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Desenhando com o do cérebro Betty Edwards Recomenda a todos adquirirolvro da editora Edinura, Aqueles que conseguirem encantré-lo em alguma livraria nfo deixe de comprar. fiz este trabalho pois soube que a produgéo do livre seria descantinuada e uma obra tao marcante deve fazer parte de nossa biblioteca pessoal, Novamente insisto que adquiram seu exemplar, pela comodidade e praticidade que o material impresso proporciona. O classico do desenho em edi¢ao revista e an Traduzido em treze idiomas, com mais de dois milhdes e meio de exemplares vendidos, Desenhando com 0 Lado Direito do Cérebro € 0 livro de ensino de desenho mais utilizado em todo o mundo. Se vocé se acha pouco dotado de talento ¢ duvida que um dia seré capaz de aprender, ou se aprecia 0 desenho mas nao consegue ir muito além de um nivel infantil, este livro the mostraré como adquirir a habilidade que sempre desejou. Se vocé ja trabalha com desenho como artista ‘maior confianga na sua habilidade e aprofundaré a sua percepcio artistica. Esta edi¢do do vigésimo aniversatio de Desenhando com 0 Lado Direito do Cérebro foi minuciosamente revista, incluindo mais de cinqiienta por cento de material novo, como: + progressos recentes de pesquisas sobre © cérebro, relacionadas ao desenho * novas abordageps no uso de técnicas de desenho no mundo empresarial ena educagio * orientages para a expresso pessoal através do desenho ¢ maneiras de avangar do desenho em branco € preto para 0 colorido * informagées detalhadas quanto & aplicacio das cinco habilidades basicas do desenho para resolver problemas. © Las Angeles Times expressou bem: Desenhando com 0 Lado Direito do __ Gérebro, mais do que um livro sobre -desenho, “é um livro sobre a vida. (ama abordagem que) liberta”, Veja - como este surpreendente sucesso que _ €nsinou milhoes de pessoas a desenhar 04-2007 Desenhando com 0 Lado Direito do Cérebro 04-2007 Desenhando com 0 Lado Direito do Cérebro Edigdo revista e ampliada Betty Edwards Traducao: Ricardo Silveira 4 Edigao & GANTER 04-2007 04.2007 A meméria do meu pai, que apontava os meus lapis de desenho com o seu canivete quando eu era crianga. ario _Agradecimentos 7 Prefacio 9 Introdugéo 17 ‘ODesenho e a Arte de Andar de Bicicleta 27 - Exercfcios de Desenho: um Passo de Cada Vez 35 ONosso Cérebro: os Lados Direito e Esquerdo 49 A Transigdo: como Passar do Lado Esquerdo para 0 Direito 71 Recorrendo & Lembranga: sua Histéria Pessoal como Artista 87 Como Contornar 0 Nosso Sistema de Simbolos: juntando Arestas e Contornos 107 A Percepgao da Forma de um Espago: os Aspectos Positivos do Espago Negativo 135 Expandindo-se em Todas as Diregdes: uma Nova Modalidade de Perspectiva 157 Encarando o Modelo: como Desenhar um Retrato com Facilidade 184 O Valor das Luzes e das Sombras Légicas 213 Aproveitando a Beleza da Cor 249 O Zen do Desenho: liberando o Artista que H4 Dentro de Vocé 267 Adendo: Caligrafia Bonita £ uma Arte Perdida? 273 Posfacio 287 "Glossério 295 adecimentos BU GostariA de dar as boas-vindas aos meus no- e agradecer a todos que leram o primeiro volume. que possibilitam, com o seu apoio leal, esta edig¢ao do aniversdrio. Nestas duas décadas, recebi muitas cartas ité de afeto. Isto mostra, penso, que na era da eletr6- ainda conseguem reunir autores ¢ leitores como desta idéia, pois adoro livros, e considero amigos ins autores que s6 conhe¢o de ler suas obras. tos foram os que contribuiram para este trabalho. Nas — de agradecimento que se seguem, dirijo-me a pelo discutir o texto original comigo. Doutor J. William Bergquist, cuja morte prematura em entristeceu sua familia, seus amigos e colegas. Ele me deu se infalfveis conselhos, além de generosa assessoria, na pri- edicdo do livro e na pesquisa que o antecedeu. meu editor, Jeremy Tarcher, por seu entusiasmo em apoiar a segunda e agora a terceira edi¢do deste livro. Ao meu filho, Brian Bomeisler, que dedicou sua habilidade, ia e experiéncia de artista a revisar, refinar e acrescentar Ges a estas licdes de desenho. Sua percepgdo foi funda- para o andamento do trabalho nos tiltimos dez anos. A minha filha, Anne Bomeisler Farrell, que tem sido minha editora por compreender bem o meu trabalho e por sua habilidade lingiifstica. minha colega mais préxima, Rachael Bower Thiele, que m tudo nos eixos e em boa ordem, cuja dedicagao e ajuda am imprescindiveis para que eu nao me aposentasse hé anos. 8 Ao meu estimado designer, Joe Molloy, que faz um design soberbo parecer algo que nao requer esforgo algum. Ao meu amigo Professor Don Dame, tanto por ter me em- prestado sua biblioteca de livros sobre cores quanto por ter me concedido seu tempo, suas idéias e seu conhecimento sobre co- res com tamanha generosidade. A minha editora na Tarcher/Putnam, Wendy Hubbert. Aminha equipe de professores, Brian Bomeisler, Marka Hitt- Burns, Arlene Cartozian, Dana Crowe, Lisbeth Firmin, Lynda Greenberg, Elyse Klaidman, Suzanne Merritt, Kristin Newton, Linda Jo Russell e Rachael Thiele, que trabalharam comigo em varios lugares dos Estados Unidos, por sua dedicagao inabal4- vel aos nossos esforcos. Estes excelentes instrutores tiveram muito a acrescentar ao trabalho ao buscarem contato com no- vos grupos. Sou grata ao The Bingham Trust e 4 Austin Foundation, por seu apoio resoluto ao meu trabalho. E, finalmente, os meus mais sinceros agradecimentos as cen- tenas de alunos ~a bem da verdade, milhares a esta altura—, que tive o privilégio de conhecer ao longo dos anos, por fazerem 0 meu trabalho ser tao gratificante, tanto em termos pessoais quanto profissionais. Espero que vocés continuem desenhando eternamente. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO | ANOS SE PASSARAM desde a primeira publicagao de Desenhan- com 0 Lado Direito do Cérebro, em julho de 1979. Em 1989, revi- olivro e publiquei sua segunda edico, atualizando-o com o aprendera durante aquela década. Pois em 1999, revisei o ro mais uma vez. Esta nova revisdo representa o meu envolvi- Ito vitalfcio com o desenho enquanto atividade quintessen- nente humana. no resolvi escrever este livro __ Nestes anos todos, muita gente me perguntou como resolvi ver este livro. Como muitas vezes ocorre, ele foi o resultado le diversos acontecimentos fortuitos € opgdes aparentemente irias. Primeiro, a minha formagdo foi em Belas Artes — de- senho e pintura, nao em Educagao Artistica. Este ponto é im- , penso, pois vim a dar aulas com uma expectativa to- diferente. Apés modesta tentativa de levar uma vida de artista, comecei -aulas particulares de desenho e pintura no meu atelié para a pagar as contas. Depois, as voltas com a necessidade de fonte de renda mais estAvel, voltei a freqlientar a Universi- da Calif6rnia, em Los Angeles (UCLA), para conseguir meu jistro de professora. Ao concluir o curso, comecei a dar aulas na e High School, em Los Angeles. Foi um emprego maravi- 30s0. O nosso departamento de artes era pequeno, contava com inco professores, e os alunos eram animados, inteligentes, ou- sados e diffceis. Sua matéria preferida era arte, pelo visto, e eles ralmente arrebatavam muitos prémios nos concorridos con- municipais de artes que aconteciam nessa época. 10 Na Venice High School, tentamos atingir os alunos no pri- meiro ano, para ensinar-lhes rapidamente a desenhar bem e de- pois aprimoré-los, qual atletas, para os concursos de arte duran- te seus dois tiltimos anos de colégio. (Atualmente, faco sérias restrig6es aos concursos de estudantes, mas na €poca foram um grande est{mulo e, por termos tido tantos ganhadores, aparen- temente causaram poucos prejufzos.) Aqueles cinco anos na Venice High School deram inicio & minha cisma com relacdo ao desenho. Na condicao de professo- ra mais nova do grupo, fui encarregada de estimular a capacida- de de desenhar dos alunos. Diferente de muitos professores de arte que acreditam que a capacidade de desenhar bem dependa de um talento inato, eu esperava que todos os meus alunos apren- dessem a desenhar. Fiquei impressionada com a dificuldade que tinham para desenhar, independentemente do esforgo que eu fizesse para ensinar-lhes e deles para aprender. Eu nao parava de me questionar: “Por que ser que esses alu- nos, que eu sei que estdo desenvolvendo outras habilidades, tm tanta dificuldade para aprender a desenhar uma coisa que esta bem diante dos olhos deles?” As vezes eu os sabatinava, pegan- do um aluno com dificuldade para desenhar uma natureza-mor- ta € perguntando: “Vocé est4 vendo nesta natureza-morta aqui em cima da mesa que a laranja est na frente do vaso¢” “Estou”, respondia ele, “isso eu estou vendo”. “Pois entao”, eu dizia, “no seu desenho, a laranja e 0 vaso esto ocupando o mesmo espa- go”. O aluno respondia: “Eu sei, Eu nao sabia como desenhar isso.” “Ora”, eu dizia com bastante cuidado, “basta olhar paraa natureza-morta e desenhé-la conforme vocé a est4 vendo”, “Eu estava olhando para ela”, respondia o aluno. “Eu s6 nao sabia como desenhar desse jeito.” “Ora”, eu entao dizia, com a voz ja se elevando, “entao basta olhar para ela...” E vinha sempre uma resposta do tipo “Mas eu estou olhando para ela”, e assim por diante. Outra coisa que me intrigava era que os alunos normalmen- te “pegavam” o jeito para o desenho de repente, em vez de irem desenvolvendo habilidades gradativamente. Lé ia eu novamen- te, e perguntava: “Como é que vocé estd conseguindo desenhar esta semana, quando na semana passada vocé nao conseguia” Normalmente a resposta era: “Sei l4. S6 estou vendo as coisas de uma forma diferente.” “Diferente, mas de que jeito?”, eu per- guntava. “Nao sei dizer, s6 sei que estou vendo diferente.” Eu continuava insistindo no mesmo ponto, instigando os alunos a DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO em aquilo, mas ndo tinha éxito. Os alunos normal- te acabavam dizendo: “S6 ndo sei descrever.” strada, comecei a me observar. O que eu fazia quando hava? Algumas coisas surgiram de pronto ~ que eu néo falar e desenhar ao mesmo tempo, por exemplo, e que anogdo da hora enquanto estava desenhando. Minha icontinuou. m dia, num {mpeto, pedi que os meus alunos copiassem esenho de Picasso de cabeca para baixo, A pequena expe- i, mais do que qualquer outro artificio que eu tenha usa- 9, Mostrou que algo bastante distinto ocorre durante o ato de Para minha surpresa, e para surpresa dos alunos, os nhos ficaram téo bem-feitos que eu perguntei a turma: 0 € que vocés conseguem desenhar de cabeca para baixo se sguem desenhar de cabeca para cima?” Eles responde- i “De cabega para baixo nés ndo sabfamos o que estévamos do.” Este foi o maior enigma de todos, e me deixou mente intrigada. Durante o ano seguinte, 1968, apareceram na imprensa os eiros artigos sobre a pesquisa de Roger W. Sperry na drea da sicobiologia sobre as funcées dos hemisférios cerebrais huma- 0s, trabalho pelo qual ele veio a receber um Prémio Nobel. Ao er sua obra, senti uma sensagao do tipo “arrd!”. Sua descoberta bolante, a de que o cérebro humano usa dois modos de pen- ar fundamentalmente distintos, um verbal, analftico e se- encial, ¢ outro visual, perceptivo e simultaneo, projetou algu- na luz sobre as minhas indagacées sobre o desenho. A nogéo de Ue a pessoa passa de um modo de pensar/ver para outro dife- ite do usual parecia se encaixar direitinho com a minha expe- cia na 4rea do desenho e iluminou as observagdes que eu fazendo dos meus alunos. dez e me esforcei ao m4ximo para explicar aos meus alunos 0 aquilo possivelmente se relacionaria com o desenho. Eles nbém passaram a se interessar pelos problemas afins e logo am obtendo grandes progressos no desenvolvimento de sua spacidade para o desenho. Euestava fazendo o meu mestrado em Artes na época e me i conta de que precisaria estudar mais a fundo se quisesse pro- rar uma aplicacao educacional séria para o trabalho de Sperry 0 campo do desenho. Embora fosse professora em tempo inte- ral na Escola Técnica Comercial de Los Angeles, resolvi voltar a ar mais uma vez na UCLA em busca de um doutorado. PREFACIO ey FONBCAArS FOI CONSTALIDO. Na histéria das invengées, muitas idéias surgiram com pequenos esbocos. Os exemplos acima sio de Galilew, Thomas Jefferson, Michael Faraday e Thomas Edison. ~ Henninc Neus, Thinking With a Pencil. Nova York: ‘Ten Speed Press, 1981, p. xiv. 12 Passei os trés anos seguintes fazendo um curso noturno que com- binava os campos da arte, da psicologia e da educacao. O tema da minha dissertagao de doutorado foi “Habilidades Ferceptivas no Desenho’, na qual utilizei o desenho de cabega para baixo como uma varidvel experimental. Depois de obter 0 doutorado em 1976, comecei a ensinar desenho no Departamento de Artes da Universidade do Estado da Califérnia, em Long Beach. Eu precisava de um livro de ensino de desenho que contivesse a pesquisa de Sperry. Durante os trés anos seguintes, escrevi Dese- nhando com 0 Lado Direito do Cérebro. J que o livro foi publicado pela primeira vez em 1979, as idéias que apresentei sobre como aprender a desenhar foram di- fundidas de maneira surpreendente, o que muito me impressio- nou e deleitou. Sinto-me honrada pelas tradugées para tantas Itnguas estrangeiras. Mais surpreendente ainda foram as intime- ras pessoas e grupos que, trabalhando em éreas nem tao proxi- mas assim do desenho, encontraram meios de utilizar as idéias contidas no meu livro. Alguns exemplos daréo uma nogio da diversidade: escolas de enfermagem, cursos de teatro, seminari- os de treinamento empresarial, clubes de esportes, associagdes de incorporagao e vendas imobilidrias, psicdlogos, terapeutas de delingiientes juvenis, escritores, cabeleireiros, inclusive uma es- cola de preparago de detetives particulares. Professores de fa- culdades e universidades do pafs inteiro incorporaram muitas das técnicas aos seus repertérios didaticos. Professores de escolas ptiblicas também est4o usando o meu livro. Depois de 25 anos de cortes orgamentarios nos programas de artes nas escolas, tenho a satisfagdo de informar que secreta- tias estaduais de educacao e conselhos de escolas puiblicas come- ama se voltar para as artes como uma das formas de recuperar- mos os nossos sistemas educacionais carentes. A administragao escolar, entretanto, vé com ambivaléncia a intencdo de se incluir o estudo de artes, tendendo a relegar a formagao artfstica como elemento de “enriquecimento” apenas. O significado oculto des- te termo é “valioso porém ndo-essencial”. Minha opinido,em con- traste, € a de que as artes so essenciais para desenvolver 0 racioci- nio espectfico visual e perceptivo, tanto quanto ler, escrevere con- tar sao imprescindiveis para o desenvolvimento do raciocinio es- pecifico verbal, numérico e analitico. Creio que ambos os tipos de raciocinio — um para a compreensao dos detalhes e 0 outro para “enxergar” o quadro inteiro, por exemplo — sejam cruciais para a formag4o de um pensamento critico, a extrapolagdo de significa- dos e a resolucdo de problemas. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO | que possamos ajudar a administracao escolar a enxer- ide da formacao artistica, acredito ser necess4rio en- rmos novas formas de ensinarmos aos alunos como trans- ilidades aprendidas através das artes para matérias aca- € para a solugao de problemas. A transferéncia do apren- tradicionalmente tida como uma das formas de treina- ‘mais diffceis e, infelizmente, fica relegada ao acaso. Os es torcem para que os alunos “peguem’ a conexio, di- 9S, entre aprender a desenhar e “enxergar” solugdes de pro- mas, ou entre aprender a gramética da lingua e aprender o aciocinio l6gico, seqiiencial. os de treinamento empresarial " ° meu trabalho com varias empresas representa, creio, um ecto de transferir o aprendizado, neste caso, da capacidade ira desenhar para um tipo especifico de resolugéo de proble- las procurado pelos executivos nas empresas. Variando confor- € 0 tempo disponfvel, um semindrio costuma levar trés dias: m dia e meio concentrados no desenvolvimento da capacida- ara desenhar e o tempo restante voltado para 0 uso do dese- 0 pata a solugdo de problemas. Os grupos variam de tamanho, mas em geral so compostos integrantes. Os problemas podem ser muito especfficos (“O que é ¢")—um problema de quimica que vinha incomo- ando uma certa empresa hé anos) ou muito genéricos (“Qual €o eu relacionamento com os seus clientes”) ou algo entre o espe- cial vai conseguir trabalhar junto de forma mais produtiva?”). primeiro dia e meio de exercicios de desenho inclui as li- ‘Gées deste livro através do desenho da mao. O duplo objetivo as ligdes de desenho é apresentar as cinco estratégias de percep- enfatizadas no livro e demonstrar o potencial da capacidade tica de cada participante ao receber instrugao eficaz. ___ Osegmento de resolugao de problemas tem infcio com exer- cios de usar o desenho para pensar. Estes exercicios, chamados tist Within. Os participantes usam a chamada “linguagem do ‘trago”, primeiramente para destacar o problema e depois para _ tomar visiveis possiveis solugées. Esses desenhos expressivos ‘tomam-se 0 vefculo para discuss6es e andlises em grupo, guia- das, mas n4o conduzidas, por mim. Os participantes usam os conceitos de bordas (divisas), espagos negativos (freqitentemente PREFACIO Os desenhos “andlogos” sio puramente expressivos, sem apresentar objetos reconheciveis, usando-se apenas a qualidade expressiva do trago = ou tracos. Inesperadamente, pessoas sem preparo algum nas artes conseguem utilizar essa linguagem - ou seja, produzem desenhos expressivos ~e também conseguem ler significados nos desenhos. As ligdes de desenho do primeiro segmento do seminério so usadas principalmente para aumentar a autoconfianga artistica e a confianca na eficdcia do desenho andlogo. 13 14 chamados de “espacos brancos” no linguajar dos negécios), rela- cionamentos (partes do problema visualizados de maneira pro- porcional e “postos em perspectiva”), luzes e sombras (extra- polagao do conhecido para o ainda desconhecido) e a gestalt do problema (como as partes se encaixam — ou nao). Este segmento se encerra com mais um pequeno desenho de um objeto, diferente para cada participante, que é escolhido por ser de alguma forma relacionado ao problema em questo. Este desenho, combinando habilidades de percep¢So com resolugdo de problemas, suscita mais uma mudanga para um modo alter- nativo de pensar que eu denominei “modalidade R’, durante o qual o participante se concentra no problema que est4 sendo discutido enquanto também se concentra no desenho. O grupo, entdo, explora as descobertas geradas com este processo. Os resultados dos semindrios chegam a ser impressionantes, as vezes até divertidos, em termos do aspecto bvio das solu- des engendradas. Um exemplo de resultado impressionante foi uma revelacdo surpreendente vivenciada por um grupo que tra- balhava com um problema quimico. Aconteceu que o grupo apre- ciara tanto seu status especial e posicao privilegiada, ficando tao intrigado pelo problema fascinante, que seus componentes nao tiveram a minima pressa em resolvé-lo. Além do que resolver 0 problema implicaria desfazer o grupo e retornar a trabalhos mais tediosos. Tudo isto surgiu com clareza nos desenhos de- les. O curioso foi que o Ifder do grupo exclamou: ‘Achei que se- ria isso mesmo que iria acontecer, mas simplesmente no acre- ditei!” A solugéo¢ O grupo se deu conta de que precisava - de bom grado — de um prazo-limite e da certeza de que outros pro- blemas igualmente interessantes o aguardavam. Outro resultado surpreendente surgiu como resposta a per- gunta acerca das relagdes com o cliente. Os desenhos dos parti- cipantes daquele seminério eram sempre complexos e detalha- dos, Praticamente todo desenho representava clientes como ob- jetos pequenos flutuando em grandes espacos vazios. Areas de grande complexidade exclufam esses objetos pequenos. A dis- cussdo que se seguiu esclareceu a indiferenga ea falta de atencao (inconscientes) do grupo com relagdo aos clientes. Isto levantou outras questées: o que havia em todo aquele espago vazio nega- tivo, e como as reas complexas (identificadas nas discussoes como aspectos do trabalho que eram mais interessantes para o grupo) se conectavam com as preocupacées do cliente¢ Esse gru- po planejou fazer uma exploracdo mais minuciosa do problema. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO ; po que buscava maneiras mais produtivas de trabalhar junto chegou a uma conclusao tao bvia que eles chega- rit dela. Foi a de que eles precisavam melhorar a comuni- iplomados nas dreas de quimica e fisica. Parece que cada a tinha uma responsabilidade espectfica sobre uma das par- a tarefa total, mas trabalhavam em prédios diferentes, com de associados diferentes e em horérios individuais dife- Passaram mais de 25 anos sem se reunir como um grupo, fizemos 0 nosso seminério de trés dias. pero que estes exemplos possam lhe dar uma nogéo dos irios nas empresas. Os participantes, claro, so profissio- amente bem-sucedidos, de elevado grau de instrucdo. Tra- jo do meu jeito, lidando com uma forma diferente de i, 0S Semin4rios parecem permitir que esses profissionais dos vejam as coisas de forma diferente. Por serem gerados 98 prdprios participantes, os desenhos propiciam provas reais eréncia, Fortanto, fica dificil deixar vislumbres para lé, e as issOes se mantém em torno do ponto central. ‘86 posso especular quanto a razdo pela qual esse processo dione: chega-se a informacGes que normalmente jazem ocul- ignoradas, ou para as quais existe uma “explicacdo jus- a’, por causa do modo lingtifstico do raciocinio. Acho vel que o sistema de linguagem (modalidade L, na minha linologia) enxergue o desenho ~ especialmente o desenho ogo — como algo sem importancia, até mesmo como nada sdo que rabiscos, Talvez a modalidade L abandone a tarefa, endendo sua fungao de censura. Aparentemente, o que a sabe, mas nao sabe num nfvel verbal e consciente, jorra, anto, aos borbotdes nos desenhos. Os executivos mais tra- hais podem, decerto, considerar estas informagées como algo mas eu tenho as minhas suspeitas de que tais reagdes nao izadas exercam de fato algum efeito sobre 0 sucesso e 0 a8s0, em tiltima instancia, das empresas. Falando em termos aplos, uma pitada de dinamica afetiva subjacente provavel- ante ajuda mais do que prejudica. PREFACIO Krishnamurti: “E onde 6 que comeca o siléncio? Sera que ele omega onde acaba 0 pensamentot Voce ja tentou interromper 0 pensamento?” Perguntador: “Como é que se faz isto?” Krishnamurti: “Nao sei, mas vocé ja experimentou? Primeiro de tudo, quem é a entidade que est tentando interromper 0 pensamento?” Perguntador: “O pensador.” Krishnamurti: “Isto é outro Pensamento, nao é mesmo? O pensamento esta tentando se interromper, entio ha uma batalha entre 0 pensador ¢ 0 pensamento... O pensamento diz: ‘Devo parar de porque assim poderei vivenciar um estado maravilhoso’... Um pensamento esta tentando suprimir outro; entio existe 0 conflito. Quando vejo isto como um fato, vejo em sua totalidade, compreendo-o completamente, tenho uma percepcao dele... entao a mente esta tranqiila. Isto acontece naturalmente, com facilidade, quando a mente esta quieta para observar, para othar, para ver. ~ J. Kristvamunri, You Are the World, 1972. 15 roducao COMO As PEssoas aprendem a desenhar é um tema que is perdeu seus encantos para mim. Justamente quando co- achar que tenho algum entendimento do assunto, des- Ina-se todo um panorama novo e intrigante. Este livro, por- €um trabalho em andamento, que documenta a minha reensdo neste momento. iando com o Lado Direito do Cérebro é, cteio, uma das pri- is aplicagdes educacionais praticas da percepgao pioneira Sperry teve da natureza dual do raciocinio humano— io verbal e analftico localizado primordialmente no isfério esquerdo, e o visual e perceptivo localizado primor- no hemisfério direito. Desde 1979, muitos autores Outras dreas propuseram aplicagées para a pesquisa, cada deles sugerindo novas maneiras de aprimorar ambos os odos de raciocinio, aumentando assim o potencial de cresci- nto pessoal. irante os ultimos dez anos, eu e os meus colegas aperfei- s eexpandimos as técnicas descritas no livro original. Mu- alguns procedimentos, acrescentamos outros e elimina- guns. Meu objetivo principal com esta terceira edigdo é 0 mente atualizar o trabalho para os meus leitores. informe vocé verd, muito da obra original se manteve por /passado na prova do tempo. Mas faltava ao texto original Princfpio organizacional importante, pela curiosa razio de ter conseguido perceber isto depois de publicado o livro. Jero tornar a enfatizar isto aqui, pois ele forma a estrutura dentro da qual o leitor pode enxergar como as partes do ito se encaixam para formar um todo. Este princfpio funda- ental é: desenhar é uma habilidade global ou “integral” que apenas um conjunto limitado de componentes basicos. Refiro-me ao estégio elementar de aprendizagem da imagem observada. Existem muitos ‘outros tipos de desenho: abstrato, imaginativo, mecanico outros. Além disso, desenhar pode caracterizar-se por outras tendéncias: medidnicas, estilos hist6ricos ou por outros interesses artisticos. 18 Oe Esta percepcao me sobreveio cerca de seis meses depois que olivro tinha sido publicado, bem no meio de uma frase durante. uma das minhas aulas. Foi a classica experiéncia do tipo “arré!”, acompanhada das estranhas sensacées fisicas de aceleracdo car- dfaca, félego contido e um jubilo estimulante por ver tudo se encaixando em seus devidos lugares. Eu estava revisando com os meus alunos 0 conjunto de habilidades descritas em meu li- vro quando percebi que era isso, e nada mais, e que a obra tinha um contetido oculto do qual eu nao havia me dado conta, Fui verificar com os colegas e especialistas em desenho se o que eu vislumbrara proceder. Todos concordaram. Como algumas habilidades globais - por exemplo, ler, dirigir, esquiar e andar ~, desenhar compée-se de outras habilidades par- ciais que se integram numa habilidade total. Uma vez aptendidas integrados os componentes, vocé conseguiré desenhar — assim como uma vez aprendida a habilidade de ler, sabe-se ler por toda a vida; uma vez que se aprende a andar, sabe-se andar por toda a vida. Nao é preciso continuar acrescentando habilidades bésicas eternamente. O progresso se dé com a prdtica, o refino e a técni- ca, e também quando se aprende o propésito dessas habilidades. Esta descoberta foi bastante estimulante, pois significava que uma pessoa é capaz de aprender a desenhar dentro de um perio- do razoavelmente curto, E, de fato, eu e os meus colegas agora damos um seminério de cinco dias, carinhosamente conhecido como nosso “Curso de Arrasar”, que leva nossos alunos a adqui- rirem as técnicas basicas que comp6em o desenho realfstico em cinco dias de aprendizado intenso. Cinco habilidades basicas do desenho A habilidade global para desenhar um objeto, uma pessoa ou um cenério percebido (algo que se vé “de longe”) exige so- mente cinco componentes basicos, nada mais. Estes compo- nentes nao sdo técnicas de desenho em si. Séo capacidades de perceber: Um: percepcao das bordas Dois: _ percepcao dos espagos ‘Trés: —_ percepgao dos relacionamentos Quatro: percepgio de luzes e sombras Cinco: percepgao do todo, ou gestalt DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO > consciéncia, é claro, das habilidades basicas adicio- necessdrias para o desenho criativo e expressivo que “Arte com A maitisculo”. Destas, descobri duas e cduas: desenhar de meméria ¢ desenhar a partir da ima- restam ento, naturalmente, muitas técnicas de de- frias formas de manipular meios e infindaveis temas por exemplo. Mas, repetindo, para se fazer um bom lista do que se percebe, usando lépis sobre papel, as habilidades que estarei ensinando neste livro iréo propi- ento necessdrio das percepgées. cinco habilidades bdsicas séo pré-requisitos para um das duas outras “avangadas”, e o conjunto das sete m formar toda a técnica global para o desenho. Na verdade, livros sobre desenho se concentram sobre as duas avan- Portanto, depois de concluir as licdes deste livro, vocé traré bastante material de instruc4o para continuar o seu ciso enfatizar ainda um ponto: habilidades globais ou in- como ler, dirigir e desenhar, com o tempo se automa- n. Conforme mencionei antes, seus componentes bésicos m totalmente integrados no fluxo suave da habilidade sempre que se adquire uma habilidade global, o apren- inicial costuma ser uma luta, primeiro com cada uma ‘basicas, depois com a integracao paulatina de todos nto ‘voce também passaré. A medida que cada nova dade for sendo aprendida, voce seré capaz de fazé-la con- a junto das outras anteriormente adquiridas até que, odia, vocé conseguiré desenhar simplesmente — da mes- orma que um belo dia se viu dirigindo sem ter de pensar no wer para conseguir. Em geral, quase nos esquecemos de passado pelo processo de aprender a ler, aprender a diri- aprender a desenhar. n de atingir essa integracao suave no desenho, todas as 20 habilidades bésicas que compoem a global deverao estar nalizadas. Fico satisfeita ao dizer que a quinta, a percep¢ao do, ougestalt, nao € aprendida, nem ensinada; ela parece sim- te surgir como resultado da aquisi¢ao das outras quatro. §destas, nenhuma poderd ser omitida, assim como 0 uso do jou do volante no se pode omitir do aprendizado de dirigit: olivro original, creio ter explicado suficientemente bem as meiras habilidades, a percepgao das bordas e a percepcao espacos. A importancia da visualizacao (a terceira habili- INTRODUGAO A habilidade global para desenhar 19 “Voce tem dois ‘cérebros': esquerdo e um direito. Os estudiosos do cérebro atualmente sabem que 0 cérebro esquerdo é o verbal e racional; ele pensa em série e reduz 0 raciocinio a mémeros, letras € palavras... O seu cérebro direito € nao-verbal e intuitivo; ele pensa em padroes, ou imagens, compostas de ‘coisas inteiras’, e nao compreende reduces, sejam némeros, letras ou palavras.” Gitado no The Fabric of Mind, do eminente cientista e neurocirurgiéo Rican BexcLanp, Nova York: Viking Penguin, Inc., 1985, p. 1 20 dade (percepgao dos relacionamentos), entretanto, precisou de maior énfase e esclarecimento, porque os alunos apresentam uma tendéncia a desistir logo diante desta técnica complicada, E a quarta habilidade, a percepcao de luzes e sombras, também preci- sou de uma expansdo. Portanto, a maioria das mudangas de con- tetido para esta nova edigdo se encontra nos Ultimos capftulos. Uma estratégia basica para se acessar a modalidade D Neste livro torno a reiterar uma estratégia bdsica para obter acesso em n{vel consciente 4 modalidade D, meu termo para 0 modo visual e perceptivo do cérebro. Sigo acreditando que esta estratégia talvez seja a minha principal contribuigéo para os as- pectos educacionais da *hist6ria do hemisfério direito”, que come- ou com 0 aclamado trabalho cientffico de Roger Sperry. A es- tratégia se define da seguinte maneira: Para obter acesso 4 subdominante modalidade D, visual e perceptiva, € necessério que se apresente ao cérebro uma tarefa que a modalidade E, verbal e analitica, v4 recusar. Para a maioria das pessoas, raciocinar na modalidade E pare- ce fécil, normal, familiar (embora talvez no seja para muitas criangas e pessoas disléxicas). Contrastantemente, a “perversa” estratégia da modalidade D pode parecer dificil e desconhecida — até mesmo disparatada. Ela precisa ser aprendida em oposiga0 a tendéncia “natural” de o cérebro favorecer a modalidade E por- que, em geral, a linguagem predomina. Ao aprendermos a con- trolar esta tendéncia para executarmos tarefas especificas, ga- nhamos acesso a poderosas fungées cerebrais que normalmente sdo obliteradas pela linguagem. Todos os exercfcios deste livro séo, portanto, baseados em. dois princfpios organizacionais e em metas majoritérias. Primei- ro, ensinara vocé cinco habilidades basicas que compdem o todo do ato de desenhar, e, segundo, propiciar as condigées que facili- tam mudangas cognitivas para a modalidade D, o modo de pen- sat/ver especializado para o desenho. Em resumo, no processo de aprendermos a desenhar, tam- bém aprendemos a controlar (pelo menos até um certo ponto) o modo pelo qual o nosso cérebro lida com a informago. Talvez isto venha a explicar parcialmente a raz4o pela qual meu livro atrai pessoas de 4reas tao distintas. Intuitivamente, elas perce- bem a ligacdo com outras atividades e a possibilidade de verem as coisas de maneira diferente ao aprenderem a acessar a moda- lidade D num nfvel consciente. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO oonze, Aproveitando a Beleza da Cor, foi uma ino- Zo de 1989, escrito em resposta a muitas solicitagdes jo de transig4o em diregao & pintura. Nesta década eu e 4 minha equipe desenvolvemos um curso in- cinco dias sobre a teoria basica da cor, trabalho que ta “em andamento”. Ainda utilizo os conceitos no capf- 4S cores, portanto ndo o revisei para esta edi¢ao. dito que a progressdo natural para uma pessoa que se -expressao artfstica deveria ser a seguinte: aCor a Pintura go a0 Valor imeiro, a pessoa aprende as habilidades basicas do dese- le propiciam o conhecimento do trago (aprendido atra- os de contorno de bordas, espagos e relacionamen- oconhecimento de valor (aprendido através de retratar lu- mbras). Para se usar bem as cores, primeiramente é preciso capacidade de percebé-las como valor. Esta habilidade de adquirir, talvez até impossfvel, quando a pessoa nao a perceber os relacionamentos de luzes e sombras atra- esenho. Espero que o meu capitulo de introdugao das )desenho venha a propiciar uma ponte eficaz para aque- ¢ desejam progredir do desenho para a pintura. te, estou mantendo a breve secao sobre caligrafia. culturas, a escrita manual é tida como uma forma de norte-americanos normalmente acham sua caligrafia , Mas nao sabem como fazer para melhoré-la. Entre- caligrafia é uma forma de desenho, e pode ser aprimora- pena dizer que muitas das escolas na California ainda do métodos de instrucdo de caligrafia que nao fun- em 1989 e ainda nao funcionam. Minhas sugestées io. a isto aparecem no Posfacio. empirica para a minha teoria subjacente desta edigdo revisada permanece a mes- icar em termos bisicos o relacionamento do desenho processos cerebrais de visdo e percepcao e propiciar mé- INTRODUGAO 21 22 todos de acessar e controlar estes processos. Conforme diversos cientistas observaram, a pesquisa sobre o cérebro humano se complica devido ao fato de que o cérebro est se esforcando para compreender a si mesmo. Este érgo de um quilo e meio é talvez a tinica porgao de matéria no universo — pelo menos dentro do que sabemos — que observa a si mesma, indagando sobre si mes- ma, tentando analisar a si mesma, no empenho de obter um con- trole melhor sobre suas préprias capacidades. Esta situacdo para- doxal sem diivida alguma contribui ~ pelo menos parcialmente — com 0s profundos mistérios que ainda permanecem, apesar da répida expansao do conhecimento cientifico acerca do cérebro. Uma pergunta que os cientistas estudam intensamente é onde se situam especificamente os dois modos principais de ra- ciocfnio no cérebro humano e como a organizacao dos modos varia de pessoa para pessoa, Embora a dita polémica da localiza- ¢4o continue a envolver cientistas, juntamente com uma mirfade de outras dreas da pesquisa sobre o cérebro, j4 nao é mais con- troversa a existéncia em cada lado do cérebro de dois modos cognitivos fundamentalmente diferentes. As pesquisas que cor- roboram 0 trabalho original de Sperry séo surpreendentes. Além disto, mesmo em meio a discussao sobre localizacéo, quase to- dos os cientistas concordam que, para a maioria dos individuos, © processamento de informacées baseado primordialmente em dados lineares e seqiienciais localiza-se acima de tudo no hemis- fério esquerdo, enquanto dados globais e perceptivos sao pro- cessados no hemisfério direito. E certo que, para educadoras como eu, a localizagio precisa desses modos no cérebro de cada pessoa nao é uma questao im- portante. O que importa é que a informacao que chega pode ser trabalhada de duas formas fundamentalmente diferentes e que os dois modos parecem poder funcionar juntos dentro de uma grande variedade de combinac6es. Desde o final da década de 1970 venho usando os termos modalidade E e modalidade D para tentar evitar a polémica da localizacdo. Eles visam a dife- renciar os principais modos de cognic¢4o, independentemente de sua localizagao no cérebro humano. Durante parte desta tltima década, um novo campo interdis- ciplinar de estudo das fungées cerebrais passou a ser formalmente conhecido como neurociéncia cognitiva. Além da tradicional dis- ciplina da neurologia, a neurociéncia cognitiva abrange estudos de outros processos altamente cognitivos, como a linguagem, a meméria e a percepgao. Profissionais de informatica, lingiiistas, cientistas da neuroimagem, psicélogos cognitivos e neurobiélogos, DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO todos estao contribuindo para que se compreenda cada vez mais ofuncionamento do cérebro humano. ‘Tem diminuido bastante o interesse pela pesquisa nas linhas do “cérebro direito, cérebro esquerdo” entre os educadores e o piblico em geral desde que Roger Sperry publicou suas desco- bertas pela primeira vez. Nao obstante, o fato da profunda assimetria das fungées do cérebro humano permanece, tornan- do-se um assunto ainda mais central, por exemplo, entre os cien- tistas da area da informética que tentam emular processos men- tais humanos. O reconhecimento facial, fungdo atribufda ao he- misfério direito, é algo que vem sendo tentado hé décadas e ain- da esta muito além dos recursos da maioria dos computadores. Ray Kurzweil, em seu recente livro The Age of Spiritual Machines (Viking Penguin, 1999) contrastou a capacidade humana ea do computador na busca de padrdes (conforme ocorre no reconhe- cimento facial) e no processamento seqiiencial (conforme ocor- te nos célculos): ‘O cérebro humano possui aproximadamente cem bilhdes de neurdnios Estimando em cerca de mil as conexdes de cada neurdnio com seus vizi- hos, temos cerca de cem trilhdes de conexées, cada qual capaz de um cAlculo simultaneo, Isto um processamento paralelo bastante macigo e uma das chaves para a forca do pensamento humano. Entretanto, uma fraqueza profunda a velocidade aflitivamente lenta dos circuitos neurais, somente de duzentos célculos por segundo. Para os problemas que se beneficiam do paralelismo macigo, como um reconhecimento de padrdes com base na rede neural, o cérebro humano se sai muito bem, Para os problemas que exigem raciocfnio seqiiencial em grande escala, o cérebro humano € apenas mediocre (p. 103). Em 1979, propus que desenhar exigiria uma mudanga cognitiva para a modalidade D, agora postulado como um modo de processamento macigo em paralelo, abandonando a modali- dade E, postulado como sendo um modo de processamento seqiiencial. Nao tive provas concretas para embasar minha pro- posta, somente minha experiéncia de artista e professora. Com © passar dos anos, fui ocasionalmente criticada por neuro- cientistas, por ter ultrapassado os limites do meu préprio cam- po-embora nao o tenha sido por Roger Sperry, que acreditou que a minha aplicacdo de sua pesquisa era razodvel. O que me manteve trabalhando na minha teoria “folclérica” (ver citagao a direita) foi que, quando colocada em prética, os resultados eram inspiradores. Alunos de todas as idades obti- INTRODUGAO Numa conversa com seu amigo ‘André Marchand, o artista francés Henri Matisse descreveu o processo de passar percepcées de uma forma de othar para outra: “Vocé sabia que 0 homem s6 tem um olho que vé e registra tudo; este ofho, qual soberba camera, tira fotografias minGsculas, muito nitidas, pequeninas ~ e com esta imagem o homem confabula consigo mesmo: ‘Agora eu conheco a realidade das coisas’, e se acalma por um instante. Entao, sobrepondo-se Jentamente a imagem, outro otho surge, invisivelmente, formando-Ihe um quadro totalmente diferente. “Entdo, nosso homem nao enxerga mais com clareza, trava-se uma luta entre o primeiro e o segundo olho, uma luta ferrenha, e finalmente 0 segundo olho se sobressai, sobrepuja o primeiro e é 0 fim da contenda. Ele agora comanda asituacdo, pode entao continuar seu trabalho sozinho, elaborando sua imagem conforme as leis da visio interior. Este olho tao especial se encontra aqui”, disse Matisse, apontando para o proprio cérebro. Marchand nao mencionou para que lado do cérebro Matisse apontou. ~ J. Flam, Matisse on Art, 1973. ‘Um artigo recente de uma publicagio educacional resume as objecées dos neurocientistas A “educacao baseada no cérebro”. “O problema fundamental com as alegacées de cérebro direito contra cérebro esquerdo que se encontram na literatura ‘educacional é que elas se baseiam em nossas intuicdes € teorias folcléricas sobre 0 cérebro € nao no que a ciéncia é capaz de nos dizer. Nossas teorias folcléricas sio rudimentares e imprecisas demais para poderem ter algum valor instrutivo ou previsivo. O que a ciéncia moderna que estuda o cérebro nos diz—e 0 que os educadores embasados no cérebro nao conseguem entender ~ € que nao faz sentido algum mapear comportamentos € habilidades brutos, carentes de mais andlise — leitura, aritmética, raciocinio espacial ~ conforme um hemisfério cerebral ou outro.” Mas 0 autor também afirma: “Adotar ou deixar de adotar praticas educacionais (com base no cérebro) € algo a ser determinado conforme o impacto que isto causa sobre 0 aprendizado do aluno.” ~Joun T. Bruen, “In Search of Brain-Based Education’, Phi Delta Kappan, maio de 1999, p. 603. 24 nham ganhos significativos na habilidade de desenhar e, por extensdo, na capacidade de perceber, j4 que desenhar bem de- pende de ver bem. A capacidade para o desenho sempre foi con- siderada dificil de adquirir e quase sempre recebia 0 fardo adicio- nal de ser uma habilidade incomum e no comum. Se o meu método didatico permite que as pessoas adquiram uma capaci- dade que antes se mostrava imposstvel para elas, seré a explica- cdo neurolégica que o faz funcionar, ou ser outra coisa da qual nao tenho nogaéo¢ Sei que nao é apenas o meu estilo didético que 0 faz funcio- nar, pois as centenas de professores que relataram igual sucesso ao aplicé-lo tém obviamente estilos diferentes. Seré que os exer- cicios funcionariam sem 0 embasamento neurolégicoé E possf- vel, mas seria bastante diffcil convencer as pessoas a aceitarem exercicios téo esquisitos quanto desenhar objetos de cabeca para baixo sem alguma explicacao razodvel. Seria, entéo, o fato de propiciar as pessoas um embasamento te6rico — onde qualquer embasamento serviria? Talvez, mas eu sempre me impressionei com 0 fato de que a minha explicagao parece fazer sentido para as pessoas num nivel subjetivo. A teoria parece se encaixar com a experiéncia delas e certamente as idéias provém da minha pr6- pria experiéncia subjetiva com o desenho Em cada uma das edigdes deste livro fiz a seguinte afirmativa: A teoria e os métodos apresentados no meu livro apresentaram sucesso empirico. Em suma, o método funciona, independente- mente do grau de determinagao que venha a ser estabelecido pela ciéncia para confirmar a separacdo das funcées cerebrais em dois hemisférios. Espero que 0s estudiosos venham responder afinal através dos métodos tradicionais de pesquisa as diversas perguntas que eu mesma tenho sobre este trabalho. Parece que as pesquisas recentes tendem a corroborar minhas idéias basicas. Por exem- plo, novas descobertas sobre a fungao do enorme feixe de fibras nervosas que conecta os dois hemisférios, o corpo caloso, indi- cam que ele pode inibir a passagem de informagdes de um he- misfério para outro quando a tarefa requer a ndo-interferéncia de um ou outro hemisfério. Entrementes, o trabalho parece trazer grande alegria para os meus alunos, quer compreendamos ou deixemos de compreen- der 0 processo subjacente. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO complicacao do ato de ver precisa ser menciona- ‘coletam informagao visual através de uma varredu- do ambiente. Mas os dados visuais “de longe’, visdo, nao sao o fim da histéria. Pelo menos uma yez até a maioria do que vemos, € modificada, inter- u conceitualizada de maneiras que dependem da for- da sua predisposicao mental e experiéncias pas- demos a ver 0 que esperamos ver ou o que resolvemos expectativa, ou decisdo, entretanto, costuma nao ‘4 expectativa € a deciséo, sem o nosso saber conscien- altera ou rearruma — ou até mesmo descarta — os da viséo que atingem a retina. Aprender a perceber idesenho parece modificar esse processoe permitir um o diferente, mais direto. Esta edigdo cerebral é colo- itado de espera, permitindo assim que o individuo veja talmente e talvez mais realisticamente. ‘experiéncia costuma ser bastante pungente e afeta pro- . Os comentarios mais freqiientes dos meus alunos aprendem a desenhar sao “a vida parece muito mais ” e “eu nunca tinha me dado conta de quanta coisa h4 AO etilewvae sounheawds ere como as coisas sdo belas”. Esta nova forma de ver natureza. As flores dialogam ja por si s6 uma boa razAo para se aprender adesenhar. com ele através das gracio: curvaturas dos seus talos e das nuancas harmoniosamente coloridas de suas pétalas. Cada flor tem uma palavra cordial que a natureza direciona para ele.” N = Aucuste Rovin 25 O Desenho € a Arte de Andar de Bicicleta isdo Bramindo. Pintura paleolitica encontrada numa caverna de Altamira, na Espanha. Desenho de Brevil. Provavelmente atribuiam-se poderes magicos aos artistas pré-histéricos. 28 O PROCESO DE DESENHAR £ CuRIOSO. £ tao interligado com o ato de ver, que mal pode dele se separar. A capacidade para o desenho depende da capacidade para ver da maneira que um ar- tista vé, e esta forma de ver pode enriquecer sua vida de um modo maravilhoso. Ensinar alguém a desenhar tem muitas coisas parecidas com ensinar alguém a andar de bicicleta. £ muito dificil de explicar com palavras. Ao ensinar alguém a andar de bicicleta, vocé pode dizer: “bem, basta montar, pedalar, se equilibrare seguir em frente.” Claro, isto nao explica tudo, de jeito algum, e vocé poderé acabar dizendo: “Eu vou montar e lhe mostrar como se faz. Fi- que observando para ver como eu faco.” a mesma coisa com o desenho. Quase todos os professores de arte e autores de livros didaticos de desenho estimulam seus alunos a “mudar sua maneira de olhar para as coisas” ea “apren- der a ver”. O problema é que essa forma diferente de ver é tao diffcil de explicar quanto a maneira de se equilibrar numa bici- cleta, e o professor normalmente acaba dizendo algo como: “ob- serve esses exemplos e continue tentando. Se vocé praticar bas- tante, acabar4 pegando 0 jeito.” Embora quase todo mundo aca- be aprendendo a andar de bicicleta, muitos so os que jamais conseguem superar os percalgos que os impedem de desenhat. Para dizer isto de uma forma mais precisa, muitas pessoas ja- mais aprendem a ver bem o suficiente para desenhar. O desenho como habilidade magica Uma vez que somente umas poucas pessoas parecem possuir a capacidade de ver e desenhar, os artistas costumam ser tidos como pessoas dotadas de um talento raro, divino. Para muitos, o processo de desenhar parece misterioso e algo além da compreen- séo humana. Os préprios artistas em geral nao se esforgam muito para dissipar 0 mistério. Se perguntamos a um artista (ou seja, al- guém que desenhe bem devido a um longo treinamento ou a descoberta casual da maneira de ver do artista) “como vocé faz para desenhar uma coisa de modo que ela pareca real - digamos um retrato ou uma paisagem?”, é provavel que ele responda “bem, acho que é um dom” ou “no sei. Comeco e vou resolven- do a medida que o desenho vai progredindo” ou ‘ora, eu sim- plesmenteolho para a pessoa (ou paisagem) e desenho o que vejo” Esta ultima resposta parece uma resposta légica e direta. Contu- do, se a examinarmos bem, ela nao nos dé explicagao alguma DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO #880, € prossegue a nogdo de que a habilidade para algo vagamente magico (ver a Figura 1.1) ta atitude de admiracdo pela capacidade artistica artistas e suas obras sejam apreciados, pouco faz de encorajar as pessoas a aprenderem a desenhar, nem fe $a explicar para os alunos o processo do dese- muitas pessoas acham mesmo que ndo devem m curso de desenho por nao saberem desenhar. Isto er que néo se deve entrar para um curso de fran- falara lingua, ou deixar de freqiientar um curso fia por nao saber construir uma casa. como habilidade que pode ser aprendida e ensinada go descobrir4 que desenhar é uma habilidade que pode ida por qualquer pessoa normal com visao e coordena- medianas—com habilidade suficiente para enfiar uma agulha ou atirar uma bola a distancia. Ao contrario costuma pensar, a habilidade manual nao é um fator para o desenho. Se a sua caligrafia é legivel, ou mesmo le escrever em letras de forma inteligiveis, entéo a destreza necessria para desenhar bem. ) preciso dizer mais nada sobre as m4os aqui, mas sobre /h4 como dizer o bastante. Aprender a desenhar é mais senvolver a habilidade em si. Lendo este livro, vocé 4 a ver. Ou seja, aprender a processar informacao vi- a maneira especial usada pelos artistas. Ela édiferente que normalmente se usa para processar informagées parece exigir que se use o cérebro de um modo também docomum. nto, vocé aprender4 um pouco sobre como o seu cérebro n a informacdo visual. As tiltimas pesquisas comecam a uma nova luz, com base cientifica, sobre essa maravilha de ide e complexidade que € 0 cérebro humano. E uma das vocé aprender é que as propriedades especiais de nos- bro nos permitem desenhar imagens do que percebemos. are ver istério e a magia da habilidade para o desenho parece Menos em parte, a capacidade de efetuar uma mudancga cerebral para uma modalidade diferente de ver/per- Se voc for capaz de enxergar da maneira especial que os artis- (O DESENHO E A ARTE DE ANDAR DE BICICLETA Roger N. Shepard, professor de Psicologia da Universidade de Stanford, na Inglaterra, descreveu recentemente sua modalidade pessoal de pensamento criativo no qual as idéias de pesquisa the ocorriam como solugées de problemas que ele vinha buscando hé muito tempo. Essas solucées Ihe surgiam sob forma ndo-verbal ¢ essencialmente completas. “O fato de que, nesses rasgos de iluminacao, minhas idéias assumissem principalmente uma forma visual-espacial, sem qualquer intervencao verbal perceptivel, est perfeitamente de acordo com aquilo que sempre foi o meu método. favorito de raciocinio. Desde a infancia, passei muitas de minhas horas mais felizes absorto no desenho, burilando, ou fazendo exercicios de visualizacdo puramente mental.” = Rocer N. SHEPARD, Visual Learning, Thinking, and Communication, 1978. “Aprender a desenhar realmente uma questao de aprender a ver ~ ver corretamente ~, 0 que implica muito mais do que ver apenas com os olhos.” ~Kimon NICOLAIDES, The Natural Way to Draw, 1941 29 Gertrude Stein certa vez perguntou ao pintor francés Henri Matisse se, ao comer um tomate, ele o olhava A maneira de um artista. Matisse respondeu: “Nao. Quando como um tomate, ‘otho-0 como qualquer pessoa 0 olharia. Mas quando pinto um tomate, vejo-o de maneira diferente.” ~ GERTRUDE STEIN, Picasso, 1988. “O pintor pinta com os othos, nao com as mos. O que vé, se 0 enxerga com clareza, sera capaz de pintar. Passar 0 que voce vé para a tela é um ato que talvez exija muito cuidado e esforco, mas nada além da agilidade muscular que o artista precisa para escrever 0 préprio nome. O importante € ver com clareza.” = Maurice Grosse, The Painter's Eye, 1951 “E no intuito de realmente ver, de ver cada vez mais profundamente, mais intensamente, para estar, portanto, plenamente consciente e vivo, que desenho © que os chineses chamam de ‘As Dez Mil Coisas’ ao meu redor. O desenho é a disciplina através da qual redescubro ‘constantemente o mundo.” “Aprendi que aquilo que no desenhei nunca de fato vi, e que quando comeco a desenhar algo corriqueiro, me dou conta do seu teor extraordindrio, milagre puro.” FREDERICK FRANCK, The Zen of Seeing, 1973. 30 tas experientes enxergam, entdo vocé serd capaz de desenhar. Dizer isto nao € o mesmo que dizer que os desenhos de grandes artis- tas, como Leonardo da Vinci e Rembrandt, nao sejam mais ma- ravilhosos agora que conhecemos um pouco do proceso cere- bral empregado em sua criagao. Na verdade, a pesquisa cientt- fica faz de desenhos de tal maestria obras ainda mais notdveis, pois eles parecem levar o observador a adotar a modalidade de percepcao do artista. Porém, a capacidade basica para o dese- nho é também acessivel a qualquer um que aprenda a fazer a transi¢do para esta modalidade, enxergando do mesmo modo que o artista. A maneira de ver do artista: um processo duplo Desenhar no é dificil. O problema é ver, ou, de modo mais especifico, passar a ver de uma forma especifica. Por ora, vocé talvez nao acredite em mim. Pode achar que vé tudo muito bem e que o diffcil € desenhar. Mas sucede justamente 0 contrdrio, e os exercicios deste livro visam a ajud4-lo a empreender a transi- cdo mental e a obter uma vantagem dupla. Primeiro, abrir aces- 80, por voligdo consciente, & modalidade de raciocinio visual e per- ceptivo a fim de experimentar um enfoque de sua consciéncia; segundo, ver as coisas de uma maneira diferente. Estes dois ele- mentos lhe permitirao desenhar bem. Muitos artistas jé falaram de ver as coisas de maneira dife- rente ao desenhar e costumam mencionar que ao fazé-lo en- tram em estado alterado de consciéncia. Neste estado subjetivo, diferente, dizem se sentir transportados, “em comunhao com o trabalho”, capazes de perceber relacionamentos que normalmen- te ndo captam. A nogao de tempo se esvai e as palavras deixam de ter lugar na consciéncia. Sentem-se alertas e conscientes, po- rém relaxados, sem ansiedade, vivenciando uma ativagéo men- tal agradével, quase mistica. Examinando alguns estados de consciéncia estado de consciéncia ligeiramente modificado a que a maio- ria dos artistas se refere — de se sentirem transportados enquanto desenham, pintam, esculpem ou executam qualquer outro tipo de trabalho artistico— provavelmente jd foi experimentado, vez por outra, por vocé. E possivel que vocé tenha observado em si mesmo ligeiras mudangas de estado de consciéncia ao exercer atividades bem mais comuns que a de desenhar ou pintar. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Muitas pessoas, por exemplo, tém as vezes a sensacdo de Passarem do estado consciente de vigflia para o estado ligeira- mente modificado de devaneio quando comegam a “sonhar acor- dadas”. Por outro lado, muitas dizem que a leitura “nos trans- Porta para fora de nds mesmos”. Outras atividades que aparen- temente produzem uma alteragao do estado de consciéncia sao a meditacdo, o jogging, o tricd, a datilografia, ouvir misica e, naturalmente, o proprio desenho. Além disto, acredito que o ato de dirigir um automével numa estrada provavelmente induz um estado subjetivo ligeiramente diferente, parecido com o estado que se atinge ao desenhar. Afi- nal, quando dirigimos numa estrada, lidamos com imagens vi- suais, assimilando informacées referentes a relacdes de espaco, percebendo componentes complexos da configuracao geral do transito. Muitas pessoas descobrem que so capazes de pensar criativamente enquanto dirigem, muitas.vezes se esquecendo do tempo e experimentando uma agradavel sensacao de tran- qiiilidade. Estas operagdes mentais talvez ativem as mesmas partes do cérebro utilizadas no desenho. Naturalmente, quando ditigimos em condigées diffceis ou quando estamos atrasados, ou ainda quando alguém que viaja conosco nos dirige a palavra, no ocorre essa transigao para um estado mental alternativo. No capitulo trés vocé verd por que isto é assim. Para aprender a desenhar, portanto, é fundamental estabele- cer condigées que lhe provoquem a transigéo mental para uma modalidade diferente de processamento de informagGes — 0 es- tado de consciéncia ligeiramente alterado — que permita a vocé ver corretamente. Neste estado de consciéncia para 0 desenho, vocé seré capaz de desenhar o que percebe, ainda que jamais tenha estudado desenho. Uma vez que se familiarize com este estado, vocé ser capaz de controlar conscientemente a transi- ao mental. Explore sua criatividade Eu o vejo como uma pessoa dotada de potencial criativo para exprimir-se através do desenho. Meu objetivo é proporcionar- lhe os meios de liberar este potencial, de ter acesso num nivel consciente, a sua capacidade inventiva, intuitiva e imaginativa ~capacidade que talvez tenha permanecido adormecida e inex- plorada em decorréncia de nossa cultura verbal e tecnolégica e de nosso sistema educacional. Vou lhe ensinar a desenhar, mas 0 desenho € apenas um meio e nao o fim. Ele aproveitard as capa- ‘© DESENHO E A ARTE DE ANDAR DE BICICLETA “Quando um certo tipo de atividade, como a pintura, torna-se a modalidade de expressao habitual, é possivel que 0 ato de recolher 0 material € dar inicio ao trabalho venha a agir sugestivamente e acabar evocando uma transicio para 0 estado mais elevado.” = Rosert HENRI, The Art Spirit, 1928. 31 ‘Meus alunos costumam dizer que quando aprendem a desenhar ficam mais criativos. Obviamente, muitos caminhos levam a atitudes criativas: 0 desenho é apenas um deles. Howard Gardner, professor de Psicologia e Educago da Universidade de Harvard, comenta esse elo: “Por uma guinada curiosa, as palavras arte e criatividade se tornaram bastante préximas em nossa sociedade.” Citado de Creating Minds, de Ganpwen, 1993, Samuel Goldwyn disse: “Nao preste a menor atencio aos criticos. Sequer os ignore.” Citado de Being Digital, de NicoiAs NEGROroNTE, 1995. 32 cidades que sdocorretas para o desenho. Aprendendo a desenhar, vocé aprenderé a ver de maneira diferente, conforme Rodin afirma liricamente, a tornar-se confidente do mundo natural, a despertar os olhos para a belissima linguagem das formas, a ex- pressar-se nesta linguagem. ‘Ao desenhar, vocé recorreré intensamente a uma parte de seu cérebro que € quase sempre obscurecida pelos intermindveis detalhes do cotidiano. A partir desta experiéncia, vocé desenvol- verd a capacidade de perceber as coisas, sob uma nova 6tica, em sua totalidade, a enxergar padrées subjacentes e possibilidades de novas combinagdes. Novas modalidades de raciocfnio e no- vas maneiras de utilizar todo o poder do seu cérebro lhe propicia- to acesso a solugées criativas para os seus problemas, sejam eles pessoais ou profissionais. Oato de desenhar, embora prazeroso e gratificante, € apenas uma chave para abrir as portas de outras metas. Espero que este livro 0 ajude a expandir sua capacidade como pessoa mediante uma percepgéo maior de sua propria mente e de como ela funcio- na. Os diversos efeitos dos exercicios nele contidos destinam-se a aumentar sua confianga ao tomar decisées e resolver proble- mas. O potencial do cérebro humane, criativo e imaginativo como é, parece ilimitado. O desenho poderé ajudé-lo a conhecer este potencial e fazer com que outros o conhegam. Através do desenho, vocé se torna visivel. Como disse o artista aleméo Albrecht Diirer: ‘A partir do desenho, 0 tesouro que vocé secre- tamente amealhou em seu coracdo se tornaré evidente através do seu trabalho criativo.” Portanto, sem esquecermos o verdadeiro objetivo, tratemos de moldar a chave. Meu método: 0 caminho da criatividade Osexercicios e instrugées deste livro foram elaborados espe- cificamente para pessoas que nao sabem desenhar, que nao se achem com talento praticamente algum para o desenho e que tenham diividas quanto a um dia aprenderem ~ mas que talvez achem interessante aprender. © método empregado é diferente dos outros manuais de desenho, no sentido de que os exercicios se destinam a abrir acesso as habilidades que vocé jd possui e que apenas esto espera de serem liberadas. Em outros campos diferentes da arte, certas pessoas criati- vas que desejem exercer maior controle sobre sua capacidade a DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO criativa e aprender a vencer obstaculos a criatividade poderéo tirar bom proveito das técnicas aqui apresentadas. Professores e pais encontrardo na teoria e nos exercicios um instrumento titil para ajudar as criangas a desenvolverem seus talentos criativos. No final deste livro, acrescentei um breve Posfacio contendo su- gestGes gerais sobre a forma de adaptar para as criangas os meus métodos e materiais. Um segundo Posfacio é voltado para os alunos de belas artes, Este livro se baseia num curso de cinco dias que h4 quinze anos venho ministrando para pessoas de diversas faixas etdrias @ ocupagées. Quase todas comegam com pouquissima habili- dade para o desenho e muita inseguranga quanto ao seu poten- cial para desenvolvé-la. Quase'sem excegao alguma, elas atin- gem um elevado grau de proficiéncia para o desenho e adquirem aconfianga para continuarem desenvolvendo sua expressividade €m outros cursos ou praticando sozinhas. Um aspecto intrigante do progresso, quase sempre notdvel, €arapidez com que os alunos aprimoram sua capacidade parao desenho. Estou convencida de que, se uma pessoa sem preparo art{stico pode empreender a transigao para a maneira de ver do artista —ou seja, a modalidade do hemisfério direito —, esta pes- 80a seré capaz de desenhar sem necessidade de maiores instru- ges. Em outras palavras, voce j4 sabe desenhar, mas velhos hé- bitos de visdo interferem nesta habilidade e a bloqueiam. Os exercicios contidos neste livro foram elaborados para acabar com - esta interferéncia e desbloquear sua capacidade Mesmo que vocé nao esteja especificamente interessado em Se tornar um artista profissional, os exercicios 0 ajudarao a com- Preender a maneira pela qual a sua mente — ou as suas duas Mentes— funciona isoladamente, cooperativamente e uma con- tra a outra. E como jd me disseram muitos dos meus alunos, estes exercicios ajudaram a tornar-lhes a vida mais rica porque agora eles véem melhor ¢ véem mais. Sempre vale lembrar que nao alfabetizamos as pessoas para gerar apenas poetas e escritores, mas para melhorar-lhes 0 raciocinio. Orealismo como meio para um fim Por que rostos? Muitos exercicios e seqiiéncias de instrug6es deste livro tem afinalidade de capacitar o aluno a desenhar retratos reconheci- is. Explicarei o motivo pelo qual acho que os retratos sio um ‘© DESENHO E A ARTE DE ANDAR DE BICICLETA “Sair da rotina da percepgio comum, ver durante algumas horas interminaveis os mundos externo ¢ interno, néo com a aparéncia que eles tém para um animal obcecado com palavras e nogées, mas tal como sio apreendidos, direta e incondicionalmente, pela Mente Global, é uma experiéncia de valor inestimavel para todos.” ~ Aldous Huxley, As Portas da Percepcdo, 1954. 33 “Quando o artista esta vivo em qualquer pessoa, qualquer que seja o seu tipo de trabalho, ela se torna uma criatura inventiva, pesquisadora, ousada e expressiva. Torna-se interessante aos olhos de outras pessoas. Perturba, agita, esclarece e abre o caminho para uma melhor compreensao. Quando aqueles que nao sio artistas esto procurando fechar 0 livro, ele o abre e mostra que ainda ha um grande numero de paginas possiveis.” —Ronerr HEN, The Art Spirit, 1923. #(..) quando voce falou que eu deveria virar pintor, achei impraticével e nem quis escutar. O que me tirou as davidas foi a leitura de um livro que esclarecia a perspectiva, 0 Guide to the ABC of Drawing, de Cassange; e uma semana depois desenhei uma cozinha com fogio, cadeira, mesa e janela ~ tudo no seu lugar, sobre suas proprias pernas ~ quando antes conseguir dar uma nocao de profundidade e acertar a perspectiva correta num desenho era, para mim, um ato de bruxaria ou do mais puro acaso.” = Vincent Van Goat, em carta ao seu irmio Theo, que Ihe sugerira tomar-se pintor. Carta w 184, p. 331 34 bom tema para iniciantes. Em termos gerais, salvo pelo grau de complexidade, o ato de desenhar é sempre igual. Uma tarefa nao é mais dificil do que qualquer outra. Estao envolvidas as mesmas habilidades e maneiras de ver quando se desenha arranjos de natureza-morta, paisagens, 0 corpo humano, um objeto qual- quer, até mesmo temas imaginérios ¢ retratos. Tudo é a mesma coisa. Vocé vé 0 que estd & sua frente (temas imaginérios séo “vistos” com 0 olho da mente) e desenha o que vé. Por que, entdo, escolhi retratos para alguns dos exercicios? Por trés raz6es. Primeiro, geralmente os alunos iniciantes pen- sam que 0 rosto humano é 0 que hé de mais dificil para desenhar. Por isso, quando percebem que conseguem desenhar rostos, sen- tem-se mais confiantes e isto os ajuda a progredir. A segunda raz4o, mais importante ainda, é que o hemisfério direito do cé- rebro humano é especializado no reconhecimento de rostos. Sen- do justamente ele o hemisfério ao qual estamos tentando obter acesso, procede a escolha de um tema com o qual esta parte do cérebro esteja acostumada a lidar, Terceiro, rostos sao uma coisa fascinantel Sé depois de desenhar uma pessoa é que voce poderé ter de fato visto o seu rosto. Um dos meus alunos me disse: “Acho que nunca tinha olhado de fato para o rosto de ninguém até que comecei a desenhar. Agora, o mais esquisito é que acho todo mundo lindo.” Resumindo Descrevi até aqui a premissa fundamental sobre a qual se baseia este livro - que o desenho é uma habilidade que se pode ensinar e aprender, e que pode propiciar uma vantagem dupla, Ao obter acesso a parte da sua mente que funciona de forma a levar ao raciocfnio criativo e intuitivo, vocé estard aprendendo uma habilidade fundamental das artes visuais: como colocar num papel o que vocé enxerga diante dos seus olhos. Em segun- do lugar, ao aprender a desenhar pelo método apresentado neste livro, vocé estar4 aprimorando sua capacidade de pensar mais criativamente em outras Areas da sua vida. O que voce seré capaz de fazer com essas habilidades depois de concluir 0 curso dependerd de outros tragos, como energia € curiosidade. Mas comecemos pelo principio. O potencial existe. As vezes € necessdrio que nos lembremos de que em algum mo- mento Shakespeare aprendeu a escrever uma linha de prosa, Beethoven aprendeu as escalas musicais e, como se pode ver na margem, Vincent Van Gogh aprendeu a desenhar. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO Exercicios 2 de Desenho: um Passo de Cada Vez 36 N ESTES MUITOS ANOS QUE PASSE! ENSINANDO, experimentei di- versas seqiiéncias progressivas e varias combinagées de exercicios. A seqiiéncia apresentada neste livro mostrou-se a mais eficaz em termos do progresso dos alunos. Vamos dar o primeiro passo, os importantissimos desenhos preliminares, neste capf- tulo. Quando vocé chegar aos exercicios do capitulo quatro, j4 tera alguma nogdo da teoria subjacente, como os exercfcios foram dispostos e por que funcionam. A seqiéncia visa a aumentar 0 éxito a cada passo e também propiciar acesso 4 nova modalida- de de processamento de informagées causando 0 minimo possi- vel de perturbagées a antiga. Portanto, vocé deve ler os capftulos na ordem apresentada e fazer os exercicios a medida que eles forem aparecendo. Limitei os exercicios recomendados a uma quantidade mini- ma, mas, se houver tempo, faga mais do que o sugerido: arranje os seus préprios objetos e elabore os seus préprios exercicios. Quanto maior a pratica a que vocé se dispuser, tanto mais rapi- do serd o seu progresso. Tendo isto, em vista, além dos exercicios que sao apresentados no corpo do texto, hd outros, suplementa- res, nas margens das paginas. Faga-os e reforce tanto as suas ha- bilidades quanto a sua confianga. Recomendo que vocé faga uma leitura completa do enun- ciado antes de comegar a desenhar e, quando indicado, estude os exemplos dos desenhos dos meus alunos. Guarde todos os seus desenhos juntos numa pasta ou envelope grande, para que, no final do livro, voce possa observar o seu proprio progresso. Definigées de termos No final deste livro ha um Glossério. Alguns deles sdo des- critos de forma bastante extensa no corpo do livro e 0 Glossario contém outros cuja definicéo ndo se estende tanto assim. Pala- vras que so comumente utilizadas na linguagem cotidiana, como “valor” e “composicao”, tém significado bastante espect- fico, normalmente distinto, na terminologia da arte. Sugiro que vocé veja no Glossario antes de ler os capitulos deste livro. Materiais de desenho Alista de materiais para as duas primeiras edig6es foi mui- to simples: folhas de papel de carta ou um bloco de papel de desenho, de baixo custo, um l4pis e uma borracha. Mencionei DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO ie um lapis 4B é gostoso de usar, pois o grafite é macio e faz trago forte, nftido, mas qualquer l4pis n° 2 normal funcio- de maneira semelhante. Para esta edic&o, vocé ainda preci- 4 dos mesmos materiais, porém eu gostaria de sugerir al- s apetrechos a mais que o ajudréo a aprender a desenhar is rapidamente. © Arranje um pedago de plastico transparente, com 1/16" de espessura, medindo cerca de 20 por 25 centimetros. Um pedaco de vidro serve, mas as bordas deverao ser cobertas. com fita adesiva. Usando tinta permanente, marque fios de referéncia nas duas direcdes, um eixo vertical e um hori- zontal, que se cruzem no centro do plano (veja a ilustra- 0 ao lado). Arranje também dois “visores” de cartolina preta, com cer- ca de 20 por 25 centimetros cada. Num deles faga uma abertura retangular com cerca de 11 por 13 centimetros, e ho outro, um pouco maior, com cerca de 15 por 18 centi- metros (ver a Figura 2.1, p. 38). Uma caneta hidrocor preta. Dois clipes para prender os seus visores ao plano de plasti- co transparente. Um lépis 4B. « Um basto de grafite 4B, facilmente encontrado em qual- quer papelaria. « Fita crepe. © Um apontador pequeno de lapis. * Uma borracha macia. Conseguir estes materiais pode dar um pouco de trabalho, mas ajudard a aprender mais rdpido. Sao encontrados em qual- quer papelaria com uma segdo de artigos para pintura e dese- nho. Eu e a minha equipe de professores nao damos aulas sem “utilizarmos os visores ou os planos de imagens, e este material ‘ajudaré da mesma forma que ajuda os nossos alunos em sala de aula, Por ser essencial A compreensdo basica da natureza do de- Senho para os iniciantes, faz anos que preparamos ~ & mao! — Pastas com ferramentas de aprendizado que elaboramos para o “nosso curso intensivo de cinco dias. As pastas também contém todo o material de desenho necessdrio, juntamente com uma prancheta portétil. Estas pastas j4 esto a venda, incluindo uma fita de video com cerca de duas horas de duragdo, com as ligdes contidas neste livro. EXERCICIOS DE DESENH( iM PASSO DE CADA VEZ 37 Faca o seu visor da seguinte maneira: 1. Pegue uma folha de papel ou use cartolina do mesmo tamanho que o seu papel de desenho. O visor precisa ter 0 mesmo formato, ou seja, as mesmas proporcées que o papel utilizado para o desenho. 2. Trace linhas diagonais partindo dos cantos opostos, cruzando-as no meio. No centro do papel desenhe um pequeno retdngulo, conectando linhas horizontais ¢ verticais as diagonais. O retangulo devera ter aproximadamente 2,5 por 3 centimetros (ver a Figura 2.1). Assim tracado, o retingulo interno ter4 as mesmas: proporgées entre comprimento ¢ largura que as bordas externas da folha de papel. 3, Em seguida, recorte 0 pequeno retngulo do centro. Levante, entao, o papel e compare a forma da abertura menor com a forma da folha inteira, Veja que as duas formas sio a mesma, diferindo apenas no tamanho. Este elemento de auxilio percepcao é chamado de visor, Ele ajudara a perceber espagos negativos, estabelecendo uma borda para o espaco em torno das formas. OL) Figura 2.1 38 Se vocé se interessar em adquirir uma pasta, faga a sua enco- menda nos enviando o formulério encontrado ao final deste li- vro ou visite a nossa pagina www.drawright.com na Internet. Mas os poucos itens listados acima serao suficientes caso vocé prefi- ra elaborar 0 seu proprio estojo de material. Desenhos preliminares: um registro valioso da sua aptidao Vamos comegar¢ Primeiramente vocé deveré registrar a sua capacidade atual para o desenho. Isto é importante! Nao percaa oportunidade de ter um verdadeiro suvenir do seu momento inicial para poder comparé-lo com os desenhos futuros. Tenho total consciéncia do grau de dificuldade que isto representa, mas faca o seu desenho agora. Conforme escreveu o grande artista holandés Vincent Van Gogh (numa carta para o seu irmao, Theo): “Trace qualquer coisa quando vir uma tela em branco olhando para vocé com um certo ar de imbecilidade. Vocé nao faz idéia de como este olhar vazio pode paralisar, como se dissesse ao ar- tista: “Vocé nao sabe de nadal’.” Em breve vocé estard “sabendo alguma coisa”, prometo! Ago- ra, prepare-se e faca logo os seus desenhos. Mais tarde voce fica- 14 feliz por té-los feito. Eles séo um auxilio inestimavel para que o aluno possa verificar o proprio progresso. Parece que se instala um tipo de amnésia a medida que a aptidao para o desenho vai se desenvolvendo, Os alunos se esquecem de como desenhavam antes de se submeterem 4 instrugdo. Além disto, o grau decritica se mantém a par com o progresso. Mesmo depois de muitos avan- gos, hé alunos que criticam sua facanha mais recente por “nao estar tao boa quanto uma obra de Leonardo da Vinci”. Os dese- nhos antigos so um exemplo fidedigno do progresso. Depois de feitos, guarde-os, para que os analisemos mais adiante, a luz do seu recém-adquirido talento para o desenho. O que voce vai precisar: Papel para desenhar (papel de carta branco 6 0 bastante) L4pis preto n° 2. Apontador. Fita crepe. Um pequeno espelho, com cerca de 12,5 por 15 centime- tros, que possa ser pendurado numa parede, ou qualquer outro espelho de parede ou de porta. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Algo que sirva como prancheta — uma tabua de pao ou uma folha de papelao rigido, com mais ou menos 35 por 40 centimetros. Prazo de uma hora, até uma hora e quinze, sem inter- Tupgoes. O que vocé vai fazer: Vocé deve executar trés desenhos. Nossos alunos costumam levar cerca de uma hora para fazé-los, mas use o tempo que pre- _ cisar. Indique aqui os temas; em seguida, vocé encontrar ins- trug6es para cada um deles: _ ® “Auto-Retrato.” e “Uma Pessoa Desenhada de Meméria.” e “Minha Mao.” Desenho preliminar n® 1: “Auto-Retrato” . Prenda duas ou trés folhas de papel na sua prancheta ou use um bloco de desenho. (Trés folhas servem para suavi- zara superficie onde voce desenharé — assim fica bem me- thor do que trabalhar sobre a superficie dura da pranche- ta) 2. Sente-se diante de um espelho, mais ou menos a uma dis- tancia de 60 a 80 centimetros. Encoste a prancheta na pa- rede, apoiando a base dela sobre 0 seu colo. 3. Olhe para a sua imagem no espelho e tente se retrartar. 4. Quando terminar, coloque tftulo, data e assine o desenho no canto inferior esquerdo ou direito. Desenho preliminar n° 2: “Uma Pessoa Desenhada de Meméria” 1, Procure se lembrar de uma pessoa — pode ser alguém do passado ou que vocé conhega agora. Vocé pode também se recordar de um desenho que tenha feito ou da fotogra- fia de uma pessoa bastante conhecida. 2, Faga um desenho desta pessoa, dando o melhor de si. Pode , ser apenas a cabega, ou a metade do corpo, mas, se quiser, faga um desenho de corpo inteiro. 8. Ao terminar, coloque 0 titulo, a data e assine o seu de- r senho. EXERCICIOS DE DESENHO: UM PASSO DE CADA VEZ 39 40 Desenho preliminar n* 3: “Minha Mao” 1, Sente-se a uma mesa para fazer este desenho. 2. Se vocé for destro, desenhe a sua mo esquerda, na posi- go que preferir. Se for canhoto, desenhe sua mao direita. 3. Coloque titulo, data e assine o seu desenho. Depois de terminar os desenhos preliminares: Nao deixe de colocar titulo, data e assinatura em cada um. dos seus trés desenhos. Alguns dos meus alunos resolvem fazer alguns comentérios por escrito no verso de cada desenho, res- saltando 0 que foi prazeroso e o que talvez nao tenha sido, o que pareceu fécil eo que pareceu dificil no processo de desenhar, Po- dem ser comentarios interessantes para vocé ler no futuro. Coloque os trés desenhos sobre uma mesa ¢ os examine deta- lhadamente. Se eu estivesse ao seu lado, estaria procurando pon- tos que pudessem revelar uma aten¢do mais dedicada ~ talvez uma virada jeitosa de colarinho ou uma sobrancelha sobejamente alteada. Tao logo encontre sinais de observacéo minuciosa, j4 fico sabendo que a pessoa aprenderd a desenhar bem. J4 vocé talvez nao encontre coisa alguma de admirdvel e acabe por ta- char seus desenhos de “infantis” e “amadores”. Queira se lem- brar, contudo, que estes desenhos foram feitos antes de qual- quer instrugao. Seria de esperar que vocé conseguisse resolver qualquer problema de Algebra antes de receber as instrucdes per- tinentesé Por outro lado, talvez vocé até se surpreenda com al- gumas partes de seus desenhos, em especial com o da sua mao. A razéo para se fazer 0 desenho de meméria Estou certa de que desenhar alguém de meméria foi muito diffcil para vocé, e com razdo. Até mesmo um artista bem-pre- parado acharia diffcil desenhar uma pessoa de memoria. As in- formacées visuais do mundo real s4o muito ricas e complicadas, restringindo-se a cada coisa que vemos. A memoria visual é ne- cessariamente simplificada, generalizada e abreviada— algo frus- trante para os artistas, que costumam ter somente um repert6- rio limitado de imagens memorizadas. Vocé bem poderia per- guntar: “Entao, de que vale fazer isso?” Arazao é simplesmente a seguinte: desenhar uma pessoa de meméria é uma atividade que traz 4 tona um conjunto de sim- bolos memorizados, praticados repetidas vezes na infancia. En- DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO quanto fazia o retrato de meméria, vocé se recorda de que a sua mo parecia ter mente prdpria¢ Vocé sabia que nao estava fa- zendo a imagem que queria, mas no conseguia evitar que a sua méo fizesse aquelas formas simplificadas — talvez 0 contorno do nariz, por exemplo. Isto é o chamado “sistema de simbolos” dos desenhos das criancas, memorizados a partir das indimeras tepetigGes durante os primeiros anos da infancia. Vocé aprende- 14 mais sobre este assunto no capitulo cinco. Agora compare o seu ‘Auto-Retrato” com o seu desenho de meméria. Vocé consegue ver os mesmos simbolos repetidos nos dois desenhos — ou seja, os olhos (ou nariz, ou boca) tém for- matos semelhantes, talvez até idénticos¢ Se tiverem, isto é um indicio de que o seu sistema de simbolos estava controlando a sua m4o quando vocé estava observando os contornos reais no espelho. O sistema de simbolos na infaincia Essa ‘tirania” do sistema de simbolos explica em grande par- teo motivo pelo qual pessoas sem talento para o desenho conti- nuam produzindo desenhos “infantis” até mesmo quando adul- tas e em idade avancada. O que voce aprender comigo é uma forma de deixar de lado o sistema de simbolos e aprender a dese- nhar com fidelidade o que vé. Este treinamento da habilidade de perceber é a alfabetizacdo mais fundamental para o dese- nho, a ser necessariamente aprendida — ou, pelo menos, este seria o ideal — antes de uma progressdo para o desenho imagina- tivo, a pintura e a escultura. ‘Tendo em mente estas informagées sobre o sistema de sim- bolos, vocé pode desejar acrescentar mais alguns apontamentos no verso dos seus desenhos, Em seguida, guarde os trés com cui- dado para referéncia futura. Nao olhe para eles novamente an- tes de ter conclufdo o meu curso e aprendido a ver e a desenhar. Exposi¢ao dos alunos: uma no¢gao dos desenhos antes e depois do curso Agora eu gostaria de mostrar alguns dos desenhos feitos pe- los meus alunos. Estes desenhos mostram as mudangas tfpicas ocorridas na capacidade que eles demonstraram para o desenho da primeira aula (antes de iniciar 0 processo de aprendizado) a tiltima. A maioria dos alunos freqiientou cursos de cinco dias, com oito horas de aula em cada dia. Tanto os desenhos feitos EXERCICIOS DE DESENHO: UM PASSO DE CADA VEZ 4 Yvonne Olive 42 ri antes do recebimento das instrugdes quanto aqueles feitos de- pois sdo auto-retratos, executados por alunos se mirando em espelhos. Como vocé pode ver, 0s conjuntos contendo os dese- nhos anteriores e posteriores ao treinamento de cada um no apa- nhado de exemplos demonstram que os alunos transformaram sua maneira de ver e de desenhar. Estas mudangas sao to signi- ficativas, que os desenhos até parecem ter sido feitos por pes- soas diferentes. Aprender a perceber € a habilidade basica que os alunos adqui- riram. A mudanga que se observa no seu desempenho para o desenho possivelmente reflete uma mudanga igualmente signi- ficativa na sua capacidade de ver. Enxergue os desenhos a partir deste ponto de vista: como um registro visivel da melhoria que os alunos tiveram nas suas habilidades perceptivas. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO Os desenhos desta pagina e da anterior foram feitos antes ¢ depois de um curso de cinco dias, em Seattle, nos Estados Unidos, de 4a 8 de agosto de 1997. EXERCICIOS DE DESENHO: UM PASSO DE CADA VEZ 43. Gay Stroble Carla Di Pietro Continuacdo dos desenhos do curso. 44 DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Nas paginas 43 e 44, apresento desenhos anteriores e poste- riores ao treinamento de uma turma inteira, um grupo de adul- tos em Seattle, Washington. Observando os desenhos “anterio- res”, vocé perceberd que os alunos chegaram ao curso com dife- rentes niveis de habilidade para o desenho e para o preparo artis- tico. J4 os desenhos “posteriores” mostram um nfvel marcante- mente semelhante e elevado destas habilidades. Esta proporgao de sucesso geral demonstra, a meu ver, nossa meta com todo o grupo: a de que cada aluno atinja um nivel elevado de capacitacao para o desenho, independentemente da sua habilidade existente (ou inexistente). A expressao pessoal no desenho: a linguagem ndo-verbal da arte Este livro pretende ensinar para vocé certas habilidades basi- cas da arte de ver e de desenhar. Nao pretende ensiné-lo a expri- mir sua personalidade, mas dotd-lo de certas habilidades que o libertardo de express6es estereotipadas. Por sua vez, esta liberta- Go abrird o caminho para que vocé expresse sua individualidade =seu modo de ser essencial —a sua prépria maneira, usando 0 seu proprio estilo de desenho. Se, por exemplo, pudéssemos considerar sua assinatura como uma forma de desenho expressivo, poderfamos dizer que vocé j&esta se exprimindo com um dos elementos fundamentais da arte: a linha. Numa folha de papel, bem no meio da folha, escreva 0 seu nome como vocé normalmente o assina. Depois examine sua assinatura do seguinte ponto de vista: vocé est4 olhando um desenho que € sua criagao original moldado, é certo, pelas influén- cias culturais da sua vida, mas nao seriam as criagées de todo artista moldadas por estas influéncias¢ Sempre que vocé escreve o seu nome, vocé est se expressan- do pelo uso da linha..A assinatura, “desenhada” repetidamente, expressa sua personalidade da mesma forma quea linha de Picasso expressa a dele. A linha pode ser “lida”, porque, ao escrever oseu nome, vocé utilizou a linguagem ndo-verbal da arte. Experimen- temos ler uma linha. Estas assinaturas ao lado séo da mesma pessoa: Luther Gibson. Vejamos que tipo de pessoa é 0 “primei- to” Luther Gibson. Vocé concordaré que ele é mais provavelmente uma pessoa extrovertida, e nao introvertida, que prefere usar cores berran- EXERCICIOS DE DESENHO: UM PASSO DE CADA VEZ “A arte de atirar com arco nao é uma aptidao atlética adquirida mais ou menos pela pratica basicamente fisica, mas uma aptidao cuja origem esta no exercicio mental e cujo objetivo consiste em atingir mentalmente 0 alvo.” “0 arqueiro, portanto, visa basicamente a si mesmo. Talvez com isto ele consiga atingir 0 alvo - 0 seu ego essencial.” ~ Hennicet Torii Kiyotada (ativo de 1723- 1750), Ator Dancando, e Tori Kiyonobu I (1664-1729), Dancarina (¢. 1708) (abaixo). Cortesia do Metropolitan Museum of Art, Harris Brisbane Dick Fund, 1949. traco exprime dois tipos diferentes de danca nest gravuras japonesas. Procure visualizar as duas dancas. Na duas sua imaginacdo, vocé consegue ouvir a masica? Tente ver como a natureza do trago cria a qualidade da masica e influencia sua reacao ao desenho. 46 tes em vez das mais sutis, e pelo menos superficialmente, tende a ser comunicativo, loquaze até dramatico. Naturalmente estas hipoteses podem ser verdadeiras ou nao, mas o argumento em questdo é que é desta forma que as pessoas leriam a expresséo néo-verbal da sua assinatura, pois € isto o que Luther Gibson est dizendo (nao-verbalmente). Examinemos 0 “segundo” Luther Gibson. ‘Agora observe a terceira assinatura. Como vocé o descreveriaé O que vocé diria do Luther Gibson da quarta assinaturat E quanto a tiltima? Como se |é esta assinaturat ‘Agora examine sua propria assinatura e perceba a sua reagao A mensagem n4o-verbal do seu trago. Escreva o seu nome de trés maneiras diferentes e observe a sua reacdo a cada uma das men- sagens. Em seguida reveja as maneiras como vocé reagiu a cada uma destas assinaturas; lembre-se que o nome formado pelos “desenhos” néo mudou, Se o nome nao mudou, entao 0 que o fez reagir diferentemente¢ Vocé estava vendo e reagindo as qualidades individuaisperce- bidas de cada linha ou conjunto de linhas “desenhadas”. Reagiu Arapidez do traco, ao tamanho e ao espagamento dos caracteres, A tensdo ou A auséncia de tensao muscular, coisas que a linha comunica de maneira muito precisa A presenca ou a auséncia de uma direc&o constante ~em outras palavras, vocé reagiu as assi- naturas como um todo, a todas as suas partes em conjunto. A assinatura de uma pessoa é uma expressdo individual tao singu- lar que é tida legalmente como “pertencente” a esta pessoa € a mais ninguém. Sua assinatura, porém, nao apenas o identifica: exprimevocé e sua individualidade, sua criatividade. Sua assinatura é fiel a vocé. Neste sentido, vocé jé fala a linguagem nao-verbal da arte: usa o elemento bAsico do desenho — 0 trago - de uma maneira expressiva que lhe é peculiar. Portanto, nos capftulos seguintes nao me deterei para exa- minar aquilo que vocé j4 sabe fazer. Ao invés disto, meu obje- tivo 60 deensiné-lo aver de tal forma que vocé possa utilizar seu trago expressivo e individual para desenhar aquilo que percebe DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO 0 desenho como espelho e metéfora do artista O objetivo do desenho nao é somente mostrar aquilo que vocé est querendo retratar, mas também mostrar vocé. Para ilus- trar o quanto de estilo pessoal passa no ato de desenhar, quero mostrar-lhe dois desenhos nesta pagina, feitos ao mesmo tempo por pessoas diferentes ~ eu mesma e o artista e também profes- sor Brian Bomeisler. Nés nos sentamos ao lado de nossa modelo, Heather Allan. Estévamos demonstrando como desenhar um tetrato de perfil para um grupo de alunos, o mesmo que vocé aprenderd no capitulo nove. Os materiais que usamos foram os mesmos, e ambos gastamos o mesmo prazo entre trinta e qua- renta minutos para concluir nossos desenhos. Pode-se reconhe- cer de imediato que a modelo foi a mesma, ou seja, ambos os desenhos apresentam boa semelhanca com Heather. Mas o re- trato de Brian expressa sua reagdo 4 modelo, um estilo mais de *pintura” (que significa maior énfase nas formas), enquanto o meu expressa a minha reagdo em estilo mais “linear” (énfase no trago). Quando se olha para o retrato que eu fiz de Heather, é poss{vel ter uma visao minha, eo desenho de Brian propicia vis- lumbres dele. Portanto, paradoxalmente, quanto mais niti- damente voce percebe e desenha o que vé a sua volta, mais nitida- mente o espectador vera vocée vocé mais saberé acerca de si mes- mo. O desenho passa a ser uma metéfora do artista. Devido ao fato de estarem os exercicios deste livro voltados para a expansao do seu poder de percep¢do e nao para técnicas de desenho, o seu estilo individual — sua maneira tnica e valio- sa de desenhar — emergird intacto. Isto é valido mesmo que os exercfcios se concentrem em desenhos realisticos, que normal- mente tendem a “se parecer” bastante. (Isto provavelmente s6 se aplica a este século, pois estamos acostumados a ver formas de arte radicalmente diferentes, tanto estilfstica quanto cultu- ralmente.) Entretanto, uma observag4o mais minuciosa da arte realista revelaré diferencas sutis no estilo do traco, na énfase e no intuito, Nesta era de maciga auto-expressao nas artes, esta comunicacao mais sutil costuma passar despercebida, deixan- do de ser apreciada. A medida que aumenta a sua capacidade de ver, a sua capa- cidade de desenhar o que vé também aumenta e vocé verd como 0 seu prOprio estilo vai se formando. Proteja-o, cuide dele, pois o seu estilo é a sua expressio. Como no caso do arqueiro-mestre do zen budismo, 0 alvo é vocé mesmo. i ceca liane EXERCICIOS DE DESENHO: UM PASSO DE CADA VEZ Brion Bomeisler Heather feita pelo autor 47 Figura 2.2 - Rembrandt Van Rijn (1606-1669), Paisagem de Inverno (c. 1649). Cortesia do Fogg Art Museum, da Universidade de Harvard, Estados Unidos. veers portanto, ndo apenas a paisagem, mas, através desta, 0 proprio Rembrandt. Os artistas sao conhecidos por suas qualidades peculiares de trago e os peritos em desenho costumam se basear nestas caracteristicas conhecidas para conferir a autenticidade das obras, Arualmente ersten algumas categorias para dlfereates estilon de tate, cada um com seu nome: “ti forte”; “traco partido” (as vezes chamado de “traco que se repete”); “traco puro” (fino e em seguida voltar a ser cheio. ‘Veja os exemplos na Figura 2.3). Os alunos iniciantes costumam apreciar mais os desenhos feitos em traco de estilo répido e autoconfiante - 0 traco “forte”, bem ao jeito de Picasso, a bem da verdade. Mas ¢ importante lembrar que todo estilo de traco é valioso, néo sendo nenhum mais que 0 outro. 48 Teaco “forte” ‘Traco “partido” ‘Traco “puro” ‘Traco “interrompido” DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO O Nosso Cérebro: os Lados Direito e Esquerdo Modalidade E Modalidade Y) “Poucos so 0s que se dao conta do feito maravilhoso que € poder ver. A principal contribuicao do novo campo da inteligéncia artificial ndo se dé tanto ao solucionar os problemas de manuseio da informacio, mas a mostrar como eles sao dificeis. Quando refletimos sobre a quantidade de computacées que precisam ser executadas para que se reconheca uma cena cotidiana tio simples quanto uma pessoa atravessando uma rua, ficamos impressionados com a extraordindria série de ‘operacées detalhadas que se pode empreender sem esforco algum num prazo tao curto.” DeE H.C. Crick, “Thinking about the Brain’, in The Brain, Sao Francisco: A Scientific American Book, W. H. Freeman, 1979, p. 130. & OMO FUNCIONA © CEREBRO HUMANO? Esta continua sendo a pergunta mais intrigante e “escorregadia” de todas as liga- das 4 compreensio humana. Apesar dos séculos de estudos pensamentos a respeito, e da velocidade acelerada com que tem crescido o conhecimento nos tiltimos anos, 0 cérebro ainda inci- ta espanto e curiosidade diante dos seus maravilhosos recursos —muitos deles simplesmente subestimados. ‘A percepcao visual tem sido alvo de estudos acurados; contu- do, ainda persistem grandes mistérios. As atividades mais comuns causam espanto. Por exemplo, os cientistas mostraram aos parti- cipantes de um concursoas Fotografias de seis mes e de seus seis filhos, todas embaralhadas. Sem conhecerem as pessoas das foto- grafias, estes participantes deveriam formar pares de maes com seus respectivos filhos. Quarenta responderam, tendo todos estes acertado os pares corretos. Pensar na complexidade desta tarefa faz rodar a cabega de qualquer um. Nossos rostos tém mais em comum do que nor- malmente se pensa: dois olhos, um nariz, uma boca, cabelo, duas orelhas, tudo mais ou menos proporcional, colocado aproxima- damente nos mesmos lugares de nossas cabecas. Para distinguir entre duas pessoas é necessdrio um discernimento fino, que vai além da capacidade da maioria dos computadores, conforme men- cionei na Introdugao. Neste concurso, os participantes precisa- vam distinguir as mulheres umas das outras e avaliar, com uma capacidade de discriminagao ainda mais nitida, quais tracos, for- matos de cabeca e express6es de cada crianga melhor se encaixa- vam com os de cada uma delas. O fato de as pessoas consegui- rem executar um feito assim prodigioso sem se darem conta do prodigio af existente d4, a meu ver, uma boa nogdo do quanto subestimamos nossas habilidades visuais. Outra atividade extraordindria é o desenho. Pelo que me cons- ta, de todas as criaturas deste planeta, os seres humanos sao os tinicos que desenham imagens de coisas e de pessoas em seu ambiente. J4 se fez macacos e elefantes pintarem e desenharem, e suas obras de arte foram exibidas e vendidas. E de fato tais obras parecem ter um contetido expressivo, mas jamais sero imagens tealistas do que eles percebem. Os animais nao dese- nham naturezas-mortas, paisagens, nem retratos, Portanto, a menos que haja algum macaco que desconhecamos vagando pelas florestas desenhando retratos de outros macacos, pode- mos admitir que desenhar imagens do que se percebe € uma atividade restrita a seres humanos e possibilitada pelo nosso cérebro. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Os dois lados do cérebro Visto de cima, o cérebro humano lembra as duas metades de uma noz — duas metades aparentemente semelhantes, enrola- das, arredondadas e ligadas no centro (ver a Figura 3.1). Estas _-duas metades so chamadas de hemisfério esquerdo e hemisfé- “tio direito. ~ Ohemistério esquerdo controla o lado direito do corpo, a0 Passo que o hemisfério direito controla o lado esquerdo. Se, por exemplo, vocé sofrer um derrame ou algum acidente que afete o lado esquerdo do cérebro, o lado do seu corpo a ser afetado mais, seriamente ser 0 direito, e vice-versa. Dado este cruzamento das trajetorias dos nervos, a mao esquerda ¢ ligada ao hemisfé- tio direito; a mao direita, ao hemisfério esquerdo, como mostra a Figura 3.2. O cérebro duplo A excecao dos seres humanos, e possivelmente dos passari- thos, dos grandes macacos e de outros mamiferos, os hemisfér 0s cerebrais (as duas metades do cérebro) de seres terrestres sao essencialmente parecidos, ou simétricos, tanto na aparéncia quanto nas funcdes. Os hemisférios cerebrais humanos, e os das excecdes apresentadas acima, desenvolvem-se de maneira assimétrica em termos de fungées. O efeito externo mais notd- (© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Figura 3.1 Figura 3.2. As conexdes cruzadas da mao esquerda com o hemisfério direito, e da mao direita com 0 hemisfério esquerdo. Figura 3.3. Diagrama de uma das metades do cérebro humano, mostrando o corpo caloso e suas respectivas comissuras. 52 vel da assimetria do cérebro humano € a preferéncia pelo uso de uma determinada mio, que parece ser exclusividade dos seres humanos e possivelmente dos chimpanzés. HA mais ou menos duzentos anos os cientistas sabem que a fungao da linguagem e de aptiddes relacionadas com a lingua- gem localiza-se principalmente no hemisfério esquerdo da maio- ria das pessoas ~ aproximadamente 98 por cento dos destros e cerca de dois tercos dos canhotos. A conclusao de que a metade esquerda do cérebro se especializa em funcées referentes a lin- guagem foi poss{vel, principalmente gragas & observagao dos efeitos das lesdes cerebrais. Verificou-se, por exemplo, que uma lesdo no lado esquerdo do cérebro tendia mais a causar a perda da aptidao da fala do que uma lesdo igualmente grave no lado direito. Uma vez que a fala e a linguagem sao capacidades humanas tao vitais, os cientistas do século XIX chamaram o hemisfério esquerdo de hemisfério “dominante”, ou “principal”, ou ainda de hemisfério “Ifder”, e o direito de “subordinado” ou “secundé- tio”. A opinido geral, que prevaleceu até pouco tempo, era a de que o hemisfério direito do cérebro era menos desenvolvido, ten- do evoluido menos que o esquerdo — um gémeo mudo, dotado de aptidées inferiores, dirigido e conduzido pelo hemisfério es- DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO. querdo, dotado da fala. Até 1961, J. Z. Young, especialista em neurofisiologia, pode se questionar se o hemisfério direito nao seria um mero “vest{gio”, embora concordasse que preferia man- ter o seu a perdé-lo (ver The Psychology of Lefi and Right, de M. Corbalis e Ivan Beale, Hillsdale, Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1976, p. 101.). Durante muito tempo, o estudo neurofisiolégico se concen- trou nas fungées, desconhecidas até bem pouco tempo, de um espesso feixe nervoso composto de milhées de fibras que interli- gam os dois hemisférios do cérebro. Este feixe conector € 0 corpo caloso (ver a Figura 3.3). Pelo seu tamanho, pelo grande nimero de fibras nervosas e por sua localizagao estratégica como conector dos dois hemisférios, sempre se julgou que o corpo caloso fosse uma estrutura importante. Contudo, por mais estranho que isto fosse, os dados conhecidos indicavam que 0 corpo caloso podia ser inteiramente cortado sem que se observasse qualquer efeito significativo. Mediante uma série de estudos realizados com animais na década de 1950, principalmente no Instituto de Tecnologia da Califérnia, por Roger W. Sperry e por seus alunos, Ronald Myers, Colwyn Trevarthen entre outros, verificou-se que uma das principais func6es do corpo caloso era permitir a co- municagio entre os dois hemisférios, facilitando a transmissao da meméria e do aprendizado. Além disto, verificou-se ainda que, quando o feixe conector era cortado, as duas metades do cérebro continuavam funcionando independentemente, o que em parte explicava a aparente auséncia de efeitos sobre a condu- tae o funcionamento. Durante a década de 1960, estudos semelhantes foram fei- tos em pacientes humanos submetidos a uma neurocirurgia. Estes estudos propiciaram novas informacées sobre a fungao do corpo caloso e levaram os cientistas a reformularem sua opiniéo quanto as aptidées relativas das duas metades do cérebro huma- no: ambos os hemisférios estariam envolvidos no fFuncionamen- to cognitivo superior, sendo cada metade especializada, de ma- neira complementar, em diferentes modalidades de raciocinio, ambas altamente complexas. Como esta nova concepgao do cérebro humano tem impor- tantes implicagdes no que tange a educagdo em geral e, em par- ticular, no aprendizado do desenho, descreverei de modo sumé- rio certas pesquisas conhecidas como “estudos do cérebro bipar- tido”. Estas pesquisas foram realizadas principalmente no Ins- tituto de Tecnologia da Califérnia (Cal Tech) por Sperry e pelos ‘© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Conforme afirmou a jornalista ‘Maya Pines em seu livro The Brain Changers, publicado em 1982, “(...) todos os caminhos levam ao Dr. Roger Sperry, professor de psicobiologia do Instituto de Tecnologia da Calif6rnia, que tem 0 dom de fazer - ou de provocar ~ importantes descobertas”. “O ponto principal dessas descobertas (...) é que parecem existir duas modalidades de pensamento, verbal e nio- verbal, representadas separadamente nos hemisférios esquerdo e direito, respectivamente, e que o nosso sistema educacional, bem como a ciéncia em geral, tende a desprezar a forma nao-verbal de intelecto. Em suma, a sociedade moderna discrimina hemisfério direito.” — Roce W. Srergy, Lateral Specialization of Cerebral Function in the Surgically Separated Hemispheres, 1973 54 seus alunos Michael Gazzaniga, Jerre Levy, Colwyn Trevarthen, Robert Nebes, entre outros. Os estudos se concentraram em torno de um pequeno gru- po de pessoas que passaram a ser chamadas de pacientes decomis- surotomia, ou “de cérebro bipartido”. Eram pessoas que tinham sido altamente afetadas por ataques de epilepsia envolvendo os dois hemisférios. Como Gltimo recurso, depois que todos 0s ou- tros tratamentos tinham fracassado, os ataques, que se trans- mitiam de um a outro hemisfério, tornando os pacientes inca- pazes, foram controlados mediante uma cirurgia, feita por Phillip Vogel e Joseph Bogen, que consistia no corte do corpo caloso e das respectivas comissuras ou jungées, isolando assim um he- misfério do outro. A cirurgia produziu o efeito esperado: os ata- ques desapareceram e os pacientes recuperaram a satide. Apesar da natureza radical da cirurgia, a aparéncia externa, as maneiras e a coordenag4o motora dos pacientes pouco foram afetadas, e para um observador comum, o comportamento diério deles exi- bia pouca mudanga. Subseqiientemente, o grupo do Cal Tech trabalhou com es- tes pacientes numa série de testes engenhosos e sutis que revela- ram as fungdes separadas dos dois hemisférios. Os testes propi- ciaram indicios novos e surpreendentes de que cada hemisfério, em certo sentido, percebe sua prépria realidade — ou melhor, per- cebe a realidade 4 sua maneira. A metade verbal do cérebro — 0 hemisfério esquerdo — predomina quase sempre, tanto em indi- viduos de cérebro intacto quanto em pacientes de cérebro bipartido. Mas utilizando métodos engenhosos, o grupo do Cal Tech testou o hemisfério direito dos pacientes, separado do es- querdo, e verificou que esta metade direita, desprovida do dom da fala, também recebe sensagoes, reage a elas € processa infor- mages por conta propria. No nosso cérebro, com o corpo caloso intacto, a comunicagao entre os hemisférios funde ou reconcilia as duas percepc6es, preservando assim a sensagao de sermos uma tinica pessoa, um ser unificado. Além de estudarem a separacdo entre os lados direito e es- querdo da experiéncia mental interior criada pelo método cirdr- gico, os cientistas examinaram a maneira diferente pela qual os dois hemisférios processam informagées. Surgiram novos indi- cios de que a modalidade de funcionamento do hemisfério es- querdo é verbal e analitica, ao passo que a do hemisfério direito éndo-verbal e global. Outros indicios encontrados por Jerre Levy em seus estudos de doutorado demonstraram que a modalidade de processamento utilizado pelo cérebro direito é rapida, com- DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO. Plexa, configuracional, espacial e perceptiva — um processamento que nao s6 € diferente mas que é compardvel em complexidade 40 processamento verbal e analftico do cérebro esquerdo. Além disto, Levy descobriu que os dois modos de processamento ten- dem a interferir um com 0 outro, impedindo um desempenho maximo; ¢ esta cientista sugeriu que isto talvez explique o de- senvolvimento da assimetria na evolugdo do cérebro humano— como um meio de manter as duas modalidades diferentes de processamento em dois hemisférios diferentes. Baseados nos estudos de pacientes com cérebro bipartido, oscientistas chegaram gradualmente a conclus4o de queambos os hemisférios utilizam modalidades cognitivas de alto nfvel, as quais, embora diferentes, envolvem pensamento, racioc{nioe um complexo funcionamento mental. Na década de 1970, depois que esta concepgao foi inicialmente apresentada por Levy e Sperry em 1968, os cientistas descobriram intimeros indicios que aapoiavam, nao s6 em pacientes com lesées cerebrais, mas tam- bém em individuos com cérebros normais e intactos. Alguns exemplos dos testes especialmente elaborados para uso com pacientes de cérebro bipartido talvez sirvam para ilus- trar a realidade separada percebida em cada hemisfério e a mo- dalidade especial de processamento de cada um. Em um dos tes- tes, duas imagens diferentes eram projetadas durante um breve instante numa tela, sendo que o paciente de cérebro bipartido tinha os olhos fixos num ponto médio, de modo que the seria impossfvel examinar ambas as imagens. O resultado era que cada hemisfério recebia uma imagem diferente. A imagem de uma colher no lado esquerdo da tela ia para o hemisfério direito; a imagem de uma faca no lado direito da tela ia para o lado es- querdo, o lado “verbal”, como mostra a Figura 3.4. Quando se indagava ao paciente o que ele tinha visto, as respostas diferiam. Se alguém lhe pedia que ele desse o nome do que havia sido pro- jetado na tela, o hemisfério esquerdo, confiante em sua capaci- dade de articular palavras, fazia com que o paciente dissesse “faca". Em seguida, pedia-se que o paciente tirasse de trés de uma cortina, com a méo esquerda (hemisfério direito), 0 objeto que tinha sido projetado na tela. De um grupo de objetos que inclufa uma colher e uma faca, o paciente retirava a colher. Se o encarregado da experiéncia pedia ao paciente que identificasse 0 objeto que estava em sua mado por trds da cortina, ele parecia confuso durante um instante e, em seguida, dizia: “Uma faca.” Ohemisfério direito, sabendo que a resposta estava errada, mas nao sendo dotado de palavras suficientes para corrigir o hemis- O NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO “Os dados indicam que o hemisfério mudo e secundario se especializa em percepcio gestaltica, uma vez que é basicamente sintético no trato com as informacées que chegam ao cérebro. O hemisfério falante € principal, ao contrario, parece funcionar de modo mais légico € analitico, como um computador. Sua linguagem é inadequada para as sinteses répidas e complexas feitas pelo hemisfério secundério.” — Jenne Levy e R. W. SrerRy, 1968, Figura 3.4, Diagrama do aparelho utilizado para testar as associacées visuais-tateis de pacientes de cérebro bipartido. Adaptado de The Split Brain in Man, de Michael S. Gazzaniga. 55 56 fério esquerdo verbal, continuava o didlogo fazendo com que o paciente balancasse a cabeca de um lado para outro, em siléncio. ‘Aesta altura, o hemisfério esquerdo “verbal” indagava em voz alta: “Por que estou balangando a cabega?” Em outro teste, que demonstrou que o cérebro direito € mais eficiente na solugao de problemas espaciais, dava-se ao paciente uma série de pecas de madeira que ele deveria juntar para for- mar uma determinada configuracdo. As tentativas que ele fazia coma mio direita (hemisfério esquerdo) falhavam continuamen- te. A mo esquerda teimava em ajudé-lo. A mao direita logo procurava afastar a mao esquerda, e, finalmente, o paciente teve de sentar-se sobre a mo esquerda para que ela parasse de interferir com 0 quebra-cabega. Quando os cientistas finalmente sugeri- ram que ele usasse as duas maos, a mao esquerda, “inteligente” em questées espaciais, teve de afastar a mao direita, “burra” em questdes espaciais, a fim de evitar que esta interferisse. Em decorréncia destas descobertas excepcionais, realizadas nas décadas de 1970 e 1980, sabemos hoje que, a despeito de nossa sensago normal de sermos uma tinica pessoa — um ser inico —, nosso cérebro é duplo, tendo cada metade sua propria maneira de assimilar conhecimentos, sua propria maneira de per- ceber a realidade exterior. Eu poderia dizer que cada um de nés posstii duas mentes, duas consciéncias, mediadas e integradas pelo feixe de fibras nervosas conectoras situado entre os dois hemisférios. Vocé ficou sabendo que os dois hemisférios séo capazes de trabalhar em conjunto de varias maneiras. As vezes eles coope- ram um com 0 outro, contribuindo com suas aptidées especiais e assumindo aquela determinada parte da tarefa mais adaptada Asua modalidade de processar informagées. Outras vezes os he- misférios podem funcionar separadamente, com uma das meta- des agindo mais ou menos como “lider” ea outra mais ou menos como “seguidora”. E ao que parece, as duas metades podem tam- bém entrar em conflito: uma delas tenta fazer aquilo que a outra “sabe” ser mais capaz de fazer. Além disto, talvez cada hemisfério tenha uma maneira de manter certos conhecimentos fora do al- cance do outro. Talvez, como diz um ditado, a mo direita real- mente nao saiba 0 que a mao esquerda est fazendo. A dupla realidade dos pacientes do cérebro “bipartido” Vocé deve estar se perguntando o que isto tem a ver com 0 aulas de desenho? As pesquisas sobre as func6es dos hemisférios DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO do cérebro humano relativas a percepgao visual indicam que a aptidao para o desenho pode depender do fato de o aluno ter ou Nao acesso consciente 4 modalidade D, “secundaria” ou subdo- minante. No que isto ajuda alguém a desenhar? Aparentemen- te, 0 cérebro direito percebe — processa informacées visuais - da maneira pela qual devemos ver para podermos desenhar, enquan- too cérebro esquerdo percebe de uma forma que parece interfe- tircom o ato de desenhar. Indicios lingdisticos Em retrospecto, podemos ver que os seres humanos devem ter tido alguma nocdo das diferencas entre as duas metades do " cérebro, pois as I{nguas humanas contém muitas palavras e ex- Pressées que sugerem, por exemplo, que o lado esquerdo de uma Pessoa possui caracteristicas diferentes das do lado direito. Sao _ expresses que indicam nao somente diferencas de localizacéo, mas também diferengas de dotes ou qualidades fundamentais. _Porexemplo, quando queremos comparar idéiasdissimilares, dize- mos “por um lado... por outro lado...”. A expresso “um cumpri- mento canhestro’, ou seja, mal-enunciado, indica as qualidades "diferentes que atributmos ao lado direito e ao lado esquerdo. ___ Nose deve esquecer, porém, que estas express6es geralmente sereferem as mos; mas devido a conex4o cruzada entre as maos eos hemisférios do cérebro, as expresses podem ser entendidas "como se referindo também ao hemisfério que controla cada mao. “Portanto, os exemplos de expresses conhecidas que ofereco a _ Seguir referem-se especificamente 4s mdos direita e esquerda mas, | na realidade, se referem por extensdo 4 metade do cérebro do lado oposto ~sendo a mo esquerda ligada ao cérebro direitoe a "mio direita ligada ao cérebro esquerdo. 0 preconceito da linguagem e dos costumes ___ Nossa linguagem eo nosso raciocinio esto repletos de palavras _tfrases relativas aos conceitos de esquerdo e direito. A mao direita _(ouseja, também o hemisfério esquerdo) est intimamente relacio- "nada com aquilo que é bom, justo, moral, adequado, A m4o esquer- da (¢, portanto, o hemisfério direito) est fortemente vinculada a Conceitos de anarquia e de sentimentos que fogem ao nosso con- _trole consciente — de certa forma maus, imorais e perigosos. ___ Até pouco tempo, o antigo preconceito contra a mao esquer- ; da/hemisfério direito levava certos pais e professores de criangas © NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Nasrudin estava sentado em companhia de um amigo ao anoitecer. “Acenda uma vela”, disse o homem. “Esta escuro e ha uma vela a sua esquerda”, respondeu. Ao que 0 mulla indagou: “Como posso distinguir a direita da esquerda no escuro, seu idiota?” 57 — InpRigs SHAH, The Exploits of the Incomparable Mulla Nasrudin. canhotas a procurar forg4-las a usar a mao direita para escrever, comer etc. — uma prdtica que freqiientemente causava probl mas que persistiam durante a fase adulta. Em toda a histéria da humanidade, expressdes com con tagdo de virtude referentes a mao direita (hemisfério esquerdo) conotagao demaldade referentes 4 mao esquerda (hemisfério di: reito) existiram em quase todas as linguas do mundo. Em latim, esquerdo é sinister, ou seja, “sinistro’, ‘mau’, ‘agourento”. E di reito édexter, de onde vem a palavra “destreza” que significa “ha- bilidade”, “aptidao” Em francés, a palavra que significa esquerdo —e nao se deve esquecer que a m4o esquerda esté ligada ao hemisfério direito- é gauche, que significa “desajeitado”, ‘canhestro”. E direito édroit, que significa “bom”, “justo” e “adequado”. Em ingles, a palavra left (esquerdo) vem do anglo-saxao /yfi, que quer dizer “fraco” ou ‘indtil”, Realmente a mao esquerda da maioria das pessoas destras é mais fraca que a direita, mas a palavra original também tinha uma conotagao de forga moral. O significado pejorativo da palavra left talvez seja o reflexo de um preconceito da maioria destra contra uma minoria de pesso- as diferentes: os canhotos. Para reforgar este preconceito, a pala- vra anglo-saxOnica que deu origem ao inglés right (reht ou riht) significava “reto” ou “justo”. E do latim rectus que vem nossas palavras “correto” e “retidao”. Sao idéias que afetam também o nosso pensamento politi- co. A direita politica, por exemplo, é admiradora do poderio na- cional, além de ser conservadora e de se opor a mudangas. Em contraposigdo, a esquerda polftica admira a autonomia indivi- dual e promove mudancas, até mesmo quando estas s4o radi- cais, Em suas posig6es extremas, a direita polftica é fascista, enquanto a esquerda politica é anarquista. No contexto dos costumes culturais, o lugar de honra num jantar formal fica a direita do dono da casa. O noivo coloca-se a direita da noiva numa ceriménia de casamento; a noiva fica a esquerda — mensagem n4o-verbal da condigao relativa dos dois participantes. Trocamos um aperto de mao com a mio direita, pois sentimos que é errado fazé-lo com a esquerda. Sobre o verbete “canhoto’”, os diciondrios oferecem as defi- nig6es de “desajeitado”, “desastrado”, “insincero”, ‘canhestro”. Em portugués, “canhoto” é também um dos nomes do Diabo. Os sinénimos de “destro”, porém, so “direito”, “habil’, “de- sembaragado”, “sagaz”. Convém lembrar, no entanto, que todos estes termos foram inventados, na origem das lfnguas, pelo he- DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO io esquerdo de alguém — 0 lado esquerdo do cérebro xingan- odireito! -, ao passo que o lado direito — rotulado, definido e ingado ~ ndo tinha uma linguagem propria para se defender. maneiras de saber Juntamente com as conotagées opostas de esquerdo e direi- toque existem na nossa Ifngua, certos conceitos de dualidade, do duplo aspecto da natureza e do pensamento humanos, fo- tam postulados por filésofos, professores e cientistas de muitas @pocas e culturas diferentes. A idéia central € que existem duas ‘maneiras paralelas de saber’. Vocé provavelmente as conhece. Como no caso dos termos direito/esquerdo, trata-se de uma idéia profundamente radicada na nossa Ifngua e na nossa cultura. As principais divisées, por exemplo, sao entre pensamento e sensagao, entre intelecto e intuicdo, entre andlise objetiva e conhecimento subjetivo. Hé quem diga que as pessoas geralmente analisam os prés e os contras de um candidato para depois votarem por intuigao. A hist6ria da ciéncia est4 repleta de casos de pesquisadores que tentaram repetidamente resolver um problema e, depois, tive- tam um sonho no qual a solugdo surge sob a forma de uma metdfora que o cientista compreendeu intuitivamente. A his- t6ria contada por Henri Poincaré (ver a pagina 61) é um exem- plo vivido deste proceso. __ Emoutro contexto, as pessoas costumam dizer, vez por ou- tra: “Ele(a) € bem falante e tudo mais, mas alguma coisa me diz que nao devo confiar nele(a).” Ou: “Nao sei dizer o que é, mas héalgo nele(a) que me agrada (ou desagrada).” Estas declaracoes constituem observagées intuitivas do funcionamento dos dois lados do cérebro — de que cada um processa as mesmas informa- des de modo diferente As duas modalidades de processamento de informagées Pode-se dizer, portanto, que, dentro do cranio, temos um cé- rebro duplo dotado de duas maneiras de saber. As dualidades e diferentes caracteristicas das duas metades do cérebro e do cor- po, intuitivamente expressas na nossa lingua, tém base real na fisiologia do cérebro humano. E como as fibras conectoras per- manecem intactas no cérebro normal, raramente experimenta- mos, ao nivel da consciéncia, os conflitos revelados pelo pacien- te de cérebro bipartido. (© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Formas paralelas de conhecimento: intelecto intuigdo convergente _divergente digital analégico secundario primério abstrato concreto dirigido livre proposicional _imaginativo analitico relacional linear njo-linear racional intuitivo seqiiencial miltiplo cartesiano holistico objetivo subjetivo sucessivo simultaneo -J.E, Boos, “Some Educational Aspects of Hemisphere Specialization”, in UCLA Educator, 1972 A dualidade do yin e yang Yin Yang feminino masculino negativo positivo lua sol trevas luz décil agressive lado esquerdo lado direito frio quente ‘outono primavera inverno verio inconsciente hemisfério esquerdo emocio ~1 Ching, ou, O Livro das Mutacées, (obra taofsta chinesa) 59 O Dr. J. William Bergquist, matemitico e especialista na jiinguagem de computador conhecida como APL, sugesiss, num estudo apresentado em Snowmass, no Colorado, 1977, que podemos vir a ter computadores que combinem, numa Gnica maquina, as funcdes digitais e analégicas. Dr. Bergquist apelidou esta maquina de “o Computador Bifurcado”. Segundo ele, este computador funcionaria de maneira semelhante as duas metades do cérebro humano. “O hemisfério esquerdo analisa no tempo, ao passo que o hemisfério direito sintetiza no espago.” Jenne Levy, Psychobiological Implications of Bilateral Asymmetry, 1974 “Todo ato criativo envolve (...) uma nova inocéncia da percepcio, liberada da catarata da crenga aceita.” ~ ARTHUR KOESTLER, The Sleepwalkers, 1959. 60 Nao obstante, enquanto os dois hemisférios recebem a mes- ma informagdo sensorial, cada metade do cérebro pode proces- sar esta informago de maneira diferente: a tarefa pode ser divi- dida entre os dois hemisférios, cada um lidando com a parte mais adequada ao seu estilo. Ou um dos hemisférios, geralmente 0 esquerdo, que é o dominante, pode “assumir o comando”, ini- bindo o outro. O hemisfério esquerdo analisa, abstrai, conta, marca o tempo, planeja cada etapa de um processo, verbaliza, faz declaragées racionais baseadas na légica. Por exemplo: “Nas trés letras, b ec, podemos dizer que sea € maior do queb, ebé maior do quec, entéoa é necessariamente maior do quec.” £ um enunciado tfpico da modalidade do hemisfério esquerdo: a mo- dalidade analftica, verbal, calculadora, seqiiencial, simbélica, li- near e objetiva. Por outro lado, temos uma segunda maneira de saber: a mo- dalidade do hemisfério direito. Nesta modalidade “vemos” coi- sas que talvez sejam imaginérias, que talvez s6 existam aos olhos da mente. No exemplo acima, vocé visualizou a relacao “a, be c’? Na modalidade visual, enxergamos como as coisas existem no espago e como as partes se juntam para formar o todo. Ao usarmos o hemisfério direito, compreendemos metéforas, sonha- mos, criamos novas combinagées de idéias. Quando algoé com- plexo demais para ser descrito, podemos lancgar mao de gestos comunicativos. O psicélogo David Galin costuma usar um dos seus exemplos favoritos: tente descrever uma escada em espiral sem fazer o gesto de espiral. E, utilizando o hemisfério direito, somos capazes de desenhar imagens daquilo que percebemos. Meus alunos costumam dizer que se sentem mais “art{sti- cos” quando aprendem a desenhar, e com isto mais criativos. Uma das maneiras de se definir uma pessoa criativa é dizer que ela é capaz de processar de formas novas as informagées que lhe chegam — as informagées sensoriais que se encontram a disposi- ao de todos nés. O escritor usa palavras, o miisico notas, o ar- tista visual usa percepgées, e todos precisam de algum conhe- cimento das técnicas de seus offcios. Mas uma pessoa criativa enxerga intuitivamente possibilidades de transformar dados co- muns em nova criagao, que transcende a mera matéria-prima. As pessoas criativas esto sempre reconhecendo as diferen- as entre os dois processos de coletar dados e transformando estes dados de maneira criativa. A neurociéncia agora esté ilu- minando esse processo dual. Sugiro que o conhecimento dos dois, lados do cérebro é uma etapa importante para liberar 0 poten- cial criativo. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO "de quem entendeu Na modalidade de processamento de informagées caracte- do hemisfério direito usamos a intuigéo e compreende- ‘aos pulos —hé momentos em que “tudo parece se encaixar” que precisemos examinar as coisas numa seqiiéncia légica. lo isto ocorre, as pessoas geralmente exclamam: “Enten- ‘ou “Ah, sim, sei como é”. O exemplo classico deste tipo de 10 € 0 grito exultante de “Eureka!” (achei!) atribuido a limedes. Segundo a Histéria, Arquimedes teve uma intui- enquanto se banhava, que o levou a formular o princ{pio de ir 0 peso da Agua deslocada para determinar se uma certa era de ouro puro ou de metal ligado com prata. Eesta, portanto, a modalidade do hemisfério direito, a mo- lidade intuitiva, subjetiva, holfstica, atenta as relagdes entre 4s partes e independente do tempo. £ também a modalidade desprezada, fraca, canhota, que na nossa cultura nao recebe a atengao que merece. Grande parte do nosso sistema educacional sedestina a cultivar as aptiddes do hemisfério esquerdo — verbal, tacional, pontual —, e com isto metade do cérebro de todos os estudantes deixa de se desenvolver. “Meio cérebro é melhor do que nada, mas seria melhor usar 0 cérebro todo” Com a sua seqiiéncia de aulas verbalizadas e numéricas, as escolas que freqiientamos nao estavam preparadas para ensinar a modalidade de processamento de informagées caracteristica do hemisfério direito. Afinal, o hemisfério direito nao tem um controle verbal muito bom. Nao é capaz de emitir proposigdes lbégicas, como “isto € bom e aquilo é mau, pelas razées a, b ec” Metaforicamente, é canhoto, com todas as antigas conotagées desta caracterfstica. O hemisfério direito ndo € muito capaz de observar seqiléncias — de comegar pelo comeco e prosseguir pas- $0 passo. Pode comegar pelo meio ou pelo fim, ou atacar toda atarefa de uma s6 vez. Além disto, nao tem uma nogdo muito boa de tempo e parece nao compreender o significado da expres- sao “perder tempo”, expressdo que o hemisfério esquerdo — bom e sensato ~ compreende tao bem. O hemisfério direito nao € muito capaz de dar nome As coisas e separ4-las em categorias. Aparentemente encara cada coisa como ela é no momento atual; vé as coisas simplesmente como elas so, em toda a sua tremen- da e fascinante complexidade. Nao é muito dado a analisar e abstrair caracteristicas proeminentes. ‘© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Henri Poincaré, matemético do século XIX, descreveu uma sdbita intuicéo que Ihe permitiu resolver um problema dificil: “Certa noite, ao contrério do que costumo fazer, tomei café, no consegui dormir. Multidées de idéias afloravam ao meu cérebro; eu sentia que elas colidiam até que se interligavam aos pares, por assim dizer, formando uma combinacao estavel.” Este estranho fenémeno provocou a intuicdo que resolveu 0 inquietante problema. Poincaré continua: “Nessas ocasides, € como se presencidssemos 0 funcionamento do nosso inconsciente, que se torna parcialmente perceptivel & consciéncia superexcitada, mas sem mudar sua natureza. asssim que compreendemos 0 que distingue os dois mecanismos, ou, se preferirem, 08 métodos operacionais dos 61 “Por volta dos quarenta anos, tive um sonho singular em que quase compreendi o significado € percebi a natureza daquilo que se perde no tempo perdido.” ~ Cyr Connoty, The Unguiet Grave A Word Cycle by Palinuris, 1945. Muitas pessoas criativas parecem ter uma percepcio intuitiva de que o cérebro tem dois lados separados. Ha mais de cingienta anos, Rudyard Kipling, por exemplo, escreveu ‘© seguinte poema, intitulado “O Homem Que Tinha Dois Lados”: Quanto mais eu devo as terras que produziram... As Vidas que alimentaram... ‘Mais eu me entrego a Ala, que colocou dois Lados distintos em minha cabeca. Quanto mais eu reflito sobre o Bem e a Verdade, Com fé sob 0 sol, ‘Mais perto fico de Alé, que colocou dois Lados na minha cabeca, nio um, Eu seguiria sem camisa ou sem sapatos, ‘Sem amigo, fumo ou pio, Seria melhor do que perder por um minuto os dois Lados distintos da minha cabecal — Rupyarp KiPuinc 62 Ainda hoje, embora os educadores se mostrem cada vez mais interessados na importancia do pensamento intuitivo e criati- vo, Os sistemas escolares em geral continuam estruturados em. torno da modalidade t{pica do hemisfério esquerdo. O ensino é seqiiencial: os alunos passam da primeira série para a segunda, depois para a terceira etc., numa diregdo linear, As principais matérias que estudam so verbais e numéricas: aprendem a ler, aescrever e a contar. Mas atualmente as carteiras j4 sao dispos- tas em circulos, nao mais em fileiras, e os hordrios das aulas séo mais flexfveis. Mesmo os estudantes ainda buscam respostas “corretas” para perguntas que costumam ser amb{guas, e os pro- fessores ainda atribuem notas para afinal comporem um gréfico que assegure a reprovagao de um terco dos alunos de cada tur- ma, seja qual for o seu progresso. E todos sentem que alguma coisa esté faltando. O hemisfério direito — 0 sonhador, 0 artifice, o artista — sen- te-se perdido em nosso sistema educacional e pouco aprende. ‘Talvez encontremos, aqui e ali, algumas aulas de arte, de artesa- nato, algo chamado de “redagdo criativa” e talvez alguns cursos de misica; mas provavelmente nao encontraremos cursos de imaginacao, de visualizagdo, de aptidées perceptivas ou espa- ciais, de criatividade como matéria a parte, de intuigao, de inven- tividade. No entanto, estas sio aptidédes as quais os educadores dao valor; aparentemente eles esperam que os alunos desenvol- vam sua imaginagao, percepcdo e intuigao como conseqiiéncia natural do ensino de matérias verbais e analfticas. Felizmente este desenvolvimento ocorre de fato em muitos casos, quase a despeito do sistema educacional — 0 que demons- tra a grande capacidade de sobrevivéncia do potencial criativo. Mas na nossa cultura hé uma tendéncia tao grande para pre- miar as aptidées do hemisfério esquerdo que, sem diivida, estamos desperdigando uma parte muito grande do potencial da outra metade do cérebro das nossas criangas. A cientista Jerre Levy — mais a sério do que brincando - disse que o ensino cientifico americano, através dos cursos de graduagao, pode destruir intei- ramente o hemisfério direito, Ninguém ignora os efeitos do mau ensino no que tange as matérias verbais e computacionais. O hemisfério esquerdo, com toda a sua aptiddo verbal, as vezes jamais consegue se recuperar inteiramente, e os efeitos do mau ensino podem prejudicar os alunos pelo resto da vida. O que dizer, entao, do hemisfério direito, que quase nao recebe treina- mento nas escolas? DESENHANDO COM 0 LADO DIREITO DO CEREBRO Talvez agora que os neurocientistas nos deram uma base Conceitual para o treinamento do hemisfério direito possamos comecar a construir um sistema educacional capaz de educar todo o cérebro. Um sistema destes hé de incluir um treinamen- to para o desenho — que é uma forma eficaz de se ter acesso as fungdes do hemisfério direito. Preferéncia pelo uso da mao esquerda ou da direita Os alunos costumam fazer muitas perguntas sobre a prefe- Féncia pelo uso de uma das mos. Este é um bom momento para falarmos do assunto, antes de darmos in{cio ao treinamento das aptidées bésicas para o desenho. Tentarei elucidar apenas alguns Pontos, pois a vasta pesquisa na area é dificil e complicada. Primeiro, ao classificarmos as pessoas taxativamente como canhotas ou destras, cometemos uma imprecisao, pois elas va- tiam desde o total canhotismo ou destrimanismo até a ambides- tra, extremo em que sao capazes de fazer muitas coisas com ambas as maos sem uma preferéncia nitida. Quase todos nés nos encaixamos numa faixa de abrangencia imprecisa, sendo que cerca de noventa por cento dos seres humanos apresentam uma preferéncia mais ou menos forte pela mao direita e cerca de dez por cento pela esquerda. O percentual de individuos com preferéncia pelo uso da mao esquerda para escrever vem aumentando, de dois por cento em 1982 para cerca de onze por cento na década de 1980. A razio principal para este aumento pode ser que pais e professores fi- nalmente aprenderam a deixar que as criancas escrevam com a mAo esquerda sem forg4-las a usar a direita. Esta tolerancia mais ou menos recente veio a tempo, pois uma mudanga forgada pode levar a crianga a desenvolver problemas sérios, desde a gagueira atéa dificuldade no aprendizado, passando por confusao direcional ao tentar distinguir a direita da esquerda. Uma boa forma de observar a preferéncia pelo uso de uma das maos é reconhecé-la como o mais n{tido sinal de como o cérebro de uma pessoa est4 organizado. Ha outros sinais exter- hos: preferéncia pelo uso de um dos olhos (todos tém um olho dominante, usado para se observar uma borda, por exemplo) e um dos pés (aquele usado para se descer o meio-fio ou para se dar o primeiro passo de uma danca). A razdo fundamental para ndo forcar a crianga a usar a mao contraria ade sua preferéncia é que a organizacao cerebral provavelmente advém de determina- ga genética, e forcar uma mudanga decerto iré de encontro a © NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO “Para possibilitar a sobrevivencia biolégica, a Mente Global tem de atravessar, como num funil, a vilvula redutora do cérebro e a do sistema nervoso. O que sai na outra extremidade ¢ o infimo fio de agua do tipo de consciéncia que nos ajuda a permanecer vivos na superficie deste planeta. A fim de formular e expressar 0 contetido dessa percepcao reduzida, 0 homem inventou ¢ aperfeigoou sem cessar esses sistemas de simbolos e filosofias implicitas que sio os idiomas.” ~ A.pous Huxiry. As Portas da Percepcao. Algumas pessoas normalmente classificadas como canhotas: Charlie Chaplin Judy Garland Ted Williams Robert McNamara George Burns Lewis Carroll O Rei Jorge VI da Inglaterra W. C. Fields Albert Einstein “Billy the Kid” A Rainha Vitéria Harry S. Truman Casey Stengel Carlos Magno Paul McCartney Faraé Ramsés IT Cole Porter Gerald Ford Cary Grant Ringo Starr © Principe Charles Benjamin Franklin Julio César Marilyn Monroe George Bush 638 A retrografia, ou “escrita em espelho”, inverte o formato das letras e se desenvolve da direita para a esquerda - ou seja, de tras para a frente. Somente quando lida num espetho ¢ que pode ser entendida pela maioria dos leitores: chownddak, asst qth st haem filing va sds ot ai dig barn segg bib ogovod 98 seour cua WK, sdogino vate stom 98 hem, (O mais famoso retrografista que se conhece na Histéria é 0 artista canhoto e inventor italiano Leonardo da Vinci. Outro é Lewis Carroll, autor de As Aventuras de Alice no Pais das Maravilhas, e da sua continuacio, Alice no Mundo do Espetho, cujo poema espelhado aparece acima. A maioria dos destros considera dificil a retrografia, mas ela relativamente facil para muitos canhotos. Experimente assinar seu nome em retrografia. 64 essa organizacao natural. A preferéncia natural € téo forte que os esforgos antigamente praticados no sentido de modificar os canhotos costumavam resultar em ambidestrismo: as criangas cediam A pressdo (antigamente eram até castigadas) e apren- diam a usar a méo direita para escrever - mas continuavam usan- doa esquerda para o resto. Além disto, ndo existe uma razao aceitdvel para que pais ou ptofessores forcem as criancas a uma mudanca. As que mais se aventam variam desde “escrever com a mao esquerda dé a im- pressdo de ser muito desconfortavel” até “o mundo esté monta- do para os destros e meu filho canhoto (ou minha filha canho- ~ ta) ficaré em desvantagem”. Estas raz6es nao sdo boas, e creio que normalmente sirvam para disfarcar um preconceito ineren- te contra os canhotos — preconceito que est4 desaparecendo ra- pidamente, tenho a satisfagao de informar. Deixando de lado o preconceito, ha diferengas importantes entre os canhotos e os destros. Aqueles costumam ser menos lateralizados do que estes. A lateralizagao € 0 ponto até onde fungées espectficas s4o executadas com exclusividade quase to- tal por um dos dois hemisférios. Por exemplo, é mais comum os canhotos processarem a linguagem e as informagées espaciais nos dois hemisférios do que os destros. Em termos especificos, a linguagem se resolve no hemisfério esquerdo em noventa por cento dos destros e setenta por cento nos canhotos. Dentre os restantes dez por cento de destros, cerca de dois por cento tem a linguagem localizada no cérebro direito e os demais a resol- vem nos dois hemisférios. Dentre os restantes trinta por cento dos canhotos, cerca de quinze por cento tém a linguagem loca- lizada no cérebro direito e os demais a resolvem nos dois he- misférios. Vale observar que os individuos de linguagem locali- zada no hemisfério direito — aos quais se diz terem dominancia do hemisfério direito, j4 que a linguagem predomina — costu- mam escrever na posi¢ao “torta”, que tanto desgosto provoca nos professores. Jerre Levy sugere que 0 posicionamento da mao durante a escrita seja mais um sinal exterior da organizagio cerebral. Estas diferengas tém alguma importancia¢ HA tanta varia- cdo entre as pessoas que é arriscado fazermos uma generaliza- go. Entretanto, os especialistas tendem a concordar que uma mistura de fungGes nos dois hemisférios (ou seja, um grau mais reduzido de lateralizacao) crie um potencial para o conflito para a interferéncia. £ verdade que os canhotos tém maior propensao a gagueira e a dificuldade para a leitura chamada dislexia, Mas DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Os astecas, no México Pré- Colombiano, usavam a mao esquerda na medicina para tratar os distarbios nefrolégicos ea direita para curar lesées no Os antigos incas, no Peru, consideravam 0 canhotismo um sinal de bem-aventuranga. ado no The Left-Handers’ Handbook, de J. Bliss e J. Morella, 1980. Outros peritos no assunto sugerem que uma distribuicao bilate- ral das fung6es possa produzir aptidées mentais superiores. Os canhotos geralmente s4o mais bem-sucedidos em matematica, miisica e xadrez. E a hist6ria da arte ndo deixa de propiciar evi- déncias de uma vantagem para os canhotos: Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael eram todos canhotos A preferéncia pelo uso de uma das maos e o desenho Ser4, entdo, que o canhotismo aumenta as possibilidades de acesso que uma pessoa possa ter as funcdes do hemisfério direi- to, como o desenho? A partir das minhas observacGes como pro- fessora, nao posso dizer que tenha percebido muita diferenga na capacidade de aprender a desenhar entre canhotos e destros, Esta aptidao sempre foi facil para mim, por exemplo, e sou de um destrimanismo extremo —embora eu faca certa confusdo, como muita gente, entre a direita e a esquerda, o que talvez possa in- dicar fungées bilaterais, (As pessoas que sofrem da confusao di- reita/esquerda so aquelas que dizem “dobre a esquerda” enquan- to apontam para a direita.) Mas hé um argumento implicito nisto. O processo de aprendizagem do desenho cria bastante con- flito mental. £ possivel que os canhotos estejam mais familiari- zados com este tipo de conflito e sejam portanto mais capacita- dos para lidar com os seus desconfortos do que os destros total- mente lateralizados. Obviamente ainda € necesséria muita pes- quisa nesta drea. © NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Os maias preferiam usar a mio direita: a perna retorcida do sacerdote preconiza um desast O ex-Vice-Presidente dos Estados Unidos, Nelson Rockefeller, canhoto forcado ao destrimanismo, tinha dificuldade para ler discursos escritos devido a uma tendéncia A leitura invertida da direita para a esquerda. A causa desta dificuldade pode ter sido 0 inabalavel esforco de seu pai para transformé-lo em destro. “A mesa de jantar dos Rockefeller, o chefe da familia colocava no pulso esquerdo do filho um eléstico preso a um barbante comprido que puxava sempre que Nelson se dispunha a comer com a mao esquerda, a de sua preferéncia natural.” =Citado no The Left-Handers Handbook, de J, Buss e J. MORELLA, 1980, O pequeno Nelson acabou cedendo e chegou a um meio- termo com um ambidestrismo bastante truncado, mas sofreu as conseqiséncias da rigidez de seu pai até o fim da sua vida. 65 Comparacao das caracteristicas das modalidades esquerda e direita: Modalidade E Modalidade S) Verbal Usa palavras para designar, Nao-verbal __Percebe as coisas com ui minimo descrever, definir de conexao com palavras Analitica Concebe as coisas passo a passo, Sintética Agrupa as coisas para formar componente por componente um todo Simbélica Usa simbolos para representar Concreta Concebe cada coisa como ela é wo coisas. Por exemplo, 0 desenho do momento B representa olho, o sinal + representa o processo de adi¢ao Abstrata Seleciona uma pequena parte das Analégica Vé as semelhancas entre as informacées ¢ a usa para coisas; compreende relacoes representar 0 todo metaféricas ‘Temporal Marca 0 tempo, colocando as Nio-temporal Nao tem senso de tempo coisas em seqiiéncia. Faz primeiro o que vem em primeiro lugar, depois 0 que vem em segundo lugar etc. Racional Tira conclusées baseadas na raxdo—-Nao-racional Nao precisa se basear na razio nos fatos ‘ou nos fatos; ndo se apressa a formar julganientos ou opinibes Digital Usa miimeros, como no ato de Espacial Vé onde as coisas se situam em contar coisas relacdo a outras e como as partes se unem para formar o todo Logica Tira conclusées baseadas na Intuitiva Assimila as coisas “aos pulos”, Iégica: uma coisa segue outra em muitas vezes a base de amostras ordem Idgica ~ como, por exemplo, incompletas, palpites, mum teorema matemético ou num pressentimentos ou imagens argumento bem-enunciado visuais Linear Pensa em termos de idéias Holistica Apreende as coisas concatenadas, um pensamento se seguindo diretamente a outro e quase sempre levando a uma conclusio convergente. integralmente, de uma s6 vez; percebe configuracdes ¢ estruturas globais, 0 que muitas vezes 0 leva a conclusdes divergentes 66 — DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Alguns professores de arte recomendam que os destros pas- sem usar o lapis com a mao esquerda, com base na premissa de que se tenha acesso mais direto 4 modalidade D. Discordo disto. Adificuldade visual que impede as pessoas de desenhar nao de- saparece simplesmente ao se trocar de m&o; o desenho sé fica mais esquisito. A esquisitice, sinto dizer, é tida por alguns pro- fessores de arte como uma maior criatividade e algo mais inte- tessante. Acho que esta atitude presta um desservigo ao alunoe um demérito a arte. Nés nao consideramos como mais criativo, nem melhor, por exemplo, um uso esquisito da linguagem ou um procedimento cientffico esquisito. Alguns alunos, ainda que num ndmero bastante pequeno, descobrem-se mais aptos para o desenho ao tentarem trabalhar com a mdo esquerda. Mas, ao serem questionados, quase sem- pre vem a luz um fator de ambidestrismo ou tratar-se de um canhoto que foi forgado a mudar. Jamais ocorreria a alguém ver- dadeiramente destro, como eu, ou verdadeiramente canhoto, tentar desenhar com a m4o menos utilizada. Entdo, para o caso de vocé que venha a descobrir algum ambidestrismo previamen- te oculto, recomendo experimentar ambas as méos no desenho para enfim acatar aquela que lhe pareca mais confortdvel. Nos préximos capitulos fornecerei instrucées para os des- tros apenas a fim de evitar sua magante repeticao especifica- mente para os canhotos, sem nenhuma tendenciosidade que os canhotos tao bem conhecem. Como estabelecer as condi¢ées para a transig¢ao E > D Os exercfcios contidos no capitulo seguinte foram especifi- camente planejados para provocar uma transic4o mental da mo- dalidade E para a modalidade D. A premissa basica dos exerci- cios é de que a natureza da tarefa € que pode determinar qual hemisfério assumiré o controle e a “aceitara”, ao mesmo tempo que inibe o outro hemisfério. A questao, porém, é: quais os fato- res que determinam o hemisfério que exerceré o controle predo- minante da tarefa¢ A partir de estudos em animais, com pacientes de cérebro bipartido e com cérebro intacto, os cientistas acreditam que a questao do controle pode ser decidida principalmente de duas maneiras. Uma delas é arapidez: qual dos hemisférios aceita mais rapidamente a tarefa? A segunda maneira é a motivagao: qual dos hemisférios gosta mais dela¢ E, inversamente, qual deles gosta menos? ‘© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO Sigmund Freud, Hermann von Helmholtz e o poeta alemio Schiller foram acometidos da confusio direita/esquerda. Freud escreveu para um amigo: “Nao sei se fica 6bvio para as pessoas quando se trata da direita ou esquerda delas ou dos outros. No meu caso, tive de pensar qual era o meu lado direito; nenhuma sensacdo organica me avisou. Para me assegurar de qual era a minha mio direita, eu ensaiava escrever momentaneamente.” = SicMuND FrEuD, As Origens da Psicandlise. “Uma personalidade menos augusta tinha 0 mesmo problema: Pooh olhou para suas duas patas. Sabia que uma delas era a direita e sabia também que, uma vez descoberta qual era a direita, a outra seria a esquerda, mas nao se lembrava nunca de como comecar. ‘Ora’, foi dizendo devagarinho...” =A. A, MiLNe, A Casa de Pooh Corner. 67 Ao discutir os estados alternativos de consciéncia, o psic6logo Charles T. Tart disse: “Muitas das disciplinas meditativas adotam a nocio de que (...) possuimos (ou podemos desenvolver) um observador altamente objetivo em relacao a personalidade comum. Como este observador € essencialmente atencdo pura/ percepgao, nao tem caracteristicas proprias.” O professor Tart acrescenta que certas pessoas que acreditam ter um observador razoavelmente bem desenvolvido “acham que este observador pode fazer observacoes essencialmente continuas, ndo apenas dentro de um EC-s (estado de consciéncia separado), mas também durante a transigao entre dois ou mais estados separados.” ~Cuanuts T. Tarr, Putting the Pieces Together, 1977. 68 Uma vez que o ato de desenhar uma forma que percebemos é principalmente uma fungio do hemisfério direito, é preciso impedir que o hemisfério esquerdo se intrometa na tarefa. O problema é que o hemisfério esquerdo é dominante e rapido, ten- dendo a acudir prontamente com palavras e simbolos e até mes- mo assumir tarefas que ele nado consegue executar muito bem. Os estudos de pacientes de cérebro bipartido indicam que o he- misfério esquerdo gosta de governar, por assim dizer, e prefere nao delegar tarefas ao parceiro obtuso, a nao ser que realmente deteste.o trabalho em questéo ~ seja porque a tarefa exige mui- to tempo, envolve muitos detalhes, é muito lenta, ou porque o hemisfério esquerdo é simplesmente incapaz de executé-la. £ exatamente isto que queremos ~ tarefas que o hemisfério es- querdo, dominante, recuse. Os exercfcios seguintes sao destina- dos a apresentar ao cérebro uma tarefa que o hemisfério esquerdo nao possa ou ndo queira executar. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO “B se eu, por acaso, enfiar os dedos na cola Ou tentar como um louco enfiar © pé direito no sapato esquerdo...” — Lewis Cannon, Upon the Lonely Moor, 1856. ‘© NOSSO CEREBRO: OS LADOS DIREITO E ESQUERDO 69 A Transicao: 4 como Passar do Lado Esquerdo para o Direito ef Charada: “Se uma imagem vale por mil palavras, seré que mil palavras conseguem explicar uma imagem?” ~ MICHAEL STEPHAN, A Transformational Theory of Aesthetics. Londres: Routledge, 1990. 72 “Vaso/Rostos”: um exercicio para o duplo cérebro Os exercicios a seguir foram planejados especificamente para ajudé-lo a passar de sua modalidade dominante, em que impera © hemisfério esquerdo, para a modalidade subordinada do he- misfério direito. Eu poderia continuar a descrever repetidamen- te o processo, mas s6 vocé pode sentir por si mesmo esta transi- G&o cognitiva, esta ligeira mudanga de estado subjetivo. Como disse uma vez o mtisico americano Fats Waller: “Se vocé precisa perguntar o que é 0 jazz, jamais saberd o que ele €.” O mesmo sucede com a modalidade D: é preciso que a propria pessoa sinta a transigdo de E para D, observe a modalidade De, assim, venha a conhecé-la. O exercfcio abaixo, como um primeiro passo, foi elaborado para causar conflito entre as duas modalidades. £ uma tarefa r4pida que visa a induzir conflito mental. O que vocé vai precisar: Papel de desenho Lépis preto n° 2 Apontador de lapis Prancheta Fita crepe A Figura 4.1 € um famoso desenho de ilusdo de ética, chama- do “Vaso/Rostos” por poder ser enxergado como qualquer um dos dois: ¢ dois rostos que se olham, ou um vaso simétrico pelo centro, O que vocé vai fazer: Vocé deveré completar o segundo perfil, que ir4 inadvertida- mente concluir 0 vaso simétrico pelo centro. Antes de comegar, leia todas as instrugées para 0 exercfcio. 1. Copie o padrao (ver a Figura 4.2 ou a 4.3). Uma pessoa destra copiaré o perfil esquerda do papel, voltado para o centro. Jé uma canhota desenharé o perfil a direita, volta- do para o centro. Hé exemplos tanto no desenho & direita quanto no desenho & esquerda. Quem quiser poderd fazer a sua propria versio do perfil. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO 2. Em seguida, trace linhas horizontais acima e abaixo do seu perfil, formando 0 topo e a base do vaso (ver as Figu- ras 4.2 e 4.3). 8. Agora, torne a desenhar o perfil no seu padrao “Vaso/Ros- tos”. Basta pegar o lapis e refazer as linhas, dando nome as partes A medida que for pasando por elas, assim: “Tes- ta... nariz... l4bio superior... lébio inferior... queixo... pes- coco.” Pode até repetir a tarefa, conscientizando-se real- mente do significado destes termos. 4, Em seguida, v4 para 0 outro lado e comece a desenhar 0 perfil que falta para completar 0 vaso simétrico. 5. Quando chegar a um ponto qualquer em torno da testa ou do nariz, vocé poderd sentir alguma confusao ou con- flito. Observe o que estiver acontecendo. 6. O propésito deste exercicio € permitir uma auto-observa- ‘Como eu resolvo 0 problema2” Comece a fazer este exercicio agora. Deverd levar cerca de cinco ou seis minutos. A razio de ser deste exercicio: Quase todos os meus alunos sentem uma certa confusao ou conflito ao fazerem este exercicio. Para alguns, o conflito chega aser grande, e hd até um momento de paralisia. Se este foi o seu caso, houve um ponto em que era necess4rio mudar de diregdo no desenho, porém vocé ndo sabia para onde ir. O conflito pode ter sido tao grande que vocé provavelmente n&o conseguia me- xer a méo para a direita nem para a esquerda. Este € 0 objetivo do exercicio: criar um conflito tal que cada pessoa possa passar pelo travamento mental que pode ocorrer quando séo inadequadas as instruc6es para a tarefa em questao. Creio que 0 conflito possa ser explicado da seguinte maneira: As instrugées dadas “sintonizavam” meticulosamente 0 sis- tema verbal do cérebro. Vale lembrar que um dos comandos foi ode denominar cada parte do perfil e eu ainda disse: “conscien- tizando-se realmente do significado destes termos.” Em seguida, passei uma tarefa (concluir o segundo perfil e, simultaneamente, o vaso), que s6 pode ser executada passando- se para a modalidade visual espacial. Esta é a parte do cérebro capaz de perceber e de avaliar, de forma ndo-verbal, o relaciona- mento entre tamanhos, curvas, angulos e formas. A TRANSIGAO: COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA © DIREITO ve \ as Figura 4.2. Para canhotos = 2 ee Figura 4.3. Para destros 7 A propésito, devo mencionar que a borracha é uma ferramenta tao importante para 0 desenho quanto o lapis. Nao tenho muita certeza de onde veio a nogdo de que “apagar € ruim”. A borracha permite que ‘0s desenhos sejam corrigidos. ‘Meus alunos sempre me véem apagar muitos dos desenhos de demonstracdo que thes fago em meus cursos. ” A dificuldade de fazer essa mudanga mental gera uma sensa~ do de conflito ou confusao ~ e até mesmo uma paralisia mental. momentanea. Vocé pode ter encontrado uma maneira de resolver o proble- ma, conseguindo assim concluir o segundo perfil e portanto vaso simétrico. Como vocé conseguiue Decidindo nao pensar nos nomes de cada trecho dese- nhadoé * Mudando seu enfoque das formas do rosto para as do vasot Usando uma malha (tragando linhas horizontais e verti- cais para ajud4-lo a enxergar os relacionamentos)¢ Ou tal- vez marcando onde ocorriam os pontos mais salientes das curvas para dentro e para fora? « Desenhando de baixo para cima e nao de cima para baixot Optando por deixar de lado a simetria do vaso e tragando de meméria qualquer perfil apenas para terminar 0 exer- cicioe (Com esta tiltima decisdo, o sistema verbal “ganhou" € 0 sistema visual ‘perdeu”.) Vou fazer mais algumas perguntas. Vocé usou a borracha para “consertar” o desenho?¢ Caso tenha usado, vocé se sentiu culpado? Caso afirmativo, por que se sentiu assim¢ (O sistema verbal tem um conjunto de regras decoradas, uma das quais tal- vez seja a que diz “no pode usar a borracha até a professora dizer que pode”.) O sistema visual, que praticamente nao tem’ linguagem, fica apenas buscando maneiras de resolver o proble- ma conforme outro tipo de légica, a l6gica visual. Resumindo, entao, o objetivo deste exercfcio aparentemen- te simples do “Vaso/Rostos” é o seguinte: Para desenhar um objeto ou uma pessoa que se observa - algo que se vé com os olhos -, vocé precisa fazer uma mudanga mental para a modalidade cerebral que é especializada para essa tarefa de percepcéo visual. A dificuldade de se efetuar esta mudanga costuma gerar con- flito. Vocé nao sentiu? E, na intengo de reduzir 0 desconforto deste conflito, parou (lembra-se de ter parado subitamente?) e comegou de novo. Era o que estava fazendo quando deu a si mesmo instrugées ~ ou seja, deu instrugées ao seu cérebro ~ para “mudar de marcha”, ou “mudar de estratégia’, ou disse “nao faga deste jeito e sim daquele” ou quaisquer termos que vocé tenha usado para causar a mudanga cognitiva. Existem diversas solugdes para o “travamento” mental do exercicio “Vaso/Rostos”. Talvez vocé tenha encontrado uma que DESENHANDO COM 0 LADO DIREITO DO CEREBRO ja exclusiva ou bastante incomum. Pode lhe ser titil registra-la nando notas no verso do seu desenho. os da viagem. Uma concebido e pronto o plano, a0 marinheiro apenas uté-lo passo a passo a fim chegar a tempo no destino ‘planejado. O marinheiro utiliza dos os instrumentos eis - biissola, sextante, etc, ~e, se alguém Ihe perguntar, sabe dizer ‘exatamente como chegou aonde logo Thomas © marinheiro nativo da Ilha de certa vezcomparoua Truk, ao contrério, inicia a sua tira pela qual um europeue —_viagem visualizando a posicao do nativo da Ilha de Truk ponto de destino em relacao gavamem pequenos barcos _posicao das outras ilhas. A medida ‘uma pequena ilha a outrano —_que navega, ajusta 0 Oceano Pacifico. constantemente 0 seu rumo A sua Antes de zarpar, o europeu percepcao de onde se encontra no ca um plano que pode ser momento, Suas decisoes $80 tscrito sob a forma de continuamente improvisadas e es, graus de longitude e _guiadas pela verificacao das hora estimativa de posicées relativas de marcos de nos varios pontos terra, sol, direcao do vento etc. Navega com referéncia ao seu ponto de partida, ao destino e ao ponto onde se encontra no momento. Quando the perguntam como pode navegar tio bem sem instrumentos e sem um plano escrito, ele nao encontra palavras para explicar. Nao que os nativos da Itha de Truk nao estejam habituados a descrever as coisas com palavras, mas que 0 processo chegar. € demasiadamente complexo fluido para ser expresso em palavras. Onavegador europen usa a modalidade do hemisfério O navegador da Itha de Truk usa a esquerdo, modalidade do hemisfério direito. =J. A. Panepes e M. J. Hersurw, The Split-Brain and the Culture- Cognition Paradox, 1976. Como desenhar na modalidade do hemisfério direito Ao fazer o desenho “Vaso/Rostos”, vocé desenhou o primei- fo perfil & maneira do hemisfério esquerdo, como um navegador europeu que percorre uma parte de cada vez e vai nomeando as partes uma a uma. O segundo perfil foi desenhado conforme a modalidade do hemisfério direito. Como um navegador primiti- vo dos Mares do Sul, vocé examinou constantemente os espa- §0s para ajustar seu curso — ou seja, a direcdo do seu trago. Pro- vavelmente verificou que era um tanto confuso dar nome a cer- tas partes, como testa, nariz e boca. Era melhor nado conceber o desenho como sendo um rosto. Era mais facil guiar-se pela forma do espaco entre os dois perfis. Em outras palavras, era mais facil : COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA © DIREITO 75 Charles Tart, professor de Psicologia da Universidade da Caiiférnia, campus de Davis, diz: “Comecamos com 0 conceito de certo tipo de percepcao basica, certo tipo de aptidao basica de ‘saber’, ‘sentir’, ‘conhecer’ ou ‘reconhecer’ que alguma coisa esta acontecendo. Trata-se de um dado fundamental teérico experiencial. Nao sabemos cientificamente qual é a natureza ulterior da percepcao, mas ela é 0 nosso ponto de partida.” ~ Cuantes T. Tarr, Alternative States of Consciousness, 1975. 76 nao pensar — pelo menos nao em termos de palavras. No dese- nho executado segundo a modalidade do hemisfério direito, que é a modalidade do artista, se vocé tiver de usar palavras para pensar, faca a si mesmo somente perguntas do tipo “Onde comega essa curvaé” “Quo profunda é essa curva<” “Qual é 0 Angulo em relacdo 4 margem do papel?” “Que comprimento tem essa linha em relagao a que eu aca- bo de desenhar?” “Onde fica esse ponto quando eu passo a trabalhar no outro lado? Onde fica esse ponto em relagdo 4 margem superior (ou inferior) do papel?” Sao perguntas tipicas da modalidade D: espaciais, relacionais e comparativas. Observe que vocé ndo dé nome a nenhuma das partes. Nenhuma declaragdo é feita, nenhuma conclusao € tira- da, do tipo “o queixo deve ser tao saliente quanto o nariz” ou “o nariz é recurvado”. Uma rapida revisdo: 0 que aprendemos quando estamos “aprendendo a desenhar"? Para fazermos um desenho realista de uma imagem que per- cebemos € preciso usar a modalidade visual do cérebro mais freqiientemente localizada no hemisfério direito. A modalidade de raciocfnio visual é fundamentalmente diferente do sistema verbal do cérebro — aquele no qual nos baseamos em grande parte durante quase todas as horas em que permanecemos acordados. As duas modalidades se combinam para a maioria das tare- fas. Desenhar um objeto ou uma pessoa talvez seja uma das poucas a exigir principalmente uma modalidade: a modalida- de visual sem praticamente ajuda alguma da modalidade ver- bal. Hé outros exemplos. Atletas e bailarinos, por exemplo, tém melhor desempenho quando silenciam o sistema verbal durante suas apresentagées. Além disto, uma pessoa que precise mudar de uma diregdo para a outra, da modalidade visual para a ver- bal, também pode sofrer algum conflito. Um cirurgiao me con- tou que enquanto opera um paciente (uma tarefa primordial- mente visual, contanto que tenha adquirido o conhecimento e a experiéncia necessarios) fica incapaz de dizer o nome dos ins- trumentos. Ele se dava conta de estar pedindo a instrumenta- dora: “Quero 0... 0... vocé sabe... essa coisa!” Aprender a desenhar, entdo, acaba nao sendo ‘aprender a desenhar”. De forma paradoxal, significa aprender a acessar, por DESENHANDO COM 0 LADO DIREITO DO CEREBRO itade propria, o sistema cerebral que é apropriado para o de- . Em outras palavras, 0 acesso a modalidade visual do cére- —apropriada para o desenho ~ leva a pessoa a ver da maneira como véem os artistas. A forma de ver de um artista é inte da comum, exigindo a capacidade de fazer mudancas itais conscientes. Dito de outra forma, talvez com maior niti- Oartista consegue estabelecer condigées que fazem “aconte- ” uma mudanga cognitiva. £ isto que torna uma pessoa traquejada no desenho, e é isto o que vocé est prestes a aprender. Portanto, essa habilidade de ver as coisas de forma diferente tem muitas utilidades na vida, fora o desenho — dentre as de maior relevancia, ela aumenta a capacidade para resolver pro- blemas de maneira criativa. Guarde na sua meméria, ento, a ligéo do “Vaso/Rostos” e em seguida tente fazer o préximo exercicio, que eu projetei para teduzir o conflito entre as duas modalidades do cérebro. O pro- pOsito deste exercicio é exatamente o inverso do anterior. Um desenho executado de cabega para baixo: a transic¢do para a modalidade D As coisas mais corriqueiras mudam de aspecto quando vis- tas de cabega para baixo. Temos o hdbito de atribuir automati- camente um topo, uma base e lados a tudo o que percebemos, € esperamos ver as coisas na posi¢do usual — ou seja, de topo para cima. Isto porque, nesta posigao, fica-nos facil reconhecer obje- tos comuns, identificé-los com um nome e classific4-los compa- rando-os com os conceitos e lembrangas que armazenamos na meméria. Quando a imagem esté invertida, de cabega para baixo, os sinais visuais nao s4o os mesmos. A mensagem fica estranha eo cérebro se confunde. Vemos as formas e as Areas de luz e sombra. Nao achamos desagrad4vel olhar as imagens de cabeca para bai- x0, a ndo ser que nos pecam que as identifiquemos e as nomee- mos. Entdo, é af que a tarefa se torna exasperante. Vistos de cabega para baixo, até mesmo os rostos mais co- nhecidos tornam-se diffceis de ser reconhecidos e identificados. A fotografia da Figura 4.4, por exemplo, é de uma pessoa famo- sa. Vocé consegue reconhecer quem ela é¢ Talvez vocé tenha precisado virar o livro de cabeca para bai- xo a fim de verificar que se trata do famoso cientista Albert Einstein. Mesmo depois de saber quem € a pessoa, a imagem invertida provavelmente continuard a parecer-lhe estranha. “O objetivo de pintar um quadro nao € o de fazer ‘um quadro - por mais desarrazoado que isto possa parecer... O objetivo, que esta no fundo de toda obra de arte, € chegar a um estado de ser [énfase de Henri], um estado de funcionamento elevado, um momento de existéncia mais do que extraordinério. [O quadro] € apenas um subproduto desse estado, um traco, uma pegada do estado.” The Art of Spirit, do artista e professor americano Ronext HENai, B. Lippincott Company, 1923. 7 78 Figura 4.4. Fotografia de Philippe Halsman A posi¢do invertida provoca problemas de reconhecimento com outras imagens (ver a Figura 4.5). Sua pr6pria caligrafia, vista de cabeca para baixo, provavelmente fica dificil de ser lida, embora vocé esteja habituado a ela h4 anos. Se quer tirar a prova, procure uma lista de compras antiga ou uma carta que tenha sido escrita com a sua propria letra e tente lé-la de cabega para baixo. Um desenho complexo, como o que se vé de cabeca para baixo na Figura 4.6, torna-se quase indecifravel. O cérebro (he- misfério esquerdo) simplesmente “desiste” de entendé-lo. DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO hando de cabe¢a para baixo exercicio para reduzir 0 conflito mental Aproveitaremos essa falha de aptidao do hemisfério esquer- para dar 4 modalidade D uma chance de assumir 0 comando do rebro durante algum tempo. |" AFigura 4,7 é uma reprodugdo de um desenho a trago, repre- ‘Sentando o compositor Igor Stravinsky, feito por Pablo Picasso. Aimagem esté de cabeca para baixo. Sua tarefa € copiar essa imagem invertida. Seu desenho seré feito, portanto, de cabeca para baixo. Em outras palavras, vocé copiaré o desenho de Ficasso tkatamente como o esta vendo. Veja as Figuras 4.8 e 4.9.) O que vocé vai precisar: A reproducao do desenho de Picasso (ver a Figura 4.7) Lapis preto n° 2, apontado Prancheta de desenho Fita crepe Tempo ininterrupto de 40 minutos a uma hora O que vocé vai fazer: Antes de comecar, leia todas as instrugdes que se seguem: 1, Se for do seu agrado, ponha uma miisica. Ao passar para a modalidade D, é posstvel que vocé nao mais se aperceba dela. Complete o desenho em uma tinica sessao, levando pelo menos 40 minutos — mais, se posstvel. Eo mais im- portante, ndo vireo desenho de cabeca para cima antes de ter- minar. Isto causaria uma transicao de volta para a modali- dade E, e isto é algo que devemos evitar enquanto vocé esté aprendendo a sentir a modalidade D. 2. Pode comecar por onde quiser — por baixo, por um dos lados ou por cima. Quase todo mundo tende a comecar por cima. Tente nao entender o que vocé esté vendo na figura de cabega para baixo, £ melhor vocé nao saber. Bas- ta comegar copiando as linhas. Mas, lembre-se: ndo vire 0 desenho de cabeca para cima! 3. Recomendo que vocé n4o tente desenhar o contorno in- teiro da forma e depois “preencher” as partes. A razdo é que, se vocé cometer um errinho qualquer no contorno, as partes internas nao se encaixarao mais. Uma das gran- ‘A TRANSIGAO: COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA © DIREITO Figura 4.5. Ao copiar assinaturas, os falsificadores viram os originais de cabeca para baixo a fim de verem mais claramente as formas exatas das letras ~ de fato, para verem na modalidade de ver do artista isn Figura 4.6. Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770), A Morte de Séneca. Cortesia do Instituto de Arte de Chicago, colecio Joseph e Helen Regenstein 79 Fotografia de Einstein, por Philippe Halsman, 1947. © de Yvonne Halsman, 1989. Esta éa fotografia mostrada de cabeca para baixo na pagina 78. Agradecemos a Yvonne Halsman por permitir esta apresentacao nada ortodoxa da famosa imagem que Philippe Halsman registrou de Einstein. Figura 4.7. Retrato de Igor Stravinsky, por Pablo Picasso (1881-1973), datado de 21 de maio de 1920, Paris (colecao particular). des alegrias do desenho é descobrir como as partes se en- caixam. Portanto, minha recomendacao é a de que vocé passe de uma linha para a outra adjacente, de um espaco para o outro adjacente, encaixando as partes do desenho a medida que vai prosseguindo, até o fim. 4, Se falar consigo mesmo, use apenas a linguagem da visio, como “esta linha faz uma curva assim”, ou “aquela forma tem uma curva ali’, ou “o Angulo que essa linha faz com a margem do papel (vertical ou horizontal) é tal’. E assim por diante. O que vocé deve evitar a todo custo é dar no- mes as partes. 80 DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO 5. Quando vocé chegar a partes cujos nomes se imponham a vocé - as M-A-O-S e 0 R-O-S-T-O -, tente se concentrar apenas nas formas destas partes. Vocé pode até cobrir tudo com amo ou com um dedo, deixando apenas a linha que vocé estiver desenhando e continuar descobrindo somen- te as linhas adjacentes. Ou, ainda, existe sempre a alter- nativa de passar para outra parte do desenho. 6. Num dado momento, o desenho pode comegar a parecer um quebra-cabega interessante, até fascinante. Quando isto acontecer, vocé estard “desenhando de verdade”, o que significa que vocé teré conseguido fazer a transigao para a modalidade D e estar& vendo corretamente. Este estado se rompe com facilidade. For exemplo, se alguém entrasse agora e perguntasse “Como vocé esté se saindo?’, o seu sistema verbal seria reativado, perturbando o seu foco de atengo e interrompendo a sua concentragao. 7. Pode ser que vocé queira cobrir o resto da reprodugdo a ser copiada com outra folha de papel, descobrindo as novas reas 4 medida que for terminando cada parte do seu de- senho. Devo adverti-lo, entretanto, que alguns dos meus alunos acham este artiffcio bastante Util, mas outros o consideram intitil, alegando inclusive que os distrai. 8. Lembre-se de que tudo o que vocé precisa saber para dese- nhar a imagem em questo est4 bem diante dos seus olhos. Toda a informagao esté ali, facilitando o seu trabalho. Nao complique as coisas. £ s6 isto, simples deste jeito. Comece agora 0 seu desenho de cabega para baixo. Depois de terminar: \Vire ambos os desenhos ~a reprodugao no livroea sua cépia ~ de cabega para cima. Posso fazer uma previsao confiante de que vocé ficaré satisfeito com o seu desenho, especialmente se voce pensava que jamais seria capaz de desenhar. ‘Também posso prever com bastante confianga que as partes ‘mais dificeis”, as areas “escorgadas”, esto maravilhosamente bem desenhadas, dando uma ilusao espacial. Observe 0 que vocé conseguiu, desenhando de cabega para baixo. Se vocé usow o desenho que Picasso fez de Igor Stravinsky sentado numa cadeira, vocé desenhou muito bem as pernas cru- zadas em vista escorgada. Para a maioria dos meus alunos esta é amelhor parte dos seus desenhos, apesar do escorgo. Como con- seguiram desenhar tao bem essa parte “dificil”? Porque nao sa- ‘A TRANSIGAO: COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA O DIREITO Figuras 4.8 ¢ 4.9. Desenho invertido. Como forcar a transicdo cognitiva da modalidade do hemisfério ‘esquerdo dominante para a modalidade do hemisfério direito subdominante 81 Figura 4.10. “Eu Quero Vocé no Exército Americano”, de James Montgomery Flagg, péster de 1917. Cortesia da Curadoria do Imperial War Museum, em Londres, Inglaterra O brago € a mao do Tio Sam esto “escorcados” neste poster do Exército. “Escorgo” é um termo usado em arte. Significa que, para dar a ilusio de formas que se projetam para a frente ou para tras no espaco, elas precisam ser desenhadas exatamente como aparecem em tal posicao, sem exibir o que realmente conhecemos sobre seu comprimento real. Aprender a escorcar é normalmente dificil para os desenhistas iniciantes. Figura 4.11, Imediatamente a direita: 0 desenho de Picasso, copiado por engano de cabeca para cima por um estudante universitario Figura 4.12. A direita, no extremo: 0 desenho de Picasso, copiado de cabeca para baixo, no dia seguinte, pelo mesmo aluno 82 biam o que estavam desenhando! Desenharam apenas 0 que vi- ram, conforme enxergaram — uma das chaves mais importantes para se desenhar bem. O mesmo se aplica ao cavalo escorgado do desenho alemdo (ver a Figura 4.13). Um dilema légico para a modalidade E As Figuras 4.11 € 4.12 mostram dois desenhos feitos por um estudante universitario. Ele entendeu errado as instrugdes que dei a turma e fez o desenho de cabeca para cima. Quando ele voltou para a aula no dia seguinte, me deu seu desenho e disse: “Eu entendi errado, professora, e desenhei normalmente.” Eu lhe pedi que fizesse outro desenho, desta vez de cabega para bai- xo. Ble fez, ea Figura 4.12 € 0 resultado. Nao faz sentido que desenho feito de cabeca para baixo seja téo superior aquele feito de cabega para cima. O proprio aluno ficou impressionado. Este quebra-cabeca coloca a modalidade E num dilema de légica: como explicar a stibita aptiddo para o desenho quando ele (0 hemisfério esquerdo que sabe tudo) foi dispensado da ta- refaé O hemisfério esquerdo, que admira toda tarefa bem-feita, se vé forcado a admitir a possibilidade de que o hemisfério direi- to, tio menosprezado, sabe desenhar bem Por razées que ainda no est4o muito claras, o sistema ver- bal imediatamente rejeita a tarefa de “ler” e denominar imagens de cabega para baixo. Com efeito, a modalidade E parece estar dizendo “nao fago nada de cabega para baixo. E diffcil dar nomes a coisas que sejam vistas desta forma; além do que, o mundo nao é de cabega para baixo! Por que eu deveria me preocupar com uma coisa destas¢” Ora, € exatamente isto o que queremos! Por outro lado, o sistema visual nao se importa com isto. De cabega para cima, de DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO cabeca para baixo, tudo é interessante, talvez até mais interes- sante de cabeca para baixo, porque a modalidade D nao sofre interferéncia de sua parceira verbal, que est sempre “com pres- sa para julgar”, ou, pelo menos, com pressa para reconhecer e dar nomes a tudo. A razao de ser deste exercicio: Arazao para se fazer este exercfcio, portanto, éa de que vocé possa fugir do combate entre as modalidades conflitantes — o tipo de conflito e até paralisia mental que causou o exercicio *Vaso/Rostos”. Quando a modalidade E desiste por vontade pré- pria, evita-se o conflito ea modalidade D rapidamente assume a tarefa que lhe é apropriada: desenhar uma imagem conforme ela é percebida. Familiarize-se com a transigao E > D O exercicio de desenhar uma imagem de cabega para baixo leva a duas etapas importantes de progresso. Em primeiro lugar, vocé se torna consciente de como se sentiu depois de ter feito a transigéo E > D. O estado de consciéncia da modalidade D tem uma qualidade diferente da modalidade E. Vocé perceberd esta diferenga e saberé dizer, mais tarde, se a transigao cognitiva ocor- reu ou nao. O curioso é que nao nos apercebemos do momento exato em que se dé a transicao. Podemos, por exemplo, saber que estamos alerta em determinado momento e, no momento seguinte, entramos num estado de devaneio, mas nunca perce- bemos 0 instante exato em que se deu'a mudanga. O mesmo Ocorre com a transigéo E> D, mas uma vez que tenhamos expe- rimentado a transigdo, percebemos a diferenga entre os dois es- tados. E esta percepgdo nos ajuda a controlar conscientemente a transigdo de um estado para outro. Aoutra etapa de progresso alcangado através deste exercicio € que a nossa percepgao da transigéo para a modalidade D nos permite ver as coisas como o artista profissional vé, e, portanto, desenhar aquilo que vemos. Ora, € 6bvio que nem sempre podemos virar as coisas de cabeca para baixo. Nossos modelos nao estardo dispostos aplan- tar bananeira para que possamos desenhé-los, nem a paisagem a nossa volta ficaré invertida ou virard pelo avesso. Meu objetivo, portanto, é 0 de ensinar vocé a fazer a transigdo cognitiva mes- mo quando vocé vé as coisas na sua posigo normal. Assim, ele A TRANSIGAO: COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA O DIREITO “Nossa normal consciéncia desperta, consciéncia racional, conforme a chamamos, nada mais ¢ do que um tipo especial de consciéncia, enquanto a sua volta, dela separada pela mais delgada pelicula, jazem formas potenciais de consciéncia inteiramente diferentes. Podemos passar a vida sem ao menos suspeitar de sua existéncia, mas ao aplicarmos 0 estimulo imprescindivel, de pronto elas surgem em sua plenitude, tipos definidos de mentalidade que provavelmente tém seu campo de aplicacao e — Wiitiam James, The Varieties of Religious Experience, 1902, Modalidade E A modalidade E é a modalidade “destra” do hemisfério esquerdo, Ela é quadrada, ereta, sensata, direta, verdadeira, insidiosa e bem-definida, sem se dar a lucubragées. Modalidade g) ‘A modalidade D é a modalidade “canhota” do hemisfério direito. Ela é curvilinea e flexivel, mais brincalhona em seus volteios inesperados, mais complexa, diagonal e imaginativa. 83. “Suponho que o Ser Humano é capaz de varios estados fisicos ¢ de diversos graus de consciéncia, como segue: (a) 0 estado comum, sem qualquer consciéncia da presenca de duendes; (b) 0 estado ‘anormal’ no qual, embora consciente do ambiente em que esté, ele passa a estar também consciente da presenca de duendes; (©) uma forma de transe no qual, embora inconsciente do ambiente em que se encontra, ¢ aparentemente adormecido, ele (isto é, sua esséncia imaterial) migra para outros locais do mundo real ou para o Pais das Fadas, e tem consciéncia da presenca de duendes.” ~ Lewis Carnout, Prefaicio de Silvia e Bruno, aprenderé a ver as coisas 4 maneira do artista: o segredo é con- centrar a ateng4o em informagées visuais que o hemisfério es- querdo no pode ou ndo quer processar. Em outras palavras, te- mos sempre de apresentar ao cérebro uma tarefa que sera recu- sada pelo hemisfério esquerdo, permitindo com isto que o he- misfério direito use sua aptidao artistica. Os préximos capftulos contém exercicios que mostrardo a vocé varias maneiras de atingir esse objetivo. Um exame da modalidade D Convém analisar agora como nos sentimos quando passa- mos a usar o hemisfério direito do cérebro. Pense. A esta altura vocé jd fez a transigdo diversas vezes — ao fazer o desenho do “Vaso/ Rostos”, e agora h4 pouco, quando fez o desenho de Stravinsky. No estado mental tfpico da modalidade D, vocé notou que ficou menos consciente da passagem do tempo — que o tempo que vocé levou para fazer o desenho pode ter sido curto ou lon- go, mas vocé sé péde saber disto depois de consultar 0 relégio? E que, se havia pessoas préximas, vocé nao ouvia o que elas diziam ~de fato nao queria ouvi-las¢ E possfvel que vocé tenha escutado sons, mas provavelmente néo estava interessado em descobriro sentido daquilo que elas estavam dizendo. E percebeu que per- maneceu alerta, porém relaxado ~ confiante, interessado, absor- vido no desenho, porém raciocinando perfeitamente bem? Amaioria dos meus alunos tem descrito nestes termos 0 es- tado de consciéncia tipico da modalidade D, e estes termos coin- cidem com a minha propria experiéncia e com a descrigdo que meus amigos artistas me fizeram da maneira como se sentem. Um deles me disse: “Quando eu realmente trabalho bem, a sen- sagdo é fabulosa! Sinto-meunificado com 0 trabalho: o pintorea pintura tornam-se uma coisa s6. Sinto-me entusiasmado, po- rém calmo — jubiloso, perfeitamente controlado. Nao é propria- mente felicidade: € mais como satisfagao. Acho que é por isso que procuro estar sempre pintando ou desenhando.” Amodalidade D é realmente agradavel e, nesta modalidade, vocé poderd desenhar bem. Mas hé uma vantagem adicional: a transigao para a modalidade D nos liberta durante algum tempo do dom{nio verbal e simbélico da modalidade E ~ e isto € um alfvio, Talvez o prazer se deva ao fato de que damos um descanso ao hemisfério esquerdo, pomos um fim a sua tagarelice, fazemo- lo ficar em siléncio, para variar. Este desejo de aquietar, de emu- decer o hemisfério esquerdo explica, em parte, certas préticas DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO { -seculares, como a meditagao e 0s estados de consciéncia modifi- “tados e auto-induzidos que os homens conseguem através do jejum, das drogas, do canto e do lcool. O ato de desenhar na ‘modalidade D induz um estado de consciéncia modificada que pode durar horas, trazendo-nos uma intensa satisfagao. ‘Antes de prosseguir a leitura, faca pelo menos mais dois de- “senhos voltados de cabega para baixo. Use a reproducdo da Figu- 1a 4.13 ou encontre outros desenhos a trago para copiar. A cada vez, procure perceber conscientemente a transigdo para a moda- lidade D, a fim de se familiarizar com o tipo de sensacdes que esta modalidade provoca. Uma revisao dos seus desenhos de crianca No proximo capitulo examinaremos o seu desenvolvimento como artista durante a infancia, A seqiiéncia do desenvolvimen- toda arte infantil tem a ver com mudangas de desenvolvimen- to cerebral. Nos primeiros estagios, os dois hemisférios do cére- bro das criangas no sdo especializados para exercer funcdes di- ferentes. Esta lateralizagao — a consolidagao de fungées especifi- cas num hemisfério ou no outro — processa-se gradualmente du- fante a infancia, paralela 4 aquisigao de aptidoes lingiifsticas e dos simbolos da arte infantil Geralmente a lateralizacao se completa por volta dos dez anos de idade e coincide com o perfodo de conflito na arte infan- til, quando o sistema de simbolos parece se sobrepor as percep- Ges e interferir com desenhos exatos destas percepgées. Poder- se-ia especular que o conflito surge porque as criangas talvez utilizem a metade “errada” do cérebro —o hemisfério esquerdo— para realizar uma tarefa mais adequada ao hemisfério direito. Talvez elas nao consigam, por si mesmas, descobrir uma forma de conquistar acesso ao hemisfério direito, que se especializa em desenho por volta dos dez anos de idade. Além disto, o hemisfé- tio esquerdo e verbal j é dominante, trazendo novas complica- g6es & medida que nomes e simbolos comegam a prevalecer percepcao espacial e holistica. A evisio dos desenhos que vocé fazia quando era crianga é importante por varios motivos: vocé ver4, como adulto, o de- senvolvimento do seu conjunto de sfmbolos de desenho a partir da infancia; tornaré a sentir a crescente complexidade dos seus desenhos & medida que se aproximava a adolescéncia; lembrard a discrepancia entre as suas percepgées e a sua aptidao para o desenho; verd seus desenhos infantis com um olhar menos criti- ‘A TRANSIGAO: COMO PASSAR DO LADO ESQUERDO PARA O DIREITO “Sei perfeitamente bem que somente em afortunados instantes tenho a sorte de me abandonar em meu trabalho. O pintor-poeta sente que sua verdadeira esséncia imutavel advém daquela esfera invisivel que the oferece uma imagem da realidade eterna... Sinto que nao existo no tempo, mas que o tempo existe em mim. Posso também perceber que nao me é dado resolver 0 mistério da arte de forma absoluta. Nao obstante, chego quase a crer que estou prestes a colocar as maos no divino.’ = CARLO CaRRA, The Quadrant of the Spirit, 1919. 85 co do que o fazia na ocasiao; e, finalmente, abandonard o seu sistema infantil de simbolos e atingiré um nivel adulto de per- cepcao visual utilizando a modalidade cerebral adequada — a modalidade D— para a tarefa de desenhar. Este desenho do século XVI, feito por um artista alemio desconhecido, oferece uma excelente oportunidade para a pritica do desenho de cabeca para baixo. Figura 4.13. Cépia a traco do desenho do Cavalo e Cavaleiro 86 DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO Recorrendo a 5 Lembran¢a: sua Historia Pessoal como Artista “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino (...) mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” ~1 Corintios 13.11 (VR) Figura 5.2 88 N © MUNDO OCIDENTAL, A MAIORIA DOS ADULTOs ndo progride em aptidao artfstica muito além do nfvel de desenvolvi- mento atingido aos nove ou dez anos de idade. Na maioria das atividades fisicas e mentais, as aptidées de uma pessoa mudam e sé desenvolvem a medida que a pessoa atinge a idade adulta: € © caso da fala e da escrita, por exemplo. O desenvolvimento da aptidao para o desenho, porém, parece deter-se inexplicavelmente na infancia da maioria das pessoas. Em nossa cultura, as crian- cas, naturalmente, desenham como crianga, mas a maioria dos adultos também desenha como criangas, qualquer que seja o nivel de desenvolvimento que tenham atingido em outras atividades. As Figuras 5.1 e 5.2 mostram, como exemplo, desenhos feitos recentemente por um jovem e brilhante profissional que estava terminando os seus estudos de doutorado numa famosa univer- sidade americana. Eu oobservei enquanto ele fazia seus desenhos: olhava os mode- los, desenhava um pouco, apagava e desenhava novamente - tudo isto durante vinte minutos. Quando terminou, ele se mostrava inquieto, tenso e frustrado. Mais tarde ele me disse que detestava os desenhos que fazia, que simplesmente detestavadesenhar. Se quiséssemos dar um nome a esta incapacidade, como os educadores dao o nome dislexia dificuldade com a leitura, po- derfamos chamar o problema de dispictoria ou disartisia, ou algo semelhante. Se ninguém até hoje se deu ao trabalho de cunhar um termo semelhante, é porque a aptidao para o desenho nao é crucial para a sobrevivéncia em nossa cultura, como o sao a fala ea leitura. Conseqiientemente, quase ninguém percebe que mui- tos adultos desenham como criangas e que muitas criangas de- sistem de desenhar aos nove ou dez anos de idade. Ao cresce- rem, essas criancas tornam-se os adultos que dizem que jamais souberam desenhar e que s4o incapazes de tracar uma linha reta. Estes mesmos adultos, porém, confessam muitas vezes que gos- tariam de ter aprendido a desenhar bem, nem que fosse somen- te para resolver os problemas de desenho que enfrentaram quan- do criangas. Mas acharam que tinham de parar de desenhar sim- plesmente por nao serem capazes de aprender a desenhar. Uma das conseqiiéncias desta interrupgao prematura do de- senyolvimento artfstico é que certos adultos, plenamente compe- tentes e autoconfiantes, muitas vezes se mostram acanhados, embaragados e ansiosos quando alguém lhes pede que desenhem um rosto ou’o corpo humano. Em tal situacio, eles geralmente dizem coisas como “néo, néo posso! Nao sei desenhar. Tudoo que eu desenho fica horrfvel, parece desenho de crianga!” ou entaéo “eu DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO ndo gosto de desenhar. Fico me sentindo um idiota”. Vocé mesmo talvez tenha tido dtividas semelhantes a seu respeito quando fez 0s primeiros quatro desenhos pedidos no capftulo anterior. O periodo de crise Aparentemente o inicio da adolescéncia marca o fim abrupto do desenvolvimento artistico em termos de aptidao para o dese- nho na maioria dos adultos. Quando criangas, viram-se diante de uma crise art{stica, um conflito entre suas percepgées do mundo, cada vez mais complexas, e seu nivel de aptidao artistica. A maioria das criangas entre nove e onze anos de idade de- Monstra paixao pelo desenho realista, Tornam-se duramente criticas em relacao aos desenhos que faziam quando pequenas e passam a desenhar certos temas favoritos — repetidamente — huma tentativa de aperfeigoar a imagem. Quando no conse- guem atingir o realismo perfeito, sentem-se frustradas. Talvez vocé se lembre das tentativas que fazia para “dese- nhar certo” e de como ficava desapontado com os resultados. Desenhos dos quais talvez se orgulhasse anos antes provavel- mente lhe pareciam terrivelmente errados e embaragosos. E tal- vez tenha dito para si mesmo, ao olhar esses desenhos: “Que coisa horrivel! Nao tenho talento algum para o desenho! E nun- ca gostei mesmo de desenhar, assim é melhor eu néo tentar de- senhar mais!” Muitas vezes as criangas abandonam o desenho como ativi- dade art{stica e expressiva por outro motivo que, infelizmente, é bastante freqiiente. Certas pessoas inconseqiientes fazem, as ve- zes, observagGes sarcdsticas e pejorativas a respeito dos desenhos infantis. A pessoa inconseqiiente pode ser uma professora, um pai, outra crianga, ou, talvez, um irmAo ou irma mais velhaa quem acrianga admira. Muitos adultos j4 me contaram suas lembran- cas, dolorosamente claras, de terem tido os seus desenhos ridicu- larizados por alguém. A parte triste de tudo isto é que as criangas quase sempre culpam seudesenho pela dor sofrida, em vez de culpa- rem 0 critico leviano. Conseqiientemente, para se protegerem de criticas semelhantes, as criancas reagem defensivamente, o que € compreensivel: raramente tentam desenhar de novo. 0 desenho na escola Até mesmo professoras ou professores compreensivos, que desaprovam a critica injusta feita 4 arte infantil e que querem RECORRENDO A LEMBRANGA: SUA HISTORIA PESSOAL COMO ARTISTA Especialista em arte infantil, Miriam Lindstrom, do Museu de Arte de Sao Francisco, na Califérnia, assim descreve o aluno adolescente de desenho: “Descontente com as suas proprias realizacées ¢ extremamente desejoso de agradar aos outros com a sua arte, ele tende a desistir da criagao original e da expressio pessoal... O desenvolvimento ulterior de seu poder de visualizacdo e até mesmo sua capacidade de pensamento original e de relacionar-se com © seu ambiente através de seus sentimentos pessoais podem ser bloqueados nessa época. Trata- se de um estagio crucial, que muitos adultos no chegaram a ultrapassar.” — Miriam LiNDstRom, Children’s Art, 1957 “Os rabiscos de qualquer crianca indicam claramente quo absorvida ela esta na sensacdo de mover a mio eo crayon, a0 léu, sobre uma superficie, deixando atras dele uma linha. Deve haver certa magia neste ato em si.” ) — Epwarp Hi, The Language of Drawing, 1966. 90 ajudar, se sentem desanimados diante do estilo de desenho que: os jovens adolescentes preferem — cenas complexas e detalha- das, tentativas esforgadas de parecerem realistas, eternas repeti- des de temas favoritos, como carros de corrida, e assim por diante. Estes professores lembram a sedutora liberdade e o en: canto do trabalho produzido por criangas mais jovens, e se inda- gam: “O que houve?” Deploram o que consideram “rigidez” ¢ “falta de criatividade” nos desenhos dos alunos. As préprias. criangas, muitas vezes, tornam-se seus préprios criticos mais ti- gorosos. Desta forma, os professores freqiientemente recorrem a trabalhos de artesanato, que parecem mais seguros e menos angustiantes — trabalhos como mosaicos de papel, borrées e salpicos de tinta e outras manipulagées de materiais. O resultado é que a maioria dos alunos nao aprende a dese- nhar nos primeiros anos ou na metade do curso primério. A autocritica torna-se permanente e eles s6 raramente tentam aprender a desenhar mais tarde. Como 0 jovem doutorando que mencionei, podem vir a tornar-se altamente aptos em outros campos; mas se alguém lhes pede que desenhem uma pessoa, produzem a mesma imagem infantil que desenhavam quando tinham dez anos de idade. Da infancia a adolescéncia No caso da maioria dos meus alunos, foi benéfico fazer uma, retrospectiva e tentar compreender como as suas imagens vi- suais no desenho se desenvolveram da infancia até a adolescén- cia. Tendo uma firme nogo de como o sistema infantil de sim- bolos se desenvolveu, os alunos pareceram capazes de ‘liberar” seu desenvolvimento artistico mais facilmente e passar para aptid6es mais adultas. O estagio dos rabiscos A atividade de fazer rabiscos num papel comega por volta de um ano e meio de idade — quando lhe dao um lapis ou crayon e, por si mesmo, vocé decide deixar na folha a sua marca. Para nés é dificil imaginar a sensag4o de espanto experimentada pela crianga ao ver uma linha surgir da ponta de um bastdo, uma linha que ela mesma controla. Vocé e eu, todos nés, passamos por esta experiéncia. Apés um inicio experimental, vocé provavelmente rabiscou com prazer em qualquer superficie disponivel, talvez até mes- mo nos livros dos seus pais e nas paredes de um c6modo ou DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CEREBRO outro da casa. Aparentemente seus rabiscos eram, de inicio, Muito errdticos, como na Figura 5.3, mas logo passaram a assu- mir formas definidas. Um dos movimentos basicos de quem ra- bisca ¢ o movimento circular da mao, provavelmente decorren- tedo simples fato de que € assim que o ombro, o braco, o punho, amo eos dedos trabalham em conjunto. O movimento circu- lar é natural - mais natural, por exemplo, que os movimentos ecessérios ao tragado de um quadrado (experimente fazé-los numa folha de papel e veré o que eu quero dizer). Ocstagio dos simbolos Depois de rabiscarem durante alguns dias, as criangas fazem uma descoberta fundamental em arte: um simbolo desenhado pode tepresentar uma coisa que elas véem a sua volta. A crianga faz um tracado circular, olha-o, acrescenta duas marcas para os olhos, aponta o desenho e diz: “mamée”, ou “papai”, ou “eu” ou “meu Cachorrn” tc K gecim aia tadne At Aawiad & pulls aualialon Mente humano de conhecimento que é a base da arte, desde as pinturas rupestres pré-hist6ricas até a arte de Leonardo da Vinci, Rembrandt e Picasso. As criangas sentem intenso prazer em desenhar cfrculos com olhos, boca e linhas inferiores que representam bragos e pernas, como na Figura 5.4. Esta forma —simétrica e circular —€ basica e universalmente desenhada pelas criangas. A forma circular pode ser utilizada para quase tudo: com pequenas variagées, a mes- ma configuracao bésica pode representar uma pessoa, im gato, osol, um peixinho dourado, um elefante, um crocodilo, uma flor ou um germe. Para vocé, quando crianca, o desenho repre- sentava aquilo que vocé desejava, embora provavelmente ado- tasse ajustes sutis e graciosos para que forma bdsica passasse a tepresentar a idéia que vocé tinha em mente. Por volta dos trés anos e meio, as imagens utilizadas na arte infantil tornam-se mais complexas, refletindo a crescente per- cepcéo da crianga em relacdo ao mundo que a cerca. A cabeca passa a ser ligada a um corpo, embora este possa ser menor do que a cabeca. £ possivel que os bracos continuem saindo da ca- beca, mas geralmente emergem do corpo — as vezes abaixo da cintura. E as pernas sao ligadas ao corpo. Por volta dos quatro anos de idade, as criangas se mostram extremamente cénscias dos detalhes das roupas — botdes e zipe- tes, por exemplo, passam a surgir nos desenhos. Os dedos sur- gem nas extremidades dos hragos ¢ dac moe, bem como dos péo. aE —— RECORRENDO A LEMBRANGA: SUA HISTORIA PESSOAL COMO ARTISTA Figura 5.3. Rabiscos feito por uma crianga de dois anos e meio Figura 5.4. Desenho de um pessoa feito por uma crianca de trés anos e meio a As imagens que as criancas repetem muito passam a ser conlsecidas dos colegas e professores, conforme ic: este maravilhoso cartum de Brenda Burbank. Figura 5.6. 92 © niimero de dedos varia segundo a imaginagao de cada uma: eu cheguei a contar até 31 dedos numa das mdos e somente um dedo por pé (ver a Figura 5.4). Embora as criangas desenhem figuras humanas de formas muito parecidas entre si, cada uma elabora através do ensaio ¢ do erro sua imagem favorita, que vai se refinando com a repeti- cdo. As criangas desenham diversas vezes as imagens que ele- gem como especiais, memorizando-as e acrescentando detalhes com o passar do tempo. Estas maneiras preferidas de desenhar varias partes da imagem acabam se embutindo na meméria € vio ficando cada vez mais estaveis (ver a Figura 5.5). Figura 5.5. Observe que os tracos do rosto séo os mesmos em toda: figuras - inclusive na do gato - € que o mesmo simbolo de mio é também usado para as patas do gato Desenhos que contam historias Por volta dos quatro ou dos cinco anos, as criangas utilizam os desenhos para contar histérias ou resolver problemas, langando mao de pequenos ou grosseiros ajustes das formas basicas para exprimi- remo significado que lhes pretendem dar. Por exemplo, na Figu- ra5,6 um jovem artista desenhou o braco que segura o guarda- chuva muit{ssimo maior que 0 outro, porque o brago que segura 0. guarda-chuva ¢ 0 ponto central do significado do desenho. Outro exemplo da utilizagao de desenhos para exprimir sen- timentos é um retrato de familia desenhado por uma crianga timida de cinco anos, que era, ao que parece, constantemente dominada por sua irma mais velha. DESENHANDO COM © LADO DIREITO DO CEREBRO XR Usando 0 seu simbolo basico Em seguida, acrescentou a mie, para a figura humana, ele usando a mesma configuracéo Primeiro desenhou a simesmo. _basica da figura com alguns ajustes ~ cabelos compridos, um vestido. Talvez nem mesmo o préprio Picasso fosse capaz de expri- mir um sentimento com esta forga. Uma vez “desenhado” o sen- timento, uma vez dada forma a emog6es amorfas, a crianga que desenhou o retrato de familia talvez tenha sido capaz de enfren- tar melhor o dominio imposto pela irma. Apaisagem Por volta dos cinco ou dos seis anos, as criancas adquirem ou desenvolvem um conjunto de simbolos para criar uma paisa- gem. Através de um processo de ensaio ¢ erro, elas geralmente escolhem uma tinica versdo de uma paisagem simbdlica, a qual tepetem infinitamente. Talvez vocé se recorde de alguma paisa- gem que desenhou quando tinha cinco ou seis anos de idade. Quais eram os elementos dessa paisagem¢ Em primeiro lu- gat, a terra eo céu. Em termos simbélicos, a crianga sabe que a terra fica embaixo e o céu em cima. Assim, a terra fica sendo a margem inferior do papel, enquanto o céu a margem superior, como na Figura 5.7. Quando trabalham com cores, as criangas ressaltam este ponto pintando uma faixa verde embaixo e uma faixa azul em cima. A maioria das paisagens infantis contém algum tipo de casa. Tente evocar com o olho da mente a imagem da casa que vocé desenhava. Tinha janelas¢ Cortinas? Eo que mais? Uma portaé O que havia na porta¢ Uma maganeta, naturalmente, pois era usando a maganeta que vocé entrava em casa. Eu, por mim, nunca vi uma casa auténtica, desenhada por uma crianga, que nao tivesse macaneta na porta. Talvez agora vocé comece a lembrar o resto da sua paisagem: 9 sol (era um sol angular ou redondo, com raios em volta?), as nuyvens, a chaminé, as flores, as Arvores (a 4rvore que vocé dese- RECORRENDO A LEMBRAN' Depois acrescentou o pai, que é careca e usa éculos. Finalmente, acrescentou a irma mostrando os dentes. 93

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