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oa © MUNDO MUDA E A GESTALT COMO FICA? THE WORLD CHANGE AND THE GESTALT WHO IS? Literatura Gestéltica Mauro Figueiroa’ Resumo Partindoda constatagdo das grandes mudangas que o mundo vem atravessando nesta virada de milénio, pergunto como isto afeta a Gestalt-terapia, como 0 proprio conceito de figura fundo sugere. Tal indagago ¢ desdobrada em trés momentos e contextos diferentes, em contraposigao ao momento presente: do surgimento da Gestalt-erapia no contexto norte americano; do surgimento da Gestalt-terapia nocontexto brasilero e, finalmente, do surgimento da Gesialt-terapia emminha vida. Concluo com uma complementago do texto, aps um ano da escrita original. Pelavras-chave: Gestal-terapia; globalizagao} realidade; utopia Abstract Starting from de perception of the big changes that the world has gone through in the beginning of the new millenium, | ask myself how such phenomenon affects the Gestall therapy, as the own concept of background figure suggests. Such question unfolds itself in three moments indifferent contexts, in contrast with the present moment: from de arousal of the Gestalt therapy in the USA; the arousal of Gestlat therapy in Brazil and , eventually, the arousal of Gestalt therapy in my_ life. | getto the conclusion with a complemento to the text, after a year of the original writing. Key-words: Gestalt therapy: globalization; realty; utophy O mundo muda A minha tendéncia é comecar pela. ‘ordem que naturalmente se configurou para mim, isto 6, considerando o ‘panorama global atual, olhando por uma lente grande angular, num olhar abrangente. Neste sentido, uma das idéias da qual compartho é que o momento histérico nascedouro da Gestalt Terapia 6 marcado pela presenga de um profundo desejo de mudanga que se manifesta em diferentes campos de 2¢40, porém, sintonizados e orientados por um grande sonho, uma utopia libertéria, resgatando a triade da revolugao francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Acreditavamos que oderiamos levar acabo uma grande revolugao transformadora de libertagao dos poves, das minovias, dos indvidues, uma transformagaode ordem politica, social, econémica, cultural e psicoldgica. Estavamos como que contagiados pelo ideario nitcheniano do surgimento de um novo homem e um novo mundo que visualizévamos, como € proprio dos sonhos, num vislumbre paradisiaco onde a paz, a compreensao, a tolerancia, a solidariedade, a sabedoria, a ctiatividade e a espontaneidade se integrariam numa tesposta detintiva a0 sofrimento humano. O sonho de uma sociedade justa, fraterna e livre, que jd havia sido encamado pelo projeto ‘comunista da revolugao russa de I7, € ja se desvanecia diante da realidade dispar que amesma produzira, agora retomava com outras palavras chaves, no lugar da palavra de ordem: “organizagéo das massas e luta ‘armada’, a nova palavra de ordem era “paz e amor’; no lugar dos partidos ideolégicos, 0s —movimentos minoritarios como: 0 feminismo, a antidiscriminagao racial, sexual e teligiosa, as minorias culturais, etc. Parece-me que havia uma cconvergéncia destes movimentos, num cclma de fé e esperancana capacidade de luta e construgéo de uma nova ordem, onde o ser humano e a humanidadeteriam finalmente o lugar central e integrador de todas as divergéncias. ‘Anova ordem que observamos na atualidade esté longe deste sonho de entdo, para nao dizer contra. A globalizagdo econémica tem trazido um agravamentoda pobrezano mundo, com concentragao de riqueza, injustiga social, marginalizagao orescente de populagées inteiras, destruicao da diversidade cultural, massificagao e redugio dohomem emdadoestatistioo nos gréficos de mercado de consumo. Como aponta 0 Santos: “Nunca o capital em sua formapura foi tao central na ideologia vigente. A globalizagao vem a ser assim 0 dpice da interacionalizaco do capitalismo. ‘Nem o capital, nem as empresas jé nao tém mais compromissos comos lugares e suas respectivas populagdes. Olucro ‘nunca foi téo cinco’. (2000, p.15) Por outro lado, a propria ciéncia niunea esteve téo comprometida com os resultados de mercado, uma vez que sua importancia na produgao de tecnologias vem _atrelando crescentemente os insitutoscientificos !as grandes corporagdes em busca de competitividade, novos produtos e estratégias de mercado. Paralelamente a isto, a nossa cultura esté cada vez mais impregnada pelos modelos de consumo e modos de vida compativeis com o mercado. Para Lasch, * Psicdlogo, Gestalt-lerapeuta, Professor de Cursos de Formacao de Gestalt-Terapia e Consultor de Empresas. Boletim de Gestal-terapia: Vol |, n. 08, p. 25-29, Julho/Dezembro 2001 “Apublicidade serve néo tantopara ‘anunciar produtos, mas para promover ‘o.consumocomoum modo de vida. (..) Ela defende o consumo como a resposta aos antigos dissabores da solidao, da doenga, da fadiga, da insatisfagao sexual; a0 mesmo tempo, cria novas formas de desconteniamentos peculiares & era moderna”. (1983p. 102) © marketing como forma de manipulagao e padronizagao de comportamentos tem sido bem sucedido no favorecimento da alienacdo; na substituigao das idéias pelos objetos e dos valores pelas gnifes; 1a fortiticagao do caréter narcisico das sociedades, onde a aceleracao do tempo, a competitividade e a virtualizagao, destroem, solapam as condigées asicas para um bom contato, para a discriminagdo e 0 exercicio da liberdade de escolha e responsabilidade individual para com o ‘mundo que habita. Como aponta Boft: *Omercado 6 apresentadocomoa {grande reaidade, como uma lei natural. (Oque no passapelo mercado nao tem valor. E quem nao se fima no mercado, estd condenadoa desaparecer. (..) sistema de mercado desenvolve valores culturais @ ideolégicos adequados a sua logica. Cria uma subjetividade coletiva; vale dizer, uma mesma forma de pensar, de sentir, de consumir, de amar, de sofrer, de se alegrar, de namorar, de viver familiarmente, de tratar os amigos, de ouvir musica e entender a propria morte”. (1999, p. 76) Ainda no cenario atual, a nova tecnologia tem colocado 0 homem diante de situagdes inusitadas, a biotecnologia e a engenharia genética, certamente, constituem uma ruptura incalculavel do desenvolvimento filogenético das espécies, com conseqiiéncias imprevisiveis nos sistemas vivos, incluindo-seai o préprio planeta. © homem nunca mais ser o mesmo depois do mapeamento do genoma humano, das clonagens, dos transgénicos, e da criago artificial de novos seres. Serd que estamos as portas do “Admirdvel Mundo Novo" do Huxley. Voods viram ocoelhinho verde florescente que criaram, ou 0 rato com oretha humana? Como isso estar nos afetando, rompidas estas referéncias basicas da nossa prépria natureza? No entanto, seria mais facil para nosso eniendimento se tudo fosse 56 ruim, ou melhor, se tudo fosse numa mesma diregéo, mas nao € 0 que acontece. E inquestionavel o fato de termos hoje nomundo um movimento de implementapao e aperfeigoamento dos regimes democraticos. A ideologia ‘demooratica vem ganhando terreno e se Impondo as nagSes que buscam uma integragéo com o mundo desenvolvido. A intemet tem faciitado a comunicag&o e com isto propiciado a formagao de movimentos espontaneos voltados para uma diversidade de __interesses, democratizando a infomagao e a articulagao de agdes polticas, onde as ONGS tém ocupado lugarde destaque ‘como uma nova forma de intervir no destino das comunidades, influindo nas decisdes de governos, deempresas & outras instituigdes cujas condutas influem direta e indiretamente no destino das populagées e do proprio planeta. Nuncaa questdo ecolégica de preservacao das espéciese do proprio planeta esteve tao presente, nunca a consciéneia planetéria foitéo grande, mesmo porque nunca estivemos to préximos de um comprometimento irreversivel da capacidade de ‘sobrevivencia do proprio planeta. ‘Serd que 0 sonho, a utopia de um mundo methor, de um mundo ideal, foi trocado pela necessidade urgente de agées pragmaticas e concretas de sobrevivéncia da vida? Ha pouco fi uma Noticia no jomal onde o grande fisico Stephe Hawking, autor do livro Uma Breve Histéria do Tempo, afirma que a raga humana nao sobreviverd a0 préximo milénio. Em uma edigao recente do jornal Folha de Sao Paulo tem um artigo sobre os resultados de uma pesquisa que concluiu que ultrapassamos em quase50% a linha de sustentabilidade des recursos naturais. Isto quer dizer que, conclui o artigo, se a situagao se estabilizasse nos niveis de hoje precisariamos de ‘mais meia terra paranos tomar vidveis. Ea Gestalt Terapia com isto? Fritz Figueiroa, Mauro Perls, na introducao do livro Gestalt Terapia Explicada, escritoha trinta anos atras fala: ‘Como vocés sabem, existe uma rebeliéo nos Estados Unidos. Nos descobrimos que produzr coisas, viver para coisas, @ trocar coisas, nao é 0 sentido fundamental da vida. Descobrimos que 0 sentido da vida é que ela deve ser vivida e nao comercializada, conceituada e restrita a um modelo de sistemas. Achamos que a manipulagao e 0 controle nao constituem a alegria fundamental de viver. Mas devemos também compreender que até agora temos apenas uma rebelio. Ainda nao temos uma revolueao. Ainda falta muita coisa. Existe uma disputa entre o fascismo ‘ohumanismo. Neste momento, parece ‘me que a disputa esta quase perdida para os fascistas *. (1977, p. 19) Perls no fim da vida estava ‘empenhado num projeto de uma comunidade gestailica; acreditava que ‘sO.assim poderia de fato alcangar uma gestalt verdadeiramente revolucionavia e transformadora. Foi seututtimo sonho, sua tiltima utopia. Cabe perguntar:se a Gestalt Terapia foi, em seu nascedouro, confluente com movimentos altemativos bastante significativos e diversificados e hoje estes movimentos nao sé foram incorporados pelo proprio sistema, como foram em muitos casos ‘esvaziados do seu poder questionador, mobilizador e transformador, o que ‘aconteceu com a Gestalt Terapia? Ela ‘tambémacabou sendo incorporada pelo sistema, na medida em que tem se institucionalizado, se voltado para uma maior fundamentagdo teérica e na medida em que vem lutando e conquistando um status de respeitabilidade a partir dos dis-cursos académicos que buscam o rigor Ccientifico? A Gestalt Terapia tem ainda alguma condigao de subvertero status quo? Ou simplesmente ocupa o lugar comum entre outras correntes psicoterdpicas? Até que ponto a novidade que a Gestalt Terapia trouxe jd no impressiona mais, porque a disseminou na pluralidade do mundo? Hoje idéias como o holism, integragao de polaridades, a importancia do Boletin de Gestat-terapia: Vol |, n. 09, p. 25-29, Julho/Dezembro 2001 O Mundo Muda e a Gestalt Como Fica? experienciar, 0 resgate dos sentidos ¢ a propria idéia central do todo como diferente da somatéria das partes, esto por ai em diferentes campos da atuaao humana. Ou ainda, sera que nao vemos 0 que esta acontecendo porque ficamoscom a figura fixa de 30 anos atras? © nosso mundo muda Evidentemente, quando me referi anteriormente ao contexto e momento histérico de quando a Gestalt-terapia surge, estou me referindo ao seu lugar de origem, EUA, e ainda assim tais referéncias talvez se fagam mais marcantes na costa oeste, onde Perls se fixou. A Gesialt-terapia 56 chega ao Brasil quase duas décadas depois e 0 contexto sécio-politica-econémico que aquiencontra ébem diverso. Viviamos sob uma ditadura militar de direita, de cunho nacionalista que, se por um lado reprimia violentamente toda e qualquer manifestagao politica e ideolégica divergente, por outro, suscitava, principalmente no campo artistico, uma_ pungente forga criativa demolidora dos padrées estéticos conservadores, ‘ampliando 0 conceitode opresséo para além do campo ideolégico bipolar de direita e esquerda; como: o cinema novo de Glauber Rocha e outros, a Bossa Nova e o Tropicalismo na misica, e, principalmente, a dramaturgia de Nelson Rodrigues, Plinio Marcos, Zé Celso Martinez Correa, Augusto Boal, etc.. Junto a isto, comecava a aportar por aqui atitudes e expressdes do movimento de contra-cultura: hippismo, rientalismo, pacifismo, feminismo, etc. Neste sentido, a Gestalt-terapia também encontra no Brasil um caldo de cultura que, se por um lado 6 bastante diferente do contexto norte americano, por outro, refletia um mesmo anseio, um mesmo eco de busca de uma nova visdo, de uma nova atitude e de uma nova praxis, direcionadas para os principios de liberdade, igualdade e tratemidade, lho agora para 0 texto do uma palestra proferida por Therese A Tellegen, apresentada no Primeiro Encontro de Gestalt Terapeutas, em julho de 1987, no Riode Janeiro, como titulo: “A Gestalt-terapia no contexto politico e social no Brasil hoje” na qual ela faz um paralelo entre o momento, de entdo, da Gestalt-terapia e do proceso politico brasileiro, com 0 binémio transigaéo e seducao, -apontando o momento dettransigaio que ambos viviam. No processo politico, do autoritarismo para a demooraci Gestalt-terapia, de uma posi sedutora, que a seu ver também tem tum caréter autoritério (".. na medida ‘em que no deixam espaco para um parceiro auténomo e no fundo néo toleram diferengas’), para umapostura critica. E continua: “Na época em que comecamos a conhecer a Gestalt-terapia aqui no Brasil, ela era, junto com algumas ‘outras abordagens, uma altemnativa por um lado.ao behaviorismo, que tomava conta dos cursos de psicologia, e por ‘outro @ psicanélise. Ela veio nos termos da chamada “terceira forga” ou psicologia humanistica. E como tal se constitui como alternativa com caracteristicas altamente seduioras, na sua aparente simpicidade tedrica, nas suas poderosas _técnicas, aparentemente de facil aplicagao, na ‘espontaneidade aparentemente de facil imitagdo, nos seus resultados répidos ‘e aparentemente de grande alcance. E nestes aparentementes que vejo 0 caréter sedutor... 0 meu desencanto ‘comegou quando me dei conta desies aparentementes @ das. miltiplas contradigdes que cada vez mais me confundiam. A postura terapéutica 140 aberta e espontanea ndo descamba facilmente para uma postura sedutora? As técnicas téo poderosas néo descambam facilmente para truques magicos? A escassez tedrica € 0 ‘desprez0 do pensar nao abrem espaco para a arbitrariedade? E tudo isto junto nao acaba estando a servico do narcisismo @ do autoritarismo do torapeuta? (...) © ponto crucial 6 que sedugao 6 uma forma de relacao que ‘acaba tendo muito em comum com uma posturaautoritéria. Ela néo s6 promete 0 irrealizavel, mas também ofusca 0 outro, desconsiderando o diferente, deixando pouco espaco para a leal oposigao. E sé pensar no cardter ‘sedutor @ autoritério do popuismo em 27 ppoliticapor exemplo, nas suasindmeras formas dentro e fora do Brasil, @ em todas as épocas e regimes... Brasil esta em transi¢ao, perdidamente buscando novas formas de relagies palticas e socials. Do aurontarismo para a democracia, do paternalismo @ horizontalidade. Precisamos, em lugar db discurso, institu o diélogo, em lugar da repressdo dos conilitos, a negociagao, tanto a nivel politico quanto anivel das insttuigSes familiares. uma transformagéo em profundidade sabemos quanto ela é lenta e custosa, ccheia de escorregses...0 que tudoisto tem a ver conosco enquanto Gestalt terapeutas? Creio que importa reconhecer 0 momento hist6rico € ‘ocupar onosso espaco. Pessoalmente ‘penso que ndo mais deva serum espaco alternativo. Penso que temos um lugar a ocupar no cendrio das psicoterapias que as psicoterapias juntas tem um lugar no cenério da satide mental como alvo politico-social, O mesmo espaco alternativo que tem uma fungao de renovagao, em dado momento histcrico, pode tomar-se espaco de isolamento, de evitacao # alienacaoem outro. Seré que, de fato, estamos neste ponto de transicao?”. (1987, op. cit.) Passado treze anos destas indagagdes, sera que temos respostas para elas? Nao sei, o que me ocorre so mais indagagdes, Com certeza fizemos a transig4o do autoritarismo para ademocracia, no entanto, istonao tem sido suficiente para diminuir a pobreza, pelo contrario, a distancia socio-econémica é crescente e a violencia também, a comupedo é grande € 0 descrédito nas instituigdes civis crescente @ perigoso. Como cizia Pers, o proceso para deixara pos¢ao de dependéncia é longo e frustrante, nao tem solucao magica instantanea, é preciso muito trabalho continuado e persistente para alcangar a condigao de autonomia. Acreditamos ingenuamente, que ura vez instalada a democracia, estaria tudo resolvido e bem encaminhado, mas pelocontrario, escobrimos entéo queestava tudo por fazer, re-aprender a ser cidadao, a ‘exercer a cidadania aqui e agora em cada detalhe. Retomar a responsabilidade pelo que acontece, Boletim de Gestalt-terapia: Vol |, n. 09, p. 25-29, Julno(Dezembro 2001 ‘em vez de simplesmente dizero Brasil 6 assim mesmo, ou, esse paisnaotem jeito. Voltando as indagagdes da Therese, podemos dizer hoje comcerteza que a Gestalt-terapia se desenvolveu muito este tempo todo, e jd se encontra adulta, talvez até madura. Expandiu-se para o Brasil todo, tem encontrado lugar igdes, tem desenvolvido indmeros trabalhos tedricos ¢ muitas publicagdes @ tem conseguido uma articulagéo continua € consistente entre terapeutas brasileitos e também de outros paises através de Congressos, Encontros, Jornadas, Seminérios e Treinamentos. No entanto, e talvez por isso mesmo, aparece um certo desconforto, parece que na medida em que nos solidficamos, e acho que estapalavra bem apropriada, vamos também perdendo e talvez repetindo tudo aquilo que a principio combatemos. Aconchavos, manipulagdes, disputa de poder, exclusées vao se evidenciando ‘em nosso meio, em contra-posigao ao didlogo, espontaneidade, ajustamento criativo, autenticidade, etc. Nossos congressos parecem reflatir um pouco Isso: um excesso de formalismo, programagées macicas e inflexiveis, Pouca dsposigao para a emergéncia de ocorréncias espontaneas e criativas, Pouco encontro com 0 outro, etc. Ser que ao buscarmos mais consisténcia tedrica, mais rigor, 0 reconhecimento dos —meios ‘academicos, a conquista e manutengao dos espagos institucionais, acabamos or nos corromper, nos enganar, e como diz ditado, ter jogado acrianga junto com a agua suja? Sera que fomos de um extremo para 0 outro, e esteja faltando realizar a integracao destes extremos? O meu mundo muda Finalmente, nao posso deixar de fora este aspecto que me parece da maior relevaincia, sob pena de trair a propria Gestalt. ‘Outro dia, participando da Jornada Paulista de Gestalt-terapia, acabei entrandonum trabalho de vivenoia. Dei- me conta que ha muito tempo nao enirava como participante de um Boletim de Gestal-erapia: Vol n. 09, p. trabalho assim. Ao entrar encontro a sala abarrotada, na sua grande maioria jovens universitarios, consigo um lugar apertado ao lado de uma querida colega, companheira de estrada. Quando ouvi, ‘em meio ao burburinho, a facilitadora contando o que pretendia, achei que tinha feito uma escolha errada, tive uma sensagaio de “deja vu" e surgiu em mim uma consideragéo critica extremamente preconceituosa e desqualificadora. Achei aquilo uma babaquice, mas como nao sou t&o bobo assim, logo descontiei de mim e me propus a, fosse o que fesse, aproveitar da melhor maneira possivel. Aos poucos fui me entregando e deixando de cumprir a tarefa para cultivar a experiéncia que se sucedia, oresultado foi muito agradavel e interessante. Finalmente, houve espago para alguns contarem para 0 grupo um pouco do que surgiu. Surpreendi-me, havia muita. ‘emogao, e nao tive duvidas de queboa parte daquelas pessoas estava vivendo ‘experiéncias intensas e importantes. ‘Comentei com a minhacolega ao lado que ali nao precisava fazer nada, era sO juntar tantos jovens com aquela disposigéo que alguma coisa boa acontecia. Ela me respondeu que aquele era um campo afetivo. Sai de la pensatwvo, lembreida expectatva previa que eutinha de que acontecesse algo excepcional, lembrei da minha decepeao também prévia e toda a resisténcia que se seguiu, pensei no {que emergiu do meu trabalho, algo muito simples, mas de imenso valor. E, finalmente, pensei naquele espirito jovial, naquela exuberancia e encantamento que encontrei naqueles jovens barulhentos, Entéo, me ‘entemeci profundamente, ¢fiquei muito grato por ter sido lembrado do simples, do gracioso, do magico, do mistério que se apresentam nestes momentos despretensiosos. Seriailusdo? Mas, 0 ‘que mesmo nao é? ‘© meu mundo mudou e muito, aquele que descobriu entusiasmado a Gestal-terapia, ja nao mais existe, aquele entusiasmo juvenil que me deixou tantas lembrancas maravilhosas jd nao se faz mais presente, aquele ‘sentimento gratificante de pertencer a uma tribo tao confirmadora nao ocorre 25:29, Julho/Dezembro 2001 Figueroa, Mauro ‘mais; aquela impress de que éramos diferentes, que faziamos algo diferente ‘ toriamosum grande e jubloso futuro jdse desfez, a utopia, o sonho acabou. Nai possonegar que a idade faz muita diferenga, a0 longo docaminho, alguns machucados, decepg5es, magoas, mas também, muita experiéncia, mais discriminagdo, mais ponderagao, mais humildadee provaveimente um pouco de conhecimento € um tantinho de sabedoria, porque no? Alguma coisa vai ficandola dentro e confirmando que ‘© caminhoé esse mesmo, embora as vezes me parece que andea esmo. Um ano tudo muda Passado um ano, revendo estetexto para esta publicagao, descubroqueneste ‘Pouce tempo muitas coisas jé estéiobem diferentes. No cenario mundial, presenciamos ha poucos dias o maior atentado terrorisia de todos os tempos, tendocomoalvo simbolos do poder militar ‘eecondmiconore americano, vitimando milhares de pessoas e causando perplexidade no mundo todo e uma grande expectativa: o que sucedera? ‘Como colova Edgar Morin, ao retenir-se a incertezahistérica: "Quem teria pensado, na primavera de 1914, que umatentado cometido em Sarajevo desencadearia a guerra ‘mundial que duraria quatro anos e que faria milhoes de vitinas? Quem teria pensado, em 1916, que 0 exércitorusso se desagregaria e que um pequeno partido marxista, marginal, provocaria, contrariamente & prépria doutrina, a revolueao comunista em outubro de 1917?" (1999, p.81) Continua seu texto com uma seqiéncia de eventos totalmente imprevistos até 1999, ano em que 0 escreveu. Poderiamos acrescentar a esta lista este odioso atentado: quem teria pensado, na primavera de 2001, que um atentado terrorista devastador nos EUA, desencadearia.., 0 que? Ainda nao sabemos. Estamos todos atdnitos e nao deixa de ser uma grande oportunidade para repensarmos como anda a humanidade. Temos que reconhecer nessa tragédia um sintoma ddos mais evidentes da grave doenga que afetaa comunidade humana. Talvez Possamos a partir disso reorientar (© Mundo Muda e a Gestalt Como Fica? ossos movimentos no sentido de nos reaproximarmos da nossa alma, alma domundo. No contexto da Gestalt, tenho acompanhado a ampliaco do debate e uma maior liberdade na troca de idéias, assim como a retomada de uma atitude mais abertae sincera diante de questdes que a teoria nao pode responder, quest6es que exigem buscar a resposta dentro de nés mesmos, no meio de nossa vida do dia a dia, com as nossas tristezas e alegrias. Pessoalmente me encontro mais esperangoso e achando que a Gesialt- terapia continua sendo um valioso instrumento para o desenvolvimento do que Morin, designa como a antropo- ética: “compreende, assim, a esperanca na completude da humanidade, como consciéncia e Referéncias Bibliograficas Perls, P. Gestalt-terapia Explicada, Summus, Sao Paulo, 1977. Boff, L. Etica da Vida, Letraviva, Brasilia, 1999. Lasch, C. A Cultura do Narcisismo. Imago, Rio de Janeiro, 1983. Morin, E. Os Sete Saberes Necessérios A Educacéo do Futuro. Cortez, S. Paulo 2000. Santos, M. Por Uma Outra Globaliza¢ao. Record, Rio de Janeiro, 2000. Tellegen, A.T. A Gestalt-terapia no Contexto Politico e Social no Brasil Hoje. Palestra apresentada no | Encontro de Gestalt-terapia, Rio de Janeiro, 1987. 29 cidadania planetéria. Compreende, por conseguinte, como toda ética, aspiracao e vontade, mas também aposta noincerto. Ela é consciéncia individual além da individualidade”. (1999, p. 106) Tudo isso principalmente quando nos dispomos a viver consciente despretensiosamente 0 encontro com 0 outro. Boletin de Gestalt-terapia: Vol |, n. 09, p. 25-29, Julho/Dezembro 2001 Oe) ee as ear Dt 4 i und pal i) = 3

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