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“Guia-me pela vereda dos teus mandamentos, pois nela me comprazo.” ..Salmo.119:35 nS it as rr 1° Edig&o: Junho de 2000 2.000 exemplares E proibida a reprodugao total ou parcial desta publicagdo, sem autorizagio por escrito dos editores, exceto citagdes em resenhas. Traduzido do original em inglés: The Moral Law Traduzido por: Denise Pereira Meister Edigio: Editora Os Puritanos Telefax: (011) 6957-3148 Site: www.puritanos.com.br e-mail: facioligrafic @osite.com.br Impressiio: Facioli Grafica e Editora Ltda Telefax: (011) 6957-5111 CONTEUDO Capitulo 1 - IntrOdugdo w.cscsccsssseeeseessesseeesaeesseneseesnesenee 7 Capitulo 2 - A Perfeigio da Lei. Capitulo 3 - Como a Lei Deve Ser Usada . Capitulo 4 - As Boas Obras do Crente..... 7 Capitulo 5 - A Lei e 0 Homem Justo oo. ccsccseseessecreeteneeseee Capitulo 6 - A Lei Escrita no Coragio .. Capitulo 7 - Capacidade Humana .. Capitulo 8 - A Lei Moral e Sua Relagiio com os Crentes ...... Capitulo 9 - A Espiritualidade da Lei e Seu Uso Como Meio Ge CONVETSHO ...sesssecsessessserssesnersessesnesnreseesseeneeee 73 Capitulo 10 - A Lei Nao Revogada por Cristo aos Crentes .... 85 Capitulo 11 - A Lei Como um Pacto wo.scsssscsseccssssecsenneeseesee 99 Capitulo 12 - A Oposigao Entre a Lei e o Evangelho ............. 105 Capitulo 13 - Cristo Como o Fim da Lei Capitulo 14 - Epilogo .......00.. Apéndice A - Sobre Anthony Burgess ... Apéndice B - Uma Exposigaio do Décimo Mandamento por Lancelot Andrews ........cessessessesesseessseessesees 129 Prefacio No seio da igreja evangélica brasileira, onde lei e graga sio en- tendidos conforme o ensino do dispensacionalismo e a lei é tida como um elemento obsoleto do perfodo do Antigo Testamento, o trabalho de Kevan se torna obra de fundamental importancia. Sua obra sobre a Lei Moral esclarece qual 0 papel da lei de Deus para a vida do crente, e como esta lhe serve no revelar a vontade perfeita de Deus. A lticida exposig&o de Kevan mostra ao leitor como a lei nos auxilia no caminho da santificagio. Longe de qualquer legalismo, Kevan mostra como a lei de Moisés énada menos do que a lei de Cristo e que esta lei, observada debai- xo da graga, é fator de béngao para o crente, assim como, quando nao observada, resulta em censura da parte de Deus. Assim sendo, a lei de Deus serve para a instrugiio do crente, para que ele saiba como viver e agradar a Deus. Por outro lado, pela operagao do Espirito Santo, 0 crente ao ser confrontado com a lei descobre suas faltas e recorre ao Senhor para o perdao. Kevan é, no sentido mais claro da expressao, um amante da lei de Deus conforme expressa no Antigo e Novo Testamentos (Sal- mo 119.97). S6 pode amar a lei de Deus aquele que verdadeira- mente conhece a sua graca. B esta a perspectiva que o leitor vai encontrar na obra de Kevan. E com alegria que apresentamos esta obra ao leitor brasileiro interessado em conhecer mais sobre a leie a graga de Deus. Mauro Meister Capitulo 1 Introdugaéo O propésito deste volume é apresentar uma discussio do valor da Lei de Deus na vida do crente, um assunto importante e urgente nos dias de hoje. Em varios perfodos na histéria da doutrina crista, tornou-se necessario reafirmar a verdade de que 0 ministério da lei foi divinamente ordenado como um meio de graga para a santificagaio e caminhada piedosa do crente. Isso, naturalmente, nao nega que o tinico poder suficiente para a santificagio é a habi- tagaio de Cristo no crente por meio do Espirito Santo: isso é santificagaio pela fé, e uma das grandes glérias do Evangelho Cris- tio é o fato de que ele nao somente diz aos homens para serem bons mas os capacita para assim o serem. Mas aconcessio do poder para uma vida santa precisa ser acom- panhada pela instrugao no seu modelo. Em que consiste 0 compor- tamento santificado? Consiste em agradar a Deus. O que agrada a Deus? Que sua sua vontade seja feita. Onde a sua vontade pode ser discernida? Em sua santa Lei. A Lei, entdo, é a regra de vida do crist&o e 0 crente encontra o seu prazer na Lei de Deus segundo o homem interior (Rm 7.22). O cristdo nao esta sem lei, “mas debai- xo da lei de Cristo” (1 Co 9.21). O pecado é a ilegalidade e a salvag&o consiste em levar 0 ilegal para sua verdadeira relagao com Deus, dentro da béngao da sua santa Lei. A Lei de Moisés é nada menos do que a Lei de Cristo. 8 A Lei Moral O fato de que pela graca um homem nfo rouba, nio mente ou nao comete adultério, nao destréi, de forma alguma, o fato de que ele nao deve fazer isso e o cristo que faz qualquer uma dessas coisas se torna condenado pela Lei como um pecador. Visto ser ele um crente justificado, este seu pecado nao o leva 4 condenacio eterna, mas certamente o conduz a censura do Senhor. O fato de Deus nfo ver pecado no crente é verdadeiro no que diz respeito a sua posigao (justificagaio), mas uma proposigo completamente incorreta quanto ao seu estado (santificagdo). A Lei de Deus, por essa razao, nao somente instrui o crente quanto ao tipo de vida que agrada a Deus, mas também é um instrumento de humilhagao pelo qual o Espirito Santo leva o crente a descobrir suas faltas, lasti- mar-se por té-las cometido e a arrepender-se delas e, assim, recor- rer ao Senhor Jesus Cristo, o nico no qual a graga da santificagdo pode ser encontrada. Haveria menos tragédias morais entre os cristaos professos se a instrug&o salutar da Lei de Deus fosse atendida cuidadosamente. Que © crente possa olhar exclusivamente para Cristo na busca do poder capacitador de uma vida vitoriosa — como de fato deve — mas que ele, ao mesmo tempo, se lembre que a vida santa naio consiste em prazer emocional, mas sim em cumprir os mandamen- tos de Deus. Insistir nessa fungdo da Lei de Deus na vida do crente nao é se tornar legalista. O legalismo é um abuso da Lei: é uma confianga no cumprimento da Lei para aceitagao perante Deus, e o cumpri- mento de leis, seja orgulhoso ou servil, nio é elemento da graca de Deus. No entanto, a obediéncia de amor rendida alegremente éalgo completamente diferente e faz parte da prépria esséncia da vida cristi. Nao é legalismo um homem obedecer a Deus porque ele ama agir assim; isso é liberdade: mas, lembre-se, ainda é obe- diéncia. Introdugao 9 A Lei de Deus tem seu lugar na experiéncia crist4 porque, em- bora seja por causa de um amor profundo por Deus que o crente faz o que agrada a Deus, ele est4, ao mesmo tempo, fazendo aquilo que Deus o manda fazer. Se a m4 vontade de um homem em obe- decer nao invalida o mandamento — e¢ isto é admitido por todos — ent&o o mesmo é vilido para sua prontidao. A Lei nao termina quando um homem se regozija em obedecé-la: ainda existe para ser honrada e gozada na obediéncia a ela. Um soberano nio é me- nos soberano porque seus stiditos o amam. Deus nfo cessa de ser Deus assim que seu povo é reconciliado com ele. Ele nao fica pri- vado de todos os direitos de comando tao logo as pessoas come- cem a amé-lo. Conseqtientemente, nao existe incompatibilidade entre amor e obediéncia; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediéncia em amor e o amor obediente. Esta verdade talvez possa ser mais facilmente alcangada se ilus- trada com relago a Lei positiva, como distinta da Lei moral. Um dos exemplos excepcionais da Lei positiva na vida do filho de Deus é, naturalmente, a ordenanga da Ceia do Senhor. Um crente ira alegremente cumprir esse mandamento de Cristo, mas nunca vai pensar em dizer que ele assim age meramente porque gosta, nio porque o Senhor mandon. Se falasse assim, ele, entio, se tornaria uma lei para si mesmo. O crente dir4 que ama cumprir cada manda- mento sagrado de Cristo e, ao afirmar isso, reconhece o lugar do mandamento. A verdadeira santidade nao se detém para conside- rar meramente as qualidades intrinsecas do bem ou mal, mas dara atengio unicamente 4 vontade daquele que proferiu os mandamen- tos. Nao hd santidade onde nfo ha sujei¢fo a Deus: toda bondade deve ser por causa de Deus, nao motivada por si mesma. As boas obras do crente nio so meramente boas, sao boas pelo fato de serem devidas. A obrigagao da obediéncia é perpétua e pertence a relagao da criatura com Deus, e um dos mais ricos frutos da graga €o0 fato dea alma regenerada poder dizer, “Quanto amo a tua lei!” 10 A Lei Moral (S1 119.97). A doutrina biblica da santificagdo, entdo, nao é “con- fie e relaxe” mas “‘confie e obedega”. O ensino puritano evita o ativismo pelagiano de um lado e 0 passivismo quietista do outro, e no lugar de ambos, afirma a necessidade da obediéncia da fé. O propésito adicional deste volume é apresentar a discussio da Lei 1 por_meio de uma das mentes mais privilegiadas do perfodo Puritano, a saber, a de Anthony Burgess. Muito do bom pensamento puritano é encontrado nao apenas nos escritos de homens mais conhecidos como John Owen e Thomas Goodwin, mas também na obra daqueles que séo menos familiares hoje em dia. Eles permaneceram desconhecidos grandemente por causa do estilo literdério de suas épocas, que os leitores modernos encontram dificuldade em seguir, mas eles foram homens de per- cepgio teoldgica, de intelecto brilhante, pensamento claro e argu- mento invencivel. Anthony Burgess foi um desses. O tratamento atual do assunto é baseado nos pensamentos e material desse distinto pensador encontrados na sua notavel obra intitulada, Vindiciae Legis; ou A Vindication of the Moral Law. Dessa forma, espera-se que, em alguma extensdo, a grande contri- buigio feita por Anthony Burgess possa ser salva e que receba seu lugar no pensamento de hoje. Capitulo 2 A Perfeicgao da Lei O estudo da Lei de Deus na vida do crente nao tem sido feito sem dificuldades mas, em alguma extensdo, isso é devido a uma falta de atengéio a certas consideragGes basicas, Conseqiientemen- te, ha varios princfpios basicos orientadores importantes a serem lembrados na exposigao da doutrina da Lei. O primeiro deles tem a ver com 0 significado da palavra “lei”. A confus&o surge se a palavra é considerada apenas no seu uso em inglés, ou se seu significado é restrito as palavras grega e latina nomos e lex, que significam um c6digo autoritério de dever. A palavra do Antigo Testamento torah inclui muito mais do que es- sas idéias e significa néo somente o que deve ser feito mas também o que deve ser conhecido. Ela representa a instrugao divinamente revelada, quer seja na forma de doutrina, exortagdo, promessa ou mandamento. Esta é a razao pela qual a Lei Mosaica pode ser cha- mada de pacto e, inversamente, a razdo pela qual o Pacto Mosaico pode ser chamado de Lei. E nesse sentido amplo também que Pau- lo é capaz de usar o termo em uma expressio tao figurativa como “fei da fé” (Rm 3.27). HA outros significados da palavra “lei” que pertencem nao a sua derivagao mas ao seu uso. Algumas vezes significa qualquer parte do Antigo Testamento, como nas palavras de Cristo que, em uma referéncia particular a um salmo (SI 82.6), diz, “Nao est4 escrito 12 A Lei Moral na vossa lei: Eu disse: sois deuses?” (Jo 10.34). Algumas vezes, a frase “a lei e os profetas” (Mt 7.12; Lc 16,16) é usada para indicar todos os livros do Antigo Testamento. Ocasionalmente, a palavra “ei” é usada apenas para os aspectos cerimoniais da adorac’io como na expressio, “Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindou- ros” (Hb 10.1). Em alguns lugares, ela é usada para a auto-revela- Gao de Deus, conforme ele deu particularmente aos israelitas, como por exemplo, nas palavras, “Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graca e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”. (Jo 1.17); e ainda em outras passagens é usada como uma descri- Gao dos judeus na sua condiga&o sem Cristo, um uso que Paulo faz nas epistolas aos Romanos (3.19) e aos Galatas (3.10; 4.21). Antes que qualquer discussao valida sobre a doutrina possa acon- tecer e, certamente, antes que quaisquer argumentos possam ser levantados contra a Lei, deve ser mostrado em que sentido a pala- vra esté sendo usada, uma vez que Paulo questiona a Lei em um sentido e a defende em outro. Um segundo principio orientador é a necessidade de se reco- nhecer que nio h4 contradigéo em se fazer algo por amor e tam- bém em obediéncia 4 Lei. Ocasionalmente é dito que a obediéncia a lei € subserviéncia, ao passo que o crente €é movido por amor e nao necessita de lei. Isso naturalmente contém uma contradigao Iégica além de ser totalmente falso na experiéncia. B falacioso co- locar causa e efeito em oposicao. Sugerir que h4 uma contradi¢io entre o motivo pelo qual o crente agrada a Deus e as coisas que em si mesmas sao agradaveis a ele é ildgico, uma vez que o Espirito de Deus move 0 coragiio para o amor e para o prazer naquilo que ele manda. Adao é um exemplo disso, uma vez que enquanto nao ha- via caido, ele obedecia por amor e também por causa da ordem. Os anjos obedecem aos mandamentos de Deus (caso contrdario os an- jos apéstatas nfo poderiam ter pecado), contudo eles fazem todas A Perfeigdo da Lei 2B as coisas em amor.' O exemplo supremo de tudo é 0 proprio Cris- to, sobre o qual um mandamento foi colocado, porém ele 0 cum- priu por amor.” Por essa razdo, a conclusao a ser tirada é que fazer algo por obediéncia a uma ordem simplesmente porque é uma or- dem nao implica necessariamente auséncia de amor. A obediéncia de um servo nao precisa ser obediéncia servil. Em terceiro lugar, deve-se observar cuidadosamente que a obe- diéncia completa de Cristo 4 Lei para a justificagiio dos pecadores nao isenta o crente da obediéncia a ela para outros fins que nao a justificagao. Uma das verdades basicas do Evangelho é que ne- nhum homem pode oferecer suas boas obras como base para a sua justificag&o, mas é um grande erro concluir que porque as obras da Lei nao justificam, elas sao desnecessdrias. Este seria um racioci- nio razoavel se um crente obedecesse a Lei pela mesma razao que Cristo o fez, mas isso é impossivel. Uma analogia pode ser feita a partir da experiéncia crist& do sofrimento. Cristo sofreu enquanto sustentou a maldigao da Lei e, desse modo, libertou 0 crente de todo o castigo; todavia o crente pode suportar sofrimento para outros fins. Da mesma forma pode ser argumentado que o crente efetua as obras da Lei de Deus para fins diferentes do que os de Cristo, e a obrigacdo que jaz sobre o crente de efetuar atos de obediéncia nao deve ser interpretada de modo a constituir um apoio para uma doutrina da justificagao pelas obras. ' A mae de Moisés é uma ilustragéo humana terna, uma vez que ela cuidou de seu filho por causa do amor materno mas também em obediéncia as ordens da filha de Farad. ? Algumas vezes, esta ultima sentenga € contestada e surge a questiio sobre se o Pai havia langado uma ordem sobre Cristo; mas a resposta completa a isso é dada na Escritura que prové a evidéncia disso em varias passagens. De fato, se a ordem nio tivesse sido langada sobre Cristo, nao seria possfvel falar sobre a obediéncia de Cristo, porque obediéncia se relaciona a uma ordem. 14 A Lei Moral Um quarto principio orientador na estruturag4o da doutrina da Lei de Deus na vida do crente é a necessidade de se fazer uma distingdo entre o crente e seus atos pessoais. Embora seja verdade que a Lei nao condena o crente, em vista do seu ser em estado de graga, os-pecados que ele comete sfio condenados e merecedores da ira de Deus. Consequentemente, é uma comparagio tola dizer, como um dos escritores antinomianos antigos, que um homem de- baixo da graga tem tanto a ver com a lei quanto um “inglés com as leis da Espanha’”’. Embora cada crente esteja no estado da graga, sendo sua pessoa justificada, enquanto comete pecados, estes sao to condenados nele como o s&o em outros. Pode haver a aceita- ao da pessoa pela graga de Deus, embora ao mesmo tempo h4 a reprimenda das coisas que ela pratica. Um principio final a ser lembrado é que a lei ndo deve ser rejei- tada porque o homem nao tem poder para cumpri-la. Quando a rejeigao da Lei € questionada sobre esta base, freqiientemente se esquece que o homem, similarmente, nao tem poder para obedecer ao Evangelho. O mandamento para crer é tao impossfvel quanto o mandamento para obedecer e, assim, o Evangelho parece falar de coisas tao impossiveis quanto a Lei. A auséncia de capacidade nao implica auséncia de obrigagiio. Ao tornar claras essas importantes consideragées, é possivel exibir a bondade da Lei. Se Deus é bom, sua Lei deve ser boa. Esta € a experiéncia do salmista quando exclama, “Quanto amo a tua lei!” (S1 119.97), e esta, igualmente, é a convicgao de Paulo quan- do diz a Timéteo, “Sabemos, porém, que a lei € boa” (1 Tm 1.8). A bondade da Lei de Deus se mostra de varias formas, como um breve levantamento mostrar4. Primeiramente, a Lei de Deus é boa em seu contetido, isto é, no seu significado espiritual. Nao pode haver diivida que é bom amar a Deus e confiar nele; e isto é precisamente 0 que é mandado na

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