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R a f a e l M o r a e s P e r e i r a

ARTIGO A n a P a u l a B o r b a B a r r o s

Crise e transporte urbano no Brasil


A
lém das incertezas e oscilações que rio há sério risco do setor de transporte des) com a queda da oferta e da qualida-
vêm sendo vivenciadas pelo mer- urbano ser afetado pelo encolhimento no de dos serviços de transporte público, o
cado financeiro no País, o próxi- orçamento público e, com isso, ter sua sus- aumento das tarifas, a evasão do modal
mo efeito da crise no Brasil deverá tentabilidade econômica e financeira com- coletivo e o aumento do transporte indi-
ser sentido no mercado de trabalho, com prometida, na medida em que importan- vidual. Evidentemente, a profundidade
o aumento do desemprego. Tal aumento te parcela desse equilíbrio só é mantida com que a crise afetará o setor de trans-
do desemprego deve desencadear uma por meio de subsídios governamentais porte urbano depende do seu grau de pe-
queda da demanda por transporte públi- (em especial no setor metroviário). Pois é netração na economia brasileira de uma
co coletivo urbano, levando a uma redu- exatamente este efeito que passa a ser sen- forma geral. Nesse sentido, muito tem si-
ção das receitas tarifárias das concessio- tido nos EUA, de acordo com reportagem do apostado no potencial do Programa de
nárias. Como importante parcela da re- recente do The New York Times. Apesar Aceleração do Crescimento (PAC) de mi-
muneração dos serviços de transporte ur- do aumento do número de passageiros nimizar os efeitos da crise e agir como me-
bano se dá por meio dessas receitas, não transportados pelos sistemas de transpor- dida anticíclica.
é difícil visualizar que a sustentabilidade te coletivo em várias cidades americanas Para a área de transporte urbano, o or-
econômica e financeira desses serviços ter elevado as receitas tarifárias, esses cor- çamento federal inicialmente previsto no
deverá ficar fragilizada. tes no subsídio tarifário implicam em au- PAC era de R$ 1,634 bilhões. Com a inje-
A escassez de crédito gerada pela re- mento do preço de tarifa e/ou queda de ção de novos investimentos no programa,
tração da economia e desconfiança do oferta do serviço em termos de quantida- este número passa a R$ 2,044 bilhões, se-
mercado, por sua vez, deve dificultar às de (com eliminação de algumas linhas) e gundo dados do Balanço de dois anos do
empresas de transporte público o acesso de qualidade (diminuição da manutenção PAC. Além de corredores de ônibus e am-
ao crédito necessário para ampliação e dos ônibus), com prejuízo evidente sobre pliações de linhas de metrô em cinco re-
renovação da frota. Caso essa restrição os usuários dos transportes públicos. giões metropolitanas (Fortaleza, Recife,
de crédito se concretize, o Brasil poderá Por fim, medidas recentemente adota- Salvador, Belo Horizonte e São Paulo) pre-
observar um avanço na deterioração da das pelo governo do Brasil visando a apoiar vistos no projeto inicial do PAC, o Gover-
frota nacional de transporte urbano com a indústria automobilística – como a de- no Federal está incluindo dentro da ru-
consequente queda na qualidade do ser- soneração do IPI para aquisição de novos brica do PAC as obras de extensão da li-
viço e penalização para os usuários. carros particulares – podem trazer efeitos nha do metrô de Porto Alegre e o projeto
Atualmente, segundo pesquisa da Asso- negativos sobre as condições de mobilida- do trem-bala que ligaria Campinas ao Rio
ciação Nacional de Empresas de Trans- de nas cidades brasileiras. Se, por um lado, de Janeiro.
portes Urbanos (NTU) realizada em 132 essa isenção tenciona manter aquecida a Percebe-se que a expansão das linhas
cidades acima de mil habitantes, a idade produção de automóveis e garantir o nível de crédito do BNDES e os investimentos
da frota de ônibus urbanos do País é de de emprego no setor automobilístico, por do PAC se apresentam como as principais
seis anos em média, uma idade conside- outro, ela aumenta o acesso ao automóvel apostas do governo para escapar aos efei-
rável, visto que, de acordo com especia- privado e estimula a evasão dos modais de tos da crise. Contudo, para que estas me-
listas, a idade média ideal seria cerca de transporte público para o particular, con- didas tenham alguma eficácia persistente
três anos. Embora o BNDES esteja am- tribuindo para o aumento da frota de car- no enfrentamento do atual problema da
pliando sua linha de crédito para compra ros (problemática já presente em grandes mobilidade urbana, a cooperação federa-
de ônibus novos e usados, não há certe- cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, tiva e a coerência das ações governamen-
za se essa ampliação será suficiente, pois etc.), o que fortalece uma tendência insus- tais deverão constituir pontos chave.
essas linhas de financiamento responde- tentável da mobilidade urbana e diverge da
ram por apenas 2,4% das operações de Política de Mobilidade Urbana do Minis- Rafael H. Moraes Pereira é sociólogo pela UnB e mestre em
compra entre 2005 e 2007. tério das Cidades. Demografia pela Unicamp. Pesquisador bolsista do Programa Nacional
Diante da possibilidade de agrava- Fica claro que esses efeitos, em con- de Pesquisa em Desenvolvimento (PNPD) do Ipea e Ana Paula
mento da crise, o gasto público já passou a junto, comprometem as atuais condições Borba G. Barros é arquiteta, mestre em Transportes e doutoranda
sofrer maiores restrições com o corte na de mobilidade nas cidades brasileiras em Transportes pela UnB. Pesquisadora bolsista do Programa Nacional
verba de vários ministérios. Nesse cená- (principalmente cidades médias e gran- de Pesquisa em Desenvolvimento (PNPD) do Ipea

Desafios • abril de 2009 29

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