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Edigar de Alencar e a escrita histérica da misica popular" José Geraldo Vinci de Moraes? Resume: A produgio do conhecimento histrieo em torno da misica popular no Brasil sempre oscilou entre a Meméria e a Histivia. Essa peculiaidade € decorrente da impossi- bilidade e da dificaldade dos autores de meados da séealo XX em delimitar aa fonteiras entre essas das formas de acess ao passado, Autores ¢ obras com essa earacteristicas Jormaram o principal acervo da memria eda histéria da misca popular, marcando pro- fandamente a historiogafia da segunda metade do sSculo. © jomalitae cronista Edigar 4e Alencar (1901-1993) foi um dos protagonistas neste processo e algumas de suas obras tivoram lugar essoncal nesta construgio historiogrifica ena formacio da meméria. Esse antigo protende justamenteexaminar de modo eitico aspectos deste cnjunta pars com- preender melhor seu papel na invengio de uma nareatva da masica popular que se esta bilizow ese naturalizou, Palaveas-chave: Histriograia, Merri, Musica Populat. Eaigar de Alencar, “Abstract: The production of historical Inowledge around the popular music in Brazil ‘has been alisays oseillating betwen Memory and History. This peclianty is die to the fealty and impossibility of mid-twentieth century authors in delineating the frontiers between theee two forms of accessing to the past Authors and works with such feature created the main memory and history collection of popular music, establishing deeply the historiography ofthe second half ofthe century. The journalist and chronicler Edigar de Alencar (1901-1993) was one of the protagonists in this process, and some of his works ‘had taken an exsencial place in both historiography construction and memory formation. Therefore, this article focuses in examining critically the aspects of his production in order to understand beter its role under the conception of a popular musi narrative whicl stabilized itself and hence, became ordinary. Keywords: Historiograpy. Memory. Popular Music. Eagar de Alencar, * te tg 6 produto de vetigato qo corto com spi pasgin do CNDg ed Pr-Reti de Pesta dt ‘verdad de Sto Pal No bei 20092010 bola Beanz Poa Ime paris ter co © oj de icing Canton d naan hoagie de Baga Aencr solve a mic popular banker A ‘esos devedar earn mecranentes tabloids + Dioinr de Toa Metoolwis da Ht do roranss de Pr Grady em Hitiia Social de Mia dt ‘Unveridade de Sto Palo (US) B peequsser do CNEge aur de vrs pbliates, como Hrs ¢ mia 2 ‘Bezal (Ain 2010), Comer com nsoridres brates (ters 8, 2002) ple infor Eto herds 200) Senoridadpoulntanar Fate, 1997) (Cad. Pesg. Cais, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez. 2011 349 Cottey chant sind 308 cuowaoi2 are Em fevereizo de 2006 o cartunista, Ziraldo, atendendo solicitagio dos lei- tores de sua coluna no jomnal mineiro O Tempo, resolven tratar das lembrangas do alguns “carnavais de sua vida", isto 6 aqueles que marcaram seu pasado. A primeira recordagio que aparece éaima- ‘gem de seu tio Wilson, ainda jovenzinho, fazondo a “Danea do Ganso", acompa- nbada da cangiio homénima eomposta por Haroldo Lobo e Milton de Oliveira? Imi- tando a ave, o io andava de maneira um tanto desajeitada, esticando e encolhendo ‘0 pescogo alegremente ao ritmo da conhe- ‘ida marchinha earnavalesea, Mas quando ‘ele mesmo se pergunta, quando isso teria ‘ovorrido, a resposta se porde na distineia do tempo e na opacidade da lembranca, Cortamente ocorrera hi muito tempo, pois ‘tio havia falecido ainda jovem. A solucao ppara definir melhor aquela lembranca ain- ‘da vaga niio demora a aparecer: [Nio me Iembro que dade ea tinhe, mas 6 fel de saber. Vou contar pra voces meus tempos passados, Teno em casa ‘am lio chamado "0 Carnaval Carioca” de cutoria do grande estudioso dos Car navais do Rio, Eigar de lenear, le traz toda a histria da mais impor ‘ante festa popula bresileina desde seus primérdios. O livro conta como foi 0 Carnaval de cada ano © apresenta a le ‘a.0a melodia (26 ocomecisho) decada tum de seus sueessos musics, “Machina Ge Harldo Lobo e Asn vein, rea por Noo Papen 1880 cabo pod sor fseradana piss wal onemenatanurs com te 4 ZIRALDO. “A dasa do gama” 0 Tmpo. elo 350 ebay chant sind 50 © valor deste divertido caso conta~ do polo desenhista tom alguns aspectos «que valem sublinhar. © primeiro deles & como Ziraldo expe de mancira clara a ‘tensio bésica existente entre o impulso da lembranga € 0 ato de rememoragio. Ble quer lembrar-se de algo emotivo € subjetivo (que ele também identifica no texto como “ah, os camavais de anta- nnho*) ¢ para isso recorre a uma recor- dagio intima e afetiva (0 tio dangando animadamente na rua, mimetizando andar de um ganso). Para efetuar essa passagem das reminiseéncias ele crin ‘uma dupla imagem: a visual, exposta na “danga do ganso”, ea auditva, revelada nna marchinha camavalesca de sucesso. ‘Ao criar essas duns representagées ele di presenga e revive o fato ausente se- paltado no passado (0s eamnavais de sua vida) ¢ anula a distancia do tempo. No entanto, tudo indica que essa formulagio eidética da meméria nio basta, pois nio ‘he permite chogar ao aspecto veritativo do passado, que deveria ter correspon- dénecia no real jé vivido e experimen- tado. A forma curiosa que ele resolve o problema é recorrer & obra de Eagar de Alenear, O carnaval earioca através da miisica, ultrapassando assim o universo da meméria para ingressar na esfera da narrativa, do documento e, portanto, da histéria Deste modo, ele er@ sleangar a “ia, 25 2006 Dione eae “tapi tempo on bctanpiclias ida 38100 5 ALENCAR Elan de 0 comma! eacea ares is ison $06. Roo Jaro: Lion rear Bast, 1965. 01565, «NE RICOELR Pad 4 meni 2 hiséria © 0 sepuactene, So Pao. Uscamp. 2007, DOSSE, Cad, Pesq. Chis, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez 2011 “moméria verdadeira” * que esté alojada na historia eserita ¢ provada © nio nas lembrangas individuais opacas © eonfa- sas. A eritiva solugio que Ziraldo opera 6 ada convergéncia das duas dimonsoos (a da memoria e da historia) que abrem esso a0 passado. Na realidade esses jogos passa- gens entre a meméria ea histéria expos- tas pelo cartunista, esto fortemente pre- sentes nas primeiras narrativas que se propuseram construir ¢ contar uma his- téria da moderna misica popular mbana zo Brasil Edigar de Alencar (1901-1993) foi um dos protagonistas de um grupo de momorialistas, eronistas @ exiticos, nascidos entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX, que formaram 1 “primeira geragio de historindores" da rmisien popular? Uma das carectristi- cas deste grupo ¢ de suas obras era jus- tamente criar carta opacidade confi. siio entre 08 dois universos. No diseurso esses autores, lombrangas e histiria se confundem e se anto-reforgam de manei- rm constante. Do ponto de vista pritico as raabes para que isso ocorra estdo vin- caladas & multiplcidade de papéis qve cles desempenharam simultaneamente: alguns aio originalmente artistas (canto- Frans Hirao Citar Soci SioPalo Es, 2004 "Serexprpre lame par soe” La tmemsite, ene his « pltque Cains frongat. 12.30, juleaolt 200, LOWENTHAL D. Elza s imipae eao Nid Aba 198, » NORA, Plane, Ene Mince et Hitoke. La protlenatiqae de heute meme Pais (Canard. 1984, 9.300 © MORAES, Jot Geraldo Vinci de. Hitcin ¢ hisrindores dt isin poplar no Bra Za 2a (Cad. Pesg. Cais, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez. 2011 ettegcieok sind +es, poolas ou misicos) © outros erftieos (que conviviam e falavam dos artistas), sendo a bodmia invariavelmente o ponto de contato. Além disso, s20 memorialis- tas de si mesmos ¢ também do “outro”, pois viveram no mesmo passado sobre (© qual recordam on eserevem. E alguns se tornaram historiadores, colacionanda documentos, elegendo fatos e persona- gens, criando periodizagdes ¢ contando “a verdade” sobre o passado lembrado. Cortamente 6 por isso que Ziraldo recor re a Edigar de Alencar ¢ sua obra: além do cariter testemunhal de quem vive ‘naquele passado, sua obra serve “para precisar, com exatidao, as datas dos ‘meus tempos passados", pois ela “traz toda a historia”? Uma histéria entre o stile o fitil A primeira edicao desta obra de re- feréncia rememorativa ¢ histériea para Ziraldo surgiu em 1963", se pelo toma Edigar de Alencar trouse ainda jovem do Cearé, onde foi carna- valesoo desde crianga, tomando a obra “também um livro de paixio e devogio ccarnavalesca”* J no Rio de Janeiro ¢ com o passar do tempo, sua prosoupacao ppassou a ser com o fato de que toda uma ‘memria musical carioca original estava apenas nas “lombrangas das pessoas quo, naturalmente, desapareceriam. E entio quis firmar” = essas recordagdes na for- © interes- 5 ZIRALDO, 205 ‘= ALENCAR 198s = ad,» 2627. = Dypuinato de Edgar do Almcae 25041972 352 ‘ma de livro, baseado em extensa e meti- culosa pesquisa. Ele consoguin realizé-la com a ajuda indireta de Almirante, um dos radialistas @ historiador da. mis a popular mais importante da época.* Convidado a emprestar sua colaboragio na obra, reeusou por jé estar adoentado, ‘mas permit acesso a seu vastissimo acervo de documentos e gravagées sobre a misica popular brasileira (incorporado posteriormente ao Museu da Imagem do Som do Rio de Janeizo em 1965). Mas © radialista sorvia principalmente de forte inspiragio ¢ referéncia j& que per~ sonificava ‘a voragio mais extraondind- tia de historiador (..) cousciente da sua missio de registrar o fato para coevos _pOsteros” que passa “semanas revolven- do documentos, consultanda pessoas, na pesquisa de uma data’, constituindo-se fa da verdade”. Essa era também a ambigio Edigar de Alencar e exatamente a pritica his- toriadora que pretendia imprimir & sua um “fet Bowers condi a Miguel “Nuc Azevedo, Mase aero do Cen eresizada cara de ‘sm aa de Lourdes Ramos Nom Folena A ‘steps do depieeto ps me ects ap. so mtemoradanonea com b> (ae 2 meme ia da sea pop {Jew Gein Ved de Neovaes Elise Tos Saba (Og). Hr © misea no Bras So Pau: Alameda, 2010p. 217268 € LIMA Gira ivane, "0 mie als plete do rao” « 2 ‘crap cs His da ma popular Ease Mewtado dina Soca, FFLCHCLSP 20102012, (emardanece) “ ALENCAR E Prficio tea x ALMIRANTE (Pemsue Feri Dou) No emp de ol Boaz eo de Janvo: Livaua Fracsco Alves Ed SA, 1982.» 9 etambim ALENCAR Eo ten do Noel Ron In Idem. Clara comin mics (bpoe Rede nee Lina Franeice Alvar IND, oi 244 352 ebay hand sind 52 cobra: chegar & verdade dos fatos, docu- maentando-0s ¢ localizando-os cronologi- camente, Revirei arquives, consul dezenas de ppessous, folheei colegdes de jornais, sompre objetivando far datas ~tarefa das mais duras —a fim de que pelo me- ros eronologicamente o earnaval cio a eparocesse reconstituido sob o ingulo da msion com a maior exatido, © Como sugere 0 titulo do livro, a mé- sica destinada no carnaval é 0 eixo con- dutor que da sentido & trama narrativa. Ela 6 construida de modo tradicional, cronologicamente desde as origens se culares da fasta até sua implantagio no Brasil. A partir deste momento informa sobre as primeiras tradigées nativas, aquelas perdidas no tempo (como 0 “Zé- -Poreira”), define © diferencia os pos- siveis géneros da eangio camavalesca, analisa a batuenda nos carnavais mais antigos, os carnavalescos pioneiros @ as- sim por diante. Ele discnte esses dados historiogréficos tradicionais (origens, wiros) nos nascimento, 10s capitulos, para em seguida apresen- taro eontetido central do livro: uma ero- nologia do carnaval carioca entre 1901 até 1984 (para a tiltima edigio em vida, do 1985). Para cada ano hé um resumo dos principais acontecimentos relacio- nados as festividades © uma selegio das imiisicas que considera mais importan- tes, seja pelo “sucesso” que aleangaram a €poca — questio sempre diseutivel -, primei- SALENCAR 15,28 tng Cad, Pesq. Chis, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez 2011 pelos temas de suas letras ou pelo seu cardter pitoreseo que as envolviam.* Ele documenta suas histérias meselando tes- temunhos pessoais com material de im- prensa de época ~ jormais e revistas ~ e ‘se ap6ia também em bibliografia variada, ‘como a dos cronistas cariocas (como Luiz Edmundo, Joo do Rio), literatura (Ma- chado de Assis, Manuel Bandeira) e fol- loristas (Alexina Magalhies, Melo Mo- rais). Destaca-se neste conjunto 0 uso de ‘musiedlogos reconheeidos como Renato de Almeida, Oneyda Alvarenga, Mozart Aratijo, Luiz Heitor, Vasco Mariz, mas, sobretudo seus “colegas de geragio", Al- mirante, Mariza Lira, Jota Efeg@, Eneida ¢ Liicio Rangel. 0 carater um tanto tradicional de sua pr va com um objeto nada simples. O tra- batho investigative neste dominio era complicado ja que 0 objeto era escorre- gadio, disperso, fragmentério, imitati- vo e tuvado pola meméria. Ademais, tratava-se de tum tema frivolo a época: “a temaétien do carnaval, emborapudesse sor do uma amplitude enorme, sempre fi rmitada."* Sem qualquer credibilidade in- teloctusl, o objeto exigia do pesquisador maior atengio © preocupagio. Apesar das diversas difeuldades, ele procurou (2) faaor trabalho itil ¢ honesto (.). io é um libelo nem muito menos uma critica, mas simples despretensioso ica historiogrifica se confronta- oe modelo, por exemple, ¢ replicao canes sa coleyio-d canon tomy. 43 amas mes braseas, els 2. Jae Serena ¢ Za22 Homer eel SS Pal: Ed 34,1997 «1998 © VALENCAR Edu de O Grane carices anes aemiica 9 48 (Cad. Pesg. Cais, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez. 2011 ebteghanot sints 353 documentério (..). Seu livro pretendia “ser um registro tanto quanto possivel amével e sempre exato”. # Evidente que le tentava se equilibrar entre dois uni- ‘versos aparentemente antitéticos:“o itil oft”, * Escrito na linguagem leve do cronista atraente do jomalista seu obje- tivo era aleangar um piblico mais amplo, aquele que também esentava discos e os programas musioais das emissoras de ré- dio, No entanto, associava essa narrativa “amével” ¢ “simples” a uma conseiéncia histérica fandada na rememoracio, na documentagéo, na “prescupacio quase fotichista com as datas’ * para aleangar 4 exatidao a fim de divimir as fantasias ¢ apresentar a verdade, Como o folheti- nista de Machado de Assis, Edigar pro- curava entio arquitetar uma sintese “do sério consorciado com o frivolo”. E deste ‘modo ele colabora indiretamente para construir e tipificar essa que seria uma das tensdes e um dos tragos culturais reealeados da moderna sociedade brasi- lea, na qual 2 miésiea popular (atraves- sada pelo til eo fit, 0 sério e 0 frivolo) tem papel contra" Acontece quie essas tentativas de es- tabilizar os conflitos entre © mundo cir- Tad,» 2325 Game 9 ASSIS, Nachals, “0 folie” Ie Cole thre crc So Pal Ed. ltl, 2005 #0 (ele Ste A Cas) ‘© ALENCAR Beigar de. Depa 1 Sere papel a miss ma comorenso da seiedade lamers yer Msicaencanser Menesne iors feb mica en Bra” em MORAES, ons Gera Yaa de e MACHADO, Cash ln BRESCIANO, dan Anis Brscno (Ore). La monora herd me copiguracone tentar. Une arocinacon Ibvedacplnait Mextondeo Eons Cra de Sa.200L 1 p.21225 353, cunspecto da pesquisa, © universo sim- ples da eréniea para chogar ao grande piblico, ilo se Kimita a essa obra ea esse ‘momento da vida do autor. Talvez alguns clomontos clucidativos possam sor on- contrados em seu percurso intelectual e _profissional. © poeta, o cronista eo memorialista Edigar de Alencar tem trajetéria semelhanto a do sous eologas de goracao {que se empenharam em construir eseri- tas historiogrifieas sobre a miisica po- pula. Com raras excoydes, oles tiveram origem humilde e formacao escolar erré- tica, Distantes das praticas eulturaisins- titucionais © form: , eles ingressaram na “repiibliea das letras” pela nascente critica musical © carnavalesea, cons- truindo uma tradicio jornalistica, ainda que sempre no pé da pagina até pelo me- nos os anos 1960. E foram as novas redes de sociabilidade das cnlturas populares ‘urbanas, como a boémia e, sobretudo, a radiofonia, que proporeionaram a esses jovens certa realizagao cultural ¢ social. Sem discurso organizado e base institu- ional fixa, essa dinémica intelectual « caltural se aproximava daquilo que Mi- chel de Certeau classificou como exerei- cio de “guerrilha”, oposto a0 “discurso cestratégica” (como eram, por exerplo, 0 projeto marizoandradino ou dos falelo- ristas a respeito da musica popular). 5 CERTERU Michel mens ds cota. Rio de ago Vas, 1994 354 edteg chant sind 356 © jornalista cearense de alguma manoira segue osso roteiro. Ele nascou fem Fortaleza em 6/11/1901 em uma familia simples composta de varios ir- ‘mos. Sua formagdo escolar foi inicia- da em casa com a mile e ingressou na ceseola tardiamente somente a0s 14 anos, formando-se "guarda livros” (perito con- ‘tador). Esse fato no o impedin de par- ticipar desde jovem de grupos literéirios em jornais « revistas estudantis de sua Gidade, De acordo com ele, durante a década do 1920 a capital coaronse man- ‘tnha certa vida literéria, com uma ani- mada boéimia artistica. Freqiientando esse ambiente, foi convidado a patticipar como eritico em alguns jornais como A Jandaia, A Jangada, O Ceara Revista © © Cearé Dustrado, além de arriscar al- sgumas erénieas © poemas. Escrevia sob 6s pseudénimos Liieio Tabajara, Deni Cadar Alegre @ A. Ladino. Alguns deles chogou a utilizar também no Rio de Ja- neiro, sendo que © mais couhecido, Dig, foi consagrado em certas rodas radiofé- nicas e da imprensa cariocas. Em raziio das dificuldades de trabalho em Fortale- za - embora fosse empregado no banco Frota Gentil ~ ¢ atraido pelas atividades artisticas, prineipalmente as tetra grou para o Rio de Janeiro em 1926, Ao chegar & capital, logo percebeu que vida na imprensa carioca na década do 1920 era dura, um disputado “reduto Fo de Joie de Alencar Ape Nevin Ramos (Goto de Faia Rams) at do dubeso Ras Cosen. Seo mame de bstamo & Edgar Ramos de Alencar: Edgar de Alene oman o""€ 2esome asic rio part eo conn com oto pow cextns ALENCAR Elsa do Depot Cad, Pesq. Chis, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez 2011 de misériae de fome; mal se ganhava pra média ¢ 0 pao com mantoiga”. * Valen- do-se de suas experiéneias de juventude fem Fortaleza, trabalhon para sobreviver ‘om empregos administrativos om virias empresas comercinis, aguardando me- Thor oportunidade no mundo das artes fe das letras. Mesmo assim, nunea dei- ‘ou de eserever e neste periodo pagou a cedigdo de dois de seus livros de poesias, Carnaiiba (1932) © Mocororé (1942), que tm como eixo basicamente as reminis- ccéncias do Ceard.* Nessa mesma época arriscou escrever para o teatro de revista ‘sua tiniea pega, Doce de Céco, represen- tada no teatro Sao José pela companhia Alda Garrido e Pinto Filho, O novo em- rego que conquistow nos anos 40 no servigo de imprensa do Instituto de Apo- sentadorias e Pensdes dos Comerciarios IAPC) foi quem permitiu seu ingresso definitive como critico @ colunista na imprensa eserita. Os eontates profissio- nais com os jornais e emissoras de ré- io realizndos em nome da empresa Ihe possibilitaram conhecer de perto iniime- ros eolegas, entre cles Almirante, que ajudou bastante, Além disso, o trabalho nna autarquia piblica era diferente das empresas privadas #, de acordo com ele, ;pascou a ter “mais tempo” para eserever suas eriticas ¢ fazer pesquisas em torno Ti ALENCAR, Eigar de Crmatib Rio de Jaci: Of, Graf Almanech acme, 39920 nro far refering ternal evi no Ro de Javed. Apens um pooma iefere-se duetameate R imisica: Bataqne Idem. Moazroré. Rio de anew: Irmios Pongeti, 1942. E Wentificado como um Inve de posse comes © ha mada edo, 1959 oben cipal 4 Cans de care na Bra Portugal, Po, 1985, tru imsads 3 ica ere, conf ot plist corms elo. Na trea eis fir guou 0 some que 4 comazion 4 com lata erie l-orca pope Rin dee (Cz Branlea, Bras: INL, 1977 Panorama di risca oper basta, Ay Vasconcelos, io ‘Iho ting, 1904, Dison Engen de ‘miss ppl Shi To Caron, dennis, Bares Gra Oude SA 1965, = URA, Maan Chigutha Gomane rane conpontors popular Branlara, Ri de nei Paglia © poms Cols, 1959 eax Twanleva mae incpeegtes de Callao, Rev Bross de con vol VILL EN MR, > fe ples Riad ans: Node 1938p. 215-308, (Cad. Pesg. Cais, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez. 2011 ebay hana sind 363 obra de Callado e Chiquinha, e ainda de ‘Nazareth, Simhé, Canimha, Pixinguinha, Noel Rosa, Ari Barroso entre outros. A ‘mais conhecida e festojada de suas obras foi a biografia de Chiquinha Gonzaga. Composta de 27 capitulos ela percorre a vida pessoal e profissional da compo- sitora, com predominrio do tom lauda~ t6rio, Bascada no binémio “vida e obra de", soguramente tomado emprestado dda misica erudita ela tina como obje- tivo recolher e organizar as informagées dispersas da vida pessoal e artistica da ‘maestrina, mas nio s6, pois também tra- tou de estabelecer vineulos dessa histéria pessoal com a construcdo da histéria o da itisiea nacional. Neste passo, 0 esforgo de Edigar 6 um tanto distinto, Ao invés de colocar © compositor carioca direta- ‘menteno provesso de eonstrugao de uma ‘miisica artistica nacional, suas interpre- tages reforgam outra tradigdo, que é a da existineia assimétriea de outra histé- via da miisica popular ubana, que teria sua propria “linha evolutiva”. Todavia, a0 fim e ao eabo, ela desaguaria na for- smagio nacional e popular. Eneste ambiente rarefeito ¢ indefi- nid, mas de busea de critérios de forma ce contetido de uma narrativa sabre a mi- siea popular que Edigar aparece decidido em produzir uma biografia “cientifiea” atada aos dados passiveis de comprova- ‘glo e que se torna modelo. Aeontece que Nosso Sinhé do samba transita também pelo colorido dos casos da vida contro- versa de José Barbosa da Silva © pelos acontecimentos do cotidiano earioca. E ‘a face cronista ¢ jomnalistica do autor se 363 sentem profundamente atrafdas por esse ‘universo, revelando-o de modo roman- ceado, Tudo aponta, portanto para o ca- riiter inconsciontemente hibrido de seu ‘trabalho biogritico, “Tensionado entre a vontade de reproduzir um vivido real do biografado e seu entorno, 0 carter imaginative das memérias com as quais ‘opera e seu talento criativo e intuitive de escritor 6 que Edigar formula a biografia de Sinhd, Ele edifica a obra procurando um bom equilbrio entre dois métodos do investigagio diferentes © do formas narrativas diversas. Bem provavelmente foram essas mesmas razées que levaram (Camara Caseudo a sintetizar de maneira clara na conclusio de sua carta endereca- daa Edigar que: Voot fez biografia, mas ressuscitou 0 ct- ma carioca em que Sih vive. Na lagi- timidade exmoconal. Sem exaltagio ex ero, mas harmoniosamente veriico.* Acserita torna-se Histéria Apesar de dedicar quase uma vida a meméria e & histéria da mii intel a, Edigar de Alencar dizia que era muito “imgrato eserever sobre miisiea popu- las", Reclamava que fazer sua histéria cera muito dificil, uma vez que niio havia prestigio cultural, as condigies para a ‘pesquisa eram complicadas e 0 universo editorial imitado, pois era “um dos te- sas que menos tim compradores”. Além 9 ALENCAR Elisa de Nano Sah sana Yl Bio Ime: Funai, 1981, 364 edteg chant sind 366 disso, nie havia reconhecimento dos ar- ‘tistas, boa parte ilotrada ou som a pritica da leitura sistemética; ¢ os poucos que liam 86 se manifestava “quando se faz clogio a eles”. » Esso teria sido 0 caso, por exemplo, de Nosso Sinhé do samba, ceuja repercussio entre 05 artistas, joma- stas eno mereado editorial fot muito re- sidual, Este agastamento de Edigar nio permitiu que ele pereebesse que, mesino tendo convivide posteriormente com © periodo da explosio biogrifiea dos anos 80, sua obra inaugurou uma forma mo- delar do género na misica popular. Essa eserita biogritica foi seguida como pa- defo ¢ tomnou-se a maneira principal de se contar a histéria da nvisiea popular. As vezes cla foi utilizada com inteligén- ividade, mas sua compreensio seguin por diversos deseaminhos. Por sum desses atalhos, sua eseritura tomou- -se Historia, E as geragdes subseqiientes reforcaram essa percepglio, na maioria dos casos por carta “preguiga metédica", repetindo de maneira obstinada temas, objetos o, sobretudo, as fontes, pois na verdade “tudo” jé estava indieade em suas obras, Do ponto de vista da meméria, da istéria © impacto editorial a situacio de 0 carnaval carioea foi um pouco di frente, mas niio para as avaliagdes crt cas ¢ amargas do autor. A obra aleango relative sucesso e importancia, revelados nas suas cinco edigées! e no use que se {fez dela em outros livres, nos meios de & ALENCAR Eps de Deine % la xd 1965, 196,197 1960 1985 Cad, Pesq. Chis, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez 2011 comunicagdo ¢ principalmente na cons- truco da meméria coletiva. E 0 proprio digar quem diz.que “o livro além de ter sido umm sucesso, 6 um livro que serve de roteito ainda hoje a tudo quanto é radio, a tudo quanto ¢ televisio, aos noticiarios de imprensa, aos registros que se fazem, ‘mas muitas vezes sem a citagiio do titule do livre e do autor” Embora a reclama- ‘gio em relagao & citagio possa ser justa, provavelmente ele nio conseguiu in naquele momento que sua supressie cera fruto de certo reconhecimento obli- quo da obra. Tudo parece apontar para aquela circunstiineia em que a eserita agradivel e simples apresenta informa- ‘ges confidveis, argumentos sélidos anilises perspicazes. Este conjunto esta de tal modo organizado que conquista e convence imediatamente o leitor, erian- do nele aquele “efeito de realidade”, tormando-se assim verdades implicitas ¢ aceitas. Tso indica um daqueles casos - lids, no sio raros na historiografia da ‘iisiea popular - em que a obra tornou- -se conhecimento ticito, transformando- -se “na hist6ria’, preseindindo, portanto, da mengio autoral. Aliés, as recordagdes de Ziraldo sugerem de modo claro essa situagio: Virendo suas piginas, cantando suas ‘cangies, von revenda © redescebrindo « minha vida, sabendo que idade tinha, ‘onde estava, o que estava fazendo e que ‘ipo de emogaessentia em eada um dos momentos a que as alegres cangdes me remota, © ALENCAR Bian de. Depart (Cad. Pesg. Cais, Uberlandia, v.24, n.2,jul/dez. 2011 edteg chant sind 365 Tai acho que se pusar pela meni, 0 sce Cernaval vai stindo das sombras das minha lembroncaa, & 9 contins- ar flheando o ivr do Baigaee it can- tarolando cada um dos sambas oa das rmarchinhas que ele selecionas. (.) Ea oder contar uma histéra minke para cad uma delas ‘Sua vida pessoal e a obra de Edigar se confundem: esta itima serve de ba- liza e tabua cronolégiea para a primeira penetra na sua intimidade, A obra 6 conhecimento técito ¢ definitivamente “Historia” que o ajuda a compreender ajustar sua vida. Ao mesmo tempo, a0 se tomar histéria, ela se credencia também a se transformar em objeto historiogrisi- co. E talvez nada seja mais valioso para uma escrita da histéria: tomar-se ao ‘mesmo tempo Historia e historiografia Referéncias bibliogréficas ANDRADE, Mario de. Ensaio sobre a muisioa brasileira, So Paulo: Livraria ‘Martins Fontes, 1962. ASSIS, Machado de, “O folhetinista” In: Colegio methores erénicas. Sio Paulo: Fa. Global, 2005. (selagio Salete A. Cara) (CERTEAU, Michel. A invengsio do eotidia- no. Rio de Janeiro: Fd. Vores, 1994. DOSSE, Frangois. Histéria ¢ Ciénoias Sociais. Sio Paulo: Eduse, 2004. 5 RALDO 2006 Gao maa 365 EFEGE, Jota e RANGEL, Lio. 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