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Po O livro Didatica e Docéncia: Fey nee crc Sime Rus eX) Cen Cesta ony Ce en tee Wee Meu Cereal eae oes) Cee e eee Ona ree eu Enc Rta fee Cee tC POMC ca erie Mencken Peet eeeeee cam Io) modos de concretizagao. A escolha das eee eee eer see Cen ee eect Eien enceist eect Cet etree em ke} Pence Cheers Concent eee sierd Celene su R cent Gree eee une ek contextualizada. Didatica e Docéncia aprendendo a profissao creek ected Josete de Oliveira Castelo Branco Sales NONE eie casa ce kecate estetcd Dick selene tart! anand ee ene Cr licenciatura. Qu Teun emt tc mem creomel mon (TIE) didatica foi abordada ieee eer Petree) Sleeeen Cree Nee ee re Are Tey a cord err (eRe eaten et ene aes Oe Nee eur eae eee tr) PEE eee te meee eT Ce er Mee ener tenet Melee emery ue ee autoras, profes: LByTstIU(e eee meee Fico see eae eT cog (oe raat as situada [eames traduzem uma intencionalide Este encaminhamento entende Cera sseee rele RES eae acer ter! Cement (iii Oem Cie cme cole se-Comert tem d Pere ee tte Didatica e Docéncia aprendendo a profissao Isabel Maria Sabino de Farias Josete de Oliveira Castelo Branco Sales Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga Maria do Socorro Lima Marques Franca Brastia, DF 2009 ona by Lert Est, Conseino Editorial emardete A. Gatt, a Braezineki, Maria Celia de ‘Abreu, Osmar Favero, Pedro Demo, Rogerio de ‘Andrade Cérdova, Sofia Lerche Vieira, Coordenacto Série Formar Eloisa Maia Vida, Sofie Lerche Viera ‘Capa Roberto Santos, Sofa Lerche Vieira Projeto Grifico Roberto Santos Ealtoragdo Eletrénica Felipe Arauo Revisio Ecsio Femanses Ficha Catalogritica Carmem Araujo {Eco ~Setombro de 2008 2*Ecigbo— revere de 2008, i 886 Didéteae docincia: aprenden aprofisde sabe Mare Sabin de Fas. otal} - rasa: bor ‘ie, 2000 10 p= (Série former) Inch iblograia comentads ISN 970-85-88849-758 1. Didtca 2. Educaga0 3. Onan 4, Ensino I Sales, Joseto do Sampaio de Carvalho 1 Franga, Maria do Saco ma Marques ‘opu: 57.02 i = Uber Livro Editors Lisa (OLN Quacra 318 Blooa 8 Sala 15 +Aa None ‘CEP: 70:774520- Brasila-DF Fone: (61) 9965 967 + Fax (61) 39659668 E-mak edtora@iverira.com.2r wusbertro.com.br ‘Aos que teceram e continuam a tecer conosco a nossa profissionalidade: nnossos familiares, amigos de infanciae companheiros de escola, com quem aprencemos 2 sonhar, os nossos professores, que foram exemplo efonte de entusiasmo, os nossos alunos, que nos desafiam cotidianamente Sumario Introdugito ~ Didatica? Didaticas? Qual Didatica? ‘Uma conversa sobre nossa ope teérica.. (Os precursores da Didatica.... - ‘A constituigao da Didatica como disciplina., Por uma Didltica critica e contextalizada cemnen 20 Das relagdes entre Educacao, Peclagogia e Didatica...22 Sintese da Introducio.... : Atividades, a Bibliografia Comentaca... Parte I ~ Para compreender as bases do fazer docente....... Capitulo 1 ~ Fundamentos da prética docente: elementos quase invisives.. see 31 LU, Teorias quedo sustentacao as priticas education 33 1.2, Caracterizagdo metodologica das tendéncias pedagogicas reformistase transformadoras 2.00.4 Sintese do Captulo.... es SI Atividades, im ai Bibliografia Comentach.. 53 Capitulo 2 ~ Identidade e fazer docente: aprendendo a ser e estar na profissio 38 21. Educagao, humanizagao e constragio de identidades - 56 2.2. Uma pessoa que se faz professor ~aidentidade profissional 58 23, Flementos identitrios da docencia ~ historia de vida, formagao ¢ pratica pedagogica..60 2.4, Docéncia~ trabalho que requer saberes especializados.... - n Sintese do Capitulo... anand! Atividades, . ponents Bibliografia Comentada.. sennnnnT® Capiculo 3 - Docéncia: notas sobre a dimensto ética da profiss20.- 3 ica, edueagto e docecia.u. 3.2. Exigencias ticas inerentes a0 ato de ensina 3.3, Construtr direzrizes érico-profissionais ~ desafio& profissionalizacao docente. Sintese do Capitulo... Atividades aa Bibliografia Comentada... Parte2- A onganizagiio do process0 didatic0 eeu Capitulo 4 -O planejamento da pritica docente.. 41 Ahora de planejar ~ da necessidade de superar o muto de lamentagdes... 4.2. A pritica do planejamento - dos sentidos 101 103 08 $€U8 PFINCIPIOS enone 43, Momentos do planejamento ~ um contnium permeado de intersegBe..-. senel 9 44. Os sujeitos do planejamento... 4, Planejando situagbes de ensino ~clementos a considera. Sintese do Capitulo Atividades oo Bibliografia Comentada. Capitulo 5 - As estratégias de ensino naagio didatica.. 5.1, Método e estratégias de ensino ~ estabelecendoelos. 5.2. As estratégias de ensino em aula = dos critéros ts formas. 132 5.3 Estratégias de ensino e professores em. formagao ~ algumas ligdes da pratica 45 Sintese do Capitulo. v9 Atividades Bibliografia Comentada, Capitulo 6 - A aula como espaco-tempo ccletivo de construgao de saberes. 153 6.1, Aula ~ mais que tempo, um espago coletivo de construgio de saberes.. sel 4 6.2. Aaula nossade cada dia scorers 7 Sintese do Capitulo. lO Atividades : sone Bibliografia Comentada, 163 RERCCENCERS one 165 Sobre as autoras... Prefacio A grande expansio de matriculas de educacio supe- rior tem revelado que o Brasil ainda enfrenta sérios pro- blemas relativos a livros diditicos para este nivel de ensi- no, Embora a produgio académica tenha crescido a olhos vistes,a claboracao de livros ¢ outros materials para estu- antes de graduagaoe pos graduagionao tem tid ritmo necessirio para suptir em quantidade e qualidade as de- ‘mandas advindas dos diversos cursos ¢ reas de interesse. E nesse contexto que se insere a Colecdo Formar, aug finalidade € contribuir para a sociaizagao de conhecimentos necessirios a formagio de profissionais de educacio e de outras areas das humanidades. A iniciativa € fruto do esforgo de diversas insttuigdes pesquisadores que vém se dedicando a estudos, pesquisas ¢ reflexdes acerca da formagio de nivel superior no Brasil, bem como dos contetidos imprescindiveis para assegurar um substrato te6rico que possibilite ao futuro profissional desenvolver as capacidades necessirias a modernidade. (Os quatro primeiros livros da Colegdo Formar res- pondem pelo nicleo-base dos cursos de formagio de prefessores nas universidades brasileiras, Os assuntos apresentados se distinguem por uma abordagem atuali- aca em linguagem acessivel e cuidadosa, sem perder de vista origor académico, (O volume Edvcapdo Basic politica e gest da eco, de Sofia erche Vieira discute,aprofundacampliaasreflexoes acerca da legislacao eda politica educacional brasileira ede como ela se efetiva na pritica da gestao dos sistemas e das escolas. Inova, a0 incluir na andlise, aspectos relacionados " a indicadores educacionais ¢ sua utilizagao na avaliag30 de resultados e no planejamento de poiticas pablicas. Em Didatica e Docéncia: aprendendo a profissio, Isabel Maria Sabino de Farias, Josete de O. C. B. Sales, Ma. Margarete S. C.Bragae Ma. do Socorro L. M. Franca partem da premissa de que ofazer docente é uma atividade situada, ndoneutra e distante do improviso. Contempla aspectos conceituais tanto de temas clssicos quanto emergentes no campo da Didatica, agregando a relexio resultados de pesquisas e ‘experiéncias de ensino. O volume dedicado a Psicolgia da Aprendizagem: pro- cessos,teorias ¢ contextos de Ana Ignez Belem Lima Nunes € Rosemary do Nascimento Silveira aborda o conceito de aprendizagem como processo central para a constituic20 do ser humano como sujeito histérico, social e cultural. Apresenta os principats processos psicolégicos envolvides na aprendizagem e as relevantes teorias da rea, dialogan- do com conceitose situagdes do cenario escolar. Em Psico logiado Desenwohimentotoviactemascontempordneos, Michelle Steiner dos Santos, Alessandra Silva Xavier e Ana IgnezBe- Jem Lima Nunes discutem o conceito de desenvolvimento hhumano em sua dimensio biopsicossocial, a partir de teo- rias da érea. A obra, embora considere a relevancia ¢ inte- _Btagio de todos os periods do ciclo vital, pde em relewo a infancia e,em especial, a adolescéncia. Apresenta reflexdes criticas sobre importantes temas contemporaneos em Psi- cologia do Desenvolvimento, presentes no cenario escolar ¢ basilares na formacao dos profissionais da educacio. propésito da Colegdo Formar € colocar a dispo- sigdo dos professores ¢ alunos das diversas disciplinas que constituem os curriculos de graduacao e de pés- sraduacio, material de qualidade académica e editorial, valorizando a produgao intelectual dos pesquisadores € estudiosos que, a partir de suas producoes académicas fazem 0 esforgo da transposicio didatica, disponibili- zando textos de leitura agradavel 12 Introducao Didatica? Didaticas? Qual Didatica? Uma conversa sobre nossa op¢ao teérica Nao é no silencio que os homens se fazem, mas na ppalavra, no trabalho, na agio-teflexo, Mas (.] apalavra nao é privilégio de alguns homens [-]. Precisamente por isto ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dize-la para os ou tos, num ato de prescrigao, com o qual rouba a palavra aos demais (Paulo Freire, 1983). Estelivrofoi produzidotendocomo destinatariosos professores que se encontram em processo de formagio nos cursos de licenciatura, quer iniciantes, quer aqueles com experiéncia no exereicio da docencia. Questdes que permeiam o fazer docente na Educacao Basica constitut- amo foco sob o qual a Didatica foi abordada, orientaga0 que visow a propiciar subsidios te6ricos e metodolégicos sobre oensino, pela articulacdo entre seus pressupostos, seus determinantes socizise seus modos de realizagao. (Oensino, por expressar uma inten¢io de transforma- to, ¢ palavra-acdo, palavra-prospectiva, palavra-compar- tilhada, conforme nos adverte Paulo Freire na epigrafe que are esta seqa0, Saber 0 que fazer e como fazer tem seu sentido vinculado a0 para que fazer. Este conhecimento, que caracteriza a Didatica, é fundamental ao exercicio da doctncia, Por este motivo, a escolha das tematicas que in- tegram este estudo apresentou-se como uma tarefa celica 13 ) Farias, |. M.S; Sales, J.C. B: Braga, M.M.8.C; Franga, M.S.L.M, dae exigente do ponto de vista politic e curricular Ela se apoiou no inventario das pautas recorrentes ou ausentes nas publicagdes em circulagio sobre o assunto, bem como na intencao de assegurar conhecimentos pedagégicos bi- sicos que fortalecessem 0 trabalho docente numa aborda- gem critica e contextualizada Esta perspectiva apbia-se na idéia de que o fazer docente é uma atividade que exige rumo e partilha. Para ilustrar esta assergao recorreremos a historia dos trés operatios envolvidos na edificagao da catedral de Col6- nia, Alemanha, conforme relata Leandro Rossa (1999, p. 65).“Aos trés foi perguntado: O que voct esta fazendo? O primeiro respondeut Estou colocando uma pedra sobre as ‘outras. O segundo: Estou levantando uma parece. O ter ceiro: Estou construindo uma catedral”, Este fato coloca cem destaque a necessidade de ruptura com visdes frag: mentadas ¢ isoladas do trabalho e de assungo do papel de sujeito em seu desenvolvimento. No caso da docencia esta € uma exigéncia fundamental, pois o professor nto nasce feito; ele est sempre se fazendo. Ele se constitu, se produz, por meio das relagoes que estabelece com 0 ‘mundo fisico e social, isto é, sua identidade profissional se articula a um dado espaco-tempo vivido. O texto ndo se propée a ensinar como ser um bom professor, nem tem a pretensio de dizer atiltima palavra sobre os assuntos selecionados. Contempla aspectos con- ceituais, tanto de temas clissicos quanto emergentes no ‘campo da Didatica, agregando a reflexto resultados de Pesquisas e experiéncias de ensino. As autoras, professo- ras de Didatica, optaram por elaborar um livro que propor cionasse ao professor referenciais para a compreensio do seu fazer como uma pritica situada ¢ética, cujas decisoes traduzem uma intencionalidade, Este encaminhamento entende que 0 professor delibera apoiado nas teorias cexperiéncias que tecem seu compromisso com sua fungiio 14 Didatica e doctncia social, postura forjada mediante a concepgao que ele tem das elagdes entre escola, sociedade e conhecimento. ‘A estrutura do livro esta organizada em duas par- tes. Os trés primeiros capitulos compoem a Parte |e trazem subsidios que visam & compreensio do fazer do- cente como uma atividade situada, ndo neutra edistante do improviso. Os demais capitulos integram a Parte Ile destacam os aspectos da organizacio do processo did tica. A caracterizagio de cada uma dessas partes pode seracompanhada a seguir. © Capitulo 1 discute os fundamentos da Didatica ‘mediante a caracterizagio das teorias educacionais € de suas implicagdes nas diferentes tendencias pedagogicas. 0 Capitulo 2 tece consideragbes sobre a profissionalida de docente como produto da historia de vida, formaga0 pritica do professor ~ elementos constituintes de sua identidade. Esta reflexao serve de esteio a discussio so- breos saberes necessitios ao seu trabalho. © Capttulo 3 introduz o debate em tomo do desafio de constituigao de ‘um projeto ético-profissional para a docéncia, a0 mesmo tempo em que Be em questio os significados e as impli- cages da auséncia ou da necessidade de constituiga0 de ‘umcédigo de étca para aprofissdo;ressalta oensinocomo uma atividade interativa, cujas dimensdes interpessoal intraprofissional reclamam posicionamentos éticos. ‘O Capitulo 4 discute o planejamento como proces- so de organizagio do ensino ¢ da aprendizagem, suas diferentes formas e priticas no espago escolar. A andlise procura, ainda, explicitar os elementos (objetivos, con- tedidos, metodologia, recursos ¢ avaliagZo) que integram 105 planos € os projetos coletivos e interdisciplinares de censino. © Capitulo 5 destaca algumas alternativas meto- dolsgicas que favorecem a acao didatica, tarefa central na pritica docente. Sao caracterizadas estratégias de ensino individuais ¢ coletivas para uso em aula conven- 15 Favias,|.M.; Sales, J.0.C.B; Saga, M. M,C: Franga, M.S. L.M, cional ¢ em outros momentos educativos, © Capteulo 6 trata da aula como espago-tempo de construgdo de sa- beres. Examina diferentes concepedes, tempos, espagos esujeitos que produzem a aula. Em linhas gerais € esse 0 percurso da reflexao que envidamos. Nesta introdugao, ponto de partida da presente obra, apresentamos os precursores da Didatica e 0 mo- vimento de sua constituicao como disciplina em suas ‘varias vertentes para, posteriormente, esclarecermos a opcio pela abordagem critica e contextualizada do ato de ensinar. Esta escolha se dé pelo interesse de contri- buir paraa ruptura da visto meramente instrumental da Didatica ainda predominante, conforme detalharemos no topico seguinte, 0s precursores da Didatica ‘Nem todos demonstram preocupacio como fato de ter ou nto didatica. Alguns agem com a certeza de que o dominio de um determinado saber é condigdo suficiente atarefa de ensinar. Outros, mesmo antes da constituigao da Didética como curso ou disciplina, se preocuparam. ‘em sistematizar principios de condugao do ato educa- tivo, Estamos falando dos “didatas” do século XVII, em especial, o educador tcheco Joo Amos Coménio (1592 ~ 1670), consideradbo o pai da Didatica, por formular os principios de uma educagio racionalista que toma como base a ciéncia moderna ¢ os estudos sobre a natureza, Para cle, a educagao, tal qual a natureza, tem ritmo pro prio que precisa ser observado; opera de dentro part fora; em seu proceso formativo, comeca do universal ¢ termina no particular; no da saltos, prossegue passo a passo (GADOTTI, 1993). Estas idéias, apresentadas na obra Didatica Magna ~ « arte de ensinar tudo a todos (1633), foram defendidas como pilares da instrug2o ptblica ne- cessitia, a época, para a vit6ria da Reforma Protestante 16 Didatica e docéncia ‘Mais tarde, no século XVIII, Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filosofo e escritor suico, seguindo as “pega- das da natureza” de Coménio, torna-se responsével pela segunda revolugao didatica. Em suas obras, Ocontratoso- cial ¢ Emilio ou Da Educagdo, apresentou um novo concei- to de inffincia ~_a crianea boa por natureza, corrompida posteriormente pela sociedlade ~ e defendeu a necessaria reforma da educagao como contraponto & corrupeao da bondade natural do homem. Com o lema “é bom tudo ‘quesai das maos do criador e tudo degenera nas mos do homem", Rousseau defendeu para a infancia uma edu- cacio livre, espontanea € natural. Uma educagao sem precocidade e pretensbes de modelar a crianga para fins sociais fururos (ibid). E preciso considerar, ainda, a contribuigao de Jo- han Friedrich Herbart (1776-1841), fil6sofoe psicslogo alemao, criador de um metodo de ensino fundamentado em cinco passos regulados pelo mestre: 0 da preparagao; apresentac3o; comparacao ~ assimilacio; generalizacao; oda aplicagio (ibid). Estas ¢ outras contribuicdes tedricas organizaram os siberes da Pedagogia e da Didatica como campos do conhecimento sobre a educacio ¢ 0 ensino, respectiva mente, Ora enfatizando o sujeito que ensina ou 0 sujeito que aprende, ora destacando 0 método, os procedimen- tos2 os materiais de instrucao como eixo central do pro- cesso de ensino e de aprendizagem. A constituigio da Didatica como disciplina No Brasil, quando a Didatica fot instituida como curso de licenciatura (1939) e, mais tarde, transformada ‘em uma disciplina dos cursos de formacio de professo- res (1946), prevaleceu o enfoque prescritivo, normative instrumental, o que Candau (1983, p. 86) denominow de “0 momento da afirmagio do técnico e o silenciar do 7 Favies|. M.S, Sales, J.0.C.B: aga, M.M.S.C;Franga, M.S.LM. politico”. Suas preocupagdes foram reduzidas 20 "como ensinar’;ficaram centradas na transmissio de normas ¢ regras do “bem fazer’, padronizando nao so as agdes di- daticas a serem realizadas pelos professores, como incu- tindo nestes uma tnica logica de ver ¢ estar no mundo, ou seja,o pensamento liberal sobre a sociedade,a educa- ‘slo ea escola, a aprendizagem eo aluno Outra caracteristica da Didatica instrumental ¢ a adogio da neutralidacle como pressuposto do fazer docen- te, argilindo a defesa cla nogo de competéncia como uma qualificagio meramente técnica, oriunda do dominio de uum arsenal de métodos e procedimentos para uso em aula «totalmente isenta de valores e projetos politico-sociais, Por queaénfase na definiciiode normas,regrase re- ceitas sobre o como “dar aulas"? A configuracao da Didi tica como disciplina prescritiva tem sua razio de ser no predominio das praticas pedagogicas tradicionais, cuja tOnica foi a transmissio das verdades incontestaveis da Igreja e da Ciencia Positivista, ¢ a assimilagao acritica e passiva da cultura do dominador pelos dominados, atra- vés dos exercicios de repeticio. Entretanto, nem tudo seguia conforme a pedago- gia jesuftica expressa no Ratio Studioriun (1599) e a pe- dagogia de Herbart. Os tesricos franceses critico-re- pprodutivistas, empenhados na dentincia da educacio ¢ da escola como espacas da reprodugao do status quo, da preservagio das relagdes de dominagao e da transmissio da idcologia e da cultura do sistema social capitalista, nos puseram diante de um movimento de forte critica as Driticas pedagégicas liberais ou progressivistas, Suas re- flexoes colocaram em questao as agdes educativas ¢,em especial, disciplina de Didatica eos cursos de formagao de professores No Brasil, mais especificamente nos anos 1970, os educadores brasileiros entraram em contato com as 18 Didatica e doctncia tearias critico-reprodutivistas, insurgindo-se contra a institucionalizagao da Pedagogia Tecnicista. Nesse mo- mento reina a “antididatica” (CANDAU, 1983), ou seja, « Didatica da afirmago do cunho politico e da negacio do técnico; da deniincia do carater alienado e alienador dos processos de formacao e do seu atrelamento aos me~ canismos de reprocugio do sistema social capitalista. A Didatica anti tudo que nao promovesse a consciéncia «a militancia politica dos professores, em defesa de outro madelo social, atuando em frentes que se encontravam muito além dos murosda escola, Um movimento de rom- ppimento das fronteiras disciplinares e, consequentemen- te,de grande aproximagio da Didatica com a Sociologia e Filosofia da Educacdo. Fato considerado, por uns como tempo de uma identidade perdida e, por outros, como um ritual de passagem necessario a uma terceira possibi- lidade teorica da Didatica: a Didatica critica, “o momento dasintese ou da negagio da negacao” (CANDAU, 1983). ‘Maso que fazer depois da dentinciae da contestagao docariter alienadlor de nossa pritica pedagogica? A mili- vincia dos trabalhadores da educagao continuaria distan- te do espago escolar ou haveria chances de uma atuagao revolucionatia no interior dos Aparelhos Ideologicos do Estado? Muitos responderam que sim, apostando nas contradigoes presentes em todlos as espacos sociais € na capacidade de resisténcia aos processos de dominacio, por parte daqueles que alimentam suas priticas cotidia- nascom a utopia de um mundo socialmente justo, O cenério nacional nao podia ser mais propicio a cesta resposta. Os anos 1980, marcados pelo processo da *Redemocratizacao Brasileira’, favoreceram a crenga na capacidade de promover mudaneas, Prova disto foram ‘os intimeros encontros, conferéncias e movimentos lide- rados pela sociedade civil, novamente onganizada,levan- tando bandeirasem defesa de experignciasiinstitucionais 19 Farias, M.S; Sales, J.0.C. 8, Braga, M.M. S.C: Franga,M.S.L.M. mais democriticas. No campo educacional, viviamos 0 fertil momento da concep¢ao critico-dialética apontan- do as possibilidades reais da educacao escolar unir-se a outras estratégias de transformacio social. Estdvamos diante da propagagao das Tendéncias Pedagogicas Pro- agressistas, em especial, da Pedagogia Histérico-critica, também conhecida como “Critico Social dos Contei- dos” (LIBANEO, 1986). A Didatica critica surge, pois, como o terceiro elo da triade do pensamento dialético: tese, antitese e sinte- se. Instituiu-se como o momento de superagao de duas posigdes anteriores € opostas (a didatica instrumental € a antididatica), ilustrado pela Teoria da Curvatura da Vara, enunciada por Lenin (SAVIANI, 1985). ‘Mas o que caracteriza a Didatica critica? O que a di fere das duas abordagens anteriores? A Diditica critica sobrepoc 0 que ¢ fundamental no ato educativo, ou seja ‘oentendlimento da acao pedagogica como pratica social; a percepeio da multicimensionalidade do processo de ensino ¢ de aprendizagem, reconhecendo suas dimen. ssdes humana, técnica e politica; a subordinagao do qué edo como fazer ao para que fazer; a colocacao da com- peténcia técnica a servigo do compromisso politico com ‘uma sociedade democratica e, conseqientemente, com- prometida com o projeto de emancipacao humana. Em summa: uma didatica que articula teoria e pratica, escola € sociedade, contetido e forma, técnica ¢ politica, ensi- ‘noe pesquisa, Uma didtica que coneebe os professores como sujeitos que aprendem uma profissio e se fazem profissionais a medida que aprendem ensinando. Por uma Didatica critica e contextualizada Em nossa praitica pedagégica na disciplina de Did&- tica nas licenciaturas, iniciamos nossas aulas procuran- do identificar as impressdes e expectativas dos alunos 20 Didética e docéncia cm relagdo ao trabalho que sera desenvolvido, interro- gando-os sobre: 0 que € Didatica? Do que trata? Para que Didética nos cursos de formacao de professores? As res postas s2o quase unanimes: + A Didatica € uma discfptina que ensina como cnsinar + Esperamos aprender a ser bons professores, com uma boa didatica. «+ Aprenderemos novas técnicas para tornar nos- sas aulas mais dinamicase interessantes. Nio podemos dizer que a relagio estabelecida pelos alunos entre Didatica ¢ ensino esteja errada. Eles acertam quando identificam 0 ensino como objeto de estudo da Didatica, todavia o reduzem a transmissao de um pacote de srocedimentas metodologicos, destocados de um tem- po.de um espaco, dos fins educacionais e dos projetos de hhomem e de sociedade alimentados, mesmo que de modo inconseiente, pelos que assumem a conducdo do proces- so zducativo, Esquecem, também, da impossibilidade de alguém transformar outros em bons professores € que a adjetivacao bom professor € sempre relativac historicamen: tesituada De fato, a Didtica como area de estudo da Peda- gogia tem como objeto nuclear o ensino em situagio (PIMENTA, 2001), compreendido como uma pritica educativa intencional, estruturada e dirigida a outros. ‘Trata-se de um conhecimento pedagégico fundamental aofazer do professor e que extrapola o carater aplicado, Seu estudo abrange a problematizacio, a compreensio c asistematizacdo de questoes relacionadas a docéncia, articulando objetivos, contetidos, metodologias e avalia- ao do ensino a reflexao sobre a identidade profissional, 4 cimensto ética do trabalho do professor, os conbeci mentos necessérios a pritica educativa, entre outras pautas. Dizemos, pois, que a Didatica € teoria e pritica a Farias, |. M.S; Sales, J.0.C.B; Sraga, M.M. 8, C: Franga.M.8.L.M do ensino, conjugando fins e meios; propositos ¢ ages; objetivos, contetido e forma. As percepgdes dos alunos mencionadas no inicio des- tadiscussao realgam apenas aspecto instrumental, técni- co ¢ acritico da Didatica. A perspectiva adotada neste livro € de negagio dessa abordagem ¢ de afizmagao da Didatica Critica, posto que entendemos o fazer didético como “ati tude teorica e pratica” (PIMENTA, 2000, p.57), como pro- cesso, movimento ¢ trajetoria. Uma construgao individual ‘ecoletiva que sed nos cursos formativos, mas também no “chao da escola”, contracenando com alunos ¢ professores nas condig6es historicas em que estao mengulhados Esta abordagem se apdiano reconhecimento dos pro- fessores como sujeitos criativos, reflexivos e politicos; au- tores ¢ produtores de uma trajet6ria individual e coletiva mo meres espectadores da historia e consumidores ce- 8g0s dos estoques de técnicas de tiltima geragao, Tem sus- tentagdo, ainda, no entendimento da formacao como um ‘continu espaco propiciador de uma postura investigativa fundada na reflexao langa, profundae compartilhada sobre © nosso fazer didtico como educaclores, Das relagoes entre Educagao, Pedagogia e Di ‘Como se vé, na reflexao sobre Didatica ¢ recomrente fazer-se referencias a Educacio ea Pedagogia. Previamen- te, éimportante assinalar que a discussto dos vinculos en- tre esses conceitos,feita por autores como Libanco (1904, 1999), Mazzotti (1994) e Pimenta (2000, 2001), tem con- tribuido para explicitar suas especificidades e para refutar interpretagoes que tendem a tom4-los como sindnimos. A Educagio, compreendendo todas as praticas formativas, € um fendmeno social, histérico, dinamico € politico, Este processo simbolico, intencional ou nao- intencional, acontece em espacos diferentes e de varia- das formas. Inicia-se desde os primeiros dias de vida no ica 22 Didatica @ docéncia ambiente familiar € nos demais espacos sociais. Como assevera Brandao (1981, p.7): Ninguém escapa da educagio, Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo on de muitos, to- dos nés envolvemos pedlagos da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para faze, para ser ou para conviver, dos os dias misturamos a vida com a educagio. [-} Nio ha uma forma tinica nem um tnico modelo de echucagao, a escola nto é o tinico lugar em que ela acontece [.]:o ensino escolar nao €a Gnica pritica,e 0 professor profssional no €seu tino praticante, O argumento do autor evidencia a abrangéncia da edcagio, que pode ocorrer de forma espontanea (na intencional) ou planejada (intencional). Na primeira, a educagao se configura como process de insergao de pessoas no mundo cultural (CORTELLA, 2003; CASTANHO, 2006). E a partir da interagao ativa com © meio natural e social que o homem vai apreendendo costumes, comportamentos, valores, desenvolvendo referenciais religiosos, éticos, politicos ¢ culturais. As ideas e praticas que vivencia e compartilha a0 longo de sua vida sao ativas e intervém de modo informal € difuso, na formagao de sua personalidade. Na segunda, sobretudonapriticaeducativaescolaraintencionalidade aptesenta-se como traco central, caracterizando-se pela definigao prévia de objetivos, meios e condigtes que dio forma aos processos de ensino e de aprendizagem. ‘A educagao, quer em seu sentido amplo, quer em seu aspecto escolar, assume basicamente duas fungdes: adapta¢do ou transformacio social. A primeira feigdo, de curho reprodutivista, reforga as relagdes autoritarias na sociedade capitalista; a segunda, de cardter emancipato- rio, busca promover a resistencia e superar os mecanis. mos de dominagao, sobretudo as idealogicos, mediante 23 Farias, |.M. S; Sales, JO. 6.8; Braga, M. M.S, G; Franga, M.S. LM, a conscientizacao do ser humano. Esta altima reforga © entendimento de que a educag20, como mediadora da relagdo entre 0 individuo e a sociedade, mais do que “preparar os individuos para a vida social", pode vir-a- ser possibilidade de sua emancipagao (TONET, 2005, P.218). Educaré, pois, promovera formagao do homem como um ser livre, capaz de produzir ¢ de fruir dos bens culturais existentes na sociedade. A humanizagao do homem apresenta-se como 0 fim fltimo da educagao, pratica social que modifica ¢ € modificada pelos sujeitos que a concretizam. A re- flexao sistematica, problematizadora ¢ da totalidade da pratica educativa ¢ tarefa da Pedagogia, ciéncia da Educacio, cujo dominio se encontra na especificida de do fenémeno educacional, tanto no plano da teoria quanto da pratica. A educagao constitui objeto de es- tudo ¢ campo de investigagao da Pedagogia, que busca descrevé-la, explica-la e compreendé-la visando sua transformagao. A Didatica, por sua vez, tem seu funda- ‘mento na Pedagogia, configurando-se como uma disci- plina pedagogica que estuda os miltiplos aspectos do processo de ensino (LIBANEO, 1994). Educacio ¢ Peclagogia si0 dois conceitos distin- tos, mas com uma interdependéncia orgénica: 0 pri- meio, como pratica, “depende de uma diretriz peda- gogica previa’; o segundo, como ciéneia, “depende de uma praxis educacional anterior” (PIMENTA, 2001, p. 56). E nesse sentido que sinaliza Mazzotti (1994, p. 6) ao postular a Pedagogia “como uma ciencia do fazer educativo” mas, que como tal, nao se confunde “com 0 proprio fazer que permanece como atividade do educa- dor”. Trata-se de uma ciéncia “pratica da e para a pri- xis educativa’, pois, como adverte Schmied-Kowarzik (1983, p. 14), “os fendmenos educativos se apresentam ‘como seu ponto de partida e de chegada’ 24 Didatica @ docencia Tal reconhecimento ¢ fruto do debate epistemol6- ico ocorrido, sobretudo, nos anos de 1980 e 1990 acer- ca da natureza c especificidade da Pedagogia frente as demais Ciéncias Sociais e Humanas. Embora nao pres- cinca da contribuigao de citncias como a Sociologia, a Filosofia, a Economia, a Historia e a Psicologia, vale lembrar o alerta de Estrela (1992, p. 12) Normalmente seus diagnosticos sto seguros, as hipdteses emitidas sto fecunclas. No entanto, seu valor para. professor ou para o investigador peda- gogico é, quase sempre, diminuto ou mesmo nulo. Constituem andlises paralelas a problematica que Ihes € espectfica. Na verdade, quando o psicélo- go trabalha no campo educacional, nao faz (nem pode fazer) Pedagogia: aplica conceitos e métodos de sua citncia a um dos diversos campos da acti- vidade humana, 0 da Educaga0, Os resultados sio, pois, de ordem psicolégica, como o seriam se opsi- _cologo exercesse sua aeg0 no campo do trabalho, da clinica ou outros, O mesmo, evidentemente, s¢ poderé dizer de outras ciéncias. Na analise da educago sob © ponto de vista das demais Cigncias Sociais e Humanas a énfase recai so- bre seus abjetos tearicos e priticos de estudo. Como ressalta Pimenta (2001, p. 45), “a especificidade do fe ndmeno educativo fica totalmente dilufda’. Mesmo compartilhando desse pensamento, entendemos que a ponderagao desses autores, de modo algum, nega as conmibuices das diversas areas do conhecimento para «cempreensio da pratica educativa, O didlogo eo inter- cambio entre esses olhares podem favorecer a produgio de uma interpretagio interdisciplinar desse fazer eapor- tar elementos que fortalecam a autonomia epistemolo- gice da Pedagogia como Ciéncia da Educagao. & este 0 desafioe anossa expectatival 25 Farias, ILM. Si Sales, J.0.€.8; Braga, M.M.S. C; Franga, M.S. LM. & Sintese da Introducao O texto revela 05 caminhos percorridos pelas auto- ase as decisdes necessérias para a definigao das temati- cas que compoem a presente publicacao. Informa sobre ‘@ organizacao do livro em duas partes e descreve a cons- tituic2o ¢ os assuntos apresentados em cada uma delas. Reflete sobre 0 percurso histrico da Didatica e, com base em relatos colhidos em situagdes de aula, discute as percepcoes existentes acerca da disciplina. Explicita arelagio entre as concepgoes de Pedagogia, Educacao e Didatica, comando porbaseos estudos de Libaneo (1994, 1999), Mazzotti (1994) e Pimenta (2000, 2001). @ Atividades 1. Este primeiro texto discutiu algumasidéias-chave para darmos prosseguimento 20s nossos estudos. Destacou, por exemplo, as concepgdes de Educacio, Pedagogia © Diditica; a natureza e as fungdes possiveis de serem assumidas pela pritica educativa, bem como as pers: Pectivas instrumental e critica que podem caracterizar a Didiitica. Nestes termos, confronte o contetide abor- dado com suas cancepedes e expectativas anteriores 2 Ieiturae discussio do texto, expondo as coincidéncias, as discordncias eas descobertas 2. A construcio de um mapa conceitual revela a com- preensao ¢ a capacidade de sintese do leitor sobre os conceitos presentes no texto, Ele pode assumi for- matos diversos, a exemplo de um diagrama, esque- ma, grafico, drvore, dentre outros, “O fundamental € a identificagao dos conceitos basicos e das conexdes entre esses conceitos, ¢ 0 deles derivados: isso leva a 26 Didatica e docéncia elaboragao de uma teia relacional” (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 83). Retome a leitura da introducto ee produza um mapa conceitual. 3, Educagdo de Pequena Arvore & um filme que se passa nos EUA, na década de 1930, O enredo aborda os conflitos existentes entre a educacao vivenciada na comunidade indigena Sherokec¢ a proposta educativa de uma escola americana para indios. Assista ao filme eidentifique: a) As concepgoes de educacao nele veiculadas. b) A functo social desempenhada pela escola c) As relagoes existentes entre algumas cenas do filme 0 pensamento de Carlos Rodrigues Brandao, citado no texto. Bibl SEVERINO, Anténio Joaquim. A Educagio como media- ao da existéncia historica In: ___. Educagio, sujeito © historia. Sa0 Paulo: Olho d'igua, 2001, p. 67 ~ 81. O texto dliscute a pritica educacional como prixis, explictando sua dimensio técnica e politica. Em uma perspectiva cri- tica rflete sobre a fungio repredutora da escola sem, no envanto, deixar de reconhecer seu cariter transformador. autor defende a educagio como central para a consti- tuigao do homem como sujeito. Trata-se de leitura impor- tante para o aprofundamento da educago como prética ‘social e historica. Ivo, Educagao, cidadania e emancipagao hu- mana. [jut: Editora Unijui, 2005, 256p. (Colegao Frontei- rasda Educacio). Ao abordara edlucagiio ea emaneipagio humana sob a ética marxiana, Ivo Tonet destaca a origem dacducagdo e sua natureza como pano de fundo para dis: cutir os requisitos necessirios a uma atividade educativa Comentada 27 Faria, l.M_S; Sales JO. C.B; Braga, M.M. S.C; Franga, M.S. L.M. cemancipadora. Critica nogao de cidadania como objetivo maior do ato educative, defendendo como fim tltimo des- sa pratica social a emancipagao, categoria por ele compre- endida como sinonimo de liberdade efetivae plena. BRANDAO, Carlos Rodrigues. © que € educagao? 42° reimpressao da I edigdo, $40 Paulo: Brasiliense, 2003, (Co- lecdo Primeiros Passos). O livro nos instiga a pensar que nao hi uma (nica forma de fazer educagao, que a escola ino possui a exclusividade dessa pratica e que o profes- sor nao € 0 tinico que a pratica. A educa¢ao existe, sim, no Jmaginétio das pessoas e na ideologia dos grupos sociais; seu papel € contribuir para a transformagao dos sujitos «quetornario o mundo melhor. Ao contrario disso,ela pode deseducar ealienar, perspectiva suplantada pela visio es- perangosa do autor 28 Parte | Para compreender as bases do fazer docente Souscheentedeum campo concen ences ram uc enhua es ds reset Car ei constas por eget stab, saat ened porn edn Beis ten Porcfometestenadas Malbec bts por sain civ Asim, deco daencagto. Me pedo eosaiin av mostes dpa seen tan Oro or sues deve prod nonstop ha peel ‘ou cichmanns instruidos, Lerecsree ber tiie Aka opr cece pn omar oss esos (Carta de um sobrevivente ~ BOLSANELLO, 1986, . 206) 29 Capitulo 1 Fundamentos da pratica docente: elementos quase invisiveis Oestudo dos fundamentos da Didatica ou das teorias «que est2o na base do fazer profissional do professor cons- titui o objetivo desta secdo, Estes elementos nos possibi- litardo compreender os determinantes historicos do fazer docente, proceder uma leitura critica de nossa pritica € redimensioné-la em fungdo das concepgdes que construt- ‘mos acerca da sociedade, da edueagao, da escola edo papel ocente no processo de ensino e de aprendizagem. e inicio, € importante apreender que o projeto de educacao, a forma de organizacao e de funcionamento da escola, bem como a agao didatica dos professores, assumem diferentes formas no decorrer do tempo. Por vezes, apresentam mudancas substanciais, noutras, ape nas superficiais, S20 enfoques, movimentos, formatos, tendéncias, correntes, abordagens diferenciadas sobre a educagio e a pritica pedagogic, segundo um aporte te¢rico hegeménico em cada momento ¢ lugar. Eo que estamos chamando de aporte teorico? Refe- rimo-nos a um conjunto de idéias, valores, conceitos de hhomem ¢ de sociedacle que ancoram formas de interpre tagio de definiga0 de rumos para o processo educativo. Estas proposicdes tém coneebido diferentes tendéncias, {sto ¢, “orientagbes gerais a luz das quais e no seio das 31 Farias, |.M.$:Sales,J.0.C. B; raga, M.M, S.C: Franga, M.S. LM: quais se desenvolvem determinadas orientagoes espe- cificas” (SAVIANI, 1985, p. 19). No campo educacional, estas sto denominadas de tendéncias pedagogicas Nao é demais lembrar que, sendo a educagao uma Pritica social historica e dinamica, as tendencias peda- gogicas no se apresentam de forma estanque e seqien- clada por uma cronologia linear. © despontar de uma nto significa, necessariamente, o silenciar de outras. A possibilidade da presenga de varias orientagdes em um ‘mesmo periodo histérico evidencia a contradicao,ocon- flico ¢ © confronto entre diferentes, ¢ até antagonicos, ptojetos educacionais e sociais. s fundamentos do fazer docente permeiam as re- flexoes realizadas no campo da Didatica. Inameros auto- res deles tem se ocupado. Dentre as proclugoes existen- tes destacam-se as formulagdes de Bogdan Suchodolski cm A Pedagogia eas Grandes Corrents Flosoficas (1992), de Dermeval Saviani em Escolae Democracia (1985) e de José Carlos Libaneo no livro Democratizao da escola piblica a pedagogia crftico-social dos conteidos (1986). Estes autores sto considerados referéncias na compreensao do fend- meno educativo nas perspectivas filosofica, sociolégica e pedagégica Bogdan Suchodolski (1992) apresenta uma pe- dagogia baseada na esséncia do homem e outra na sua cexisténcia. A primeira se “assenta numa concepsao ideal do homem, racionalista em Plato, crista em $40 Tomas de Aquino” (ibid, p.18). A segunda, *perceptivel ja em Rousseau e seguidamente em Kierkegaard, toma o ho- mem tal como € € nao como deveria ser” (ibid, p. 19). 0 ceducador polonés reconhece as limitagoes de cada uma dessas pedagogias. Nesse sentido, sem advogar uma fu- sao entre esséncia ¢ existéncia, assinala a necessidade de sintese entre estas duas tendéncias, depositando, numa perspectiva socialista da educacao, sua esperanca 32 Didatica e docéncia Dermeval Saviani, por sua vez, tomaa categoria “mar- sinalidade” como referéncia para compreender a educagio como instrumento de sua superacao (equalizagao social) 1 ce sua reprodugao (discriminac3o social), Este Angulo de aniliseo leva a situar as tendléncias pedag6gicas no es- copo das teorias ndo-criticas critico-reprodutivistas ¢ cri ticas, Nesta direcio também se encontram os estudos de José Carlos Libaneo que, buscando compreender a escola no contexto da sociedlade capitalisa, classifica as tendén- cias educacionais em liberais e progressistas. As formula- gbes dos trés autores evidenciam que a pratica educativa 1o se dno vazio, mas tém por base, necessariamente, uma concepgio de homem, de sociedade e de escola que sustentam e drigem 0 fazer docente Estas contribuigdes foram consideradas no seu con- |jumto, mas neste texto tomamos como principal fonte a sistematizacao de Dermeval Saviani e José Carlos Libaneo, conforme pode ser veificado nos dois itens que compoem, «sta seqdo, quais sejam: as teorias que dao sustentacao as praticas educativas e a caracterizagao metodologica das tendéncias pedagogicas reformistas etransformadoras. 11. Teorias que dao sustentagao as priticas educativas Grosso modo, quando estdo em pauta os projetos iaiores de sociedade, as concepgdes mais gerais sobre ‘que é, 0 que pode ¢ o que deva ser o mundo e a reali- dace, recorremos a diferentes interpretagoes sociologi- cas Este €0 caminho pelo qual também enveredamos 20 tomarmos como ponto de partida as teorias positivsta, critico-reprodutivistas ¢ a historico-critica ou dialética para classificar as tendéncias pedagégicas em reformis- tase transformadoras Iniciemos nossa discussto procurando nos familia~ rizar com as principais idéias de cada uma das teorias que esto na base do fazer docente 33 Farias, |. M.S; Sales, J.C. B: Baga, M.M.S.C: Franga.M.S.L.M. + A Teoria Positivista A perspectiva positivista concebe a sociedad como uma grande maquina, um corpo vivo, em que cada uma de suas pegas ou 6rgios ~ 0s individuos - tem um lugar uma fungao que lhe € propria. Para os positivistas este corpo funciona como um todo harménico e perfeito, ¢, pela sua perfeigao, nao apresenta necessidade de mu- Ganga, Falar em mudanea significa, pois, falar de risco, de morte, de comprometimento do que esta posto. Nocasodedisfungdes, desvios, individuos “amargem" das benesses produzidas por este sistema supostamente perfeito, este fendmeno passa a ser caracterizado comoum fenomeno ocasional, acidentale individual. Compreencle- ‘se que foram os individuos ~ peeas desta grande maquina ~ que deixaram de cumprira contento os papéis que lhes foram designados. Estes, por serem criaturas com ritmos, talentos, aptidoes ecapacidades proprias, é que secolocam & mangem ou no centro do processo social E como recuperar estas “pegas” que, porventura e acidentalmente, estao a margem do sistema? De acordo com a perspectiva positivist, utlizando-nos do tinico e Jegitimo instrumento de equalizacao social -aeducacao, entendida como mecanismo que supera as diferencas ¢ as desigualdades. £ importante lembrar que a origem de tais diferengas ¢ desigualdades foi considerada, em um primeiro momento, como divina (explicagao humanis: ta-catolica) e, aposteriori, como natural ou genética (cx- plicagio humanista-iluminista), mas nunca forjada pela Jogica da organizagao e do funcionamento da sociedade capitalista. Essa perspectiva, que comunga da idéia de que os homens sao diferentes em sua esséncia, tem uma visio redentora, compensatsria ¢ entusiastica da educa- ‘0, Nesse sentido, entende que 66 a escola, por ser con- siderada uma instituigdo “neutza” e “auténoma’ face aos 34 Didatica e docéncia pprocessos sociais, € que tera o poder de readmiti-los no sistema social (SAVIANI, 1985). Com o suporte dessa linha de pensamento quatro tendéneias pedagogicas apresentam explicagdes parti- culares para o fendmeno da marginalidade, prescreven- do medidas pedagogicas também diferenciadas para sua superagio, quais sejam: tendéncia pedagogica tradicio- nal, heranga jesuitica; tendéncia pedagogica renovada progressivista, heranga do pragmatismo de Dewey; ten- deneia pedagogica renovada nao-diretiva, legado da psi- cologizacto do ensino; tendéncia pedagogica tecnicista, transposigao dos principios fabris para o chao da escola (taylorismo e fordismo). Para a Tendéncia Pedagogica Tradicional, nomen- clatura utilizada por Saviani (1985) ¢ Libaneo (1986), s¢ os individuos est2o na condigdo de excluidos ¢ porque Lhes {altam conhecimentos, Por este motivo, a escola se propoe a trensmitiro produto final do saber cientifico e universal. ATendencia Pedagogica Renovada Progressivis- ta, denominagao cunhada por Libiineo (1986), explica 0 fenémeno da marginalidade pelo fato de os individuos niio terem desenvolvido, até entio, as estruturas cogni- tivas necessirias a construgao do saber. Nesta condicao, estes individuos ficam & mercé da producio intelectual alheia e, por conseqiéncia, tornam-se meros consumido res do acervo cientifico c cultural produzido por outros, ‘A Tendéncia Pedagogica Renovada Nao-Dire- tiva, assim identificada por Libaneo (1986), aposta na formagao da personalidade, no autoconhecimento, na realizacao pessoal, Saudaveis relagdes interpessoais S20 percebidas como a estratégia de superagaodo fosso exis tenze entre aqueles que se encontram a mangem eos que se encontram no centro do sistema. ATendencia Pedagogica Tecnicista, terminologia utilizada por Saviani (1985) ¢ Libaneo (1986), defende 36 Farias, | M.S: Seles, J.0.C, 8: Braga, M.M.S. C;Franga, M.S. LM. que a superagio dos processos de exclusio passa pelo caminho da formagio para o mercado de trabalho, trei- nando mao-de-obra critica soba légica da proclugaoem massa e padronizada, Para as tendéncias pedagégicas acima, o indivi- duo ~ sempre tomado de modo isolado ¢ nao como clas- se social ~ € que precisard aprender a conhecer, a ser, a conviver e a fazer. Considerando as formulagoes de Su- chodolski (1992) € posstvel dizer que estas orientagdes pedagogicas se assentam numa concepgao essencialis- ta do homem. Partindo dessa premissa, tais correntes pedagogicas foram classificadas por Dermeval Saviani (1985) como “ndo-criticas” ¢ por José Carlos Libineo (1986) como “liberais”. Nao-criticas, por nfo questiona- remo modelo social que gera desigualdades, pela forma como organiza a produgio da vida material; liberais, por reforgarem as teses do liberalismo econdmico ~ teoria de sustentacdo do modo de producto capitalista. Nos, no presente texto, as identificamos como tendéncias pedagigicas reformistas pelo fato de nao abalarem as Vigas que sustentam a sociedade capitalista, ou seja, por corroborarem com a manuten¢ao de seu status quo. Mesmo que a perspectiva positivista ainda predo- mine como corrente de pensamento, nao podemos afir- mara sua unanimidade. Ha os que acreditam e]utam pot mudancas radicais, profundas, estruturais. Um exemplo disso sio os teéricos critico-reprodutivistas que chegam ¢ desmontam as certezas ‘positivas" acerca das possibi- lidades de organizagdo da sociedade e do papel exercido pelaescola * As Teorias Critico-Reprodutivistas (Os que sistematizaram a perspectiva critico-repro- dutivista se contrapoem, de modo radical, a0s positivis- tas. Assim o fazem por perceberem 0s conflitos sociais, 36 DidAtica e docencia por negarem a harmonia e a perfeigao do modelo social capitalist e por denunciarem a natureza degenerativa deste tipo de sociedade. Para eles a sociedacle capitalista € conflituosa ¢ classista, sendo a desigualdade e a exclu- slo nao s6 produtos inerentes a sua estrurura, mas con: dito para sua manutengio. ‘Ao mesmo tempo, por perceberem 0 movimento, a transformagao em toclas as coisas, defendem a necessida dee possibilidade de mudanga e de criagao de uma nova orckm social. Mas como efetivar mudangas? Que espagos cocupar para este fim? A escola seria um destes espagos? Para os tebricos critico-reprodutivistas a mudanca social é necessiria e possivel, contudo, nao realizavel nos apaelhos ideologicos do Estado (AIE), dado o seu com- prometimento com os interesses da classe social detentora dosmeios de produc, por conseguinte, do poder polit co, Paraestes,aescola~comoum dos AIE ~¢, tdo-somente, instrumento que mantém, conserva e reprocuz 0 sats quo Umespago de dominagao, alienacio e, conseqtientemente, de morte dos desejos de mudanea (SAVIANI, 1985). Em decorréncia dessas proposigbes, entende-se ser imposstvel encontrar propostas pedagégicas para serem efetivadas no interior ea partir dos sistemas formais de ensino, Neste caso, a luta por mudangas na estructura da sociedade se trava nos movimentos sociais livres da do- minacio ideologica do estado burgues Dentre as principais concepges tedricas critico- reprodutivistas temos a Teoria da Violéncia Simbélica, apresentada por Bourdieu ¢ Passeron; a Teoria da Esco- la enquanto Aparelho Ideol6gico de Estado, formulada, por Althusser;e,a Teoria da Escola Dualista, de autoria de 3audelot ¢ Establet Qual a tese defendida por cada uma das teorias, critico-reprodutivistas? Vocé € capaz de lancar algumas hipoteses a este respeito? Vamos pensar tum pouco ¢ de- 37 Farias, 1.M.S;Salas, JO. C, B; Braga, MM. S.C: Franga, M.S. LM. pois confrontar nossas provaveis respostas com a expli cagao dada por Saviani (1985), Sobre a Teoria da Violén- cia Simbolica este autor diz: Toda e qualquer soviedade estrutura-se com uma ase de relagdes de forca material (dominacao econdmica) simbética (dominagao cultural). As relagdes de dominagio cultural ou de violencia simbélica se manifestam, dentre tantas formas, através da agdo pedagogica institucionalizada ou seja, através do sistema escolar. (1985, p. 22). [Grifos nossos} Este argumento denota a pritica educativa escolar como uma ago politica, no neutra, cujo processo for- Iativo é permeado por relagdes de domina¢io via impo- sigao arbitréria da cultura dominante. A nogdo de ideologia ocupa lugar importante na Teoria da Escola como Aparelho Ideolagico do Estado, 2 qual possui uma “existéncia material” que, segundo Saviani (ibid., p. 26), “toma forma em rituais ¢ institui- oes criadas e mantidas pelo proprio estado’. Tais ins- Utuigoes ou aparelhos tanto podem assumir um carter repressivo quanto ideologico, No primeiro caso “quan- do fazem uso da forga para manutengao da ordem"; no segundo, “quando funcionam massivamente através da idleologia e secundariamente da repressao”. Por sua vez, a Teoria da Escola Dualista entende que, mesmo possuiindo “aparéneia unitéria e unificado- n° (ibid, p. 29), a escola encontra-se dividida em dua tuma para a burguesia e outra para o proletariado, Esta Gualidade reproduz, assim, a divisto social existente en- tre capital e trabalho, dominantes e dominados, opres: sores e oprimicos 38 Didatica e docéncia © A Teoria Historico-Critica ou Dialética Felizmente, novos elementos so incorporados a nossa capacidade de ler © mundo, Entram no debate tedricos que percebem as contradigoes € a resistencia em todos 0s espacos sociais, inclusive nos AIE, e que as toma como propulsoras do movimento, da ruptura, da transformagao de velhas em novas estruturas, Vamos aprender com Gramsci (1978) e Giroux (1983) que a es- cola, mesmo na condicao de AIE, é também um espaco de luta possivel, tanto quanto os movimentos sociais e classistas organizados pelos trabalhadores, Apoiadas neste raciocinio, trés proposigdes edu- cativas compoem o bloco das Tendéncias Pedagogicas Progressistas, ou seja, as que compartilham da teoria critica da sociedade e da concepeao dialética da edu- ‘cagio, E quais sto elas? Como explicam o fendmeno da marginalidade? Quais os desafios por elas apresentados? Nossa reflexao busca apontar alguns elementos que aju- dam a compreender tais questoes. Para as tendéncias pedagégicas progressistas © fapel da escola € o de contribuir com o processo de construgio ¢ consolidacdo de outro modelo social. Uma sociedade nao mais pautada nos principios do individu- alismo, da competi¢ao e da propriedade s6 para alguns, mas fundada na igualdade de direitos e oportunidades, na cooperagio ¢ na justica social. Cabe & escola instru rmentalizar as classes trabalhadoras com elementos te6- ricos e priticos essenciais a transformagao da realidade. Aqui reside a diferenga basilar entre as tendéncias pedagogicas progressistas e as progressivistas. As pri- meiras se empenham na defesa de mudangas sociais pro- furdas, a0 passo que as segumdas acreditam na possibi- lidade de empreender reformas que aperfeigoem o atual modelo social Tustra esta tese as proposigdes de Dewey 39 Fatias, M.S; Seles J.0.€. 8; Braga, M.M.S. C; Franga, M.S. L.M. ‘que sustentou a bandeira da democratizagao da socieda- dee da escola, mesmo sob a logica do capitalismo, A Tendencia Pedagogica Libertadora, uma das ver- tentes do bloco das tendéncias pedagogicas progressistas, propte o desafioda promogio de situagdes educativas que gerem a capacidade de desvelamento dos véus que enco- bbrema realidade. Esta atitude visa a fomentar uma consci- encia politica, por conseqdéncia, desalienar os oprimidos ce explorados, conforme nos ensina Paulo Freie (1983). A Tendéncia Pedagogica Libertaria considera que conseguir alcangar os propésites progressistas nto pode prescindir da contribuigdo das experiéncias coletivas democraticas de organizacao grupal e de autogesto pe- dagégica. Acredita ser este o primeiro passo para a gestdo coletiva e democratica da nova sociedade a ser erguida, Para a Tendencia Pedagogica Historico-critica, assim denominada por Saviani (1991) ¢ identificada por Libaneo (1986) como Critico-social dos Contetidos, 0 compromisso fundamental da educagao escolar € o de assegurar aos dominados a apropriagdo critica do saber Cientifico e universal. Este se constitui em instrumento de luta, por exceléncia, para a elaboragao de um novo projeto social, papel secundarizado pelas tendéncias pedagégicas libertadora e libertéria, ao privilegiarem a consciéncia politica eas experiéncias democraticas e co- letivas de organizagao social, respectivamente. As Tendéncias Pedagogicas Criticas (SAVIANI, 1985), também identificadas como progressistas (LIBA- NEO, 1986), ao contririo das Tendencias Pedagogicas Reformistas, abordam 0 fendmeno da marginalidade como uma decorréncia do modo de produgao capita- lista. Nesse sentido, situam o individuo no contexto de sua classe social e creditam a origem das diferencas ¢ desigualdades sociais, em Giltima instancia, as condligoes materiais da existencia. Estas tendencias pedagogicas, 40 Didatica e dooéncia portanto, estao fundamentadas numa concepeao exis- tencialista do homem (SUCHODOLSKI, 1992). Compartilhando destes pressupostos, identifica: mos estas tendncias como transformadoras pelo fato dle advogarem mudangas substantivas na estrutura so cial capitalista, visando a constituigao de uma sociedade pastada na ética do bem-comum. As Tendéncias Peda: gogicas Transformadoras acreditam que a educacao, em Conjunto com os movimentos socias livres da tutela do Estado, sero cimento desta obra, cabendo-lhes dar con- sisténcia e sustentagio a um novo projeto de sociedade. Examinadas as teorias que alicercam as priticas educativas reformistas e transformadoras, passemos a sua caracterizacao metodologica. 12 Caracterizagio metodologica das tendéncias peda- gogicas reformistas e transformadoras Em principio, nfo € demais lembrar que a agio di- datica € uma pritica social que acontece em um deter- minado contexto e orientada por ideais de escola e de sociedade. ffruto de certos pressupostos e propssitos, deixando transparecer a cada ato, fala ou silencio, o que somos, acreditamas e defendemos. ‘A compreensio de que as prticas metadologicas re saltam das nossas opgtes tebricas, portanto, poiticas,le- vanosa discutir a didética predominante nas Tendéncias Pedagégicas Reformistas e Transformadoras, Fagamos juntos o exercicio de estabelecer os nexos entre 0 como, 0 porqué eo para qué nessas diferentes concepcoes. + A didatica nos projetos politicos ¢ educativos reformistas| A Pedagogia Jesuitica ¢ o Sistema de Instrucdo Formal proposto por Johann Friedrich Herbart caracte- rizaram a abordagem tradicional e acritica da educa¢ao “4 Farias LMS; Sales, JO. C8: Braga, M.M. S.C; Franga, M.S. L.M. eda escola, Estas propostas fincaram os pilares de uma didatica do dar aulas pelo uso da exposigao verbal e uni- Jateral do professor e do tomar o ponto, pelos exercicios de copia e fixagio por parte dos alunos. Aprende-se ouvindo e prova-se que aprendeu por ‘meio da devolucao das informagdes que foram deposita- das, pelo professor, na cabega vazia dos alunos, por isso a expresso “educagao bancaria”, cunhada por Paulo Freire (1983). Associa-se a aprendizagem a capacidade de re- ter, guardar, memorizar, armazenar de forma mecanica, passiva e receptiva um considerivel acervo cultural Vale salientar que estamos nos referindo ao acervo cultural de outros, a cultura do colonizador, do dominador, imposta como dogma de fé e tratada 2 revelia da realidade social de quem aprende e das estruturas cognitivas construidas pelo aluno. A relagio professor-aluno ¢ vertical ¢ autori- taria, pois se acredita que o medo, a distancia, a ordem ri- sida e preestabelecida, o ambiente austero co silencio sto condigbes para que a aprendizagem ocorra Paraa Tendéncia Pedagégica Renovada Progres- sivista, mais importante do que a aquisigo mecanica do produto final do saber elaborado pela humanidade € a descoberta dos mecanismos e dos processos de constru- Gaodeste saber. Eclode aidéia do aprenderaaprenderea tese segundo a qual s6 se aprende a fazer ciéncia/conhe- cimento, fazendo. Esta foi a proposta didatica oriunda do pragmatismo de John Dewey para uma nova escola, cujos referenciais foram dispostos pela pedagogia cien- tifica e pelo movimento escolanovista Com esta tendencia emerge uma didatica da or- ganizagio de situagdes desafiadoras da aprendizagem, setadoras de novos esquemas mentais. Estas situagoes, que colocam 0 aluno no centro do processo de ensino ¢ de aprendizagem, derivam dos métodos ativos, que re- correm as etapas do método cientifico. As pesquisas, 0s 42 Didética e docéncia expetimentos, a resolugio de situagoes-problemas e os projetos sio expressdes dessa abordagem metodalogica, na qual o ato de aprender ¢ associado a capacidade de descobrir e de construir respostas para a vida cotidiana. As situagoes desafiadoras da aprendizagem tem lugar privilegiado na didatica renovada progressivista. Outras formulagdes também contribuiram nesta dire- ¢a0, a exemplo dos estudos do suigo Jean Piaget. O for- muledor da epistemologia genética vai chamar a aten- 0 para o fato de que o ser humano apresenta, 20 longo de seu desenvolvimento, ritmos e estruturas mentais proprias, fruto das interagdes que ele estabelece com 0 ‘mundo empirico para produzir conhecimento, mediante diferentes estagios (GOULART, 2005). Tal entendimento aponta para a necessidade de 0 professor conhecer os estgios de desenvolvimento cog- nitivo pelos quais passa a crianga visando a organizago das experigncias escolares, de acordo com seus interesses, ritmos e condigoes de raciocinio, Cabe-lhe, ainda, propor- cionar um ambiente rico em situagées ¢ materiais, arquite- tanco, desse modo, “situagtes desequilibradoras” (jbid.). Para os construtivistas este ¢ o caminho pelo qual ecorre nos sujeitos a passagem das estruturas mentais mais sim ples para as mais complexas, condi sine qua non para 0 pprocesso de construc do conhecimento. Esta compreensio da aprendizagem alteraarelagao professor-aluno, uma vez que este ultimo, agora reco- nhevido como sujeito capaz de construir conhecimento, cocuna 0 centro do processo de formacao. O professor, concebido como facilitador ¢ orientador do processo de cnsino e de aprendizagem, assume uma postura mais respeitosa diante das diferengas individuais. ‘A Tendéncia Pedagégica Renovada Nao-diretiva aerescentou mais um elemento, a afetividade. Por enter: der a aprendizagem como um ato individual, intemo e 43 Fass, |.M. 8; Sales. JO. C.8; Sraga, M. M.S. ; Franga, M.S. LM, intransferivel, possivel s6 a partir do momento em que inossas percepgdes, motivagbes e emogses sio tocadas, os znao-diretivistas advogaram uma didatica liberta de todo e qualquer direcionamento previo erigido. Defendia-se uma dldatica capaz de gerar um clima propicio efaclitador da comunicagao do aluno com ele mesmo e comes outros. Desta feita, 0s contetidos escolares passaram a ser selecionados pelos alunos, ce acordo com o grat de signi- ficacao pessoal em consonancia com suas motivagbes. Os cantinhos da sala € os centros de interesse represen- taram, por muito tempo, essa liberdade de escolha. For am incluidas, no elenco das atividades curriculares, as técnicas de sensibilizacio, expressio e de comunicacao interpessoal com 0 propssita de promover o desenvolvi- mento do eu do aluno, dlo seu autoconceito pasitive ede sua realiza¢io pessoal, Carl Rogers destaca-se como principal referencia na constituic2o dessa linha de pensamento, pois acredi- tava que. efetivacao do bindmio inteligencia-afetividade (a¢a0-emoga) seria condigao para uma aprendizagem solida. Tal associagao é por ele percebica como exigen- cia para a formacio de individuos capazes de se adap- tarem ao sistema social vigente, sem grandes traumas ¢ dificuldades, Este entendimento situa a afetividade no centro da relagio professor-aluno. Até aqui ndo ouvimos falar em criticidade, muito ‘menos nos mecanismos de resistencia coletiva aos pro cessos de aculturagio ede acomodagio 20 modelo social capitalista, Mas ndo podemos negar que a autonomia intelectual ¢ emocional propagada pelas tendéncias pedagogicas renovadas progressivista ¢ nao-dirctiva fomentaram nos individuos a iniciativa, a curiosidade, a comunicagao ¢ o sentimento de auto-confianga, Estas concepgoes pedagogicas passaram a ser per- ccebidas comoum risco a ordem instituida pelos governos 44 Didatica e docéncia autoritarios. Estes encontraram na Tendéncia Pedago- gica Tecnicista o suporte necessario para viabilizar seu proje:0 econdmicoe politico: oincremento da industria lizagdo ¢ a imposigao do regime antidemocratico. Tal corrente pedagogica, por sua vez, buscou fundamenta- 20 ma psicologia comportamentalista e behaviorista. Nesse momento, a didatica se reveste de estratégias de controle e diretivismo, adotando a tecnologia edluca- cional como forma de repaginar antigos métodos, muitos dos ctais advindos da tendéncia pedagogica tradicional ‘A incividualizagio do ensino ganha énfase. As técnicas ¢ dinamicas de grupo, quando realizadas, movimentam a sala de aula, mas silenciam as discussdes. O aluno volta a receberefixaras informacoes, desta vez recorrendoa uma iaior diversidade de recursos e técnicas instrucionais. Esta proposta tem como pressuposto, conforme registra Saviani (1985, p. 23), “a neutralidade cientifica inspirada 1nos prineipios da racionalidade, da eficiencia e produtivi- dade’, visando a tornar oensino “objetivo e operaciona’. ‘Que papel é reservado ao professor nesta proposta? Este assume posic20 secundiria com relagao aos fins, reduzindo seu fazer a execugio do processo de ensino concebido e controlado por especialistas. Sua pritica € marcada pelo emprego da seqaéncia skinneriana es- timulo ~ resposta ~ reforgo, caracterizando 0 ensino como um “arranjo € planejamento de contingéncia de reforgo” (MIZUKAMI, 1986, p. 30). Tem como tarefa treirar, moldar, condicionar, prever e controlar resulta- dos com o intuito de instalar nos individuos as respos- tas previstas pelo sistema social capitalista. Tudo isto porque, a luz dos experimentos de Pavlov, Skinner € ‘Watson a aprendizagem € concebida como mudanga do comportamento em fungao de uma conduta ou desem- ppenho esperado e 0 ensino como processo de condicio~ namento humano. 45 Fala, |.M. 8; Sales. J.0. C. 8; Braga, M.M.S.C;Frenga, M.S.LM. Nesta tendéncia pedagégica os contetidos que ga- ‘nham espaco nos curriculos sio aqueles tidos como obje- tivos e neutros, organizados, aprioi, pelos téenicos e espe- cialistas educacionais e expostos em manchetes nos livros didaticos. Cocrente com esta orientacio, a relagio profes- soralino ganha maior discanciamento sob o angumento da objetividade, do profissionalismo ¢ da impessoalidade, Observarse nas tendéncias pedagogicas tradicio- nal, renovada progressivista e nto-diretiva, bem como na tencléncia pedagogica tecnicista, distingdes de natureza metodalogica que nao alteram 0 sentido politica do ato educativo escolar. Com efeto, tais propostas metodols- sicas contribuem para fortalecer 0 modo de produto ca- pitalista que, por diferentes vias, busca legitimar as desi- ualdades sociais como fendmeno natural. Por esta razio, acreditamas nao ser demais lembrar que elas compoem 0 bloco das tendencias peclagogicas reformistas ‘+ A didatica nos projetos politicos ¢ educativos trans- formadores Apoiadas na crenga ca possibilidade de reverter a do- ‘minaglo ideol6gica e a opressio politica, protagonizada pela ditacura do capital, assim como na tese de que aescola no pode tudo, mas pode muito, as tendéncias pedagogi- «as criticas e progressistas atribuem & educaglo o papel de contribuir com o proceso de transformacao social. Para tanto, estas orientagoes postulam a necessidade da cons- Gientizagio politica, do exercicio de priticas organizativas ¢ daapropriagio critica do saber cientifico e universal. Considerando esta intencionalidade, qual didatica ¢ sistematizada por cada uma das propostas que com- podem obloco das tendéncias transformadoras? ‘Comecemospela Tendéncia Pedagogica Libertado- a, que tem em Paulo Freire seu principal expoente. Este educador nordestino por entender a aprendizagem como 46 Didética e docéncia um ato de “desvendamento da realidad” e de superagao gradual da “consciéncia ingénua”, defende como procedi mento metodologico bisico a “problematizagao da pratica social” nos “circulos de cultura” (FREIRE, 1983). As tematicas, objeto de debate nos grupos de dis- cussio, sto extraidas da pritica cotidiana dos alunos, ‘uma sez que o importante é 0 conhecimento que resulta da experincia e que tem possibilidade de uso na Iuta de clesse, As *palavras geradoras” so selecionadas do “universo voeabular” dos que esto imersos no proceso de formagao politica, pois todo e qualquer saber pré-se- lecioriado € considerado uma “invasao cultural” (bid) ‘Como o pressuposto da pedagogia freiriana € “ninguém ensina ninguém, 0s homens aprendem em comunhao’, 08 sujeitos do ato educativo ensinam e aprendem muma rclacio dialégica e horizontal. Neste convivio, cabe a0 professor introduzir as questdes que suscitario a pro- blematizacao da pritica social e mediar o dislogo entre 0s sujeitos fazedores da hist6ria e do conhecimento. ‘A Tendéncia Libertaria, por sua vez, embora corro- bore com os fins pedagogic libertadores ~ quando estes advogam que o papel da educagao ¢ conscientizar para trans‘ormar a realidad ~ adverte para os caminhos que nos levam & consciéncia critica e a uma pritica transfor- smadcra, Para os libertitios, como Célestin Freinct e Mau- ricio Tragtemberg, a consciéncia resulta dos embates, da experitncia de luta ¢ de organizagio social e no apenas do debate ¢ do dislogo entre pares (LIBANEO, 1986). por este motivo que entram em cena experiéncias de auto gestio pedagogica como ensaio para a autogestiio politica ¢ social. Sao instituidas as assembléias, os con _gressns, 0s conselhos, os grémios estudantis, as eleigdes na escola, dentre outras. Afinal aprender é, sobretudo, dar as respestas coletivas ¢ organizadas que o projeto social de- ‘moctitico exige. Coordenar, orientar 0 grupo, sem impor 47 Farias. |.M.;Sales.J.0. CB: Braga, M.M.S.C;Franga, M.S.L.M. ‘suas idéias ¢ conviogoes ¢ tarefa atribuida 20 professor que ‘comunga dos ideais libertérias. Tal como os libertadores, 6 libertarios condenam as relagdes que tém por base 0 Cumprimento de obrigagdes © ameagas, defendendo a de- mocracia como principio da convivencta humana. A Tendéncia Pedagogica Historico-Critica agre- 4 outro instrumento de luta ao propésito de contribuir para a transformacio da realidade: a apropriacio critica, ppelosexcluidos, dos conhecimentos historicamente pro- duzidos pela humanidade. Representam essa orientacao: Manacorda, Makarenco, Suchodolski, Charlot, Snyders, Libaneo ¢ Saviani. Para estes pensadores, o saber é uma potente arma de luta contra os processos de alienacio e dominagao, Nesse sentido, entende-se que tao impor- tante quanto a consciéncia politica e as priticas organi- Zativas € apropriagio do saber que odominador detem, ou seja, © saber que precisa ser “tornado proprio”, “tor- nado seu” pelos dominados (SALES, 2007). E importante assinalar que a idéia de apropriacao assume, na proposta historico-eritica, uma conotacao de pertencimento possibilitado pelo seu cariter critico, ‘cuja via de efetivagaio encontra suporte na teoria dialéti- ca do conhecimento. Com base nesse substrato teérico Saviani (1985, p. 73 ~ 76) propoe uma metodologia de ensino que vai da sincrese a sintese, pela mediacio da anélise, contemplando cinco passos: * Sincrese: mobilizagio do aluno para a cons- ‘trugio do conhecimento mediante uma pri- ‘meita lefeura da prtica social + Problematizacao:identificagao das questoes que precisam ser resolvidas no ambito da pritica social ¢ dos conhecimentos necessé tios 20 sew equacionamento. © Instrumentalizagao: apropriagto plas ca- rmadas populares das ferramentas culeurais nnecessérias &Iuta social 48 Didatica e docéncia ‘© Catarse:sistematizacio ¢ expressio dos ins trumentos culturals incorporados para en- tendimento mais profundo da pratica social ‘© Sintese: compreensio da realidade sob uma rnova perspectiva e assuncio de posiciona~ rmentos ¢ de atitudes de forma consciente A proposigao metodologica da Tendéncia Pedago- gica Historico-Critica pressupoe a superagio das con- cepeées inatista e empirista da aprendizagem. A primeira, parte do prinetpio de que nascemos com estrucuras men- tais ¢capacidade de desenvolvimento e de aprendizagem predfinidas, considerando os fatores internos (aqueles proptios do sujeito) definidores do processo de aquisicao do conhecimento. A segunda entende que os elementos extemos, presentes no ambiente em que vivemos, pre~ ponceram sobre o desenvolvimento ea aprendizagem hu- mana ~ pracessos estes, tomados como idénticos, (0s teGricos que vém dando prosseguimento as for- mulacdes da pedagogia historico-critica contrapoem-se a estas perspectivas da aprendizagem, Nesse sentido, merecem registro as formulagdes de Gasparin (2002) que se apéia na concepcao interacionista da aprendi- ‘zagem, de forma especifica na vertente sociocultural de Lev Semienovitch Vygotsky. O sociointeracionismo, que tem por base as formu- lagoes desse psicSlogo russo, compreende que a aprendi- -zagem nao € uma conseqdiéncia de estruturas cognitivas prévias, mas condi¢io para que novas fungdes intelectu- ais scjam construidas. Entende-se que a aprendizagem fomenta processos de desenvolvimento que, em situagoes de interagao reciproca entre os sueitos e entre estes € 0 ‘meio, mediadas pela historia e pela cultura, possibilitam noves aprendizagens. Aqui, 0 meio deixa de ser somen- te espaco fisico e material para ser “campo simbslico”, no qual tudo ¢ todos estao assentados (REGO, 1995). 49 Fatias,I.M. 8; Sales, J.0., 8; Braga, M.M.S, C:Franga, M.S. LM, Aprender, nessa perspectiva, é entendido como a capacidadle de processar as informagoes, le apropriar-se do saber, de construir conhecimento consistente sobre o real. Ensinar, por sua vez, significa aproximar oque seée © que se sabe daquilo que se pode vir-a-ser ea conhecer, Para usar a terminologia vygotskyana, ensinar é mediar, € criar condigdes para fomentar a zona de desenvolvi- mento proximal, diminuindo a distancia entre azona de desenvolvimento real ¢ a zona de desenvolvimento po- tencial do aluno (ibid.). Tarefa esta que coincide com 0 desafio apresentado pelo método dialético ~ 0 de fazer 0 aluno ascender do conhecimento imediato e nebuloso da realidade (stncrese) para uma visio cada vez mais clabo- rada do mundo (sintese), Na pritica educativa, como o professor concretiza este processo? Por meio de uma didltica colaborativa, dlialogica e problematizadora. Uma didatica que pro- mova interagdes com os muitos universos culturais dos diferentes sujeitos aprendizes; que exercite a linguagem nas suas miltiplas manifestagbes; e que fortaleca a a¢a0 © 0 pensamento eritico ¢ auténomo, Cabe ressaltar que uma didiitica fundada na premissa da construgao do co- nnhecimento nao deve suscitar posturas de acomodacio, éspontanefsmo e abandono do aluno a propria sorte. Para evitar este equivoco a Tendéncia Pedagogica Historico-critica reafirma © papel do professor como insubstitutvel na relagao do aluno com o conhecimento (SAVIANI, 1985; LIBANEO, 1986), Faz-se necessario, assim, que 0 professor exerca sua autoridade educativa fundada em saberes cientificas, pedagogicos e de vida, ‘sem os quais nfo poder contribuir com a aprendizagem de outros. Embora estas formulagdes nao sejam recentes, clas precisam ser melhor apropriadas pelo coletivo dos educadores, sobretudo por aqueles que concebem a edu- cago como ato politico, a escola como espaco de sujei- 50 Didatica e docéncia os de direitos ¢ a didatica como mecanismo importante para concretizagio do projeto de emancipacao humana clemento comum as pedagogias transformadoras. Refletir sobre os processos historicas de organizacio dda educagao e da escola no se encerra nas proposigdes ex- plicitadas até aqui, Em cada momento historico, emergem Dropostas e contra-propostas. A cada iniciativa em favor de mudancas estruturas, um movimento de cooptago € distorcao das mesmas. Nesse sentido, € necessirio ficarmos atentos, por exemplo, as orientagbes do neopragmatismo, do ‘pensemento complexo eda pedagogia das competéncias, Estas linhas de pensamento vem reconceptualizando ‘ discurso da profissionalizagao do magistério, com vistas a formagao de um trabalhador Hexivel, sensivel,criativo, ceqquilibrado emocionalmente ¢ empreendedor; urn pro- fissional com competéncias e habilidades para lidar com situagbes cada vez mais complexas ¢ de risco. Assim, as- sumir uma atitude questionadora sobre os sentidos das formulagées orientadas pelas demandas do neoliberalismo. «da pos modemidade express nosso compromisso com lum p:ojeto sociopolitico ¢ educativo emancipatério. Desse modo, acreditamos ser importante nos in- terrogarmos continuamente sobre: Que tipo de humano pretendemos formar? Qual educacio, escola e fazer di- ditic> serd0.capazes de contribuir para aformagao deste homem? Que tipo de sociedade esperamos que este ho- ‘mem seja capaz de edificar? Que professor(a) sou e pre- ciso me tornar para ajudar na consolidagao deste projeto politico e pedagogico? & Sintese do Capitulo Este texto apresenta os fundamentos da Didatica, Descreve as teorias que embasam as priticas educativas 51 Farias, M.S: Sales, JO. . B; Braga, M.M. S.C; Franga, M.S. L.M. sob as perspectivas de Saviani (1985), que as classifica como nao-criticas, crtico-reprodlutivistase criticas; ede Libaneo (1986), queas nomeia de liberais e progressistas, Com esteio nessas reflexdes, as autoras reclassificam- has como tendéncias pedagogicas reformistas ¢ trans- formadoras, apresentando sua caracterizaglo metodo- logica. Refletem sobre a Diditica nos projetos politicos educativos, com fins 4 transformagio da sociedade ea emancipagio humana @ Atividades 1, A formacao continua ¢ em servigo de grande par- te dos professores tem focadg o constrativismo e 0 sociointeracionismo como as abordagens tedricas € metodolégicas mais adequadas 20 nosso tempo. Procure identificar colegas professores que tenham participado de cursos, seminarios, palestras, debates acerca destas tematicas e os entreviste. Extraia dos depoimentos o que foi compreendido sobre: a) Oque ¢ construtivismo? b) Oque é sociointeracionismo? ©) Quais as aproximagdes e divergéncias entre o cons trutivismo piagetiano € 0 construtivismo sociointe- racionista de Vygotsky em relagao ao projeto de ho- mem ede sociedade, a concepsio de aprendizagem e © papel do professor? &) Que atividadesfexperiéncias proporcionar para que a aprendizagem ocorra no construtivismo piagetiano ¢ no construtivismo sociointeracionista de Vygotsky? 2, Observe 0 quadro abaixo, Ele apresenta 0s passos basicos do método preconizado pela Escola Tradi ional, pela Escola Renovada Progressivista e pela 52 Didatica e docéncia Pedhgogia Historico-Critica, Detalhe ¢ confronte es- tes momentos metodologicos, Para tanto, recorra 20 texco “Para além dos métodos novos ¢ tradicionais", esctito por Dermeval Saviani em sua classica obra Es- colae Demooraca. RR ell ag eS Sea nn i eR 3, Paulo Freire é considerado um dos maiores educado- resdo século XX, Um divisor de aguas entreas teorias educacionais reformistas eas transformadoras. Mes meassim, salemos muito pouco sobre ele ¢ sua con- ‘ribuicao para o pensamento pedagégico mundial. Nesse sentido, faga uma pesquisa intitulada “Vida e cbra de Paulo Freire”, destacando sua experiéncia pprofissional e politica, assim como as categorias € a ‘Bfoposta pedagagica por ele desenvolvida. Bibliografia Comentada SAVIANI, Dermeval. Escola ¢ democracia: teorias da edueae2o, curvatura da vara, onze teses sobre ecucagao politica. 7" edigo, S40 Paulo: Cortez, 1985. 0 livro dis~ corre sobre as tearias da educagao, em diferentes contex- tose momentos historicos brasileiros. Analist as teorias edcacionais nfo-criticas critico-reprodutivistas, além, da Teoria da Curvacura da Vara. Rellete sobre politica democracia e sociedade de forma critica e contextuali da. Essa € uma discussio necesséria no ambito da Edu- cagac e da escola - local em que atuam os professores, agentes do processo de formagio de homens e mulheres 53 Faris, |.M. S;Sales.J.0. C. 8; Braga, M.M. S.C: Franga, M.S; L.M, Ctitices, conscientes e participantes de seus tempos his- toricos e espagos sociais, SUCHODOLSKI, Bogdan, A pedagogia e as grandes correntes filosoficas: a pelagogia da esséncia a peda- sogia da existencia, 4 edigao, Lisboa: Livros Horizonte, 1992 (Colegao Biblioteca clo Educador), O livro trata de duas tendéncias da Pedagogia: a essencialista e a exis- rencialista. A Pedagogia da Esséncia, mais antiga, se as- senta numa concepcao ideal do homem racionalista em Platdo, crista em Sa0 Tomas de Aquino. A Pedagogia da Existéncia, mais tardia, perceptivel em Rousseau e em. Kierkegaard, © autor acompanha o desenvolvimento estas concepgdes pedagogicas ¢ 0 seu conflito, até a época contemporanea. 54 Capitulo 2 Identidade e fazer docente: aprendendo a ser e estar na profissao ‘Concordando com Carlos Rodrigues Brando (1981), segundo 0 qual "to grande como tudo o que é humano 2 cechicagao” e com Paulo Freire ao defender que a edueacao, em seus mais diferentes matizes, deve se constituir sempre numa possiilidacle de humanizacao, € que concebemos 0 professor como um profissional que esta sempre se fazen- dc Apoiado nesses pressupostos, este capitulo busca ex- plicitar os elementos constituintes da identidade docente, caja compreensio nao se desvincula dos projetos sociopo- litcas vigentes, dos processes de socializacao experimen tados pelo professor, dos saberes e priticas que permeiam seutrabalho. A primeira vista a incluso do tema identidade pro- fissional docente em um livro de Diditica pode causar estranheza. Com efeito, nao seria um equivoco situar esta pauta entre aquelas emergentes neste campo de es- tudo pedagégico, interesse temético legitimo, posto que o professor € o profissional responsavel pela concretiza- ¥e do processo de ensino. Ademais, este sujeito nunca foialvo de criticas como agora, Sao intmerasas expecta- tivas de mudanga projetadas sobre seu moclo de ser e de estar na profissio, exigéncia muitas vezes feita como se {sso implicasse alteragdes de ordem meramente técnica. 55 Farias, M.S; Seles, J.0. C.8, Braga, M. M.S, C; Franga, M.S. L.M. Por sua vez, os professares, na sua maioria, nao compre- endem as implicagdes de tais solicitagoes sobre sua pro- fissionalidade. Este primeiro passo ¢ fundamental! Partindo desse entendimento, nossa reflexao ini- cia destacando a construgio de identidades como um proceso sécio-hist6rico vinculsdo & humanizagao do hhomem. Prossegue argumentando que a identidade pro- fissional nio se descola das mailtiplas experiencias de vida, tanto pessoal quanto profissional. Apoiada nesse pressuposto, ressalta a histOria de vida, a formagao € a pritica docente como elementos constituintes do pro- cesso identitério profissional do professor. Com arrimo neste percurso, eforgamos oargumen- toda docéncia como um trabalho que requer saberes es- pecializados e estruturados por multiplas relagoes, nas quais 0 processo de humanizacio ~ do professor e dos sujeitos com quem interage no contexto de trabalho ~ € continuamente forjado. 2.1 Educagto, humanizagio e construgio de identidades A educagao, como assinalado nos capitulos ante- riores, tem um importante papel na formago humana, na constituigio de um homem critico ¢ autonomo. Para preparar esse homem comprometido cam 0 projeto de transformacao da sociedade ~ deslocando oeixo do mer- cado para centri-lo no homem como sujeito historico, seus sonhos devem encontrar cumplicidade entre os educadores com quem convive ao longo de sta escola- ridade. Sabemos, no entanto, que nés, educadores, mui- tas vezes fomos destitudos dos nossos proprios sonhos, tornando-se um desafio cotidiano cumprir esse papel. Tal situagao requer, conforme nos incita Paulo Freire (2000), que lancemos mao da ousadia para permanecer- ‘mos na educacio: 56 Didatica e doctncia E preciso ousar para ficar ou permanecer en- sinando por longo tempo nas condligoes cue co- nhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. £ preciso usar, aprender ousar, paradizer no a burocra- tizagio da mente a que nos expomos diariamente. E preciso ousar para continuar quando as vezes se pode deixar de fazé-lo, com vantagens materiais. (Ibid, p10). [Grifos nossos}. A idéia de ousar do educador pernambucano pode ser entendida como a necessidade de “tecer a vida num mundo conturbado, nela encontrando, a despeito de to- dosos sinais de morte, um sentido” (GOIS, 2000, p. 24). Na realidade, a educagao continua o trabalho da vida, instalando-se no dominio eminentemente humano de trocas: de simbolos, de intencdes, de padrdes de cultura ederelagdes de poder, devendo assumir, sempre, a pers: pectiva de continuidade a0 desenvolvimento de homens ‘e mulheres, fazendo-os evoluir, tornando-os mais huma- nos(BRANDAO, 1981). Este desafio é uma constante em nossas vidas de educadores, quer como pessoas no mundo, quer como protissionais responsdveis socialmente pela concretiza- iodo processo educative escolar. Alem disso, ¢ preciso considerar que 0 professor aprende, ensinando; ensina, aprendendo (FREIRE, 1999). Ha uma reciprocidade no pprocesso de educacio, pois “todo trabalho sobre € com, seres humanos faz retornar sobre si a humanidade de seu objeto” (TARDIF e LESSARD, 2007, p. 30). Somos sujeitos com capacidade de criar € recriar nosso modo de estar no mundo e nele intervir, ou seja, sujeitos de praxis. Nesse sentido, o professor, como qual- quer outro ser humano, se produz por meio das relagdes queestabelece com o mundo fisico e social E pela acaoin- terativa com as dimensdes materiais e simbolicas da rea- lidade social em que se encontra inserido, pelas experign- 87 Farias, |. M.S; Sales, J 0, C. 8; Braga, M.M. S.;Franga, M.S. LM, cias individuais e coletivas tecidas no mundo vivido, que © professor intervem de modo criativo ¢ autocriativo em sta relag20 com as outros € com 0 universo do trabalho. Enfim, ele exerce sua humanidade como ser de relagdes consigo (incividualidade), com os outros (sociabilidade) com omundo em sua volta (FARIAS, 2006). E nesse movimento que ele constr6i sua identida- de como profissional. Para uma compreensio situada do tema, explicitamos no préximo topico em que perspec- tiva a idéia de identidade ¢ abordada. 2.2. Uma pessoa que se faz professor ~ a identidade profissional A alirmativa de Jennifer Nias, citada por Novoa (1992, p.7),de que o“professor é uma pessoa: euma par- te importante da pessoa € 0 professor” evoca a discussi0 sobre identidade profissional docente, ao mesmo tempo em que nos coloca dante do desafio de entender que os docentes nao slo apenas profissionais Embora a experiencia de magistério influencie sig- nificativamente na definigao da identidade do professor, € inegavel que 0 mundo por ele vivido envolve “outras praticas e espagos sociais” (sindicato, grupos de amigos, clube, igreja, familia) que “apresentam territorialidade, rituais, linguagens © gramaticalidade proprios” (TEL XEIRA, 1996, p. 181), Esses universos distintos, mas ar- ticulados pela pessoa professor, matizam e ampliam as experitncias que constituem como sujeito tinico, mas também plural por abrigar modos diversos de “estat” no mundo. Como diz Ciampa (1996, p. 169): ‘em cada momento de minha existéncia, embora ‘ex scja uma totalidade, manifesta-se uma parte de m como desdobbramento das maltiplas determi- rages a que estou sujcto [..] nunca comparego frente aos outros apenas como portador de um 58 Didética e docéncia ‘anico papel, mas como uma personagem [..] como uma totalidade. (Grifos nossos) As maltiplas experigncias do professor ~ pessoal, social e profissfonal ~ compoem uma “teia de significa- dos" (GEERTZ, 1989) que funciona como uma bissola, nna medida que serve de referéncia para atribuir sentido, inte-pretar e organizar seu modo de ser. Trata-se de sig- nificagdes culturais constituidoras da gramaticalidade social que permeia e toma possivel a vida em sociedade. Eesse repertorio de experiéncias, de saberes, que orienta © modo como o professor pensa, age, relaciona-se con- sigo mesmo, com as pessoas, com o mundo, e vive sua profissio, Entencemos, pois, que o professor traz para sua oritica profissional toda a bagagem social, sempre dinamica, complexa e tmica. : Esta bagagem é constituidora do seu processoiden | titatio como profissional do ensino, o que nos leva a cor- | roberar com a acepedo de Pimenta (2002, p. 76) de que “aidentidade nao é um dado imutavel, nem externo, que possa ser adquirido como uma vestimenta. E um proces | so de construgao do sujeito historicamente situado”. No caso dos professores, ela se apresenta como um “espaco de construao de maneiras de ser e de estar na profissio” (NOVOA, 1995, p. 34), processo que se articula ao seu papel social em um dado contexto, Todavia, ¢ importan- teapreender que a identidade docente se define também como lugar de lutas e de conflitos, pois as determinagdes| socicis ¢ historicas sio alvo de confronto e de negocia- ‘90es complexas que requerem a producio de justia 20 ede sentido a sua recusa ou aceitagio, Enesse processo que o professor se desenvolve e se reconhece como profissional do ensino, Sua identidade profissional, ao mesmo tempo em que vai diferenci-lo, posto que suas experiencias sao singulares, vai torné-lo semelhante a um determinado grupo ao qual pertence, 59 Farias.|.M.S Sales. J.0.C. 8: Braga, M.M. S.C; Franga, M.S L.M. neste caso os docentes (LIMA, 1995). Ela se afirma, por- tanto, no plana individual e coletivo, Na interagao entre tais planos ¢ entre mulltiplos sujeitos com suas respecti- vas subjetividades, vai se configurando uma determina- da forma de sere exercer 0 magistétio. Esta compreensio destaca que a identidade docen- te € uma construcio para a qual contribuem diversos fatores, dentre eles a historia de vida do professor, a for: ‘magao vivenciada em sua trajet6ria profissional e 0 sig- nificado que cada professor confere a atividade docen- te no seu cotidiano com base em seus saberes, em suas angstias e anseios, Esses elementos sio constituidores das maneiras como ele se faz ¢ refaz, dialeticamente, como protissional. 2.3. Elementos identitarios da docéncia — historia de vida, formacio e pratica pedagégica (Os trés elementos antes mencionadlos representam as duas dimensdes envolvidas no processo de socializa- <¢ho pelo qual aprendemos a nos tornar professor: a pes soal ea profissional. A primeira reconhece a influencia de elementos de natureza biogrifiea no modo como nos constituimos profissionalmente; a segunda destaca a formacao e suas relagdes com os saberes ¢ experiéncias da docéneia ‘© Historia de vida ‘Quemnuncaouvindeum professor relatos sobre suas ralzes sociais, as influéncias familiares, bem como asexpe- rncias escolares decisivas na sua formag2o em gerale,em particular, nos caminhos que o levaram a0 magistério? Tais relatos evidenciam que este profissional, como «qualquer outra pessoa, tem uma historia propria, traz as marcas do tempo em que vive, dos lugares e das condigées| 60 Diditica e docencia cconczetas de sua existéncia, Como diz Gatti (2003,p.197), os professores nio sto “seres abstratos ou essencialmen- te intelectuais”; sto pessoas que se encontram imersasem ‘uma “vida grupal na qual partilham uma cultura, derivan- do seus conhecimentos, valores ¢ atitudes dessas relacoes, ‘com base nas representagdes constituidas nesse process qqueé, 10 mesmo tempo, sociale intersubjetivo" (ibid). ‘Um dos grupos nucleares do processo de socializa~ ‘Gao umana € a familia. E dela que advem, a principio, tra- ‘cos culturais como os costumes, as crengas, os valores eas priticas com base nos quai 2 pessoa vai estruturando seu ‘comportamento, seu modo de viver e sua auto-imagem. Os estudos sobre pessoa professor revelam a produao, neste contexto, de uma “aprendizagem experiencial” (SOUZA, 2006) constivutiva de valores como amizade, solidarieda- de, respeito aos pais, valorizagao da vida, entre outros. Os relatos sobre a infaneia de duas professoras envolvidas em_ investigagio com abordagem biogrifica sto ilustrativos esse trago educativo do convivio familiar: “Embalada na rede, 0 sono chegava mansamente, Lucinha (apelido de Marluce), minha irma ime- dliatamente mais velha, ji nao mais me derrubava ‘propositalmente, tomada pelo cidme de meus pais, ‘Agora, ela me defenda, como uma leva, do ataque cde outras criangas. Eu era uma menina bem-com- pportada, obediente e jamais entrei em luta corporal ‘com outra crianga. Por isso, as vezes precisava ser salva, ou vingadla, das mordidas de uma priminha ‘da minha idade. Isso Lucinha sempre fazia [J (Re- lato de Lcia Maria) ibid p ) ‘Ah, que saudade! Nesse tempo, niotinhamosener- gia elétrica, entto, a noite costumava brincar com ‘meus primos(as) de cantigas de toda. Outro mo- ‘mento que acontecia também & noite, que me emo- ciona até hoje era quando famos para a casa de tia Honorina que, mesmo sendo deficiente visual nao 6 Farias, M.S: Sales, J 0.©.B; Stage, M.M. S.C: Franga, M.S.L.M. impedia de contar-nos lindas historias classicas: A gota borrlkira, Cinderela, Chapecino Verne, et Hava noites em que o tio Helo entre uma historia ‘€ outta tocava violao. Era maravilhoso!... (Relato de Sonia) (ibid. p. 114), [Grifos nossos). As trajetorias de vida dos professores, embora sin- gulares ehist6ricas,apresentam pontosde aproximacao. As lembrangas do tempo da infancia e da adolescencia uma dessas recorréncias, representando momentos im portantes no modo como eles organizam ¢ se posicio- ram nas relagoes sociais le que participam Para alémn do grupo familiar, © professor esta situa- do em um contexte politico, econémico e cultural no qual cresce ese desenvolve. As diferentes pessoas com as quais Cconvive nos diferentes lugares que freqtienta: na igreja na escola, no grupo de amigos, nas rodas de brincadeiras am- pliam sew aprendizado, Sao tempos ¢ espagos marcados, pela presenga de muitas pessoas (amigos, professores, maridos, esposas, namorados, figuras religiosas), cuja interagao opera “regulagbes necessérias a0 processo edlucativo, a0 desenvolvimento pessoal ¢ as mudangas [..] no sistema de referencias e no modo de funciona- ‘mento do sujeito” (SOUZA, 2006, p. Il). A “itinerancia da vida", perpassada por diferentes convivéncias, propi- cia “experincias formadoras” (ibid.) da bagagem social ‘que a pessoa professor traz para a profissdo. Formadara porque constitutiva de uma visto de mundo, de formas de interagir com as coisas ao seu redor, de compreender sua condigao humana e nela intervir. Os estudos sobre a socializacao profissional (NU- NES, 2002) mostram que o ingresso na profissio é defi- nido em fungao de miltiplos fatores, destacando-se além da influencia da familia, a dos ex-professores. Embora sejam frequentes depoimentos dos docentes sobre as di- ficuldades para estudar, em decorréncia das condigoes 62 Didatica e docencia thunildes da familia, neles também se observam signifi- cativa valorizag2o da instruglo escolarizacla, percebica como mecanismo para progredir. A influencia da familia aparece nos registros das trajetorias de sete educadores do Ceari, resultado de es- tudo sobre a profissio professor no Estado (FARIAS et all, 2007). © desejo da familia, especialmente no caso das anulheres, estd ligado & idéia de magistério como profis- io feminina, conforme revelam os registros selecionados: | “Desde pecuena meus pais disseram que eu ia ser profes- sors” (Prof Iracema); “Tive influéncia da mae”, (Prof Antonieta), Entre os homens, a influéncia da familia no aparece nas narrativas como elemento determinante da | cescolha da profissio. Destacam que o magistério entrou ‘em suas vidas “por acaso”, como opso mais viavel de tra- balho na época (ibid., p. 120). \ Este ultimo aspecto nos leva a chamar atengao para | a origem social dos professores da Educaca0 Basica. Es-\ tudo realizado pela UNESCO (2004, p. 66) evidenciou ‘quea maioria dos professores pesquisados (um total de 5,000) se autoclassifica socialmente como *pertencentea classe média baixa’, ao passo que um tergo daqueles que ‘gantnam até dois salarios minimos se identificaram como “pobres”. Outro dado importante refere-se a escolarida- de de seus pais: 49.5% dos professores tem os pais com ‘nivel fundamental incompleto, seguido de 13,156 com este nivel de ensino completo. Na seqiiéncia, 3,4% dos pais tém ensino médio incompleto, acompanhado por 114% que declararam ter completado este nivel de ensi- no. Cerca de 15,2% dos pais e das maes nao tem nenhum ‘grau de instrugao, enquanto nao passam de 5,7% os do- Ccentes cujos pais possuem ensino superior completo ¢ de 17% aqueles que nao terminaram sua formagao uni versitéria (ibid, p, 53). Esses dados mostram que “vem crescendo o niimero de professores oriundos de extratos 63 Feats, | M.S, Sales, J.0.€. B; Braga, M.M.S, C;Franga, M.S. LM. de baixa renda” (WEBER, 1996, p. 45). Tal situagao € problematica, pois os professores so 0s responsiiveis pela formagao cultural das novas geracdes, entretanto, & crescente 0 reconhecimento do restrito universo cultu- ral desses profissionais e de suas familias Trata-se de uma questao crucial, sobretudo se con- siderarmos, como 0 faz Canen (1997), a articulacio exis- tenteentreo consumoco capital cultural naformacaode identidades sociais, construcao mediada pelo acesso que pessoa tem aos bens econdmicos e da cultura presentes nos varios grupos sociais. Ao discutir 0 tema, Camargo (2007) assinala que ha algumas décadas 0 professor nao era, em nada, igual ao aluno. Dele se diferenciava pela postura assumida, pelo pacirao e diversidade das expe- rigncias culturais acumuladas e pela linguagem que uti- lizava, Esta realidade vem mudando de forma acelerada. Hoje, com frequéncia, professores e alunos confundem- se, compartilham as mesmas condigdes hist6ricas, o que revela, ainda, a UNESCO (2004) ao ana- lisar as praticas culturais dos professores da Educ Basica pesquisadas: 33% dos docentesafirmamassistirafitas de ideo ‘uma vez por semanae 32,I%dizem fazé-lo uma vez por més 0 cinema [..] apresenta proporcdes bem inferiores: quase metade dos professores (49.2% vio a0 cinema algumas vezes par ano, 20,49 uma vez por més e 5,8% uma vez por semana, Esse dado, se observado a luz do fato de inexistirem cinemas em diversos munictpios do pals, toma proporgdes mais significativas [.],exposigdes em centros culturais slo frequentadas algumas vezes Por ano por 66,1% dos professores e 8,636 dizem, nunca visit-las. [..] para o teatro 52.2% afirmam, 4 algumas vezes por ano ¢ 17.8% nunca vao a0 teatro, No caso do museu nao € muito diferente (lid, p. 92) 64 Didatica e docéncia Estes indices, correlacionados com o acesso dos bra- sileiros a televisdo, so ainda mais preocupantes. No Brasil, 80% das residéncias possuem TV. Assim, nao é de se es trarhar também que 743% dos professores da Educagio [Basica assistam televisio diariamente, a passo que apenas 31,6%6 deles léem revistas com a mesma frequéncia (Ibid). Outros trés estudos aportam — informacdes reveladoras sobre o universo cultural de docentes cearenses, Mamede (2000) destaca a existéncia de professoras alfabetizadoras em municipios no interior do Ceara que nao sabem 0 que € um circo ~ pratica cultural popular, sobretudo nos recantos mais distantes dos centros urbanos. Farias (2002), por sua vez, ‘mostra que existem professores do ensino fundamental quemoram etrabalham na capital cearense, mas que no conhecem um teatro e tém escassas experiéncias com fesse € com outros tipos de bens de cultura presentes nos grandes centros urbanos, Barbosa (2007), em estuclo exploratério envolvendo alunos de um curso de licenciatura de uma universidade paiblica em Fortaleza, constata o distanciamento das priticas culturais dos projetos de vida de expressivo contingente desses futuros professores, Assinala, ainda, que nao ¢ frequente oestimulo as priticas culturais por partedos professores| formadores, conforme registro dos alunos pesquisados, alertando paraaurgéncia deagoes efetivas, nesse sentido, nos processos de formaga0 inicial. Doamalgama de varios fatores presentes nas trajet6- rias pessoais dos professores emergem elementos decisi- os, tanto em sua insergao no magistério quanto no modo de viver a profissio, Muito do que cles acreditam e tor- narv-se capazes de realizar como pessoas ¢ profissionais € proveniente dos aprendizados que compoem suas his- torias de vida. Embora este elemento nao seja tinico, nem sufciente, para configurar sua identidade como docentes, 65 Farias, M.S; Sales, JO. C. 8, Braga, M.M. S.C: Franga, M.S. L.M. E certo que a “auto reflexao acerca de suas experiéncias possibilita a0 professor conhecer-se, consolidar e reo- rientar sua atuagio, assim como desenvolver com maior consciéneia seu modo de ser” (LIMA NUNES, 2002, p. 55). Para tanto, a formago apresenta-se como contexto {ntegrador das vivéncias passadas ¢ presentes tendo em vista a constituigao de um projeto de desenvelvimento profissional, conforme destacaremos no préximo topico, * Formacao A formacio é um dos contextos de socializagio que | Possibilita ao professor reconhecer-se como um profis- sional, construindo-se a partir de suas relagdes com os saberes € com o exercicio da docéncia. Trata-se de um conceit polissémico € complexo, Sua associagao a mil ' tiplos entendimentos tem evocado imagens e distintos significados, A despeito dessa tendéncia, bem como do fato de a produgao sobre esta tematica vir, desde a dé- cada de 1980, configurando-se como heterogenea c de qualidade desigual, sua visibilidade no cenario politi- co ¢ educacional tem um mérito indiscutivel: recolocar 60s professores no centro dos debates educativas ¢ das problematicas da pesquisa nesta area (NOVOA, 1992), Esta preocupagio € debitéria do entendimento de que no existe “ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovagao pedagogica, sem uma adequada formacao de professores” (ibid. p. 2), | Tomando como referéncia a idéta de que a formagio implica 0 “reconhecimento das trajetorias préprias dos j homens e das mulheres, bem como exige a contextualiza- | sao historica dessas trajetorias, ssumindo a provisorieda- | de de propostas de formagao de determinada sociedade” | (FAZENDA, 2001, p. 226), € fundamental compreendé-la {come alg nacabido, com Icuras, mas profundamente 66 Didatica e docencia ccomprometida com a maneira de ler, explicareintervir no ‘mundo, A formagio compoe-se de distintos momentos, identificados na literatura como inicial e continuada. A formagao inical €a primeira etapa desse processo, porém rnemmais nem menos importante do que a formagao con- tinuada (LIMA NUNES, 2004). Este conjunto de etapas inte>-relacionadas e constitutivas da formagdo apresenta- se, assim, como componente central na construgio da identidade profissional do professor. ‘A formacao configura-se como uma atividade hu- mara inteligente, de carater processual e dindmico, que reclima agdes complexas ¢ nao lineares. Nesse sentido, trati-se de um processo no qual o professor deve ser en- volvido de modo ativo, precisando continuamente de- senvolver atitudes de questionamento, reflexao, experi- mentacao. interagao que fomentema mudanea. Implica, pois, romper de forma radical com priticas formativas, cujos parimetros fixos ¢ predeterminados, derivados de pprocessos estanques ¢ conclusos, negam os professores ‘como sujeitos produtores de conhecimento. Tal aborda- ‘gem € marcada pela cisio entre o espago e o tempo da formagio e do trabalho. Coerente com essa tese, encontra-se a perspectiva da formagio como processo de desenvolvimento profis- sional e pessoal, em que é fundamental a colaboraga0 e © envolvimento coletivo. Nesse sentido, deve voltar-se pari a “maturidade profissional, cultural e ética” (AR- ROYO, 1996) do professor, mediante o fomento da re- flexao acerca da acao pedagogica, da capacidade de ex- plicitar 0s valores norteadores dos saberes ¢ fazeres da docéncia e das dimensoes social, cultural e hist6rica que permeiam o cendrio escolar. £, portanto, um dos espacos deaprendizagem da docéncia que fornece um arcabouco ideol6gico e pedagégico sobre o qual o professor cons- tr6: sua identidade (LIMA NUNES e FARIAS, 2007), 67 Farias |.M-S, Sales, J.0.C.8; Braga, M. M.S C; Franga. M.S. L. ML _ Essa idéia refura a concepeio da identidade pro- fissional como “um processo de racionalizagao técnica em relacao a saberes baseados nas citncias” (NUNEZ € RAMALHO, 2005, p. 105). Por este motivo, compre- ende que as caracterfsticas da profissto professor, sen- do produzidas em um dado momento socio-historico e em diferentes espacos sociais, também devem ser assim entendidas e trabalhadas no ambito da formacao (quer inicial, quer contimuada). Este enfoque tem fortalecido a tese de que a forma- #0 do professor para um mundo de transformacoes ace- Jeradas deve ser pensada como um processo cue reclama, segunclo Lima (2001, p. 67), “uma postura reflexiva dina mizada pela pritica” que favoreca uma cultura profissio- nal docente capaz de fazer o professor pensar sistematica €continuamente sobre seu trabalho, de forma contextua- lizada, critica e construtiva. Noutras palavras: reconhecer o professor como um sujeito de praxis. Isso implica, antes de qualquer coisa, entendé-lo como ser em permanente constituicao, produzido pelas condigses sociais concre- tas do lugar edo tempo em que atua e vive. Penslo como ‘um ser inacabaclo e em constante aprendizado, ___ Forjar, durante a formagio, situagoes em consonan- cia com esses pressupostos oportunizara 20 professor de- senvolver“novas referencias que iluminem: oipenance £0 ¢, conseqjtientemente, seu agit” (NOVOA, 1992, p. 28). Este parece ser hoje o principal desafio e contribuigao da formagdo como um dos elementos centrais na construciio de uma nova profissionalidade. A renova¢ao dos valores e saberes que orientam o agir docente, elementos constitu tivos de sua identidade profissional, também construida ereconstruida na pratica pedagogica do professor em seu contexto de trabalho, tema abordado a seguir 68 Didatica e docéncia « Pritica pedagogica 0 professor desenvolve sua atividade profisstonal € se constitui como tal, também € principalmente, no espago escolar. A escola, como local de trabalho, ¢ a ex- pressio micro da totalidade do contexto social e histori coem que ele exerce com plenitude sua ago como “ser de transformagio” (THERRIEN et all, 2000, p.17). Eno trabalho e pelo trabalho que o professor se de- fine como um profissional. A multidimensionalidade do proctsso educacional requer do docente decisoes com- plexas ¢ diversificadas, de natureza pedag6gica e poli- tica, que, em grande parte, extrapolam 0 espago escolar, “Tais decisdes tomam como referéncia 0 conjunto de va- lores, ctengas, habitos e normas que determinam o que este grupo social considera importante, assim como 05 rmodos de pensar, sentir, atuar e de se relacionar. Nou- tras palavras, apoiam-se na cultura docente que integra a cultura escolar, £ a cultura docente que constitui os professores como um coletivo, Este patriménio simbélico, compar tilhedo pelos professores, da sentido a sua ago educati- va etraduz um conjunto de crencas ¢ principios éticos norteadores da agio pedagogica do professor. Exerce, por conseguinte, forte influéncia na maneira como as interacdes ea comunicagdo sio constituidas nos diver- 0s contextos em que atua como profissional. Ela se ex- pressa nos métodos utilizados em classe; na qualidade, sentido e orientagao das relagoes entre professores ¢ 05 demais membros da escola; nas fungdes desempenhadas; nas formas da gestdo que estas assumem, nos Processos de tomada de decisio. Esta compreensio da cultura docente no delinea- mento do modo como o professor define sua agao asst nla anecessidade de tomé-la como objeto deestudo du- rane a formacio, posto sua centralidade nos processos 69

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