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Documentagao Histéria Local e Historia Oral* RESUMO © artigo apresenta 0 campo tradi- cional da Hist6ria local, sua muttiplicidade documental e seu enraizamento junto ao pablico que habita na drea estudada. Des- tacando novas possibilidades teméticas ¢ analtticas para a Historia local, 0 texto enfatiza a importancia do apelo ao depoi- ‘mento oral, discutida, como o lacal, em articulacdo com outros niveis de expe- riéncia ¢ documentagéo. Raphael Samuel ** ABSTRACT Local History and Oral History This article presents the tradicional field of Local History, its variety of sorces and its roots within the communily. Pointing out new subjecis and approaches for Local History. The article emphasizes the use of Oral iestemony as much as the Local in relation to other sources and different degrees of experience. =~ A Hist6ria local, apesar das tentativas de fazer que cla se alinhe com outras formas de pratica de Hist6ria, ainda est4 muito circunscrita a um grupo de entusiastas. Um mero rabisco pode acender a imaginacao de um historiador — uma referéncia & morte de uma lactente ou uma nota marginal relacionada a um antigo cura local. Ele pode ainda ficar horrorizado com uma brutalidade casual revelada nos arquivos de uma casa de corregdo, ou com as “remogbes” especificadas nos relatétios paroquiais, como aquclas reproduzidas por Reginald Hine, o historiador de Hitchin, em seu livro Confessions of an Uncommon Attorney (estes exemplos sao de 1710): “Para o alojamento e alimentagdo de uma mulher c para livrar-se dela, Is 3d. Pago para uma mulher gravida e dua’ criangas para sairem da cidade, 4d. Pago a Mary Gregory para ir embora, tendo, suas criangas, variola, Ts.” Uma velha ferrovia ou cervejaria pode lev4-lo ao caminho do comércio local, assim como uma velha enx6 enferrujada pendurada no seu gancho, ou * Tradugio de Zona Winoma Eisenberg. ** Ruskin College, Oxford. a descoberta, por acaso, de um “Day Book”. Ele pode ficar animado com uma hist6ria de um jornal velho (ou com anincios, investigagdes ou telatérios policiais), fascinado pelos vestigios dos romanos ou intrigado - com a lenda de um incidente mal lembrado, que requer um contexto explicativo. Ou ainda sua simpatia pode ter sido estimulada pela luta de seus antepassados, como foi 0 caso dos escritores metodistas do século XIX descrevendo as origens humildes da capela, e como é para o sindicalista, hoje, escrevendo sobre os tempos de Tolpuddle — ou a Greve Geral. As fontes, uma vez que um projeto tenha se iniciado, s&o infinitamente variadas, incluindo tanto achados arqueolégicos como restos liter4rios, cultura material, manuscritos ¢ arquivos, dialeto e fala ou a palavra impressa, Mas as fontes nunca so tio ilimitadas a ponto de o pesquisador perder-se nelas e boa parte de seu tempo seri gasto em perseguir fatos fugidios, datando uma parede ou um prédio, mapeando o caminho do gado, completando uma drvore genealdgica. A coleta, ao menos para o historiador dos tempos modernos, nao é tanto a questiio de separar 0 joio do trigo como. a de ceifar a espiga solitaria. A Historia local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nivel de desenvolvimento nacional ¢ d4 ao pesquisador ‘uma idéia muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina ¢ descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler 0 seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos. As categorias abstratas de classe social, ao invés de serem pressupostas, t8m de ser traduzidas em diferengas ocupacionais € trajet6rias de vidas individuais; o impacto da mudanga tem de ser medido por suas conseqiiéncias para certos domicflios, Os materiais bdsicos do processo histérico devem ser constitufdos de quaisquer materiais que estejam a disposigao no local ou a estrutura nfo sé manterd, O recém-chegado encontrar o caminho bem indicado por alguns sinais {uma pequena lista deles est4 anexada no fim deste artigo), Tate —ou 0 cura local - ird elucidar os mistérios da arca paroquial; Emmison — ou os funcionérios do arquivo municipal — ir servir como guia para as listas da milicia, do imposto predial ou das sessdes timestrais. Na prefeitura, o escrevente do comité principal ira usar suas chaves para abrir as salas do Pordo, apesar de isso exigir paciéncia e tato (no Borrow-in-Furness, o historiador da cidade conseguiu apenas receniemente ter acesso a0 arquivo da corporacdo, depois de uma luta diplomética que durou vinte anos), enquanto na biblioteca local 0 pesquisador ir4, com freqtiéncia, achar uma colec¢4o bem suprida e ricamente fichada de materiais impressos e coisas efémeras, ‘incluindo, talvez, os cadernos de anotagdes depositados pelos antecessores 220 antiqudrios ¢, em tempos mais recentes, os recories de jornais arquivados pelos bibliotecdrios. (Em uma velha biblioteca central, tal como a de Birmingham ou a de Manchester, encontrar-se-do necrologias dos notaveis locais de cem anos atrés.) Alfarrabios podem ajudar muito, também: muitos deles sfo especializados em livros sobre o local ¢, se um item desejado no ‘se encontra na prateleira, eles podem anunciar nas revistas especializadas (0 Directory of Dealers in Secondhand and Antiquarian Books é uma compra que vale a pena para aqueles que querem fazer sua propria procura). A Hist6ria local tem também a forga popular, tanto como uma atividade quanto como uma forma literéria. Os jornais municipais do século ‘XIX dedicavam até meia pagina semanalmente para as notas de antiquérios (a forma em série na qual muitas Histérias locais daquele tempo apareceram); hoje, a publicagao de Histéria local em jornal é mais rara, mas locais — como o sempre itil “Anthony Wood” do Oxford Mail - esta0 freqiientemente famintos pelos itens que o pesquisador pode prover (0 mesmo & verdade também para a ridio local), um planfleto de Histéria local, qualquer que seja sua quantidade, é um garantido “best-seller” local (Otmoor aad its seven towns tem vendido milhares de cépias no Blackwell desde que teve sua primeira edi¢do em 1961, enquanto o People's autobiography of Hackney alcangou vendas acima de mil cSpias por seus panflews em questo de meses). As pessoas esifio continuamente colocando para si mesmas questées relacionadas ao local onde moram ¢ sobre como viveram seus antepassados. Elas t2m agucado senso de heranga, valorizando a iconografia — velhos contratos de aprendizagem ou cartOes de dia dos namorados, medalhas de bronze por freqiéncia, livros de prémio da escola dominical, carties postais de férias — e, uma vez que sua curiosidade tenha sido estimulada, elas poderdo ficar ansiosas por ajudar, remexendo nos velhos papéis para ver 0 que podem cavar, submetendo-se a question4rios detalhadas ¢ oferecendo, voluntariamente, informagOes. Freqientemente, o historiador local estaré utilizando a reflexio acumulada sobre sua experiéncia de vida ¢ no € acidental que tantas Histérias de vilas e paréquias tenham sido escritas por homens ¢ mulheres ativamente engajados em eventos locais, desde clérigos ¢ advogados no passado até ativistas de movimentos comunitétios de. hoje, como os autores de Fly a Flag for Poplar, ou os editores de People’s Autobiography of Hackney. Sindicalistas veteranos, depois de uma vida de atividades, assumirao a Hist6ria da Federagao Sindical; professores ‘aposcntados irdo falar sobre a escola local ¢ juizes de paz ¢ vereadores fardo 0 telatério dos eventos municipais. O velho socialista faz de si mesmo uma biblioteca e um arquivo (os de Alf Mattison, agora divididos entre a biblioteca central de Leeds ¢ a “Bartherton”, sio a maior fonte de Histéria local); o andaritho inveterado, com um robusto par de botas, reconstréi a paisagem desaparecida; 0 Women's Institute (elas eram responsdveis por algumas das melhores Histérias locais dos anos entre-guerras) faz um inventério do lar. Por que seré, entSo, que tanta Histéria local, embora escrita como um trabalho de amor, 6 to repetitiva ¢ sem vida? Por que, sob o microse6pio do historiador, as federacdes sindicais, os intematos ou os negécios de familia Se parecem tanto? Por que as préprias localidades, quando reconstituidas ao longo dos anos, parecem tio intercambiaveis? Nas antigas Histérias paroguiais, havia um conjunto de t6picos bem batidos: 0 fazendeiro ¢ seus parentes, a igreja e seus beneficiados, o senhor feudal ¢ sua corte. Pode haver notas extensas sobre folclore ¢ etimologia ©, se o autor era um bom botanico, seria dedicado um capitulo (ou um apéndice) a “flora ¢ fauna”. Catélicos € “nao-conformistas”, apesar de devidamente mencionados, constantemente, receberiam menos atengao do que a construgo da igreja paroquial ou os escritos nos timulos de familias, enquanto a indistria e 0 comércio seriam freqiientemente relegados ao capitulo das miscelancas no final. A revolugdo burguesa na Hist6ria local — um evento mais propriamente do século XX do que do século XVII — mudon tudo aquilo ¢ hoje é mais provavel que se dé maior atengiio 4s pessoas importantes no municipio do que aos vigérios, aos manufatureiros filant6picos do que aos cavaleiros e fazendeiros medievais. O transporte ¢ a comunicagdo ocupam 0 capitulo antes concedido As plantas, as mudangas demogréficas atraem maior tengo do que a genealogia, as tabelas de pregos tomam o lugar das rendas ¢ multas feudais. No entanto, as novas convengdes, apesar de diferentes, podem limitar tanto quanto as velhas. ‘Uma dificuldade est4 na natureza dos documentos, que variam muito pouco de lugar para lugar e s4o bastante voltados para o governo local. Uma. colegdo de relatérios de um oficial da igreja - uma documentag4o muito comum para o historiador da paréquia do século XVIII ¢ comego do século XIX — 6 muito parecida com cutra eo mesmo pode ser dito sobre os didrios escolares: pelo menos, desde a vinda das Juntas de educacdo, nos anos 1870, tanto a forma como 0 contetido das entradas foi rigorosamente padronizado. Os censos paroquiais, ou os manuscritos des recenseadores, dizem-nos pouco sobre a vida de familia além do tamanho do domicilio e, como os demégrafos de Cambridge tém tomado 0 cuidado de argumentar, isto mostra uma grande semelhanga entre momentos distintos ¢, comparativamente, uma leve variagiio local. Os censos so uma fonte igualmente insatisfatéria para a discussao de estrutura ocyy ino que freqiientemente se traduz em uma enumeracao de ocupagao. As Instituigdes Filantrdpicas ¢ a ajuda oficial aos pobres, é dado um espago totalmente desproporcional, por nenhuma razao 222 melhor do que a comparativa abundancia de sua documentagao, e 0 mesmo pode ser dito, nas histérias de cidades do século XIX, do assunto do saneamento (Trowbridge's Fight for Pure Water, 1864-1874, 0 titulo expressivo do Panfleto da Associacao Histérica de West Wilts, ¢ ele poderia encontrar capitulos comparaveis em vdrios outros trabalhos). Como resultado, uma Histéria local tende a ser parecida com outra ¢, apesar de o historiador estar disposto a valorizar qualquer excentricidade que apareca no seu caminho (os pagamentos pelos oficiais da igreja para combater os ourigos, por exemplo, ou instrugdes inspiradas por mercantilistas para 0 sepultamento com mortalha de 14), as excentricidades, por si mesmas, so capazes de ser repetitivas, refletindo fun¢Ses convencionais da sacristia ou formas padronizadas administrativas, Na Historia urbana, a tendéncia administrativa dos documentos é reforgada pela preocupagdo com “melhoramentos”, que oferecem ao escritor documentagao e tema prontos. A vila de Wantage e a vila de Exeter, na época vitoriana, podem se parecer muito quando estudadas do ponto de vista de aumento da populagdo, medidas de satide piblica ou difusiio de escolas. A tendéncia dos documentos “de familia” ~ ao menos dos encontrados nos arquivos da cidade ou do municipio — é de limitar bastante, assim como 9s relatérios de bairros, didrios de casa de trabalho ou do tesouro paroquial. O grande volume de documentos “de familia” depositados num cartério & constituido de papéis de inventdrios, procuragdes e aquela massa de escrituras, testamentos e titulos de compra e venda que enchem p4ginas nos indices. Eles sio, em sua maior parte, contratos entre proprietarios e inquilinos, preservados por motivo de contabilidade, ou documentos legais resultantes de disputa. Como resultado, propriedade ¢ negociagées de propriedades ocupam um espago desproporcional em muitas Histérias locais ¢ hd uma énfase privilegiada om grandes propriedades. Na Hist6ria de um subirbio, por exemplo, provavelmente dominario os construtores de estradas, de casas ¢ loteadores apenas porque eles tém deixado evidéncias mais permanentes e sisteméticas de suas atividades do que qualquer outra pessoa. E mais facil, por exemplo, reconstruir a Histé6ria da construgio do Belsize Park, como F.M.L. Thompson tem feito em seu muito apreciado History of Hampstead, do que dar conta satisfatoriamente de aspectos mais dificeis da vida local, como a segao do Partido Comunista de Adelaide, as pecas de xadrez no Prompt Comer ou as filas de motoristas de 6nibus no South End Green; a criagdo do Swiss Cottage merece um capitulo interessante por si, mas nado hd uma palavra sobre a vida no bergério nos anos noventa (apesar das memérias esplendidamente detalhadas de Eleonor Farjeon, que devem ter-lhe servido como ponto de partida), nenhuma pista sobre © que ocorreu naquelas salas de estar gigantescas nos dias anteriores 223 aos de os refugiagos alemaes ¢ estudantes indianos — a inteligéncia dos anos 30 e 40 — tomarem-nas dos burgueses. Testamentos escrituras — material do dia-a-dia do historiador local — podem render muita informagao sobre economia e, usados com imaginagSo, como Hoskins tem mostrado pelos inventarios do século XVI, eles constituem um indicador sensivel para a posse de ages ¢ artigos domésticos. Mas hd limites. Dosumentor deigcties progres poder ter muitas informag6es sobre contratos de inquilinaio, embora tendo pouco ou nada a dizer sobre atividades agropecudrias; escrituras, apesar de todos os scus detalhes, podem dizer-nos muito pouco sobre 0 aproveitamento — 0 modo como prédios ou fazendas eram usados. Documentos de empresas podem ser até mais dificeis de render informagdes tteis. Eles nos dizem mais sobre o comércio de mercadorias do que sobre as pessoas que as fizeram (ou as venderam), mais sobre saldrios do que trabalho (mesmo folhas de pagamento so relativamente raras); livros- taziin € didrios fazem com que fique relativamente facil escrever sobre erescimento e consolidago, enquanto nJo dé nenhuma indicagao das tendéncias fissiparas trabalhando no sentido oposto, por exemplo: rivalidades familiares, diretores intrigantes ou sdcios que se viciaram em bebida. Como resultado, a atividade econémica € freqiientemente vista pela dtica do fiscal e do inspetor — ou, para os tempos mais recentes, do contador — em vez da 6tica do trabalhador e do empresirio. Nos iiltimos anos, historiadores locais t8m invocado evidéncias visuais, numa tenlativa de tornar mais compreensivel o particular, tansmitir uma nogdo do local mais imediata. Uma preocupagiio dominante tem sido a da paisagem ¢ a andlise da localizagao das indistrias, da moradia e do comércio, A dificuldade com este tipo de trabalho est4 no fato de ele ser quase recompensador demais, fazendo com que a atengiio do historiador seja desviada das pessous para o local. Na cidade, toda pedra pode contar uma hist6ria, enquanto no campo, h4 o abundante testemunho das cercas vivas € campos. Vethos lugares podem ser identificados, sistemas de campos ‘mapeados, tragados de ruas desenhados numa grade. Além disso, quase todo tipo de documento local pode revelar informagao topografica de algum tipo, mesmo que seja indtil para qualquer outra coisa. O material, em suma, & abundante ¢ o anotador compulsive (como o presente escritor pode confirmar) iré logo encontrar seus fichdrios cheios ¢ seus cadernos preenchidos. O material também fornece ao escritor um tema unificador. A. vida comunit4ria pode estar intimamente relacionada as peculiaridades fisicas , do meio ambiente ¢ frequentemente explicada por elas; sua Hist6ria pode ser exposta em fases de crescimento bem organizadas, desde os fatores e0graficos, afetando as condigées originais de povoamento, até as forgas centrifugas de hoje; continuidades estruturais podem ser enfatizadas, 224 enquanto, a0 mesmo tempo, se reconhece o desenvolvimento ¢ a mudanga. Apesar da acumulagiio de detalhes, no entanto, & possivel que 0 povo permanega escondido. As formas no solo, como numa fotografia aérea, aparecem com claridade brilhante — rafnas célticas, aterros romanos ou as linhas espalhadas da fazenda moderna. Sulco ¢ valas (o tragado do arado da Tdade Média) sobressaem em relevo claro, casas podem ser identificadas pelos telhados; os habitantes, por outro lado, pela natureza panoramica do ponto de observago ou a auséncia de material comparativo, devem permanecer relativamente invisfveis. O mesmo € ainda mais verdadeiro para outras perspectivas empolgantes, como a arqucologia industrial, que fez contribuigao to frutifera para a Histéria local nos tiltimos anos. O jocal de trabalho é carinhosamente reconstruido mas os préprios trabalhadores podem permanecer como meras sombras, diminufdos pelo ambiente fisico. Os estudos pilotos dos demégrafos ~ outra grande e recente influéncia na Hist6ria local - oferecem um vis4o ainda mais panorAmica, Eles abriram novas dreas de pesquisa e aterrissaram numa 4rea que era previamente inexplorada, mas os levantamentos de amostras, até agora publicados, sugerem uma paisagem deserta, habitada por varidveis estatisticas ¢ pedras sociolégicas. Como com os topégrafos € os arqueélogos industriais, o trabalho. dos demégrafos é uma tentativa de compensar o siléncio dos relatérios ¢ recuperar a textura da vida no passado. Mas a forma ¢ o tamanho do domicflio ¢ as categorias com que lidam ficam distantes da realidade social que eles devem iluminar: 0 vaivém das relag6es pessoais, a ida e volta do dia-a-dia. A documentagdo na qual se basciam, por necessidade ou por escolha (0s registros paroquiais ¢ os retornos dos recenseadores), impede o encontro que procuram. Ao invés de vida em familia, dao-nos listas elaboradas de nascimentos, casamentos ¢ mortes. O material estatistico monopoliza antes a atengdo do historiador e oferece a ele, simultancamente, um material de pesquisa e uma problematica, ndo s6 o andaime mas os tijolos ¢ a argamassa também, Como no caso dos relatérios do governo local, © peso brato do material (e a preponderAncia de uma fonte tinica) é capaz de se impor. Quando a “estrutura social” (0 termo do demégrafo para as divisdes de classes) € derivada destes documentos, a construcdo est4 sujeita a ser tanto estdtica como irreal. Ao invés do mundo de relag6es econdmicas reais — patrdes e clientes, proprietérios ¢ inquilinos, compradores ¢ vendedores, exploradores ¢ explorados, empresdtios empregados —, oferecem-nos agregados estatisticos. Até o ponto que atinge os demégrafos historiadores — os pioneiros neste campo —, tais apreensdes esto fora de questo. O esforgo deles € declaradamente comparativo. Eles esto interessados na estrutura, no nos eventos, nas estratificaghes mais do que nas relagdes, nas varidveis 225 quantificdveis que podem ser assimiladas na andlise comparativa de cultura. Seus “estudos de caso” esto moldados numa forma local, mas, mesmo que ‘© objeto aparente seja uma vila ou um lugarejo, o sentido do lugar é evitado, deliberadamente. O York de Alan Armstrong, por exemplo (Stability and Change in an English County Town, a social study of York, 1801-1851), dedica umas 30 pdginas para “caracteristicas econémicas” ¢ mais ou menos 6 mesmo pata “caracteristicas sociais” ¢ entio chega ao verdadeiro objeto do estudo: “O crescimento da populacao”, “Mortalidade”, “Casamento ¢ fertilidade”, “Domicflio e a estrutura familiar”, Nao € acidental que os censos, que constituem o seu material principal, aparegam no préprio titulo do seu livro ou que a “mortalidade” deva ser o assunto de um dos capitulos mais Jongos. Scus objetivos estiio francamente expostos no inicio: “Bate extudo pode ser considerado como um exemplo, embora imperfeito, tanto da nova Histéria social como da nova Histéria urbana... eu tenho evitudo descrigdes da “temporada” provincial das atividades esportivas € culturais, exemplos coloridos ¢ esquisitos de costames, héhitos © eventos sociais cic. As esferas da politica © ideologia local, apesar de importantes, tém sido deixadas para os outros... no lugar, hé uma grande énfase em ‘estrutura social © tendéncias demogréficas.” O estudo de Michael Anderson sobre Preston na época vitoriana (Family Structure in Nineteenth Century Lancashire) € igualmenie severo. Em toda a sua discussto claborada sobre domicilio ¢ subdivis4o de acordo com niimeros ¢ composi¢%0, hé pouca meng&o nominal a familias individuais de Preston ou a casos individuais para ilustrar os ciclos de vida ¢ as correlagGes to seguramente elaboradas. O que ele diz pode ser verdade mas no temos nenhuma comprovagdo auténoma: o mundo é totalmente fechado pelas construgdes do autor. Domicflios com criados sao privilegiados para andlise, como uma classe, mas raramente h4 uma teferéncia aos donos de moinhos de grio (nem Horrocks, o grande magnata do algodio, nem a Associagao dos Mestres de 1853-54 sequer sido mencionados), Faz-se referéncias aos irlandeses como componentes da populagao trabalhadora mas no As suas ruas, aos seus ataques a policia (os anais do tribunal local em Preston tém um caso especialmente impressionante) ou a 140 interessantes ¢ importantes personagens como Micky Gallaher, um dos lideres da greve em 1853-54 e, nos seus iltimos anos, um militante local dos irlandeses protestantes. Menciona-se muito Poucas ruas nominalmente: nao hd “Orchard” para as reunides de greve, nem “Fishergate” para os desfiles de rua, No hd referéncia nem & campanha contra 0 alcoolismo (um movimento nacional fundado pelos Sete Homens de Preston nos anos 1830), nem ao Cartismo, ao movimento sindical ame (apesar da existéncia de um relato contempor‘ineo excelente dos fiandeiros pelo seu secretério, Thomas Banks); ao Orador Hunt, 0 qual foi, por um tempo, o representante parlamentar da cidade. O mais estranho de tudo, num. estudo cujo enfoque é o meada do século, € que nfo consta palavra alguma sobre a grande greve em Preston de 1853-4. Esta greve foi o tema do romance sensacionalista mas memordvel de Dickens, Hard Times (Dickens viajou para testemunhar a greve antes de escrever o romance) ¢, provavelmente, o evento industrial mais importante no século XIX em Lancashire, um ponto terminal para trés décadas de luta quase insurrecional. Nem se faz uso algum - apesar das informag6es que traz sobre a vida doméstica — da bea colegdo de material sobre a greve abrigada na biblioteca Harris ou no Arquivo Municipal, ambos convenientemente localizados no. centro da cidade. As omissdes impressionam ainda mais porque o livro é muito bem pesquisada; elas sic 0 resultado ndo do esquecimento mas, como nas omissées cuidadosas de Alan Armstrong sobre York, do projeto do livro. Uma dificuldade final diz respeito 4 propria nogo de Histéria local: a idéia do local como uma entidade distinta e separada, que pode ser estudada como um conjunto cultural. Nas Hist6rias antiquérias mais velhas, quase tudo que aconteceu num local podia ser tratado como significativo, nao importando sua importancia intrinseca ou local, num esquema evolucionario. Greves e tumultos misturaram-se indiscriminadamente com “acontecimentos notdveis”, como enchentes; 0 tronco da vila pode ser intercalado num pardgrafo entre latées monumentais e uma descrigdo de estalagens locais, Uns documentos seriam ficlmente transcritos ¢ carinhosamente reproduzidos simplesmente porque eles eram velhos — “‘as palavras verdadeiras escritas na época” -, e muito da criatividade do historiador poderia ser focalizada nas superfluidades engragadas. Cronicas mescladas deste tipo ttm sempre agradado muito ¢, provavelmente, nao desaparecerao: ndo importa que varias criticas severas sejam dirigidas contra elas (Tis a Mad World at Hogsdon, que vendeu umas 2.000 cépias nos arredores de Shorditch, East London, desde sua primeira publicagao em 1974, 6 um exemplo recemte, representativo). Mas 0 historiador local, hoje, seguindo o trilho aberto por Hoskins, Finberg ¢ a escola de Leicester, é, caracteristicamente, mais seletivo, No lugar do pitoresco, esses historiadores Procuram mais as regularidades. A preocupagao com o local é t4o intensa quanto era no passado mas, para aqueles que seguem a escola de Leicester, 0 foco de atengiio esté mais provavelmente nos padrdes de desenvolvimento do que nos documentos ¢ acontecimentos individuais. A localidade é vista como um fendmeno tinico, com sua propria periodizagdo e leis de crescimento: um Organismo vivo com seu préprio ciclo de vida, que pode ser estudado continuamente por longos perfodos de tempo, tanto em termos de estrutura ocupacional como de peculiaridades topogrificas. O trabalho do historiador local, como Finberg escreveu em 1953, num trecho muito citado, “.., 6 pata recriar em sua prdpria mente, e para retratar para seus leitores, a Origem, o Crescimento, o Declinio ¢ a Queda da comunidade local”. A nogao de comunidade, como no trecho citado, é invocada freqiientemente ~“um grupo de pessoas unidas por certos interesses comuns”, “uma sociedade verdadeira de homens, mulheres ¢ criangas, reunidas num lugar” — e todo o impulso da Histéria local nos tiltimos anos tem ido na diregao de identificar tipos de comunidade, Nenhum apreciador da Histria inglesa pode deixar de sentir-se estimulado por um ou outro aspecto desse trabalho ou de reconhecer os avancos principais no estudo e na compreensio que dele resultaram, mas & possivel preocupar-se com alguns de seus pressupostos, mesmo quando se. satda e se agradece pelos resultados, Especificamente, a nogdo de “comunidade”, apesar de usada livremente, é, ou deverd ser, problematica. Na histéria urbana, 6 pouco mais do que uma ficgo conveniente, que sé pode ser preservada ao concentrar-se nos eventos civicos e municipais. Na zona tural, ela freqtientemente: leva uma suposigdo ndo justificada de equilibrio que talvez o historiador deva questionar, ao invés de afirmar: é possivel morar no mesmo lugar enquanto se habita mundos diferentes, seja como marido ¢ mulher, pai ¢ filho, empresdrio e empregado. A empregada e o carpinteiro, mesmo quando eventualmente se casam, terZo sido modelados por experincias de trabatho fandamentalmente diferentes e terfo ideologias fortemente contrastantes: uma terd conhecido apenas 0 amparo protetor da casa grande, enguanto 0 outro, apesar de qualificado, ters seguido uma vida némade de empreitadas, rodeado de insegurangas (numa vila do campo, por exemplo, ser4 perseguido quando sua militincia sindical tornar-se conhecida); uma dependeria de uma recomendagiio pessoal na hora de trocar de emprego; 0 outro apoiar-se-ia no boato inforntal dos trabathadores nas construcdes civis, Mesmo no casamento, sua visto do mundo, modelada por experiéncias to diferentes, no seria de modo algum a mesma, Ao invés de pressupor a existéncia do equilibrio, seria melhor se os historiadores explorassem alguns de seus determinantes € distinguissem interesses que cram conflitantes daqueles que, de alguma forma, foram compartilhados. O trabalho recente da escola de Leicester tem mostrado que as divisdes religiosas podem ser tratadas desta forma, como faz Margaret Spufford em seu livro Contrasting Communities — uma reconstrugao bern detalhada e pensada da vida em trés vilas de Cambridgeshire dos séculos XVI e XVII, Estas divisdes religiosas iluminam a classe e a economia, assim como nos aproximam da mentalidade ¢ da consciéncia da época — ¢ das 228 maneiras como as pessoas pensavam, sentiam e se agrupavam. Ou, ainda, ao invés de considerar a localidade por si mesma como objeto de pesquisa, 0 historiador poderd escolher como ponto de partida algum elemento da vida que seja, por si sd, limitado tanto em tempo como em espago mas usado como uma janela para o mundo, Isto é o que, numa escala modesta, Ruth Hapgood fez com seu estudo sobre o trabalho da mulher em Abingdon entre as guerras, que foi apresentado no dltimo History Workshop, ¢ Graham Rawlings fez com sua descrigdo das trés classes trabalhadoras nos anos 1930 em Bath: estudos como este podem transmitir uma melhor impressio da individualidade da vila do que livros muito mais pesados, baseados em documentos do bairro. Seria bom tentar isto para a Londres do século XIX. Um estudo sobre comércio dominical em Bethnal Green, inclusive a resisténcia apresentada pelos pregadores ao ar livre (na época dos censos religiosos de 1851, apenas 3% da populacao local freqiientava uma igreja); sobre a marcenaria em Hackney do Sul, ou os arrombadores de Hoxton (de acordo com um dos investigadores de Booth nos anos 1890, alguns deles eram artes4os qualificados, nem brutos, nem pobres, mas como ele os chamou, “criminosos”, que saiam arrombando cofres como uma recreagao notuma), daria uma impresso melhor da pulsago da vida cotidiana no East End do que mais um resumo do Sanitary Ramblings, de Hector Gavin, Horrible London, de G.R. Sims, ov Low Life Deeps, de James Greenwood. O namoro e 0 casamento em Sheperd's Bush, a vida doméstica em Acton, ou o Catolicismo Romano entre as lavadciras ¢ os distribuidores de gis de Kensal Green podem informar mais sobre o crescimento dos subdrbios do que contar o aumento de Tuas ¢ o mesmo pode ser dito, nas periferias de Londres, da venda de hortifrutigranjeiros em Barking, dos barqueiros em Brentford, dos ciganos em Wandsworth, da safra ou do preparo de feno em Tottenham Hale. O estudo da estrutura social, também, pode ser mais fntimo e real se a metodologia for mais indireta e focalizada na atividade e nas relagbes sociais. Um estudo sobre infancia em Chelsea (sobre com quem vocé poderia ou nfo brincar, ou aonde vocé poderia ir), masculinidade em Mitcham, 0 caminho ao trabalho em Putney ou 2 politica local em Finsbury informaria muito mais sobre a forma como diferencas de. classes eram manipuladas e percebidas e as aliancas sociais realizadas, na prdtica, mesmo se nenhuma palavra fosse dita explicitamente sobre a estrutura social. O pequeno estudo de Gwyn Willians sobre a palftica de Merthyr nos anos 1830, no qual ele mostra como um quadro de negociantes unitarios radicais transformou o carter politico da cidade, aproxima-nos mais das ambigiiidades do sentimento de classe do que uma metodologia mais convencional usando as cinco divisSes do Registrar General como pardmetros. Ao usar um tipo diferente de relatério — assim como os depoimentos analisados por David Vaisey num artigo nesta revista” — ou com a ajuda da meméria (ou ambos), o historiador pode desenhar novos mapas, nos quais as pessoas esto tao proeminentes quanto os lugares e os dois esto mais intimamente entrelagados. Ele pode, entZio, explorar a topografia moral da vila ou cidade com ‘a mesma precisio que os predecessores tém feito 0 Ordnance Survey, seguindo os regos e sulcos do ambiente social tio bem quanto os limites paroquiais, viajando pelos corredores escuros e pelas Passagens meio escondidas, assim como pela rua das posturas municipais, Reconstruindo o itinerdrio de uma crianga hé 7 anos, o historiador iré deslizar nos limites invisfveis que separam o lado “barra-pesada” de uma rua do lado respeitvel, as casas de frente das casas de trés, 0 espaco das meninos do espace das meninas. Seguindo o tragado do pavimento, vocé viré a uma parte que foi usada para “o jogo de troley” outra para “amarelinha” ¢ uma tereeira para “Jump Jimmy Knacker” ou jogos de parede. “Monkey Racks” (tal como 0 que foi descrito por Derek Thompson no Preston entre-guerras) aparece na Rua Alta, onde jovens iam namorar nos seus passeios de domingo, enquanto a rua sem safda tora-se um lugar onde lenhadores tim. seus abrigos ¢ vendedores ambulantes arrumam seus carrinhos de mao. O ambiente fisico iré avivar-se também, se visto mais como uma arena de atividades do que como uma forga ecolégica impessoal ou um depésito de restos arqueolégicos. Campos especificos, florestas ou terras comuns sio lembrados por seu uso, pelo trabalho realizado neles, ou os géneros encontrados aqui: cogumelos ¢ Ienha ou coelhos podiam ser capturados; em outra parte, batatas eram colhidas ou cavalos pastavam ilegalmente ou os longos dias de verao eram gastos em preparar feno ou no trabalho da colheita. A evidéncia oral toma possivel escapar de algumas das falhas dos documentos, pelo menos até onde interessa aos termos recentes (i. ¢., aqueles que s4o da meméria viva), ¢ 0 testemunho que traz é pelo menos tio importante quanto o das cercas vivas ¢ campos, embora um ndo deva excluir 0 outro. Ha verdades que so gravadas nas memdrias das pessoas mais velhas em mais nenhum lugar; eventos do passado que s6 eles podem explicar- nos, vistas sumidas que 96 eles podem lembrar. Documentos nao podem Tesponder; nem, depois de um certo ponto; eles podem ser instigados a esclarecer, em maiores detalhes, 0 que querem dizer, dar mais exemplos, levar em conta excegSes, ou explicar discrepancias aparentes na documentagio que sobrevive. A evidéncia oral, por outro lado, é infindavel, somente limitada pelo nimero de sobreviventes, pela ingenuidade das perguntas do historiador ¢ pela sua paciéncia e tato, E surpreendente com 230 quanta m4-vontade os historiadores locais tm usado a ¢vidéncia oral. exceto num papel secundério. W.G. Hoskins, o decano da Histéria local inglesa, escrevendo em 1972, avisou que, embora ndo se deva descartar totalmente, a evidéncia oral tinha de ser submetida a verificagdes rigorosas ¢ ele a estima claramente como inferior, assim como diferente, em tipo, ao material manuscrito e aos vestigios. Ainda h4 certos tipos de pesquisa que apenas podem ser realizados com a ajuda de uma testemunha viva ¢ areas completas da vida nas quais suas credenciais esto acima de questionamento. Um homem ou uma mulher, falando sobre seu trabalho, sabe mais sobre ele do que o pesquisador mais diligente tem condigdes de descobrir e 0 mesmo também procede para a infancia, onde as memGrias das pessoas esto aptas a ser especialmente acuradas se o historiador puder achar a chave certa para destrava-las. A evidéncia oral pode também ser crucial para a compreensdo do pano de fundo. Ela pode nos dar contextos novos que os documentos, por si mesmos, apesar de muito trabalhados, no fornecem. As esparsas anotagGes num diario, por exemplo, podem adquirir novo sentido se somos capazes, com outras fontes, de reconstruir o cardter do escrevente ou das circunstincias ds quais as anotages se referem. Os hierdglifos obscuros da folha de pagamento tomam-se compreensiveis pela ética das subdivisdes & classificagao do trabalho, como pode ser descrito por aqueles que estavam envolvidos; 0 livro de medidas, pela 6tica do trabalho por tarefa, a tabela de Pprecgos na meméria daqueles que a pechincharam. Fontes como estas somente podem adquirir vida quando hd pessoas para explicar, para comentar e elaborar sobre elas, quando hd outros tipes de informag3o que se comparam com elas ¢ um contexto de costumes e praticas no qual eles podem ser postos. A evidéncia oral pode também ajudar a trazer os residuos da cultura material. A vara de cobre ou o rodo “dolly” deixam de ser objetos inanimados se alguém ouve os homens ou as mulheres que.os utilizaram, 0 fogaréu do barriqueiro acende-se novamente, as facas pretas enferrujadas so limpas com “Bath Brick” ou areia de casa, o avental velho ¢ sujo € usado novamente para a escola dominical, engomado de branco, Tanto como aproveitar mais da documentagdo existente, um projeto de Hist6ria oral pode também acrescentar itens a ela ¢ criar uma documentagio totalmente nova ¢ propria. H4, em primeiro lugar, os relatérios e suas transcrigdes, cujo valor deve ainda estar despercebido; eles serdo (se arquivados com seguranca) arquivos para o futuro, assim como responderao & finalidade especifica do trabalho. Além disso, existem as autobiografias que um projeto de Histéria oral pode encorajar, como Bolton Childhood de Alice Foley (um bom ¢ severo relato sobre a infancia em Lancashire nos primeiros anos de 1900), ou aquelas que tém sido publicadas com The People's Autobiography of Hackney (um dos autores de Hackney, depois de 231 escrever sua autobiografia, agora est4 produzindo uma reconstrugio de 120,000 palavras sobre sua familia). Outras podem aparecer no decorrer da pesquisa, preservadas como legado familiar — a pequena histéria que um metodista pode escrever sobre sua capela ou 0 lojista sobre sua loja, 0 “breve relato” que um avé, nos dltimos anos de sua vida, deixard para seus descendentes, procurando as origens da familia ou relatando os tempos que viveu (até agora, n3o encontrei nenhum de uma av6). Depois, h4 os papéis de familia, preservados para os arquivos, mas em sua maior parte guardados ‘ou esquecidos na privacidade da casa e que, abaixo do nivel dos grandes Proprietirios de terras ¢ da alta burguesia, escapam das investigacbes da Comissio de Manuscritos Hist6ricos ou do Registro Nacional de Arquivos. Cartas de familia so particularmente preciosas, apesar de serem muito mais dificcis de achar do que as mais decorativas efemeridades, como cart6es de So Valentino ou contratos de aprendizado, O projeto da regiao carbonifera de Gales as tem coletado junto com atas de lojas fratemais, bibliotecas de mineiros ¢ gravagSes em fitas individuais. Algumas destas cartas sto de recém-chegados a regio carbonifera nos anos 1900 que escreveram para casa ¢ elas dio uma vis&o valiosa do processo de migracao, que dificilmente podemos conseguir de alguma outta forma. Documentos como estes sé aparecem no caminho do historiador se ele procura pelos mesmos. O mesmo é verdade para os didrios. Em qualquer localidade, parece existir muitos deles esperando para serem recolhidos ¢ o historiador apenas os descobriré por acaso, no decorrer de visitas a residéncias locais. A recuperagZo de velhas fotografias é outro possivel subproduto de um projeto de Histéria local e, se feita com objetividade, é possivel encontré-las em grande nimero (0 segundo Hackney Camera é uma sclocao de 280 negativos em vidro descobertos num pordo). Elas serio titeis, de qualquer forma, como ilustragdes, evocando o passado para aqueles que nunca o viram ¢ estimulando novas memérias naqueles que I4 estiveram. Algumas vezes, também, elas irao suprir novas informagGes ou confirmagdes independentes. No maximo, elas forneceraio a0 historiador um ponto de partida, expondo uma realidade que 6, ent, sua tarefa explicar. Finalmente, embora mais raramente, existem as colegdes particulares ~ recortes, folhetos, posters, didrios — daqueles que se fizeram arquivistas nao-oficiais das atividades locais e dos eventos. Os melhores documentos locais, em poucas palavras, serio freqlientemente encontrados nao na biblioteca ou no arquivo, mas nas casas. A evidéncia oral torna possivel nao apenas o preenchimento de vazies mas também a redefinig4o de o que se trata na Histéria local, Ao invés de permitir que os documentos cstruturem o trabalho ~ ou que filtrem categorias de lei, contabilidade ou governo local ~, o historiador pode fazer com que a pedra de toque se tone a experiéncia real da vida das pessoas, aan tanto no meio doméstico como no trabalho. Ele pode lidar com os problemas comuns nio relatados do dia-a-dia, assim como com catdstrofes melhor documentadas (enchentes, guerras de familias), suicfdios e assassinatos, namoro e casamento, bastardia, priticas de trabalho, greves. Ele pode tomar o pulso da vida cotidiana assim como registrar os tremores mais raros dos grandes eventos, acompanhar o ciclo das estagdes, mapear as Entrevistas ¢ reminiscéncias podem também capacitar o historiador ¢ dar identidade e cardter As pessoas que, normalmente, permaneceriam como Meros nomes numa lista de rua ou registro paroquial, e restaurar algo da importincia original daqueles que nfo deixaram nenhum relato escrito de suas vidas. Alguns deles emergirio no decorrer da reconstitui¢&o familiar, se © historiador parar para tragar um perfil de cada nome de parentesco, comecando dos avés e seus filhos e assim progressivamente. Outros surgirdo no decorrer da lembranga pessoal, ou de hist6rias de incidentes e eventos. Nomes sclecionados dos jarnais da época podem ser usados como fonte de questionamento e lembrete. Ou ainda, mais sistematicamente, & possivel, com. ajuda de uma listagem ou um registro eleitoral, tentar uma reconstrugio viva, casa por casa ¢ loja por loja, de ruas ha muito desaparecidas. Em alguns casos, uma Corrente de testemunhas vivas pode ser usada para iluminar uma s6 pessoa — a mulher da vizinhanga, que era chamada quando pessoas estavam doentes, havia um bebé para nascer, um corpo para velar ou um enterro para preparar, o usurfrio da rua de trés, que era chamade para empréstimos semanais ou sazonais; 0 homem com o cavalo ¢ carroga, ou carrinho de mo, que ajudou nas fugas noturnas. Isto é 0 que a Hackney Workers Educational Association tem feito no The Three- penny Doctor, seu retrato composto do Dr. Jelley, um médico que foi expulso por praticar o aborto ¢ que trabalhou no local entre 1910 ¢ 1930: no espaco de trinta ¢ tantas paginas, ele conta mais sobre medicina popular e os métodos pelos quais a doenga foi tratada em casa, do que os volumes de relatérios do Medical Officer of Health. Biografias como estas ndo fario apenas com que 0 relatério do historiador fique mais agraddvel, mas também irfo criar um banco de dados que dificilmente poderia ser criado de qualquer outra forma e, no decorrer da realizag#o destas biografias, o historiador descobrird todo tipo de rede de relag6es sociais, escondidos da Histéria dependente de documentos mas que, de qualquer forma, tinham um papel eritico na vida da vizinhanga. O historiador pode retirar os quadros das. pessoas ilustres ¢, ainda assim, sua galeria ficaré bem cheia, A evidéncia oral proporciona uma apreciag4o muito mais realista da empresa capitalista do que se o historiador se utiliza apenas da documentagao. da firma. O lojista sai das colunas de seu livro-raz3o para tornar-se um homem ocupado, agressivo, notério por sua avareza; o coletor de aluguéis vern numa segunda-feira de manha, de camisa social ¢ com chapéu duro de palha, apenas para ser informado de que a mae sain; o mestre impressor também faz negécios com corti¢os, tem investimentos numa taberna, divide seu armazém com um vendedor de méveis. Um inquérito sobre os costumes © a prética torna possivel descobrir o que aconteceu nos escritérios, assim como © que foi reproduzido nos livros, sentar-se junto ao pequeno artesSo na sua banca e viajar com o comerciahte; no caso de pequenas fazendas, como David Jenkins mostrou no seu estudo sobre Cardiganshire dos anos 1900, & possivel corrigir o desequilfbrio nos documentos, com seus vieses a favor das grandes fazendas e das propricdades rurais, ¢ recuperar alguns dos elementos que nos faltam da vida camponesa no passado. Relagdes de classe podem ser examinadas no local da sua produgfo melhor do que seu eco distante, superficialmente gravado, se for 0 caso, nos Anais da Confederagaio Sindical ou na documentagdo sobrevivente do sindicato local. O lugar de trabalho, em vex do ser meramente descrito como uma Fabrica, pode ser considerado como uma arena social. A nogSo de trabalho, também, pode ser complicada e refinada. No Iugar de meramente listar ocupagdes - ou escald-las de acordo com nogdes sociolégicas de prestigio —, o historiador pode descobrir o que elas realmente significaram. O trabalhador, aquele titulo genérico preferido pelos recenscadores, acaba, em varios casos, nao tendo sido um trabalhador, mas um homem com um trabalho especifico — um auxiliar no estaleiro, um homem que trabalhou com guindaste, nas docas, um bom cavador ou limpador de pogos no campo, um carregador ou um trabalhador independente em escavacdo; por outro lado, o artesdo, quando alguém indaga sobre a série de scus empregos, parece estar sempre atravessando os limites das ‘Oocupagbes, ndo obstante © seu aprendizado numa delas; 0 homem que tabalha a pedra, quando desempregado faz méveis ou comijas de lareira, 0 pedreiro cava pogos e o marceneiro vende ch4, O processo de trabalho, por si 86, € algo que, com a ajuda de evidéncia oral, pode ser reconstruido com grande precisiis — como George Ewart Evans mostrou para os trabalhadores de arado, de preparacao de feno ¢ da colheita em East Anglia, As lembrancas de trabalho das pessoas, como as da sua infancia, so muitas vezes excepcionalmente vivas e extensivas a incidentes, acontecimentos ¢ estrias, que d&o no¢do preciosa do local de trabalho, como um contexto total ¢ ambiente cultural -- as ambigiiidades do feitor ¢ as dificuldades encontradas pela autoridade, a natureza do processo de aprendizagem, a subdivisto das diferentes classes de trabalho, a balanca desigual do poder entre empresario € empregado. Working Lives, a coletanea de autobiografias de trabalho de Hackney Workers Educational Association publicada recentemente, & 234 exemplo mais atual da compreensdo que a evidéncia oral pode ocasionar. Aqui est4, por exemplo, um extrato do relatério do Sr. Welch, um homem que trabalhava na demoligSo nos anos 1920, quando o trabalho era “todo feito 4 mao”, que lanca um raio de luz sobre o que era, entio, ainda mais do que é hoje, uma profissio muito perigosa. Ele nos conta algo nfo somente da qualidade mortal do préprio trabalho, do modo como as pessoas se fortificavam contra os perigos.¢ os mecanismos psiquicos empregados para lidar com acidentes, tanto quando eles aconteceram como depois de acontecerem, nas estérias onde, de acordo com o estilo de Londres, a tagédia € encenada para provocar risos. “Bra um trabalho perigoso. Voc sempre ouvia falar de acidemtes com outros homens no trabalho. Se voc# tivesse estado neste servico mais tempo, voos teria conhecide a maior parte dos demolidores na érea de Londres, incluindo pessoas com nomes como “Nariz. de Bots” ¢ “Dor na Vesicula”. O proprio “Nariz de Bota” foi mono na ma de Cannon, quando uma viga de ferro fundido cxim em cima dele. Na obra de Peter Robinson, uma cara cain do muro da frente, Sea nome era Arthur Lovell. Enquanto caia do muro, ele bateu no ventilador, bateu no tilho € “quicou”... até 2 rua. Para qualquer homem nommal, aquilo devia ser’ morte. Colocaram-no numa cadeira de rodas por uns 2 anos e meio e ele recebeu uma gratificagdo de £ 250. Isso acabou oom sua vida ¢ foi tudo © que recebeu. Ele gastou o dinheiro comprando 0 negécio de um verdureiro, Nao se saiu muito bem com 0 negécio; com ele sestando deste jeito, sua csposa tinhs de fazer todo o servigo. No fim, teve de vender 0 negécio. Nio foi uma vida feliz ¢ eu soube que ele morreu algims anos depois. Meu pai cain virias vezes. Uma vez, cai. quando tinha estado no mercado de Covent Garden, onde os bares abrem cedo. Sendo um bom bebedor, ele esteve no bar ¢ tomou seu drinque matinal de sempre, Ele sempre fez isto pare animar-se a trabalhar, Mas neste dia, ele estava tio bébado que, quando chegou {é em cima (0 feitor tinh the mandado derrubar ma parte da chaminé): “Bu nfo sabia qual era qual”, ele nos disse, depois. “Deveria haver seis furos, mas havis dezoito deles” Ele caiu 1f embaixo, onde jf havia um monte de entulho (n6s estévamos demolindo um cortigo), sengo, teria sido seu fim. Ele rolow até uma clarcira e © feitor chegou para ver se ainda respirava, no momento em que cle ficou de pe. “Vood est bem, Jim?” “Ai, minhas costas!” Entaio 0 feitor disse. 2. um outro care: “Leve-o ao Hospital de Middlesex. Veja 0 que acontecex, Se ele nfo estiver bem, leve-o para casa.” Claro, eles tomaram um par de bebidas no caminho e, ent, eles chegaram a0 hospital e papai teve uma discussio com o médico: “Eu ndo queria vir ao barbeiro, danado”, disse (cle pensou, porque 0 médico estava vestido de branco, que seria um barbeirol). ‘O médico examinow-o. Era um monte de machucados, nada mais. “Ceno, leve-o de volta ao trabalho.” 235 Ele deveria ter ido para casa mas eles sairam visitando os bares, no caminho. “Bu vou voltar ao trabalho, agora. Estou bem.” ~ disse pape. A cerveja fez com que ele ficatse astim ~ ele queria voltar ao trabalho.” A Hist6ria oral pode também apresentar uma perspectiva diferente da familia (¢ dar muito mais espaco a ela), ao trazer a evidéncia qualitativa como suporte. O método dos historiadores locais, no passado, foi mais genealdgico — a identificagao das origens da familia, o wacado das 4rvores genealégicas. Mais recentemente, sob a influéncia dos especialistas em demografia histérica de Cambridge, o foco de atenco tem-se voltado para o tamanho do domicflio mas os relatos — apesar da importéncia dada & “reconstituicgao familiar” - permanecem obstinadamente externos. Nomes sdo extrafdos de registros paroquiais, listas de censos quantificadas, mas pouco ou nada pode ser dito sobre economia domiciliar ou realidades emoacionais da vida em familia, A evidéncia oral toma possivel um relatério “bem mais fenomenolégico. O questionamento sobre situagbes especificas — como aqueles usados no projeto de Histéria Oral de Essex — ird revelar muito sobre a textura interna da vida domiciliar e permitird ao historiador explorar os significados diferentes e mutantes que se ligam as nog6es de lar. Ao invés de tratar a familia como uma unidade monolitica, ¢ possivel tratar de relagSes especificas — m&e-filha, pai-filho, assim como a relagao marido- mulher. Criangas sdo, freqiientemente, deixadas totalmente de fora dos. telatérios dos demégrafos, exceto como estatistica: a freqiténcia de seus nascimentos ¢ a idade média de seus casamentos sio lembradas; h4 muito pouco, além disso, Num relatério de Histéria oral da familia, por outro lado —6 tanto uma fraqueza como um ponto forte —, as criangas estilo a ponto de. ganhar, provavelmente, uma importancia desproporcional apenas porque os informantes estarfio puxando pela memé6ria de seus anos de infancia. Pela mesma razio, a mae é destacada, em muitos casos, trabalhando excessivamente e€ subnutrida (numa situagio econdmica dificil da época edwardiana, ao pai, freqilentemente seria dada a parte do leo da comida disponivel, enquanto as mulheres ¢ as criangas ficavam com as sobras), mas. também como gerente do orgamenio familiar, estrategista ¢ diretora e aumentando a autoridade & medida que suas criancas cresciam, enquanto a capacidade de ganhar uma renda, do marido, diminufa. Os padres de vida podem ser examinados a luz. do ciclo da vida familiar ¢ das peculiaridades da economia domiciliar. Em vez de ver apenas a renda, o historiador pode investigar a administragdo de uma divida, o que, numa familia pobre (ou imprudente), poderia ser tio importante quanto o saldrio na luta didria pela sobrevivéncia. A renda em si, freqiientemente, apareceré como um assunto de familia e nio como uma preocupag3o apenas do homem mais velho, 236 respons4vel pelo ganha-pio. Contas duplicadas, empregos secundarios, catar lixo ec trabalhar com contrabando so fatos que, na memoria das pessoas ¢ em mais nenhum lugar. ‘O mesmo é verdade para as rendas das mulheres em casa — tio freqiientemente ignoradas nos censos — e para o trabalho da crianga, que, nos anos 1890 e 1900, podia dar uma grande contribui¢ao para o bem-estar da familia, mesmo que, abaixo de uma certa idade, fosse proibido por lei. A evidéncia oral € importante ndo apenas como uma fonte de informagio mas também pelo que faz para o historiador, que entra no campo: como um fiscal invisivel. Pode ajudar a expor os siléncios e as deficiéncias da documentagdo escrita ¢ revelar a0 historiador ~ na frase fina de Tawney — o “tecido celular ressecado” que, quase sempre, é tudo o que tem em mios, Serve como uma medida de autenticidade, um lembrete compulsério de que as categorias do historiador devem, afinal, corresponder ao feitio da experiéncia humana e serem constituidas por ela, caso elas tenham forga explicativa. Dizer isso néo é valorizar um tipo de evidéncia mais que outro mas propor uma intera¢do continua entre os dois e um uso mais extenso deles. A evidéncia oral deve deixar o historiador mais faminto por documentos, e ndo menos; e quando ele os achar, poder4 us4-los de uma maneira mais ampla e mais variada do que seus colegas sedentirios, que se confinam numa mesa da biblioteca ou na sala de pesquisa do arquivo. Ele precisard dos documentos para indicagies de coisas que esto além do alcance da meméria, para datas onde possam haver erros e para precisdes que nio poderé ou nfo iré conseguir com evidéncia oral. Ele precisara dos documentos para entiquecer ¢ informar seu questionamento, para permilir aos mortos falarem aos vivos e, aos vivos, falarem dos mortos. Acima de tudo, cle precisard deles para estabelecer as dimensdes ¢ peculiaridades da mudanca, para nao ficar preso cronologicamente ao acontecido durante a vida dos seus informantes mais idosos. A Hist6ria local no sé escreve por si mesma, mas, como qualquer outro tipo de projeto histérico, depende da natureza da evidéncia e do modo como € lida, Tudo pode variar, desde a escolha do tema até o contetido dos pardgrafos individuais. Toda a forma do trabalho pode ser determinada antes pela adogaio de um método particular — reconstimigao familiar, por exemple, ou a derivagao da “estrutura social” dos relat6rios dos recenseadores. As perguntas com que o historiador comega, em grande parte, determinario as respostas. Mulheres ¢ criancas aparecer4o apenas se o historiador tiver interesse, trabalho doméstico, se 0 historiador perguntar sobre ele, disputas familiares, se ele estiver alerta para seus indicadores, Documentos sdo também decisivos como uma fonte nio reconhecida de abordagem, especialmente, quando o historiador depende de uma fonte Gnica e principal: 237 vocé consegue um retrato da vida, nos jornais locais, diferente do relato obtido nos arquivos do bairro; e, do tribunal de pequenas causas, diferentes do retrato dos relatos policiais, Freqlientemente, falta a evidéncia crucial para aquilo que o historiador quer escrever © seria melhor aceitar 0 fato e apont4- lo aos leitores do que apresentar um quadro parcial como se fosse 0 todo, Quaisquer que sejam os limites do material, o historiador ainda teré uma variedade grande de éticas, A paisagem, por exemplo, terd diferentes nuangas, dependendo se € apreciada pelo aspecto das atividades ou pelo aspecto das ruinas; o sistema de classe parecerd transparente ou opaco de acordo com os materiais com os quais é reconstitufdo ¢ o Angulo do qual € visto, Freqilentemente, apenas ao estreitar-se o campo de visdo se alcancar4 a exatidao ou, ampliando-o, se alcangard a perspectiva, e 0 historiador deveria reconhecer ¢ precaver o leitor da perda que, inevitavelmente, acompanha qualquer um dos beneficios. Documentos, como eu tenho tentado argumentar neste artigo, so os mais varidveis de todos. Sua sobrevivéncia 6 exposta a riscos ¢ desigualdades © preserva-se mais a documentagao burocritica e financeira. As anotagSes dos médicos so uma grande raridade (h4 uma boa colego na biblioteca piblica de Stockport) enquanto abundam os anais do Board of Guardians. Um projeto de Histéria local, no entanto, pode gerar seus préprios arquivos ¢ fontes, assim como usar aqueles que j4 foram depositados ou aglomerados nos arquivos piblicos, ¢ o historiador, mesmo que ndo tenha a intengdo, irs, em breve, ver-se como guarda de todos os tipos de miscelénea. Documentos aparecer&io nos locais mais improvaveis, uma vez que vocé comega a procurd-los, ¢ o historiador que se aventura fora da biblioteca pode usar todo tipo de outra evidéncia. Ele terd acesso privilegiado as redes de informagao que dependem da amizade ¢ da palavra falada, as fontes nfo-classificadas que esto guardadas como reservas pessoais ¢ aos homens ¢ mulheres que siio documentos ambulantes, testemunhos vivos do passado, Ele pode acrescentar, 4 palavra escrita, a falada, e invocar a evidéncia visual do ambiente, a iconografia e minas domésticas. O fator sorte, em histéria local, nunca pode ser eliminado mas, para os tempos recentes, pelo menos, ele pode ser substancialmente reduzido, Seria uma grande pena se a Histéria oral fosse fetichizada, como a demografia hist6rica, como um projeto em si. HA certos tipos de pesquisas que podem se realizar apenas com a ajuda de evidéncia oral ¢ hd outros nos quais sua contribuigio é apenas marginal. O historiador oral pode tanto quanto qualquer outra pessoa emperrar na rotina de circularidades metodolégicas e uma Histéria local, baseada somente em evidéncia oral, corre tanto 0 risco de ser rotinizada ~ ¢ radicalmente incompleta — como uma Hist6ria que depende do arquivo paroquial, mesmo as repetic¢Ges sendo 238 diferentes, Carregaria também seus prdprios vieses caracteristicos, Ao relembrar seu passado, as pessoas, freqilentemente, terio muita mais o que falar sobre a vida caseira do que sobre politica, sobre hdbitos € costumes do que ocorréncias ¢ acontecimentos individuais (memérias da Greve Geral, infelizmente, costumam ser superficiais, enquanto os jogos de criangas podem encher p4ginas de uma transcricdo), A meméria tem sua propria seletividade e seus siléncios, assim como 0 relato escrito tem seus vieses burocréticos ¢ vazios irrecuperdveis. Pode ser forte, em linhas gerais, mas inconstante quando refere-se a fatos; reservada em alguma drea de iénci: enquanto, em outras, 6 inesperadamente explosiva. Nao pode nos dizer como a realidade foi percebida na época, mesmo quando pode ser evocada nos minimos detalhes; e é facil demais abrandar as dificuldades no arrebol momo da nostalgia. Os fios da consciéncia silo particularmente dificeis de desembaragar porque atitudes do passado ¢ do presente facilmente se emaranham. Assim como em tudo, o historiador deve estar alerta A natureza da evidéncia apresentada; se est sendo recontada em primeira, segunda ou terceira mao, se so boatos ¢ mexericos ou se é o testemunho de uma experiéncia diretamente pessoal, ou 0 “folclore” polido pela repetigao freqiiente, ¢ elaborado pelas artes dos contadores de estérias, ou ainda, a revelagao surpreendente de incidentes e acontecimentos hé muito tempo enterrados no inconsciente. O valor dos testemunhos depende do que 0 historiador Ihes traz, assim como aquilo que ele leva, da precisdo das perguntas ¢ do contexto mais extenso de conhecimento ¢ entendimento do qual elas derivam. O relato vivo do passado deve ser tratado com respeito, mas também com critica; como 0 morto. LEITURA ADICIONAL. W.B. Stephens, Sources for English Local History, Manchester Univ. Press, 1973. (Uma colegio de primeira classe, titil néo #6 para Hist6ria local, como também para muitos outros temas.) WE, Tate, The Parish Chest, A study of the Records of Paroquial Administration in England, Cambridge Univ. Press, 1946. (Extratos longos ¢ sbandantes documentos fazem deste um bom livro didético, assim como um guia indispensével.) HMS.O,, Record Repositories in Great Britain (revisado periodicamente; inclui as colegdes nacionais ¢ locais mais acess{veis), JLB. Hatley, Maps for the local historian, A guide to the British Sources, 90 p éa ‘Standing Conference for Local History, 26 Bedford Sq., Londres W.C.L. (mapas municipais, plantas de fazendas, documentos de impostos © Ccereamentos junio com uma bibliografia completa). 239 Field archaeology, notes for beginners, ixsued by the Ordnance Survey, HMS.0., 1963, E.A. Wrigley (org.), Nineleenth-century society, Essays in the use of quantitative study of social data, Cambridge Univ. Press, 1972 (Estudos crfticos dos retomos dot Recenseadores ¢ um capitulo muito til sobre estatfstion criminal). D.R.Mills, “English Villages in the eighteenth and nineteenth century: « sociological, classification”, Amateur Historian, 1965 (vilas “fechadas™ ¢ “abertas”). EW. Steer, “Probate inventories”, History, 1962. (Para um uso Iicido desta fonte, W.G. Hoskins “the rebuilding of rural England, 1540-1640" em Provincial England, Londres, 1965.) RW. 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E 9 melhor exemplo novecentista, com que j deparci, de uma tradi¢io minoritéria e nogligenciada da Hist6ria local: 0 guia de mexericos das pessoas locais,) George Herbert, Shoemaker's Window, Oxford, 1948 (antobiografia postumamente publicada, incluindo uma reconstimigio, casa por casa, do Banbury dor artesios © comerciantes nos anos 1830). 240 Peter Mackenzie, Reminiscences of Glasgow and the West of Scotland, 3 vols., Glasgow, 1855-6. (Menot compreensivel do que Travis, mas cheio de detalhes biogehficos contemporéncos.) Frank Pel, Th Rising ofthe Lies (108) Spe Vale, pat and presen (1853) (Hire6rias locais incorporando ums rica wadigio oral de ume das partes insis voruletioatien de inl. sdeale MDX bu foghonaca) LC. Cox, How to Write the History of a Parish. (Obra cléssica das maiz antigas, originalmente publicads em 1879.) RB. Pagh, How to Write a Parish History, Allen ¢ Unwin, 1954, (Uma revisso do trabalho de Cox por um dos editores de Victoria County Himory.) 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Garden History, a revista da Garden History Society, £1 por ano de Mavis Batey, 12 Charibury Road, Oxford, Visual History (ames Things); irregular, Museum of Labour History, Limehouse, Londres, E. 14 Panfletos Recentes Uma lista de panfletos, predominantemente autobiogréficos, publicados pelos gmpos de Histéria oral © ago comunitéria, Gostarfamos de manter esta dia; se voc’ tem novos titulos, por favor, mande-os para "Not (History Workshop). Lifetime, a group autobiography. Dois cadernos, 05 primeiros numa série de doze, “no qual um grupo de trabalhadores relata suas vidas mum subirbio de ‘Manchestet". 25 p cada, incluindo franquia postal do Institute of Advanced ‘Swidies, Manchester Polytechnic, Hilton Sirect, Manchester, Lancashire. Piano and Herrings, amobiografia de um ferrovidrio de Wolverton, de Bill Eiott. 50 p mais franquia postal do People’s Press of Milton Keynes, 53 Cambridge Street, Wolverton, Milton Keynes, Bucks. Do you remember, some Rochdale people look back to the turn of the century. 45 p mais franquia postal de Rochdale Living History Workshop, Rochdale College of Adult education, Rochdale, lancs. Poverty, hardship but happiness, de Albest Paul. 25 p mais 15 p de franquia postal do grupo de ado comunitéria de Queen's Park, 14 Toronto Terrace, Brighton, Sussex, Ain't is grand de Sim Wolveridge; A history of Victoria Park, de Charles Poulson; ambos no prelo, a serem publicados por Stepney Books, 196 Cable Street, Londres E.1, The Street, de Harry Walters. Memérias de Popham Street, Islington, publicado pelo Centreprise com o Islingion Community Bus Company. Some Elmdon Families, de Audrey Richards © Jean Robin publicado pelos autores; Crawley Cottage, Eimdon, Saffron Walden, Essex. Broadsheet, tanscrigio de entrovistas publicadas pelo gropo de W.E.A. West Oxfordshire Oral History, de ed. Coker, Rewley House, Wellington Square, Oxford. Within Living Memory, a collection of Norfolk reminiscences, 50 p de Norfolk Fed. of Women's Institute, 45 All Saints Green, Norwich. Mrs. Alford Remember, Twickenham in the 1880s, 25 p de Twickenham Local History Soo., 50 Park House Gardens, Twickenham, Middlesex, The Town Bee-hive. A young girl's tot in Brighton, 1910-1934, Daisy Noakes. 30 p de 14 Toronto Terrace, Brighton. People’s Autobiography of Hackney, publicado pelo Centreprise, 136 Kingsland High St. EB. Years of Change, de Arthur Newton, 50 p brochura, 72 péginas, 10 p franquia postal. A amtobiogeafia de um sapateiro de Hackney pelos anos de 1900 a 1965. The Threepenny Doctor: Dr. Ielley de Hackney, 20 p brochura, 28 paginas, 10 de franquia postal. Uma colegdo de estérias sobre este conhiecido doutor de Hackney, cuja alengio médica aos pobres © comportamento esquisito sio ccapturados nestas lembrangas de 14 velhos, transcritas de fitas. ~ A Licence to Live. Cenas de uma vida de trabalho, pés-guerra, em Hackney, por Ron Bames, 50 p brochure, 76 paginas, 10 p franquin postal. A antobiografia de um motorista de téxi local, de suas primeiras memérias da infancia e migragio, através de 37 empregos até seu presente trabalho, A Hackney Camera 1883-1918. 75 p brochura, 60 péginas, 15 p franquia postal. Uma colegao de velhas fotografias de Hackney, muitas delas recolhidas como resultado de um apelo pablico. Fotografias de pessoas, locais e eventos. A Second Look, 95 p brochura, 108 péginas, 20 p franquia postal. Um relato fotogréfico de um passeio. por Hackney nos anos de 1890 com sens equivalentes contempordneos. Working Lives, Transcrigées © autobiografias do trabalho em Hackney, 1910-1976. 5p. 243

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