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VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 « 24 de maio de 2015 . OSCAR NIEMEYER: TECENDO IDENTIDADES . SUBSIDIOS PARA AS POLITICAS CULTURAIS COM FOCO NO TERRITORIO. Luiz Augusto F. Rodrigues! RESUMO: Analisando 0 livro Niemeyer poéte d'architecture do francés Jean Petit, faz-se uma abordagem da identidade brasileira a partir da contribuicio de Oscar Niemeyer para sua constituigo. Estabelece-se um paralelo com outro representante do modernismo brasileiro Mario de Andrade. O ensaio caminha pelos campos da Arquitetura, da Literatura e da Andlise do discurso, e os entende em suas bases de construgio de imaginérios que permeiam a produgao do territério, tema cada vez mais presente ¢ estruturante da construgao de politicas culturais, PALAVRAS-CHAVE: Identidade brasileira — Arquitetura modernista — Anélise do discurso — Cultura ¢ territério Participando recentemente da equipe de pesquisadores do recém-implantado Observatério de Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro — OBEC/RJ, uma parceria entre o Ministério da Cultura ¢ a Universidade Federal Fluminense - me vi remexendo antigos escritos, ainda nao publicados. Muito me impressionava, desde 0 inicio da década de 1990 quando desenvolvia minha tese de doutoramento, o relevante e importante papel que a obra do arquiteto Oscar Niemeyer representava, nio apenas na divulgagao da arte arquiteténica moderna/modernista brasileira ¢ internacional, mas também no sentido de que a importincia da obra de Niemeyer houvera sido essencial para o fortalecimento da propria valorizagio da identidade artistica brasileira, mesmo e, sobretudo, entre nds mesmos uma vez que vinha avalizada internacionalmente. ‘A produgao do espago contemporaneo, a meu ver, segue ainda as mesmas bases do século passado, indicando a modernidade ainda como um projeto estruturante ¢ inacabado (HABERMAS, 2002). E mais: a produgo do espago tem sido regida por preceitos homogeneizantes, mesmo que travestidos de diversidade (RODRIGUES, 2001). E tendo como foco a celebragio da cidade espeticulo, com suas imagens e “espagos luminosos” (SANTOS, 199° 1999). Neste sentido, a cidade contemporanea vem produzindo espagos marcados por sua capacidade de atratividade (para o turismo, para o capital empresarial etc.), Arguitetofurbanista, doutor em hist6ria, professor do Departamento de Ante da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Programa de Pés-Graduagio em Cultura ¢ Tertitorialidades. Contatos: Inizaugustorodrigues @id uff br cy “Voltar’ VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 4 24 de maio de 2015 eas formas artisticas calcadas em grandes icones da arquitetura mundial a base de suporte dessas produgdes. Os exemplos no mundo ¢ no Brasil so varios, mas para me ater ao maior icone da arquitetura brasileira o melhor exemplo é a cidade de Niterdi, que vem sendo marcada pela “grife” Oscar Niemeyer. Politicas urbanas se confundindo com politicas culturais municipais, enfim: a cultura dando suporte 4 produgio do territério, Partindo destes pressupostos, vejo como um dos principais desafios das politicas piblicas de cultura a possibilidade de dinamizar a dimensio econdmica da cultura, sem colocar em risco ‘ou em prejuizo suas dimensdes simbélicas e cidadis. A temética do turismo cultural, nesta perspectiva, busca observar a potencialidade da dinamica econdmica conjugada com o fortalecimento das praticas culturais (enquanto algumas expressGes de arte coletiva urbana) € das préticas de sociabilidade. Elegi, para minhas reflexes sobre este proceso, aproximagées iniciais com a construgio/consolidagZo do chamado “Caminho Niemeyer”, na cidade de Nitersi/RI. A partir destes estudos, comecei a revisar antigos textos e, como apontado, resolvi por compilar parte de uns escritos que fiz a partir de um livro francés dedicado ao nosso pocta- arquiteto, ¢ propor as reflexes a seguir. Em Niemeyer poéte d’architecteture, uma belissima edi¢ao que empresta suas péginas para homenagear a obra de Oscar Niemeyer, Jean Petit (1995) dé-nos a sua visio deste artista Mais do que a sua visio, poder-se-ia dizer que af se encontra a visio de todos sobre 0 arquiteto brasileiro. O autor francés descreve Niemeyer, ressaltando seu amor pelo moderno - retratado em Brasilia -, e pelo antigo - o Rio de Janeiro, com suas paisagens naturais a tecer sinuosas ¢ sensuais curvas que emolduram os espagos edificados, assim como o charme das, cariocas, do futebol e da bossa-nova. J. Petit ilustra-nos, também, a caracteristica social do homem Niemeyer, individu de priticas e pensamentos de esquerda que fazem com que sua arte volte-se a projetos de Catedrais, ou de sedes de Partido Comunista com a mesma paixdo. Segue o autor a dizer-nos que em Niemeyer podemos perceber o brasileiro: Tout est simple et compliqué a la fois. Pas facile de penser le Brésil, tendre et violent, tout en contradiction. Il feut le vivre, comme il faut vivre Oscar, charmeur, sensible, bouillonnant et incertain. Peut-étre Ia fusion de trois races, noire, blanche et indienne explique-t-elle la douceur des rapports, humains, la sensibilité, opiniatreté et la fierté des brésiliens Vous devez comprendre le Brésil pour comprendre Oscar, [..]? °PETIT, 1995, p. 15. ‘Tradugio livre: Tudo € simples e complicado ao mesmo tempo. Nio é fécil pensar o Brasil, temo e violento, tudo em contradigao, Devemos vive-lo, como deve vive-lo Oscar, encantador, sensfvel, borbulhante incerto, n Noltar— VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 « 24 de maio de 2015 Jean Petit, me parece, trouxe & tona neste trecho questdes referenciais da identidade brasileira. Reportemo-nos a S. B. de Holanda, a Roberto DaMatta, a Darcy Ribeiro ¢ a Contardo Calligaris. Por Sergio Buarque de Holanda (1978), 0 homem brasileiro traz em sia marca da cordialidade. Os desdobramentos de tal visio so varios. Da cordialidade vamos, no limite, desembocar na ideologia do favor. O assunto tem sido explorado por muitos, dos quais destaco Roberto DaMatta (2001). Como ilustra este antropélogo, somos © amélgama da camaradagem com o atbittio, Nossas relagdes pessoais sio marcadas por esse espitito de solidariedade, de troca de favores (hé os que nisso véem arquétipos da sociedade ibero- americana), onde o que importa é menos a pessoa em si do que sua teia de relacdes. Tal camaradagem, no entanto, desemboca no arbitrio, no autoritarismo de quem tudo pode de acordo com seus graus de influéncia. De tudo fica um pouco, e nao restam dividas de que parte de nossas caracteristicas sustentam- se na positividade da cordialidade. E interessante, outrossim, somar as reflexdes de Jorge Forbes (1998), para quem na cordialidade do brasileiro escamoteia-se a negagao da auto-percepgao. O “homem cordial” faz desse voltar-se para o outro, a negativa de lidar com seus préprios desejos. Nas palavras do autor, o altruista é no fundo um grande egofsta. Somos um povo de contrastes, conforme afirma Darcy Ribeiro (1995). Contrastes que se fundem na constituigo de algo novo. Nao podendo ser fndios, nem reinéis 0 elemento africano desdobrou-se como caracteristica propria dese povo “mulato”. Povo novo, como afirma e reafirma Ribeiro. Pensemos um pouco nessas ideias de Darcy Ribeiro, pois 0 novo pode pressupor sem tradigdes. Esse conflito entre o novo, a pégina em branco, e o assentamento de raizes, a meméria, a tadigao original, cremos, assume a caracteristica do conflito mesmo, sempre em oposigdes excludentes. Ora nega-se esse novo como caracteristica (e toda a potencialidade positiva que nele possa ser vista), ora nega-se a tradigao (aquela capaz de dar-nos marcas préprias e profundas). Sensibilidade, incerteza, obstinagio e vigor. so alguns desses contrérios com que Jean Petit nos caracteriza. C. Calligaris (1991) fundamenta essas brechas entreabertas de contrérios como uma dificuldade que o brasileiro enfrentou desde sua origem colonizadora, Nao querendo/podendo ser colonos nem colonizadores, restou-nos a ambiguidade de quem, para conseguir “um lugar a0 sol” transita entre o dilema de tomar-se colonizador para escapar da submissio de ser colonizado. Talvez a fuséo das ués ragas — negra, branca e indigena - explique a suavidede das relagSes humanas, a sensibilidade, a teimosia e 0 orgulho dos brasileiros. Vocé deve entender o Brasil para entender Oscar, (..) an Noltar— “Voltar’ VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 4 24 de maio de 2015 Esse explorar sem limites € como que uma fuga. E nossa cordialidade € uma auto- defesa. © que extrairmos das reflexdes aqui tecidas? Ambiguidades na constituigao da identidade brasileira... Diria mais, somos permeados por uma fraca identidade, suscetivel de virarmos ora para um lado, ora para seu oposto: “fendre et violent, tout en contradiction” f essa a imagem que estabelecem sobre nds. E sera essa, também, a nossa auto- imagem? (© que estou tentando estabelecer 6 que nio existe uma auto-imagem clara no homem brasileiro, ¢ que ele deixa-se perceber pelo que ideologicamente € levado a. Voltando & Niemeyer poéte d architecture, destaco o trecho que segue ao jé citado: Vous devez comprendre le Brésil pour comprendre Oscar, vous devez comprendre le vrai sens de ‘Pabrago’, cette sorte d’accolade que l'on se donne en se tapant dans le dos chaque fois que l'on se rencontre, vous devez, comprendre ces maisons ‘a casa € sua’, la maison vous appartient, vous devez comprendre le gaspillage et l'austérité, vous devez comprendre le ‘futebol’, passion brésilienne et savoir que Juscelino Kubitschek alors Président de 1a République a interrompu ses consultations lorsque le Brésil a gagné la Coupe du monde en 1958 tandis que les églises retentissaient d’actions de graces a cette ‘occasion, vous devez. comprendre la ‘feijoadz’, le plat national de haricots noirs, lard, pices, riz, Légumes verts et oranges, vous devez comprendre le Carnaval de Rio avec ses morts et ses blessés, vous devez comprendre la ‘macumba’, cette cérémonie issue de rites africains et de magie noite, vous devez comprendre, deux pas & droite, deux pas & gauche, Ia samba au rythme des tambours, vous devez comprendre le ‘sertio’ sens limites, polygone de la sécheresse, vous devez comprendre que 28% de la population totale du brésil est analphabéte et qu’un enfant sur cing ne va pas & I’éeole entre sept et quinze ans, ‘vous dever.comprendre les “pixoies’, enfant de la rue abandonnés & eux-mémes, ‘vous devez comprendre que plus de la moitié des brésiliens vivent en dessous du seuil de la pauvreté, vous devez comprendre que le Brésil est la dixigne puissance économigue mondiale, vous devez comprendre que c'est bien Paul Claudel que a dit, parlant du Brésil: “C'est ici que jai découvert le c6té rigolo de existence’ et que Le Corbusier, fraichement débarqué du ‘Graf Zeppelin’, traversa Rio en fiacre avec deux belles négresses, vous devez. comprendre toutes les aventures et savoir que le Brésil est une planéte, vous devez comprendre qu’Oscar Niemeyer est brésilien [...}° “bid. p. 15/16. ‘Tradugio livre: Vooé deve entender o Brasil para entender Oscar, voo8 precisa entender o verdadeito significado de ‘abrago', este tipo de saudagao que é dado, tapeando nas costas sempre que nos encontramos, vocé precisa entender a expressio ‘a casa & sua’, a casa pertence a voc8, vocé deve entender o desperdicio e a austeridade, voc’ precisa entender o ‘futebol, a paixio brasileira e saber que Juscelino Kubitschek, entio presidente da Republica interrompeu suas audiéncias quando o Brasil gankiou a Copa do mundo em 1958, ¢ que as igrejas interromperam as ages de graga naquela ocasiso, vocé precisa entender a ‘feijoada’, o prato nacional feito com {eijao pret, toucinho, especiarias, arroz, couve e laranja, voe8 deve entender 0 Carnaval do Rio com seus mortos seus feridos, vocé deve entender a ‘macumba’, esta questo dos rituais afticanos e ceriménia de magia negra, ‘woo deve entender, dois passos para dircita, dois & esquerda, o samiba ao ritmo dos tambores, vocé precisa entender os significado de 'Sertdo! sem limites, poligono da seca, voc deve entender que 28% do (otal da populacéo do Brasil é analfabeta e que uma em cada cinco criangas no vio 8 escola entre as idades de sete e quinze, vocé precisa entender os ‘pixotes’, criangas de rua abandonadas a proprias, voo8 precisa entender que mais da metade dos brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza, voc deve entender que o Brasil € a décima es = VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 « 24 de maio de 2015 0 texto supracitado suscita-nos varios elementos de reflexdo. Em primeiro, atentemo- nos para a forma como o autor apresenta o Brasil. Ressalte-se tratar de obra francesa escrita para seus conterrneos. E como é o pais para este estrangeiro? Lugar de intimidades: a « wusteridade camaradagem dos abragos e de € sua’; dos esbanjamentos e da austeridad esta matizada pelo futebol, pela macumba e pelo samba. Pafs de contrarios e de contrastes. Pais que mescla pobreza e pujanga. Secura e gracejo. E é nesse contexto de contrérios que surge 0 ‘poeta’ maior: Niemeyer. 0 texto aponta sempre as dualidades. O ‘abrago” transforma o tapa de ato agressive em ternura, tornando-se signo de nossa camaradagem. ‘A ‘casa’ & transformada de lugar de intimidade em espago aberto as demais pessoas. Sao apresentados varios prés e contras, mas se deixa aberta a brecha das caracteristicas positivas, “Vous devez comprendre qu’Oscar Niemeyer est brésilien...”, assim justifica 0 autor os contrastes desse arquiteto. Niemeyer foi capaz de inovar a arquitetura modernista ao fazer a sintese entre forma e fungdo. O lema da época era ‘a forma segue a funcdo’ - preceito universal a apostar na racionalidade geometrizante dos angulos retos. A brasilidade de Niemeyer permitiu juntar a0 projeto modernista a suavidade das curvas, a surpresa das novas formas. Podemos retomar aqui certas caracteristicas da identidade brasileira. Retornemos a tragos bem distantes, presentes na formagio do mundo modemo. As raizes medievais apontavam uma dualidade de influéncias: a visio tomista* (visio coerente hierarquica do universo, mesclando razo e £6), ¢ a visio occamista® (de organizacao escalonada) a permear © perfil dual das civilizagdes marcadas prioritariamente por cada uma delas - 0 mundo ibérico pela primeira e o mundo inglés pela segunda, Esta é a tese sustentada por Richard Morse (1988) em O Espelho de Préspero. Segundo este autor, “isso tem a ver com as civilizagdes da América, Pois os ingleses compraram o pacote ‘modemo’, convertendo-se talvez, nos mais ‘modemos’ dos curopeus, a poténcia econémica do mundo, vocé precisa entender o lado bom quando Paul Claudel disse, falando do Brasil: E aqui que eu descobri o lado engragado da vida’ ¢ quando Le Corbusier pousou com 0 Graf Zeppelin © atravessou o Rio de Lixi com duas belas mulatas, vocé deve compreender todas as aventuras ¢ saber que 0 Brasil um planeta, voc deve entender que Oscar Niemeyer é brasileiro |...) * Relative a Sao Tomas de Aquino (1225-1274) # Relativo a William de Occam (¢, 1287-1347) 816 Noltar— “Voltar’ VI Seminavio Internacional de Polfticas Culturais fandagdo Casa de Rui Barbosa - Rio de Vaneivo - Brasil 26 « 24 de maio de 2015 despeito, ou devido ao fato, de terem evitado a elegancia racionalista francesa e a metafisica compensatéria alema., Os ibéricos foram mais cautelosos.” (MORSE, 1988, p. 29) (Os anglo-americanos ficaram com o pragmatismo racional e os ibero-americanos com a tensio entre a razio ¢ a emogao. Poder-se-ia dizer que ao invés de a razdo pela razdo “optamos’ por a razdo pela paixdo. Estariam ai certas marcas da busca do goz0?” ‘Varios autores, alguns jé citados, consideram que as contradigdes presentes no homem brasileiro refletem uma falta de unidade, ou mesmo falta de autenticidade. Se 0 universo simbélico nos € possibilitado pela linguagem, na linguagem estio as nossas poss{veis contradigdes; ¢ através dela que devemos buscar nossas ‘inautenticidades’, buscando compreendermo-nos como brasileiros.’ Na busca da construcio de nossa identidade outro expoente maior do modernismo, Mério de Andrade, vem juntar-se a Oscar Niemeyer no estabelecimento de uma nova linguagem: neste a arquitet6nica e naquele a literdria. Antonio Carlos de Brito, em uma andlise sobre Mério de Andrade, utiliza uma feliz,

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