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Robert Fisher O CAVALEIRO DA ARMADURA ENFERRUJADA Tradhigao de Ana Pavia Tanque fa EDITORIAL PRESENCA i Aos meus queridos amigos Dr. Gianni Boni, Sandra Dunn ¢ Dr. Robert Sharp, que me ensinaram o que eu no sabia e me despertaram para aquilo que eu J sabia, FICHA TECNICA Tio ogi The Kr ty Amor ‘Asn Roker Fe Copyright © 1950 by oben Fi li poids por acon com Wise Book Company | Trstgde © El Presa, Lsbou, 2068 Teal: Ana Ps Tang ‘ ovoge © Cet le tnagOne ' Cap: Frans Olin Ba Conese, imprestio«acibaneat: Mabiw — Arr Ca,L. ' 1 edit, Len, Jo, 200¢ 2 ego, Los, Mao, 2005 5) ei, Late, Janes, 2006 4 ceo, Lisbon, Deseo, 2006 5: ei bos, Jutho, 2977 6 stg, Eston, Dezemiro, 2007 1 ete, Eso, Desembro, 2007 3. eit, Eos, Jb, 2008 81 edit, Lbs, Oro, 208 | 10: odo, Le, Jno, 2009 DepSsto lee n> 295 908/09 Reservior todes o diritos par Portgl pales aicanos dtinos 8 EDITORIAL PRESENGA, Sada ce Pains, $0 Queus de Buixo 2720-152 BARCARENA Ema: ino@preence Tezemer Ip //rew pete INDICE © Dilema do Cavaleico No Bosque de Merlim (© Caminho da Verdade © Castelo do Siléncio © Castelo do Conhecimento - O Castelo da Determinagio ¢ da Coragem © Cume da Verdade uM 19 29 38 48 62 68 Capitulo O DILEMA DO CAVALEIRO Era uma vez, hd muito tempo, numa terra longinqua, um cavaleiro que se considerava muito virtuoso, amével ¢ dedi- cado. Fazia todas as coisas que os cavaleiros virtuosos, ami- veis e dedicados fazem. Os seus adversirios de combate eram criaturas malvadas, vis © despreziveis. Matava dragées resgatava lindas donzelas em perigo. Quando as aventuras de cavalaria andavam mais paradas, tinha 0 péssimo hibito de salvar donzelas mesmo que elas nio quisessem ser salvas. Assim, apesar de muitas donzelas Ihe estarem agradecidas, outras tantas estavam furriosas com ele. Ele aceitava isto com filosofia. Afinal, nfo se pode agradar a todes. Este cavaleiro era famoso pela sua armadura. Reflectia raios de luz to intensos que, quando o cavaleiro partia para 2 batalha no seu cavalo, os aldedes juravam ter visto o raiar do sol a norte ou o ocaso a oriente, E ele partia para as bata~ has frequentemente. A minima mengio de uma cruzada, 0 cavaleiro colocava ansiosamente a sua armadura reluzente, montava o seu cavalo, ¢ cavalgava numa direcgio qualquer. De facto, ficava tio ansioso que, por vezes, cavalgava em varias direccSes ao mesmo tempo, 0 que nfo era uma proe~ za facil Dirrante anos, este cavaleiro esforcou-se por ser o melhor cavaleiro de todo o reino, Havia sempre uma outra batalha a ser ganha, um outro dragio a ser morto, ou uma outra donzela a ser salva. © cavaleito tinha uma esposa leal e, de certa forma, tole- rante, Juliet, que escrevia poesia muito bela, dizia coisas inteligentes ¢ tinha um fraquinho por vinho. Tinha também i um filho jovem, de cabelo dourado, Christopher, que ele esperava vir a transformar-se num cavaleiro corajoso quando cxescesse, Juliet ¢ Christopher viam muito pouco o cavaleiro por- que, quando ele no estava a travar batalhas, a matar dragées € a salvar donzelas, estava ocupado a experimentar a sua armadura ¢ a admirar o seu brilho. A medida que o tempo. foi passando, 0 cavaleiro encantov-se tanto com a sua arma- dura que comesou a usé-la ao jantar e, nio raro, para dor- mir, Ao cabo de algum tempo, nio se preocupava em tiré-la de todo. Gradualmente, a familia esqueceu-se de como ele era sem a armadura, As vezes Christopher perguntava 4 mie como era o aspecto fisico do pai. Quando isto acontecia, Juliet levava o rapaz até a lareira ¢ apontava para um retrato do cavaleiro, que estava pen durado na parede. Aqui esti o teu pai — dizia num suspiro. Uma tarde, 20 contemplar o retrato, Christopher disse a mic: — Como gostaria de ver 0 pai em pessoa! —Nio se pode ter tudo! — respondeu bruscamente a mie. Comegava a impacientar-se com o facto de ter apenas ‘um quadro para Ihe recordar o rosto do seu marido ¢ estava cansada de acordar durante a noite com o barulho da arma- dura de ferro. Quando se encontrava em casa, sem estar completamente absorvido pela sua armadura, 0 cavaleiro proferia geralmente longos monélogos das suas facanhas. Juliet.e Christopher raramente tinham oportunidade de dizer uma palavra. Quan- do 0 conseguiam, o cavaleiro impedia-os de continuar a falar, cerrando a viseira da armadura ou retirando-se repen- tinamente para dormir. Um dia, Juliet confrontou o marid: — Acho que amas mais a tua armadura do que me amas a mim — Isso no € verdade —- respondeu 0 cavaleiro. — Nao te amei o suficiente para te salvar daquele dragio c instalar- te nas paredes deste bonito e bem protegido castelo? 12 —O que tu amaste — disse Juliet espreitando através da viseira para Ihe poder ver os olhos — foi a ideia de me salvar. Nio me amavas verdadeiramente na altura, endo me amas verdadeiramente agora. — Amo-te sim — insistia 0 cavaleiro, abracando-a desa-. jeitadamente na sua armadura tia, rigida e quase lhe partindo as costelas. — Entio tira essa armadura para que eu possa ver quem tu és realmente! — exigiu ela, — Nio posso tiré-la. Tenho de estar preparado para mon- tar o meu cavalo ¢ cavalgar numa direccio qualquer — expli- cou o cavaleito. — Se nio tirares essa armadura, vou pegar no Christo- pher, montar o meu cavalo ¢ cavalgar para fora da tua vida. Ora, isto foi um verdadeiro choque para 0 cavaleiro. Ele nao queria que Juliet se fosse embora. Amava a sua esposa, © seu filho e o seu castelo requintado, mas também adorava a sua armadura porque esta revelava a toda a gente quem ele era — um cavaleiro virtuoso, amivel e dedicado. Por que & que Juliet nao se apercebia de que ele tinha essas qualidades? O cavaleiro sentia-se confuuso. Por fim, tomou uma deci- sio: continuar a usar a armadura nfo valia tanto quanto perder Juliet e Christopher. Com relutincia, o cavaleiro esticou os bragos para tirar 0 elmo, mas este nem se mexeu! Puxou com mais forca. Estava perro. Perturbado, tentou levantar a viseira mas, céus, tam= bbém estava presa! Embora puxasse vigorosamente pela viseira vérias vezes, nada acontecia. O cavaleiro andava para tris ¢ para a frente, em grande agitacio. Como podia isto ter acontecido? Talvez nio fosse to surpreendente o facto de o elmo estar preso, uma vez que jé no o tirava ha anos, mas a viseita era outra questio. Abria-a regularmente para comer e beber, Tinha-a levan- tado ainda naquela mani para um pequeno-almogo de ovos mexidos e leitio. 13 De repente, o cavaleiro teve uma ideia, Sem dizer onde ia, dirigiu-se apressadamente 4 oficina do ferreiro, situada no patio do castelo. Quando chegou, o ferreiro estava a mol- dar uma ferradura com as suas proprias mios. — Ferreiro — disse 0 cavaleiro —, estou com um problema. — Vés sois um problema, senhor — observou 0 ferteiro com sarcasmo, com 0 seu tacto habitual. © cavaleiro, que até apreciava ouvir gracejos, mostrou-se zangado. — Nio estou com disposicio para as tuas piadas agora Estou preso nesta armadura — bramiu, ao mesmo tempo que batia no chdo com o pé revestido de aco, pisando aci- dentalmente 0 dedo grande do pé do ferreiro, O ferteiro soltou um uivo e, esquecendo-se por momen- tos de que 0 cavaleiro era o seu amo, desferiu uma pancada violenta no elmo. © cavaleiro sentiu apenas um ligeiro des- conforto. © elino nio se moveu. ~—Tenta novamente — ordenou cavaleiro, sem ter a nogio de que o ferreiro o obsequiara por raiva, — Com todo 0 prazer — anuiu 0 ferreiro, brandindo com um sentimento de vinganca um martelo gue se encontrava proximo, fazendo-o cair com forca no elmo do cavaleiro. © golpe nem sequer fez uma amolgadela © cavaleiro estava profundamente preocupado, O ferreiro cra, sem diivida, o homem mais forte do reino. Se ele nio conseguia arrancar a armadura ao cavaleiro, quem iria con- seguir? ferreiro, que era um homem amével excepto quando The esmagavam o seu dedo grande do pé, deu-se conta do panico do cavaleiro e mostrou-se solidario: — Estais numa situagio complicada, cavaleiro, mas no desistais. Voltai ama- nha, depois de eu ter descansado, Apanhastes-me no final de um dia de trabalho Arduo. Nessa noite, a hora de jantar foi dificil. Juliet sentia-se cada vez mais irritada 4 medida que introduzia, através dos 14 orificios na viseira do cavaleiro, pedacos de comida que tri- turava previamente. A meio da refeicio, o cavaleiro disse a Juliet que o ferreiro tinha tentado abrir a armadura, mas tinha falhado, — Nio acredito em ti, monstro metilico! — gritou ela, esmagando 0 seu prato meio cheio de estufado de pombo no elmo do cavaleiro. © cavaleiro nio sentiu nada, $6 quando 0 molho da carne comegou a escorter pelos orificios dos olhos na viseira é que cle se apercebeu de que tinha sido atingido na cabera, Tam- bém quase no sentira 0 martelo do ferreiro naquela tarde. Efectivamente, agora que pensava nisso, a sua armadura impe- dia-o de sentir 0 que quer que fosse, € usava-a ha j tanto tempo que se tinha esquecido de sentir as coisas sem ela. © cavaleiro ficou perturbado com 0 facto de Juliet nio acreditar que ele estava a tentar tirar a armadura. Ele © 0 ferreiro haviam tentado, e continuaram a fazé-lo durante muitos mais dias, ingloriamente, A cada dia que passava, 0 cavaleiro ia ficando cada vez mais desanimado, e Juliet cada ver mais distante. ‘Até que, por fim, 0 cavaleiro foi obrigado a admitir que 08 esforgos do ferreiro de nada valiam. — Com franqueza, o homem mais forte do reino! Nem. sequer consegues partir esta sucata de aco! — gritava 0 cava~ leiro, frustrado. Quando © cavaleiro regressou a casa, Juliet bradou estri- dentemente: — © teu filho tem apenas um retrato como pai, ¢ cu estou farta de falar para uma viseira fechada, Nunca mais voltarei a enfiar comida através dos orificios dessa mal- dita coisa. Foi a filtima vez que te triturei uma costeleta de carneiro para comeres! — Eu nio tenho culpa de ter ficado preso nesta armadura! Eu precisava de usi-la porque tinha de estar pronto para ir combater a qualquer momento. Senio, como é que podia dar-vos, a ti e ao Cristopher, castelos bonitos ¢ cavalos? 15 — Nio o fizeste por nés — retorquiu Juliet. — Fizeste- ~o por ti proprio! © cavaleiro sentiu-se pesaroso, pois a sua mulher parecia ter deixado de o amar. Receava também que Juliet ¢ Chris- topher partissem de ver caso ele nao conseguisse tirar a arma- dura rapidamente. Tinha de resolver o problema, mas nao sabia como fazé-lo. © cavaleito foi pondo de parte uma ideia atrés de outra, por achar que nio tinham viabilidade. Alguns dos planos eram absolutamente perigosos. Sabia que qualquer cavaleiro que se lembrasse de tentar fundir a sua armadura com um archote, saltar para um fosso gelado para quebri-la, ou rebenté-la com um tiro de canhio, estava a precisar deses- peradamente de ajuda. Nao tendo conseguido arranjar ajuda no seu préprio reino, o cavaleiro decidiu procuri-la noutras terras. Deve haver alguém, algures, que me ajude a tirar esta armadura, pensava, Claro que itia ter saudades de Juliet, de Cristopher e do seu belo castelo. Temia igualmente que Juliet encontrasse 0 amor junto de outro cavaleiro, que estivesse disposto a tirar a armadura na hora de dormir ¢ a ser como um pai para Christopher. No entanto, o cavaleiro tinha de partir, por jsso, uma manhi, bem cedo, montow 0 seu cavalo e partiu, Nio se atreveu a olhar para tris com receio de mudar de ideias A saida do territério, parou para se despedir do rei, que tinha sido muito generoso com ele, O rei vivia num castelo magnifico no alto de uma colina, na parte nobre do ter- ritério. Quando 0 cavaleiro ia sobre a ponte levadica em direcgio ao pitio, avistou o bobo da corte, sentado de per- nas cruzadas, a tocar uma flauta de cana. © bobo chamava-se Sacolegre porque, 20 ombro, carre- gava um saco maravilhoso com as cores do atco-itis, cheio de uma infinidade de coisas que faziam rit ou sortir as pes- soas. Havia cartas estranhas que utilizava para ler o destino 16 7 das pessoas, contas de cores vivas que fazia aparecer e desa~ parecer e bonequinhos engragados que usava para, com graca, insultar o seu piblico. — Ol, Sacolegre — cumprimentou o cavaleiro. — Vim despedit-me do rei. O bobo olhou para cima — O rei madrugou ¢ foi de abalada. E por isso ndo te pode dizer nada. — Onde foi ele? — perguntou 0 cavaleiro. — Li partiu ele numa nova cruzada Se o esperares ters a tua ida atrasada. © cavaleiro ficou desiludido por no ter encontrado o rei, € inquieto por nio poder juntar-se a ele na cruzada, — Oh — suspirou —, poderei morrer de forme nesta armadura, se aguardar o regresso do rei. Poderei nunca mais tornar a -lo. — O cavaleiro teve vontade de cair da sua sela mas, claro, a armadura impedia-o de faz8-lo — Bem, mas no & esta uma patética visio! Nem todo o teu poder te resolve a situacio, —Nio estou com disposi¢io para as tuas rimas insultuo- sas — gritou 0 cavaleiro asperamente, empertigando-se na sua armadura. — Seré que, pelo menos uma vez, nio é& capaz de levar o problema de uma pessoa a sério? E Sacolegre cantou com uma voz limpida ¢ Krica: — Os problemas nio me podem nunca afectar. Sio sé oportunidades para cu parodiar. —O tom da tua misica seria diferente se fosses tu que estivesses aqui preso — resmungou © cavaleiro. Sacolegre retorquit — Todos nés estamos presos numa armadura similar. A tua é simplesmente mais ficil de encontrar. —Nio tenho tempo para ficar aqui a ouvir os teus dis- parates. Tenho de encontrar maneira de sair desta armadura — E com isto, 0 cavaleiro tocou a montada para andar ¢ partir, mas Sacolegre chamou-o: 7 — Existe alguém que te pode ajudar, cavaleiro, a tornar visivel 0 teu ceu» verdadeiro. O cavaleiro refreou o cavalo ¢ regressou ansioso pata junto de Sacolegte. — Conheces alguém que me pode tirar desta armadura? Quem & —O Mago Merlim teras de visitar. Para descobrires entio como te libertar. — Merlim? O Gnico Merlim de que ouvi falar € © emi- nente e sibio mestre do Rei Artur, — Sim, sim, esse é 9 motivo do seu reconhecimento. Nao ha outro Merlim, que eu tenha conhecimento. — Mas nao pode ser! — exclamou o cavaleiro. — Mer- lim e Artur viveram hé muito tempo atris. Sacolegre respondeu: — Assim &, € no entanto ele esté vivo e muito bem. © sabio habita, com efeito, naquele bosque além. — Mas aquele bosque é to grande — disse o cavaleizo. — Como é que o encontrarei 14? Sacolegre sorriu. — Nunca se sabe se dias, semanas ou anos decorreriio; quando 0 discipulo esta pronto, o mestre faz a aparigao. — Nio posso esperar que Merlim aparega. Vou procuri~ -lo — disse 0 cavaleiro, Estendeu a mao ¢ cumprimentou Sacolegre, agradecido, quase esmagando 0s dedos do bobo com a sua Tuva metilica Sacolegre gemeu. © cavaleiro soltou rapidamente a mio do bobo. — Desculpa. Sacolegre esfregou os dedos dorides. — Quando a armadura to permitir, a dor que 03 outros sentem poderis também sentir. — Vou-me embora! — disse 0 cavaleiro. Deu a volta 20 cavalo, ¢, com uma esperanca renovada no coragio, partiu galopando em busca de Merlim, 18. Capitulo 2 NO BOSQUE DE MERLIM Nio era tarefa facil encontrar o astuto mago. Havia mui- tas matas onde procurar, mas apenas um Merlim. Assim, 0 pobre cavaleiro andou, dia apés dia, noite apés noite, ficando cada vez mais fraco. A medida que se embrenhava sozinho na floresta, 0 cava~ Iciro apercebeu-se de que desconhecia muitas coisas. Sem- pre se considerara muito esperto, mas nio era assim que se sentia ao tentar sobreviver na floresta Contrafeito, teve de admitir que nem to pouco distinguia as bagas venenosas das comestiveis. Esse facto transformava a accio de comer num jogo de roleta russa. Beber eta igual- mente arriscado, © cavaleiro tentou enfiar a sua cabeca num, ribeiro, mas o seu elmo encheu-se de igua. Quase se afogou por duas vezes. Como se isso nio fosse ja suficientemente mau, estava perdido desde que entrara no bosque. Nao sabia distinguir 0 norte do sul ¢ o este do oeste. Felizmente, 0 seu cavalo sabia. ‘Apés meses de busea em vio, 0 cavaleiro estava muito desanimado. Ainda nfo tinha encontrado Merlim, apesar de ter j6 percorrido muitas léguas. O que fazia com que ele se sentisse pior era o facto de nem sequer saber qual a distin- cia de uma légua. Certa mani, acordou sentindo-se mais fiaco do que o habi tual e um pouco estranho. Foi nessa manhi que encontrou Mer- Jim. © cavaleiro reconheceu 0 mago imediatamente, Estava sentado debaixo de uma arvore, trajando uma tinica branca comprida, A sua volta encontravam-se reunidos animais da flo- resta, @ nos seus ombros ¢ bragos empoleiravam-se pissaros 19 © cavaleiro abanou a cabeca sorumbaticamente de um lado para 0 outro, a armadura chiando & medida que o fazia Como conseguiam estes animais encontrar Merlin com tanta facilidade quando isso foi tio dificil para mim? Desmontou penosamente do seu cavalo. — Tenho andado 4 tua procura — disse ao mago. — Hi meses que ando perdido. — Toda a tua vida — corrigiu Merlim, roendo um pe- dago de cenoura ¢ partilhando-a com 0 coelho que se encontrava mais préximo. O cavaleiro endureceu: ser insultado. —Talvez tenhas sempre encarado a verdade como um insulto — disse Merlim, partilhando a cenoura com outros animais. Este comentario causou igualmente algum desagrado a0 cavaleiro, mas’ este estava demasiado debilitado, devido a fome e a sede, para montar o seu cavalo e partic. Em vez disso, deixou cair sobre a erva 0 seu corpo revestido 2 metal. Merlim fitou-o compassivamente. — Es muito afortunado — comentou. — Estés dema- siado fraco para poder fugir. — Que quer isso dizer? — perguntou bruscamente o cavaleizo, Merlim respondeu com um sorriso: — Uma pessoa nio pode correr e aprender ao mesmo tempo. Tem de manter- ~se num lugar durante uns tempos. — Ficarei apenas 0 tempo que for preciso para aprender como sair desta armadura — disse 0 cavaleiro. — Quando aprenderes isso — afirmou Merlim —, nunca mais precisarés de montar 0 teu cavalo ¢ cavalgar em todas as direcgSes. © cavaleiro estava demasiado cansado para por isto em questio. Sentiu-se, de alguma forma, confortado ¢ adorme- ceu de imediato, Nio fiz este caminho todo para Quando despertou, viu Merlim ¢ 05 animais, todos em seu redor. Tentou sentar-se, mas estava muito fraco. Merlim estendeu-Ihe uma taca de prata, contendo um Kquido de uma estranha cor. — Bebe isto — ordenou. —O que é isto? — inquiriu o cavaleiro, mirando a taca com desconfianga. — Tens tanto receio — constatou Merlim. — Claro! Foi por essa razio que comecaste a usar a armadura, O cavaleiro nio se incomodou a negi-lo, pois estava de masiado sequioso. — Esti bem, eu bebo. Entorne-o pela minha viseira —Nem pensar — exclamou Merlim. — £ precioso de mais para ser desperdigado. Arrancou uma cana fina, pés uma extremidade na taca e enfiou a outra num dos orificios da viseira do cavaleiro. — Que éptima ideial — reconhecen 0 cavaleiro. Oo vés da palhinha. Os primeitos golos pareceram amargos, os seguintes mais agradaveis e os ‘iltimos tragos bastante deli- ciosos. Grato, o cavaleiro devolveu 2 taga 2 Merlim. — Devias vender essa coisa no mercado. Ficarias rico, Merlim sorriu apenas. — O que é? — perguntou o cavaleiro. — Vida — respondew Merlim. — Vidat — Sim — afirmou 0 sébio mago. — Nao pareceu amargo no principio, e depois, i medida que lhe ias tomando o pala~ dar, no se tornou agradivel? © cavaleiro acenon com a cabega: — Sim, ¢ 0s iiltimos tragos foram absolutamente deliciosos — Foi quando comegaste a aceitar aquilo que bebias. 21 —— Estis a dizer que a vida é boa quando a aceitamos? — indagou 0 cavaleiro, — Nio é assim? — replicon Merlim, elevando divertida- mente um sobrolho. — Estis & espera que eu aceite toda esta armadura pesada? Pe — observou Merlim —, tu nao nasceste com essa armadura. Foste tu que a enver; qué? — Por que ndo? — retrucou com irritaco © cavaleito, Nesta altura, jé Ihe comecava a doer a cabeca, Nao estava habituado a pensar dessa forma — Conseguiris pensar com mais clareza quando recupe- rares as tuas forcas — disse Merlim, E com isto, © mago bate as mios, ¢ os esquilos, segu- rando nozes nas suas pequenas bocas, alinharam-se em frente a0 cavaleiro. Cada esquilo trepou para o seu ombro, que- brou © mastigou uma hoz, depois empurrou os bocados através da viseira do cavaleiro. Os coelhos fizeram 0 mesino com cenouras © os veados esmagaram raizes © bagas para © cavaleiro comer. ii gaste. Ja te interrogaste por- reso ma sua armadura, € na flo- Os animais alimentavam o cavaleito regularmente e Mer lim dava-the a beber pela palhinha tacas enormes de Vida Pouco a pouco o cavaleiro foi ficando mais forte e come gou a sentir-se mais esperancado, Todos os dias fazia a Meriim a mesma pergunta: — Quando € que vou sair desta armadura? Todos os dias, Merlim res- pondia: — Tem paciéncia! Envergas essa armadura ha muito tempo. Nio consegues libertar-te dela assim to facilmente. Uma noite, os animais ¢ 0 cavaleiro estavam a ouvir o mago tocar no seu alatide os éxitos dos trovadores, O cava- leiro aguardow até que 0 mago acabasse de tocar

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