racionais de rea¢do, por envolverem processos cognitivos de raciocinio e de julgamento. A sensacao e a intuicao so consideradas irracionais, pois nao envolvem o uso da razo. Dentro de cada par de fungdes, em determinado momento, apenas uma fungao é dominante. A combinacio das fungdes dominantes com a atitude dominante de extroversio e introversio produz 108 oito tipos psicol6gicos (por exemplo, o tipo pensador extrovertido ou 0 tipo intuiti- vo extrovertido).. Comentarios As idéias de Jung influenciaram varias éreas bastante distintas como a religio, a histo- ria, aarte e a literatura. Muitos historiadores, te6logos e escritores reconheciam-no como uma fonte de inspiracao. No entanto, a psicologia cientifica em geral ignorou a sua psi- cologia analitica. Muitos dos seus livros foram traduzidos para o inglés somente depois da década de 1960, € 0 estilo confuso e a organizagéo ndo-sistematica da redacao impe- diram a total compreensao do seu trabalho. Esse desprezo pelos métodos cientificos tr dicionais afasta muitos psic6logos experimentais, para quem as teorias com base religio- sae mistica contém menos apelo que as visdes de Freud. Ademais, as criticas observadas em relagio & busca de evidéncias para apoiar a psicandlise de Freud também se aplicam ao trabalho de Jung, pois ele também se apoiava na interpretacao e orientagao clinica € nao na investigacao controlada em laboratério. 5 oito tipos psicélogos de Jung motivaram muitas pesquisas. Vale a pena mencio- nar o teste de personalidade Indicador de Tipo Myers-Briggs, elaborado para medir os tipos psicol6gicos. Criado na década de 1920 por Katharine Briggs e Isabel Briggs Myers, esse teste é amplamente usado para fins de aplicagio e de pesquisa, especialmente na selecdo e orientagao de pessoal. A formula introverséo-extroversao inspirou 0 psicologo inglés Hans Eysenck a desenvolver o teste de Inventario de Personalidade Maudsley para medir as duas atitudes. Pesquisas realizadas com esses testes produziram evidencias empiricas para esses conceitos ¢ demonstraram que pelo menos uma das nogdes de Jung seria passivel de teste experimental. No entanto, assim como ocorreu com 0 trabalho de Freud, muitos outros aspectos da teoria de Jung (0s complexos, os arquétipos ¢ a incon iente coletivo) resistem as tentativas de validagao clentifica. O conceito de auto-realizagao serviu de base para o desenvolvimento do trabalho de Abraham Maslow e dos psic6logos hhumanistas. A nogao da crise da meia-idade foi adotada por Maslow € outros psicologos ¢ aceita por muitos como sendo um estégio necessario no desenvolvimento da personal dade. Esse conceito foi comprovado por muitas pesquisas. ‘Apesar dessas contribuigdes, a maior parte do trabalho de Jung nao conseguiu popularidade dentro da psicologia. Suas idéias, de repente, chamaram a atencao do Glico entre as décadas de 1980 e 1990, principalmente por causa do contetido misti- co. Uma famosa série de televisio criada pelo mitélogo Joseph Campbell discutiu 0 impacto do inconsciente coletivo e dos arquétipos na vida moderna. Cursos formais de 398 HistoRIA DA PSICOLOGIA MODERNA anélise junguiana séo ministrados em varias cidades da Europa e dos Estados Unidos, inclusive em Nova York, Sao Francisco e Los Angeles. A Sociedade de Psicologia Analitica publica a revista junguiana Journal of Analytical Psychology. oO Histéria On-Line http://www.ship.edu/~cgboeree/jung.html Esse site contém uma biografia resumida de Carl Jung e uma ampla discus sao acerca da sua teoria As Teorias da Psicologia Social: o Ressurgimento do Zeitgeist Sabemos que Freud foi influenciado pela perspectiva mecanicista e positivista da cién- cia do século XIX. Ao final desse século, diversas novas disciplinas sugeriam outras for- mas de enxergar a natureza humana, visOes que ultrapassavam os limites da biologia ¢ da fisica. Pesquisas conduzidas na antropologia, na sociologia e na psicologia social sus- tentavam a proposta de que o individuo era produto das forgas e instituigdes sociais e, portanto, devia ser estucdado em termos sociais e nao somente biol6gicas. A medida que ‘08 antrop6logos publicavam os estudos a respeito das diversas culturas, tornava-se claro que alguns sintomas neuréticos e tabus descritos por Freud nao eram universais, con- forme ele sugeria. Por exemplo: nem todas as culturas proibem o incesto. Ademais, o3 socidlogos € psicdlogos sociais compreenderam que a maioria dos comportamentos humanos tem origem no condicionamento social e nao nas ages tomadas para satista- zer as necessidades biol6gicas. Portanto, o Zeitgeist exigia uma revisdo do conceito sobre a natureza humana, mas Freud, para decepcao de alguns dos seus seguidores, apegava-se as determinantes bio- logicas da personalidade. Os analistas mais jovens, menos arraigados a tradicao, dis- tanciavam-se da psicandlise ortodoxa para remodelar a teoria freudiana, seguindo o pensamento corrente das ciéncias socials. A visdo desses jovens analistas, de que a perso- nalidade seria um produto mais do ambiente que dos instintos biol6gicos, era compativel com a cultura e o pensamento americanos e oferecia um cenario mais otimista do que a posi¢ao determinista de Freud, Dentre esses dissidentes estao Alfred Adler e Karen Horney, que acreditavam ser 0 comportamento humano determinado nao por forcas biolégicas, mas pelas relacdes interpessoais as quais o ser humano era exposto, principalmente na infancia. Alfred Adler (1870-1937) Devido ao seu rompimento com Freud em 1911, Adler normalmente ¢ considerado o pri- meiro proponente da abordagem psicol6gica social da psicanélise. Ele desenvolveu uma teoria em que o interesse social desempenha o papel principal, e € o tinico psicélogo a ter um quarteto de cordas batizado com o seu nome como homenagem. CARTULO 14 PSICANAUSE AROS A FUNDACAO 399 A Biografia de Adler Nascido em uma familia rica que vivia em um baitro afastado da cidade de Viena, ‘Austria, Adler teve uma infancia marcada pela doenca, pelo citime do irmao mais velho ¢ pela rejeicao da mae. Sentia-se insignificante € nada atraente. Era mais proximo do pai do que da mae e, mais tarde, veio a rejeitar a definicdo freudiana do complexo de Edipo, talvez porque, assim como Jung, nao correspondia com as experiéncias da sua infancia. Quando jovem, Adler trabalhou muito em busca da popularidade junto aos colegas, adquirindo finalmente a auto-estima e a aceitacao que nao encontrava dentro da familia No inicio, Adler foi um estudante tao fraco e inepto, a ponto de um professor dizer a seu pai que a tinica profissdo adequada para ele seria aprendiz de sapateiro. Com persis- téncia e dedicagao, Adler partiu de baixo para chegar ao topo da turma, Esforcava-se aca- démica e socialmente para superar as deficiéncias e inferioridades, tornando-se, assim, um dos primeiros exemplos da teoria que elaboraria sobre a necessidade do individuo de com- pensar 0s pontos fracos. O sentimento de inferioridade, um dos pontos principals da sua teoria, reflete claramente a sua infancia, falta reconhecida por Adler. “Os que conhecem. (0 meu trabalho perceberdo claramente as relagdes existentes entre os fatos da minha infancia e os pontos de vista ali expressos” (apud Bottome, 1939, p. 9). ‘Adler lembrou-se de que, aos quatro anos, quando se recuperava de um ataque quase fatal de pneumonia, decidiu tornar-se médico. Perseguiu esse objetivo, formando-se em medicina, em 1895, na University of Vienna. Especializou-se em oftalmologia e traba- thou como clinico geral. Interessou-se pela psiquiatria em 1902, juntando-se ao grupo de discussdo semanal de Freud sobre a psicanilise e tornando-se um dos quatro membros fundadores. Embora trabalhasse muito proximo de Treud, a relagio entre 03 dois era impessoal (Freud uma vez disse que Adler 0 entediava), Nos anos seguintes, Adier desenvolveu uma teoria da personalidade que diferia em varios aspectos da de Freud, principalmente na énfase freudiana aos fatores sexuais. Em 1910, Freud nomeara Adler presidente da Sociedade Psicanalitica de Viena, em uma ten tativa de evitar 0 iminente rompimento, contudo, mais ou menos em 1911, ocorreu 0 inevitdvel. O rompimento foi traumatico, com Adler descrevendo Freud como um viga rista e a psicandlise como “obscena” (Roazen, 1975, p. 210), ¢ Freud referindo-se a Adler ‘como uma pessoa anormal, “guiada exclusivamente pela ambicao", além de ser paranol- co, ciumento, sAdico e baixo (Gay, 1988, p. 223). Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Adler serviu como médico no exér- cito austriaco, Mais tarde, fundou clinicas de orientagdo infantil voltadas para o sistema escolar vienense. Durante a década de 1920, seu sistema psicossocial, que chamou de psicologia individual, atraiu muitos adeptos. Costumava viajar com frequéncia aos Estados Unidos para dar aulas e foi-lhe oferecida uma posigao de professor de psicologia médica da Long Island College of Medicine, de Nova York. Psicologia individual: tcoria de Adler sobre a personalidade, que incorpora fatores tanto sociais, como biol6gicos. ree ES See SPS eet Ue eee Suas palestras e seus trabalhos eram extremamente populares nos Estados Unidos. Um bidgrafo observou que, devido as qualidades pessoais de Adler, como a “genialida- de, o otimismo ¢ a cordialidade aliados a intensa forga de ambigio”, foi facil as pessoas 400 HistoRi 94 PscoLocia MoDrENA Ihe atribuirem status de celebridade e aceitarem-no como um especialista da natureza humana (Hoffman, 1994, p. 160). Adler morreu em Aberdeen, na Escécia, durante uma cansativa excursao, dando palestras. Em resposta a uma carta recebida de um amigo expressando a tristeza pela morte de Adler, Freud revelou ainda ressentir-se da sua traigdo, fazendo o seguinte comentério: Nao entendo essa sua comogéo por Adler. Para um garoto judeu, vindo de um baitro afas- tado de Viena, a morte em Aberdeen significa, em si, uma carreira extraordinéria ¢ uma Prova do quio longe ele chegou. O mundo realmente recompensou com generosidade seu servigo em desaflar a psicanalise (apud Scarf, 1971, p. 47) A Psicologia Individual Adler acreditava na determinacdo do comportamento humano principalmente por meio dos fatores sociais e nao pelos instintos biol6gicos. Propés 0 conceito de interesse social, definido como o potencial inato de cooperar com os individuos para atingir metas pes. soais € sociais. O interesse social do individuo se desenvolve na infancia por meio das experiéncias aprendidas. Ao contrério de Freud, Adler minimizava a influéncia do sexo na formagio da personalidade do individuo. Ademais, concentrava-se nas determinan- tes conscientes do comportamento e nao nas inconscientes. Enquanto Freud associava 0 comportamento presente com as experiéncias do pasado, Adler acreditava na maior influéncia dos proprios planos individuais para o futuro. Na sua visio, 0 esforso em busca das metas ou a antecipagao dos acontecimentos futuros influenciam 0 comporta- mento presente, Por exemplo: a pessoa que teme a maldicio eterna apés a morte com- Porta-se, provavelmente, de modo diverso da que tem expectativas diferentes. Interesse social: conceito de ‘Adler sobre o potencial inato de cooperagdo com as outras pessoas a fim de atingir as metas pessoais e sociais, a a PEt ee SSPE OE ERIC Enquanto Freud dividia a personalidade em partes separadas (id, ego e superego), Adler enfatizava a sua unidade e consisténcia. Fle enfatizava uma forca inata e dinami- a, canalizadora dos recursos da personalidade, para atingir um grande objetivo, o qual, para qualquer individuo, seria a superioridade (no sentido da perfeigao) representando a total realizagao e evolugao de si mesmo. Outra grande diferenca entre Adler e Freud estava na visio sobre a mulher. Adler afir- mava néo haver razdo biolégica — como, por exemplo, 0 conceito de Freud acerca da inveja do pénis — para justificar o sentimento de inferioridade da mulher. E afirmava set esse um mito inventado pelo homem apenas para sustentar o proprio sentimento de superioridade. Qualquer sentimento de inferioridade da mulher resultava dos fatores sociais, tais como o estere6tipo da mulher sensual. Adler acreditava na igualdade dos Sexos € apoiava os movimentos de emancipagdo feminina daquela época. O Sentimento de Inferioridade Adler acreditava que o sentimento generalizado de inferioridade constitufa uma forga motivadora do comportamento, assim como observara na propria vida. No inicio, Adler CeTuLo 14 Paicanause APOS A FUNDAGKO 401 relacionava esse sentimento de inferioridade as deficiéncias fisicas. A crianga nascida com fraca complei¢ao fisica busca a superacao, acentuando bastante a funcio deficien- te. A crianca que gagueja pode, mediante uma terapia de fala consciente, tornar-se um grande orador; a que tem membros fracos pode, por meio de muito exercicio fisico, des- tacar-se como atleta ou bailarina. Posteriormente, Adler ampliou esse conceito a fim de incluir qualquer deficiéncia fisica, mental ou social, real ou imagindria Na infancia, o sentimento de impoténcia e de dependéncia das outras pessoas que a ctianga tem desperta essa inferioridade, Dessa maneira, todos vivenciam esse senti- mento. Ao mesmo tempo em que toma consciéncia da necessidade de superacdo desse sentimento, a crianca é impelida pelo impulso inato de aperfeigoamento proprio. Esse proceso de restrigao e impulsao ocorre por toda a vida, motivando o individuo a reali- zar grandes feitos. sentimento de inferioridade funciona a favor do individuo e da sociedade porque motiva a constante busca pelo aperfeicoamento. Todavia o excesso de mimo ou a rejei- a0 como resposta a esse sentimento de inferioridade na infancia podem originar com- portamentos compensatorios anormais. A compensago inadequada do sentimento de inferioridade pode conduzir a0 desenvolvimento do complexo de inferioridade, pro- duzindo um individuo incapaz de enfrentar os problemas da vida Complexo de inferioridade: consico que 0 individuo desenvolve quando € incapaz de compen’ sar 05 sentimentos normais de inferioridade OEstilo de Vida Na visao de Adler, as propensdes superioridade e a perfei¢do sto universais: mas cada individuo age de modo diferente, na tentativa de atingir 0 objetivo. © esforgo do in viduo reflete-se na forma de reacdo tinica e caracteristica, desenvolvendo um estilo pré- prio de vida, que envolve comportamentos por meio dos quais o individuo compensa a inferioridade, seja real seja imaginaria. No exemplo da crianga fisicamente fraca, podem fazer parte do seu estilo de vida os exercicios fisicos e a pratica de esportes para aumen- tar o vigor e a forca fisica O estilo de vida consolida-se entre os quatro € cinco anos ¢, a partir de entio, € diff cil modificé-lo. Essa forma de comportamento proporciona o modo de vida de acordo com 0 qual sio tratadas todas as experiéncias posteriores. Novamente percehemas como Adler reconhecia a importéncia dos primetros anos de vida, porém discordava de Freud por crer na capacidade individual de criagao de um estilo de vida proprio. O Poder Criativo do “Self” O conceito de Adler sobre a forga criativa do self afirma que o individuo ¢ dotado de capacidade para determinar a propria personalidade, de acordo com seu estilo tinico de vida. Essa forca ativa e criativa pode ser comparada 4 nogao teolégica da alma. A pessoa adquire certas habilidades e experiéncias por melo da hereditarledade e por influéncia do ambiente, mas a maneira de usar e de interpretar ativamente essas experiéncias é que proporciona a base para a formacio da personalidade e das atitudes do individuo em 402 Histo DA PSCOLOGIA MoneRss relagdo a vida. Adler afirmava que cada individuo molda conscientemente a propria per- sonalidade ¢ 0 proprio destino — que € deter minado pelo individuo e nao pelas expe- riéncias do pasado. A Ordem de Nascimento Ao examinar a infancia dos seus pacientes, Adler interessou-se pela relagdo existente entre a personalidade e a ordem de nascimento. Descobriu que o filho mais velho, 0 do. meio e 0 cacula, devido as posicdes que ocupam na familia, passam por variadas expe- rigncias sociais que resultam em diferentes atitudes em relagdo 4 vida e ao modo de enfrentar as situagdes. ‘© mais velho recebe mais atengio até ser destronado diante do nascimento do segundo filho. O primeiro, portanto, pode tornar-se inseguro e hostil, autoritario e con- servador, manifestando grande interesse em manter a ordem. Adler sugeriu que os crimi- 1nosos, os neurdticos e pervertidos sio geralmente filhos mais velhos. Também sugeriu que Freud era 0 tipico irmao mais velho. Adler descobriu que 0 segundo filho é ambicioso, rebelde e ciumento, brigando constantemente para ultrapassar 0 mais velho. Ele proprio era o segundo filho e passou a vida inteira competindo com 0 irmao mais velho, cujo nome, por coincidéncia, era Sigmund. Mesmo quando Adler atingiu o reconhecimento internacional pelo seu traba- Iho, continuow a sentir-se a sombra do irmao, na epoca um empresario muito Ico. Ele se referia ao irmao como um “cara bom e esforgado [que] ainda continuava a minha frente” (apud Hoffman, 1994, p. 11). Ainda assim, Adler acreditava que o segundo filho era melhor ajustado do que o pri- meiro ou o cacula. Ele dizia que o cacula da familia provavelmente era mimado ¢ com predisposicao a apresentar problemas comportamentais na inféncia ¢ na vida adulta. Actescentou, ainda, que o filho tinico pode enfrentar dificuldades em se ajustar ao uni- verso fora da familia, onde nao é 0 centro das atencdes. Comentarios As teorias de Adler foram muito bem recebidas pelos psicélogos insatisfeitos com a ima- gem de Freud acerca da personalidade humana dominada pelos impulsos sexuais e diri- gida pelas experiéncias da infancia. £ bem melhor pensar em cada individuo como sendo capaz de conduzir o proprio desenvolvimento e de esforgar-se para melhorar, indepen- dentemente das limitacdes genéticas ou das experiéncias de infancia, Adler apresentava uma visio muito mais otimista e satisfatoria da natureza humana Mesmo assim, a psicologia individual nao escapou das criticas. Muitos psicélogos afirmam que as teorias de Adler so superficiais e que estao baseadas em observagdes de senso comum do cotidiano; outros consideram suas idéias astutas € perspicazes. Freud dizia que o sistema de Adler era simples demais. A aprendizagem da psicandlise levava dois anos em fungao da sua complexidade, mas o sistema de Adler podia ser assimilado em poucas semanas “porque com Adler havia pouca coisa a aprender” (Freud, apud Sterba, 1982, p. 156). Adler afirmou, entao, ser essa a principal caracteristica da sua teo- ria, j4 que teria levado 40 anos para simplificar a sua psicologia, CAPITULO 14 PSICANAUSE APOS A FUNDACAD 403, As objegoes dos experimentalistas aos trabalhos de Freud e de Jung também se apli- ‘cavam a Adler. Suas observacdes de pacientes ndo podiam ser repetidas, verificadas, nem eram obtidas de forma sistematica e controlada. Ele nao tentava confirmar a preciséo dos relatos dos seus pacientes nem explicava os procedimentos adotados para analisar 0s dados e chegar as conclusdes. Embora muitos dos conceitos de Adler resistissem as tentativas de validacao cienti- fica, a nocdo da ordem de nascimento foi objeto de muita pesquisa. Estudos mostram que o filho mais velho € mais inteligente e demanda mais realizacdes, além disso, tende a ficar ansioso ao nascimento do segundo filho. O filho mais velho também tende a seguir uma carreira profissional mais bem-sucedida do que o mais novo; e esses estudos sustentam a visio de Adler. As pesquisas nao confirmam a alegacao de Adler de que 0 segundo filho seja mais competitivo e ambicioso do que os irmaos, ou que o filho tinico seja mais egoista ¢ tenha dificuldades em se ajustar a0 mundo real. Algumas pesquisas mostram que o filho Gnico tende a ser superior nas realizagdes, na inteligéncia, na it ciativa, no esforco e na auto-estima (Falbo e Polit, 1986; Mellor, 1990). Outros estudos sugerem que as lembrancas da infancia dao alguma indicacao sobre o estilo de vida do individuo na fase adulta (Davidow e Bruhn, 1990; Watkins, 1992). A influéncia de Adler na psicandlise p6s-freudiana fol bastante substancial. O traba- Iho dos psicélogos do ego, que se concentra mais no processo racional consciente do que no inconsciente, segue a linha de Adler. A énfase nas forgas sociais sobre a personalidade € observada no trabalho de Karen Horney. A forga criativa para moldar o estilo de vida de cada um influenciou o trabalho de Abraham Maslow. O enfoque de Adler nas varidveis socials pode ser observado no trabalho do te6rico da aprendizagem social neo-behavioris- ta Julian Rotter, afirmando, cerca de 50 anos depots da morte de Adler, que continuava a ficar “impressionado com a percepcao de Adler acerca da natureza humana” (Rotter, 1982, p. 1-2). Adler talvez estivesse além do seu tempo a0 reconhecer as varisvets sociais, « cognitivas, idéias mais compativeis com a psicologia contemporanea do que com as da Psicologia da sua época. A revista criada com base na teoria de Adler, Individual Psychology, continua a publi- car pesquisas relacionadas as suas idéias e diversas outras publicagdes dedicadas as suas vvisdes sao publicadas na Europa, Existem varios institutos de estudos adlerianos espalha- dos pelo mundo, e o seu trabalho permanece influente nas areas de aconselhamento € técnicas de educagio infantil oO Histéria On-Line http://www.ship.edu/~cgboeree/adler/htm! Esse site apresenta uma visSo geral da vida e do trabalho de Adler. http://ourworld.compuserve.com/homepages/hstein/homepage.htm Esse site do Instituto Alfred Adler, de Séo Francisco, oferece uma lista de tudo que se conhece a respeito de Adler, inclusive informages sobre o musi cal de Gershwin, de 1933, em que atores representando Freud, Jung e Adler cantaram "He's Oversexed!" 404 Histonia 0 Psicoxocia MoDeRNA Karen Horney (1885-1952) Feminista a frente do seu tempo, Karen Homey estudou psicandlise freudiana em Berlim, Descrevia seu trabalho como sendo uma extensdo do sistema de Freud e nao como uma tentativa de suplanté-lo. A Biografia de Horney Karen Horney nasceu em Hamburgo, na Alemanha. O pai era capitio de um navio, homem religioso e taciturno, muito mais velho que a esposa, mulher ativa e liberal. Ela deixava muito claro a Karen que desejava a morte do marido e que se casara apenas por medo de permanecer solteira. Rejeitava a filha demonstrava nitidamente a preferéncia pelo filho mais velho, de quem Karen sentia muita inveja simplesmente por ser menino, 0 pai a menosprezava por causa da sua aparéncia ¢ inteligéncia. Conseqiientemente, ela se sentia inferior, initil e hostilizada (Sayers, 1991). Essa falta de amor pot parte dos pais. Provocou o surgimento, mais tarde, do que ela chamou de ansiedade basica, outro exem- plo da influéncia da experiéncia pessoal na visio do tedrico. Um bidgrafo comentou: “Em todos os trabalhos psicanaliticos de Karen Horney era visivel a sua luta para encontrar 0 sentido da propria existéncia e para superar as dificuldades” (Patis, 1994, p. xi), Ansiedade bdsica: definicdo de Horney para a solid3o invasiva e a impoténcia, sentimentos que 30 origem & neurose a a Ee See EE an DC NS TSE Precocemente, j4 aos 14 anos, Horney teve varias paixdes de adolescente na busca frenética do amor e da aceitagao que nao encontrava em casa, Criou um jornal que cha- mava de “6rgao virginal para supervirgens” e andava pelas ruas freqilentadas por prosti- tutas. Em seu diario escreveu: “Na minha imaginagao nao ha sequer uma parte de mim que nao tenha sido beijada por uma boca ardente. Na minha imaginacao nao existe depravagao do mais baixo nivel que eu nao tenha experimentado” (Horney, 1980, p. 64). Contra a vontade do pai, Horney ingressou na escola de medicina da University of Berlin, recebendo, em 1913, 0 titulo de Doutora em Medicina. Casou-se, teve trés filhas (duas das quais se submeteram a anélise com Melanie Klein) e comegou a sofrer de pro- funda depressao, Ela afirmava sentir-se muito tempo infeliz e oprimida e passar por difi- culdades no casamento. Apresentava sintomas como crises de choro, dores de estomago, cansago crOnico, comportamento compulsivo e incapacidade para trabalhar, além de pensamentos de suicidio. Depois de manter varios casos, divorciou-se para continuar a busca incansavel pela aceitacao pelo resto da vida. Seu relacionamento mais duradouro foi com o psicanalista Eric Fromm e, quando a relagao terminou, ela ficou arrasada. Resolveu submeter-se a psicandlise para tratar da depressao e dos problemas sexuais, Seu analista freudiano disse-Ihe que a busca do amor e a atragao por homens mais fortes refletiam paixOes edipianas da infancia pelo pai severo (Sayers, 1991). Quando Homey percebeu que a anilise freudiana nio a estava ajudando, passou para a auto-anélise, pratica que adotou pelo resto da vida. Impressionada com a obser vagao de Adler sobre a falta de atrativos fisicos como causa dos sentimentos de inferio- Tidade, concluiu que, estudando medicina e adotando uma vida sexual promiscua, esta- CAPITULO 14 PSICANAUISE APOS A FLNDACAO 408, va agindo mais como homem que como mulher. Essa atitude a ajudava a sentir-se supe- rior, mas, mesmo assim, nunca desistiu de encontrar o amor. De 1914 a 1918, Horney estudou psicanélise ortodoxa no Berlin Psychoanalytic Institute. Mais tarde, tornou-se professora do Instituto e comecou a atender pacientes particulares, Escrevia artigos de revista abordando os problemas da personalidade femi- nina, descrevendo alguns pontos discordantes em relaco a conceitos de Freud. Em 1932, seguiu para os Estados Unidos para ser diretora adjunta do Chicago Institute for Psychoanalysis. Lecionou também no New York Psychoanalitic Institute e continuou a atender seus pacientes. O crescente descontentamento com a teoria freudiana logo a levou ao rompimento com o grupo. Fundou o American Institute of Psychoanalysis e ali permaneceu como diretora até a morte. As Divergéncias com Freud Homey discordava da visio de Freud que a personalidade depende de forgas biol6gicas imutaveis. Negava a predominancia dos fatores sexuais, questionava a validade da teo- la do complexo de Edipo e nao aceitava os conceitos de libido e da personalidade estru- turada em trés partes. No entanto, concordava com a visdo da motivacdo inconsciente e da existéncia de razdes emocionais irracionais. Contraria a crenga de Freud na inveja feminina do pénis, Horney afirmava que 0 homem é que era motivado pela inveja do titero, pelo citime da maternidade. Ela acre- ditava na manifestagio masculina da inveja do sitero e dos respectivos ressentimentos consequentes, de forma inconsciente, por meio de comportamentos de inumidacao € de menosprezo contra a mulher, como forma de manutengio do status de inferioridade feminina. Ao negara igualdade de direitos, limitar as oportunidades e subestimar 0s esforgos da mulher para atingir 05 objetivos, o homem tenta manter a alegada superio- ridade natural. Para Horney, a principal razdo para esse tipo de comportamento mascu- lino € resultante do sentimento de inferioridade provocado pela inveja do utero, Horney e Freud também divergiam a respeito da natureza humana. Horney dizia: © pessimismo de Freud em relagio 2 neurose e ao respective tratamento resulta da sua profunda descrenca na bondade e na capacidade de evolucto do homem. Para ele, 0 homem estd fadado ao sofrimento e a destruicao. (...) A minha crenca, no entanto, é no homem dotado da capacidade e do desejo de desenvolver a sua potencialidade ¢ de tor nar-se um ser humano decente. (..) Creio na capacidade do homem de mudar e conti- nuar mudando por toda a vida. (Homey, 1945, p. 19) A Ansiedade Basica A ansiedade basica é o conceito fundamental do sistema de Horney. Ela a definia como “o sentimento de isolamento e de desamparo da crianca em um mundo potencialmen- te hostil” (Horney, 1945, p. 41.) Essa definicdo caracteriza os sentimentos da sua infan- cia. A ansiedade basica resulta de atitudes paternas dominadoras, bem como da falta de protecao e de amor e o comportamento erratico. Qualquer ato que perturbe a relacdo segura entre pais e filhos pode provocar a ansiedade basica. Assim, essa condi¢ao nao é Inata, mas resultante das forcas sociais e das interacdes existentes no ambiente infantil. Homey nao aceitava a visio freudiana dos instintos como forgas motivadoras e propu- 406 HistORiA Da Psicovocia MoDskNA nha que a crianga desamparada fosse guiada pela necessidade de buscar seguranga, esta- bilidade e de eliminar 0 medo em um universo cheio de ameacas. Horney compartilhava com Freud a crenca no desenvolvimento da personalidade ‘nos primeiros anos da infancia, mas insistia em que a personalidade continuaria a softer mudancas por toda a vida. Enquanto Freud detalhava as etapas psicossexuais do desen- volvimento, Horney concentrava-se no tratamento dispensado pelos pais e responsaveis & crianca na fase de crescimento. Ela discordava dos conceitos das etapas de desenvolvi- mento universal, tais como a fase oral ou anal. Sugeria que, se a crianga apresentasse alguma tendéncia de personalidade tipo oral ou anal, seria derivada do comportamento dos pais. Nenhum aspecto do comportamento infantil era universal; todas as caracteris- ticas dependiam dos fatores social, cultural e ambiental, As Necessidades Neuroticas esse modo, na visdo de Horney, a ansiedade basica deriva da relagao entre pais e filhos, Quando esse tipo de ansiedade produzida socialmente torna-se evidente, a crianga desenvolve estratégias comportamentais em resposta ao comportamento dos pais como uma forma de lidar com os sentimentos de desamparo e inseguranga consequentes. Se alguma das estratégias comportamentais da crianga torna-se parte fixa da personalidade, cria-se a necessidade neurética, que nada mais ¢ do que uma forma de defesa contra a ansiedade. Inicialmente, Horney listou 10 necessidacles neuroticas, incluindo 0 ateto, a reallza- ‘s80 e a auto-suficiéncia, Nos iiltimos trabalhos ela agrupou essas necessidades em trés tendéncias (Horney, 1945): * a personalidade condescendente — 0 individuo que vai ao encontro de outros em busca de aprovacao, de afeto, e de um parceiro dominante ‘+ a personalidade independente — 0 individuo que se afasta dos outros em busca de independéncia, de perfeicdo e do isolamento * a personalidade agressiva — o individuo que vai de encontro aos outros expres- sando necessidade de poder, de exploracio, de prestigio, admiracao e conquista. © movimento ao encontro dos outros implica a aceitagio dos sentimentos de desamparo do individuo e a sua atuagdo no sentido de obter 0 afeto alhelo, sendo essa a ‘inica forma de se sentir seguro com as pessoas. O movimento de afastamento das pes- soas envolve o isolamento, comportamento que faz o individuo parecer auto-suficiente © evitar a dependéncia, © movimento de encontro as pessoas envolve a hostilidade, a rebeldia e a agressao. Nenhuma das tendéncias ou necessidades neuréticas ¢ uma forma realista de lidar com a ansiedade. Por serem incompativeis, podem ocasionar conflitos. Uma vez esta- belecida a estratégia comportamental para lidar com a ansiedade basica, esse padrao deixa de ser suficientemente flexivel, nao permitindo, assim, comportamentos alterna- tivos. Dessa forma, quando um comportamento fixo mostra-se inadequado para deter- minada situagdo, o individuo ¢ incapaz de mudar em reagdo as exigéncias que ela demanda, Esse tipo de comportamento enraizado intensifica as dificuldades do indivi- duo, pois afeta toda a personalidade, as relagoes com as pessoas, consigo mesmo e com a vida como um todo, CArTULO 14 PSICANAUSe APOS 4 FUNDACAO 407 A Auto-Imagem Idealizada ‘A auto-imagem idealizada fornece a pessoa um falso retrato da personalidade ou do self: £ uma mascara enganosa e imperfeita que impede a pessoa neurdtica de compreender e aceitar o seu verdadeito self. Ao vestir a mascara, o individuo nega a existéncia dos seus conflitos internos. Ble acredita ser verdadeira a auto-imagem idealizada, e essa crenga faz com que se considere superior ao tipo de pessoa que realmente é. Horney nao afirmava serem inatos ou inevitaveis tais conflitos neuréticos. Apesar de resultantes de situagdes indesejaveis da infancia, eles podiam ser evitados se a vida fami liar da crianga fosse rodeada de calor, compreensao, seguranca e amor. Comentarios 0 otimismo de Horney em relagio a possibilidade de evitar o surgimento de neuroses foi bem recebido pelos psicélogos e psiquiatras como um alivio do pessimismo de Freud. Seu trabalho também mereceu destaque porque ela descrevia o desenvolvimen- to da personalidade em fungao das forcas sociais, atribuindo pouca importancia aos fatores herdados. ‘As provas para sustentar a teoria de Horney, assim como mencionamos no caso de Freud, Jung e Adler, foram extraidas de observagoes clinicas dos pacientes e, assim, esta- vam sujeitas aos mesmos questionamentos em relagio a credibilidade cientifica. Pouca pesquisa foi realizada com base nos conceitos do seu sistema. Freud nao chegou a emi- tir nenhum comentario direto acerca do seu trabalho, porém uma yez comentou sobre Horney, dizendo que “ela é capaz, mas maliciosa” (apud Blanton, 1971, p. 65). Em outra ocasido, em uma discreta alusio dissimulada ao trabalho de Homey, Freud disse: “Nao ficariamos tao surpresos caso uma mulher analista, ndo totalmente convencida da inten- sidade do proprio desejo por um pénis, nao conseguisse dar a devida atencio a esse fator demonstrado pelas suas pacientes” (1940, p. 65). Comenta-se que Horney sentia-se “magoada” com a falta de reconhecimento da legitimidade das suas visoes por parte de Freud (Paris, 1994), Embora Horney nao tivesse discipulos nem uma revista para divulgar suas idéias, seu trabalho provocou grande impacto. © Karen Homey Psychoanalytic Center (Centro Psicanalitico Karen Horney) funciona até hoje em Nova York. Com o surgimento do ‘movimento feminista na década de 1960, seus livros voltaram a ser populares. Hoje, con- sideram-se suas principais contribuigdes 0s trabalhos voltados a psicologia feminina. ‘Muitas das suas posig0es feministas, declaradas ha mais de 75 anos, ecoam com intensida- de até hoje. Ela comecou a trabalhar com a psicologia feminina em 1922 e foi a primeira mulher a apresentar um trabalho abordando esse t6pico em um congresso internacional, de psicandlise. Esse congresso, realizado em Berlim, foi presidido por Sigmund Freud. Nos trabalhos da década de 1930, Horney tragou a distin¢ao entre a mulher tradicional, em busca da propria Identidade no casamento e na maternidade, e a mulher moderna, buscando a identidade na carreira profissional. Esse conflito entre o amor ¢ o trabalho, na visio de Homey, espelhava a sua vida. Ela optou por dedicar-se ao trabalho, que Ihe Proporcionava enorme satisfacdo, mas continuou em busca o amor pelo resto da vida. Esse dilema permanece relevante no novo século, assim como fora para ela na década de 1930. Ela também lutou pelo direito da mulher de tomar decisdes proprias para enfren- tar as restricoes impostas pela sociedade machista dominadora. 408 HisTORI DA PucOLOGA MODERN oO Hist6ria On-Line http://www.karenhorneycenter.org/ Esse € 0 endereco do site do Karen Horney Psychoanalytic Center (Centro Psicanalitico Karen Horney) de Nova York. http://www.ship.edu/~egboeree/horney.html Esse endereco oferece uma visio geral da vide e do trabalho de Horney, A Evolucao da Teoria da Personalidade: a Psicologia Humanista A teoria psicanalitica freudiana nao permaneceu por muito tempo como a Gnica abor- dagem para explicar a personalidade humana, Observe-se que ao longo da vida de Freud varias alternativas foram oferecidas por Jung € os te6ricos psicossociais, bem como pelos leais neofreudianos. O estudo da personalidade, tanto da teoria como da pesqui- sa, cresceu imensamente, disseminando pela area varios pontos de vista conflitantes. Os livros basicos contemporaneos abordam cerca de 15 a 20 teorias. Fmbora distintas tanto nos aspectos basicos como nos gerais, esas teorias tém em comum a origem. Todas devem a forma e a origem, até certo ponto, aos esforcos de Sigmund Freud para a fun- dacao do sistema Freud serviu do lado psicanalitico, assim como Wundt do lado experimental, aos mesmos propésitos na historia da psicologia, ou seja, ambos serviram tanto como fonte de inspirag4o como de forca para a oposigio. Qualquer estrutura, seja real ou teérica, depende da solidez da fundacao. Assim como Wundt, Freud proporcionou uma base soli- da e desafiadora para as novas construgdes. Sao exemplos de evolugao da teoria da per- sonalidade, desde a época de Freud, os trabalhos de Abraham Maslow e Carl Rogers junto a0 movimento da psicologia humanista. No inicio da década de 1960, menos de duas décadas antes do 100® aniversario da fundacio formal da psicologia, a chamada terceira forga se desenvolvia dentro da psico- Jogia americana. Essa psicologia humanista nao tinha como objetivo uma revisio nem. uma adapta¢ao de nenhuma escola de pensamento corrente, como fot 0 caso dos neo- freudianos. Ao contratio, os psicélogos humanistas desejavam suplantar as duas maiores forcas da psicologia: 0 behaviorismo e a psicandlise. A psicologia humanista enfatizava o poder do homem, bem como as suas aspiragoes positivas, a experiéncia consciente, o livre-arbitrio (nao o determinismo), a plena utili- zagao do potencial humano e a crenga da integridade da natureza humana. E facil per- ceber como esses temas sao bem distintos daqueles abordados no behaviorismo ou na psicanilise As Influéncias Anteriores na Psicologia Humanista Assim como ocorre com todas as idétas, também ¢ possivel encontrar indicios anteriores do enfoque da psicologia humanista nos trabalhos de outros psicologos. Veja Brentano, CrsttuL0 14 Paicanduse APGs 4 FUNOAGAO 409 por exemplo, opositor de Wundt e antecessor da psicologia da Gestalt. Ele criticava 0 mecanicismo, o reducionismo, a abordagem cientifica natural da psicologia e aceitava 0 estudo da consciéncia como uma qualidade molar e ndo um contetido molecular. Killpe demonstrava que nem toda experiéncia consciente era passivel de redugdo a forma ele- mentar ou de explicacao em termos de respostas a estimulos. James ndo concordava com a abordagem mecanicista e exigia 0 enfoque na consciéncia e no individuo como um todo. Os psicdlogos da Gestalt defendiam a abordagem psicolégica da consciéncia como um “todo”, Desafiando 0 dominio do behaviorismo, os psicolégos da Gestalt insistiam na visao da experiéncia consciente como uma drea de estudo legitima e frutifera. Raizes da posicdo humanista também podem ser observadas na psicanalise. Adler, Homey € outros teéricos da personalidade discordavam da nogio de Freud sobre 0 dominio exercido pelas forgas inconscientes na vida do individuo. Esses dissidentes da psicandlise ortodoxa acreditavam no individuo como um ser consciente dotado de espontaneidade e livre-arbitrio, influenciado tanto pelo presente e futuro como pelo passado. Esses te6ricos creditavam a personalidade a forca criativa responsavel pela pro- pria moldagem, © Zeitgeist € sempre influente na organizacao dos precedentes e das tendéncias para formar uma visio coesa. A psicologia humanista refletia o sentimento de descontenta- mento manifestado na década de 1960 contra os aspectos mecanicistas e materialistas da cultura ocidental. A contracultura da época era constituida por estudantes universitarios e alternativos (“hippies”), alguns dos quais adeptos do uso de alucindgenos para estimu- lar e expandir as proprias experiéncias conscientes. Como grupo, compartilhavam ideais ‘compativeis com a abordagem humanista da psicologia, ou seja, o enfoque na realizacio pessoal, a crenca na perfeico humana, a énfase no presente ¢ no hedonismo (a satisfa- ‘so da procura da satisfacdo do prazer instintivo), a tendéncia a exteriorizacio do self (dar vazio ao conteGdo da mente) a valorizagao dos sentimentos em dettimento da razao e do intelecto. A Natureza da Psicologia Humanista Na visto dos psicélogos humanistas, a psicologia comportamental consistia cm uma abordagem limitada, artificial e improdutiva da natureza humana. Eles consideravam. que o foco no comportamento manifesto era desumanizador e que essa visio reduzia 0 ser humano ao status de simples animal ou maquina, Discordavam da visao de compor- tamento do homem como uma forma predeterminada em resposta aos fatos de estimu- lo da vida. E ainda consideravam o homem um ser muito mais complexo do que ratos de laboratério ou rob6s, portanto, nao poderia ser analisado de forma objetiva, quanti- ficado e reduzido em unidades de estimulo-resposta (E-R). behaviorismo nao era 0 Gnico alvo de ataque dos psicdlogos humanistas, Fles também se opunham as tendéncias deterministas da psicandlise freudiana e a forma como se minimizava o papel da consciéncia. Além disso, criticavam Freud por estudar apenas os individuos neurdticos e psicdticos. Se os psicdlogos concentravam-se apenas em estudar a disfungao mental, como seria possivel compreender a natureza da satide emocional e de outras qualidades positivas do homem? Ao abrir mao da andlise do pra- zet, da alegria, do éxtase, da bondade, da generosidade, por exemplo, para estudar o lado ‘obscuro da personalidade humana, a psicologia estava ignorando as virtudes e forcas exclusivamente humanas. 410 HistoRIA 94 Psicoxocia MODERN Assim, em resposta as limitagdes observadas tanto no behaviorismo como na psica- niilise, os psicélogos humanistas desenvolveram o que, esperavam, se constituiria na terceira forga dentro da psicologia. Os trabalhos de Abraham Maslow e de Carl Rogers consistem na melhor expressao da psicologia humanista, apresentando-se como estu- dos sérios dos aspectos ignorados da natureza humana. oO Hist6ria On-Line http://www.ahpweb.org Esse € 0 site da Association for Humanistic Psychology (Associagao Humanis- ta de Psicologia) http://www.apa.org/divisions/div32/ Esse € 0 site da Divisao da Psicologia Humanista da APA. Abraham Maslow (1908-1970) Maslow, considerado 0 pai espiritual da psicologia humanista, provavelmente foi quem ‘mais contribuiu para incentivar 0 movimento e conferir-Ihe certo grau de respeitabilida- de académica. Dotado do interesse de compreender a capacidade de grandes realizacoes do individuo, estudou uma pequena amostragem de pessoas notdveis para determinar como se diferenciavam daquelas com saiide mental mediana ou normal. A Biografia de Maslow Nascido no Brooklyn, em Nova York, Abraham Maslow teve uma infancia infeliz. “Minha familia era extremamente infeli2”, afirmava ele, “e minha mae era uma criatura horrivel” (apud Hoffman, 1996, p. 2). O pai era alcodlatra e mulherengo, e costumava ficar fora de casa por muito tempo. A mae, mulher muito supersticiosa, costumava cas- tigar Maslow por qualquer mau comportamento, claramente rejeitando-o e demonstran- do a preferéncia pelos dois irmaos mais novos, Maslow lembrava-se de uma ocasio em que ela matara dois filhotes de gato que ele trouxera para casa, esmagando a cabega dos bichinhos contra a parede, Ele jamais a perdou pela forma como ela o tratava. Quando ela morreu, ele se recusou a comparecer ao enterto. Ele dizia: “Toda a forga motivadora da minha filosofia de vida e toda a minha pesquisa e teorizacao também tém raizes no 6dio € na revolta contra tudo que ela representava” (apud Hoffman, 1988, p. 9). Menino magricela com um nariz enorme, Maslow sentia-se inferiorizado diante das outras criangas. Os pais muitas vezes chamavam a atencao para a sua fela aparéncia fis ca, humilhando-o por causa do nariz e dos movimentos desajeitados do corpo. Com 17 anos, Maslow estava convencido de que “jamais havia visto uma pessoa tao feia” (apud Nicholson, 2001, p. 81). Afitmava haver sofrido na infancia de um gigantesco comple- xo de inferioridade, que tentou compensar desenvolvendo habilidades esportivas”.! Desse modo, o pacaloge que mas arde se interest pesado ¢ um tipico exemple da teora adriana a pelo wabalho CAPITULO TA PSICANAUSE APCS A FUNDACAO 411 Quando percebeu que nao conseguia ser aceito ou estimado como desejava nos esportes, voltou-se para os livros. Matriculou-se na Comell University e chegou a afirmar que o Primeiro curso de psicologia que ali freqiientara, cujo professor era Titchener, era “hor- rivel e desanimador e nao tinha nada a ver com pessoas, por isso, fiquei horrorizado me afastei do curso” (apud Hoffman, 1988, p. 26). Maslow transferiu-se para a University of Wisconsin, obtendo o Ph.D. em 1934. No inicio, Maslow fora um entusiasmado behaviorista watsoniano, convencido de que a abordagem cientifica natural mecanicista proporcionava todas as respostas para os problemas do mundo. Entdo, uma série de experiéncias pessoais levou-o a perceber que © behaviorismo era limitado demais para lidar com os persistentes problemas do homem. Foi profundamente afetado pelo nascimento do filho, no inicio da Segunda Guerra Mundial, e pelas leituras de filosofia, da psicologia da Gestalt e da psicanalise. Maslow também fot influenciado pelo contato com os psicélogos europeus fugidos da Alemanha nazista e instalados nos Estados Unidos, tais como Adler, Horney, Koffka € Wertheimer. A grande admiracao que tinha pelo psic6logo da Gestalt, Max Wertheimer, € pela antropéloga Ruth Benedict motivou-o a realizar o primeiro trabalho sobre as caracteristicas das pessoas auto-realizadoras e psicologicamente saudaveis, Maslow con- siderava Wertheimer e Benedict modelos de exceléncia da natureza humana. Maslow comesou a lecionar na Brooklyn College, onde suas primeiras tentativas de humanizar a psicologia resultaram em consequiéncias negativas, com a comunidade psi- col6gica behaviorista acabar por isold-lo, Embora os estudantes simpatizassem com suas idéias, os demais professores seus colegas, evitavam-no. Era considerado excessivamente ortodoxo, totalmente fora do compasso do behaviorismo, psicologia dominante na €poca. Os editores das principais publicagoes recusavam-se a publicar seu trabalho. Foi na Brandeis University, entre os anos de 1951 1969, que Maslow desenvolveu e apri- morou sua teoria, divulgando-a em uma série de livros populares. Apoiou o movimento do grupo de sensitividade e, em 1967, foi eleito presidente da APA, Na década de 1960, Maslow tornou-se celebridade, um herdi do movimento da con- tracultura, atingindo finalmente a adulagao tao almejada desde a juventude. “Os jovens consideravam o trabalho de Maslow extremamente interessante, e muitos 0 viam como um verdadeiro guru” (Nicholson, 2001, p. 86). Maslow finalmente fo1 compensado, do Ponto de vista adleriano, pelo sentimento de inferioridade da infancia, A Auto-Realizacdo Na visio de Maslow, cada individuo é dotado de propensio inata & auto-realizagi (Maslow, 1970). Esse estado, 0 mais elevado das necessidades humana, envolve 0 uso ativo de todas as qualidades ¢ habilidades, além do desenvolvimento ¢ da aplicagio plena do potencial individual. Para 0 individuo sentir-se auto-realizado, primeiro é necessirio satisfazer as necessidades mais inferiores na hierarquia inata e cada uma deve ser satisfeita antes que a préxima nos motive. Auto-realizagao: desenvovimento pleno das habilidades de um individuo e a realazagio de seu potencial ee eee eee eee ee eS 412 HistOR D4 PsIcoLOGIA MoDERNA, As necessidades propostas por Maslow, na ordem de prioridade de satisfacao, sao as fisiologicas, de seguranca, de pertinéncia e de amor, de estima e de auto-realizacao (veja na Figura 14.1) Na sua pesquisa, Maslow procurou identificar as caracteristicas das pessoas com a necessidade de auto-tealizacdo satisfeita e, assim, consideradas psicologicamente saudé- veis. De acordo com a sua definicao, essas pessoas ndo apresentam neuroses, Geralmente esto na mela-Idade ou em faixa etéria superior e representam cerca de 1% da popula- ‘sao. Dentre as personalidades com caracteristicas de auto-realizacio estudadas por ‘Maslow mediante a analise das biografias e de outros registros escritos, estdo o fisico Albert Einstein, a escritora e ativista social Eleanor Roosevelt e o cientista afro-america- no George Washington Carver. Os individuos dotados da caracteristica de auto-realizacao apresentam em comum as seguintes tendéncias: percepgao objetiva da realidade; plena aceitagao da propria natureza; compromisso e dedicagao a algum tipo de trabalho; simplicidade e naturalidade do comportamento; necessidade de autonomia, privacidade ¢ independéncia; experiéncias de “pico” ou misticas intensas; empatia e afeicao pela humanidade; resistencia ao conformismo; estrutura de caréter democritico; atitude de criatividade; € alto grau do que Adler chamava de interesse social. SS wen anew Maslow acreditava que os pré-requisitos para a auto-realizacao eram 0 amor sufi- lente na infancia e a satisfacdo das necessidades fisiologicas e de seguranca nos primei- 0s dois anos de vida. Se a crianga for segura e confiante nesse periodo (nao era 0 caso de Maslow), assim o seré na vida adulta. Sem o amor, a estabilidade e 0 respeito por parte dos pats, seré dificil o individuo na vida adulta atingir a auto-realizacao. Necessidade de: seguranca, ordem e estabilidade Necessidades fsiologicas comida, agua e sexo Figura 14.1. Hierarquia das necessidacles de Maslow CAPTLLO 14 PSICANAUISE APs A FUNDAGAO 413, No trecho a seguir extraido do livro de Maslow, Motivation and personality, ele des- creve trés caracteristicas encontradas nos estudos realizados com personalidades auto- realizadas. Observe a linguagem relativamente simples e ndo-técnica do livro e como ‘Maslow se baseou nos trabalhos de William James e Alfred Adler para sustentar seu ponto de vista. - Texto Original Trecho sobre a Psicologia Humanista, Extraido de Motivation and Personality (1970),2 de Abraham Maslow Constante e renovada contemplacao. A pessoa auto-realizadora ¢ dotada da mara- vilhosa capacidade de contemplar repetidas vezes, de modo renovado e até mesmo ingé- ‘nuo, as coisas simples da vida, com admiracéo, prazer, surpresa e até éxtase, mesmo que as outras pessoas vejam essas experiéncias como corriqueiras.(..) Assim, para esse individuo, ‘qualquer pér-do-s0l € to belo quanto o primero testemunhado, qualquer flor tem um encanto deslumbrante, mesmo ja tendo visto milhares de flores, O milésimo bebé parece-Ihe um ser t40 milagroso quanto o primeiro visto. Mesmo depois de 30 anos de casamento, con- tinua a considerar-se uma pessoa de sorte e a se surpreender, como hé 40 anos, com a bele- za da esposa, mesmo ela estando com 60 anos. Para essas pessoas, ale mesmo 0 trabalho cotidiano rotineiro ou cada momento do ato de viver pode ser oxcitante, emacionante @ arrebatador. Essas sensacOes intensas nao ocorrem o tempo todo, elas surgem ocasionalmen- te e nem sempre, no entanto, nos momentos mais inesperados. A pessoa pode atravessar 0 rio de balsa dezenas de vezes e na décima primeira travessia reviver intensammente as mesmas sensacbes, a mesma reagio diante da beleza e igual excitac3o como da primeira vez em que pisara na embarcacao. Observam-se algumas diferencas entre as escolhas dos objetos de contemplacao. A inclinago de alguns individuos é pela natureza. Outros, principalmente por criancas e, para alguns, especialmente por musica de boa qualidade. No entanto, @ possivel afirmar que todas resultam em éxtase, inspiracao e intensidade das experiéncias basicas da vida. Nenhum desses individuos, por exemplo, tera esse mesmo tipo de reacéo por frequentar uma danceteria, obter muito dinheiro ou até mesmo por se divertir ern uma festa. ‘A experiéncia (mistica) de pico. Essas expressoes subjetivas chamadas experiéncias rmisticas, t80 bem descritas por William James, so razoavelmente comuns para esses indi- viduos, emlora ndo para todos. As fortes emogGes descritas na secao anterior as vezes tornam-se suficientemente intensas, cadticas e generalizadas para serem chamadas de experiéncias misticas. O interesse e a atencao sobre esse assunto foram inicialmente despertados em mim pela descricao feita por esses individuos da sensaga4o do orgasmo sexual em termos mais ‘ou menos familiares que, mais tarde, me lembrei terem sido usados por varios escritores para descrever o que eles chamavam de experiéncia mistica. Observou-se a mesma sensa- Go do horizonte infinito se abrindo diante dos olhos, 0 sentimento nunca antes vivido de Trecho extaido de Motivation and Personality, 2. 6d. © 1970 HarperCallng, Inc 414 Histon 94 Psicococia MoDeRNA ser a0 mesmo tempo mais vigoroso e mais impotente, a sensagao total de éxtase, encan- tamento e admiracéo, a perda da nocéo do tempo e do espaco e, finalmente, a conviccao de haver experimentado algo extremamente importante e valioso, de modo que a pessoa se sinta de alguma maneira transformada e fortalecida por essas experiéncias até mesmo na vida cotidiana E importante desvincular essas experiéncias de qualquer referéncia teolégica ou sobre- natural, embora por milhares de anos fossem vinculadas, Por se tratar de experiéncia natu- ral, bem de acordo com a area de atuago da ciéncia, chamo-a de experiéncia de pico. Também aprendemos com essas pessoas que tals experiéncias podem ocorrer em ‘menor grau de intensidade. A literatura teolégica tem geralmente assumido uma diferenca absoluta e qualitativa entre a experiéncia mistica e as demais. Assim que desvinculada da referéncia sobrenatural e estudada como um fendmeno natural, torna-se possivel situar a experiéncia mistica em uma série continua do intenso ao brando. Descobrimos, entao, que 2 experiéncia mistica branda ocorre para muitos, talvez até para a maioria dos individuos; e, ara as pessoas favorecidas, com freaiéncia, talvez até mesmo diariamente. A mistica aguda ou a experiéncia de pico parece ser uma extrema intensificagSo de qualquer das experiéncias em que ha perda de si ou transcendencia da experiéncia, por exemplo, a centralizacéo do problema, a concentracao intensa, (..) a experiéncia sensual intensa, o desfrute profundo e altrufstico de uma musica ou uma arte. © interesse social (Gemeinschaftsgefueh)). Essa palavra, inventada por Alfred Adler, € a Unica disponivel para descrever perfeitamente o tempero dos sentimentos pela humanidade expressos pelas pessoas com caracteristicas de auto-realizacao. Essas pessoas ‘tem pelo ser humano em geral o profundo sentimento de identificacéo, compaixao e afeto, apesar de ocasionais raiva, impaciéncia ou repugnancia descritas a seguir. Por causa desses sentimentos esses individuos possuem um verdadeiro desejo de contribuir com a raca huma- nna, E como se fossem todos membros de uma unica familia. O sentimento dessas pessoas em relacdo aos irmaos seria de total afeicao, mesmo que sejam tolos, fracos ou até mesmo detestaveis, Eles seriam perdoados mais facilmente que os estranhos Se a visio do individuo nao for suficientemente geral e nao for propagada durante um longo periodo, talvez ela nao enxergue esse sentimento de identificacgo com a espécie huma- na. A pessoa auto-realizadora ¢, afinal de contas, bem diferente das outras no pensamento, ‘no impulso, no comportamento e na emoséo. Em resumo, em alguns aspectos basicos, ela se parece com um forasteiro em uma terra de estranhos. Bem poucos a compreendem, mas mui= tos gostam dela. Ela se sente muitas vezes aflita, amargurada e até mesmo irada pelas limitagoes dos individuos medianos; enquanto para ela esses individuos medianos normalmente s30 ape- nas simples ameagas, outras vezes se tornam verdadeiras tragédias. As vezes, nao importa Quao distante ela esteja desses individuos, ainda nutre um sentimento subjacente basico de bondade por essas criaturas com as quais deve se preocupar, se ndo por condescendén- cia, pelo menos por se saber capaz de realizar muito mais do que elas, de enxergar coisas {ue elas nao conseguem ver, porque a verdade tao clara para ela é, para a maioria das pes- 5035, obscura ou oculta. Esse comportamento é o que Adler chamou de atitude de irmao mais velho, CariTuL 14 PSICANAUISE APCS A FUNDAGAO. 415, Comentérios ‘A metodologia de pesquisa e 0s dados de Maslow foram considerados falhos porque a amostragem de individuos analisada foi considerada pequena demais para permitir 0 tipo de generalizacao feita. Além disso, esses individuos foram selecionados de acordo ‘com critérios subjetivos proprios de satide psicolégica, baseados em seus conceitos ambi- ‘guos ¢ inconsistentes. Maslow concordava em que a sua investigacao nao atendia o rigor exigido na pesquisa cientifica, mas argumentava nao existir outra forma de avaliar a auto-realizagao. Ele se referia a esse trabalho como preliminar e continuou convencido de que essas conclusoes seriam um dia confirmadas. Estudos posterlores realmente confirmaram algumas caracteristicas do individuo com sentimento de auto-realizagao e a ordem das necessidades na hierarquia claborada por Maslow. Por exemplo: os pesquisadores constataram que as pessoas com alto grau de satisfagdo das necessidades de seguranga, pertinéncia e estima tinham menor prababili- dade de apresentar comportamentos neurdticos se comparadas com as insatisfeitas. Ademais, as pessoas com grau elevado de auto-estima se apresentam igualmente na mensuragdo da autovalorizacdo, da autoconfianga e da competéncia. Mesmo assim, a maioria dos aspectos da teoria de Maslow apresenta pouca ou nenhuma confirmacao cientifica. Com base exclusivamente na intuicio, no entanto, muitos executivos ado- tam o conceito de auto-realizagio como método de motivagio e satisfasio profissional dos funcionérios. A teoria de Maslow também fol aplicada na educacao, na medicina € na psicoterapia. oO Hist6ria On-Line http://www.ship.edu/~cgboeree/masiow.htm| Esse site oferece uma Visdo geral da vida e do trabalno de Masiow. http://www. psy. pdx.edu/PsiCafe/KeyTheorists/Maslow.htm Esse endereco contém informacées sobre 2 vida, 0 trabalho, as teorias € a aplicagao das idéias de Maslow na educacéo € no ambiente profissional Alem disso, inclui o texto completo do seu trabalho a respeito da motivacao, Publicado em 1943, Carl Rogers (1902-1987) Carl Rogers € mais conhecido por sua abordagem popular da psicoterapia chamada de terapia centrada na pessoa. Ele também elaborou uma teoria da personalidade com base em um tinico fator motivacional semelhante ao conceito de auto-realizagao de Maslow, mas, ao contrério dele, as idéias de Rogers nao resultaram do estudo de pessoas emocio- nalmente saudaveis, e sim da aplicacao da terapia centrada na pessoa nos seus pacientes dos centros de aconselhamento da universidade. © nome da terapia de Rogers expressa sua visto da personalidade humana. Ao colo- car a responsabilidade pela melhora na pessoa ou no paciente, e nao no terapeuta (como ocorre na terapia ortodoxa), Rogers assumia que as pessoas seriam capazes, consciente € 416 Hisionia 94 PscoLocia MoDERNA racionalmente, de mudar 0s proprios pensamentos e comportamentos do indesejavel Pata 0 desejavel. Nao acredita no individuo permanentemente reprimido por forcas inconscientes ou por experiéncias da infancia. A personalidade é moldada pelo presente € pela maneira como o individuo percebe a circunstancia. A Biografia de Rogers Carl Rogers nasceu em Oak Park, Illinois, em um bairro afastado de Chicago. Seus pais adotavam visdes estritamente fundamentalistas que, nas palavras de Rogers, mantive- ram-no reprimido por toda a infancia e adolescéncia. Suas crengas religiosas e a elimina- $0 de qualquer expressio emocional forgaram-no a viver sob um codigo que nao via como seu. Disse, mais tarde, que essas restrigdes deram-lhe motivos para a sua revolta, embora a rebeldia tenhia demorado a chegar. Era uma crianga solitiria que lia muito. Acreditava que o irmao mais velho era pre- ferido dos pats. Resultado: Rogers sentia-se em constante disputa com 0 lrmao. A solidao © levou a depender das proprias experiéncias, mas, mesmo assim, no conseguia se liber- tar das crengas dos pais. Quando estava com 12 anos, a familia mudou-se para uma fazenda, onde Rogers desenvolveu um forte interesse pela natureza. Lia sobre as expe- riéncias agricolas e sobre a abordagem cientifica na solucao dos problemas. Embora a lel- tura o ajudasse a canalizar a vida intelectual, sua vida emocional estava em constante turbuléncia. Ele afirmou: “Minhas fantasias durante esse periodo eram realmente bizar- as e provavelmente seriam classificadas como esquizofrénicas por um especialista, mas felizmente jamais tive contato com um psicélogo” (Rogers, 1980, p. 30). Aos 22 anos, durante uma conferéncia estudantil crista realizada na China, tinal- mente se libertou do c6digo fundamentalista dos pais e adotou uma filosofia de vida mais liberal. Convencera-se de que as proprias pessoas deviam dar rumo as suas vidas com base na propria interpretagao dos acontecimentos e nao dependerem da visio dos outros. Convencera-se, ainda, de que cada um deve empenhar esforcos para tornar-se uma pessoa melhor. Esses conceitos tornaram-se a base da sua teoria da personalidade. Rogers recebeu o Ph.D em psicologia clinica e educacional, em 1931, da Teacher College da Columbia University, Permaneceu nove anos na Society for the Prevention of Cruelty to Children (Sociedade para a Prevengao da Crueldade contra a Crianga), traba- Ihando com jovens delingtientes e desprivilegiados. Em 1940, iniciou a carreira académi- a, lecionando na Ohio State University, University of Chicago e University of Wisconsin. Durante esses anos, desenvolveu e aprimorou a sua teoria ¢ 0 seu método de psicoterapia. E importante ressaltar que as experiéncias clinicas de Rogers, durante a época em que desenvolvia a sua teoria, foram realizadas em sua maior parte com os estudantes uni- versitérios do centro de aconselhamento, Dessa forma, o tipo de pessoa tratada consistia basicamente de jovens inteligentes e extremamente comunicativos. Os problemas, em geral, estavam relacionados com questoes de ajuste e nao de disttirbios emocionais gra- ves. Essa populacdo de pessoas era bem distinta daquela tratada por Freud ou por outros Psic6logos clinicos de consultérios particulares. A Auto-Realizacéo A maior forca motivadora da personalidade 6 o impulso para a realizacao do self (Rogers, 1961). Embora essa ansia pela auto-realizagao seja inata, pode ser incentivada ou repri- CAPITULO 14 PSICANALISE APOS A FUNDAGAO. 417 mida por experiéncias da inféincia e por aprendizagem, Rogers enfatizava a importancia da relacdo entre mée € filho por ela afetar 0 senso de self em evolugao da crianga. Se a mie satisfaz a necessidade de amor do bebé, que Rogers chamou de atencao positiva, ele provavelmente teré um personalidade saudavel. Atengdo positiva: amor incondicional da mae pelo bebe Se a mae condiciona o amor pelo filho a um comportamento adequado (atengio Positiva condicional), ele internalizaré essa sua atitude e desenvolvera condicdes de valor. Nesse caso, a ctianga se sentira valorizada somente sob determinadas condigées tentaré evitar comportamentos considerados reprovaveis. Conseqiientemente, a nocio de si mesma nao se desenvolverd plenamente. A crianga nao sera capaz de expressar todos 0s aspectos de si propria porque aprendeu que alguns desses comportamentos pro- duzem rejeicao. Desse modo, o principal requisito para o desenvolvimento da satide psicologica € a atengao positiva Incondicional na infancia. O ideal seria que a mae demonstrasse o amor € a aceitacZo a crianga, independentemente do seu comportamento. A crianca que rece- be atengio positiva incondicional nao desenvolve condigoes de valorizagdo ¢ assim nao tera de reprimir nenhuma parte emergente de si. Somente dessa maneira a pessoa even- tualmente é capaz de obter a auto-realizagao. A auto-realizagao consiste no mais elevado nivel da satide psicologica. O conceito de Rogers é semelhante, em principio, 20 de Maslow, embora ambos divirjam em algumas caracteristicas das pessoas psicologicamente saudavels. Para Rogers, as pessoas plena- mente funcionais ou psicologicamente saudaveis apresentam essas caracteristicas: ‘+ mente aberta para aceitar qualquer tipo de experiéncia e de novidades; + tendéncia a viver plenamente cada momento; + capacidade para se orientar pelos proprios instintos ¢ nao pelas opinides ou razoes de outras pessoas; + senso de liberdade em pensamento e aco; * alto grau de criatividade; € * a necessidade continua de maximizar o seu potencial. Rogers descrevia as pessoas plenamente funcionais como sendo realizadoras e nao realizadas, para indicar que a evolugao do self esta em constante andamento. Essa énfase na espontaneidade, na flexibilidade e na capacidade continua de crescimento esta perfei- tamente expressa no titulo do livro mais famoso de Rogers: On becoming a person (1961). Comentarios A psicoterapia centrada na pessoa, de Rogers, provocou grande impacto na psicologia. Sua teoria da personalidade fot igualmente bem recebida, especialmente devido a énfase na importéncia do proprio individuo. Os criticos salientavam a falta de especificidade acerca do potencial inato de auto-realizacao € a aceitacdo das experiéncias conscientes subjetivas excluindo as influéncias inconscientes. A teoria ea terapia geraram muita pes- quisa de apoio e sdo amplamente empregadas nos ambientes clinicos. 418 HistoRA D4 PsicoLoGiA MoDERNA Rogers foi influente no movimento do potencial humano da década de 1960 e em parte da tendéncia geral de humanizacao da psicologia. Foi eleito presidente da APA em 1946 € recebeu o Prémio de Destaque pela Contribuicdo Cientifica e de Destaque Profissional. oO Histéria On-Line http://www.wynja.com/personality/rogersff.html Esse site contém uma discussao acerca da teoria da personalidade de Rogers. httpy//www-ship.edu/~cogboeree/rogers.html Esse endereco apresenta uma visdo geral da vida e do trabalho de Rogers. 0 Destino da Psicologia Humanista © movimento da psicologia humanista formalizou-se com a criagao de sua revista e de stia associagao de uma divisio da APA. A revista Journal of Humanistic Psychology fo1 lan- gada em 1961, a American Association for Humanistic Psychology (Associagao Americana de Psicologia Humanista) foi criada em 1962, e a Division of Humanistic Psychology (Divisio de Psicologia Humanista), da APA, em 1971. A revista The Humanistic Psychologist tornou-se a publicacado oficial da divisio em 1989 e, em 1986, 0 departamento de arquivos de psicologia humanista foi criado na University of California, em Santa Barbara. Desse modo, ficavam evidentes os tragos distintivos de uma escola de pensamento coerente. Os psicélogos humanistas ofereciam uma defini¢a0 da psicologia distinta das demais forcas da drea (behaviorismo e psicandlise) e possuiam. (© que toda escola de pensamento se vangloriava de ter: uma convic¢ao apaixonada de ser o melhor caminho para a psicologia. Apesar desses atributos caracteristicos, a psicologia humanista efetivamente nao se tornou uma escola de pensamento. Esse foi o julgamento dos proprios psicdlogos humanistas mais de 20 anos apés a evolucao do movimento. Um psic6logo afitmou: “A psicologia humanista foi uma grande experiéncia, mas uma experiéncia fracassada, jé que nao existe uma escola de pensamento humanista na psicologia, nem existe uma teo- Hla reconhecida como filosofia da ciéncia” (Cunningham, 1985, p. 18). Carl Rogers con- cordou: “A psicologia humanista nao provocou um impacto significativo na psicologia geral. Somos vistos com relativamente pouca importincia” (apud Cunningham, 1985, p. 16). Mesmo passados 10 anos do rigido julgamento de Rogers acerca do destino da psi- cologia humanista, um psicélogo, avaliando a psicologia geral, descreveu-a como “sur- preendentemente nJo afetada” pelas questoes da psicologia humanista, observando sua exclusio das publicagdes, dos créditos pelas pesquisas, dos cursos universitarios e dos padrdes de licenciamento e de credenciamento (Aanstoos, 1994, p. 2) Por que a psicologia humanista continuou separada da parte principal e aceita do pensamento psicologico? Uma das razdes seria a de que a maioria dos psic6logos huma- nistas atuava na psicologia clinica e nao nas universidades. Ao contrario dos psic6logos académicos, 0s humanistas das clinicas particulares ndo conseguiam realizar pesquisas com a mesma intensidade, publicar trabalhos ou orientar novas geracoes de estudantes de pés-graduagao para dar continuldade a sua tradicao, TULO TA PSCANAUSE AROS A FUNDACAO 419 Outra razio para 0 baixo impacto esta relacionada com 0 momento do protesto da psicologia humanista. Quando estava no auge, entre a década de 1960 e inicio da de 1970, os psicdlogos humanistas atacavam posicdes |4 nao to Influentes na psicologia. A psicandlise de Freud e o behaviorismo de Skinner jé estavam enfraquecidos pelas divi- ses internas ¢ ambos comegavam a mudar para a forma exigida pelos psicdlogos huma- nistas. Conseqiientemente, o protesto humanista lutava contra movimentos nao mais dominantes na sua forma original. Embora a psicologia humanista nao tenha transformado a psicologia, deve-se a esse movimento 0 fortalecimento da idéia, dentro da psicandlise, da capacidade de as pessoas, consciente e livremente, moldarem a propria vida. A psicologia humanista indiretamen- te ajudou a restaurar o estudo da consciéncia na psicologia experimental académica por ter surgido concomitantemente a0 movimento da psicologia cognitiva e ter se tornado parte do Zeitgeist. Um dos fundadores da psicologia cognitiva afirmou ter sido “mais tocado pelo espirito dos psicdlogos humanistas |e] visto a abordagem cognitiva como uma visdo mais humanista do organismo humano” (Neisser, apud Baars, 1986, p. 273) No geral, a psicologia humanista ajudou a ratificar as mudangas j4 em andamento na rea e, analisada sob esse ponto de vista, pode ser considerada bem-sucedida, Ademais, provocou impacto ainda por quatro décadas, até alcangar a psicologia contemporanea do século XXI. A Psicologia Positiva © tema da psicologia humanista, a nocao de que os psicélogos deviam estudar tanto os, melhores atributos humanos como os piores, tanto as caracterfsticas positivas como as negativas, fol reprisado na fala do presidente da APA, Martin Seligman, em 1998. Discursando em um simpésio sobre a ciéncia do otimismo ¢ da esperanga, Seligman observou que o “incansavel enfoque nos aspectos negativos cegou a psicologia para os muitos exemplos de crescimento, pericia, esforgo ¢ insight resultantes até mesmo de acontecimentos dolorosos e indesejaveis da vida” (Seligman, 1998, p. 1). Com opiniao nao muito diferente da que fol expressa por Maslow 30 anos antes, Seligman ainda acrescentou: Por que as ciéncias sociais enxergam 0 potencial eas virtudes humanas — como o altruf ‘mo, a coragem, a honestidade, a obediéncia, a alegria a saiide, a responsabilidade € 0 bom estado de espirito — como ilusdes absolutas, defensivas ou secundarias, enquanto a fraqueza ¢ as motivacdes negativas — como a ansiedade, a luxiria, o egoismo, a paranéia, a raiva, a desordem e a tristeza — sio consideradas autdnticas? (Seligman, 1998, p. 1) Ele conyocava os psicélogos a desenvolverem um conceito mais positivo da nature- za e do potencial humanos, Houve reagoes entusiasticas a esse apelo por uma psicologia mais positiva. Pesquisas, artigos ¢ livros comegaram a surgir em abundancia, Por volta de 2001, estudos subjetivos do bem-estar, tratando das correlagbes e das causas da felicidade e de outras emogdes posi- tivas, demonstravam o “Intenso crescimento da quantidade de publicagdes ao longo dos {iltimos 40 anos” (Staudinger, 2001, p. 552). Em 2000, a principal publicagao espectaliza- da da APA, American Psychologist, dedicou & psicologia positiva uma edico especial de 420. Histon Da Paico1oGia MoosnNs mais ou menos 200 paginas, que deu destaque a felicidade, a exceléncia e ao funciona- mento humano perfeito, conceitos raramente encontrados nos trabalhos de Freud e de ‘outros psicanalistas (veja Seligman e Csikszentmihalyi, 2000), No ano seguinte, uma edicao da American Psychologist apresentou quatro artigos a respeito da psicologia positiva. A introdugo dessa série de artigos foi intitulada “Why Positive Psychology Is Necessary” (Sheldon e King, 2001). Em 2002, Seligman publicou um livro popular chamado Authentic happiness: using the new positive psychology to realize your potential for lasting fulfillment. O livto foi tema de um artigo elogioso, publicado na Newsweek, que também descrevia 0 movimento da psi- cologia positiva como uma “total nova era da psicologia de pesquisa” (Cowley, 2002, p. 46). Desse modo, a psicologia positiva vem sendo recebida com entusiasmo tanto den- tro da comunidade psicologica como pelo publico em geral. Hoje, 0s livros basicos de psicologia positiva abrangem tipicamente topicos como © bem-estar subjetivo, a cléncia da felicidade, a satisfacao da vida, a afetividade positiva, a criatividade emocional, o otimismo, a teoria da esperanga, o estabelecimento de metas para a vida e a felicidade, e a psicologia positiva na vida profissional. ‘Quais sao as caracteristicas de uma personalidade feliz? O que contribui para o esta- do de bem-estar subjetivo? Pensou em “dinheiro”? Errado. As pesquisas confizmam 0 antigo provérbio que afirma que o dinheiro n4o compra a felicidade. Entretanto a falta de recursos financeiros e de estabilidade econdmica pode produzir a infelicidade. Seguindo o mesmo raciocinio, a boa satide fisica ndo garante a felicidade, mas a doenga pode diminui-la, Nao esté comprovado que existe uma forte relacdo entre a felicidade e a faixa etéria e 0 sexo, O prazer pela vida nao parece diminuir com a idade nem ser dife- rente para o homem e a mulher. © casamento e as variéveis de personalidade parecem influenciar positivamente a vvisdo da vida. As pesquisas comprovam que as pessoas casadas apresentam um grau mais elevado de felicidade do que as que nunca se casaram ou sao divorciadas ou vitivas. As pessoas com resultados elevados nas mensuragdes do bem-estar subjetivo também apre- sentam elevado grau de auto-eficécia, centro de controle interno, forte desejo de contro- lar a vida de outra pessoa, auto-estima, auto-aceitagdo, autodeterminacao, extroversao € conscientizagao. Além disso, essas pessoas sto dotadas de balxo grau de neurose (ve)a, por exemplo, Ryan e Deci, 2001; Seligman e Csikzentmihalyi, 2000; Snyder e Lopez, 2001; Staudinger, Fleeson e Baltes, 1999). As pesquisas ¢ a teorizacdo da psicologia positiva atrairam o interesse de um crescen- te niimero de psicélogos e podem representar 0 legado mais duradouro do movimento da psicologia humanista. Ainda assim, alguns psicologos, mesmo aceitando os méritos da psicologia positiva, consideram-na pouco mais que uma psicologia humanista “com nova roupagem” (Clay, 2002, p. 42). ‘Todavia ha uma diferenca importante entre a psicologia positiva e a humanista, bem como entre a psicologia positiva e as visoes derivadas da psicandlise, descritas nos capi- tulos anteriores. Em vez de adotar casos extremamente subjetivos, como os usados no trabalho de Maslow, a psicologia positiva baseia-se exclusivamente em pesquisa experi- ‘mental rigorosa. E, para o futuro desenvolvimento da psicologia positiva como um movimento for- ‘mal ou uma escola de pensamento, Seligman e outros psicélogos positivos pioneiros tm um objetivo bem menos estruturado. “Vemos a psicologia positiva como uma mera mudanga de enfoque da psicologia”, disse Seligman, “do estudo de alguns dos piores aspectos da vida para o estudo dos seus fatores valiosos. Nao vemos a psicologia positiva CAPTULO 14 PSICANAUSE APOS A FLNDAGAO 421 como um substituto de tudo que foi desenvolvido antes, mas apenas um complemento © uma extensdo dos estudos anteriores” (Seligman, 2002, p. 266-267). Qualquer que seja 0 status final da psicologia positiva, esse campo vem adotando uma visdo amplamente distinta da natureza humana em relagao a proposta por Sigmund Freud, que comecou os estudos da personalidade ha mais de um século, oO Hist6ria On-Line http://www.psych.upenn.edu/~seligman Esse site contém 0 trabalho escrito por Seligman em 1998, clamando pela Psicologia positiva, além de outros artigos escritos por ele e uma lista de lei- tura sobre a psicologia positiva http://www. positivepsychology.org/ Esse enderego contém informacbes sobre a psicologia positiva da Martin Seligman Research Alliance (Associacéo de Pesquisa Martin Seligman), A Tradi¢éo Psicanalitica na Historia Descrevemos algumas das divergéncias surgidas dentro da escola psicanalitica durante ¢ posteriormente 4 época de Freud. Algumas posigdes contemporaneas mantém pouca semelhanga com as vis6es freudianas e sao chamadas de “psicanaliticas” apenas por con- vengao, para distingui-las, dentro da psicologia, da tradigao experimental comportamen- tal. A psicanalise foi mais dividida que o behaviorismo pelos seus teoricos revisionistas. Apesar das mudangas introduzidas pelos neobehavioristas © os neo-neobehavioristas, todos compartilhavam da crenga de Watson em manter o comportamento como 0 foco central de estudo. Por outro lado, poucos seguidores de Freud concordavam em concen- trar 0 enfoque do estudo nas forcas biolégicas do inconsclente ou na motivacao sexual ou agressiva do individuo. Todo esse movimento resultou em muito mais subescolas da psicanélise do que do behaviorismo. Essa diversidade de pontos de vista pode ser considerada um sinal de vita~ lidade ou de fraqueza. Os acontecimentos sio recentes demais para serem julgados. Mais de cem anos apés Freud iniciar 0 seu monumental trabalho, os fatos ainda sao historias em andamento. Temas para Discussao 1. De que forma os neofreudianos modificaram a psicanalise freudiana? Como a mudanga no Zeitgeist das cléncias socials influenciou os mais recentes desenvolvimentos da psicandlise? 2. Descreva a relagao entre Anna Freud e seu pai. Que mudangas ela introdu- ziu na psicanélise? 3. A que se refere a palavra objeto na teoria das relacdes entre os objetos? Qual a diferenga entre as abordagens de Melanie Klein e Heinz Kohut, e entre as das visdes e a de Freud? 422 _Hist0RIn 04 PsicoLOGIN MOOERNA 4. Qual a influéncia da experiéncia de vida de Jung na sua psicologia analiti- ca? Descreva os conceitos junguianos de inconsciente coletivo e de arqué- tipos. 5. Qual a diferenca entre a psicologia analitica de Jung ¢ a psicandlise de Freud? Em que foram baseadas as criticas contra a abordagem de Jung? 6. Quais eram os pontos de discordancia entre Adler e Freud? Descreva a visio de Adler sobre 0 sentimento de inferioridade, o estilo de vida e a ordem de nascimento. 7. Discuta as criticas contra a psicologia individual de Adler. Qual a influéncia da infancia de Adler na sua teoria? 8. Descreva a visio de Horney sobre a psicologia feminina. Compare essa visao com a de Freud. 9. Explique 0s conceitos de Horney sobre a ansiedade basica, as necessidades neuréticas e a auto-imagem idealizada. Quais as idéias em comum entre as, visbes de Homey e Adler? 10. Descreva algumas das influéncias anteriores sobre a psicologia humanista Discuta o status atual do campo e as raz0es para seu destino. 11. Compare e aponte as diferencas entre as visbes de Maslow ¢ de Rogers sobre a auto-realizagdo € as caracteristicas do individuo psicologicamente saudavel, 12. Em que foram baseadas as criticas contra as teorias de Maslow e de Rogers? Qual foi a influéncia de Adler no trabalho de Maslow? 13. De que maneira a psicologia positiva espera alterar o enfoque da area da psi cologia em geral? Que fatotes estio comprovadamente relacionados com 0 bem-estar positivo? Sugestées de Leitura Donaldson, G. Between practice and theory: Melanie Klein, Anna Freud, and the deve- lopment of child analysis. Journal of the History of the Behavioral Sciences, n° 32, p. 160-176, 1996, Analisa os trabalhos de Klein e de Freud para mostrar as diferencas entre os seus conceitos de desenvolvimento da psique infantil e suas técnicas de and- lise infantil. Ellenberger, H. F. The discovery of the unconscious: the history and evolution of dynamic psychiatry. Nova York: Basic Books, 1970. Resgata as idéias sobre o inconsciente dos estudos antropol6gicos de povos antigos e primitivos até a época da psicanilise freu- diana, incluindo as nogées derivadas. Veja principalmente o Capitulo 8, em que se discute Adier, € 0 Capitulo 9, que aborda Jung, MecLynn, F. Carl Gustav Jung. Nova York: St. Martin’s Press, 1997. Uma biografia comple- ta de Jung, retratando-o como uma personalidade até certo ponto enraivecida e sinistra, com tracos de genialidade. Paris, B. J. Karen Horney: a psychoanalyst's search for self-understanding. New Haven, CT: Yale University Press, 1994. Descreve a vida de Horney e sua impressionante contri- buicdo para a compreensio da neurose e do proprio individuo. Govino 14 Pacanduse Aros Funoncho 423 Sayers, J. Mothers of psychoanalysis: Helene Deutsch, Karen Horney, Anna Freud, Melanie Klein, Nova York: Norton, 1991. Discute como essas analistas ajudaram a redefinic a psicanalise de Freud transferindo o enfoque da visio patriarcal para a matriaal. Schneider, K.); Bugental, J. FT, e Person, JF. eds.) The handbook of humanistic psycho- logy: leading edges in theory, research, and practice. Thousand Oaks, CA Sage, 2001. ‘Atualizaa imagem da psicologia humanista, incorporando a psicologia positiva e os aspectos da psicanlise contempordnea. Young-Bruehl, E. Anna Frew: « biegaphy. Nova York: Summit Books, 1988, Apresenta a biografiae o trabalho da filha de Freud, Anna, que desenvolveu um sistema de and- lise infantil eserviu como confidente do pal.

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