You are on page 1of 15
Valter Lemas “A boa gestio ¢ uma caracteristica significativa das melhores escolas” R. Glatter, 1992 © objectivo primeiro da actividade de gestio das escolas deve ser criar condigdes para que os proféssores promovant a aprendizagem dos alu-~ nos. Este aspecto parece andar arredado das discussdes piiblicas sobre a problenratica da gestio das escolas portuguesas,.as quais parecem preocupar~ =se quase exclusivamente com a dimensio do exercicio do poder dos ges- tores sobre os membros da organizagio escolar, especialmente os profes— sores, A anilise dos problemas colocados pelos dois modelos de adininistragio das escolas, vigentes em Portugal, conduz necessiriamente a consideragao das duas dimensdes:a aprendizagem dos alunos, ou seja, a eficacia da escola eo exercicio do poder. 1. A gestfo e a eficacia das escolas A investigagio recente parece provar existir ama relagio directa, ou pe- lo-menos indirecta mas inequivoca, entre a gestéo e a eficacia das esco- las. Um dos mais complexos ¢ significativos estudos neste ambito (Morti- more, et al., 1988), identificou doze factores que se mostrami consistente- mente relacionados com a eficicia escolar (medida através da promogio da Educagie em Debate A Gestio Escolar aprendizagem dos alunos em varias dimensGes). Desses factores dois si0, explicitamente, “a lideranga efectiva do director” e “o enyolvimento dos membros da gestio”, para além de que os restantes dependem de compor- tamentos especificos ¢ estratégias utilizadas pela direccao € pelos professores. “E essencial ter-se em linha de conta que (...) 0 que o professor pode ou nio pode fazer, depende em certa medida, do que acontece na escola noseu todo” (Mortimore et al., 1988, p. 123). De resto, outros estudos anteriores haviam j4 identificado 0 papel da gestio como importante na eficacia das escolas (Edmonds, 1979; Purkey Smith, 1983). E, ainda que nem toda a investigagio parega justificar a afirmagio de Scheerens (1990) de que “ha caracteristicas das escolas, por exemplo a lideranga educacional, que mostram estar consistentemente associadas a resultados positivos dos alunos” (p. 66), pelo menos a relagio entre o clima de escola e a gest’io mostra-se consistente (Likert, 1961; Branet, 1992) ¢ entre aquele e os resultados dos alunos (Brookover et al., 1979; Rutter et al. 1979), 0 que permite no s6 ter em conta o impacto directo da gestio nas relagdes entre os participantes escolares como (pelo menos) indirecto nos resultados dos alunos. 2. A gestao e o exercicio do poder Na educacio portuguesa, no entanto, néo tem havido grandes preo- cupagées de relacio entre a gestio da escola ¢.a aprendizagem dos alunos, ou sequer entre o clima de escola e a aprendizagem dos alonos. Esta parece ser substitaida enquanto objective essencial da escola pela mera satisfacio dos professores, ou na melhor das bipsteses, dos diversos actores organizacionais, Nesta perspectiva'a escola ¢ entendida enquanto organizagao social (com actores, grupos, normas, conilitos de interesse, etc.), mas nao como urna organizagio com uma insergio social especifica, isto ¢, com objectives concretos € responsabilidades pela sua interveng3o respectivos resultados na comunidade especifica de que faz parte, No primeiro caso a escola justifica-se internamente, isto ¢, por e para os seus actores directos € no segundo justifica-se externamente, isto é, por ¢ para a comunidade especifica em que se insere, Assim a definigdo ¢ 0 exercicio da direcg3o e da gestio seri entendido como uma questo de divisio do pader pelos actores internos no primeiro caso e como uma questi de escolha de abjectivos ¢ prestagio de contas, no segundo caso. 260 Valter Lemos 3. O modelo de 1976 - a escola dos professores 3.1 A Representatividade O modelo de gestio das escolas preparatérias e secundérias instituido pelo Decreto-Lei 769-A/76 foi genericamente designado por “gestéo de- mocritica’, porque, para além de assim se acentuar a mudanga introduzida (por opesigao a um modelo sutoritario anterior) assentava no principio da representatividade dos gestores face aos actores organizacionais. internos (professores, alunos ¢ funciondrios), através da sua eleigao, e na colegialidade do orgio de gestio. Quinze anos passados, estes dois principios mostraram sérios revezes na sua implantacao. A representatividade passou a ser pratica~ mente exclusiva do corpo docente, tendo sido arredados os alunos ¢ funcionarios da participagao efectiva na gestio da escola, criando-se assim wma escola dos professores. 3.2 A colegialidade A colegialidade da gest3o foi real ¢ efectiva em muitos casos, mas dois aspectos limitaram claramente o seu desenvolvimento. O primeiro respeitaao progressivo aumento de casos de auséncia de listas candidatas 4 eleic3o, ou seja, de equipas dispostas e organizadas para exercer agestio da escola, sendo necessirio recorrer cada vez mais 4 escolha de um. professor , que, em muitos casos, ji nem sequer possuia representatividade legitimada, sendo designade pelo Ministério da Educagio (ME). Oseguade aspecto e porventura mais significativo, foi a definigao legal, especifica ¢ exaustiva, das fungdes e tarefas de cada um das membros dos consellios directivos (presidente, vice, secretario, etc.). Na pritica tal signifi- cou que a gestio deixon de ser exercida de forma colegial, ou seja por uma equipa que delibera em conjunto ¢ divide livre ¢ internamente as tarefas especificas de cada membro, resultando sim do exercicio acumulado das tarefas previamente atribuidas pela administragao. Assim tornou-se vulgarem algumas escolas os membros dos conselhos directivos manterem horarios diferenciados de permanéncia na escola, exercendo cada um as suas fungdes de forma individualizada, minimizando 0 tempo de trabalho conjunto do orgio. Educagao em Debate _A Gestfio Escolar 3.3 A participagio O modelo de 76 contém como ja se viu, principios de participagio democratica de varios actores escolares, mas desde logo afastava da partici- pacio na decisio alguns utilizadores ¢ interessados no processo educativo, como os membros da comunidade de insergio da escola, da qual sobressaem naturalmente os pais. A realidade foi sendo cada vez mais a da exclusiva pacticipagio dos professores, 0 que provocou maior desinteresse dos fun- ciondrios, cada vez maior itresponsabilizacio dos alunos, afastamento dos pais ¢ divércio claro dos restantes agentes da comunidade (autarquias, empresas, associacées, etc.) Pode dizer-se que 15 anos apés 0 25 de Abril o modelo de gestio, tendo conduzido a um reforgo do poder ¢ intervengo dus professores, manteve, no entanto, o poder e a intervengio da administragio central, As escolas no se encontram inseridas nas comumidades especificas que integram, nem prestando-lhe contas, nem sequer Ihe permitindo qualquer interven¢io na sua organizagdo e funcionamento e muito menos na definigio dos seus projectas educativos. As escolas mantém-se como meras extensdes da administracio ¢ a esta prestam contas pelas vias burocraticas e hierarquicas tradicionais. 4. O novo modelo de direccgfo e gestao das escolas O modelo de gestio de 1976 constituiu uma expenéneia significativa- mente diferente das situagdes comuns aos restantes paises da comunidade europeia, O nove modelo, aprovado pelo Decreto-lei 172/91 introduz modificagGes aproximativas das situagdes mais generalizadas na Europa (Barroso e Sjorslev, 1991). No entanto, tal aspecto nie deve constituir, em si mesmo, um objective. A questio cultural tem aqui papel relevante, pois que se trata de relagdes da escola com a sociedade ¢ entre grupos ¢ interesses sociais diferenciados. No entanto o novo modelo conceptualiza alteragdes que, por um lado, parecem pretender colmatar algumas das fraquezas do anterior € por outro parecem decorrer de uma “imagem” da escola como sistema social, diferente da imagem racional/burocratica tradicional € da iniagem profissional /colegial que alguns atribuem ao modelo de 76, ou ainda da imagem politica (de conflito de interesses) ou de sistema cultural (de chogue de cultaras) que alguns associam is escolas (OCDE, 1989). 262 Valter Lemos 4.1 A direccao e a gestao O modelo de 76 foi definido no contexto de um sistema escolar centralizado, em que a direcg3o (nivel de decisio onde se definem os objectivos ¢ as politicas organizacionais) no tinha lagar nas escolas, pois que competia exclusivamente ao ME ou a administragio central em geral. As escolas competia exclusivamente a gestio (nivel de decisio onde se definem estratégias para a execugio das politicas ¢ objectives definidos ¢ se afectam 08 meios ¢ recursos necessarios). O modelo de 91 assume um contexto de maior autonomia da escola, admitinde que a mesma tenha capacidade de decisio sobre objectivos € politicas instituctonais préprias. Relaciona-se isto com a definigio do chamado Projecto Educativo de Escola, instrumento que visa 0 apoio a uma estratégia global da escola, 4 semelhanga do que se passa noutros paises como a Franga, Gri-Bretanha, Suécia ou Noruega, onde se desenvolvem instru- mentos idénticos, inserindo-se isso numa tendéncia internacional de “novo clima de devologio de poderes” (Glatter, 1992). Estabelece-se assim a separagio dos niveis de decisio, competindo a direccio a um orgio, o Conselho de Escola, ea gestio a um outro, 0 Director Executivo. 4.2 A participagao externa A participagio intema do modelo de 76 0 novo modelo acrescenta a participacdo externa, incluinda a direegio da escola no somente os actores directos (professores, alunos e funciondrios) mas também os utilizadores € agentes socialmente implicados na educagio (pais, autarquias, associagdes cultufais ¢ econdémicas). Tal, além de obviamente aumentar a representativ- idade e participagdo democriti¢a no sistema escolar, vem acrescentar de mo- do formalmente visivel a dimensao da responsabilidade social da escola, para além da anterior responsabilidade administrativa. Trata-se de nma substicu- igo parcial da superintendéncia da administragao pela tutela da comunidade, a qual, no entanto, no parece estar a ser conseguida como adiante se vera. 4.3 A eficiéncia da gestao A questio que mais discutida tem sido no ambito da gestio escolar res- peita 4 substitui¢ao de um orgio colegial (o conselho directivo) por um orgio 263 Educacgao em Debate A Gestio Escolar unipessoal (0 director execntivo), bem como 4 sua eleigio directa pelos professores. Mas tal anilise padece de um enviezamento aprioris— tivo. Em primeiro lugar, resulta do que foi dito que a diferenga de um modelo para outro nfo se pode explicitar dessa forma. Ao nivel decisional na escola muda-se de umn orgio (CD), para dois érgios (CE+DE), Neste contexte a represeatatividade, garantida eleitoralmente faz-se obviamente para o orgdo de direcgao ¢ nao para o de gestio, 0 qual é escolhido pelo primeiro e perante ele responde. Em segundo lugar, para além da alegada colegialidade da gestio se encontrar ji comprometida no préprio desenvolvimento do modelo de 76, num contexto em que o orgio de direcgia ¢ representativo © colegial, facilmente se verifica a incompatibilidade que existiria necessariamente com um orgio de si dependente mas com a mesma fonte € forma de legiti- mag¢io. Existindo um orgio de direceio garanteda representatividade ¢ participa¢do, a questio que sobra para a gestio é a da eficiéncia. A da competéncia para maximizar a eficicia da escola no contexto do respectivo projecto educative. “A manutengio de ums gestio pedagégica amadora ou cotineim ¢ condigio essenicial para manter a lagica do insucesso ao nivel organizacional, A organizacio pedagdgica de tima escola pode veicular mudancas estruturais que sio o suporte congruente das mudangas na tecnologia pedagdgica. Numa logica de insucesso educative esta questio deve ser obveurecida, Para isso nada melhor do que desviar © assunto para a discussio de os gestores pedagégicos deverem ser cleitos ou nomesdas, farendo assim exquecer que eleitos ‘ou nomeades continuam a nio estar (na muaioria dos casos) preparados para a fungio de orginizar pedagdgicamente uma escola.” (Formosinho, 1992. p. 34). 4.4 O papel do gestor escolar Alguns observadores ainda que rejeitando a imagem racional/burocrati~ ca da escola, consideram, no entanto, que ha uma separagio clara entre as funcdes dos “administradores” (chefes dos estabelecimentos de ensino) e dos “profissionais” (professores), podendo a acgio dos primeiros sobrepor-se aos segundos (situagio vivida antes de 1974), estabelecer-se um contrato de nio interferéncia matua (situagdo mais conium em Portugal ¢ na Europa), ou na melhor das solugées a articulagio dos dois. competindo aos administradores compatibilizar as solugées administrativas ao exercicio das competéncias dos 264 Valter Lemos professores e as exigéncias do processo educativo, o que se tornaria possivel “a partir do momento em que os professores (¢ enquanto profissionais eleitos pelos sens pares) passam a desempenhar 9 papel de administradores” (Barcoso, 1991, p. 71). Para além da tese que decorre que a gestio das escolas deve ser exercida por professores, com © qué sé concorda mas parece estar fora de causa pois ambos os modelos o estabelecem, resulta uma clara separagao, em qualquer dos casos, das fiin¢ées administrativas (zona de accio dos administradores) das fungdes pedagégicas (zona de acco dos profissionais). Tal dicotamia parece , noentanto, cada vez fazer menos sentido face aos resultados da investigagdo sobre as organizagées escolares, Os estudos sobre a eficdcia das escolas j4 referidos, concluem genericamente pela necessidade dos gestores escolares exercecem uma lideranga pedagégica efectiva, o que vai muito para além de compatibilizar solugGes administrativas (recursos, tempo, espago, etc.) com as exigéncias do acto educativo ¢ se insere na influéncia directa sobre os professores, tas expectativas educacionais, de professores, alunos ¢ pais, na interven¢do sobre as inovagdes ¢ as mudangas esobre a cultura de escola, Schein (1987) refere mesmo que “é provivel que © Gnico trabalho realmente importante dos lideres seja criar e gerir cultura”. Segundo Glatter (1992) da andlise das dimensdes culturais das escolas e do seu significado em relagio 3 mudanga, a primeira implicagio para a gestio escolar é que “¢ importante que os directores sejam considerados lideres profissionais ou pedagdgicos e nio apenas executivos” (p. 153). Nesta perspectativa assume relevancia no respeitante a gestao escolar nio a colegialidade formial, mas as qualidades de lideranga profissional, a prepa ragio pedagdgica ¢ de gestao, o conhecimento do meio ¢ do contexto social. ea capacidade de operar tanto ao nivel das ideias abstractas como das acgdes concretas. Nada disto ésuficientemente garantido por qualquet certificagio formal, mas a necessidade de uma forma¢io ¢ preparagao prévias certificadas insti- tuidas no contexto do novo modelo de gestio ¢ um passo importante na direcgdo correcta, 4.5 A gest3o intermédia e os érgios de apoio O nove modelo encerra ainda algumas outras mudangas significativas na organizacio da escola, O modelo de 76 criou um conselho pedagégico com competéncias na area da orientacio educativa e da coordenagio pedagégica 265 Educagio em Debate A Gestio Escolar que o novo modelo mantém, embora com alteragGes de composig¢io. Relevam as mesmas das chamadas estruturas de gestao intermédia, das quais se destaca a criug3o de departamentos curriculares, que parece visar uma maior coesio curricular, e 0 aparecimento de coordenadores de ano dos directores de turma. Isto tem especial significado porque revela uma modanga na organizacio dos professores ¢ respectivos papéis nas escolas. Trata-se de aumenitar © peso organizacional das estruturas constituidas em fungao dos alunos e diminuir o peso das estraturas constituidas em fungio dos saberes. Esta modificagdo que coloca no conselho pedagdgico virios caordenadores dos directores de curmia (em vez de um s0) € somente goatro chefes de departamento (em vez de dezenas de delegados de grupo ¢ representantes de disciplina) faz inflectir um dos maiores problemas da educagio portuguesa, a excessiva ligagio dos professores aos'saberes especializados ¢ a fraca ligagao, aos alunos, questio que a alteragio dos planos curriculares no ultrapassou, mas a que esta mudanca, bem como o modelo de avaliagao do ensino basico vieram dar novo alento. O fortalecimento de estruturas especialmente vocacionadas para o acompanhamento ¢ orientagao dosalunos €-um passo importante na melhoria da eficicia das escolas ¢ da qualidade de educagio, porque tal associagio tem mostrado grande consisténcia em quase toda a investigagio sobre o tema (Reid, Hopkins and Holly, 1989). 4.6 Porqué um modelo uniforme? De qualquer modo subsiste uma quetio; porqué uma organizarao interna igual para todasas escolas? Este resquicio de concentragio burocrati¢a contradiz os principios de maior autonomia que enformam o quadro legislative bem como os relativos a criagio de uma identidade e um projecto institucional proprio (o projecto educativo). Para além disso, nfio tem em conta a variabilidade na dimensio das eacolas e como qualquer modelo “pronto a vestir” fica largo aos.mais pequenos ¢ apertado aos maiores. Assim, como é vulgar hoje nas escolas mais pequenas ter delegados de grupo que coordenam um grupo de... um, na nova sitnagdo também é possivel ter coordenadores de directores de tarma que se coordenam exclusivamente a si proprios! Sendo claro que a criagio ¢ desenvolvimento de uma cultura organiza- cional propria esta dependente da possibilidade dos actores organizacionais podem teflectir e actuar sobre a prépria organizagio nio é compreensivel que 266 Valter Lemos as escolas no possnam assim alguma autonomia estututéria ainda que en- quadrada em principios gerais aplicavéis a toda a rede, 5. O caso do 1° ciclo do ensino basico Outro aspecto em que o novo modelo traz mudangas significativas respeita ao 1° ciclo do ensino basico. Asituagio viyente neste caso tem sido muito diferente do restante ensino basico ¢ do ensino secundario. Na verdade, as escolas primarias em Portugal nao tém merecido sequer o estatuto de organiza¢des no conrexco do sistema escolar. Tal deve-se em parte 4 sua dispersio geografica ¢ reduzida dimensio {sio mais de nove mil ¢ distnitos ha em que mais de 80% das escolas tém um ou dois professores e menos de 20 alunos), mas deve-se também 3 desvalo- rizagio institucional ¢ social.a que este ciclo de ensino tem sido votado. A problemitica da direcgdo ¢ gestio das escolas coloca-se, neste contexto, de forma diferente. O modelo de gestiode 91 ao-estabelecer uma estrutura semelhante 4 das restantes escolas bisicas ¢ secundarias, tem, no entanto por razdes de. dimensio critica que considerar no |" ciclo uma organizagio escolar, como © conjunto de eseolas de uma area geografica (um concelho, por exemplo) que designa por area escolar, o que sendo um conceito aplicavel a zonas rurais, nio o seré para as cidades de maior dimensio. Daqui resultam problemas que interferem com outras dimensdes do sistema como a localizagao das escolas ¢ a natureza do parque escolar. O reordenamento do parque escolar do ensino primario, questio que vem sendo adiada, torna-se cada vez mais urgente, 0 que podera ser parcial~ mente resolvido com o alargamento das escolas basicas integradas, que si0, sem divida oma das mais sensatas medidas estruturais para o desenvolvi- mento de um ensino basico universal e promocional como se encentra definido na lei de bases e posterior legislagio no contexto da reforma edvcativa. Deste modelo resultam igualmente consequéncias relacionadas com utha promogio institucional indispensavel das escolas do 1° ciclo e conse- quente alteragio do inacreditavel sistema de commando administrativo & burocritico deste ciclo do ensino bisico € o aparecimento de alguma auto~ nomia organizacional e pedagogica, Noentanto, arealidade parece continuar 267 Educagioem Debate A Gestio Escolar amanter-se muito adversaa tal aspecto, devido sobretudo ao comportamento da administracio nestas questées da autonomia come adiante se vera. 6.A experiéncia do novo modelo - alguns problemas centrais 6.1 A questao da mudanga O primeiro problema que se coloca 4 implementagio do nove modelo é de caracter geral ¢ relaciona-se com 3 mudanga, ela mesmo. Os processos de mudanga, assunto. capital das ciéneias sociais, sio geralmente dificeis ¢, apesar do esforgo investigative, nao parecem estar sujeitos a leis ou regras claras & persistentes. A “turbuléncia™ associada 4 miudanga parece muitas vezes cadtica.¢ dificilmente racionalizivel. No respeitante 4 gestio, no Ambito de um sistema complexo como 0 educativo, a questio ¢ especialmente aguda, quer pelo valor socialmente sim bélico do modelo de gestio de 76, quer pelos especiais cuidados que a gestio das mudangas educativas parece requerer, tais como o entendimento dos contextos existentes, a divulgagio dos objectives do projecto, a promogio de incentivos, a existéncia de recursos hamanos ¢ materiais, o encorajamento das atitudes inovadoras ¢ a manuten¢io de uma certa estabilidade durante a implementagio (Glatter, 1992). Algumas destas condi¢ées nao parecem estar aser asseguradas, quer por virtude- da quase total redu¢aa da politica educativa 4 gestio econémica e financeira, quer pela enorme dificuldade que a administracio educativa revela, novamente de forma noténa, em encorajar ¢ incentivar a inovag3o. e manter estabilidade na actuagia. Tudo isto se torna mais coniplexo se atendermos ao facto de nao se estar 10 contexto dé uma inovacio singular, mas no contexto de um conjunte de mudangas, algumas delas nem sempre congruentes, o que poténcia o “efeito jacuzzi”: os professores sio alvos de mudangas provenientes de todas as direcgdes simultancamente, provocando dificuldades de equilibrio ¢ inte- gracio, gerando muitas vezes a indiferenga defensiva (note-se a actuagio do muinistro. Roberto Cameiro, para obviar a este problema), Para além disso, devera ainda referir-se a habitual excessiva pose corporativa e imobilista de muitos sindicatos de professores, de facil adesio pelos professores, até porque estio em causa modificagdes no papel ¢ poder dos professores no contexto das escolas. 268 Valter Lemos 6.2 A administracdo central e a direcgao das escolas O maior problenia ji implementagio do nove modelo, parece, no entanto, ser a administragdo, isto é& © proprio Ministério da Educacio (ME). E inequivoco que © modelo de 1991 assenta num principio de maior auronomia das escolas. A sua congruéncia com 0 Decreto-Lei 43/89 é dbvia. S6 assim se compreende a criagio de um nivel de direc¢io (0 conselho de escola) ao qual compete definir objectivos € politicas de escola e perante o qual a gestio responde pela execugio de tais politicas, constituindo ainda o garante da responsabilizagao social da escola na comunidade, E ébyio gue tal colide com fungdes anteriormente exercidas por érgios do ME. No melhor dassuas tradigdes, o compertamento da administragdo parece ser, neste caso, a manutengio dos seus padrées € niveis de intervencio, nao deixando na cealidade espago de sedimentagio ao conselho de escola. A questio é aliés mais vasta, pois coloca o problema da compatibilidade da lei orginica do ME com o edificio legislative da reforma, neste caso expresso pela dificil compatibilizagio entre as atribuigdes das Direcgdes Regiomais de Bducagio (DRE) ¢ a esfera de autonomia das escolas. A falta de espaco decisional, por asfixia, parece conduzir a desmotivagao e desinteresse dos membros do conselho de escola, acentuade pelo facto da administragio continuar a relacionar-se exclusivamente ¢ de forma directiva com o orgio de gestio, ignorado ¢ menorizando, na pritica, os conselhos de escola, com os quais, a0 podendo relacionar-se de forma hierarquica, parece optar por nio:se relacionar de todo. Poder§ dizer-se que, sas actoais circunstancias, ao crescimento das chamadas estrururas desconcentradas do ME (as DRE) corresponde de forma directa a diminuicdo do espago de antonomia das escolas ¢ a conseque- nte inanicio dos conselhoxs de escola. Tendo em conta que os mesmos constituem.a maior inovagio do modelo, isto poderd significar o seu fracasso devisivo. Assim paréce necessirio obviar a ¢sta situacio. Para tal hayerd que quebrara hicrarquia administrativa entre as escolas e as DRE, transformando- a numa relagao de tutela a qual é compativel, s¢ exercida em area diferente, com a tutela da comunidade. Trata-se da velha questio de substituira relagio de comando (hieritquica) pela relagio de-controlo (tutelar) que parecia decotrer do edificio juridica da reforma, mas esbarrou na orginica € comportamento do ME. Educagio em Debate A Gestio Escolar 6.3 A dupla dependéncia da gestio © papel da administrago central coloca ainda o problema da dupla dependéncia do director executivo (a que aliés se poderd considerar uma debilidade original do modelo). Sendo © conselho de escola come orgio de direcgdo que escolhe o director executivo ¢ o pode demitir, deveria decorrer dai a sua dependéncia funcional enquanto orgio de gestio. No entanto a sua qualidade de agente, da administragio estabelece também uma dependéncia fancional ¢ hierarquica do respectivo orgdo superior da administracio, causando potencialmente um conflito de interesses ¢ directivas. Acrescentan- do o facto da administraco acentuar (insensatamente) a sua relagio: com a escola exclusivamente através do director executivo, tal acarreta, nomead- amnente ao periodo de instalagdo dos novos érgios (ainda com fraca legiti- midade face 4 legitimidade histrica do ME) uma desvalorizagio do conselho de escola, face aos seus préprios miembros que se véem esvaziadas de fungSes e até de informagio ¢ face aos membros da escola que veer o director exe- cutivo como a fonte de poder (tem a autoridade e a informacio) e de legiti- midade administrativa (responde perante a administragdo). Os membros do conselho de escola provenientes do exterior, introduzidos numa situagio inteiramente nova, criam a ideia da inutilidade da participagio a qual tendo existéncia formal parece nio ter contetido. Por sua vez, a situagio do director executivo torna-se extraordinaria~ mente dificil, sendo assumida correctamente. Como refere Glatter (1992), mudangas deste género sio dramiticas nos paises em que os professores € 0s directores sio funcionarios pablicos, estando sujeitos a directrizes ¢ regras exteriores 4 organizacio escolar. lidar com varias institncias tanto Neste cenitio. as tarefas da gestio sho cclépica dentro comé fora di escola: desenvolver capacidades de planificaglo estratégica; adoptar uma atitude dinimica ¢ empreendedora jutito da comunidade ‘escolar, nisntendo uma postura reconhecida de educados; ajudar a gerir as complexas transig6es para os novos papéis.¢ responsabilidades (Glatter, 1992, p. 158). Tal leva a OCDE (1989) a concluir que “é provavel que os actuais responsiveis dos estabelecimentos de ensino nao estejam preparados (ou nda sejami as pessoas adequadas) para assumir os novos papéis ¢ responsabilidades que advém do exercicio da gestio num sistema descentralizado”, o que nos remete para o problema do recrutamento ¢ formagio dos gestores escolares, 270 Valter Lemos que é.n0 caso portugués muito relevante, dado 0 recente ¢ tardio aparecimento. de formac3o organizada e certificada nesta area pelas instituigées de for- macio. 6.4 Os professores e a cultura de escola Odiltimo grande problemaa focar aqui respeita aos professores ¢ cultura das escolas em Portugal. O sistema educative portugués consolidou-se no século XTX, gragas i acgio do estuelo que reservou para sia definigio dos aspectos bisicos do ensino eda formagio, delegando na corporagio dacente um poder de intervengio pedagégica. Num certo sentido, o aparelho escolar edificou-se contra 1s fimibias ¢ as comunidades. que foram marginalizadas, ora com 0 argumento politico (a leyxtimidade do estado para decidir em matéria educativa), ora. com.o argumento profissional (a competéncia especializada dos professares em matéria edutcativa). (...) A relocalizagio nas escolas de margens de autonomia cada vez mais alargadas coloca de novo © problema das diversas legitimmiades (€ interesses) ¢in jogo no contexto escolar. Neste dominio, $ findamental proceder a algumas mudangas radicais, petmitindo que as familias € ascommnidarles tenham capacidade de decisio (e poder) no seia das escolss (Novoa, 1992, p. 33) O novo modelo ainda nio foi tio radical como parece ser proposto, pois que incluindo os pais ¢ a comunidade na decisio nas escolas, acabou por respeitar bastante a cultura escolar existente nao ferindo demasiade o poder dos professores e do estado. Mas, esta cultura traz ainda outros problemas. Na verdade, os professores sdo ha muita tempo funciondtios piiblicos. A democratizagio do acesso i educagaio € consequence alargamento das necessidades de professores com a insuficiente resposta do sistema de fonmagio, levou durante duas décadas a um claro incremento da debilidade profissional, incentivado ainda pela inexisténcia de estatuto profissional e mas condicdes de exercicio da profissio (colocagio, remuneragio, ete.) Tudo isto aliado a uma actuagao tarefista da generalidade dos sindicatos dos professores foi produzindo uma crescente “fancionarizagdo”, criando-se a ideia de que a responsabilidade das escolas e do processo educativo seria exclusiva do ME, sendo os professores mieros empregados que, no limite, teriam que simplesmente cumprir os hordrios ¢ “dar o programa”. 271 Edncagio em Debate A Gestio Escolar Tal situagio, que prodoziu © incomensuravel crescimento fisico ¢ funcional da administragio do ME, veio a revelar-se tragica no momento da introdugao de mudangas contrarias a esta ordem estabelecida. No caso da gestiio das escolas assiste-se assim por vezes a manilestagdes do direito de nio-participagio, A nio aceitagao da autonomia ¢ consequente responsabilidade (desvalorizando, por exemplo, a conselho de escola), & reacgdo a reorganizagGes internas (por exemplo a implementagio dos depar- tamentos curriculares ou a preponderincia da dimensio alino-turma sobre a dimensio saber-disciplina), a0 impedimento a qualquer alteragSo das rotinas (por exemplo a diferente atribuigio © utilizagio das redugdes lectivas), ou ainda ao constante apelo 3 autoridade administrativa externa do ME para resolagio de problemas on divergéncias internas, Varios autores rém demonstrado que num processo de modanga as atitudes ¢ convicgdes se mostram mais importantes do que as competéncias especificas (Fullan., 1982), bem como a importincia que a cultura de escola tem na manutengio das priticas escolares. Tomam-se decisdes, sd aparen- remente aceites, mas nada muda de facto. Como exemplo pode referir-se que no relatério de uma DRE sobre a experiéncia do nove modelo, se considere que face as dificuldades de articulagio entre 0s varios orgios seja colocada a hipétese de criagio de wma estrutura informal - uma “troica” que reunisse 0s presidentes dos conselhos de escola ¢ pedayogico e o director executive. Era o regresso triunfal do conselho directivo! Referéncias BARROSO, ]. (1991). Modos de organizagio pedagégica ¢ processos de gestio da escola: sentido de uma evolucio. Inovagio, 4, (2/3), 55- 86. BARROSO, J. € Sjorslev, S, (1991). Estruturas. de administragio ¢ avaliagia das escolas primirias © secundirias. Lisboa: GEP - Ministério da Educa sio. BROOKOVER, W.; Beady, C.; Flood, P.; Scweitzer, J. & Wiseubaker, J. (1979). School social systems and student achievement: schools can make a differ- ence. New York: Praeger. BRUNET, L. (1992). Clima de trabalho ¢ eficicia de escola. In A. Névaa (coord,). As organizagSes escolares em anilise, Lisboa: Publ, D, Quixote e Instituto de Inovagio Educacional, EDMONDS, R. (1979). Effective schools for the urban poor. Educational Lead- ership, 37, 15-24. 272, Valter Lemos FORMOSINHO, J. (1992). Organizar a escola para o (in)sucesso educativo. In F. Alves ¢ J. Formosinho, Contributos para outra pritica educativa. Porto; Edicdes Asa FULLAN, M. (1982). The meaning of educationl change. New York: Teacher's College Press. GLATTER, R. (1992), A gestio como meio de inovagio. In A. Névaa (Coord.), As organizagées escolares em anilise. Lisboa: Publ. D. Quixore e Instituto de Inovagio Educacional. LIKERT, R. (1961), New patterns of management. New York: McGraw-Hill. MORTIMORE, P. , Sammons, P.; Stoll, L.; Lewis, D. & Ecab, R. (1988). School matters: the junior years. Berkeley, CA: University of California Press. NOVOA, A. (1992). Para uma andlise das instituigdes escolares. In A. Névoa (Coord.), As organizagées escolares em anilise, Lisboa: Publ. D, Quixote ¢ Instituto de Inovagio Educacional. OCDE (1989) .Decentralisation and school improvement: new perspectives and conditions for change. Paris: OCDE. PURKEY, S. & Smith, M, (1983), Effective schools: a review, Elementary School Joumal. 83, (4). 427-452. REID, K.; Hopkins, D. & Holly, P. (1988). Towards the effective school. Oxford: Basil Blackwell. RUTTER, M.; Maughan,B.; Mortimore, P. & Quston, J. (1979), Fifteen thousand hours:secondary schools and their effects on children, London: OpenBooks. SCHEIN, E. (1987); Organizational cultureand leadership. S. Francisco: Josey Bass. SCHEERENS, J. (1990), School effecuveness research and. the development of process indicators of school functioning. School effectiveness and School Improvement. 1, (1), 273

You might also like