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; 1) rn Co NVUTUS ela ou Mandelbrot Piel) L. Hudson dos mercados # Po ns: ‘Benoit B, Mandelbrot, ur dos mais influentes matematicos do século, famoso em todo.o mundo porinterpretar fem termes matemsticos fates que todos conhecer, mas que geémetras, desde Evelides, jamais assimilaram: as nuvens nao so redandas, as montanhas no S30, Bnicas, os IRorais nao so regulares. A cessasclissicas, demas agora ‘acrescentar outro exemplo: 0s mercados ‘io sio uma aposta segura, a0 contro do quetalverdigam os corretores, Em seu primeiro lio para o grande piilico, Mandelbrot e Richard L. Hudson mostram como o pansamento ‘convencional sobre o comportamento dos ‘mercados - um conjunto de pressupastos rmatematicos que a esto hd mais de um século e que ainda so ensinados em todos os MBAS e financistas do mundo - ‘implesmente nio funcionam. Como j havia feito em rlaro ao mundo fisico,no seu cssico The Fetal Geomety of Nature, Mandelbrot explora neste livro a geomet fractal, para propor um novo ‘método mais exato de descrever 0 comportamento dos mercados. Agora, a ‘latilidade do precedes aces da BM eas _ oscilagdes da taxa de cdmbio euro-délar _ podem ser apresentadas em fmulas _ objetivas, que produzem um modelo muito jis adequado do grav de risco dessas ‘Benoit Mandelbrot é protessor de Cigncias “Matematicas na Universidade de Yale @ Fellow Emeritus do laberatério Thomas J ‘Watson, da IBM. € inventor da geometria fractal, cyjo exemplo mais farn0so,o Conjunto Mandelbret,foreproduido ern mithBes de pésteres e cemisetas. E um {dos principais personagens do livro Caos -A Ciiagéo de uma Nova Ciena Elsevier, ‘ecebeu © Wolt Prize, em fisica, eo Japan Prize, em ciéncia e tecnologia; além de ‘outros prémios da Academia Nacional de (incias dos Estados Uridos, do Instituto ‘de Engenheiros Elétricase Eletrénicos, também americano, ed numerosas Universidade dos Estados Unidos e de Dutros paises. Entre seus livros, destacam- se Fractals: Frm, Chanceand Dimension, que depois de amplindo trensformause no lssico Tho Fractal Geomety of Natur. Richard L. Hudson foi repérter durante 25 ‘anos e ecitor da edicao européia do Wall ‘Street Journal durante seis anos. Fermou- ‘seppela Harvard University, em 1978, tornou-se Knight Fellow do MIT, em 1991, S Financeiros Fora de Controle Mercados Financeiros Fora de Controle Ateoria dos fractais explicando © comportamento dos mercados Tradugso ‘Afonso Celso da Cunt Serra ) ono ELSEVIER CAMPUS Do ofa ‘he nis) Behavior of Markets “radu atrizada do oma gl da eo pubic por Basle Books -Perus Books Group CCopyight © 2008 by Benoit. Mandre. (© 2004, Geo Etora Lda, “Todos o dtl rasonatosoprotagdes pla Lal 610 6 1100/1008. "Nenua parte desta, sem aorzacto préia per eeara a tora, odor sr reprocizda cu anata jam qui orem o® main emgragadoe ‘letrnicos, menos, flog, pravarde ou quasqur autos terarao Bleweica Estudio Casttan, Copidesque ‘ana Costa Sera Reviade Gren Mavitor Sena lal Racha Edna Rocha Preto Griteo savor Esra La. 1 Guaiade de omageo ua Sota de Setombro, 1 ~ 16 andar 2000-006 Rl de Janie FU Bast Teltne: 21) 39708900 FAX: 21) 2507-1901 malo @ svi combr Ezra Sto Paulo ‘im Evra Fras, 198 ol: ny aae.e558 ISBN asase-1400:3 Eapio ongnat SEN 0455-04355. CIP-bast Cataoparao-na ons Shascato Nacional dos Eaves do Los, Ru 280m ‘Mandobret, Bera aradoe inancoke ora de cntole ator dos actale ‘explcando ocompertamento dos morados /Benot Mandotet, Fichar Hudson ;vadupdo do Alonso Clee da Cunha Sora, Fodder Elev, 2004, “Tradgo de: Themis fecha of marats Incl botografa ISBN a5 982-1400:2 1. Mercado de captais. 2 Investienios- Andie 9. Ags (Finangas~ Pregos 4, Tits (Fnangas). 5. Adminstagso de seo. Hudson, Par. Tl, ox2005 coo ss267 Sou 396.76 (04 05 06 07 08 e4aat we PARA O LEITOR CIENTIFIC : UM RESUMO (Os trés estados da matérla - s6lldo, liquido e gasoso ~ de hé muito sio conhecidos. Distingao analoga entre os trésestados daaleatoriedade—branda, lentae turbulenta~decorre da ma- tematica da geometria fractal. A teoria financeita convencio- nal presume quea variacdo dos pregos pode ser modelada por processos aleatérios que, com efeito, segue o padrao “bran. ‘do” mais simples, como se cada movimento delta ou de bai xa fosse determinado por cara ou coroa. O que os fractais ‘mostram —eeste livro descreve-é que, conforme esse padrao, ‘0s precos reais “comportam-se muito mal”, Um modelo mul- tifractal mais exato da variagdo turbulenta dos pregos cria condigdes para um novo tipo de teoria financeira mals con- elétricos “oscilantes" ¢ o rastro dos pregos de uma agd0 Se ELS Aux Dames: Aliette, Diane, Louisa, Clara e Ruth Sumario Resumo Agradecimentos Preémbulo: Apresentando um rebelde em ciéncias Benoit Mandelbrot, 0 “pai” dos fractais, construiu sua carreira indo contra as modas predominantes em ciéncias. Parte Um O Velho Caminho Capitulo I Risco, ruina e recompensa A teoria financeira “moderna” fundamenta-se em poucos mitos frageis que nos levam a subestimat 0 risco real dos mercados financeiros, Capitulo IT Na base do cara ou coroa ou da trajet6ria de uma flecha? Como usar a mera atuacao do acaso para estudar “wn mercado financeiro? ill av 2s x. Mercados Financeiros Fora de Controle Captuio IIT Bachelier e seu legado 42 O estudo da teoria financeira comecou um século atrds, com o brilhante, mas subestimado, matematico francés Louis Bachelier. Capitulo IVA casa das finangas modernas 56 Como 0 edificio da teoria financeira moderna ~ avaliar ativos, construir carteiras e estimar riscos ~ foi erguido pelo trabatho de Bachelier. Capitulo VO argument contra a teoria financeira moderna 74 A teoria financeira ortodoxa esta eivada de pressupostas falsos ¢ de conclusdes erroneas. Um resumo das evidéncias em contrério. Ensaio pict6rico: Imagens de anormal 83 Parte Dois O Novo Caminho Capitulo VI Mercados turbulentos: Uma visio antecipada 105 (Os mercados financeiros sao turbulentos ~ como os ventos ou as enchentes. Introduco & perspectiva fractal em financas. Capitulo VII. Estudos sobre a irregularidade: Uma cartilha fractal 116 De que maneira os precos das acdes so como folhas de samambaias? Estudo sobre a geometria fractal. Ensaio pictérico: Uma galeria de fractais 125 Capitulo VIE mistério do algodao A primeira pista sobre a perspectiva fractal em finangas surgiu com um estudo de Mandelbrot sobre 0s precos do algodao. Relata dessa jornada clentifica Capituto IX Memérias longinquas, do Nilo a0 mercado A segunda pista sobre a perspectiva fractal em financas decorreu de um estudo do hidrOlogo inglés LH. E, Hurst sobre o rio Nilo, ao qual o autor dedicou toda a sua vida, Capitulo X Noé, José e as bolhas do mercado. Nos mercados financeiros, dois aspectos criticos sao as violentas oscilagdes de precos ¢ a dependéncia duradoura — 0 Efeito Noé e 0 Efeito José. Capitulo XI A natureza multifractal do tempo hay uperayoes de mercado Nos mercados financeiros, 0 tempo acelera e desacelera, conforme descrito no modelo multifractal dos mercados. Parte Trés © Caminho Adiante Capitulo XII Dez heresias em finangas Como 0s mercados financeiros realmente funcionam? Lista em estilo jornalistico dos principais insights fornecidos pela perspectiva fractal em financas. Capitulo XII No laboratorio. E entao, como 0 estudo sobre fractais muda as finangas? Um programa para pesquisas futuras. Sumério xi 139 164 186 195 213 240 263 288 303 Agradecimentos NAO SE FAZSOZINHO UM LIVRO. Neste caso, aajudae o apoio de muitas pessoas foram essenciais. Aqui, dou-lhes os créditos, com gratidao. A sobrevivéncia quando se assumem altos riscos em geral a recompen- sa pelo senso de oportunidade. Foi assim que o professor Mandelbrot varias ‘veres escapou do desastre em seu caminho para os fractais. Ele é profunda- mente grato ao Centro de Pesquisas Thomas J. Watson, da IBM ~ durante trinta e cinco anos, um parafso sem igual para rebeldes empenhados em in- vestigagdes que a ciéncia € a sociedade julgavam desejéveis, mas tinham poucos meios para apoiar. Relacionar todos os colegas prestativos seria im- possivel; porém, merecedor de mengdio especial é Ralph E. Gomory, a quem Mandelbrot teve a sorte de prestar contas, de varias maneiras, durante boa parte do tempo que ficou na IBM. Ao aposentar-se, Mandelbrot foi trazido ‘pata o Departamento de Matematica de Yale por Ronald R. Coifmane Peter 'W. Jones, que abriram para ele as portas de outro paraiso especial, Durante todo esse tempo, Aliette K. Mandelbrot destacou-se como participante ex- ‘tremamente ativa, excelente conselheira ¢ entusiasta sempre presente. Por sua patte, St. Hudson gostaria de agradecer aqueles que encoraja- 1am suas proprias pequenas incursdes no isco, pessoais ou profissionais. i Na Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica, o reitor Filip Abraham eo xiv Mercados Financeiros Fora de Controle professor Paul De Grauwe, da Faculdade de Economia e Economia Aplica- da, proporcionaram apoio e amizade vitals, com a proposta de que Sr. Hud- son trabalhasse neste livro como académico visitante, No Wall Street Jour- nal, Frederick $. Kempe estimulou este empreendimento como colega e amigo, e Paul E, Steiger e Karen Elliott House gentilmente concederam-the licenga para a sua realizagao. E em casa Diane M. Fresquez foi um espirito norteador, Ela ajudou a revisar, a editar e a pesquisar partes do livro; trans- crevendo com paciéncia muitas horas de gravagdes de conversas entre os autores; oferecendo — como sempre ~ seu generoso estimulo € seu sabio companheirismo. Pela arte, agradecemos a M. Gruskin, H. Kanzer e M. Logan. PREAMBULO de Richard L. Hudson Apresentando um rebelde em ciéncias A INDEPENDENCIA £ UMA GRANDE VIRTUDE. Para ilustré-lo, Benoit Mandelbrot conta como, durante a ocupacaoda Franga na Segunda Guerra Mundial, seu pai escapou da morte. Certo dia, um grupo de combatentes da Resistencia atacou 0 campo de prisioneiros onde estava seu pai. Desarma- meiros para que fugissem antes que as ram os guardas e disseram aos pri forcas alemas contra-atacassem. Assim, os prisioneiros, surpresos ¢ deso- rientados, partiram em massa rumo a Limoges, nas proximidades, seguindo pela rodovia. Depois de meio quilometro, 0 pai de Mandelbrot concluiu que aquilo era loucura, Em conseqiléncia, separou-se do bando e prosse- guiu sozinho. Imediatamente, abandonou a estrada aberta e embrenhou-se na densa floresta em busca do caminho de casa. Pouco depois, cuviu o ba- rulho de um bombardeiro de mergulho alemao Stuka, metralhando seus companheiros na estrada. $6 ele, sozinho na floresta, escapou ileso. “Essa foi", recorda-se o fillno, “a maneira como meu pai comportou-se durante toca a vida, Era um homem independente ~assim como eu.” _ Mandelbrot, adolescente durante/a guerra, hoje ¢ famoso, Depois da _ guerra, obteve o grau de Ph.D. em Paris, juntousse a migracao de cientistas europeus para os Estados Unidos, ¢ prosseguiu em sua longa carreira de des- -cobertas cientificas e de conquistas académicas, Inventou um novo ramo xvi Mercados Financeiros Fora de Controle da matemética, a geometria fractal; utilizou-a em dezenas de diferentes campos, cuja propria diversidade tornaria improvavel sua aplicagao; e rece eu numerosos prémios, além de ampla atengao da midia. Porém, suas pri- ‘meiras ligdes do tempo da guerra sobrea importancia de ser independente~ diz ele que se tornou aguerrido, ou endurecido pela guetta, em face de suas experiéncias- tornaram-no sempre propenso a seguir rumos diferentes dos da maioria, Assim, provocou muitas controvérsias, contra as quais sempre persistiu na direcdo almejada. Mandelbrot se considera rebelde, Com isso, quer dizer que passou a vida fazendo apenas o que considerava correto, me- tendo o nariz onde nem sempre era bem-vindo, nao pertencendo a nenhu- ‘ma comunidade cientifica em especial. “Tenho sido um viajante solitario com tanta freqdéncia e durante tanto tempo que nem mais me incomodo com essa situagdo”, afirma. Ou, como observou um amigo com mentalidade matematica: ele se movimenta orto- gonalmente — em angulos retos ~ em relagaa a todas as modas. importante ter em mente esses fatos sobre a vida de Mandelbrot sem- pre que se o encontra em qualquer oportunidade, como neste livro. O que ele diz: nao € 0 que normalmente se ensina nas escolas de negécios, c Harvard, Londres, Fontainebleau ou em sua propria universidade— Yale. Ele sempre foi precursor, contrério as modas e criador de problemas em prova- velmente todas as éreas em que atuou: fisica estatistica, cosmologia, meteo- rologia, hidrologia, geomorfologia, anatomiz, taxonomia, neurologia, lin- gUistica, tecnologia da informagao, graficos computadorizados e, obvia- mente, matematica. Em economia, ele é especialmente controverso. Sua primeira manifestacao nesse campo, na década de 1960, provocou uma tempestade, O falecido Paul H. Cootner, entio bem conhecido economista do MIT, elogiou 0 trabalho de Maldelbrot como o “mais revolucionario acontecimento na teoria dos pregos especulativos” desde o inicio desses es- tudos em 1900 - eentao passou a criticar 0 seu contetido eo “tom messiani- co”, Desde entdo, sempre foi assim. O establishment econdmico conhece-0 bem, considera-o instigante e adotou com relutancia muitas de suas idéias (embora quase sempre sem Ihe atribuir todos os méritos). [sso 0 converte ‘numa das mais importantes forgas de mudanga na teoria financeira. Maso establishment também 0 considera desconcertante, Portanto, este livro € um atalho para um mundo mais amplo e para um. blico mais numeroso do que os dos saldes de Cambridge, em Massacht- setts, ou de Cambridge, na Inglaterra, O que Mandelbrot tema dizer é impor Apresentando um rebelde em ciéncias xvii tante e de relevancia imediata para todos os profissionals de finangas, para todos os investidores no mercado e para qualquer pessoa que queira apenas saber como se ganha e se perde dinheiro com rapidez to assustadora. De inicio, Mandelbrot abordou os mercados como cientista, em termos tanto experimentais, quanto teGricos. A seguinte afirmagao de Einstein fi- cou famosa: “O grande objetivo de todas as ciéncias é cobrir o maior nime- 10 possivel de fatos empiricos, por meio de dedugdes légicas, a partir do me- nor ndmero de hip6teses ou axiomas". Essa parcimOnia também fot 0 pro- pésito de Mandelbrot. Para ele, as bolsas de valores so uma “calxa-preta”, um sistema ao mesmo tempo complexo, variegado e elusivo, a ser estudado com ferramentas conceituais e matemticas baseadas nas da fisica. Desde que ele a desbravou na década de 1960, a evolugao dessa abordagem foi mui- to intensa, Ela proporciona uma perspectiva cientifica sobre os mercados, que dificilmente se encontra nos livros convencionais sobre investimen- tos, mercados e economia. Portanto, a leitura desse volume ndo o tomnaré rico. Maso deixard mais, sabio — e, assim, talve7.evite que voce fique mals pobre, EU, CO-AUTOR dessa iniciativa, conheci Mandelbrot em 1997, quando eu era editor gerente da edigdo européia do Wall Street Journal. Ele apareceu em nosso escritério de Bruxelas com a missao de convencer-nos de que deveria- ‘mos repensar a maneira como funcionam os mercados. De inicio, ele me impressionou com 0 esterestipo do “cientista louco” ~ cabelos brancos esvoacantes, muito cerebral, convicgdes intensas, amor pela digressto € discussio, Mas eu e meu entio chefe, o editor Phil Revzin, o ouvimos com educagio ¢ fizemos 0 que os editores de jornais geralmente fazem nessas circiinstancias. E da‘? Imprimam o que ele tem a dizer e vamos ver 6 que acontece. ‘Um ano depois, quando estava planejando uma conferéncia sobre ne- ‘g6cios para o jornal, pensei em convidar Mandelbrot para falar sobre risco. Eassim fol. Ele comandou o espetaculo. Os participantes do evento, entre (os mais bem conhecidos financistas, empreendedores ¢ CEOs da Buropa ~ todos sujeitos a grandes riscos, escutaram primelro com perplexidade: Nao tratava de um palestrante como tantos outros, que diziam mais ou me- as mesmas coisas. Ent4o, foram como que sugados por aquela historia . Alguns afirmaram que ele fazia mais sentido do que seus CPOs, xviii Mercados Financeiros Fora de Controle Depois, avaliaram-no em nosso formulario de feedback como o melhor ex- positor do dia ~ empatado apenas com Steve Ballmer, CEO da Microsoft. Como cientista, a fama de Mandelbrot decorre de ter desenvolvidoa geo- metria fractal e de haver demonstrado sua aplicacéo em ampla variedade de reas. Um fractal, termo que cunhou a partir do equivalente em latim a “fraturado’, é uma forma geométrica que pode ser desdobrada em partes menores, cada uma delas correspondendo a um reflexo ou eco em pequena escala do todo. Os galhos de uma arvore, 0s floriculos de uma couve-flor, as bifurcagdes de um rio -todos so exemplos de fraciais. A matematica rejeita as linhas e planos suaves da geometria grega que aprendemos na escola, ‘mas tem aplicagdes espantosamente amplas, sempre que se depara com it- regularidade ~ ou seja, em quase todas as situacées. Itegularidade € 0 tema central de seu trabalho. De ha muito dispomos de medidas precisas ede teo- ras fisicas complexas para sensag6es basicas como calor, som, cor e movi- mento. Entretanto, antes de Mandelbrot, nunca tivemos uma teoria ade- quada sobre o irregular, 0 éspero, o rugoso — todas as imperfeicdes irritantes ‘que geralmente tentamos ignorar na vida. Irregularidade é a borda aspera na drea de fratura de um objeto de metal, o litoral acidentado da Inglaterra, ‘aestitica na linha telef6nica, as lufadas de vento ~até mesmo os graficos re- cortados de um indice de ages ou de uma taxa de cambio. Na expresso dele, “irregularidade so os elementos incontrolados da vida”. Estudando a irregularidade, Mandelbrot encontrou ordem fractal onde ‘outros tinham observado apenas desordem. Seu manifesto The Fractal Geo- ‘metry of Nature apareceu em 1982 ¢ tornou-se best-seller cientifico, Em bre- ve, vendiam-se aos milhares camisetas e pOsteres de sua mais famosa cria- sao fractal, 0 Conjunto de Mandelbrot, em forma de bulbo, mas infinita- mente complexo. Suas idéias foram logo adotadas por outro movimento ientifico ~ a teoria do caos. “Fractais” e “caos” entraram no vocabulétio popular. Em 1993, a0 receber o prestigioso Wolf Prize for Physics, ele foi es- colhido por “ter mudado nossa visio da natureza’, A HISTORIA DA VIDA de Mandelbrot tem sido um conto de irregularidas de, instabilidadee o que ele chama de acaso “violento”. Mandelbrot nasceu em Vars6via, em 1924, ¢ recebeu aulas particulares de um tio que despreza- va oaprendizado decoreba; até hoje, diz Maldelbrot, 0s alfabetos ¢as tabua- das 0 deixam meio perturbado, Em vez disso, ele passava boa parte do tem= Apresentando um rebelde em ciéncias xix po jogando xadrez, lendo mapas e aprendendo aabrira mente para o mun- do ao seu redor, Mas as agruras da educagio na guerra chegaram muito cedo, Sempre atenta, com intensidade incomum, aos sinais de problemas iminentes, a fa- milia judia mudou-se em 1936 para Paris, onde outro tio, Szolem Mandel- brojt (as diferenas de ortografla sto comuns numa familia tio errante), j4 se estabelecera antes como professor de matematica. Estourou a guerra, € 0 jovem Mandelbrot foi mandado para uma pequena cidade na rea rural da Franca, onde, em épocas diferentes, cuidou de cavalos e consertou ferra- ‘mentas. Na época, um simples agasatho quase acabou com ele. © pai the comprara um casacio de la, num padrdo xadrez laranja, imitando 0 esco- és: de extremo mau gosto, mas acolhedor e bem-vindo numa época de guerra. Um dia, a policia o interpelou ea seu irmao mais mogo. Um homem alto, vestindo um sobretudo igual ao seu, fora visto havia pouco, fugindo da cena de um ataque da Resistencia francesa ao quartel alemao. “E ele”, apontou um colaborador. Logo ficou claro que se tratava de um erro de identidade. Mandelbrot foi solto, mas nao quis correr riscos. Na primeira oportunidade escapullu da cidade, Seu momento de autodescoberta como matematico ocorreu em Lyon, em 1944, onde benfeitores o esconderam —apropriadamente—numa esco- Ja. Tinha uma carteira de identidade falsa e assim conseguiu mais cupoes de racionamento. O pessoal nao fez perguntas; aquela era, ele se lembra, “uma espécie de résistance passiva”. Na primeira semana, ele se sentou diante de palavras e ntimeros incompreensfveisno quadro-negro. Até que professor partiu para uma longa jornada algébrica. Mandelbrot levantou ‘amao. “Professor, o senhor nao precisa fazer cAlculos. A resposta é dbvia,”" E descreveu um método geométrico que oferecia uma solucao ripida simples. Onde outros teriam usado formulas, ele viu uma imagem. 0 pro- fessor, cético de in{cio, verificou: correto. E Mandelbrot continuou fazen- doa mesma coisa, nos sucessivos problemas, nas sucessivas aulas. Confor- ‘me seu prOprio relato: Acontecia com tanta rapidez que eu nao tinha consciéncia da coisa, Diziaa ‘mim mesmo; essa construgio é feia, vamos deixé-la mais bonita. Vamos tomé-la simétrica, Vamos projeté-la. Vamos embuti-la. E tudo isso eu con- Seguia ver em imagens tridimensionais perfeitas, Linhas, planos, formas _ complicadas. xx Mercados Financelros Fora de Controle Desde entdo, as imagens foram suas fontes especials de inspiraciio € co- municagto, Algumas de suas idéias mais importantes derivaram no de ra- ciocinios mateméticos complexos, mas do reconhecimento instantaneo de relagoes entre imagens dispares ~ a estranha semelhanga entre diagramas referentes a distribuigdo de renda e precos do algodao, entre um grafico de cenergia e6lica e um grafico financeiro. A esséncia criativa da geometria frac- tal é combinar o formal ¢ o visual. A pronta intuigao de imagens fractais ¢ hoje disciplina de cursos superiores em Yale e em outras universidades, além de complemento comum de muitos cursos de matematica do ensino médio. Porém, entre os mateméticos “puros”, a abordagem de Mandelbrot foi criticada de inicio. Nao é rigorosa, queixavam-se; 0s olhos sdo engana- dores, Contudo, retruca Mandelbrot, a observacdo geralmente 0 levaya a conjecturas que estimularam e desafiaram os mateméticos mais qualifica- dos; muitos desses problemas continuam sem solucdo. Em todo caso, ob- serva ele, nos primérdios da ciéncia as imagens eram essenciais; basta ver os desenhos anatémicos de Vesalius, os esbogos de engenharia de Leonardo (ou os diagramas épticos de Newton. Apenasno século XIX, quando se aper- feigoou o grande edificio da anslise algébrica, as imagens tornaram-se sus- peitas como algo de algum modo impreciso. Num mundo ainda mais complexo, argumenta Mandelbrot, 0s cientis- tas precisam de ambas as ferramentas: de imagens e de niimeros, de visio geomeétrica, assim como de perspectiva analitica. As duas devem trabalhar juntas. A geometria visual € como a acuidade de um médico experiente, que examina fisicamente o paciente e interpreta visualmente graficos e filmes. J4 a anilise exata ¢ como o resultado de exames laboratoriais - nmeros brutos referentes a pressio arterial e a quimica do organismo. “O bom mé- dico estuda os dois elementos, as imagens e os ntimeros. A ciéncia também precisa funcionar dessa maneira”, diz ele. ‘A carreira de Mandelbrot percorreu uma trajetoria acidentada. Ele abandonou a instituicao de ensino mais prestigiosa da Franca, a fcole Not- ‘male Supérieure, no segundo dia, para matricular-se na menos enaltecida, porém mais apropriada fcole Polytechnique. De lé foi para o CalTech (Call {fornia Institute of Technology); .em seguida - depots de um Ph.D. em Paris ingressou no MIT; partiu, entao, para o Institute for Advanced Stucty, em Princeton, onde participou do ditimo curso de pos-doutorado de John Von ‘Neumann, o grande matematico hangaro; em seguida, foi para Genebea ¢ depois retornou a Paris, onde ficou algum tempo. Apresentando um rebelde em clénelas xxi Em atitude atfpica para um cientista daquela época, Mandelbrot aca- bou trabalhando nao nas salas de aula de uma universidade, mas num labo- ratério industrial, o IBM Research, as margens do tio Hudson, na cidade de Nova York, perto de Manhattan, Naquela época, os chefées da IBM estavam atraindo para o laborat6rio e suas sucursais numerosos génios imprevis'- veis, na expectativa de que fizessem alguma coisa brilhante pela empresa, Sob todos os aspectos, era uma politica inteligente. Cientificamente, ren- deu cinco ganhadores do Prémio Nobel. Mas foi abandonada na década de 1990, quando a empresa lutava para sobreviver. Entre as pesquisas de Man- delbrot para a IBM destacaram-se os padrdes de erros em comunicacao por computador e as aplicagées da anilise por computador—e até mesmo, acer- ‘a altura, uma investigacao sobre 0 comportamento dos precos das acoes para o presidente da empresa, Durante a década de 1980, seu Conjunto de Mandelbrot, desenhado por computador, converteu-se em demonstragao ¢ teste, repetidos com freqiténcia, da capacidade de processamento dos entao novos computadores pessoais da IBM. A ECONOMIA PRA MANDELBROT foi ao mesmo tempo inspiragao e mal- digo. Seu estudo sobre graficos financeiros na década de 1960 ajudou a es- timular suas subseqiientes teorias fractals nas décadas de 1970 e 1980. Ele ensinou economia durante um ano em Harvard; e seu primeiro grande tra- balho na rea, em 1962 (ampliado e revisado em 1963 € nos anos seguintes) foi um estudo sobre os pregos do algodao. Nesse trabalho, Mandelbrot apre- sentou provas substanciais contra um dos pressupostos fundamentais do que veio a tornar-sea teoria financeira “moderna”. Na época, a teoria come- ava a impregnar-se nos departamentos de economia das universidades ~e em breve seria ortodoxia em Wall Street. A medida que prosseguia em seus ‘estudos sobre fractais, ele varias vezes retornou a economia. Nas sucessivas vezes, ele sondou o funcionamento dos mercados, mostrou como desen- Volver um bom modelo econémico para eles ~e, por fim, sugeriu maneiras para evitar perdas. Hoje, algumas de suas idéias sao aceitas como ortodoxia. Como se verd no diltimo capitulo, elas agora jé estao Incorporadas em alguns dos mais Sofisticados modelos mateméticos, por meio dos quais os bancos e as cor retoras gerenciam o dinheiro, e jé sio parte da maneira como os Ph.Ds. em matematica precificam opcdes exdticas ou medem o risco das carteiras, xxii \Mercados Financeiros Fora de Controle desde Wall Street até a City de Londres. A bem da precisao histérica, apre- senta-se aquiauma listagem técnica, Ele foi o primeiro a levara sério ea es. tudar as chamadas distribuigdes da lei de poténcia. Seu argumento de 1962 de que os precos variam bem mais do que o admitido pelo mode- Jo-padrao ~de que suas distribuigdes tém “caudas gordas” - € hoje ampla- ‘mente aceito pelos econometristas. (A nomenclatura cientifica nem sem- pre é direta..A distribuigao de probabilidade por tras dessa abordagem es- pecifica também é chamada de “L-stable”, “stable Paretian”, Lévy, ou Lévy-Mandelbrot.) Também muito aceitos sao seus argumentos de que, or sua propria natureza, os precos podem variar com muita rapidez, aos saltos, em vez de em movimentos lentos e continuos, assim como seu ar- gumentode 1965 de queas mudangas de precos de hoje dependem de mu- dangas de precos no passado remoto. Esses sio fatos da vida financeira que desde cedo Mandelbrot identifi- cou edivulgou, embora fossem de encontro a entdo dogmética teologia das finangas. Também desbravou, com seus trabalhos pioneiros, avenidas da economia, que hoje sao vias de transito intenso. A partir de 1965, publicou trabalhos sobre o que em breve chamou modelo browniano fracional e so- bre o conceito basico de integracdo fracional, que recentemente passou a ser adotado como técnica econométrica difusa. Em 1972, escreveu sobre ‘um modelo multifractal, que incorpora e amplia longas caudas ¢ longas de- pendéncias. Seus trabalhos da década de 1960 sio os pilares sobre os quais se ergue um ramo popular da ciéncia funérea, chamado “econofisica”. Em 1966, ele desenvolveu um modelo matematico que explica como os meca- nismos racionais dos mercados podem gerar “bolhas de pregos”. E, final- mente, desenvolveu multifractais com base em seu conceito de 1967, de um tempo “subordinado”, referente as operagdes de mercado, desenvolvi- do com H. M. Taylor, que também passou a integrar a caixa de ferramentas de alguns modeladores financeiros ~ embora essa, como algumas de suas outras teorias, seja geralmente atribuida a pesquisadores posteriores, Com efeito, na condigao de jornalista financeiro, até entdo afastado das Aisputas sobre prioridades académicas, eu diria que a “média de batidas” de Mandelbrot para a andlise correta do comportamento do mercado Ihe con- feriria um lugarno Hall of Fame da economia. Bastariam esses antecedentes para que valha a pena ler este livro. ‘Mas muitas outras idéias de Mandelbrot ainda so controversas em eco- nomia: por exemplo, suas teorias sobre mudanga de escala (scaling), sobre Apresentando um rebelde em ciéncias xxiii anélises multifractais e sobre dependéncia duradoura - todas elas consti- tuindo a propria esséncia deste livro. Uma das razées foi sugerida na rese- nha original de Cootner. Antes de retomar seu tom critico cortante, 0 eco- nomista do MIT resumiu o significado do que Mandelbrot, ainda naqueles prim6rdios, apenas comegara a dizer: Mandelbrot, como o primeiro-ministro Churchill antes dele, promete-nos nao a utopia, mas, sangue, suor, labuta ¢ kigrimas, Se ele estiver certo, qua- se todas as ferramentas estatisticas esto obsoletas - minimos-quadrados, analise espectral, solucdes vidvels de maxima probabilidade, toda a nossa, teoria vigente sobre amostras e distribuigdes fechadas. Quase sem excegao, tudo que se fez sobre econometria no passado torna-se sem sentido. EM 2004, em seu octogésimo ano, Maldelbrot continua criando proble- mas. Ainda trabalha em tempo integral ~ inclusive nos fins de semana — ‘como sempre foi seu habito. Continua publicando novos trabalhos de pes- quisa e livros, dando aulas em Yale e percorrendo o mundo para expor suas ‘visoes em simpésios cientificos, Por que nao? Afinal, conforme ele observa, ‘apeca mais famosa de Racine, Athalie; a maior Opera de Verdi, Falstaff; 0 Ci- clo do Anel ~ todas essas obras foram produzidas no crepusculo da vida, quando o artista, depois de anos de experiéncia e experimentagio, estava no apogeu de sua capacidade, ‘Também este livro tem algo de performance operistica ~ uma interagao de vvozes, drama e cenétio. Ao longo de todo 0 corpo principal do livro, avoz “eu” 6ade Mandelbrot; as idéias sto dele, e € 0 drama de suas descobertas que moti- ‘va boa parte do texto. O.cendrio é amplo e complexo: imagens, gratficos e dia- ‘gramas sio fundamentais para a compreensio. E, como as melhores 6peras, este livro fol escrito para ser ao mesmo tempo envolvente e popular. Confor- ‘me sugerem as notas ea bibliografia, forte base cientifica e matematica susten- ‘ta nossas assergbes ~ € 0s cientistas e economistas curiosos serio bem-vindos na consulta dessas fontes. Todos os leitores, quaisquer que sejam seus antece- dentes, estado convidados a visitar os adendos on-line, em http://classes.yale. ‘edu/fractals/index.html. Eles derivam, em parte, de um site verdadeiramente extraordinério, criado pelo Professor Michael Frame, colega de Mandelbrot, em Yale, para o popular curso de graduagao deles, Math 190, sobre fractais. xxiv Mercados Financeiros Fora de Controle Hoje, a mensagem de Mandelbrot é mais oportuna do que nunca, de- pois de uma década turbulenta de mercado em alta, além da reiterada for- mago ¢ exploséo de bolhas de ativos. Os mercados financeiros so contex- tos muito arriscados. E até agora nossos conhecimentos sobre eles esto im- pregnados da matematica sofisticada que respalda a teoria financeira orto- doxa-com muitos pressupostos mal fundamentados, muitas equac&es mal aplicadas e muitas conclusdes enganosas. Os mercados financeiros sto muito complexos, mas nao precisam tornar-se demasiado complexos. O propésito da ciéncia é a parcim6nia. O objetivo deste livro é a simplicidade. Parte Um O Velho Caminho Coral: © “bux” de compitador como artist, opus 2 (No ou- tro lado da otha). Arte getada por computador, exralda de Mandelbrot 1982. Este desenho foi criado por um “bug” num programa de software enquanto eu investigavatviias formas fractais -¢ ele demonstra muito bem o poder ¢riativo do aca- $0, na arts, nas fnangas ena vids Capitu Risco, ruina e recompensa No VERAO DE 1998, 0 improvavel aconteceu. Em Wall Street, o histérico mercado em alta dos exuberantes anos 90 parecia cansado. Nao ocorreu um dinico problema sobrepujante - apenas uma série de preocupagdes: recessao no Japao, possivel desvalorizacio na China, e, em Washington, um presidente lutando contra o impeachment. Ento veio a noticia de que a Réssia, apenas dois anos antes o mercado emergente mais vibrante do mundo, estava a beira da insolvéncia. Os ban- cos ocidentais e 0s operadores de titulos da divida sofreriam as conseqti¢n- cias; alguns, soube-se depos, |é estavam quase arruinados. Assim, em 4 de agosto, o Dow Jones Industrial Average caiu cerca de 3,5%. Trés semanas depois, a medida que pioravam as noticias oriundas de Moscou, as ages so- freram nova queda de 4,4%. E depois, em 31 de agosto, nova queda de 6,8%, Outros mercados também entraram em parafuso: 0s titulos bancarios cafram um tergo de seu valor usual em comparagio com os titulos do gover- no, Essas marretadas foram chocantes ~e, para muitos investidores, inex- plicaveis, Foi uma situagaio de pAnico, irracional e imprevisivel - “o fundo do pogo de um colapso”, declarou um analista ao The Wall Street Journal Talvez, disse outro, “seja preciso toda uma vida para que os investidores se Tecuperem de algumas dessas perdas”, 4. Mercados Financeiros Fora de Controle E porat fica a sabedoria convencional sobre os mercados. Como agora sabemos, FMI fez uns remendos na Rtissia, 0 Federal Reserve estabilizou Wall Street e 0 mercado em alta sobreviveu por mais alguns anos. Com efei- to, conforme a sabedoria convencional, agosto de 1998 jamais deveria ter acontecido; fol, de acordo com os modelos padronizados da indiist nanceira, uma sequéncia tio improvavel de eventos, a ponto de ser quase ais, nos moldes ensinados nas escolas de impossivel. As teorias convencion: negécios de todo o mundo, estimariam as chances desse desfecho que ocor- reu em 31 deagosto como sendo de um em 20 milhoes—evento que nio de- veria ocorrer para quem operasse nos mercados todos os dias, durante 100.000 anos. A probabilidade de que se repetissem trés dessas quedas no ‘mesmo mésera ainda menor: cerca de uma em 500 bilhdes. Decerto, aquele um acidente raro, um “ato de agosto fora um més de extrema mé sorte, ia linguagem estatistica, foi uma Deus” que ninguém seria capaz de prever. Ni ia” ou “atipicidade” (outlier) muitissimo distante das expectati- -vas normais das operagdes com ages. Ouseré que nao foi? © aparentemente improvavel acontece a toda hora nos mercados financeiros. Um ano antes, o Dow caira 7,7% em um dia (pro- babilidade; uma em 50 bilhées). Em julho de 2002, 0 indice registrou trés quedas acentuadas em sete dias de negociacoes (probabilidade: uma em quatro trilhdes). E em 19 de outubro de 1987, 0 pior dia de negociacoes em pelo menos um século, 0 indice cai 29,296. A probabilidade desse aconte- cimento, com base nas avaliagdes convencionals dos financistas teéricos, era inferior a uma em 10° ~ chance tdo remota que nao teria significado. ‘Trata-se de um ntimero fora da escala da natureza, Podem-se ¢stender as po- téncias de dez, desde a menor particula subatdmica até a amplitude do uni- vverso mensurdvel - ¢ ainda assim nunca encontrar tal ntimero. E dai? Qual éanovidade? Todos sabem: os mercados financeiros sao ar- riscados. Porém, 0 estudo cuidadoso desse conceito, risco, envolve conhe- cimento de nosso mundo ea esperanga de exercer controle quantitativo so- bre ele, Ha mais de um século, 0s financistas e os economistas esforcam-se para analisar 0 risco nos mercados de capitais, para explicé-lo, quantific-lo e, em tiltima insténcia, lucrarcom ele, Acho que a maioria dos te6ricos esta no ‘caminho errado, As chances de ruina financeira numa economia global de livre mercado foram muito subestimadas. Nesse sentido, o homem comum € sdbio em seu preconceito de que — sobretudo depois do estouro da bolha Risco, rufna e recompensa 5, da Internet ~ 08 mercados sao arriscados, Mas 0s te6ricos financeiros nao ‘fo tdo sabios. Ao longo dos titimos cem anos, desenvolveram um comple- xo aparato matemético para avaliar 0 risco, que foi adotado por toda Wall Street na década de 1970. As Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stan- ley da vida incorporaram toda essa paraferndilia em suas intrincadas estraté- gias de operagdes de mercado, Tentaram sintonizer as carteiras de investi- mentos com diferentes freqtiéncias de risco e retomo, da mesma maneira ‘como se sintoniza um radio as varias emissoras. No entanto, os trancos € barrancos das décadas de 1980 e 1990 forcaram a completa reformulacao da ‘maneira de pensar predominante entre financistase economistas. A Segun- da-Feira Negra de 1987, a crise econdmica astitica de 197, 0 verdo russo de 1998, € 0 mercado em baixa de 2001 a 2003, tudo isso levou muita gente a perceber que, sem diivida, algo nao esté certo. Se o risco ¢ 0 retorno com- poem um indice, a aritmética convencional deve estar errada. O denomina- dor, risco, é maior do que geralmente se admite; e, portanto, o resultado seré decepcionante. A melhor avaliagao desse risco e a compreensio mais exata de como 0 risco impulsiona os mercados so os objetivos de boa parte de meu trabalho. Minha vida tem sido um estudo do risco. Aprendi-o em primeira mao na escola implacével da Segunda Guerra Mundial, como refugiado polonés escondido na érea rural francesa, com uma identidade emprestada e cupdes de racionamento manipulados, mal disfarcado como simples caipira ingé- uo, numa terra ocupada. Enfrentei-o em minha carreira, rejeitando a se- guranga da academia francesa pelas lucubragoes intelectuais de um cientis- ta industrial numa América mais livre. Como cientista, todo o meu traba- Iho de pesquisa, de uma maneira ou de outra, oscilou entre os dois polos da natureza humana: sistemas deterministicos de ordem e planejamento, de um lado, e sistemas estocésticos, ou aleatérios, de irregularidade e imprevi- sibilidade, de outro. Minha principal contribuigao foi descobrir um novo ramo da matemitica que percebe a ordem oculta na desordem aparente, 0 plano no nao planejado, o padrao regular na irregularidade e na rugosidade da natureza. Essa matemética, chamada geometria fractal, estuda correntes, fluviais, ondas cerebrais e tremores sismicos, e compreende a distribuigao das galéxias, Ela foi adotada imediatamente como ferramenta matematica essencial, na década de 1980, pela teoria do “caos", 0 estudo da orem no ‘aos aparente de um redemoinho ou de um tufio. Hoje, € utilizado rotinei- Tamente na area de estruturas feitas pelo homem, para medir 0 trafico na 6 Mercados Financeiros Fora de Controle Internet, comprimir arquivos de computadores, e fazer filmes de cinema, Foi o motor matemitico por tras da animagio computadorizada do filme “Jornada nas Estrelas ll: A Ira de Khan’ Actedito que ela também seja capaz de oferecer muitas contribuicoes as finangas. Durante 40 anos de avangos e recuos, na medida do possivel, em fungao de meus interesses pessoais, o desenvolvimento da geometria frac- tal sempre interagiu com meus estudos sobre os mercados financeiros ¢ os sistemas econdmicos. Investiguel-os, nao como economista ou financista, ‘mas como matematico e cientista experimental. Para mim, todo 0 poder ¢ Fiqueza da Bolsa de Valores de Nova York ou de uma sala de negociagdes de moedas de Londres so abstratos; assemelham-se a sistemas fisicos cle tur- buléncia numa mancha solar ou de contracorrentes num rio. Podem ser analisados com as ferramentas de quea ciéncia ja dispde € com as novas fer- ramentas que continuo adicionando as tradicionais, na medida das neces- sidades e das possibilidades. Com essas ferramentas, analisel como se distri- buia renda numa sociedade, como se formam ¢ estouram as bolhas do mer- cado de acbes, como variam o tamanho das empresas e a concentragao in- dustrial, e como se movimentam os precos financeiros ~ os precos do algo- dao, os precos do trigo, as ages de ferrovias e as blue-chips, ¢ as taxas de cambio délar-iene. Vejo um padrao nesses movimentos de pregos ~ decerto 1ndo um padrio que tornara alguém rico; concordo com os economistas or- todoxos de que os pregos das ages provavelmente nao sao previsiveis em nenhum sentido ttil do termo. Mas, sem diivida, o risco realmente segue adroes que podem ser expressos sob forma matematica e modelados em computador. Assim, minhas pesquisas poderiam ajudar as pessoas a 10 perder tanto dinheiro quanto hoje, em conseqiiéncia da subestimagao in- ‘genua do risco de rufna, Raciocinando sobre os mercados como sistemas clentificos, talvez sejamos capazes de um dia melhorar a regulamentacao e teforcar o setor financeiro. Uma adverténcia aos leitores, aqui ¢ agora: parte do que digo fol adota- do como ortodoxia econémica na década passada ~ mas outra parte conti- nua sendo contestada, ridicularizada ¢ até vilipendiada. Quando publico ‘meus trabalhos nos periddicos académicos, como se deve, geralmente pro- Yoco intensa controvérsia. Em cada uma dessas ocasides, ouvias criticas, re- formulei minhas alegagdes, voltei a meu escritério para pensar ¢ a meus computadores para analisar, e desenvolvi modelos melhores e mais exatos. Resultado: progresso. Efeito colateral inevitavel: novos elementos de com- Risco, ruina e recompensa_ 7 plicagdo. Na verdade, nao concebi apenas um modelo de variagio de pre- gos, mas varios. Comecando em 1963 ¢ 1965, desenvolvi dois modelos de comportamento separacos e incompativels, conseguindo, por fim, recon- ciéncia, retomei minhas pesquisas financeirasem 1997. Este livro orienta 0 leitor ao longo da mesma jornada sinuosa das minhas descobertas clentifi- cas, Objetivo: melhor compreensdo dos mercados financeiros. Minhas idéias mais antigas ¢ mais comprovadas agora influenciam al- guns dos modelos matematicos com os quais os operadores de mercado precificam as opcdes e os bancos avaliam o risco. Minha abordagem cienti- fica aos mercados tem sido emulada por uma nova geracao dos que se inti- tulam “econofisicos”. E meus modelos mais recentes tém sido estudados Por um grupo pequeno, mas crescente, de mateméticos, economistas e fi- nancistas em Zurique, Paris, Londres, Boston ¢ Nova York. Nao tenho inte- resse financeiro no sucesso ou fracasso desses modelos; sou um clentista, nao um homem de dinheiro. Mas desejo-Ihes boa sorte. E espero que 05 leitores deste livro, concordando ou discordando de tudo que digo, perdoem, pelo menos por um momento, os detalhes préti- cos do porqué. Em vez disso, tomara que conciuam a leitura destas paginas com maior compreensio basica de como funcionam os mercados financei- ros e do grande risco que corremos quando deixamos nosso dinheiro ao sa- bor dos ventos da sorte. O estudo do risco Muitas sdo as maneiras de lidar com o risco. Nos mercados financeiros, a ‘mais antiga a mais simples: a anglise “fundarientalista’ Se o prego de uma cio estiver subindo, procure as causas num estudo da empresa emissora, ou do setor ou da economia como um todo. Estude com mais afinco e preveja 0 Préximo movimento da agéo.”Porque” ou “Por causa de” sio os ter- ‘mos-chave aqui: 0 prego de uma aco, de um titulo de crédito, de um deriva- tivo ou de uma moeda movimenta-se “por causa de” algum evento ou fato ‘que geralmente ocorre fora do mercado, Os pregos mundiais do trigo aumen- tam por causa de tima onda de calor que desicrata o Kansas ou a Ucrania, O 6lar afunda porque os rumores sobre guerra aumentam os pregos do petr6- Jeo, Tudo isso € bom senso. Os jornais financeiros prosperam em fungao dis- 8 Mercaclos Financeiros Fora de Controle so, eles vendem noticias ¢ classificam a importincia de todos 0s “porqués’, ‘As empresas financeiras fazem disso um setor; empregam milhares de analis. tas fundamentalistas, classificados por género em macroecondmicos e seto. rials, “top-down” e “bottom-up”. As agéncias reguladoras codificam e regu. lamentama divulgagio de informagoes, determinando o que a empresa deve dizer a seus investidores. pressuposto implicito em tudo isso: quando se conhece a causa pode-se prever 0 evento e gerenciar 0 risco. Como seria bom se fosse assim tao simples. No mundo real, as causas ge ralmente so obscuras. As informag0es criticas geralmente sdo desconheci- das ou incognosciveis, como quando a economia russa estremeceu em agos- tode 1998. Podem ser ocultas ou mascaradas, como durantea bolha da Inter. net ou os escandalos empresariais da Enron e da Parmalat. FE também podem ser mal interpretadas: 0s exatos mecanismos de mercado que ligam noticias a pregos, causa a efeito, so misteriosos e parecem inconsistentes. Ameaca de guerra: délar cai. Ameaca de guerra: délar sobe. Qual das duas hipéteses real- mente ocorrerd? Depois do fato, parece Sbvio; em retrospectiva, a andlise fundamentalista pode ser reconstituida e é sempre brilhante. Porém, antes, do fato, ambos os res \Imente provaveis. Assim, como basear uma estratégia de investimento e um perfil de risco inteiramente nes- se tinico principio diibio: Posso saber mais do que qualquer outra pessoa? Iadas paarecem ig Em resposta, 0 setor financeiro desenvolveu outras ferramentas. A se- ‘gunda forma de analise mais antiga, depois da fundamentalista, € a “técni- ca". Trata-se do oficio de reconhecer padrdes, reais ou espirios - de estudar catadupas de presos, volumes e graficos indicadores, em busca de pistas para ‘comprar ou vender. A linguagem dos grafistas é fértil: cabeca-e-ombros, ban- deiras flamulas, triéngulos (simétricos, ascendentes ou descendentes). Essa disciplina, em desfavor durante a década de 1980, expandiu-se no decénio seguinte, a medida que milhares de ne6fitos entravam na Internet para tro- car agbes e idéias. No entanto, onde ela mais floresce é nos mercados de cdim- bio. Nele, todas as empresas “forex” (foreign exchange) empregam analistas técnicos para descobrir “pontos de suporte”, “faixas de negociagao” e outros padres nos dadlos tick a tick dos maiores e mais rapidos mercados do mun- do, Ena logica de “casa de espethos” dos mercados é até possivel que 0s gra- fistas as vezes estejam certos, As cotagdes libra-d6lar realmente podem apro- ximar-se do nivel previsto pelos analistas técnicos e entao retroceder, como se tivessem batido numa parede — ou acelerar, como se tivessem rompio uma barreira. Mas esse é um truque de confianga. Todos sabem que todos s- Risco, ruina e recompensa 9 ‘bem sobre os pontos de suporte, ¢ assim fazem suas apostas levando-os em conta. f dificil de acreditar, mas grandes somas podem mudar de maos na base dessa astrologia financeira. Talvez.funcione as vezes, mas nio serve de base para construir um sistema de gestdo de risco global. Eassim nasceu o que as escolas de negocios agora chamam de “moder- na’ teoria financeira, Emergiu da érea da matemitica que estuda probabil dade ¢ estatistica, Seu conceito fundamental: os pregos nao sao previsivels, ‘mas suas flutuagdes podem ser descritas pelas leis matemiticas da probabi- lidade. Portanto, seu risco € mensurdvel e gerenciavel. Hoje, essa idéia con- verteu-se em ortodoxia, com a qual concordo, até certo ponto. O trabalho nesse campo comegou em 1900, quando um jovem mate- mitico francés, Louis Bachelier, cometeu a temeridade de estudar os merca- dos financeiros numa época em que os matemiticos “de verdade” nao toca- vam em dinheiro. No mundo muito diferente do século XVII, Pascal e Fer- mat (0 do famoso “‘iltimo teorema” que demorou 350 anos para ser de- monstrado) inventaram a teoria da probabilidade para ajudaralgunsaristo- cratas a obter melhores resultados no jogo. Em 1900, Bachelier passou ao largo da andilise fundamentalista e dos grdficos. Em ver disso, descneadeou @ proxima grande onda no campo da teoria da probabilidade, expandin- do-a para também tratar dos bonus do governo francés, Seu modelo-chave, geralmente chamado de “random walk” (passeio aleat6rio) mantém-se muito préximo, na verdade, de Pascal e Fermat. Ele sustenta que os precos subiro ou descerdo com igual probabilidade, da mesma maneira como ‘uma moeda honesta dard cara ou coroa. Se os lances da moeda se seguirem ‘um ao outro com muita rapidez, toda a gritaria nas bolsas de ages e de mer- cadorias ¢ literalmente estatica ~ ruido actistico ou elétrico do tipo que se ‘ouve no rédio quando sintonizado entre emissoras. Ea intensidade das va- Hlagbes nos precos é mensurdvel. A maloria das variagdes ~ 68% ~sio peque- ‘nos movimentos para cima ou para baixo, dentro de um “desvio padirao” ~ gabarito matematico simples para medira disperstio dos dados em relagaio a ‘média; 95% dever ficar entre dois desvios padroes; 98% devem ficar entre {és desvios padroes. Finalmente — logo veremos que esse ponto é muito im- Portante~a quantidade de variagdes muito grandes é extremamente redu- ida. Caso se plotem todos esses movimentos de precos num papel de grifi- 0, 08 histogramas formam uma curva em sino ou curva normal: as nume- 054s pequenas variacoes aglomeram-se no centro do sino, eas poucas gran- ‘des varlagdes concentram-se nas extremidades. 10. Mercados Financeiros Fora de Controle Aformade sino €, para os matemiticos, terra cognita, a ponto de passat a ser denominada “normal” ~ implicando que outras formas sto “anor. mais”. Bo bem explorado campo das distribuigdes de probabilidade, que re. cebeu o nome do grande matematico alemao Carl Friedrich Gauss. Uma analogia: a estatura média da populagio masculina adulta nos Estados Uni- dos 6 de cerca de 1,78 metro, com um desvio padrao de aproximadamente 5,08 cm. Isso significa que a estatura de 68% de todos os homens america- nos situa-se entre 1,72 m ¢ 1,83 m; de 95% entre 1,67 me 1,88.m; de 98% entre 1,62 m ¢ 1,93 m, Os matematiccs da curva normal nao excluem intei- ramente a possibilidade de um gigante de 3,65 m ow até de alguém com es- tatura negativa, caso se possa imaginar tais monstros, mas a probabilidade de ocorténcia de um ou de outro caso téo baixa que jamais se esper contrar um caso desses na vida real, Acurva normal €0 padrio utilizado em variaveis aparentemente téo dispares quanto estatura de cadetes do exérci- to, resultados de testes de QI, ou- para voltarao modelo mais simples de Ba- chelier ~os retornos de apostas numa série de lances de cara ou coroa. Sem. diivida, a qualquer momento ou em qualquer lugar, é possivel que ocorram padrbes extraordindrios: pode-se deparar com uma longa seqiiéncia de “ca- ras” ouencontrar um esquadrao de soldados excepcionalmente altos ou pa lidos. Mas, no longo prazo, espera-se encontrar a média: altura média, inte- ligencia moderada, nem lucro nem prejuizo. Isso nao significa dizer que os fundamentos nao sao importantes; a mé nutricdo pode distorcer para baixo a estatura média dos cadetes do exérci:o ea inflagao pode forgara queda dos precos dos titulos de crédito, Entretanto, como nao podiemos prever essas influéncias externas com muita exatidao, a Gnica bola de cristal confivel & a probabilistica Os génios, em qualquer tempo ou clima, geralmente nao sao reco- nhecidos. A dissertagdo de doutorado de Bachelier foi amplamente igno- rada por seus contemporineos. No entanto, seu trabalho foi traduzido ara o inglés. republicado em 1964, e desde entao se converteu no gran- de edificio da moderna teoria econdmica e financeira (¢ em cinco Meda- thas Nobel em ciéncia econémica). Variante mais ampla do pensamento de Bachelier geralmente € conhecida pelo titulo que Ihe atribuiu um de ‘meus alunos de doutorado, Eugene F. Fama, da Universidade de Chica- 80: Hipotese do Mercado Eficiente. Hla sustenta que, num mercado ideal, todas as informagées relevantes ja foram consideradas na formagaio do reco dos titulos. Possibilidade ilustrativa é a de que as mudangas de on- iaen- Risco, ruinae recompensa 11 tem ndo influenciem as de hoje; nem as de hoje, as de amanha; cada mu- danga é independente da tiltima. ‘Com base nessas teorias, os economistas desenvolveram uma caixa de ferramentas muito sofisticada para a analise dos mercados, medindo a “va- rifncia” e 0s “betas” de diferentes titulos e classificando as carteiras de inves- timentos com base na probabilidade de risco. De acordo com a teoria, um _gestor de fundos pode construir uma carteira “eficiente”, visando a determi- nado retorno, com o nivel de risco aceito. £0 equivalente financeiro da al- quimia. Vocé quer ganhar mais sem arriscar muito mais? Use a moderna cai- xa de ferramenta das finangas para compor o mix de agoes voliteis e estaveis ‘ou para mudar a proporgao de acdes, titulos de crédito e dinheiro. Quer ofe- recer maiores recompensas aos empregados, sem pagar saldrios mais altos? Usea caixa de ferramentas para desenvolver um plano de op¢oes sobre acoes, com probabilidade ajustavel de se tornarem “in the money”.* Com efeito, a bolha da Internet, inflada em parte pela prodigalidade dos planos de opcdes sobre agdes para executivos, talvez nao tivesse ocorrido sem Bachelier e seus herdeiros. Infelizmente, a teoria é elegante, porém equivocada, como hoje pode constatar qualquer pessoa que tenha passado pelas altas e baixas da década de 1990. A velha ortodoxia financeira fundamentava-se em dois pressupos- tos criticos do modelo-chave de Bachelier: as variacdes nos pregos sao esta- tisticamente independentes e sua distribuigao assume a forma de curva normal. Todavia, os fatos, conforme argumentei com tanta veeméncia na década de 1960 e muitos economistas hoje teconhecem, demonstram o contrétio. Primeiro, as variagdes nos pregos nao so independentes umas das ou- tras, Pesquisas realizadas nas ultimas décadas, por mim e depois por outros, ‘mostram que muitas séries de precos financeiros tém uma espécie de “me- méria”, Na verdade, hoje realmente influencia amanha. Se os precos derem lum salto para cima ou para baixo, agora, seré maiora probabilidade mensu- ravel de que se movimentem com tanta intensidade no dia seguinte. Nao se trata de um padrio bem comportado € previsivel do tipo tao ao gosto dos ‘conomistas~nao é, por exemplo, a procissao de altas ¢ baixas que caracte- "Nota do Tradutore Opgao “in the money” éaquela que apresenta valor intrinseco, ou seja, co reso de exercicio € menor do que o prego da aco no mercado A vista, no caso de opcoes de ‘compra; ou mator do que o prego da acto no mercado A vista, no caso de opdes de vend. mntrole 12, Mercados Financeiros Fora de rizam os surtos de prosperidade e depressao por meio do qual os livros-texto tragam os ciclos econémicos comuns. Exemplos desses padrdes simples, ou seja, dessas correlagdes periédicas entre precos passaclos e presentes, de ha muito foram observados nos mercados ~ como, por exerplo, nas flutua- (Ges sazonais dos pregos futuros do trigo, & medida que amadurecem as sa- fras, e as tendéncias didrias e semanais do volume de operagbes cambials, & medida que o dia de negociagoes avanca ao longo do globo. Minha heresia é um tipo fractal diferente de relacionamento estatist. co, uma “meméria longa”. Esse é um ponto mais delicado, ao qual dedica- rei todo um capitulo mais adiante. No momento, basta raciocinar levando em conta que diferentes tipos de séries de precos exibem diferentes graus de meméria ~ a de algumas é forte, ao passo que a de outras ¢ fraca. Por que é assim, nao se sabe ao certo; mas pode-se especular. O que uma empresa faz hoje - uma fusio, uma cisao, 0 langamento de um produto critico ~ deter- mina como sera a empresa daqui a dez anos; do mesmo modo, os movi- mentos de precos hoje influenciarao os movimentos de precos amanha. Outros sugerem que o mercado demora muito para absorver e precificar as informagoes. Ao se defrontarem com més noticias, alguns investidores, r4- pidos no gatilho, reagem imediatamente, enquanto outros, com diferentes metas financeiras e horizontes de tempo mais distantes, talvez nao reajam durante um més ou um ano. Qualquer que seja a explicagao, podemos con- firmar a existéncia do fendmeno ~ e ele contradiz 0 modelo do ran- dom-walk, Segundo, ao contrério da ortodoxia, as variagdes nos precos estio muito longe de seguir a curva normal. Se assim fosse, seria possivel proces- sarem computador os registros de pregos de qualquer mercado, analisaras variag&es ¢ esperar que se enquadrem na normalidade aproximada, pres mida no passeio aleat6rio de Bachelier. Ou seja, devem aglomerar-se em torno da média, representada pela auséncia de variagdo. Na verdade, con- tudo, a curva normal encaixa-se muito mal na realidade. De 1916 a 2003, 05 movimentos didrios do Dow Jones Industrial Average nao se distribu- em num papel de gréfico como uma simples curva normal. As extremida- des despontam muito elevadas: grande quantidade de variagdes intensas. A teoria sugere que, nesse periodo, a variacao do indice ficaria acima de 3,4% em 58 dias; na realidade, com efeito, isso ocorreu em 1,001 dias. A teoria prevé seis dias com mudangas superiores a 4, marcas foram atingidas em 366 15%; na verdade, tais '. E oscilagdes acima de 79% seriam 1e- Risco, ruina e recompensa 13 sistradas apenas a cada 300.000 anos; com efeito, no século XX, acontece- ram 48 guinadas com tal intensidade, Na verdade, foi uma era calamitosa, que insistia em desmentir todas as previsdes. Ou, talvez, nossos pressu- postos estejam errados. O poder das leis de poténcia Quando se examinam mais de perto os registros de precos, geralmente en- contra-se um tipo de distribuigao diferente da curva normal: as caudas no se tornam imperceptiveis, mas seguem a “lei de poténcia”. sso € comum na natureza. A rea de um terreno quadrado cresce pela poténcia de dois em re- agao ao aumento dos lados. Se os lados dobram, a érea quadruplica; se os lados triplicam, a area aumenta nove vezes. Outro exemplo: a forga da gra- vidade diminuiu na razdo inversa do quadrado (poténcia de dois) da distan- cla, Se uma nave espacial duplica sua distancia em relagao a Terra, a atragao da gravidade sobre ela reduz-se a um quarto do valor original. Em econo- mia, uma lei de poténcia cléssica fol descoberta pelo economista Vilfredo Pareto, na virada para o século pasado; ela descreve a distribuigao iano de renda nos niveis superiores da sociedade. Essa lei de poténcia concentra parcela muito maior da riqueza da sociedade entre muito poucos privilegia- dos;a curva normal seria mais equitativa, dispersando as rendas de maneira ‘mais uniforme em toro das médias. F assim chegamos a uma de minhas principais descobertas. A lei de poténcia também se aplica aos movimentos de precos positivos e negativos de muitos instrumentos financeiros, dei- xando espaco para oscilagdes de pregos muito mais amplas do que as admi- tidas pela curva normal. E também se enquadra nos dados de muitas séries de precos. Forneci as primeiras evidencias disso num relatério de pesquisa de 1962, depois resumido em breve trabalho publicado. Nele se demonstra- ‘va que, na distribuig#o dos movimentos dos pregos do algodao no século passado, as cauclas seguiam uma lei de poténcia; a quan ladle deamplas va- rlag6es de precos era grande demais para encaixar-se numa curva normal. 0 mesmo relatério prosseguiu com pregos do trigo, taxas de juros e agdes de empresas ferroviarias —em outras palavras, analisei todos os dados que con- segui compilar em cantos poeirentos de bibliotecas, Desde entio, padrdes se- melhantes foram encontrados em muitos outros instrumentos financeiros. 14 Mercados Financeiros Fora de Controle A economia é dada a modismos. Como em muitos campos cientificos, também na ciéncia ligubre desenvolve-se um consenso grupal sobre 0 cer- toe 0 errado, que pesquisas merecem uma tese de doutorado e quais nao sao dignas de tal honraria, Atuei contra acorrente durante boa parte de mi- nha carreira profissional. Na década de 1960, a maioria dos economistas te6ricos enaltecia cada vez mais Bachelier € seus herdeiros. Na década se- guinte, Wall Street adotou suas teorias. Elas foram a base intelectual dos fundos de indices de agdes, das bolsas de opgdes, das opsdes sobre acdes, para executivos, dos orgamentos de capital das empresas, das andlises de risco dos bancos e de boa parte da inchistria financeira mundial, tal comoa conhecemos hoje. Durante todo esse tempo, eu fui ouvido, mas como uma vor quase solitatia, denunciando as falhas da logica. Em fins da década de 1980 ena de 1990, contudo, eu nao estava mais sozinho na percepgdo des- eS equivocos. As convulsoes financeiras~o crash de 1987, 08 colapsos asia- tico e russo de 1997 e 1998, 0 mercado em baixa ~ convenceram muitos fi- nancistas profissionais de que algo estava errado. Warren E. Buffett, onoto- riamente bem-sucedido investidor e industrial, disse em tom de troga que gostaria de financiar cétedras universitirias sobre a Hipétese do Mercado Eficiente, de modo que os professores treinassem quantidades cada vez maiores de financistas mal orientados, que o deixassem ganhar ainda mais dinheiro. Tachou a teoria ortodoxa de “tolice” e de erro crasso, Contudo, nenhum de seus proponentes “jamais reconheceu que estava errado, nao importa quantos milhares de estudantes tenham sido mal instruidos. Apa rentemente, a relutancia em retratar-se ¢, portanto, em desmistificar 0 sa- cerdécio nao se limita aos tedlogos”, No entanto, por mais dogmiticos que sejam os professores, os homens, praticos de Wall Street acabaram abrindo-se as novas idéias, Minhas princi pais objegoes as de que os pregos nao seguem a curva normal e nao sao in- dependentes foram ouvidas; centenas de economistas e analistas de mer- cado ja documentaram sua validade. Entretanto, apesar do reconhecimen- todo problema, os velhos métodos demonstraram surpreendente resistén- cia. As formulas “classicas” de Bachelier e seus herdeiros — como construit uma carteira de investimentos, como calcular o valor financeiro de uma nova fabrica, como julgar o grau de risco de uma aga - ainda compoem © ccurriculo de centenas de escolas de negécios em todo o mundo e ainda si0 topicos do exame de certificagao de analistas financeiros, a que se subme- Risco, ruina e recompensa 15 tem milhares de jovens corretores ¢ funciondrios de bancos. Também sto parte da ortodoxia dos profissionais de Wall Street. Por exemplo, a formula “Black-Scholes” para a avaliacdo das opgdes sobre agées dos executivos da Merril ou da GM foi durante muito tempo o padiao-ouro; apenas em 2004 os reguladores americanos aprovaram oficialmente outras formulas. Por qué? Os velhos métodos sao faceis e convenientes. Funcionam bem, argu- menta-se, na maioria das condigdes de mercado. A teoria 36 fracassa nos momentos incomuns de alta turbuléncia — e nessas situagdes quem pode proteger-se de uma aquisigdo de controle hostil, de uma faléncia ou de ou- tros atos de Deus no mundo das finangas? Evidentemente, tal raciocinio oferece pouco conforto aos que foram levados de cambulhada num desses dias “improvaveis” de catastrofe financeira. Entretanto, o setor financeiro é extremamente pragmitico. Embora se ajoelhe diante dos velhos icones, investe os seus délares para pesquisas na busca de divindades mais jovens e mais eficazes. Opgoes “exéticas”, pro- dutos com “retorno garantido”, “anilise do valor em risco” e outras cria- Ges de Walll Street se beneficiaram com essa procura. Também os banquel- 10s centrais sio pragmaticos. Depois de anos de aceitaco dos velhos mé- todos, eles tém pressionado, nesses iiltimos cinco anos, pela adocao de modelos matemiticos mais realistas, com os quais 0s bancos possam ava- liar seu risco. Essas regras, denominadas Basiléia II, forcario muitos ban- cos a mudar a maneira como calculam o valor do capital que destinam & protecao contra desastres financeiros. Em resposta, os economistas esto correndo para adotar novas idéias ¢ novos modelos. Muitas dessas aborda- gens, com nomes pouco atraentes como GARCH ¢ FIGARCH, apenas re- mendam velhos modelos. Outras comecam do nada, rejeitando todos os velhos pressupostos. Os economistas comportamentalistas estudam os ‘mercados da mesma maneira como B.F. Skinner estudou os seres huma- nos: organismos que processam informagoes e produzem comportamen- tos de acordo com regras a serem deduzidas. Sob essa orientagio, alguns pesquisadores monitoraram operadores profissionais para medir a resis- téncia da pele, os padrées de eletroencefalograma ¢ os batimentos cardia- cos, em busca dos imperativos biol6gicos por tras de uma ordem de “com- pra”, E ainda hé finangas intensivas em computador. Wall Street hé muito tempo € 0 maior cliente da indastria de computacio, langando no merca- do “algoritmos genéticos”, “redes neurais” € outras técnicas computacio- nafs, na esperanca de que a inteligéncia de silicio seja capaz de encontrar 16 Mercados Financeiros Fora de Controle padres lucrativos onde formas de vida baseadas no carbono se mostra ram ineptas. Mas teoria financeira “pés-moderna” ainda precisa comprovar sua efi- cécia, Ninguém ja encontrou o pote de ouro. Um jogo de chance Assim, nos termos do manifesto revolucionario de Lenine: O que fazer? Como preparacao, jogue um jogo. Em segulda, véem-se quatro graficos de pregos, do tipo dos que se en- contram nos relatérios das empresas corretoras, mas sem datas e valores, Dois dos graficos sio representacdes dos precos de um instrumento finan- ceiro real - cujo nome também foi omitido. Dois sao ficcbes, séries de ni- ‘meros totalmente ficticias, geradas por meio de diferentes modelos te6ri cos sobre o funcionamento dos mercados. Nao importa que a tendéncia seja de alta ou de baixa. O importante é concentrar-se em como variam de um momento para o seguinte. Quais sdo reais? Quais sao falsos? Que re- gras foram usadas para desenhar os falsos? Todos so muito semelhantes, dito numerosos leitores. Realmente, desprovidos de legendas, titulos de eixos ¢ outros indicadores de contexto, quase todos os “fever graphs” que representam pregos, como os denomina a imprensa financeira dos Estados Unidos, so muito parecidos, Porém, as imagens so mais enganadoras do que as palavras. Risco, ruinae recompensa 17 Quatro grificos: Quals sto reals, quats sio falsos? Para conhecer a verdade, observe o préximo conjunto de graficos. Eles ‘mostram, em vez dos pregos em si, as variagdes nos precos de momento a momento. Agora, constata-se um padrdo; e os olhos sao mais inteligentes do que em geral admitimos - principalmente na percepcaio de como mu- dam as coisas. plor dentre os falsos destaca-se dos demais, como um criminoso na fila de suspeitos numa delegacia policial, fi o segundo grafico, que mostra uma variacdo de pregos mais ou menos uniforme ao longo do tempo. Foi 18 Mercados Financeiros Fora de Controle gerado pelo modelo ortodoxo do raniom-waik. © tamanho da maloria das “oscilagdes de precos varia dentro de uma faixa estreita, nos moldes da area central da curva normal jé mencionada. £ verdade que o grafico também ‘mostra flutuagOes maiores, ou atipicidades - porém, elas mal se destacam do grosso das variagdes, da mesma maneira como os talos de grama mais al- tos erguem-se acima da altura média, num gramado maltratado, que Preci- se de corte. Compare-se agora esse grafico falso com os dois reais, de ntimeros 1 € 3.0 primeiro representa as variagBes nos precos das agoes da IBM de 1959 a 1996;0 terceito retrata as mudangas na taxa de cimbio délar/marco. Nestes €€m to- dos 0s graficos reais, as oscilagdes de precos sio extremamente erraticas. As maiores sio numerosas e formam aglomerados, Aqui, a analogia adequada inio é mais com um gramado, mas com uma floresta formada por drvores de todos os tamanhos, algumas gigantescas. Outra analogia é com a distribuigao das estrelas, que nao se dispersam de maneira uniforme em todo o universo, ‘mas agrupam-se em galaxias, as quals, por sua vez, constituem aglomerados, ‘numa hierarquia ao mesmo tempo aleat6ria e ordeira. Em termos matemati- ‘0s, algo praticamente igual ocorte nesses grificos de pregos de ages. Sobra apenas o grafico n° 4-0 impostor nesse jogo. Trata-se de uma sé- rie de variagdes de precos ficticias, gerada por meu mais recente modelo de como funcionam os mercados financeiros, que simula com fidelidade a “yolatilidade volitil” dos graficos reais ~e, seja na modelagem financeira, sejana previsdo do tempo, a validacaode qualquer modelo depende de seus resultados. No passado, as previsbes produzidas pelos modelos eram ex- pressas por meio de alguns ntimeros ou diagramas, Fui pioneiro no uso de computadores para expressar as previsoes de meus modelos nessa forma ‘gréfica exclusiva ~uma espécie de falsificagdo da realidade. Aqui, 0 modelo basico é denominado movimento browniano fracionério em tempo multi- fractal. Embora o nome seja proibitivo, os préximos capitulos desenvolve- Ho 0 tema e mostrardo que o modelo ¢ extremamente parcimonioso. ‘Como ele funciona? Baseia-se em minha matemética fractal, a ser eluci- dada nos capitulos subseqtientes, Ainda é um modelo em desenvolvimento. e awe sei ben nao pode ser usado para selecionar ages, operar com deriva- ‘ou avaliar opsdes; 0 tempo e outras pesquisas realizadas por outros de- aie a, inet, an eet Masa capacidade de imitar a reali en See cil tal, 0 modelo multifractal jé Oferece iatos sobre 0 funcionamento dos mercados. erecompensa 19 cos. Mats uma vez, quals sto falsos? “Varlagbes dldrias” nos quatro gr Como a imprensa financeira popular, posso reduzir alguns delesa cinco “re- gras” sobre o comportamento do mercado ~ conceitos que, se apreendidos ¢ aplicados, serao dteis para atenuar nossa vulnerabilidade financeira, Regra I: Os mercados sao arriscados. Oscilagses de pregos extremas sdo comuns nos mercados financeiros~ em. ‘vez de aberragdes que podem set ignoradas, Os movimentos de pregos nao 20. Mercados Financeiros Fora de Controle seguem a bem comportada curva normal, conforme presume a teoria finan- ceira modema; em ver disso, tragam uma curva mais violenta, que torna a trajet6ria dos investidores muito mais acidentada. Uma estratégia de nego. clagao sensata ou um critério inteligente para a composigao de carteiras in. cluiria entre seus fundamentos esse fato duro e frio. A maneira exata depen- de dos recursos, dos talentos e do estémago para o tisco por parte dos indi- viduos; como sempre, 0 mercado caracteriza-se pela diversidade de opt. nides. Mas 0 mero conhecimento de que os mercados oscilam de maneira violenta jé 6 titil, Essa constatagdo pode ser usada ~ ¢ esta sendo cada vez ‘mais aplicada ~em simulagoes de computador para submeter uma carteira “testes de estresse”, a fim de experimentar no papel uma variedade mais amplae mais sombria de jogos “e se?” (what if?) antes de aplicar dinheiro de verdade numa estratégia de negociago. Assim, o investidor cauteloso sera capaz de construir uma carteira com mais seguranga do que a proposta pe- los modelos convencionais. O operador agressivo estara mais bem prepara- do para daro bote em momentos de alta volatilidade. E 0 regulador de mer. cado prudente manter-se-4 mais alerta em relagdo aos problemas urgentes— evitando, dessa maneira, catastrofes financeiras e danos macroeconémi- cos. Alguns comentaristas sugeriram a adogao de uma “escala Richter” para medira turbuléncia dos mercados; a exemplo desse famoso indicador da in- tensidade dos terremotos, seu congénere financeiro avaliaria e classificaria 6s tremores do mercado, oferecendo aos reguladores uma escala adequada para avaliar a gravidade dos problemas iminentes. Estar advertido é estar preparado, Regra II: Os problemas ocorrem em séries. As turbuléncias do mercado formam aglomerados. Isso nao é surpresa ara 0 operador experiente, Nas salas de operagdes financeiras em todoo mundo, os primelros quinze minutos de cada manha sao de importancia critica; € quando os operadores tarimbados, de olho nas telas dos compu tadores, tiram a temperatura do mercado. Elessabem que quando o mer cado abre encapelado é bem provavel que continue assim. Sabem que uma terga-feira turbulenta tende a ser seguida por uma quarta-feira da mais turbulenta, E também esto conscientes de que é nesses momen- tos mais tempestuosos ~ nas raras, mas recorrentes crises do mundo fi- nanceiro~ que se ganham ese perdem as maiores fortunas de Wall Street: Risco, ia recompensa 21 Nao precisa de economistas para dizer-lhes tudo isso. Porém, a intui ao deles, que nao faz parte dos modelos convencionais dos eficientes, é inteiramente validada pelo modelo mul wercados facta, Regra III: Os mercados tém personalidade. Os pregos ndo sao determinados apenas pelos eventos, noticias e pessoas do mundo real. Quando investidores, especuladores, industriais e ban- 4queiros se retinem num mercado real, desenvolve-se uma nova espécie de dindmica especial - maior do que e diferente da soma das partes. Usando ‘05 termos dos economistas: em boa parte, os precos sao determinados por efeitos endégenos, peculiares a0 funcionamento interno dos proprios mer- cados, em vez de apenas em conseqiiéncia da ago exégena de eventos ex- ternos. Além disso, esse mecanismo interno dos mercados ¢ extremamen- te duradouro. Iniciam-se guettas, reconquista-se a paz, as economias se expandem, as empresas entram em feléncia— tudo isso chega e passa, afe- tando os precos. Mas o processo funcamental pelo qual os pregos reagem as noticias continua inalterado. Um matematico diria que os processos do mercado sto “estacionérios”. Isso contradiz alguns pretensos reformistas do modelo do passeio aleat6rio que explicam a aglomeragao da volatilida- de com a afirmagao de que, de algum modo, o mercado esta mudando, que a volatilidade varia porque os mecanismos de prego nao se mantém constantes. Errado. Um exemplo impressionante: minha analise dos pre- ‘G08 do algodao ao longo dos tiltimos cem anos mostra, no inicio do século pasado, época em que os pregos naoeram regulados, o mesmo padrao am- plo de variabilidade que predominava na década de 1930, quando passa- ram a ser regulados como parte do New Deal, que por sua vez nao era dife- rente do vigente durante a Guerra Civil americana, quando as cotagées ‘ram expressas em ouro. Regra IV: Os mercados desorientam. Os padres sio 0 ouro dos tolos dos mercados financeiros. O poder do acaso €suficiente para criar padres espiirios ¢ ciclos falsos que, para todo omun- do, parecem previsiveis e bancaveis. Mas os mercados financeiros sao espe- cialmente propensos a tais miragens cientificas, Meus modelos matemati- cos podem gerar graficos que—exclusivamente com base no funcionamento 22. Mercados Financeiros Fora de Controle de processos aleatérios - parecem mostrar | tendéncias e ciclos, a ponto deen. ganar qualquer profissional “grafista". Da mesma maneira, bolhas e crashes sdo inerentes aos mercados, como resultado inevitavel da necessidade huma- na de encontrar padrdes na falta de padroes. Regra V: O tempo do mercado é relativo. Nos mercados financeiros constata-se o que se poderia denominar de relati- vidade do tempo. Desde cedo, mas principalmente ao desenvolver os mo- delos multifractais, passei a encarar os mercados como entidades que ope- ram em seu proprio “tempo de negociagao” - muito diferente do “tempo do rel6gio”, que se caracteriza pela linearidade, no qual geralmente desenvol- ‘vemos nossos raciocinios. Esse tempo de negociacao acelera o relégio em periodos de alta volatilidade e 0 desacelera em fases de estabilidade, Mate- maticamente, posso escrever uma equacao mostrando como uma referén- cia temporal se relaciona com a outrae utilizé-la para gerar a mesma espécie de séries de pregos denteadas que observamos na vida real. Essa foi a manei- ra como fiz a falsificagao bem-sucedida, apresentada acima. & quase como se as salas de negociacao necessitassem, além da fileira de relgios de parede com a hora de Téquio, Londres e Nova York, de um quarto relégio com a “hora do mercado de Greenwich”. Esse tiltimo ponto enfatiza um importante subtexto deste livro: 0s pro- fissionais de mercado sabem muito mais do que supdem. Os profissionais de mercado geralmente se referem a um mercado “répido” ea um mercado “lento”, dependendo de como julgam a volatilidade do momento; assim, rapidamente reconheceriam e confirmariam 0 conceito de tempo de nego- ciagdo. Do mesmo modo, a sabedoria popular do mercado sustenta que to- dos 08 gréficos sio parecidos: sem as legendas identificadoras, nao se conse- gue dizer se um grafico de precos abrange 18 minutos, 18 meses ou 18 anos. Essa realidade seria expressa pela afirmagio de que os mercados mudam de escala. Até a imprensa financeira muda de escala; tém-se relat6rios anuais, boletins trimestrais, newsletters mensais, revistas semanais, jornais didrios €, mais recentemente, servigos de noticias eletronicos tick a tick. O folclore as historias do mercado, evidentemente, nao podem confirmar os mode- ai ERS = a anilise estatistica rigorosa tem condigoes para re € as historias efetivamente sinalizam que o modelo est no caminho certo. Risco, ruina ¢ recompensa 23 © modelo multifractal também tem muitas implicagoes para 0 lado pratico das finangas. Conforme jé indicado, a teoria das carteiras precisa de reformulagao; as opgdes necessitam de reavaliagao e as estratégias de nego- ciagdo carecem de revisao. Um pequeno exemplo: as ordens de “stop-1oss" sao imperfeitas, para dizer o minimo. Numerosos investidores ou operado- res deixam instrugdes para fechar uma posigio quando o prego atingir de- terminado alvo. Mas, como muitos aprenderam para o proprio desespero, quando os pre¢os realmente esto voando, quase sempre passam com tanta rapidez pelo alvo que até os corretores mais atentos ndo conseguem execu- tarasordens de venda com rapidez.suficiente. Resultado: perdas maiores ou luctos menores do que os pretendidos pelo investidor. Outro exemplo: a matematica desse modelo oferece alguns novos gabaritos potenciais para medir a volatilidade e 0 risco. Com efeito, em vez dos desvios padroes ¢ dos “petas” da teoria financeira convencional, podem-se imaginar novas esca- las baseadas em duas novas varidvels a serem descritas mais adiante, neste livro: 0 expoente H, da dependéncia do preco, eo parametro a, caracterist coda volatilidade. Alguns gestores de fundos jé experimentaram esses con ceitos. Geralmente os chamam de teoria do caos~embora, em termos estri- tos, isso seja linguagem de marketing, pegando carona na rabetra de uma tendéncia cientifica popular. Na verdade, esses conceitos matemiticos so ainda jovens, as pesquisas mal comegaram e suas aplicagbes confidveis ain- da estdo distantes. Portanto, cuidado leitores: este livro nao 0s tomnara ricos. Livreiros: nao 0 ponham na mesma prateleira de “Como ganhar um milhdo no mercado”. Caso ele se enquadre em algum género, seria no de ciéncia popular. Ele explica ‘uma nova e importante maneira de ver o mundo -neste caso, o mundo finan- ceiro, Tenta fazé-lo usando linguagem comum, com tao poucas formulas eta pouco jargdo matemético quanto possivel - ou pelo menos jargao hermético, sem explicagoes. Isso porque pretendo estimular o debate mais amplo sobre ‘modelagem do mercado financeiro, que até agora esteve confinado aos circu- Jos rarefeitos dos mateméticos com mentalidade econdmica ou dos economis- ‘as com inclinagao para a matemética. A matematica subjacente tem sido, francamente, um obstéculo~a principal razo por que, quando comecel a pu- blicar meus trabalhos nas décadas de 1960 e 1970, poucos dos mais importan- tes economistas se dispuseram a ouvir-me, Mas 0 tumulto ¢ o alarido extraor- dindtios da volatilidade do mercado nesse fin de sitcle esto desobstruindo as orethas de muitos que até entao se fingiam de surdos. 24. Mercados Financeiros Fora de Controle As pesquisas nesse campo ainda tém um longo caminho pela frente. Fo. ram necessdrios mais de 60 anos depois da tese de Bacheliet para que os eco. nomistas formulassem de maneira adequada a Hip6tese do Mercado Efi. ciente~e mais uma década depois disso para que seus trabalhos encontras. sem aplicagdes praticas valiosas no mundo real de cupdes zero e opgdes de compra. Com 0s fractais, estamos ha apenas umas poucas décadas da ori- gem. Mas 0 conceito jé ilumina algumas idéias profundas sobre finangas ¢ economia. A principal dentre elas 6a importancia transcendental do risco, ‘Temos medido o risco de maneira errada, © maior conhecimento de um perigo possi séculos, 0s construtores de navios concentraram sua atengao no desenho do casco ¢ das velas. Eles sabem que, quase sempre, 0 mar est calmo. Mas também sabem que tufdes e furacdes as vezes acontecem. Assim, projetam 05 navios nao apenas para os 95% de dias trangiiilos, mas, sobretudo, para 05 outros 5% de dias tormentosos, em que suas habilidades realmente sto testadas. Os financistas e investidores do mundo esto, neste momento, como marinheiros que nao ouvem os alertas sobre o tempo. Este livro é uma adverténcia meteorol6gica. jilita maior seguranga. Ha Carituto IT Na base do cara ou coroa ou da trajetéria de uma flecha? PARA MUITAS PESSOAS, chance 6 uma idéia familiar, mas no examina- da, uma palavra com muitos significados diferentes. Fala-sena chance de ganhar na loteria ou na chance de estar num desastre de avio; com isso se referem a um simples mimero, a probabilidade de que algo ocorra. Ou se referem a chance de um encontro, no sentido de algo nao planejado, nao antecipado, Quando estao investindo, usam 0 termo com outro significa- do. Também mencionam a chance de perder dinheiro; aqui, chance é ameaca, risco. f algo que atrapalha seus planos de investimento, que os torna pobres, quando esperavam ficar ricos. Tentam ponderar os tiscos, comparando ages com debéntures, iméveis com titulos do tesouro, A maioria das pessoas nao tem idéia de como fazer isso de maneira sistemati- cae quantitativa, mas aceitam que chance ¢ algo que, de algum modo, € parte de seus investimentos pessoais. Considerando a alternativa— de que tém apenas asi mesmos para culparpor um mau investimento—a mé sorte um bom bode expiatério. Mas seré que chance se aplica nao s6 aos infortiinios pessoais, mas, também as operagdes do mercado como um todo? Bobagem, diriam al- ‘guns. Viverios no mundo real dos corretotes, dos investidores e do ai mheiro sonante, nao das probabilidades abstratas. A agao da IBM subiu 26 Mercados Financeitos Fora de Controle USS1 porque a empresa anunciou que assinara mais contratos de presta- ‘¢do de servicos do que havia previsto; em conseqtiéncia, 5.218 pessoas de carne e osso, algumas gananciosas, outras prudentes, emitiram or. dens de compra de 12.542.300 agdes da empresa, movimentando USS768.016.733 em dinheiro de verdade, Trata-se de causa € efeito, 0 proprio modelo de determinismo. Nao hé nada de sorte nisso, de qual- quer tipo. Sem dtivida, é dificil reconstituir quem fez.o qué e por que para provocar a alta nos pregos, e ainda mais dificil é prever se as cotacbes continuarao subindo; para isso existem corretores. Mas ¢ tolice, dizem essas pessoas, sugerir que as agdes da IBM subiram ao acaso. Os dados caem ao acaso. A roda da roleta gira ao acaso. Essa espécie de chance pode ser codificada pela teoria matemética. Mas as ages da IBM, a taxa de cmbio curo-<élar ¢ os pregos do trigo nao sober ou descem pelas regras matematicas da chance. De fato, os pregos nao se movimentam ao acaso-_mas fodem ser des- critos como se assim fosse. E essa distingao sutil, entre raciocinar sobre Precos como se fossem regidos pelo acaso, tem sido a idéia dominante ¢ producente da teoria financeira nos (iltimos cem anos. Sobre tal base construiu-se a indiistria financeira moderna e global. A gestio de cart ras, as estratégias de negociagao e as financas corporativas - tudo isso foi modelado pela cadeia de pressupostos e dedugdes que sucessivas geracoes de economistas ¢ matematicos formularam a partir dessa nocao paradoxal de acaso. Sou, evidentemente, crente convicto no poder da probabilidade, Cons- tatei-a e apliquel-a em economia, fisica, teoria da informagto, metalurgia, meteorologia, neurologia, anatomia, taxonomia e em muitos outros cam- Pos aparentemente improvaveis. Como estudante de pés-graduacao na Universidade de Paris, hd mais de 50 anos, escrevi minha tese de doutorado sobre uma variante pequena e pouco conhecida da probabilidade aplicada: a lei de poténcia que rege a freqiiéncia matematica com que cada palavra ‘corre na Tinguagem comum. Hoje, quando um pesquisador de opinides ‘me procura em casa, nao 0 recebo; compreendo a matematica de como 0s ndo-respondentes, se muito numerosos, podem ludibriar os procedimen- tos de amostragem da pesquisa. Seri que estou sendo mau cidadao? Em todo caso, com esses antecedentes, dificilmente eu seria a pessoa a refutar a utilidade da teoria da probabilidade em ainda outro campo, finangas. Nos mercados financeitos, seja como for, Deus pode aparecer para manipular OS [Na base do cara ou coroa ou da trajet6rla de uma fecha? 27 dads. O que set é que o Governante do acaso pode criar o que denomino varios “estados” ou tipos diferentes de acaso. E 0 que contesto é a maneira ‘como 0s financistas tedricos de hoje, em suas salas de aula e em seus traba- thos, calculam as probabilidades. Isso talvez. parega para muita gente mera tergiversacio académica ~ mas, como veremos, pode ser a diferenga entre ganhar e perder uma fortuna, Para pegar 0 ponto crucial ~ na verdade, a espinha dorsal de todo 0 li vyro-valea pena retornar ao bésico. Este capitulo comega com o exame de duas ferramentas probabilisticas extremamente diferentes. O proximo ca- pitulo conta a histéria de como se construiu a teoria financeira moderna. Segue-se a anélise critica de tal construgao. Finalmente, proponho uma programagao de reparos. Como ser visto, nfo sou um Lutero propondo um cisma na Igreja. Sou um Erasmo que, por meio do estudo, da razdo edo bom humor, tenta transmitir racionalidade e coeréncia. Meu objetivo: mudar a maneira como as pessoas raciocinam, de modo que a reforma possa avangar. Chance em financas Por que falar sobre chance nos mercados financeiros? A prépria idéia cho- ca-se com toda a nossa intuicdo sobrea maneira comoa sociedade, o comér- cio eas finangas funcionam. Em resposta, considerem-se duas maneiras de ver o mundo: como um Jardim do den ou como uma caixa-preta. O primeiro 6 causa e efeito ou deterministico. Aqui, todas as particulas, folhas ou criaturas esto no lugar que lhe foi determinado e~se tivéssemos todo ovasto conhecimento de Deus -tudo poderia ser compreendido e pre- visto, Outrora, os cientistas pensavam dessa maneira. Dois séculos atras, quando novos telesc6pios e novas ferramentas matemiticas estavam inau- gurando 0 estudo moderno da astronomia, 0 marqués Pierre-Simon de La- place, grande matematico frances, afirmou que seria capaz de prever o futu- rodo cosmos se soubesse a posicio e avelocidade de todas as particulasnele existentes, Essa perspectiva, levada para os mercads, seria como uma lei de garantia do pleno emprego para todos os economistas ¢ analistas financet 10s do mundo. Eles seriam capazes de dizer se a inflagdo subiria, se as taxas euros cairiam, e que agdes comprare vender ~bastando que tivessem da- dos suficientes, contassem com bons computadores e muitos deles ganhas- sem bons salarios. 28 Mercados Financeiros Fora de Controle Basta. Até que ponto esses pressupostos s20 realistas? Nao podemos sa. ber tudo. Os fisicos abandonaram esse sonho, durante 0 século XX, depois da teoria quantica e, de maneira diferente, depois da teoria do caos. Em vez disso, aprenderam a raciocinar sobre 0 mundo de outra maneira, como uma caixa-preta. Podemos ver o que entra na caixa € 0 que sai dela, mas nao o que acontece dentro dela; apenas somos capazes de extrait inferéncias so- bre a probabilidade do input A produzir 0 output Z., Observar a natureza sob as lentes da teoria da probabilidade € 0 que os matematicos chamam de sio estocistica. A palavra deriva do grego stochastes, adivinho, © que, por sua vez, vem de stokhos, estaca pontiaguda, utilizada como alvo pelos ar- ‘queiros. Nao podemos seguir a trajet6ria de todas as moléculas de um gas; mas somos capazes de calcular sua energia média ¢ seu comportamento provavel, e assim projetar um gasoduto muito itil para transportar gas na- tural através de um continente, para abastecer uma cidade com milhoes de habitantes. Se 0 mundb fisico ¢ tao incerto, tao dif quao mais incerto ¢ incognoscivel nao seria o mundo do dinheiro? A teo- ria financetra é uma caixa-preta coberta por um véu. Nao s6 seu funciona mento esté oculto, mas também seus inputs esto na semi-escuridao -sob a forma de dados imprecisos, noticias conflitantes ou empulhagao osten- siva. Que coeficiente de corregao devo aplicar a dica de um corretor, em proveito proprio, sobre determinada aco? E ainda se enfrenta o mais per- turbador de todos os fatores, a antecipacao. O prego de uma agaio sobe nao por causa de boas noticias sobre a empresa, mas em razao de perspectivas mais favoraveis sobre a ago; os investidores prevéem que ela subiré ¢ compram a agdo. A antecipagao € caracteristica exclusiva da economia. E psicologia ~ individual e de massa ~ ainda mais dificil de ser perscrutada do que os paradoxos da mecinica quintica. A antecipacdo é 0 estofo deso- nhos ¢ eflivios, cil de conhecer com exatidao, Entretanto, em economia, deve haver dezenas de periddicos académi- ‘cos em que os scholars se esforcam para seguir Laplace —na tentativa de mo- delar o funcionamento interno da economia, em todos os seus minimos de- talhes. Trabalham com base em enormes bancos de dados de precos ¢ pro- dusao. Partem de pressupostos sobre o comportamento humano ¢ assim" desenvolvem hipéteses complexas sobre taxas de poupanga, taxas de juros € olttras varidveis econdmicas. Tentam captar num momento realidades muito complexas. Na base do cara ou coroa ou da trajet6ria de uma flecha? 29 Uma abordagem contraria, macroscopica em vez de microscépica, estocdstica em vez de deterministica, seria mais proveitosa. Vale a pena mencionar aqui a teoria dos magnetos. Quando a temperatura sobe aci- ma de determinado nivel critico chamado ponto de Curie, 0 magnetis- mo desaparece. Quando 0 metal ¢ resfriado abaixo desse ponto, 0 mag- netismo retora, Isso em matéria de nanossegundos, Como? Apesat de dois séculos de pesquisa, ainda nao sabemos com preciso - mas dispo- mos de teorias macrosc6picas sobre o fendmeno que funcionam muito bem. Usando magnetos planos, Lars Onsager, quimico que é também matemitico ¢ fisico, desenvolveu idéias brilhantes a partir de um mode- Jo ridiculamente simples, Imaginem-se as particulas subatomicas de um. magneto dispostas em formato de grade, como os sinais de transito nas, esquinas das ruas da cidade de Nova York. Cada semaforo pode estar em ‘um de dois estados, chamados spin “up” ou spin “down”. Quando estao mais ou menos alinhados, consegue-se magnetismo mais ou menos for- te; quando todos estao trabalhando de maneira contradit6ria, perde-se magnetismo, A medida que a temperatura sobe, a grade se enche de ener- gia adicional, o que desalinha os spins. Quando a temperatura cai, as lu- zes vizinhas voltam a cooperar umas com as outras e tentam recuperar a sintonia, Os métodos matemiticos necessirios para efetuar tais célculos so, em princfpio, simples, mas, na pratica, suficientemente diabélicos para justificar um Prémio Nobel. Mas essa teorla 6 excessivamente sim- ples -simplista, na verdade. Felizmente, acontece quea maneira como as particulas interagem umas com as outras e as causas dessa interagaio im- portam menos do que se poderia imaginar. Essa teoria aplica-se ao proje- to de geradores elétricos, de discos de computadores e de milhares de ou- tros dispositivos muito praticos. No entanto, a idéia de acaso nos mercadlos é de dificll apreensao -talvez porque, ao contrario das particulas andnimas num magneto ou das molécu- las num gés, os milhdes de pessoas que compram e vendem titulos mobil ios sdo individuos reais, complexos ¢ familiares. Mas afirmar que o registro de suas transagdes,o grafico de precos, pode ser descrito por processos aleat6- ros nao é dizer que o grafico é irracional ou fortuito; em vez. disso, significa dizer que € imprevisivel. Mais uma vez, a etimologia das palavras ¢ itil. A ex- ressio inglesa “at random" ~a0 acaso, de maneira aleat6ria, randémico -€ ‘compativel com uma expressio francesa medieval, randon, que denota um ‘cavalo que avanga impetuosamente, num movimento desordenado que o 30. Mercados Financeiros Fora de Controle cavaleiro néo consegue prever ou controlar. Outro exemplo: em basco, “chance”, ou acaso, é traduzido como zoria, derivado de zhar, ou ave. O veo de uma ave, como os caprichos de um cavalo, nao pode ser previsto ou con- trolado. Podemos raciocinar sobre precos financeiros da mesma maneira: im. previsiveis ¢ incontrolaveis, Nessas circunsténcias, 0 melhor a fazer é ava- lar as chances favordvels ou contrérias a determinado resultado ~ que prego de uma agdo aumente em determinado percentual no ano, que uma opeio torne-se “in the money” ou que uma taxa de cambio mantenha-se estavel durante 0 préximo ciclo orgamentério da empresa. Usar as ferra- ‘mentas da probabilidade nao significa dizer que 0 acaso governa as finai aS € 0 comércio globais. Sem ciivida, depois do fato, ecom muito tempo e esforco, podemos montar uma historia aceitivel de causa ¢ efeito sobre as razes por que determinado prego movimentou-se de certa maneira ~ mas quem quer saber disso a essa altura? Jé ¢ tarde demais para fazer diferenca. J se ganharam e perderam fortunas. Antes do fato, no mundo real dos merca- dos emalta velocidade, dos motivos ocultos eos resultados incertos, a pro- babilidade € a tinica ferramenta a nossa disposicio. Acaso, simples ou complexo Mas como, perguntar-se-ia, as ferramentas da probabilidade podem descre- ver a surpreendente riqueza de um grafico de aces? Primeiro e acima de tudo, aleat6rio nao precisa ser simples. Probabili- dade é mais do que apenas moedas e dados. Nas maos de um matemitico, até 0 mais trivial dos processos aleat6rios - por exemplo, um jogo de moe- das ~ pode gerar surpreendente complexidade, detalhes barrocos € com- portamento altamente estruturado. Um dos fundadores da moderna teo- ra da probabilidade, o falecido matemético russo Andrei Nikolaievitch Kolmogorov, escreveu que “o valor epistemolégico da teoria da probabili- dade baseia-se no fato de que os fendmenos fortuitos, considerados cole vamente ¢ em grande escala, criam uma regularidade ndo-randémica”. As vveres, essa regularidade pode ser direta e espantosa; outras vezes, estranha violenta. Por exemplo, considere-se 0 velho jogo de cara ou coroa, Ele ¢é populat entre 0s tebricos desde os dias dos irmiios Bernoulli, familia prolifica de mateméticos do século XVIII, da Basiléia, cujos estudos ajudaram a fundar Na base do cara ou coroa ou da trajet6rla de uma flecha? 31 a disciplinada probabilidade, Imagine-se que Harry ganhe um franco sui- 0 se sair cara e Tom ganhe a mesma quantia se sair coroa. (Os matemsti- cos do passado chamavam-nos Peter e Paul. Mas nunca consegui lem- brar-me de quem era quem.) Cada lance € pura sorte. Mas depois desses trés séculos de jogo, milhdes e milhoes de vezes, cada irmao tem toda a ra- zao para esperar ter ganhado metade das vezes. Esse é 0 ditame da lei dos grandes ntimeros, nocao decorrente do bom senso, também corroborada pelos matematicos: quando se repete um experimento aleatério quantida- de suficiente de vezes, a média dos resultados convergira para um valor es- perado, Numa moeda, cara e coroa tém as mesmas chances. Num dado, 0 Jado com uma marca aparecera cerca de um sexto das vezes. Isso é 0 que Kolmogorov queria dizer. Mas outros aspectos do jogo so mais complicados. A qualquer mo- mento, um irmao pode ter acumulado mais vitérias do que 0 outro. Ve- jam-se os registros completos de um experimento de langamento de moe- das, abaixo - 10.000 langamentos simulados. Ele fot realizado por um famoso matemético que conheci bem: Willy Feller, que escreveu, em 1950, uum livro-texto sobre probabilidade, muito utilizado na época. Depois de cada langamento, ele plotava num grafico os créditos e débitos acumulados de Harry. Apareceu, entao, um padrao erratic, mas pronunciado: destaca- ram-se alguns ciclos de longas altas e baixas, ¢, sobrepondo-se a eles, muitos ciclos mais curtos. O “rompimento do zero” —0s momentos em que as bol- sasimagindrias de Harry ou de Tom voltam aficarvazias, como noiinictodo Jogo-nao se istribuem de maneira uniforme, mas formam aglomerados. uma estrutura de tipo irregular. Tantos anos atrés, quando o diagrama fol publicado pela primeira vez, poucos leitores Ihe deram a devida ateng’o. Mas eu passei horas exa- minando-o, sonhando com ele, tentando discernir os padres e proces- Sos probabilisticos subjacentes. A primeira vista, até que ponto aquilo se assemelhava a um grafico de agdes? Os “grafistas” passam os dias estu- dando graficos financeiros, localizando padroes cabega-e-ombros, iden- tificando periodos de compressdo e niveis de suporte, para depois, cheios de confianga, recomendar aos clientes que comprem ou vendam. Seré ue eles perceberiam a diferenga se eu introduzisse, disfarcadamente, ‘um desses gréficos em suas pastas? Ser4 que eu receberia um telefonema de um deles, recomendando-me comprar, depois de analisarem 0 meu Srafico? 32. Mercados Financeiros Fora de Controle 6000 7000 ‘2000 9000 10000 0 registro de 10.000 lancamentos de morda,Eses tts rficoscolocdos pont a ponta, ‘mostram até que ponto 3 witriae de um partclante de uma sé ce ancamentos de moeda podem fcaracima ou abalxo da médiaesperade de er (as nhas horizontas)O ponto- choso nunca possibilita apenas uma “melhor” estimativa de comprimento. Depende da escala do mapa que se pretende elaborar= ou da motivagto po limen- Fstudos sobre a irregularidade: Uma cartitha fractal 123 titica. Um pesquisador, Lewis Fry Richardson, nd quase um século, procurou referéncias oficiais sobre a extensdo de fron- teiras politicas entre paises. As autoridades espanholas estimaram que sta frontelra com Portugal era de 987 quilémettos, ao passo que os intrépidos portugueses contaram 1.214 quilémetros. A Holanda mediu sua fronteira com a Bélgica, mais pobre e menor, e encontrou 380 quilémetros, enquan. to os belgas chegaram a 449 quilometros, ‘cue estudou esse paradoxo Assim, qual €0 verdadeiro comprimento? Pergunta inatil, como vimos. Porém, uma maneira de contomar o problema ¢ plotar em papel grafico os resultados obtidos com as réguas de diferentes tamanhos. Evidentemente, a medida aumenta com a redugto da régua. No eatanto, grata surpresa, isso geralmente ocorrea uma taxa quase constante. Comecemos com um exem- plo trivial: uma linha reta. Digamos que a primeira régua que se use seja, poracaso, exatamente do mesmo comprimentoda linha, Agora, tente uma régua menor, com a metade do tamanho; 0 resultado da medida € duas ve- zeso seu comprimento. Outra régua, novamente da metade do tamanho da anterior, indica que a linha tem quatro vezes a sua extensio. Chega-se a ‘uma conclusdio. Mas, agora, tente medir o litoral recortado que menciona- ‘mosantes. Constata-se algo incomum quando se usam réguas cada ver, me- ‘pores: 0 comprimento que se mede cresce mais rapido do que a redugao do tamanho das réguas. E esse fenémeno € medido por uma quantidade cha- ‘mada dimensao fractal, Comece de maneira simples. Para uma linha reta, a dimensio fractal é 1. E uma dimensdo ¢ exatamente 0 que se espera que te- nha uma linha reta. Mas ocorre que o litoral da Inglaterra tem uma dimen- sii fractal de mais ou menos 1,25. Ser que isso faz sentido? Sem diivida. ‘Um litoral recortado é mais intrincado do que uma linha reta unidimensio- nal; no entanto, por mais numerosas que sejam suas peninsulas e enseadas, seit perfil jamais seria to convoluto a ponto depreencher um quadrado bi- dimensional, | Bisso nao ¢ tudo. A dimensto fractal do litoral australiano, um pouco “menos recortado que o inglés, éde 1,13, im contraste, a costa da Africa do "Sul, mais suave, apresenta dimensio fractal de 1,02, apenas um pouco mais _itregular do que uma linha reta. Outro exemplo, rios, Estudo do U.S. Geolo- "Bical Survey sobre o curso dos grandes rios americanos descobriu que a di- so fractal tipica deles 6 de 1,2 no Leste; mes no Oeste mais acidentado de 1,4. Novamente, a medicao se encaixa em nossa intuigdo sobre a dife- tre o acidentado Colorado eo plicido Charles, Outros exemplos: 124 Mercados Financeiros Fora de Controle quando se medea superficie interna dos pulmoes, tremendamente comple. xa, ao longo da qual se estence uma rede de bronquios, verificase que'sua Area corresponde mais ou menos a de uma quadra de tenis, com uma di- ‘mensio fractal proxima de 3. O revestimento dos pulmOes € t40 convoluto e enrolado sobre si mesmo que também transmite uma idéia de algo com natureza tridimensional. Eo que temos aqui? Uma ferramenta para medir nao 0 comprimento, 0 peso, a temperatura ou @ intensidade sonora, mas ou grau de convolucao ¢ desuniformidade de um objeto, proporcionando a ciéncia seu primeizo ga- barito da irregularidade, Ensaio pictérico: Uma galeria de fractais QvANDO SETRATA deum assunto tdo visual quanto fractais, imagens di- zem mais do que palavras. Portanto, ofereco este ensaio pictérico sobre a natureza ¢ a variedade espantosa de fractais, artificials ¢ naturais. Literalmente, ja se identificaram centenas de fractais reais, A fratalida- de parece ser parte da caixa de ferramentas basica da natureza~-da maneira como as criaturas crescem ou as rochas se desgastam. Por qué? A resposta depende do contexto, Considere mais uma vez. caso de um litoral rocho- s0, 0s fisicas especulam que a complexidade constituida por enseadas, pro- montérios, penhascos e angras nada mals éque o resultado l6gico da dissi- ‘pacdo da energia das ondas sobre uma superficie rochosa, No crescimento orginico, como no caso das vias respirat6rias, 0 processo de divisao iterati ‘va 60 desfecho logico das regras genéticas para o desenvolvimento de ani- ‘mais: algumas instrugées, executadas de maneira simples ¢ repetitiva. Na poca Arcadia, de 1993, de Tom Stoppard, a geometria fractal ocupao centro do palco, Thomasina, como personagem principal, diz ao jovem professor Septimus: ‘Todas. as semanas, ploto svas equacdes, ponta por ponto, x contra y, sob to- ddas.as formas das relagbesalgbricas, © todas as semanas 0 que surge & geo" 126 Mercados Financeiros Fora de Contro ‘metria convencional, como se o mundo das formas fosse composto apenas de arcos ¢ angulos. Juro por Deus, Septimus, se ha uma equagio para uma curva em forma de sino, também deve haver uma equagao para uma curva ‘em forma de ipoméia (campainha) e, por que ndo, de acreditamos que a natureza seja escrita Septinus. Acreditamos. Thomasina. das fabticas? Septinnus, Nao sel. ‘Thomasina: Com essas ferramentas, Deus mal teria condigdes de fazer a rosa? Afinal, nig sntdo, por que as suas formas descrevem apenas as formas Com efeito, estruturas fractais também foram observadas nas obras hu. manas, nos padres dos arcos goticos das catedrais européias, no uso de leit. ‘motivs nas 6peras de Wagner, nas meadas de salpicos de tinta de Jackson Pollack —até na freqiiénciae na intensidade das guerras em cinco séculos de hist6ria européia, Panorama espléndido dos fractals pode ser encontrado no site da Universidade de Yale: http://classes.yale.edu/fractals/Panora- ‘ma/welcome.html. Obviamente, nada disso 6 produto consciente da geo- metria fractal, Mas confirmam que os fractais descrevem com exatidao al- ‘guns principios fundamentais de como as pessoas geralmente pensam ese comportam: nas hierarquias, com repetigao e mudanga de escala. F depois que eu desenvolvi seus aspectos matematicos formais, sua influéncia pas- sou a ser mais direta, O compositor Gyorgy Ligeti, entre outros, fez expe rléncias com musica fractal. Diz ele: Fractais sto pacirées que ocorrem em muitos niveis. Esse conceito pode serapli- ‘ado a qualquer parametro musical. Faco fractais mel6dicos, nos quais as tona- lidades de um tema com que sonho so usadas para determinar a forma mel6- dca em varios niveis no espaco e no tempo. Face fractais rtmicos, nos quals {itm conjunto de dura relacionadas com um motivo sto distendidas ¢ com primidas e, talvez, dispostas sob forma de camacas, uma em cima da outa. Fago fractals de sonoridade, nos quais a intensidade caracterstica de um som sua forma envolvente, é encontrada em vérias escalas de tempo. Fago fractals até com a forma de uma pega, sua instrumentagic, densidade, amplitude € as sin pordiante, Aqui, separel os pardmetros da misica, mas nas pegas de wer gem uma classe diferente de fractais, canada ote, sigolicando que a alteragio dee ‘corte com mals rpidez no sentido orizonta do que no vertical, in feactais mais genéscos 8 partes podem se sstematicamentetorcis, gaa ou transforma dealguma otra manele Unsalo pletorico: Uma yateria fractals 129 coe un oun un ou vee hu oa a hon “Posirade Cantor. tte um dos ractas mals anges cuonomeéoriundo de Geog Canto, uavalero do slo KIX que maou de manearadicalamaela como os matemiticos er ‘aewantonconeetos deininitie, cogjuntose mllsouta sistent considers dis inguestonaves. A Petia de Cantor 6m epresentante tipo dese aradonos,Comegt ‘omouialina sists continsd unidimensional apesento-aag como uma ares ‘pest-masiso¢apenas para possiblita quezealment ja sta Seugerador eamesma nha, deni otegointermedi, er: contin sibtuind linhas cada vez mascara por rer ‘es cada ver mas porsos O resto, cso Se prosga Indefinitmente, € de todo inexpesado ‘Nto ota nem um pedagodeinha wae Nena tga, To que esta uma sucesso de “pontsessagaos de maneica nega: Chany es process decal inspiado na mane acer, no ite nepal os rumos de coal pease sep do v0, arcsec tata tp Sena re ‘gh, rants Saturo 80 um conjuntodequasesiteulosconctntrco cfanove gue ptt “ea passage ca ae soa, So expos de marcaieguay como se vee sido asp "tiple ois de Canto, semana dem pee querado formas eto “errno wo nce do panes exando poet dspaconasannuasrsultantes, Na Ter 5 sqsadoren descr quo xpos Ou “nresdes da” deer algunas casos embra a Peta de Canto, 130 Mercados Financeiros Fora de Controle tt < (Curva de Keck, Em 1905, 0 matemstien sueco Helge von Koch descreveu uma construgao 4 lembrava um loco de neve, com bordasrecortadase formas simetrcas. Como na caso da expinsh, sua intengao fot desaflar as nogoes matemsticas Poeta de Cantor ed Trngulo de fundamentals: Seu perfil 6 realmente monstrvoso: continuo, mas de comprimento infsit, em nenium ponto dese comprimento ‘nose podia tragaruma linha que ihe fosse tang Infinito, Ess forma de anarqula matemdtica aborecia muitos de seus conterporéncos, que ‘nda buscavam os ideals de Laplace de continuidade e ordem, Um matemstico francis, Chat Jes Hermite, retertu-se, em 1893, a “afasar-se com miedo e horror dessa praga lamentavel de fungoes sem derivadas ‘A-cuva de Koch correspondea um tergo do floco de neve. Comoa Poeira de Cantor, comega ‘om uma linha rta ~aqul mostrada como o lado hozteontal do tridnguilo do alto. Poem, er vez de destrutro tergointermediio, vamos puxd-o paca formar uma tends intermedtaria so brea secto do melo. Assim, o erador de Koch €uma linha quebrada compenta de vétlos inter alos: 0 fractal ¢formado com base na regra simples de substitu cada uma das inhaseada vez malscurtas por versoes cada ver menores do gerador de tena, Lm breve, emerge um paradox. (Cada iteragio acrescenta mas tendas, convertendo sea nha reacusta en tritha acidentad onga do ques original. ta cade vex mals ma roporcaa de quatrotergos:O comprimento da curva mer Ensaio pict6rico: Uma galeria fractals 131 Dimenshe fractal Un dosconccos ma spatnos da geome siento p taro pat medica hrpalade de um oj ot de um conju de inomagtes Eso fantezadorcom dimension deums nha ntaoucomasduesdinencestor gn mus que ta ua cierto nine a cast bier a Curva Koch acimaetentemedr se comprimerto. Comes com una gu com "ayuda oie; os, ainatengunrqueseenanadentodhcuva aopereion "Psion Como la abe cutive. nto, mina eas pts no eo "waiter Como sa agorentaem tas rentinds du eut nadese oer | etc proporso equates Posi no proceso etindo agus ceed tn 4 ‘Bada estég'o, novo comprimento ¢ multipicado pelo mesma indice: 4 para. Adimensio frac. “aledsiniacomos propre dologartma deqetepraologurtno vet Unione els dorado 2618 fea dnenio fal -eehinulvnentelasennes a sins asim, spa maissf0 do gue un lah ia unidimensional eos Prenche completamente in plano badness 132, Mercados Financetros Fora de Controle (Gurvas fractals aleat6rlas.At6 aqui, todos s fractals dessa galeria foam regulars, on sea, ‘quando se conhece rer 38 construgbes sto exatamente repetivels eos resulados,previstets ‘Porém tals construgoes no passam de aperitivos, que gosto de denominar desenos. Oact ‘0 de um elemento alestrio complica 0 jogo ecomeea a produairestruturas que parecem mals ‘olsas da natureza do que do homer. ‘Odiagranua de cima é novamente, a Curva de Koch, a qual se acresceuo 2aso, Comes com ‘os estos inciadones ¢geradone,apresetados antes; porém, enquantoo protétipo da Curva ‘de Koch apict os geradores cada vez menores exatamente da mesma maneirajem cada etapa st ‘cessiva, aqui langamos uma moeda acada paso e conforme o resultado, inerimos a tenda de ‘abesa para cia ou de cabega para baxo, 0 resultado émats irregular e ll demaneisa mals tural. Cometelto, omega fear mais porecido com o rocorte de um ioral. dagrama dba, {que usa um process fractal mais complexo, elaporado por computador, comega a pasece UP preenadentemente real ~ como se baseado num rotelro de entrees, ‘Emaio pictérico: Uma galeria fractals 133 alo plctOrico: Uma galeria fractais 135 Fractals no mundo fisico, Nuvensaglomerados. Com a incluso de procesos leat, ‘almente comegamosa vera mio danaturez.O dgrama decimaé trabalho de um computa or para tustrar o principio. Representa um céu nublado completamente artificial, © diagrams Aebsixo mostra o rescimento fractal a partir do uma “semente” regular no cento, A medida ‘queum process facta aleatorio adiciona-Ine particulas, pass a paso, estrturas em forma de ‘avinhase galhoe surgem aos poucos, park gerar uma estrutura denominada DLA ~ dius: r-lmted aerate, ou ngregad de ditusto imitads tm dos obetos malstascinantes, ubiquos ios i sea estatsic. 136 Mercados Financeiros Fora de Controle Fractals perto de casa. 0 desenho fractal decima foi elaborado por computador ews come Berador wna esata regular de formas de galhos. debalxo (Weibel 1963) €0seu prot Po natural 8 complexaramifeasto dos brOnquis dento dos pulmies humnanos, Nodesenvel Pimento ft! 05 pulmoes formam-s paso pass, Os bos bronquilsamifcame, Bes 10 os ramos, porsua vez ramifieam-se de novo. Kasim por dante, até chega-se a cerca de vinke ives deramificts40, de grandes tubos, no nicio,a outros multo pequenos, no final, de acon ‘om estudosanatOmicos, Resultado: uma espns fractal de ecko pulmonar, compost de las esplatlasconvotutas ramificada, que fornese oxigénio a milhoes de minscutos veces fm volumes ¢ velocidades na medida exaa das nacessidaces do organismo, Ensalo pict6rico: Uma galeria fractals 137 Fractais na socledade, Economia, antropologa historia musteolots, arqulteturealistade ‘léneas sits ede humanidadesem quese encontraram fnctis realmente vast. A fotograia {0 dlagrama queaacompanka sto um exemplo de assentamentos Bail no sul da Zambia, Ape: Sentam vias aéreos de uma lel, Trata-se de um cercadopera conte ogado;mas ¢formado por Aheitagbes, lado alado,em forma de um ane. Quanto malosforahgbitagao, mals importante ea fami, ate chegar-seao centeo, ondese situa acasadachete Finaimente, dentro decads hab | $0, encontra-se um atar domestic. A aldela € uma hleaiqula fractal 138 Mereados Financeiros Fora de Controle ‘Caos. 0 Conjunto de Mandelbrot. Paraconciulresteensal pete, 0 iltimo exemplo tale matematicaa que meus colgas dram omeu nome. Dele ‘quea descobri, mais de duas décadas tris, ela converteu seem modelo de estudosfractalsetem ‘sido reproduaida em milndes de camisetas, gravure, capas de Lvs e protetores de ela de PCS Osteitores que estverem interessados em explicaoes mals detalhadas pede consular meu ra recente, Mandelbrot 2004a, (© Conjunto de Mandelbrot tlustra as profun {do caos. Fle uso um loop de feedback extremameete simples para produtir uma espantosa varie dade ecomplexidade de resultados. A medida quese examina mais de perto qualquer parte del ‘como por meio deum mieroscdpio,o padrio ndofica mals simples, como normalmenteseiade ies conexoes entra eometia fractal ea teotla esperar. “0s fractals genuinos" mantém a mesm: complenidade em todos os nivel de aprox isco, Mas a complexidade do Conjunto de Mandelbrot aumenta sem qualquet Its. S00 ‘misturaestonteante de simpllldade e complexidieconverteu-o em Everest materi, e008 ‘matematleos que no chegaram ao pico, mas sutiram meio alt em algunas de suas eneosta ganar seus trabathos, Feds Medals chamadas is veges de cquivaientes matematicos do Primo Nob pot Carituto VIII O mistério do algodao OS MOMENTOS DE DESCOBERTA ~ oy instantes de “heureca”, quando ‘um cientista pula da banheira, com uma nova lei de fisica nitida em sua cabe- ‘ga~ so raros. Com mais freqiiéncia, a descoberta é um caminho longo e tor “tuoso, sinalizado mais por perguntas do que por respostas. Decerto, minhas __principais descobertas quase sempre comegaram com um mistério~e, nessa "categoria, um-enigma de um tipo especial: como que um impasse entre algu- "ma teoria tradicional da ciéncia ¢ novos dados que a questionam, Assim e -com uum dos mistérios centrais em finangas. ‘em 1961. Eu estava trabalhando havia alguns anos no principal la- oda IBM, as margens do rio Hudson, em Nova York, nas proximi- / Manhattan. Era um lugar surpreendente para um cientista de pes- pura. A empresa transformara-se de fabricante de méquinas de calcu- ‘em pioneira no desenvolvimento de computadores eletréni- ‘aumentara o staff de um grande laboratorio, nete incluin- 140. Mercados Financetros Fora de Contro sando pobres, entre super-ricos e mul dade de alguns economistas do mundo exterior; tanto que um dia fui con, vidado para dar uma palestra em Harvard. Cheguet lé e deparei com uma surpresa. Na sala de meu antitrito, Po. fessor Hendrik S. Houthakker, vi um diagrama em seu quadro-negro, Tinha uma forma convexa peculiar - uma espécie de "U" virado, para abrir & dire). ta, em vez de em cima, Era quase a mesma forma de um diagrama sobre dis. tribuigao de renda que eu iria desenhar durante minha palestra. Por que ‘cargas d'agua algo tao parecido com meu diagrama estava em seu qua- dro-negro, perguntei. Ele olhou para mim com uma expressao de perplexidade. “© que voce esta dizendo? Nao tenho idéia do que vocé falara em sua palestra.” O dia. grama dele ndo era sobre renda, mas sobre precos do algodao. Ele estivera trabalhando com um aluno antes de minha chegada; ¢ a lousa ainda nao. havia sido apagada. Bem, lé estava um enigma que me absorveu. Por que sera que um dia- grama sobre a maneira como os ricos e pobres se distribuem pela sociedade pareceria tao igual a outro sobre as altas e baixas do preco do algodio? Seri ‘que aquilo era mera coincidéncia? Aquela estranha convexidade impressio- ‘nou-me, pois talvez estivesse relacionada com distribuigoes pela lei de po- téncia. Seria aquilo a revelacdo de alguma ligacao mais profunda entre as -duas ~ alguma velha verdade a espreita, atras dos grificos? Houthakker, ‘constatei, vinha estudando os precos do algodao durante algun tempo, ‘chegando a lugar nenhum. Naquela época, os economistas da corrente do- minante haviam redescoberto a hipétese de Bachelier sobre come os pregos -variam como que na base do cara ou coroa. Estavam comegandoa analisat registros de precos, & procura de provas. Naquele tempo, era dificil encon- _trarIongas listas de pregos de commodities ou de titulos mobilidrios; 0 alg dao era excegao. J havia mais de um século, a Bolsa de Algodao de Nove ‘York (New York Cotton Exchange) vinha mantendo registros didrios dos Precos, 4 medida que aquela mercadoria vital movimentava-se das plant ‘s6es do Velho Sul para as usinas sombrias do Norte industrial. Praticament® todo 0 comércio interestadual estava centralizado numa inica bolss mercadorias. Era um enorme mercado que dava liquides as transagoes, OM amplos recursos para a efetivacio dos registros, Tals dados de pregos eS € centralizados deveriam ter sido 0 sonho dos economistas. Port PS renda se distribuia pela sociedade 4 proporgao entre reog »ricos. Meu trabalho despertara a curioy, istério do algodio 141 Houthakker, revelaram-se um pesadelo, Nao importa como manuseasse os infimeros, nfo conseguia ajusté-los ao modelo de Bachelier. As grandes altas. ebaixas eram muito freqiientes. E os indicadores convencionais do grau de varia¢do ~ a volatilidade, ou desvio padrao - também mudavam ao longo do tempo. Os precos de alguns anos eram estéveis; os de outros, turbulen- tos. Nenhuma desuas ferramentas estatisticas conseguia desvencilhé-lo da- ‘quele emaranhado. “para mim chega”, disse-me, “Fiz tudo que pude para interpretar esses precos do algodao. Tentei medir a volatilidade. Ela muda o tempo tudo. "Tudo varia, Nada é constante. £ uma confusio da pior espécie." Logo chega- ‘mos a um acordo. Eu assumiria 0s pregos do algodao; ele entregou-me cai- ‘xas de papelio cheias de cartes perfurados, para os quais transferira os pre- (Gos. Se eu fosse capaz de entendé-los, boa sorte. Devolta a Nova York comas caixas de Houthakker, pedi ao centro de com- putacdo da IBM que me desse um programador. Aproveitaria a pista visual da- guile quadro-negro em Harvard. Um programa de computador analisaria os Tegistros sobre os precos do algodao, como ja fizera com os registros sobre a renda: quantos saltos de precos grandes, quantos pequenos; quantas altas ren- das, quantas baixas. Enquanto esperava os resultados ~ uma longa espera, em face de minha situagao pouco privilegiada na lsta de prioridades do centro de ‘computacéio~ peguei o trem suburbano para Manhattan, onde entao se lo« zava © National Bureau of Economic Research. Em sua biblioteca, encontrei ‘muitos livros, cobertos de poeira e chelos de quadros com dados financeiros — {um tesouro em 1961, embora pouco valioso em comparagio com os padrées ‘de hoje, apinhados de dados. Depois, precisei de mais dados sobre o os pregos ‘do algodao e escrevi para o Departamento de Agricultura, em Washington. ‘assim reuni todos as dados disponiveis. Construi uma enciclopédia, com os ‘precos didrios, semanais, mensais ¢ anuais do algodao, durante mais de um sé ‘culo, E os computadores ajudaram a procurar as padroes. " Oqueencontraram foi extraordindrio-com efeito, oensaio de 1963, ‘descrevendo meu trabalho, “The variation of certain speculative prices”, ‘tornou-se um dos mais citados na literatura sobre economia, Na época, ‘Berou grande controvérsia, Ele descrevetr minha teorla sobre os dois pri- ‘aspectos funndamentais do comportamento dos precos; como ve- pesquisas posteriores acrescentaram novas perspectivas. Porém, sinuosa pela qual cheguet a essas descobertas tornou-se, cla mes- da hist6ria das financas fractais. axis! 142 Mereados Financeiros Fora de Controle A solustio do mistério do algodao exigia oentrelagamento de pelo mengy tresamplas linhas de pensamento - sobre leis de potencla, sobre a distribuigay ddarenda pessoal e sobre um tépico entao esotérico do que parecia um univer, s0 totalmente diferente, a matemética das distribuigdes estévels. Como vere, ‘mos nos préximos capitulos, uma segunda charada, sobre as enchentes do rig. Nilo, levaram a uma descoberta sobre outro aspecto fundamental em finan. ‘a8. E, depois de uma primeira tentativa, em 1972, finalmente, em fins da dé. cada de 1990, reuni todas essas varias pistas numa solugao abrangente para g mistério da teoria financeira. Porém, como todasas boas histérias de detetive, esta comeca com a pis ‘ta mais insignificante, ignorada pela maioria dos estudiosos. Com efeito, até ja havia sido descartada ~ muito literalmente. Pista numero 1: De repente, uma lei de poténcia Em 1950, eu era um jovem aluno de matemética, em busca de um bom tema para minha tese na Universidade de Paris. Meu tio, Szolem, era 0 mo- delo local de professor de matematica: muito teérico, profundamente con- servador e—embora tivessenascido na Poldnia—um dos pilares do establish= mentacadémico francés. Fora cleito para 0 professorado pleno no prestigio- so College de France, com a idade precoce de 39 anos. Era.a época do Bourbaki, um “clube” matematico que, como 0 dadais- ‘mo, nas artes, ou 0 existencialismo, na literatura, difundira-se da Franca Para o mundo, tornando-se, durante algum tempo, de enorme influéncia Rocendrio global. Adorava a abstracdo e a matematica, por amora mate mética; zombava do pragmatismo, das aplicagdes ou da matematica ‘como ferramenta da ciéncia. Era o dogma damatemitica francesa, ¢at® 240 por que acabel deixando Paris para trabalhar na IBM. Fu era um jo vem rebelde~ para grande consternagao de meu tio. Enquanto trabalha- ‘vaem minha tese de doutorado, freqtientemente passava por sua sala, 00 fim do dia, para um bate-papo; que quase sempre degenerava em debate ‘Um dia, ante a perspectiva de uma longa ¢ mondtona viagem de mett Para casa, perguntei-the o que me sugeriria como leitura durante o tale to: He vascuthou a cesta de papéis e tirou de li um impresso que havi 0 gado fora, ‘O mistério do algodao 143, “Isso € para voc®. O tipo de tolice de que vocé gosta”, disse. Era a resenha de um livro, escrita por um “tipo” académico, George Kingsley Zipf. Independente e rico, era lente universitirio em Harvard, numa drea inventada por ele mesmo, que chamava de ecologia humana es- tatistica. Seu livto, Human Behavior and the Principle of Least Effort, encarava as eis de potencia como padrao onipresente nas ciéncias sociais. Essas leis, cde poténcia so comuns em fisica e representam uma forma do que agora ‘chamo de mudanga de escala fractal (fractal scaling). Os sismélogos tem ‘uma formula matematica segundo a qual o néimero de terremotos varia por uma lei de poténcia coma intensidade, na famosa escala Richter. Em outros termos: 0s pequents tremores so comuns, ao passo que os grandes sao ra- ros, existindo uma formula exata que relaciona intensidade com freqilén- cia. Mas, naquela época, apenas uns poucos exemplos eram conhecidos ~ ‘por muito pouca gente. Zipf, um enciclopedista obcecado por uma idée fixe, alegava que as leis de poténcia nao ocorrem apenas em ciéncias fisicas, mas também sdo a regra em todas as formas de comportamento humano, orga- nizacdo e anatomia - até no tamanho dos érgdos sexuais. Felizmente, a resenha que eu recebera de meu tio limitava-se a. um exemplo de complexidade anormal: as freqiténcias das palavras. Nos tex tos ou discursos, algumas palavras, como “o” ou “este” ocorrem com fre- qiiéncia, ao passo que outras, como “mil réis” ou “increpacdo”, aparecem. Jaramente ou nunca (para matat a curiosidade, a primeira é uma velha moeda portuguesa, a segunda € sindnimo de censura, reprimenda). Eis © jogo de Zipf: pegue um texto e conte quantas vezes cada palavra aparece nele. Em seguida, atribua um valor para cada palavra:-1 para a mais co- ‘mum, 2 para a segunda mais comum, e assim por diante. Finalmente, faga um grifico cujos pontos sto representados pela classificagao ¢ pela fre- qitencia de cada palavra. Dai surge um padréo surpreendente. A curva no ai,de maneira suave, da palavra mais comum para amenos comum, mer- gulha abruptamente, de inicio, e depois desce de modo mais brando = como 0 perfil do salto de um esquiador no espaco, que atertissa e desliza pela encosta menos inclinada abaixo. Este € um padrao cléssico de mu: danga de escala. Zipf, analisando seus gréficos ¢ ajustando uma curva aos dados, concebeu uma formula para esse propésito. hu estava fascinado, Ao fim da longa viagem de metro, tinha 0 tema ‘Para a metade da minha tese de doutorado: sabia exatamente como ampliat ‘Amatemitica por tris das freqiiéncias das palavras, de maneira desconheci- 144 Mercados Financeiros Fora de Controle da por Zipf, que nao era matematico. Nos meses seguintes, 0 que descobri foi surpreendente, Brincando com a equacdo, era possivel construir pode. rosa ferramenta de mensuragdo em ci is. O desenvolvimento da formula de Zipf permitia que se quantificasse a riqueza do vocabulério de alguém ~ dando-Ihe uma avaliagao numérica: nota alta, vocabulatio rico; nota baixa, yocabuldrio pobre. Ela também era cepaz de medir diferencas entre textos ¢ entre falantes, Podia captara erudicao por meio de um néme- 10. Noentanto, 0s amigos ¢ os orlentadores ficaram espantados com minha determinagao em prosseguir nessa estranha trilha. Zipf era um excénttico, disseram-me. Mostraram-me seu livro: horrivel. A contagem de palavras nilo era matemética de verdade. Com aquilo, nunca conseguiria um bom emprego, ¢ no seria facil para a docencia, Mas eu nao estava em busca de orientadores. Na verdade, escrevia tese sem orientador, e convenci um dosburocratas da universidade a carimbé-la ‘quando a concluf, Eu estava disposto a seguira trilha até o final—ea leitura de Zipf desembocava na economia. Nao era apenas dic¢ao que poderia ser reduzida lei de poténcia, Ser rico ou ser pobre, prosperar ou definhar tam- bém eram passiveis de sua forte influéncia. Pista ntimero 2: As primeiras leis de poténcia em economia Viltredo Pareto fol um industrial, economista ¢ sociélogo italiano, com uma carteiraturbulenta e uma visio um tanto biliosa do empreendimento humano. Nasceu em 1848, em Pari, foi educaclo em Turim e, depois de sofrer ‘enormes perdas especulando na bolsa de metais deLondres, foi forgadoa de- iitir-se de seu cargo de diretor de uma empresa metalirgica italiana, Sua pr mela esposa fol uma condessa russa, que o abandonou por um criado mals jovem. Paretonio.comesou a rabalhar com seriedzde em economiaantes de cchegar 8 metade da casa dos quarenta anos, mas Icgo se sobressait1e se estar Delecetem Lausanne, Suiga, como professor e acaémico. Iniciow sua cartel ra como liberal ardente, superando os mals fervoresos liberals ingleses, com seus ataques a qualquer forma de intervencao governamental no livre met- cado; terminou, se nao como crente, pelo menos como estudioso dosocialls ‘mo. Morreut em 1923, em meio a uma profusao de gatos que ele e sua amante francesa mantinham em sua vila perto de Genebra: as leis locais: sobre vor: © mistério do algodio 145 ¢io— ele ainda estava atado oficialmente sua fogosa condessa ~ evitaram que se casasse até poucos meses antes de sua morte. Seu legaclo como econo- mista foi enorme. Em parte por causa de suas contribuigdes, a rea deixou de serum simples tamo da filosofia social, conforme praticaca por Adam Smith, ppara tornar-se campo intensivo em dados da pesquisa cientifica ¢ das equa- (ges matematicas. Seus livros se parecem mais coma economia moderna do que amaioria de outros textos da época: quadros estaisticos de todo © muri- do ede diferentes épocas,fileiras de sinais e equagées integrals, tabelas e grd- ficos complexos, Uma de suas equagdes alcancou especial destaque e provocou acirrada controvérsia, Ele era fascinado pelos problemas de poder e riqueza. Como Conquisté-los? Como se distribuem pela sociedade? De que maneira quem 6s tem os utiliza? O abismo entre ricos e pobres sempre foi parte da condi- io humana, mas Pareto decidiu medi-lo, Reuntu resmas de dados sobre ri queza € renda em varios séculos e em diversos paites: 0s arquivos sobre tri- butos, em Basiléia, Suica, de 1454; de Augsburgo, Alemanha, de 1471, 1498 € 1512; dados contemporaneos sobre renda de aluguel, em Paris; e renda pessoal da Inglaterra, Priissia, Sax6nia, Ilanda, Itlia ¢ Peru. O que ele des- cobrits—ou achou que tinha descoberto — foi impressionante. Ao plotar os dados em papel de grafico, com o nivel de renda num eixo ¢ 0 nximero de ‘pessoas com tal faixa de renda no outro, viua mesma imagem em quase to- ddos os lugares, em todas as épocas. A sociedade nio era uma “piramide so- cial”, coma proporcao de ricos e pobres formando uma inclinagao suave de ‘uma classe para a seguinte; era mais uma "seta social”, muito larga na base, onde se espalhava a grande massa da populacdo, ¢ muito estreita no topo, onde se concentrava a elite afluente, Tampouco essa situacdo decorria do ‘acaso; 0s dados nem de longese ajustavam a uma curva normal, como seria "de esperar, se a distribuicao de riqueza fosse aleatéria. f, uma let social, es- ereveu: algo “na natureza do homem”. "Esse algo, embora expresso por melo de uma equagaio concisa, " cAvel e darwiniano, na visio de Pareto. Bem na base larga da curva da rique- ‘a, escrevets, homens e mulheres passam fome e ctiangas morrem cedo. No _amplo meio da curva ido 6 tumuito e movimento: pessons subindo e des \do, algumas se erguendo por talento ou sorte coutras tombando poral. solismo, tuberculose e outras inaptiddes. Bem no topo estreito, assenta-se da elite, que controla a riqueza e o poder durante algum tempo, até desalojaca pela nova aristocracia, por meio de revolugdes ¢ outras con- impla- 146 Mercados Financeltos Fora de Contre vulsoes sociais, Nao ha progresso na historia humana, A democracia € uma fraude, A natureza humana ¢ primitiva, emocional einflexivel. Os maisin teligentes, capazes, fortes e astutos ficam com a parte do led, Os mais fra- ‘cos morrem de fome, para que a sociedade nao degenere: Pode-se “compa raro corpo social com 0 corpo humano”, escreveu ele, “que perecerd rapi- damente se nio eliminaras toxinas”. Palavras inflamadas —que queimaram, a reputagio de Pareto. Por ocasido desva morte, em 1923, 0s fascistas italia ‘nos o beatificavam, enquanto os republicanos demonizavam. O fil6sofo inglés Karl Popper tachou-o de “te6rico do totalitarismo”, ‘Quando ouvi falar dele, boa parte do fogo do debate jé se apagara. A maioria dos economistas adotou de bom grado suas teorias pioneiras so- bre outros t6picos, como equilibrio econdmico. Mas omitiram discreta- mente os aspectos detestiveis de sua curva de renda, Quanto a mim ~que ‘nem mesmo estudara economia até cs 30 anos ~ a f6rmula de Pareto era uma maravilha. Ble agrupou as pessoas conforme < renda, contou quantas estavam em ‘cada categoria ¢ plotou os resultados. Um fato titil sobre os dados que so- bem de acordo com uma lei de poténcia: em papel escolhido adequada- ‘mente, formam um padrio inconfundivel. Comece com algum papel para _gtificos de engenharia, do tipo que tem medidas logaritmicas de cada lado; ousseja, em-ver de numeraras escalas dos eixos como 1, 2, 3.0114, designe-as de I, 10, 100 e 1000 uniciades, em poténcias de dez. Em papel como esse, 05 dados ascendentes formarao uma linha reta inclinada; o que nao ocorre com outros dados. Vocé pode fazera experiencia. Consiga uma fotha de pa- pel (disponivel na Web, para quem naoa tem deimediato), e ploteaareade diferentes azulejos quadrados para banheiro. Chame o eixo horizontal de comprimento de cada azulejo ¢ 0 eixovertical de area. Entao plote: um azt- Jejo com 0 comprimento de duas polegadas tem area de 4 polegadas qua- ‘dradas, um azulejo com comprimente de trés polegadas tem dea de 9 pole gadas quadradas, ¢ assim por diante. Emerge dai uma linha reta, erguen= do-se da esquerda para a direita, Qual ¢a velocidade de ascenstio? Mega ail clinagao, Fla sobe duas unidades, para cada unidade lateral, Inclinagao: 2. Coincidéncia interessante: 2.¢ também o valor do expoente a que se eleva @ comprimento para conseguir a area, Em resumo, a inclinagao da linha € também a “poténcia’ na lei de poténcia. © mesmo também se aplica a OU tras poténcias. Quando se enche um contéiner com caixas citbicas, 00! ‘me aumenta pela poténcia de 3 ¢ a inclinagdo sera ainda mais acentuada. Omistério do algodao 147 Quando se cria umn fio longo, alinhando flos mais curtos, ponta a ponta, a poténcia é um, ‘Obviamente, azulejos para banheiro, conteinerese fios geram leis ce po- téicia muito simples; outros dados mais complexos talvez produzam incli ages mais acentuadas ou menos acentuadas no papel. Qualquer que seja a inclinaco: se uma lei de potencia estiver em atuacio, aparecera algum tipo delinhareta, frum teste simples, infantil. Desenhe, veja e mega. O diagrama da pigina 148 mostra alguns exemplos. Euma linha reta foi exatamente o que Pareto encontrou, quando plo tou osniveis de renda eas respectivas quantidades de pessoas. Constatou-se aatuagao nitida de uma lei de poténcia, Na verdade, sua linha inclinava-se para baixo, em vez de para cima, pois.a poténcia era negativa, em vez de po- sitiva: E alfa, a designagao que Pareto atribuiu a inclinagao absoluta da I nha, foi 3/2, achowele. O que isso significa? Bem, quanto mais suave aincli- | Acurva de rend fs ioguana de Prt, de 90, obnecomo aque sete [7 Silouesocicade aman emaulaueépocaeu pa. Arend crecene encase ne | Syssteat apoputagio, na hort or economists modes audaram ts coonents). © “Rime de persons com renda crite asrivels me éreesetads ular vombrex A mss i bavelngda cua Ospoucospiegadosencpian sen topos a cya noxnal siti, ava ena asin, 148 Mercados Financelros Fora de Cortrole etna = | 1 z ya ee 8 oo Imagem de wma lel de poténcta crevente. asin gucfiea umeleide pottnea, comoa in 10), Aincliaco a linha é igual 3 poténca ma equagS. Por exomplo, area dos azuleos para nto aumenta como o quadrado(pottnc=2) do comprimento de cada lado dos ales. ‘Ovolume das casa aumenta como cubo (pntncls= 2) do lado, Eo comprlmento de uma i- nhagumenta em proporgo dies (potincia =|) como comprimento das iss maiscurtas reu- ‘das pont ponta, Coma geometniafracal poce-se ober uma variedade infinita de potencis iagramas cujsinclinajo ¢ mals acntuada ou menes acentuads ‘ago, mais uniforme é a dsteibuica de renda, No caso de Zipf, ele achava que o vocabulério humano era governado por uma lel de poténcia com incl nagio de 1: Com uma inclinagao tao brand, as pessoas, em média, usariam ppoucas palavras com muita freqiiénca, mas ainda assim teriam um vocabue lério total bastante rico, (Zipt, por acsso, deixou-se impressionar demais pot Ulysses, de James Joyce. A maioria dos livros apresenta inclinacao superior a 1-ouseja, tem vocabulério menos rco,) Com uma inclinagao de Pareto, alfa, de ~ 3/2, concentra-se muita tiqueza em muito poucas mos, Vejamos algumas situagdes especificas. Escolha um grupo de pessoas para estudar~digamos, todos que ganham mais do que o salério minim« {dos Estados Unidos, no valor de US$5, 15 por hora, ou US$$10.712 por an Agora, pergunte-se: Que porcentagem de pessoas ganha pelo menos 10 42 sso? De acordo com a formula de Pareto, a resposta deveria Set Omistério do algodao 149 ‘Agora, suba.nas classes endinheiradas: Que Proporcao daqueles com rendi- ‘mentos superiores ao salar v ae infnimo ganham mais de US$1,07 milhaio Resposta; 0/196. E mais uma vez: que proporgio ganha mais 2 ihe = Ipoes, mil vezes o-minimo? Resposta: 0,003% ~ um ntimero muito peque- no, realmente, Vejamos a coisa de outra maneira, sob as lentes do a os ‘mateméticos denominam probabilidade condicional, Esse é um termo ele- gante para um conceito objetivo: Dada uma condicio inicial, qual é a pro- babilidade de que ocorra determinado evento? As chances absolutas de tor- nar-se biliondrio so muito baixas; mas, de acordo coma formula de Pareto, aprobabilidade condicional de ganhar um bilhao de dé! ganhado meio bilhdo é a mesma de ganhar um milhdo depois de jé ter ga nhado meio milhao. O dinheiro atrai dinheiro, o poderatrai poder; injusto, mas verdadeiro ~ sob os pontos de vista social e matemético. lares depois de jé ter Conforme se constatou depois, os clculos de Pareto foram prejudi os pelas limitagdes de seus dads. Sua formula funciona apenas quando se otha para os muito ricos. Pareto também ficou em desvantagem em face de sua expectativa excessiva de encontrar uma lei universal, aplicével a todos ‘5 pafses & épocas. Da mesma maneira como Zipf achava que para a fre qiiéncia das palavras o alfa 6 sempre 1-0 que nao ¢ verdade — Pareto tam- ‘bém supunha que, em termos de renda, ocorria o mesmo em todas as situa- bes -o que tampouco é verdade. Na maioria dos.asos, ele subestimou alfa; parece estar mais perto de 2 do que 3/2, ou 1,5~significando que os milio- nérios so ainda mais raros do que ele supds. Porém, sua observacio basica quanto a uma relagao de lel de poténcia entre renda e populagio fol imagi- nosa. Em esséncia, €a constatagio de que, na sociedade, muito poucas pes- Soas sto incrivelmente ricas; poucas so muito ticas € a-vasta maioria é re- mediada ou pobre. © alfa na férmula de Pareto ¢ apenas uma maneira de quantificar 0 grau exato da desigualdade social, E possibilita algumas previsoes interessantes. Por exemplo, alg nomistas descobriram que a formula de Pareto € uma boa maneira de des- ‘crever os niveis de renda em determinadas profissdes~ por exemplo, a esca- lade rendimentos no setor elétrico, das suites executivas ao chiio das fab ‘e35.A partir dessa constataco, desenvolvi um modelo matematico sobre as taates por queas pessoas geralmente se especializam em uma profissdo, em ‘Vez de ficat pulando entre diferentes oficios. A explicagao é mero bom sen- 50, mas a matematica a confirma: se inyestirem na propria profissao ~ por ‘exemplo, se obtiverem um titulo de pés-graduacao ~ provavelmente sub! ns eco 150 Mercados Financeiros Fora de Controle to mais, em menos tempo, na curva de renda do setor. Contudo, s¢ muda rem de campo ou saltitarem entre muitas reas, tenderdo a ganhar menoxy {sso ajuda a explicar por que, quando surge um novo setor multidisciptinag como. e-business, 0s saldrios podem disparar: as novas empresas Precis oferecer remuneracdes absurdamente altas para induzir as pessoas @’assuy mir 0 risco e abandonar sua prépria curva de Pareto especializada Sob diferentes aspectos, leis de poténcia, como a de Pareto, mantfes- tam-se em toda a economia. Por exemplo, os daclos sugerem que o tamas nho das empresas num setor varia conforme uma escala. Quanto maior, numa proporgao que segue uma formula semelhan= mais rara éa empresa, te ade Pareto. Os tamanhos das cidades num pais também variam confor: me uma escala, de metr6pole a aldeia. Nas seguradoras, os avisos de sinis: tro constituem um exemplo especialmente adequado e bem aceito. Na Sug: ia, os avisos de sinistro referentes a incéndios em casas sdo coligidos por uma agéncia atuarial do governo. Descobriu-se que a probabilidade de qualquer sinistro de determinado tamanho varia de maneira muito pareci- dacoma renda~exceto que, em seguros,o alfa para a maioria das casas €de ‘ou menos ¥, Isso significa que grandes avisos de sinistro so mais ¢o- muns do que grandes milionérios. Essa inclinagdo suave indica uma reali- dade mais dura. No caso de Pareto, apenas 0,003% das pessoas tinha, renda_ superior a 1,000 vezes 0 salério minimo. Porém, no caso de incéndios do- mésticos, na Suécia, danos acima de 1,000 vezes o limite de dedugo comes: pondiam a 3,2% de todos os sinistros. Para uma seguradora, essando uma Giferenca trivial; ajuda a mostrar importancia do expoente, alfa. Poruma_ questdo de necessidade, as seguradoras esto muito familiarizadas com as leis de poténcia; negé-las criaria um risco adicional, totalmente desni rio. Mesma formula, diferentes resultados, por causa de uma mudanga ni pardmetros. f tudo de uma versatilidade ext:aordindri Pista naimero 3: As leis da probabilidade “excepcional” A Gltima pista no mistério do algodao remonta, de novo, a meus tempo ‘estudante, Depois da guerra, eu estava na Ecole Polytechnique, u “vy League da Franca, as Grandes Ecoles, Um de meus professores er Lévy, matemético bem conhecido, o mesmo homem que desemps involuntariamente, papel to decisivo na vida de Bachelicr © mistério do algodiio 154 Lévy era dono de uma fortuna pessoal que Ihe Sarantia independencia, descendente de um comerciante judeu e de uma fa initia de académicos, Para ‘salunos que sesentavam nos fundos da sala de aula~como eu ~ se inaudivel, ¢ sua aparéncia longilinea, grisalha e bem culdada vase de maneira curiosa ao aspecto peculiar do longo “?" ele era qua- assemelha. ,simbolo de inte- gracdo, queescrevia no quadro-negro, Ele era um desajustado, como eu me: mo viria.a tornar-me: membro de nenhum clube, movimento ou establishi- ‘ment, Embora seja hoje reconhecido como um dos maiores probabilistas, era, na época, amplamente ignorado por outros mateméticos franceses. Tal ocor. sla em parte por sua prépria culpa: ele era notoriamente relaxado em suas proyas documentais e em seus trabalhos cientificos, cometendo, por negli- gencla, erros que depois o atormentavam. Algumas cle suas idéias mais origi- ‘ais nunca foram publicadas; elas the pareciam, disse ele mais tarde, muito Obvias ~ embora outros que depararam com 0 mesmo conceito ¢ 0 divulga- fam receberam 0 devido reconhecimento, Ele dava cursos esporddicos na Universidade de Paris; mas tinham medo que, de alguma maneira, revolu- ionasse o currfculo convencional. Lembro-me de um desses cursos, ao fim do qual eu era o tinico ouvinte; podiamos sem nenhum inconveniente sair do audit6rio e ir para a sala dele, onde continuévamos a conversa. Em 1978, foj alvo de reconhecimento tardio, ao ser eleito para a Academie des Scien- es, da Franca, Mas sempre foi uma anomalia. Como meu professor, tempos depois, John yon Neumman disse-me: “Acho que compreendo a maneira como trabalham todos os outros matemiticos, mas Lévy mais parece um vi- sitante de outro planeta, lle dé a impressdo de ter seus proprios métodos pri- vados para chegar A verdade, o que me deixa pouco a vontade”, Lévy nao “chegou a” teorla da probabilidade até quase seus 40 anos, ‘quando the pediram, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, para profe- tirpalestras sobre erros de alvo em artilharia. Porém, ele logo estava desen- Yolvendo trabalhos originais, acomecar com o que—com grande infelicida- de-denominou distribuigdes de probabilidade “estaveis”. Entretanto, “es- avel” significa que se pode fazer qualquer coisa com um objeto ~ por exem- PIO, giri-lo, encolhé-lo ou acrescentar-lhe algum atributo — e suas proprie dades bésicas mantém-se inalteradas, Uma curva normal gaussiana é esté- ‘Yel nesse sentido. Por exemplo, a teoria dos erros assume que todo tipo de ‘£t10 de medicao traga uma curva normal. E ela ¢ estavel: ainda que se so- _ Mem 05 erros de medi¢ao orlundos de duas fontes independentes, 0 con~ _ lunto de dados combinados continuara tragando uma curva normal, E até 152 Mereados Hnanceiros Fora de Controle possivel quea média tenha mudado ou que o desvio padrao agora seja mats amplo, mas ela mantém a forma de um sino. Por mais estranho que parega, como Cauchy observou muito tempo atras, a mesma coisa acontece com 4 sua distribuigao, o arqueiro com os olhos vendados jé descrito neste livro, Caso se somem os escores do arqueiro de olhos vendados com, digamos, 05 de um canhoneito com olhos vendados, os dois conjuntos de dados reunie dos ainda se encaixarao na formula de Cauchy. Ela também 6 estavel, Com, efeito, ha toda uma familia de tais distribuicdes de probabilidade, Chas ‘mei-as de “L-estavel” (L-stable), em homenagem ~e depois em memoria = de Lévy. ‘© que distingue o membro de uma familia de outro éa importincia re- lativa das maiores medi¢des individuals, Lembre-se: caso se somem as estae turas de mil pessoas e se calcule a média, 0 acréscimo da estatura de mats ‘uma pessoa as mil anteriores nao alteraré muitoa média, No caso do arquiels 1o de olhos vendados, em contraste, o milésimo primeito tiro, se ficar mule to longe do alvo, pode alterar totalmente a média, A curva normal 6 igualis téria; todos os pontos de dados adicionam seu valorao todo, mas nenhunié capaz deimpor o resultado estatistico ao resto. Acurva ce Cauchy éiniquae ditatorial; os grandes pontos de dados podem dominar a multidao, Esses sio dois extremos;e Lévy os interligou por meiode todo um espectro de oue tros membros da familia. E todos podem ser expressos pela mesma f6rmula bsica. Apenas os detalhes ~ 0s pardmetros, em linguagem matemstica $40 diferentes. Quando se mexe com os parmettos, obtém-se curvas mais achatadas ou mais pontudas, tem-se malor ou menor quantidade de atipici= dades, que se deslocam para a direita ou para a esquerda, 8 medida que se mudam as médias, e que so simétricas ou obliquas. O principal parametro alfa, a mesma variavel das formulas de Parete € de Zipf. Assim, muitas idéias aparentemente dispares redmem-se num conceito unificado. Fsse tipo de serendipidade, para um matemético, ¢ melhor do que ganhar na loteria no dia do aniversdrio. Obviamente, o interesse de Lévy por esse t6pico foi estritamente te6rico. Em suas primeitas andlises SO bre distribuicdes estavets, chamou-as de “excepcionais", Fle estava apenas — pegando o mesmo liame em matemética que comegara com os matematle os de mente pritica Gauss, Poisson e Cauchy e depois fora retomado em forma “depurada” por George Polya, por Kolmogorov ¢ pelo proprio Levy: a Este dltimo evitou aplicaces de qualquer espécie. Quando comecel a esti dar renda, ocorreu-me que esses jogos matematicos poderiam ser titeis: alfa O mistério do algodio 153 todos os outros detalhes da teoria da distribuicao estével talvez propor nassem ferramentas de fato titei Eat Para a andlise do mundo real, Tal suposi- so realmente revelou-se verdadeira, conforme demonstrei em salos sobre a distribuicao da renda pessoal. Mas de inicio foi dificil conse. guir aceitacdo para o meu trabalho - por cientistas com mente prética ou te6ricay Os pesquisadores praticos ccnsideraram formidavel a matematica das distribuigoes L-estavel ~ sobretudo a maneita como nao apresentam comportamento “adequado”, pois sua variancia nao é facilmente definida; lembre-se da dificuldade para calcular o escore de nosso arqueiro com os olhas vendados. J4 os cientistas teéricos simplesmente nao demonstraram interesse. Quando, mais tarde, contei a Levy como eu desenvolvera suas idéias eas aplicara a economia, ele ficou espantado e, talvez, aborrecido, Na opiniao dele, os “verdadeiros” matematicos simplesmente nao faziam essas coisas prosaicas, como estudlar distribuigdo de renda ou precos do algodao. frios en- O caso do algodao: basicamente fechado Portanto, trés pistas: leis de potéincia, distribuigio de renda e matematica das excepcionais distribuigbes de probabilidade estavels. A primeira é uma ma- neira geral de ver 0 mundo; a outra, um exemplo pritico dessa perspectiva em economia; eo Ultimo, um conjunto de consideracdes matemiticas que ninguém julgava titeis. Como tudo isso se reunlu no mistério do algodao? ‘O centro de computacdo da IBM srocessou os milhares de pregos de al- godio, como eu pedira: Logo se confirmou a visio de Houthakker: as mu- dangas de precos dlarias, semanals, mensais e anuais ndo se comportavam ‘como presumia 0 modelo de Bachelier. A variancia comportava-se mal. Cada vez que eu adicionava uma nova mudanga de prego ao conjunto de Gados, minha estimativa da variancia mudava. Fla nunca se fixou em um Témero simples por exemplo, volatilidade de 1%, Em ver disso, oscilou de maneira errdtica de 0,4% a 3%, diferenca de quase dez vezes. Isso era surpre- _ endente, consideranclo que a qualidade dos dados em si nao podia ser ques- _ tionada, Alem disso, a quanitidade excessiva de grandes saltos de pregosnio _ Permitia que se encaixassem na curva normal, _ isso era realmente um problema. Presumi que, sem diivida, uma lei de _oténciaestava em atuagdo ~exatamente como no caso das frequencis ce Palavras de Zipfe da curva de rence de Pareto, O tamanho das variagoes de oscilava da mesma manelra. Fncontra-se grancle quantidade de pe- 154 Mercados Financeiros Fora de Controle quenos movimentos de pregos no mesmo mercado de algodao, 20m poy, cos saltos enormes; vé-se nos diciondrios grande quantidade de palavras yg, ras, com um pequeno néimero de palavras comuns; vastas legioes de pobres coexistem no mundo com poucos plutocratas privilegiados. Desigual, Injusto, talvez. Porém, ainda assim, inquestionavel. Isso era parte de minha hipétese. Como testé-la? Bem, se eu estivesse certo, eu deveria ser capaz cle encontrar determinado valor de alfa que go. verna a curva do prego do algodao ~ da mesma maneira como Pareto achava que tinha descoberto um alfa de 3/2 paraa renda, Assim, segui ap stade Pa: reto, desenhando em papel log-log um diagrama para os precos doalgodao, Oresultado, finalmente, foi satisfatério. Todos 0s tipos de dados que consi derei sobre os precos do algodao formavam uma linha reta, Juntos, produzi« ram o diagramaa seguir, das “fileiras de algodao”. Os encaixes na iinhanao sdo exatos; em estatistica, nada é, Porém, superpondo-se uma régua ds li scala deo vaviagdes regatvs 6 logariro do prego Lon =o 4 4 & raguencia da cauda or 01 a 4 1 eseaa do abc < vavtapoes postin do lgarme do proqo sa ‘leis de tye, ete msi via os dads mdm ae pane Top gee nger-do to de on cetistntnen neta a ator ia Ineo de man Seen eae ne ose sc om pseocompeas xno de maobncae eer nea tote nerdlgto nn ssn han fio une wepatnent tenga postions tages ea stse aceasta Asta pooner 8 epncavinnerdrhdee hecures encemanences ee finalicnoachinetitbas rouge pet a eam ear ete pottnca nda mats unde uma cstrbarae rane 8 ‘© mistério do algodao 155 has, mede-se a inclinagto: ~ 1,7, 6 de subir; Por convengao, 0 alfa se Cauchy ou de Zipf teriam um alfa menor, de1; a de Pareto, 1,5; olucto de unt jogo de.cara ou coroa, 2, Portanto, a variacao dos Precos do algodao si- suaseemslgum ponto entrea renda de um trabalhadore ns ‘ganhos de um jogador: Decerto, ha algo de pottico nesse fato Tegativa porque a linha desce, em vez denominado 1,7. As distribuigoes de ser considerada. Quando se diz. que © prego por fardo calu USS1, qual a escala temporal que se tem em mente? Noeasoida curva de renda,o tempo era irrelevante; Pareto tirowum instan- taneo dasrendas anuais de um conjunto de indivi iduos, sem qualquer tipo *ROciaedo parao proximo. Porém, com Poderiamos edité-to para ver apenas um qua Yinte (um més de dias de negociacdo) ou a cada 250 (um ano $40). Agora, espera-se que o filme pareca diferentea cada edica #$ cenas forem as mesmas em cada ediciio? Essa foi minha i ausria? Decal veriticarse, por acaso,o filme parecia basicamente o mesmo as lids situagOes: Se assim fosse, em cada escala de tempo ver-se-ia a mes, dang Porshe entre grandes e pequenas mudaneas, as mesmas caudas gor. Gas, 4 mesma probabilidade de ocorter outra grande muclanca, Para tests Ssainvariancia, observe de novo o grafico do algodao. Os diferentes com. Juntos de cados apresentados sio, na verdade, manelras diferentes de pas. Sr 0 filme, As maneiras rotuladas de b* e b- mostram a variagao diria dos ey ne 19442 1958 (b" mostra aumentos de pregos; b>, as quedas de pre. $93). Os graficos rotulados de a*e a~mostram as, variacbes didrias de um pe- Hiodo anterior = 1900 a 1945. O terceito conjunto, ce ©, apresenta as mu- angas de precos mensais de 1988 a 1940, Todos tém a mesma aparéncia. Um més parece um dia; determinado “Conjunto de dias é semethante a outro, Com feito, numa primeira aborca- Bem, nao se pode dizer de pronto, sem os. rOtulos, qual € qual. Isso se encai- Be Meralco rassandod intersacanipcios norete reonnn, de minha mudanca para Nova York, comecei a conversar com os ‘onais de Walll Street, Tem uma coisa engracada, aqui, um deles me Jornais, todos os graficos de precos parecem iguais, ficlato que I uttos descem, Mas todos os dias, meses, ou anos, nao ha amesma facilidade, adro a cada de negocia- 10. Porém, ese idéia: « que eu 156 Mercados Financeiros Fora de Contre grande diferenca na aparéncia geral deles. Elimine as datas € os marcadores de pregos e voce nao consegue distingui-los, Todos ziguezagueiam da mes. “Ziguezaguear” nao é bem um termo cientifico ~€ até eu ter desenvolvi- do a geometria fractal, anos depots, nao se dispunha de uma manelra ade- quada para quantificar uma idéia tao vaga quanto ziguezague. Mas isso é exa- tamente o que vemos agora nos dados sobre algodao: um padrao fractal. Aqui, as mudangas de escala fractais para cima e para baixo nao estao incidin- do sobre uma forma—0s floriculos de uns brécolis ou as figuras de um trian gulo de Sierpinski; esto sendo aplicadas a um tipo diferente de padrao, ama- neira como os pregos variam. A propria esséncia das financas é fractal. E, assim, completa-se o circulo, Nao foi por coincidéncia que o grafico do algodao de Houthakker parecia 0 meu grifico de renda. A matemética era. a mesma, O desfecho ‘Como a maioria das entidades corporativas, os departamentos de econo- ‘mia gostam de manteras portas fechadas, Assim, minha pesquisa sobre al- odio causou muito frisson. Meu ensaio inicial sobre o assunto veio a luz em principios de 1962, ‘como uma primeira versio confusa, que eu produzias pressas, datilografan- do-a com dois dedos numa maquina de escrever portatil. Mas, por acaso, Houthakker precisava de um substituto de diltima hora para um colega de Harvard que entraria em licenca; pediu-me que lecionasse em seu lugar, ‘Meu esboco, com todos os seus defeitos e imperfeigdes, foi publicado rapi- damente, como relat6rio de pesquisa interno da IBM, O burburinho da aca- emia foi ruidoso, Quem é esse tal de Mandelbrot, cientista industrial fulie ‘ginoso, com um titulo em matematica aplicada, para questionar os mode- os complexos da elite econdmica? Mas a curiosidade era forte e contagiosa. ‘Numa parada em Chicago, conheci o economista Zvi Griliches (que depois se transferiu para Harvard), Ele estava organizando o programa de uma teu nido de inverno da Sociedade de Econometria, em Pittsburgh. Fui convida- do para dar uma palestra ¢ constituiu-se um grupo de trés para liderara dis: cussiio sobre os resultados do algodao, Entao, em fins de 1963, enquanto trabalhava em Harvard, recebi um telefonema da Sloan School, do MIT. © mistério do algodao 157, Gootnes economista daquela instituicao.e debutedor em P preparando um livro que seria chamado The Random fet Prices; deveria ser um compéndio sobre opinioes a ‘da matemética dos mercados, ittsburgh, estava ‘haracter of Stock Mar- icadémicas a respeito ‘outros artigos do livro eram cépias de fontes académicas adequadas, na , cas adlequadas, nao algo oriundo da publicagao interna de um fia de alguma maneira publicé-lo em out a empresa, Serd que eu consegui 0 Gry, dentro de certo prazo? Telefonel para todos os periddicos sobre economia. Alguns pediram para eu soletrar mew nome; outros perguntaram sobre o mets background Poucos me conheciam, mas disseram que o prazo era muito curto; os perié- dicos sobre economia sio conhecidos no mundo académico por ficarem cozinhando em fogo brando durante meses ouanos pesquisas publicévels, antes de as divulgarem a seu bel-prazer. Minhasorte virou com 0 fournal of Business, da Universidade de Chicago ~ que, ionicamente, tornarse-ia 0 abrigo dos mais ardentes defensores do modelo financeiro padto. Um dos editores, Merton Miller~que mais tarde ganhouo PrémioNobel-demorou al com uma proposta. Meu trabalho da IBM, disse el, jé era bem conhecido fm seu departamento de economia, Na verdade, meu ex-aluno Fama era parte do corpo docente. Portanto, podetiam dispensar o processo usual ¢ Jongo de submeter o trabalho a dissecacao e critica de “arbitros” academi- 60s, Vibrei com a oferta. Na mesma semana, enviei uma cépla para Miller fetardou-se a publicacao da préxima ediga0 e abriu-se espaco para o meu ttabalho, adiando-se um artigo menos “quente’. As piginas de provasche- garam em tempo, As condigdes de Cootner de publicacto prévia em peri “icoacadémico foram plenamente cumpridas, Fama editou meu textoees- “even uma introduc. Fo! uma traducdo sil paraos economists, do.que _ &tttentava dizer como matemitico. ” sit ‘ama ao meu trabalho, & J hostil. Depots da introdugao de Fama ao meu A recepcio foi hostil. Dep inco paginas. Considerou incluiu em seu livro uma critica de s ito simplista meu teste no papel de grafico; a matematica, re as is insuficientes; € oalgodio, mercacioria com caracteristicas multo pé- es para dele se extratern conclusces amplas As ipliavtics so an- Jescreveui ele, Mas, “sem duivida, antes de jogar séculos de ia i re ‘ de cinzas, devemos ter algumia certeza de que nosso tapallo ymax horas para faver as suas verificagSes e entio me telefonou de volta

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