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Como eram e sd0 100 barbaros, ¢ destitwidos da razdo, nio trataram de Bscritura, ou do outros monumentos em que recomendassem a posteridade as suas Historias para que dela vissemos os seus Principados, aliangas, Pazes, ¢ discérdias de soberanos, sucessos de Estados, conquistas de Provincias, defonsas dle Pracas, admirdssemos ‘0 chegarem as costas brasileira, os na- vegadores pensaram que haviam atine ido 0 paraiso terreal: uma regido de ‘eterna primavera, onde se vivia com ;por mais de cem anos em perpétua ino- Bncia. Deste paraiso assim descoberto, os por jeses eram o novo Adio, A cada lugar eon- am um nome — atividade propriamente miea — e a sueessio de nomes era tam- émn a crdniea de uma xénese que se confun- dia com a mesma viagem, A cada lugar, o no- do santo do dia: Todos 0s Santos, Sio Se- fio, Monte Pascoal. Antes de se batizarem entios, batizou-se a terra encontrada. De INTRODUGAO A UMA HISTORIA INDIGENA vitérias ¢ perdas de Batalhos,¢ todo ‘0 memordcel com que a fortuna a politica edo sempre, com os séeulos, saerescentando as Histérias das Monerquias. Por esta Cauza, ignoramos 2 que se conhece de todas as outras Nagées do Mundo [..] (ignicio Barboza Machado, Exereicios de Marte, 1725, fol. 90, Manuela Carneiro da Cunha ccerta maneira, desta forma, © Brasil foi simbo- licamente eriado. Assim, apenas nomeando-o, se tomou posse dele, como se fora virgem (To- dorov, 1983). Assim também a Historia do Brasil, a ea- nénica, comega imariavelmente pelo “desco- brimento’, Sao os “descobridores” que a inau- _guram ¢ conferem aos gentios uma entrada — de servigo — no grande curso da Histéria Por sua vez, a istéria da metrépole nio é imais @ mesma apés 1492, 4 insuspeitada pre- senga desses outros homens (¢ rapidamente se concorda, e 6 papa reitera em 1537, que sio homens) desencadeia uma reformulacie das A historia candnica Go Brae comeca "Descobriments”, Nesta cena, ‘Américo Vespuclo ‘desperta a ‘América, representada por uma india “Tupinamba, deitada na reds. Rede, ‘cape @ cenas de ‘aniropotagia, que ‘50 voor 0 fundo, ‘ko omblemsticas {dos Tupinamba, Dasenno de Jan van dor Straet (ambém chamaco ‘Stadanus) gravure de Theodor Galle (1569). Em 1612, sis Indios do Maranhao foram Tevados pelos ceapuchinhos franceses para a Cote do jovern Luts Xt para ‘conseguir apoio financor @ poltica ara a Colbia. "res morreram ‘quase ao chagar (entre os quais Franciseo Carpi), rds outros sobreviveram, foram batizades ‘com'o nome de Luis voltaram para o Marana ‘com esposas feancesas © ober honrarias. Voor ‘om Franciaco Capra figura & ‘reta) as tatuagens que, entre os upinamoa, celabravam 3 ‘numero do sro Bos FNDI0S NO BRAS fdéias recebidas: como enquadrar por exem- plo essa parcela da humanidade, deixada por tanto tempo &:margem da Boa Nova, na histé- ria geral do género humane? Se todos os ho- mens descendem de Noé, e se Noé teve ape- nas trés filhos, Cam, Jafot e Sem, de qual des- ses filhos proviriam os homens do Mundo Novo? Seriam descendentes daqueles merca- dores que ao tempo do rei Salomio siogravam ‘© mar para trazerem ouro de Ofir — que po- deria ser 0 Peru — ou das dex tribos perdi- das de Israel que, einando Salmanasay, se afss- taram dos assirios para resguardar em sua pu- reza seus ritose sua fe? E mais, admitindo que se soubesse i850, restaria descobrir por que ‘meios teriam eruzado 0s oceanos antes que os descobridores tivessem domesticado 0s mares. Talvez. as terras do Novo e do Antigo Mundo comunicassem, ou tivessem comunicado em tempos passados, por alguma regio ainda des- conhecida do extremo Norte ou do extremo Sul do Mundo, on talvezas correntes marinhas tivessem trazido esses homens a deriva. Ques- toes que, debatidas por exemplo pelo jesuita José «Acosta em 1590 (Acosta, 1940 (1590), continua coloeadas hoje e néo se encontram ‘completamente resolvidas, conforme se vera neste volume (Salzano, Guidon; ver também Salzano, 1985, e Salzano e Callogar-Jacques, 19882). Haveria miltiplas origens e rotas de penetragio do homem americano? ‘Teria ele vindo, como se cré em geral, pelo estreito de Bering e somente por ele? Quando se teria da- do essa migragao? ORIGENS Sabe-se que entre de uns 35 mil a cerca de tuns 12 mil anos atrés, uma glaciacio teria, por intervalos, feito o mar deseer a uns 50 m abai- x0 do nivel atual. A faa de terra chamada Be ringia teria assim aflorado em vérios momen- tos deste perfodo e permitido a passagem a pé da Asia para a América, Em outros momen- tos, como no intervalo entre 15 mil e 19 mil anos atris, 0 excesso de frio teria provocado a coalescéncia de geleiras ao norte da Améri- ca do Norte, impedindo a passagem de ho- mens. Sobre o periodo anterior a5 mil anos, nada se sabe. De 12 mil anos para ef, uma temn= peratura mais amena teria interposto o mar en- tre os dois continentes. Em vista disto, é trae dicionalmente aceita a hipétese de uma mi- ‘gracio terrestre vinda do nordeste da Asia e se espraiando de norte a sul pelo continente americana, que poderia ter ocorrido entre 14 mil ¢ 12 mil anos atrés. No entanto, hi tam- bém possibilidades de entrada maritima no continents, pelo estreito de Bering: se é dade que a Austréfia foi aleangada ha uns 50 il anos por homens que, vindos da Asta, atra- yessaram uns 60 km de mar, nada impediria ‘que outros viessem para a América, por nave- ‘gugio costeira (Meltzer, 1989:474). Ha consideravel controvérsia sobre as dav tas dessa migragio e sobre ser ela ou nfo a ti ‘ea fonte de povoamento das Américas. Quan- to a antiguidade do povoamento, as estimati- vas tradicionais falam de 12 mil anos, mas ‘muitos arquedlogos afirmam a existéncia de tos arqueol6gicos no Novo Mundo anteriores a essas datas: sio particularmente importan- tes neste sentido as pesquisas feitas no sudes- te do Pian por Niéde Guidon (ef, neste volu- me). Os sitios para os quais se reivindicam as mais antigas datas estariam — complicador svrnopupso 4 uaa mista DIGI adicional — antes a sul do que a norte do con- finente, contrariando a hipstese de uma des- ‘ida em que a América do Sul teria sido po- voada apés a do Norte. Nao hi eonsenso so- bre 0 assunto, no entanto, na comunidade arqueologica (Lynch, 1990). Mas, recentemen- te, uma lingtista (Nichols, 1990 e 1992), com base no tempo médio de diferenciagao de es- toques lingiisticos fez suas pr6prias avaliagbes eafirmou um povoamento da América que ter- se-ia iniciado hii 30 mil-35 mil anos, Mais con- servadora quanto & profundidade temporal é ‘4 estimativa de outro lingiiista, Greenberg 987), que mantém os fatidicos 12 mil anos ‘mas estabelece a existencia de trés grandes lin- colonizadoras que teriam entrado no con- inente em vagas sucessivas (Urban). Tado i ‘poe em causa a hipstese de uma migrago nica de populaeao siberiana pelo interior da Beringia. A possibilidade de outras fontes po- jonais © de rotas alternativas se soman- jo interior da Beringia nao esta portanto eseartada, se pouco da histéria indigena: nem a ori- nem as cifras de populacio sio seguras, ito menos © que realmente aconteceu. Mas se, no entanto: hoje est mais cla- pelo menos, a extensio do que nio se sax ‘0s estudos de casos contides neste volu- e sio fragmentos de conhecimento que per- em imauzinar mas nao preencher as lacunas ‘umn quadro que gostarfamos fosse global. ‘também, e isto é importante, nfo in- rrer em certas armadilhas. Anmaior dessas armadilhas ¢ talver.a ilusio -primitivismo, Na segunda metade do século essa época de triunfo do evohieionismo, sperou a idéia de que certas soviedades te- n ficado na estaca zero da evoluglo, € que m portanto algo como fsseis vivos que tes- munhavam do passado das sociedades oci- is, Foi quando as sociedades sem Fsta- tornaram, na teoria ocidental, socieda- “primitivas’, condenadas a uma eterna cia, E porque tinham assim parado no no cabia procurar-Ihes a historia. Co- dizia Varnhagen, “de tais povos na infin- no ht hist6ria hd s6 etnografia” (Varnha- 1978 [1854}:30). je ainda, por Ihes desconhecermos ahis- ‘6ria, por ouvirmos falar, sem entender-Ihe 0 sentido ou 0 aleance, em sociedades sem historia, porque hi um tropo propriamen- te antropolégico que é 0 chamado “presente etnogrifico” e porque nos agrada a ilusio de sociedades virgens, somos tentados a pensar que as sociedades indigenas de agora sio a imagem do que foi o Brasil pré-cabralino, € «que, como dizia Vamhagen por razies diferen- tes, sua hist6ria se reduz estritamente & sua etnografia, Na realidade, a hist6ria est onipresente. Esta presente, primeiro, moldando unidades e culturas novas, cuja homogeneidade reside em grande parte numa trajetéria compartilha- da: € 0 caso, por exemplo, do conglomerado pirolconibolcambebs, que forma uma cultura ribeivinha do Ucayali, apesar de seus compo- nentes pertencerem a trés familias lingitsti cas diversas (Arawak, Pano e Tupi), € que se contrapde as culturas do interfhivio (Erikson); 2 stoma Dos fxDI08 Ko ast € 0 caso tambérn das fusbes Arawak‘Talano do alto rio Negro (Wright), das culturas neo- has do Amazonas (Porro), das socieda- nas que Taylor chama apropriada- mente de colonials porque geradas pela situa a0 colonial Esté presente a historia ainda na medida em que muitas das sociedades indfgenas dias isoladas” so descendentes de “refratrios”, foragidos de missdes ou do servigo de colonos {que se “retribalizaram’ ou aderiram a grupos independentes, como os Mura. Os Mura, ali, provavelmente se “agigantaram’” na Amazonia (Amoroso) porque reuniam transfugas de ou- tras etnias. Os Xavante dos quais se conta aqui ahist6ria (Lopes da Silva) tambéon foram mais de uma ver contuetados e mais de uma vez fu- agiram, A idéia de isolamento deve ser usada com cautela em qualquer hipétese, pois hd um contato mediatizado por objetos, machacdos, rigangas, capazes de percorrerem imensas ex- tenses, mediante comércio e guerna, e de ge- rarem uma dependéncia a distineia (Turner, Erikson): objetos manufaturados ¢ microonga xnismos invadiram 0 Novo Mundo numa velo- cidade muito superior & dos homens que os trouxeram, Esté presente a hist6ria também no fracio- namento étnico para o qual Taylor chama a atengao e que vai de par, paradoxalmente, com ‘uma homogeneizagdo cultural: perda de diver- sidade cultural e acentuagio das mierodiferen- gas que definem a identidade étnica. f pro- vel assim que as umidades sociais que conhe- ccemos hoje sejam 0 resultado de um proceso de atomizagao cujos meeanismos podem ser pereebidos em estudos de caso como o de Tar ner sobre os Kayap6, e de reagrupamentos de grupos lingiisticamente diversos em unidades ‘20 mesmo tempo culturalmente semmelhantes € etnicamente diversas, cujos exemplos mais not6rlos sio 0 do alto Xingu ¢ 0 do alto rio Ne- ‘70 (vide Franchetto e Wright). E notivel que apenas 0s grupos de lingua Jé paregam ter fi ‘eado imunes a esses conglomerados multilin- agiifsticos. Em suma, o que & hoje o Brasil in digena sio fragmentos de um tecido social cuja ‘rama, muito mals complexa e abrangente, co- bria provavelmente o tervitério como um todo, Mas esta presente sobretudo a historia na pr6pria relacio dos homens com a natureza, AAs sociedades indigenas contemporineas da Amazénia sio, como se apregoou, sociedades litarias e de populagio diminuta. Duran- te 0s ailtimos quarenta anos, muita tinta cor- reu para explicar essas caracteristicas. Uns acharam que as sociedades indigenas tinham, ‘embutido em seu ser, um antidoto a emergén- cia do Estado, Outros, prineipalmente norte- amerieanos, acreditaram que a razio dessa li mitagio demografica se fundava numa limita- io ambiental, e um acalorado debate se tra- You quanto & naturezailtima dessa limitagao: « pobreza dos solos, do potencial agricola ou de proteinas animais. A pesquisa arqueolégi- ca (Roosevelt) veio no entanto corroborar 0 ue os eronistas contavam (Porro): a Amazb- hia, nfo 86:na sua vérzoa mas em vérias éreas de terra firme, foi povoada durante longo tem- po por populosas sociedades, sedentirias possivelmente estratificadas, ¢ essas socieda- des sio autéctones, ou seja, nao se explicam ‘como o resultado da difusio de culturas andi- vangadas” As sociedades indigenas de hoje nao sao portanto o produto da natu- reza, antes suas relagbes com 0 meio ambien- te sio mediatizadas pela histéria ‘MORTANDADE F CRISTANDADE Povos e povos indigenas desapareceram da fa- ce da terra como conseqiiéneia do que hoje se chama, num eufemismo envergonhado, “o ‘encontro” de sociedades do Antigo e do Novo Mundo, Esse morticinio nunca visto foi fruto de ui processo complexo cujos agentes foram homens e microorganismos mas cujos moto- res tiltimos poderiam ser reduzidos a dois: ga- nncia e ambigao, formas culturais da expan- sao do que se convencionou chamar 0 capita- lismo mercantil. Motivos mesquinhos © nao uma deliberada politica de exterminio conse guiram esse resultado espantoso de reduzir ‘uma populagio que estava na casa dos milhies em 1500 a0s parcos 200 mil indios que hoje hhabitam o Brasil As epidemias sio normalmente tidas como © principal agente da depopulagio indigena (er, por exemple, Borah, 1964). A barreira epi- demiolégica era, com efeito,favorsivel aos e ropeus, na América, eeracthes desfavorével na Africa, Na Africa, os europeus morriam como moseas; aqui eram os fi agentes patogénicos da variola, do sarampo, da coqueluche, da catapora, do tifo, da diteria, da gripe, da peste bubénica, possivelmente a 1aléria, provocaram no Novo Mundo o que iyrRoDugio «UMN HISTONE INDIGENS 13 Dobyns chamou de “um dos maiores cataclis- ‘mos biolgicos do mundo”, No entanto, 6 im- pportante enfatizar que a falta de imuntdade, devido a0 seu isolamento, da populagao abo- rigine, nao basta para explicar a mortandade, ‘mesmo quando ela foi de origem patozénica, ‘Outros fatores, tanto ecolégicos quanto sociais, fais como a altitude, o clima, a densidade de _populaio ¢ o relativo isolamento, pesaram de- Sisivamente. Em suma, os microorganismos ‘do incidiram num vécuo social ¢ politica, ¢ sim num mundo socialmente ordenado. Par- ‘ioularmente nefasta foi a politica de concen- ‘tzacio da populagio praticada por mission ios ¢ pelos érzios oficiais, pois a alta densi dade dos aldeamentos favoreceu as epidemias, ‘Sem no entanto garantir o aprovisionamento. Osarampo e a varfola que, entre 1562 1564, assolaram as aldeias da Bahia fizeram os in- dios morrerem tanto das doengas quanto de ome, a tal ponto que os sobreviventes prefe- iam vender-se como escravos do que morrer 4 mingua (Carneiro da Cunha, 1986). Bati ‘mo ¢ doenca, como lembra Fausto (neste vor ume), ficaram associados no espitito dos Ti- pinambs: € elucidativo que um dos milagres atributdes ao suave Anchieta fosse o de res- suscitar por alguns instantes a indiozinhos rortos para Ihes poder dar o batismo. Os al- deamentos religiosos ou civis jamais consegui- ram se auto-reproduzir biologicamente. Repro- uziam-se, isso sim, predatoriamente, na me- dda em que indios das aldeias eram compul- soriamente alistados nas tropas de resgates pax ra descer dos sertoes novas leas de indios, que continuamente vinham preencher as lacunas deixadas por seus predecessores. ‘Mas no foram s6 0s microorganismos os responsiveis pela catistrofe demografica da América. O exacerbamento da guerra indige- nna provocado pela sede de escravos, as guer- ras de conquista e de apresamento em que os indios de aldeia eram alistados contra os {n- dios ditos hostis, as grandes fomes que tradi- ionalmente acompanhavam as guerras, a de- sestruturagio social, a fuga para novas regiGes das quais se desconheciam os recursos ou se tinha de enfrentar os habitantes (vide, por 0s inios breclaroe saeram grande sucesso na Gore francesa. A pobreza toca 8 ‘convideva para fantares, embora foroesse o nariz para as suas ‘esposas francesas Um misico ca ‘Conta, Gaultier, ‘chagou a compor tuma sarabanda em {que os Tupnamba tecavam com sous maracas, conforme Se v8 nesia grave. uM isrontA as f80108 No MASI exemplo, Franchetto e Wright), a exploragio do trabalho indigena, tudo isto pesou decisi- ‘vamente na dizimagio dos indios. Hi poucos estudos demogrificos que nos possam escla- recer sobre 0 peso relativ desses fatores, mas ‘um deles, recente 6 elucidativo, Macder (1990) analisa a populacio das redugées guarani apés ‘0 término das expediigdes dos paulistas apre- sadores de indios, e cobre o periodo de 1641 a 1807. Resulta dos dados, abundantes entre essas datas, que os perfodos de descenso e mesmo de colapso populacional sio aqueles fem que houve maior mobilizagao de homens pelos poderes coloniais, com a conseqiiente desestruturacio do trabalho agricola nos al- deamentos e seus corolirios de fome e de pes- te; desses dados quantitativos emerge uma si- tuacdo semelhante aquela de que sempre se queixavam 05 religiosos administradores de al- deamentos indigenas. A AMERICA INVADIDA As estimativas de populagio aborigine em 1492 ainda sio assunto de grande controvér- sia, Para que se tenha uma idéia das cifras avangadas, adapto aqui um quadro de Dene- van (1976:3), que por sua vez adapta e corm- peta Steward (19494656) (tabela abaiso). Quanto as resides que nos oeupam mais de perto, Rosenblat (1954:316) dé 1 milhao para © Brasil como um todo, Moran (1974:137) dé ins modestos 500 mil para a Amazénia, a0 passo que Denevan (1976:230) avalia em 68 milhdes a populacio aborigine da Amazénia, Brasil central e costa nordeste, com a altissi- ma densidade de 14,6 habitantes/km* na rea da virzea amazénica e apenas 0,2 habitan- ‘elkm? para o interflivio. Como cia de com- parago, a peninsula ibériea pela mesma épo- ‘Nimes para “eras bahas Total America {em minses) a Am. do Su ‘Sapper (1828) sas sr aes oober (1050166) 1 a Rosenbiat (954:102) 209 1398 Steward (940:666) 290 (4101849 Basi Borah (1984) +00 Dobyns (960.415) Ba 25 anOH a Hs {Chaunu (1980:98 08 100 29 a5 (61a 8790 ‘maziria) cea teria uma densidade de 17 habitantes/km? (Braudel, 1979:42). Como se vé no quadro, as estimativas va- iam de 1 a 85 milhdes de habitantes para as terras baixas da América do Sul. Diga-se de ppassagem, sabe-se ainda menos da populagio ‘da Europa ou da Asiana mesma época: a Amé- rica é até bem servida desde os trabalhos de demografia histériea da chamada escola de Berkeley, cujos expoentes prineipais foram Cook ¢ Borah, Imagina-se, s6 como base de comparagio, que a Europa teria, do Atlantico 205 Urais, de 60 a 80 milhdes de habitantes em 1500 (Borah apud Denevan, 1976:5). Se as- sim tiver sido realmente, entio um continen- te teria logrado a triste facanha de, com pu- thados de colonos, despovoar um continente muito mais habitado, Estas estimativas dispares resultam sobre- tudo de uma avaliagio diferente do impacto da depopulacao indigena. Os historiadores pa- recem concordar com um ménimo de popula- ao indigena para o continente situado por vol- ta de 1650: diferem quanto & magnitude da ex- ‘éstrofe. Alguns, como Rosenblat, avaliam que de 1492 a esse nadir (1650), a América per- dew um quarto de sua populacéo; outros, co- mo Dobyns, acham que a depopulagio foi da ordem de 95% a 96% (Sinchez-Albornoz, 197 Seja como for, as estimativas da populagio aborfgine e da magnitude do genocidio ten- dem portanto e com poueas excegies a ser tals altas desde os anos 60, Um dos reslta- dos laterais desta tendéncia ¢ 0 crédito eres- cente de que passam a gozar os testemunhos dos eronistas. Ora, para a virzoa amazénica & para a costa brasileira, os eronistas si0 com efeito undnimes em falar de densas populagées e de indescritiveis mortandades (vide Porro e Fausto). Se a populagao aborigine tinha, realmente, fa densidade que hoje se Ihe atribui, esvai-se ‘& imagem tradicional (aparentemente conso~ lidada no século X18), de um continente pou- co habitado a ser ocupado pelos europeus? Como foi dito com forca por Jennings (1975), 4 América nio foi descoberta, foi invadida. POLITICA INDIGENISTA ‘Como se dou, esquematicamente, esse proces- so? Durante o primeiro meio-século, os fndios foram sobretudo parceiros comercials dos eu- INTRODUGHO A NA MISTS INDLGENA 15 ropeus,trocando por foices, machados e facas © pau-brasl para tintura de tecidos ¢ euriosi- dacles exbtieas como papagaios e macacos, em feitorias costeiras (Marchant, 1950). Com o primeiro governo geral do Brasil, a Colonia se instalou enquanto tal eas relagdes alteraram- se, tensionadas pelos interesses em jogo que, do lado europeu, envolviam colonos, governo mnrios, mantendo entre si, como assi- nala Taylor, uma complesa relagao feita de con- lito e de simbiose. ‘Nao eram mais parceiros para escambo que desejavam os colonos, mas méo-de-obra para as empresas coloniais que incluiam a prépria reprodugio da mio-de-obra, na forma de noeiros € soldados para o apresamento de mais {ndios: problema estrutural e nao de alguma indole ibérica. Quem melhor o expressou foi aquele velho fndio Tupinambé do Maranhio que, por volta de 1610, teria feito o seguinte discurso aos franceses que ensaiavam 0 esta- belecimento de uma colénia: “Vi a chegada dos per6 [portugueses] em Pernambuco e Poti € comecaram eles como 6s, franceses,fazeis agora. De infio, os peré no faziarn sendo traficar sem pretenderes sar residénci [.] Mais tarde, disseram que nos deviamos acostumar a eles ¢ que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, ¢ ci- dades, para morarem conosco [..] Mais tarde afirmaram que nem eles nem 0s paf [padres] ppodiam viver sem escravos para os servirem por ees trabalharem, Mas nao satiseitos com 105 escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram es- cravizando toda a nagio |... Assim aconteceu ‘com os franceses. Da primeira vez que vies- tes aqui, vs 0 fizeste somente para traficar [..] Nessa época ndo faliveis em aqui vos fisar; ‘apenas vos contentiveis com visitar-nos uma ‘vex por ano [.] Regressiveis entdo a vosso pats, evando nossos géneros para trocé-los com aquilo de que carecfamos. Agora jé nos fais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas para defender-nos contra os nossos {nimigos. Para isso, trouxestes um Morubixax ba e varios Pas, Em verdade, estamos satisfei- tos, mas 03 perd fizeram 0 mesmo [...] Como esies, vis nlo querieis eseravos, a prinetpio: agora 05 pedis ¢ os quereis como eles no fim LJ” (Abbeville, trad. Sérgio Millet, 1975 fus14]315-6), ‘A Goroa tinha seus préprios interesses, fis cals ¢ estratégicos acima de tudo: queria de- certo ver prosperar a Colénia, mas queria tam- bbén garanti-la politicamente. Para tanto, interessavam-the aliados indios nas suas Tutas com franceses, holandeses e espanhis, seus competidores internos, enquanto para garan- fir seus limites externos desejava “fronteiras vives”, formadas por grupos indigenas aliados (Farage, 1991). Ocasionalmente também, co- mo no caso do rio Madeira na década de 1730, convinha-Ihe a presenga de um grupo indige- nna hostil para obstruir uma rota fluvial e im- pedir 0 contrabando (Amoroso). Em épocas mais tardias, prineipalmente na do marques de Painis de carvalno a “ha Go Brasi" ‘que decoravam Rouen (6. 1500-14). Representam ‘o oscamba de ppau-brasl paticado com 08 indios brasieros verse Indios abatendo as arvores mibareando-as Ro navi frances, A conversto dos Indios passava polo Estado portugues (represertado aqui alo sou escudo ‘om que se rector (08 rlos da fé) © justcava as concosedo tortorais quo papa fizera, em 1403, na Ametica, Exe frontspicio & ‘obra de fret Joao José de Santa Thereza, [sora del Frogre’ do Brasie, ‘e 1698, € uma perteliaalegoria do ‘Sistema do padroado. aisrona Dos fxomos No MASH Pombal, a Coroa pretendia enfim, numa visio mais ampla, promover a emengéncia de utn po- ‘o brasileiro live, substrato de um Estado con- sistente (Perrone): indios e brancos formariam este povo enquanto os nezros continuariam es- Os interesses particulares dos eolonos e os a Coroa podiam portanto eventualmente es- tar em contflito na época colonial: um terceiro ator, importante, complicava ainda a situagio, a saber, a Igreja, ou mais precisamente uma orden religiosa, a jesuitica. A Tgreja, com efei- to, ndo era monolitica, longe disso, A tradi nal oposico ent clero secular e clero real, acrescentava-se a rivalidade entre as diversas ordens, que signifcativamente eram chamadas de “religibes” no séeulo Xv1t. O sistema do padroado, em que o rei de Portugal, por dele- ‘gucio papal, exercia varias das atribuigoes da Iierarquia religiosa e arcava também com as suas despesas, conferia um poder exeepeional a Coroa em matéria religiosa. Por outro lado, © padroado se justificava pela obrigacao im- posta 8 Coroa de evangelizar suas eoldnias, € ‘era a base da partilha entre as das poténeias ibéricas que o papa Alexandre Vt havia feito do Novo Mundo em 1493 e contra a qual ou- {tos paises se insurgiam. Se o padroado criava obrigacdes para a Coroa, ele também Ihe su- Jeitava o clero. Apenas os jesuttas, talvez pela sua ligacao direta com Roma, talvez pel dependéncia finaneeira que adquiriram, logra- ram ter uma politica independente, e entra- ram em choque ocasionalmente: com 0 gover: noe regularmente com os moradores — como atestam suas expulsies de Sa0 Paulo em 1640, do Maranhso e Par em 1661-2.¢ do Maranhio em 1684, desta vez por influéncia tanto dos colonos quanto das outras ordens religiosas. Em todas as ocasides, 0 pomo da diseértlia sempre foi o controle do trabalho indigena nos aldeamentos, e as disputas centravam-se tan- to na legislacio quanto nos postos-chaves co: bigados: a direcio das aldeias © a autoridade ppara repartir os fndios para o trabalho fora dos aldeamentos. ‘De meados do século XVIt a meados do sé- ceulo xvi, quando Portugal estava interessa- do em ocupar a Amazénia, os jesuitas talha- ‘ram para si um enorme territ6rio missionério. Foi o seu século de our, iniciado pela formi- vel influéneia junto a d. Joao IV € ao papa ‘que Vieira, nosso maior eseritor logrou obter. A partir da expulsio dos jesuitas por Pombal, ‘em 1759, e sobretudo a partir da chegada de 4. Joio V1 ao Brasil, em 1808, « politica indi- _genista vit sua arena reduzida e sua natureza ‘modificada: nao havia mais vozes quando se tratava de escravizar indios ¢ de ‘ocupar suas terras (Cameiro da Cunha). A pare tirde meados do século XIX, com efeito, a co- biga se desloca do trabalho para as terras in- digenas (Farage e Santilli). Um séeulo mais tar- de, deslocar-se-é novamente: do solo, passar para 0 subsolo indigena, O inicio do século Xx vera um movimento de opinido dos mais importantes, que culini- nar na criagio do Servigo de Protegio aos fn- dios (sP1), em 1910 (Souza Lima). O SPI extin- ISTRODUGAO A Wie HISTORIA INDIGENA, me-se melancolicamente em 1966 em meio a acusagdes de corrupgio e € substitufdo em 1967 pela Fundagio Nacional do Indio (Fu- nai): a politica indigenista continua atrelada ao Estado e a suas prioridades. Os anos 70 sio 6 do “milagre”, dos investimentos em ingra- esiritura ¢ em prospecgio mineral — é a épo- cada Transamazinica, da barragem de Tucu- tui ¢ da de Balbina, do Projeto Carajés. Tudo ‘cedia ante 1 hegemonia do “progresso”, te do qual os indios eram empecithos: for: se 0 contato com grupos isolados para que os {ratores pudessem abrir estradas e realocavamm- se 0$ indios mais de uma vez, primeiro para afasté-los da estrada, depois para afisté-los do Tago da barragem que inundava suas terras. E ‘caso, paradigmatico, dos Purakan, do Pari Este periodo, crucial, mas que nao vem trata- do neste livro, desembocou na militariza dda questo indigena, a partir do inicio dos anos 0; de empecilhos, os indios passaram a ser riscos & seguranga nacional. Sua presenga fronteiras era agora um potencial perign H ir6- neo que indios de Roraima, que haviam sido no século xvi usados como “muralhas dos sertoes” (Farge, 1991), garantindo as front ras brasileras, ossem agora vstos como amea- gas a essas mesmas fronteirs. No fim da década de 70 multiplieam-se as onganizagles néo governamentais de apoio 20s Indios, eno inicio da década de 80, pela pri- imeira ver, se organiza um movimento indige- na de Ambito nacional. Essa mobilizagéo ex- plica as grandes novidades obtidas na Consti- tuigdo de 1988, que abandona as metas e 0 jargio assimilacionisas e reconheee os direi- tos originsrios dos indios, seus direitos hist6- ricos, i posse da terra de que foram os prime ros senhores. POLITICA INDIGENA Por ma consciéncia e boas intengées, imperou durante muito tempo a nogao de que os dios foram apenas vitimas do sistema mundial, vitimas de uma politica e de priticas que Ihes cerum externas © que os destruiram, Essa vi so, lém de seu fundamento moral, tinha ou- ‘to, te6rico: & que a hist6ria, movida pela me- trdpole, pelo capital, s6 teria nexo em seu epi- centro. A periferia do capital era também o lixo 03 Indios como “guardiées das tronteras, no limite onto Brasil, ea Guana Irancese. Ao lado ‘de Rondon, um indo segura a bandeira brasilsa fenquanto outro femounha a Dandora francoea. 18 stoma nos INDIOS No ms fotogratedos por Charles Wagiey'n0 Marannao (1942) 2 enetracio da intusncia e dae irazides pelos ‘europeus fez mules vezes através do grupos indigenas Intermediaries. da histéria, O resultado paradoxal dessa pos- tura “politicamente correta” foi somar a el minagao fisica e étniea dos indios sua elimi- hago como sujeitos histéricos> (Ora, ndo ha dvida de que 0s indios foram atores politicos importantes de sua pr6pria his- toria e de que, nos intersticios da politica in digenista, se viskumbra algo do que foi a p tica indigena, Sabe-se que as poténcias metro- politanas perceberam desde eedo as poten- Cialidades estratégicas das inimizades entre grupos indigenas: no século xv1, os franceses ‘© 05 portugueses em guerra aliaram-se respee- tivamente aos Tamoio e aos Tupiniquins (Faus- to}; ¢ no séeulo XVII os holandeses pela pri meira ver.se aliaram a geupos “tapuias” contra (0s portugueses (Dantas, Sampaio e Carvalho) No século XIX, os Munduruku foram usados para “desinfestar” 0 Madeira de grupos hos- tise 0s Krahd, no Tocantins, para combater ou tras etnias J2. Essa politica metropolitana requer a exis- téncia de uma politica indigena: os Tamoio e 6s Tupiniquins tinham seus préprios motivos para se aliarem aos franceses ou aos portugue- ses. Os Tapuia de Jandui tinham 0 seus para aceitarem apoiar a Mauricio de Nassau, Se nesses eas0$ niio ¢ certo a quem eabe a ini- ciativa, em outros a inieiativa & comprovada- mente indigena: no séeulo Xvi, grupos Cor bo (Pano) querem aliados espanhsis (miss niérios) para contestar 0 monopélio piro (ara wal) das rotas comerciais com os Andes (Erik- son). A coalizio de Karajé, Nerente e Xavante em Goids, que em 1812 destruin o recém- fiundado presidio de Santa Maria no Araguaia (Karasch), um exemplo da amplitude que po- dia aleangar a polities indigena em seu con- fronto com os recém-chegudos. Goalizies deste porte, no entanto, foram ex- ccepcionais. Ao contrétio, o efeito geal dessa imbricacio da politica indigenista eom a pol ‘ica indigena foi antes fracionamento étnico (Taylor, Erikson). Faltam no entanto estudos de caso desses processos de fracionamento, Por isso é particularmente valiosaa descri¢io feita por Turner de um processo desse tipo, mostrando a articulagio da politica externa com a politica interna dos grupos kayapé a0 Tongo de virias décadas: corrida armamentis- ta, sso ao longo de clivagens jé inseritas na sociedade (metades, sociedades masculinas), tornam-se inteligiveis 2 uz da estrutura social ayap6. E, reciprocamente, é essa hist6ria et- nografica que ilumina a estrutura social kaya 6. A histria local 6 portanto, como advoga, entre outros, Marshal Sahlins 1992), elemento importante de conhecimento etnografico. 0s INDIOS COMO AGENTES DE SUA HISTORIA A pereepeiio de uma politica ¢ de uma cons- ‘iéncia histérica em que 0s indios sio sujet tos e nfo apenas vitimas, $6 é nova eventual- ‘mente para n6s. Para os fndios, cla parece ser costumeira. E significativo que dois eventos fundamentais — a génese do homem branco 2 Iniciativa do contato — sejam freqiiente- ‘mente apreendidos nas sociedades indigenas ‘como o produto de sua prépria ago ou von- fade, A.génese do homem braneo nas mitologias indigenas difere em geral da génese de outros “estrangeiros” ou inimigos porque introduz, lem da simples alteridade, o tema da desigual- dade no poder ¢ na tecnologia. © homem branco & muitas vezes, no mito, um mutante indigena, algném que surgiu do grupo. Fre- qientemente também, a desigualdade tecno- logica, 0 monopélio de machados, espingardas e objetos manufaturados em geral, que foi da- do.a0s brancos, deriva, no mito, de uma esco- que foi dada aos indios. Eles podeviam ter ‘escolhido ou se apropriado desses recurson ‘mas fizeram uma escolha equivocada. Os 3 € 0s Canela, por exemple, quando thes iro lugar pelo Sol (Ireland, 1988:166), os Ta. inamba setecentistas do Maranhdo cujos an~ sados teriam escolhido a espada de acleira em vez da espada de ferro (Abbevil- 1975 [1612}:60-1). Para os Kawahiwa, os 1¢08 Ao Os que aceitaram se banhar na pa- afervente de Bahira: permaneceram indios Assim também a etno-histéria do contato € amitide contada como uma iniciativa que Parte dos fodios (vide Turner e Franchetto nes, i 9, wigs ee 6 Seg Dees, NTRODUGKO 4 eA misemtA ESDIGRNA 19 St te volume) ou até como uma empresa de “pas eifleacao dos brancos’, como € 0 caso por exemplo dos Cinta-Larga de Rondonia (Dal Poz, 1991). O que isto indica & que as sacie- dades indigenas pensaram 0 que Ihes aconte. ‘cia em seus prdprios termos, reconstrufram uma histéria do mundo em que elas pesa- vam e em que suas escolhas tinham conse. aiiéncias © Escoro DESTE L1vRO Alguns esclarecimentos finais cabemn aqui. Es- te livro transborda as fronteiras brasleiras, Planta de algo je planta de aldeaments oficial pombalino, ambas ‘do século XVII ston 0s INDION NO MHASH 18 de outubro de 1550, a cidade rormanda do Rouen, que fabrica tecldos © comarca regularmente em paurbrasi,oferece, para convencé-o a Investir dinhero ca Coroa eestabelecer ‘uma Colénia, uma festa bresiia 20 al Ga Franea Henrique lle a sua mulher, Catarina de Medi. Orie ‘a rainha S60 recepclonades por ‘wezertos indios tpi, dos quale ‘uns cinadenia auténtices, ¢ 05 ‘outros mavinneiros ‘ranceses felantes 0 tuple prostiutas, todos ‘Gespidos para a casio'= que margem esque ‘do Sena, a vida ‘upinamba: amor na rede, cara, onda de pau-brasi, ‘guerra ’sto por trés motivos, rimeiro, porque as fron- teiras coloniais, como se sabe, nio eoineidem ‘com as de hoje, ¢ parte do Brasil de hoje era possessio espanhola, Segundo, porque apesar da diferenca sempre mantida entre institui- «es portuguesase espanholas — inclusive du- rante 0 periodo de Unio das duas Coroas — (08 atores e processos so semelhantes: a ex- ppansio jesuitica espanhola em Mojos, Maynas, nnos Llanos de Venezuela dé-se com caracte- risticas semelhantes expansio jesuitica no Amazonas. Terceiro, porque as redes de comu- nicagio unem, sobretudo nos séculos XVI e XVII, a populaciio amazinica como um todo, articulando desde os Arawak subandinos as et- nias ribeirinhas do Solimées, do médio Ama- zouas e provavelmente do rio Branco: truncar estas vastas redes seria trunear a compreen- do desses processos histérieos. IMAGENS Foi dada, neste livro, grande importineia ico: nografia, ¢ tentamos mostrar documentos pou- co conhecidos ou inéditos. Nos séeulos XVI € XVIL, 0 que talvez. mais chame a alengio é a auséncia de iconografia portuguesa (0s portu- ‘mueses parecem muito mais fascinados, na épo- ca, pelo Oriente), que contrasta com a sua im portincia na Franca, na Holanda ¢, subsidi- riamente, na Alemanha. F a época em que esti mais viva a especulagio sobre o significado dessa nova humanidade; a um tempo inocen- te e antrop6faga. Rapidamente, as describes pictérieas de primeira mio cedem o passo a esterestipos, ¢ informam assim talver. mais sobre a Europa e sua reflexio moral do que so- bre os indios no Brasil ata do fim do século vit a primeira, ‘cae valiosissima expedicao de um naturalista portugues a0 Brasil, Alexandre Rodrigues Fer- reira: inangura-se com ele uma tradigio ci lifiea que Mloreseersi no séeulo XIX com nats ralistas ¢ viajantes de outros paises (alemacs, russos, franeeses, snigos, americanos..), pro” duzindo uma ampla documentagio ieonoge- fica, que contrasta singularmente com a exal- taco de um indio genericamente Tupi (ou Guarani) orquestrada pelo indianismo tupini- 4quim. Hi portanto dois indios totalmente di- ferentes no século XIX: 0 bom indio Tupi- Guarani (convenientemente, um ‘ndio morto) que € simbolo da nacionalidade, ¢ um indio vivo que € objeto de uma ciGneia ineipiente, a antropologia. ‘A partir da popularizagio da fotografia e das viagens exéticas, multiplicam-se as imagens resta saber se elas nos revelam os indios ou se revelam nossos antigos fantasmas, ATISTORIA DOS iNDIOS Na realidade, essa mesma questio ullrapassa co problema da iconografia, que apenas a dei- ‘si mais patente: uma historia propriamente in- digena ainda esti por ser feita. Ni € 56.0 obs- ticulo, real, e que a epigrafe destaca, da au- séncia de escrita © portanto da autoria de textos, no é 56 a fragilidade dos testemunhos materiais dessa civilizagio a que Berta Ribei ro chamou, com acerto, de eivilizacio da pa- tha, mas 6 também a diffculdade de adotarmos esse ponto de vista outro sobre una trajetria de que fazemos part. Os nossos livros de histéria se iniciam em 1500. Iss0 nio 6 56 desvantagem: em outros paises da América Latina, 0 cullo a uma ane cestralidade pré-colombiana passa em geral por uma vasta mistficacio, que dissolve o pas- sado e portanto a identidade indigena em um ‘maging geral, Ter uma identidade € ter uma ‘meméria prépria. Por isso a recuperacio da prépria hist6ria é um direito fundamental das sociedades. F também, pela atual Constitui- ‘clo, 0 fundamento dos direitos tervtoriais in- digenas,e particularmente da garantia de suas terms Sobre este ponto, ha porém que se enten- | BNF ean ener Ug = 23 stoma 0s IND108 No BRASIL det. Os direitos especiais que os indios tém so- bre suas terras derivam de que eles foram, nas alavras do Alvar Régio de 1680, “seus pri- marios e naturais senhores”, ou seja, derivam de uma situagao histérica (Carneiro da Cunha, 1987). Isso nfo signifiea que caiba provar a ‘ocupacao indigena com os documentos eseri- tos, que ndo s6 so lacunares, mas eujos auto- es tinham também interesses, no mais das ve- 2es, antagdnicos aos dos indios. Ao contrério, cabe restabelecer a importincia da meméria indigena, transmitida por tradigéo oral, reco- hendo-a, dando-lhe voz ¢ legitimidade em jus- tiga, A histéria dos fndios niio se subsume na historia indigenista, Durante quase cineo séculos, 0s fndios fo- ram pensados como seres efésneros, em tran- ighito toe sigdo: transicio para a eristandade, a civiliza- eniropéloges 6 3 sitios’ 2 ata 2) | gio, aassimilagio, o desaparecimento, Hoje se pacers J's Gties" een] sabe que a sociedades indigenas sio parte de aie os foxes ae teense] nosso futuro e nio sé de nosso passado, A nos- Nimuendaju ong tnt in: sa hist6ria comum — este livro o ilustra — foi osendo nu om 1837, no malo 66 ‘um rival Xerent, ‘Ababe, fotos ines Car Tot eo1tocois por ata © depres] um rosério de iniqtidades cometidas contra ua, nenne tno clas, Resta esperar que asrelagées que com elas eee se estabelegam a partir de agora sejam mais Oot Njnencendaprc, Justas: e talvez 0 sexto centenério do desco- brimento da América tenha algo a celebrar de Nimuondai, AGRADECIMENTOS: Este livro foi elaborado gracas ao projeto es- pecial sobre “Histéria Indigena e do Indige- nismo” aprovado pela FAPESP (S8/2564-5) como parte das atividades do Niieleo de Pes- quisa em Hist6ria Indigena e do Indigenismo, da Universidade de Sao Paulo, A maioria dos apftulos deste livro foi eneomendada desde 1989. A intengao era avaliar 0 estado atual do conhecimento sobre histéria indigena e indi car diregdes promissoras para novas pesquisas. Em agosto de 1991, na USP, foi realizado wm semindrio para uma discussao dos textos, an- tecedendo a publicagio. Para sua realizagio, também contamos com 0 apoio erucial da FA PESP (91/1669-0). Ap6s 0 seminario, Greg Ur- ban aceitou tratar da contribuigio da lings: ‘ica e Sonia Dorta realizou um extenso cati- logo de coleges etnogrificas, aqui publicado «em anexo, Dois capttlos que reputo essenciais para um livro que trata de Histéria dos Povos Indigenas, encomendados desde o inicio do projeto, mca chegaram a ser eseritos: umn di- xia respeito & situagio atual dos povos indige- nas, outro aos seus prospectos de futuro. semoDveio 8 wal HIFORE INDLGRNA A pesquisa iconogeafica ficou a meu cargo, auniliada por Oscar Calavia Saéz e posterior ‘mente por Marta Amoroso. Beneficiou-se mui to dos recursos da Newberry Library, de Chi- ago, que me concedeu uma bolsa de pesqui- sador em junho de 1990 e da acolhida, na Universidade de Coimbra, do professor Ma- acl Laranjeira Rodrigues de Areia edo fot6- sgrafo Carlos Barata, que cederam fotos da ex- fraordinéria colegio de Alexandre Rodrigues Ferreira. Muitos outros acervos permitiram que usissemos suas imagens: sua lista vem no 0 india no Imagine. Ao lado, (asal de Indios do Parque Nacional 1 Xingur imagem {e Indios inocentes ordi do Eden ‘baixo, 08 Incios ‘como senhores da terra: Adnemar de Bars onttoga solenemente ois Indos Caraies perplexos uma faika contend 4 stow Dos fxDIO8 No BRAS final do volume ea todos queremos agradecer, Cabem no enianto especiais agradecimentos familia de Hercules Florence, a Bosch do Bra- sil ea Biblioteca Mério de Andrade, Agradego também a revisio dos textos de arqueologia rea- lizada pela professora Silvia Maranca, do Mu- seu de Arqueologia e Etnologia da usP. A publicacdo deste volume s6 se tornou possivel gragas ao apoio da Secretaria Muni- cipal de Cultura de Sio Paulo © da FAPESP (Proc, 91/4450-0) Queremos prestar, por fim, neste pref cio, uma homenagem a Miguel Menéndez, uum dos primeiros antropélogos a se inte. ressar por pesquisas de histéria indigena, © que faleceu prematuramente em novei bro de 1961. Membro do projeto ¢ do Ni cleo de Historia Indigena da usr desde suas primeiras horas, 0 capitulo que produ- ziu_€ que publicamos neste volume, sobre a histéria do rio Madeira, 6 seu iltimo trax balho. Noras 1) Gitaremos apenas o nome do autor, sem a dats, ‘quando nos referirmos a artigos neste volume. (2) 0 grande historador Varnhagen, eujo precon- ‘eito contra os indios era notia, fol wn dos princi pals apéstolos dessa visio: estima em menos de 1 hao « populagio indigena. E eurioso perceber ae 4s og Capitan de bre, seer aeresoenta i monumental Histéria geal do Brasil de Varnhagen desmentem as estimativas do autor (Warnhagen, vol. 1:23) (9) Isto nio é grande novidade: a partir de mendos dos anos 80, apés a voxa avassaladora do modelo de sistema mundial de Wallerstein, vrios antropSlogos, entre os quis Marshall blo, asurgira-se conta ‘ esvaiameato da histria local, Vide na mesma di ‘ego Til (0883) (&) Penso por exempl os mitloga-Timbira om go fal Nimaendaj, 186; abt 1070 Carnet da Cunha, 173), namitologa dos grup de agus Ke Yepd (da, 17, Tire, 1988) on miologia deal suns grupos de lingua Tp cemo os Krone (Oe nénde, 198) ena de grupos Pato doen Rie Fenheim e Deshayes. 1082) Lim grap Tan bets nos, como os Shipib,ahistrt 6 tiorente os ho. tnens so eradon do ba pelo Tinea, que os molda © asa. Os branch so asad de menus, oe negos Assados deme Bnalmente io fei os flonan! dons content (Roe 185)

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