You are on page 1of 15

SALUD & SOCIEDAD

Latin American Journal on Health & Social Psychology


2019, VOL 10, Nº 03, 240-254, DOI: 10.22199/issn.0718-7475-2019-03-015

REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA SOBRE


ATENDIMENTOS EM SAÚDE PÚBLICA SOB A
PERSPECTIVA DE PESSOAS TRANSGÊNEROS
SYSTEMATIC REVIEW ABOUT PUBLIC HEALTH CARE
FROM THE TRANSGENDER PEOPLE POINT OF VIEW
Recibido: 09 de junio de 2019 | Aceptado: 15 de noviembre de 2019

CARLA RIBEIRO COHEN 1, RAFAEL DE TILIO 2

1., 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO, Uberaba/MG, Brasil

ABSTRACT
Objective: The purpose of this study was to perform a systematic literature review of Brazilian and
international scientific literature (published in Brazil) between 2008 and 2018 method: Using the PICO
(acronym for Patient, Intervention, Comparison, Outcome) strategy for systematic reviews of the scientific
literature questioning how transgender people perceive the care received at the public health service. The
databases used were SciELO, Lilas, MedLine, PePSIC and APA PsycNET by combining terms related to the topic.
Results: A total of 5,336 sources were retrieved and this total was refined according to the authors inclusion
and exclusion criteria which include transgender population in their research and answer the guiding
question. Thus, four articles were fully retrieved for analysis (thematic content analysis) in three thematic
categories: SUS (Brazilian public health care system) care, use of social name, sexual infections and AIDS.
Conclusion: Results highlight the difficulties of this population regarding the consolidation of their rights in
public health care. The importance of further studies on the perception of transgender people about care in
public health services is emphasized.

KEY WORDS: Transgender persons, transsexuals, health, health system.

CÓMO CITAR / HOW TO CITE


Ribeiro Cohen, C., & De Tilio R. (2019). Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a
perspectiva de pessoas transgêneros. Salud & Sociedad, 10(3), 240-254. doi: 10.22199/issn.0718-7475-2019-03-
015

1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM/Brasil), Uberaba/MG (Brasil). E-mail: carlarcohen@gmail.com ORCID: 0000-0002-7752-6874
2. Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM/Brasil), Uberaba/MG (Brasil). E-mail: rafaeldetilio.uftm@gmail.com ORCID: 0000-0002-4240-9707

| SALUD & SOCIEDAD | V. 10 | No. 3 | PP. 240 – 254 | SEPTIEMBRE - DICIEMBRE | 2019 | ISSN 0718-7475 |
Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

Na perspectiva binária e heterossexual, sua própria posição existencial, por isso,


masculinidade(s) e feminilidade(s) são cruzar os limites da cisgeneridade é colocar-
compreendidas como a expressão cultural se em uma posição de risco.
da diferença natural (biológica) dos sexos e
que, em decorrência disso, todos os Considerar “gênero [como] o mecanismo
elementos constitutivos ou de expressão dos pelo qual as noções de masculino e feminino
sujeitos estão condicionados a essa são produzidas e naturalizadas” (Butler,
determinação (Bento, 2017). Neste sentido, 2014, p. 253) é afirmar que existem regras,
para Butler (2016), o gênero segundo a leis, interdições e punições diante de uma
heterossexualidade compulsória seria uma norma estabelecida, no caso, a
forma de regulação social, uma performance cisgeneridade. Portanto, as principais pautas
com consequências claramente normativas, das lutas dos transgêneros são o direito legal
pois habitualmente são punidos os que não à autodeterminação de identidade de
desempenham corretamente o seu gênero e gênero, o respeito a sua condição de ser
rompem com as prédicas do binarismo. humano e a utilização do nome social (Bento,
2017), além do acesso (universal, integral e
A heteronormatividade associada ao com equidade) ao Sistema Único de Saúde
binarismo de gênero produz sujeitos e (SUS) tal como preconizado pelo Estado
gêneros coerentes, reiterando que “o gênero brasileiro (Brasil, 1988) com o intento de
é uma forma de regulação social” (Arán & promover a saúde, prevenir agravos e
Peixoto Júnior, 2007, p.132), haja vista que a recuperar doentes.
atribuição de sexos aos corpos também deve
ser compreendida como uma experiência No que diz respeito às demandas dos
condicionada pelas significações culturais transgêneros, a Carta dos Direitos dos
(Bento, 2017). Para Bento (2017) não existe Usuários do SUS (Brasil, 2006) assegura
um corpo livre de investimentos discursivos não só o preenchimento do nome social nos
e a primeira intervenção que construiu o documentos de identificação do SUS (Cartão
corpo-sexuado vincula o destino desse corpo Nacional de Saúde/CNS) como também
à genitália, dirigindo o corpo/sexo a um explicita o direito ao cuidado, ao tratamento
desempenho condizente com o gênero – e ao atendimento no âmbito do SUS, livres
naquilo que se denomina experiência de discriminação por orientação sexual e
cisgênera. Assim, o gênero adquire identidade de gênero, vetando o uso de
relevância através das roupas que compõem formas desrespeitosas e preconceituosas no
esse corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, atendimento (Brasil, 2006).
de uma norma definida como apropriada.
São estes sinais exteriores que estabilizam e Segundo Lionço (2009) a recusa em
dão visibilidade ao corpo generificado considerar as especificidades em Saúde dos
(Bento, 2017). transgêneros cercea o reconhecimento das
variações sociais, subjetivas e biológicas do
Neste sentido, as transgeneridades (isto ser humano – como, por exemplo, a
é, os que rompem com a adequação entre transexualidade e a travestilidade que
sexo e gênero e que compreendem, dentre demandam cuidados específicos quando
outros, as pessoas transexuais e as comparados aos cisgêneros.
travestis) são igualmente construções
identitárias possíveis que representam Para Melo, Perilo, Braz e Pedrosa (2011)
respostas aos conflitos gerados por uma a necessidade de sensibilização por parte de
ordem dicotomizada, naturalizada e imposta profissionais da Saúde para o atendimento
para os gêneros. São múltiplas as violências não discriminatório da população lésbica,
reais e simbólicas cometidas contra os gay, bissexual e transexual (LGBT) ainda é
transgêneros, irradiando a convicção de que tema recorrente nos planos, programas e
são inferiores e/ou doentes aprisionados na documentos que apresentam diretrizes,
241 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

objetivos e metas para as políticas públicas Outcome/Desfecho) desenvolvida no final da


de saúde formuladas pelo Governo década de 1940 por pesquisadores ingleses,
Brasileiro. Isso ocorre em decorrência da estadunidenses e canadenses da área da
dificuldade em assegurar o atendimento de saúde cuja intenção era melhor fundamentar
qualidade e livre de preconceito e a produção do conhecimento científico
discriminação para as populações LGBT, baseado evidências (isto é, calcados em
mesmo diante das garantias constitucionais conhecimentos resultantes de pesquisas
de que todos os cidadãos no campo da empíricas), e que é amplamente utilizada em
Saúde devem ter garantidas suas estudos de revisão sistemática (Ercole, Melo,
especificidades num sistema universal, & Alcoforado, 2014) que, se bem construída,
integral e equitativo (Calderaro, Fernandes, possibilita a definição correta de quais
& Mello, 2008). informações ou evidências são necessárias
para a resolução da questão de pesquisa,
Deste modo faz-se necessário uma maximizando a recuperação das evidências
ampliação da oferta de saúde e cuidados aos nas bases de dados, focando no escopo da
transexuais para além do processo pesquisa e com isso evitando a realização de
transexualizador, além da desmistificação de buscas desnecessárias (Santos, Pimenta, &
que as travestis e transexuais buscam os Nobre, 2007).
serviços de saúde somente para a
prevenção e/ou combate a infecções Valendo-se desta premissa, a pergunta
sexualmente transmissíveis (IST), incluindo norteadora delineada na presente revisão, a
HIV/AIDS. A partir do exposto, o presente partir da estratégia PICO, foi: Como pessoas
estudo tem como objetivo apresentar uma transgênero (P) percebem o atendimento (O)
revisão da literatura científica nacional e no serviço público de saúde (I)?
internacional sobre como os transgêneros Considerando que o objetivo da pesquisa
percebem o atendimento realizado no não envolveu a comparação entre cenários
serviço público de saúde. ou técnicas, a estratégia PICO foi
implementada na presente revisão sem o
MÉTODO critério ‘C’ de comparação.

A revisão sistemática de literatura é um Para delinear o estudo e a seleção dos


método que tem como finalidade sintetizar artigos foram definidos critérios de inclusão e
resultados obtidos em pesquisas sobre um de exclusão. Os de inclusão foram: ser
tema ou questão, de maneira sistemática, apenas artigos publicados entre janeiro de
ordenada e abrangente (Ercole, Melo, & 2008 a abril de 2018; artigos em português,
Alcoforado, 2014). Ela envolve a definição de inglês e espanhol; publicados em periódicos
um problema, a busca e a avaliação crítica indexados e disponibilizados na íntegra e
das evidências disponíveis, a implementação gratuitamente; com temática pertinente aos
das evidências na prática e a avaliação dos objetivos da revisão; e que respondessem à
resultados obtidos (Mendes, Silveira, & questão norteadora do estudo. Os critérios
Galvão, 2008). A revisão sistemática de exclusão foram: fontes de publicação que
também determina o conhecimento sobre não fossem artigos, como monografias,
uma temática específica, pois permite teses, dissertações, livros, capítulos de livro
identificar, analisar e sintetizar resultados de e editoriais; artigos de revisão de literatura;
estudos independentes sobre um assunto artigos não pertinentes à temática; e artigos
(Souza, Silva, & Carvalho, 2010). que não correspondentes à questão
norteadora. Assim, os resumos condizentes
Neste sentido a questão norteadora do com estes critérios foram selecionados e
estudo foi construída com base na estratégia recuperados para leitura na íntegra.
PICO (acrônimo das palavras Paciente,
Intervenção, Comparação e
SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 242
Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

Para o levantamento dos artigos na sistema único de saúde OR


literatura foi realizada, em abril de 2018, uma unified health system;
busca nas seguintes bases de dados: 7) transexuais OR transsexuals AND
Scientific Electronic Library Online (SciELO), direito OR law AND sistema único de
Literatura Latino-Americana e do Caribe em saúde OR unified health system.
Ciências da Saúde (LILACS) através da
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical O processo de busca e seleção foi
Literature Analysis and Retrieval System on- realizado por dois juízes independentes,
line (Medline) através da Biblioteca Virtual ambos com formação em Psicologia e
em Saúde (BVS), Periódicos Eletrônicos em experiência nesta estratégia metodológica.
Psicologia (PePSIC) e American Após a leitura na íntegra dos artigos
Psychological Association (APA PsycNET). recuperados ao final de todas as etapas
(descritas na Figura 1), as seguintes
É importante ressaltar que os unitermos informações foram alocadas em uma
empregados na busca dos artigos foram planilha de editor de texto para posterior
selecionados previamente nos Descritores análise (apresentadas nas Tabelas 1 a 3):
em Ciência da Saúde (DeCS) da BVS a partir identificação do periódico, lugar, objetivo da
da pergunta norteadora. Deste modo, para a pesquisa, desenho da pesquisa, número de
revisão, foram utilizados os seguintes participantes, população transgênero do
unitermos nas línguas portuguesa e inglesa estudo, coleta de dados (local e forma), idade
e os operadores booleanos AND e OR da dos participantes, período da pesquisa, título
seguinte maneira: dos artigos, autores, periódicos, ano de
publicação, principais resultados e
1) transexualismo OR transsexualism categorias agrupadas por semelhança
AND assistência à saúde OR temáticas.
delivery of health care
2) pessoas transgênero OR transgender RESULTADOS E DISCUSSÃO
persons AND assistência à saúde
OR delivery of health care As buscas iniciais conduziram aos seguintes
2.1) pessoas transgênero OR resultados em termos de quantidade de
transgender persons AND saúde arquivos encontrados: SciELO (n=735),
OR health; LILACS (n=48), MedLine (n=1331), PsycNET
3) identidade de gênero OR gender (n=505) e PePSIC (n=2717) totalizando 5336
indentity AND sistema único de fontes recuperadas que foram refinadas
saúde OR unified health system seguindo os critérios de inclusão e exclusão
4) pessoas transgênero OR transgender estabelecidos. Tomando como base os
persons AND sistema único de critérios de inclusão 5212 artigos foram
saúde OR unified health system excluídos pelo título (n=5081), pela repetição
5) transexuais OR transsexuals AND na mesma base (n=56), por não serem
sistema único de saúde OR unified artigos (n=69), ou pelo idioma (n=6) – uma
health system; vez que as bases de dados PsycInfo e
6) pessoas transgênero OR transgender Pepsic não possuem filtros específicos para
persons AND direito OR law os dois últimos casos. Assim, foram incluídos
6.1) pessoas transgênero OR pelo título 124 artigos dos quais 18 artigos
transgender persons AND direito foram excluídos por não serem
OR law AND sistema único de disponibilizados integralmente e um foi
saúde OR unified health system excluído por não ser possível sua
6.2) pessoas transgênero OR recuperação de forma integral nas bases de
transgender persons AND direito dados. Deste modo, restaram 105 artigos
à saúde OR right to health AND para a leitura dos resumos e, com base nos
critérios de exclusão, 79 foram excluídos (22
243 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

foram descartados por não serem artigos e estudo trabalhava a questão cultural da
57 foram descartados por não responder à população considerada terceiro gênero; um
pergunta norteadora da pesquisa). estudo discutia o modo de transmissão de
IST/AIDS; e dois por serem discussões
Assim, pelos critérios de inclusão teóricas sobre o assunto). Por fim, após
restaram 26 artigos para leitura na íntegra, todos os processos de refinamento das
dentre os quais quatro foram excluídos por fontes localizadas na busca quatro artigos
que se repetirem em bases diferentes e 18 foram recuperados para análise – por
artigos foram excluídos por não responderam à pergunta norteadora do
responderem à questão norteadora da trabalho. Destes quatro artigos três foram
pesquisa (dois estudos abordavam questões recuperados da base de dados LILACS com
de violência mas não possuíam como os conjuntos de unitermos 2.1 e 5 e um artigo
cenário o sistema público de saúde foi recuperado da base de dados PePSIC
brasileiro; um estudo foi realizado com os com o conjunto de unitermos 2.1. Todo o
profissionais de saúde e não com os usuários processo, tanto de busca, seleção quanto de
do serviço público de saúde brasileiro; 11 recuperação das fontes encontra-se
estudos não abordavam o sistema de saúde detalhado na Figura 1.
público de saúde brasileiro como cenário; um

FIGURA 1.
Fluxograma representando os procedimentos do processo de composição do corpus.

SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 244


Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

Caracterização dos artigos recuperados desigualdades, obstáculos e desafios


vivenciados pela população de lésbicas,
A amostra final desta revisão constitui-se por gays, bissexuais, travestis e transexuais com
quatro artigos científicos selecionados pelos relação ao acesso aos serviços de saúde na
critérios de inclusão/exclusão previamente cidade de Juazeiro do Norte/Ceará no
estabelecidos e que incluíram a população período de julho a setembro de 2013 e
transgênera dentro de suas pesquisas e utilizou a abordagem qualitativa de entrevista
respondiam à questão norteadora desse a partir da técnica de snowball sample (cada
trabalho. As temáticas e estratégias participante da pesquisa indica contatos de
utilizadas, de um modo breve, foram: outros possíveis sujeitos). O estudo foi
população LGBT incluindo travestis e realizado em parceria com uma instituição
mulheres transexuais separadamente que milita politicamente na cidade em prol
(primeiro artigo/A1); população LGBT, mas dos direitos humanos do grupo LGBT. Dos
somente travestis compondo a amostra 30 entrevistados somente 9 eram travestis
(segundo artigo/A2); amostra composta por com idade entre 18 a 51 anos.
transexuais e travestis (terceiro artigo/A3); o
quarto e último artigo (A4) continha Resgatada da base de dados LLILACS
exclusivamente travestis na sua amostra. As através do conjunto de unitermos 2.1
principais análises dos artigos serão (pessoas transgênero OR transgender
apresentadas a seguir, em seções persons AND saúde OR health) a pesquisa
específicas. do artigo A3 (Rocon, Rodrigues, Zamboni, &
Pedrini, 2016) foi publicada no periódico
Resgatado na base de dados LILACS Ciência & Saúde Coletiva, cujo objetivo foi
através do conjunto de unitermos 5 identificar representações sociais de saúde e
([transexuais OR transsexuals] AND sistema principais desigualdades, obstáculos e
único de saúde OR unified health system) o desafios pela população LGBT com relação
artigo A1 (Ferreira, Pedrosa, & Nascimento, ao acesso em saúde (na região
2018) foi publicado no periódico Revista metropolitana da grande Vitória/ES), utilizou
Brasileira em Promoção da Saúde, cujo a abordagem qualitativa por meio de
objetivo foi apreender as dimensões do entrevistas semiestruturadas com 15
acesso e da Atenção Integral na rede do SUS pessoas transgêneras (travestis, mulheres e
na perspectiva da diversidade de gênero, homens transexuais). A investigação foi
utilizando a abordagem qualitativa como realizada na sede de associação capixaba
método de pesquisa e realizada em de redução de danos (ACARD) no Campus
Unidades Básicas de Saúde (USB) a partir da Universidade Federal do Espírito Santo
de grupos focais, dos quais participaram 19 (UFES), no ambulatório de Urologia do
pessoas da comunidade LGBT durante o ano Hospital Universitário (HUCAM) e na
de 2016 na cidade de Teresina/Piauí. O residência de alguns entrevistados. Porém, o
artigo apresenta as entrevistas de 11 ano da realização da coleta de dados da
transgêneros (seis travestis e cinco mulheres pesquisa não foi informado no artigo.
transexuais) sem divulgação das idades dos
participantes. O último artigo A4 (Souza & Pereira,
2015) foi resgatado da base de dados
O artigo A2 (Garcia, Albuquerque, & LILACS através dos unitermos 2.1 (pessoas
Adami, 2016) resgatado da PePSIC com os transgênero OR transgender persons AND
conjuntos de unitermos 2.1 (pessoas saúde OR health) teve como objetivo
transgênero OR transgender persons AND apresentar os cuidados com a saúde de
saúde OR health) foi publicado no periódico travestis do município de Santa Maria/RS e
Journal of Human Growth and Development, foi publicado no periódico Texto & Contexto
cujo objetivo foi o de identificar as Enfermagem. A pesquisa foi realizada entre
representações sociais e principais janeiro e novembro de 2012 com 49 travestis
245 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

em busca de cuidados com a saúde na da vida cotidiana). As idades das


cidade de Santa Maria/RS através do participantes variavam entre 18 e 53 anos.
método qualitativo de pesquisa por meio de Todas essas informações estão dispostas na
investigação etnográfica (entrevistas, Tabela 1 e 2.
observação participante e acompanhamento

TABELA 1.
Descrição e identificação do conteúdo amostral selecionado para a revisão.

Transexuais Coleta de dados Idade Período da


ID Lugar Amostra
Participantes (local e estratégia) participantes pesquisa
Não
A1 Piauí, Brasil 19 11 Unidade Básica de saúde/ Grupos Focais Ano de 2016
informado
Julho a
A2 Ceará, Brasil 30 09 Não informado/ Entrevista 18 a 51
setembro/ 2013
Sede ACARD, Campus UFES, Ambulatório
Espírito
A3 15 15 do HU e na residência/ 24 a 53 Não informado
Santo, Brasil
Entrevista e questionário socioeconômico
Pensionato, pontos de prostituição, casas
de Santo, desfiles de carnaval, paradas
Rio Grande Janeiro a
A4 49 49 LGBT/ Observação participante, entrevista 18 a 53
do Sul, Brasil novembro/ 2012
em profundidade e acompanhamento da
vida cotidiana

TABELA 2.
Principais resultados dos artigos recuperados.

ID Objetivos Principais resultados


Apreender as dimensões do acesso e da atenção Emergência no acesso às redes de atenção à saúde
integral na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) na integral da população LGBT com o intuito de promover
A1
perspectiva da diversidade de gênero. a inclusão em seus diversos equipamentos sociais.
Facilitar práticas de equidade.

Identificar Representações Sociais de saúde e Obstáculos no acesso aos serviços de saúde.


principais desigualdades, obstáculos e desafios
A2 vivenciados pela população de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais com relação ao
acesso aos serviços de saúde.
Discutir as dificuldades de pessoas trans moradoras Importância de elaborar programas de educação e
da região metropolitana da Grande Vitória/ES em campanhas permanentes sobre o direito de acesso ao
A3
acessarem os serviços de saúde no SUS. sistema de saúde livre de discriminação e com uso do
nome social.

Apresentar os cuidados com a saúde de travestis do Pouca adesão aos serviços institucionalizados de
A4
município de Santa Maria, Rio Grande do saúde, optando por outras formas de cuidado.
Sul, Brasil.

Os principais resultados (apresentados intuito de promover a inclusão em seus


na Tabela 2) ressaltados em cada um dos diversos equipamentos sociais, promulgar o
quatro artigos destacaram: a necessidade de respeito e facilitar práticas de equidade; a
melhorar o acesso às redes de atenção à existência de obstáculos no acesso aos
saúde integral da população LGBT com o serviços de saúde; a importância de elaborar

SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 246


Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

programas de educação e campanhas Descrição qualitativa


permanentes sobre o direito de acesso ao
sistema de saúde livre de discriminação e Os artigos foram agrupados em três
com uso do nome social; a evasão dos categorias temáticas a posteriori mediante a
usuários dos serviços institucionalizados de semelhança dos seus conteúdos, a saber: 1)
saúde, optando por outras formas de atendimento no SUS, 2) uso do nome social,
cuidado. e 3) IST/ AIDS – conforme pode ser
observado na Tabela 3.

TABELA 3.
Tabulação por artigo e categorias a serem analisadas.

ID Categorias

Atendimento no SUS
A1 Uso do nome social
IST/AIDS

Atendimento no SUS
A2
IST/AIDS

Atendimento no SUS
A3 Uso do nome social
IST/AIDS
Atendimento no SUS
A4 Uso do nome social
IST/AIDS

Categoria 1 – Atendimento no SUS. artigo (A4) foi mencionado que esta acabou
optando por tratamento particular quando
Os quatro artigos abordaram a percepção da precisa de algum cuidado médico, pois
população transgênera em relação ao quando paga pelo tratamento acaba sendo
atendimento recebido no SUS (Ferreira, efetivamente respeitada. No mesmo artigo,
Pedrosa, & Nascimento, 2018; Garcia, outra travesti relatou que às vezes prefere se
Albuquerque, & Adami, 2016; Rocon, tratar em casa a ir ao serviço público de
Rodrigues, Zamboni, & Pedrini, 2016; Souza saúde para evitar olhares, ironias e ser
& Pereira, 2015). Os relatos dos chamada pelo nome do registro do
entrevistados naqueles artigos apontaram nascimento (que não condiz com seu nome
questões diversas, tais como o incômodo social nem com sua autodeterminação de
pela forma como são tratadas as pessoas gênero).
transgêneras nos serviços de saúde
(sobretudo pelo ajuizamento moral e social) Nos artigos foi destacado, ainda, que
e o distanciamento evidenciado por meio de comumente ocorre discriminação por parte
gestos, olhares preconceituosos e falas dos de trabalhadores da saúde (incluindo
profissionais de saúde do SUS. recepcionistas, vigilantes e integrantes das
equipes médicas) em relação à população
Os participantes das pesquisas LGBT e que, segundo a perspectiva das
destacaram que (devido à atuação dos participantes, está associado ao despreparo
profissionais e seu despreparo), tentam destes profissionais para lidar com as
evitar a discriminação abandonando o diferentes demandas desses sujeitos
serviço de saúde e acabam se (Ferreira, Pereira, Tajra, Araújo, Freitas, &
automedicando. No relato de uma travesti do Pedrosa, 2017).
247 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

Massignam, Bastos e Nedel (2015) travestis e transexuais. Por exemplo, por


apontaram que muitas pesquisas evidenciam reivindicarem atendimentos especializados
que as experiências discriminatórias nos para demandas que não se colocam para
contextos de saúde acarretam iniquidades e outros segmentos populacionais – tais como
efeitos negativos para a saúde. Com a as alterações corporais associadas ao uso
população LGBT não é diferente, tanto que de hormônios e silicone industrial por conta
em 2011 o Ministério da Saúde lançou a própria, ou seja, sem acompanhamento
Portaria nº 2.836 instituiu a Política Nacional médico especializado, acarretando riscos
de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, graves à saúde como acidente vascular
Bissexuais, Travestis e Transexuais. cerebral (AVC), aneurismas e ulcerações
Segundo Massignam et al. (2015) essas com carcinomas no caso do uso do silicone
ações e políticas não asseguram a esses industrial (Calderaro et al., 2008). Entretanto,
grupos o fim da discriminação nos serviços os profissionais de saúde, como relataram
públicos de saúde, entretanto, ao criar Calderaro et al. (2008), acabam por
barreiras e constrangimentos na execução culpabilizar homens/mulheres transexuais e
da discriminação (que, não raro, ocasiona a as travestis pelos adoecimentos e/ou
exclusão de um direito universal) há maior problemas de saúde, como se estes fossem
visibilidade das necessidades das uma punição por transgredirem o binarismo
populações transgêneras. Deste modo, heteronormativo que a sociedade tenta impor
constitui uma modalidade de intervenção que como normal.
incide diretamente sobre as normas culturais
vigentes em uma determinada sociedade No ano de 2008 o Ministério da Saúde
com iniciativas voltadas para a superação de publicou um texto de difusão técnico-
práticas discriminatórias. científica (Brasil, 2008), no qual foram
discutidas ações voltadas para a promoção
Contudo, Massignam et al. (2015) de ações diferenciadas em saúde, cujo
ressaltaram que é necessário lembrar que objetivo era reduzir as desigualdades de
essas políticas só se viabilizam quando grupos em condições de exclusão social e
traduzidas à realidade específica local, iniquidade em saúde. O combate à
exigindo um esforço conjunto, sob a homofobia e à transfobia é uma das
perspectiva de cada um e de todos os estratégias pretendidas para garantir o
gestores, técnicos, conselheiros e demais acesso aos serviços de saúde visando à
envolvidos na produção do cuidado em qualidade da atenção prestada. Isso ocorre
saúde – ou seja, trata-se de uma orientação porque dentre os princípios do SUS estão a
político-institucional específica e deliberada universalidade, a partir do qual todos têm
na área da Saúde. Assim, tais ações só se acesso gratuito aos serviços de saúde, e a
efetivam com um trabalho conjunto para integralidade, segundo a qual devem ser
promover a saúde integral da população ofertadas todas as modalidades de
LGBT, eliminando a discriminação e o atendimentos disponíveis, compreendendo
preconceito institucional e contribuindo para desde iniciativas e ações de promoção e
a redução das desigualdades e para a prevenção até as intervenções
consolidação do SUS como sistema especializadas em saúde (Brasil, 2008).
universal, integral e equitativo, como
assegurado pela Política Nacional de Saúde A capacitação dos profissionais de saúde
Integral LGBT (Brasil, 2011). acerca das práticas sexuais e sociais da
população LGBT é uma das políticas de
Para Melo et al. (2011) os problemas enfrentamento da iniquidade, que requer
enfrentados pela população LGBT, no que iniciativas constantes e estratégias
diz respeito ao acesso a serviços de saúde, inovadoras, segundo o Ministério da Saúde
são ainda mais específicos nos casos de (Brasil, 2008), pois só assim a atenção e o

SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 248


Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

cuidado em Saúde serão condizentes com gera diversos constrangimentos. Esse


as legítimas necessidades e demandas desrespeito, em muitas situações, acaba
dessa população. inviabilizando que essa população busque
pelo serviço de saúde.
Categoria 2 – Uso do nome social.
Na área da Saúde, desde 2006, nos
Publicados entre 2015 e 2018 três artigos documentos e prontuários é destinado um
(Ferreira, Pedrosa, & Nascimento, 2018; campo específico para o preenchimento do
Rocon, Rodrigues, Zamboni, & Pedrini, 2016; nome social do usuário (Brasil, 2006).
Souza & Pereira, 2015) abordaram o uso e Entretanto, ainda falta em muitas situações e
respeito pelo nome social. Esta questão serviços, por parte dos profissionais da
também se encontra presente nas saúde, respeitarem o nome social tanto no
discussões de Calderaro et al. (2008) ao acolhimento quanto nos atendimentos. Essa
discorrerem sobre uma mulher transexual ação diminuiria, senão impediria, a
que busca o pronto-socorro e já na recepção ocorrência de constrangimentos que podem
precisa mostrar o documento de gerar uma barreira ao acesso a esses
identificação pessoal. Essa mulher passou serviços e evasão do mesmo. Para Silva,
pelo primeiro constrangimento por possuir Silva, Coelho e Martiniano (2017) a
uma aparência física e social feminina e ter o viabilização do uso do nome social, tanto
nome masculino e o sexo masculino oralmente como nos documentos e
indicados na carteira de identidade, sendo prontuários oficiais dos serviços de saúde,
que o segundo desagrado ocorreu no também viabilizaria caminhos para a
momento da consulta por ter o nome de concretização da atenção integral a saúde,
registro pronunciado em voz alta para todos pois o transgênero que estiver buscando o
os presentes, causando um desconforto e serviço de saúde irá se sentir acolhido e
olhares a sua volta, olhares esse de respeitado naquele espaço, possibilitando a
estranheza e reprovação. Esse exemplo foi adesão ao tratamento e o prosseguimento
escrito em 2008, porém, uma década após, nas consultas e tratamentos necessários.
discute-se o mesmo modus operandis por
parte de muitas equipes de saúde, mesmo Segundo Silva et al. (2017), ao se sentir
sendo assegurado o preenchimento do nome reconhecido, compreendido em sua
social nos documentos de identificação do autodeterminação de identidade de gênero
SUS (cartão do SUS e prontuário), como e, principalmente, respeitado, o usuário
explicita a Carta dos Direitos dos Usuários do sente-se confortável para acessar os
SUS (Brasil, 2006). serviços e usufruir de seus direitos em
saúde, além de se sentir inserido na
Os relatos dos artigos analisados sociedade. Os processos de atenção e de
(Ferreira et al., 2018; Rocon et al., 2016; cuidados em Saúde, a permanência no
Souza et al., 2015) apresentaram o serviço e a aderência aos cuidados passa
desrespeito à utilização do nome social já no pelo uso do nome social, pois as travestis e
acolhimento dos serviços, a começar pela as pessoas transexuais sentem-se acolhidas
exigência por parte do usuário que se lhe nas ações de promoção do acesso aos
seja utilizado o nome social – haja vista que serviços de saúde a partir do
isso não é cumprido (segundo relato dos estabelecimento de vínculos profissional-
próprios participantes) pelos profissionais de paciente e instituição-paciente (Silva et al.,
saúde nas pesquisas citadas. O desrespeito 2017). Além de que estimularia o respeito à
ao nome social faz com que essa população, diversidade, aboliria a violação de direitos na
mesmo quando procure pelo serviço de esfera da Saúde e reafirmaria o
saúde, acabe não aguardando pelo ou compromisso de universalidade e equidade
aderindo ao atendimento pelo fato de ser do SUS que passa pela ordem do respeito ao
chamado pelo nome do registro, o que lhe nome social.
249 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

Categoria 3 – IST/AIDS. profilaxia pós-exposição não ocorre


discriminação como exemplificado no A3.
A temática da população transgênera com as Porém, o artigo A4, por sua vez, uma
IST e a AIDS são abordadas nos quatro participante travesti relatou que o
artigos (Ferreira, Pedrosa, & Nascimento, atendimento médico foi realizado com a
2018; Garcia, Albuquerque, & Adami, 2016; porta aberta no serviço de testagem anti-HIV
Rocon, Rodrigues, Zamboni, & Pedrini, 2016; e ela se sentiu muito constrangida com este
Souza & Pereira, 2015). Segundo Calderaro fato, além de também não respeitarem seu
et al. (2008) em meados da década de 1990, nome social, fazendo com que fosse embora
o Governo Federal estabeleceu o Programa sem realizar os exames necessários.
Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis e AIDS (PNDST/AIDS), por Para Melo et al. (2011) existe um desafio
intermédio do Ministério da Saúde, devido à em assegurar que as práticas já
epidemia do HIV/AIDS que atingiu o País. O desenvolvidas nas ações relativas ao
Governo Federal Brasileiro começou a dirigir tratamento de pessoas com IST/AIDS sejam
esforços de atenção à saúde às primeiras expandidas para todos os âmbitos de ações
vítimas dessa epidemia, que incluía também do SUS de maneira a garantir que travestis e
as travestis e transexuais. Porém, Calderaro transexuais encontrem atendimentos de
et al. (2008) apontaram que a saúde da qualidade quando buscarem cuidados para
população transgênera não pode ser restrita sua saúde, independentemente de sua
ao campo da IST/AIDS, pois, segundo os orientação sexual e identidade de gênero, e
autores, todas as doenças físicas e psíquicas também independente de seu estado
podem atingir a população como um todo, sorológico para o HIV.
além de que ao buscarem cuidados de saúde
se depararem com situações que não É preciso reiterar que a porta de entrada
ocorreriam na vida de quem está inserido no para o sistema de saúde muitas vezes acaba
binarismo heteronormativo. Segundo Butler sendo o ambulatório de IST/AIDS, pelo fato
(2016), pessoas transgêneras e transexuais de a população transgênera se encontrar em
não vivenciam as discriminações, situação de vulnerabilidade e risco social,
constrangimentos, preconceitos uma vez que as instituições escolares e a
institucionais e ajuizamentos morais como as própria família não raro os expulsam (desses
pessoas cisgêneras, estando mais expostas locais, que deveriam ser espaços de
às vulnerabilidades e riscos psicossociais. proteção social e pessoal) devido à
transfobia. Com pouca ou nenhuma
Segundo Melo et al. (2011) as escolaridade, sem um lar e com uma
transexuais e travestis não buscam os fragilizada rede de cuidados e proteções,
serviços de saúde apenas quando inseridas resta a muitos transgêneros e travestis a
no processo de readequação sexual ou em prostituição como atividade geradora de
consequência da infecção do HIV/AIDS. renda, o que aumenta o risco de
Contudo, muitas vezes o acesso da contaminações (e de transmissões) de
população LGBT aos serviços de saúde tem IST/AIDS – estabelecendo um círculo
como porta de entrada principal e quase danoso.
única os ambulatórios especializados em
HIV/AIDS, “confinando” as travestis e Como referido nas categorias
transexuais aos ambulatórios específicos e, precedentes (“Atendimento no SUS” e “Uso
em alguns casos, as aborda como do nome social”) a capacitação dos
infectantes (às vezes, sem realmente serem) profissionais de saúde sobre as práticas
já que os serviços estão interligados às sexuais, sociais e questões de gênero (Silva
demandas de IST e AIDS. Os mesmos et al., 2017) da população LGBT é uma das
autores comentam que no serviço de políticas de enfrentamento da iniquidade que

SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 250


Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

requer iniciativas constantes e estratégias investigação na área do atendimento em


inovadoras e assertivas. Segundo o Saúde tendo como público-alvo a população
Ministério da Saúde (Brasil, 2008) só assim transgênera.
o cuidado e a atenção à saúde serão
condizentes com as reais necessidades e Numa apreciação ampla os artigos
demandas (em saúde) dessa população para analisados evidenciam a importância da
ultrapassar a equivocada associação dos formação continuada dos profissionais da
processos de saúde/doença dessa Saúde, bem como dos investimentos
população à epidemia de IST/AIDS. públicos para o desenvolvimento dessas
capacitações e conscientização dos
Considerações Finais profissionais sobre as questões de gênero,
ao enfatizar o respeito pela utilização do
Algumas pesquisas vêm sendo nome social como ferramenta política para a
desenvolvidas em torno da questão dos inclusão de travestis e transexuais no
atendimentos em saúde sob a perspectiva processo de atenção e de cuidado em Saúde
das pessoas transgêneras, porém poucas a no âmbito do sistema público de saúde. Além
têm abordado a partir da perspectiva dos(as) disso, também é necessário refletir sobre a
próprios(as). Foi possível essa identificação necessidade de transformar as
quando se observa que dentre os (22) artigos representações tradicionalistas e moralistas
que permaneceram para leitura na íntegra, a de gênero e sexualidade vigentes de
ampla maioria (18) foram excluídos por ou maneira que os estereótipos e
analisar o atendimento pela perspectiva dos representações de gênero não causem
profissionais de saúde e não dos usuários; maiores problemas e consequências para as
ou discutir a questão da violência sem pessoas que não se encaixam no binarismo
abordar a questão na área da Saúde; ou homem/mulher e que seja permitido a cada
analisar a questão da transmissão do ser humano se expressar no mundo de
IST/AIDS nessa população especifica, mas maneira que lhe parecer mais adequado.
não o atendimento em si; ou abordar a Trata-se, em última instância, de uma
questão cultural do considerado terceiro discussão não sobre moral sexual, mas sim
gênero; ou discutir somente no plano teórico da garantia de direitos fundamentais por
os atendimentos na área da saúde; ou, por parte de todo e qualquer cidadão.
ainda e por fim, não abordar o SUS como
local ou cenário da pesquisa. Por fim, é indispensável compreender o
que esses sujeitos pensam a respeito de
A respeito da presente revisão algumas processos que lhes dizem respeito, de modo
limitações podem ser apontadas. Dentre elas a incluí-los na discussão e tomadas de
o pouco número de artigos recuperados é o decisões pertinentes a esse tema, o que
mais significativo, uma vez que o número de estimula a realização de novos estudos e
quatro artigos não permite generalizações; investigações acerca das percepções dos
assim como a utilização de apenas artigos transgêneros sobre o atendimento nos
disponibilizados gratuitamente e a não serviços de saúde público com o intuito de
inclusão de outras formas de fontes (livros, identificar suas demandas, necessidades,
capítulos, dissertações, teses, editoriais, especificidades, constrangimentos e
comunicações em eventos científicos – dificuldades. Apenas isso pode melhorar,
dentre os quais certamente se espera que qualificar, aprimorar e facilitar o acesso à
alguns serão comunicados em formato de atenção e aos cuidados em saúde dessa
artigos científicos nos próximos anos). Por população em especial, e também de todos
outro lado, essa mesma limitação aponta e os cidadãos ao sistema público de saúde.
reforça a premente necessidade em explorar
esse campo de investigação, pois evidencia
a relevância de ampliar e aprofundar a
251 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019
CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

REFERÊNCIAS popular. (p. 57-68). Goiânia, GO:


Cânone Editorial.
Arán, M. & Peixoto Júnior, C. A. (2007). Ercole, F. F., Melo, L. S., & Alcoforado, C. L.
Subversões do desejo: sobre gênero e G. C. (2014). Revisão integrativa versus
subjetividade em Judith Butler. Revisão sistemática. Revista Mineira de
Cadernos Pagu, 28, 129-147. DOI: Enfermagem, 18(1), 9-11. DOI:
10.1590/S0104-83332007000100007 10.5935/1415-2762.20140001
Bento. B. (2017). O que é transexualidade. Ferreira, B. O., Pedrosa, J. I. S., &
Taubaté, São Paulo: Brasiliense. Nascimento, E. F. (2018). Diversidade
Brasil. (1988). Constituição da República de gênero e acesso ao sistema único de
Federativa do Brasil de 1988. saúde. Revista Brasileira em Promoção
Recuperado de da Saúde, 31(1), 1–10. DOI:
http://www.planalto.gov.br/ccivil03/cons 10.5020/18061230.2018.6726
tituicao/constituicaocompilado.htm Ferreira, B. O., Pereira, E. O., Tajra, F. O.,
Brasil. Ministério da Saúde. (2016). Decreto Araújo, Z. A. M., Freitas, F. R. N. N., &
Presidencial nº8901 de 10 de novembro Pedrosa, J. I. S. (2017). Caminhos e
de 2016. Publicado no DOU de 11 de vivências de investigação acerca da
novembro de 2016. Recuperado de saúde da população LGBT em uma
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a capital do nordeste brasileiro. Tempus,
to2015-2018/2016/decreto/d8901.htm Actas de Saúde Coletiva, 11(1), 41-49.
Brasil. Ministério da Saúde. (2006). Portaria DOI: 10.18569/tempus.v11i1.1855
nº675 de 30 de março de 2006. Carta Garcia, C. L., Albuquerque, G. A., & Adami,
dos direitos dos usuários da saúde. F. (2016). Saúde de minorias sexuais do
Recuperado de nordeste brasileiro: Representações,
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/Fil comportamentos e obstáculos. Journal
e/CIB/LEGIS/PortGMMS_675_30marco of Human Growth and Development,
_2006_carta_dos_direitos.pdf 26(1), 94-100. DOI:
Brasil. Ministério da Saúde. (2008). Saúde da 10.7322/jhgd.110985
população de gays, lésbicas, Lionço, T. (2009). Atenção integral à Saúde
bissexuais, travestis e transexuais. e diversidade sexual no Processo
Revista de Saúde Pública, 42(3), 570- Transexualizador do SUS: avanços,
573. impasses, desafios. Psysis: Revista de
Brasil. Ministério da Saúde. (2011). Portaria Saúde Coletiva, 19(1), 43-53. DOI:
nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. 10.1590/S0103-73312009000100004
Política Nacional de Saúde Integral de Massignam, F. M., Bastos, J. L. D. & Nedel,
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e F. B. (2015). Discriminação e saúde: um
Transexuais. Recuperado de problema de acesso. Revista
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudeleg Epidemiologia e Serviços de Saúde,
is/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html 24(3), 541-544. DOI: 10.5123/S1679-
Butler, J. (2014). Regulações de Gênero. 49742015000300020
Cadernos Pagu, 42, 249-274. DOI: Melo, L., Perilo, M., Braz, C. A., & Pedrosa,
10.1590/0104-8333201400420249 C. (2011). Políticas de saúde para
Butler, J. (2016). Problemas de Gênero: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
Feminismo e subversão da identidade. transexuais no Brasil: em busca de
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. universalidade, integralidade e
Calderaro, F., Fernandes, B., & Mello, L. equidade. Sexualidad, Salud y
(2008). Cidadania TTLBG e o direito à Sociedad, 9, 7-28. DOI: 10.1590/S1984-
saúde no Brasil. In: D. G. Rocha, J. R. 64872011000400002
Lima, L. Mello, & I. V. Batista (Org.), Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. C. P., &
Diversidade e equidade no SUS: Galvão, C. M. (2008). Revisão
parceria universidade e educação
SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 252
Revisão sistemática da literatura sobre atendimentos em saúde pública sob a perspectiva de pessoas transgêneros

integrativa: métodos de pesquisa para a Coletiva, 27(3), 835-846. DOI:


incorporação de evidências na saúde e 10.1590/S0103-73312017000300023
na enfermagem. Texto & Contexto Souza, M. H. T., & Pereira, P. P. G. (2015).
Enfermagem, 17(4), 758-764. DOI: Cuidado com saúde: as travestis de
10.1590/S0104-07072008000400018 Santa Maria, Rio Grande do Sul. Texto
Rocon, P. C., Rodrigues, A., Zamboni, J., & & Contexto Enfermagem, 24(1), 146-
Pedrini, M. D. (2016). Dificuldades 153. DOI: 10.1590/0104-
vividas por pessoas trans ao sistema 07072015001920013
único de saúde. Ciência & Saúde Souza, M. T., Silva, M. D., & Carvalho, R.
Coletiva, 21(8), 2517-2525. DOI: (2010). Revisão integrativa: o que é e
10.1590/1413-81232015218.14362015 como fazer. Einstein, 8(1), 102-106.
Santos, C. M. C., Pimenta, C. A. M., & Nobre, DOI: 10.1590/s1679-45082010rw1134
M. R. C. (2007). A estratégia PICO para
a construção da pergunta de pesquisa e
busca de evidências. Revista Latino-
Americana de Enfermagem, 15(3), 508-
511. DOI: 10.1590/S0104- Todos los trabajos publicados en
Revista Salud & Sociedad (ISSNe:0718-7475)
11692007000300023 están sujetos a una licencia Creative Commons
Silva, L. K. M., Silva, A. L. M. A., Coelho, Reconocimiento 4.0 Internacional
A.A., & Martiniano, C. S. (2017). Uso do
nome social no sistema único de saúde:
elementos para o debate sobre a
assistência prestada a travestis e
transexuais. Physis: Revista de Saúde

253 SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019


CARLA RIBEIRO COHEN • RAFAEL DE TILIO

RESUMO
Objetivo: O presente estudo tem como objetivo apresentar uma revisão integrativa da literatura científica nacional e internacional
(publicada no Brasil) sobre como os transgêneros percebem o atendimento realizado no serviço público de saúde. Método: A partir de
uma questão norteadora elaborada segundo a estratégia PICO (acrônimo para Paciente, Intervenção, Comparação, Outcome/Desfecho)
para realização de revisões sistemáticas da literatura científica, as bases de dados utilizadas foram SciELO, Lilas, MedLine, PePSIC e
APA PsycNET ao combinar unitermos que estabelecessem relação com a temática. Resultado: Foram recuperadas 5336 fontes, sendo
este total refinado seguindo os critérios de inclusão e exclusão (de título e de resumos) determinados pelos autores: incluir a população
trans na sua pesquisa e responder à pergunta norteadora da pesquisa. Assim, quatro artigos foram totalmente recuperados para
analisados de acordo com a semelhança de seu conteúdo em três categorias temáticas (atendimento no SUS, uso do nome social,
infecções sexuais e AIDS), cujos principais resultados destacam as dificuldades desta população quanto à consolidação dos seus direitos
na atenção/promoção à saúde pelo poder público. Conclusao: Ressalta-se a importância de se realizar mais estudos sobre a percepção
das pessoas trans sobre os cuidados nos serviços públicos de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Pessoas transgênero, transexuais, saúde, sistema único de saúde.

RESUMEN
Objetivo: El objetivo de este estudio fue realizar una revisión sistemática de la literatura científica brasileña e internacional (publicada
en Brasil) en el período comprendido entre 2008 y 2018 sobre cómo perciben los transexuales la atención prestada en los servicios de
salud pública brasileña. Método: A partir de una pregunta orientadora establecida de acuerdo a la estrategia PICO (acrónimo de
Paciente, Intervención, Comparación, Outcome/resultado) para revisiones de literatura sistemáticas las bases de datos SciELO, Lilas,
MedLine, PePSIC y APA PsycNET fueron utilizadas combinando términos específicos. Resultados: Recuperamos 5,336 artículos de
acuerdo con criterios de inclusión y exclusión entre los cuales debían incluir a la población transgénero en su investigación y responder
a la pregunta guía de la investigación. Analizamos cuatro artículos en tres categorías temáticas: atención del SUS (sistema público de
salud brasileño), uso del nombre social, infecciones sexuales y SIDA. Conclusión: Los resultados resaltan las dificultades de esta
población con respecto a la consolidación de sus derechos en la atención/promoción de la salud pública. Enfatizaos la importancia de
más estudios sobre la percepción de las personas transgénero sobre la atención en los servicios de salud pública.

PALABRAS CLAVE: Personas transgénero, transexuales, salud, sistema único de salud.

SALUD & SOCIEDAD | V. 10 |No. 3|SEPTIEMBRE - DICIEMBRE| 2019 254

You might also like