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Capitulo 13 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 1 INTRODUCAO Nos paises dotados de Constituigdes escritas do tipo rigidas, a alteracao do texto constitucional exige um procedimento especial, estabelecido pelo proprio constituinte origindrio, mais dificil do que o exigido para a produgao do direito ordinario (subconstitucional), A primeira conseqiéncia — sobremaneira relevante — dessa exigéncia de formalidades especiais para a reforma da Carta Politica € que nos ordena- mentos de Constituigdo rigida vigora o principio da supremacia formal da Constituigao. Vale dizer, nesses sistemas juridicos que adotam Constituigao do tipo rigida, as normas elaboradas pelo poder constituinte originario sao colocadas acima de todas as outras manifestagdes de direito. Para que se compreenda com clareza essa decorréncia da rigidez consti- tucional é suficiente notar que, nos sistemas juridicos de Constituigdo flexivel, a inexisténcia de diferenciagao entre os procedimentos de elaboracao das leis ordinarias e de modificagao das normas constitucionais faz com que toda producao normativa juridica tenha 0 mesmo status formal, ou seja, as leis novas derrogam ou revogam todas as normas anteriores com elas incompa- tiveis, mesmo que estas sejam normas constitucionais.' 1 Constituigao fiexivel é aquela cujos dispositivos podem ser alterados pelos mesmos proce- dimentos exigidos para a elaboracao das leis ordinarias, ou seja, ndo existe um processo legislativo diferenciado, mais laborioso, para a modificago do texto constitucional. 6a8 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrina Assim, em um sistema de constituigao flexivel — o da Inglaterra, por exemplo — descabe cogitar de impugnagio de inconstitucionalidade, sendo o parlamento poder legislativo e constituinte ao mesmo tempo. As decisdes do parlamento nao podem ser de modo algum atacadas perante os tribunais; somente os atos praticados em decorréncia de ato do parlamento é que po- dem ser examinados pelo Judicidrio, a fim de se verificar se nao excederam os poderes conferidos Esse ponto constitui a segunda conseqiiéncia importante da rigidez constitucional (¢ mais diretamente do principio da supremacia da Constitui- 40): somente nos ordenamentos de Constituigdo escrita e rigida é possivel a realizagao do controle de constitucionalidade das leis da forma como o conhecemos e estudamos. Unicamente nesses sistemas juridicos podemos falar, propriamente, em normas infraconstitucionais que, como tais, devem respeitar a Constituigao. Significa dizer que para uma norma ter validade dentro desses sistemas ha que ser produzida em concordancia com os ditames da Constituigio, que representa seu fundamento de validade. A Constitui¢ao situa-se no vértice do sistema juridico do Estado, de modo que as normas de grau inferior somente valerdo se forem com ela compativeis. Dessarte, se a Constituigdo é do tipo rigida, ha disting&o hierarquica entre ela e as demais normas do ordenamento juridico, estando ela em posigio de superioridade relativamente a estas (que sdo, por isso, ditas infracons- titucionais ou subconstitucionais). A Constituigdo passa a ser 0 pardmetro para a elaboragao de todos os demais atos normativos estatais, devendo estes respeitar os principios e regras nela tragados e o proprio processo constitucionalmente previsto para sua elaboragdo, sob pena de incorrer-se em insanavel vicio de inconstitucionalidade. Havendo confronto entre norma ordinaria e texto constitucional, tanto do ponto de vista formal (respeito ao processo legislativo) quanto do material (compatibilidade com o contetido das normas constitucionais), devera ser declarada a nulidade da norma inferior, em respeito 4 supremacia da Constituigdo.” Ao mesmo tempo, para que se possa falar, efetivamente, em Estado de Direito, & necessario que exista pelo menos um 6rgao estatal independente do 6rgao encarregado da produgdo normativa, ao qual a propria Constituigao atribua competéncia para verificacdo da conformidade das normas ordinarias com seus principios ¢ regras. Essa é outra decorréncia relevante do principio da supremacia constitucional: a necessidade de separacao de poderes. Conforme esclarece 0 Professor Alexandre de Moraes: “A idéia de intersec¢ao entre con- trole de constitucionalidade e constituigdes rigidas é tamanha que o Estado onde inexistir © controle, a Constituigao sera flexivel, por mais que a mesma se denomine rigida, pois 0 Poder Constituinte ilimitado estaré em maos do legislador ordindrio.” Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 689 Para compreensao dessa assertiva, basta constatar que em um Estado no qual todas as fung6es (poderes) estejam concentradas nas maos de um déspota, no existe qualquer possibilidade de que um provimento deste venha a ser declarado ilegitimo, contrario ao direito. Simplesmente, nao existira nenhum 6rgdo com poder para realizar tal verificacao. Dessarte, para que se tenha um efetivo sistema de controle de constitu- cionalidade dos comportamentos, leis e atos, normativos ou concretos, faz-se insofismavel a necessidade de que se determine quem é competente para analisar e decidir se houve ou nao ofensa 4 Constituigao, como também qual © processo que deve ser utilizado para se anular uma conduta ou ato incons- titucional. E a prépria Constituigao que estabelece os érgaos encarregados de exercer tais competéncias ¢ procedimentos especiais, que variam de um regime constitucional para outro e que consubstanciam o que denominamos controle de constitucionalidade. Pelo até aqui exposto, podemos afirmar que so dois os pressupostos para © controle de constitucionalidade: (a) a existéncia de uma Constituigao do tipo rigida; (b) a previsdo constitucional de um mecanismo de fiscalizagao da validade das leis. E ainda relevante destacar que ao mesmo tempo em que uma Constituigdo do tipo rigida é pressuposto da existéncia do controle de constitucionalidade, nao € menos verdade que esse mesmo controle é pressuposto e garantia de uma Constituiga0 rigida. Isso porque, caso ndo haja érgio com a funcdio de exercer o controle de constitucionalidade, a Constituigdo ficara sem meios de fazer valer a sua supremacia em face de condutas afrontosas ao seu texto. Sintetizemos essas breves consideragdes sobre controle de constitucio- nalidade: a) a nogdo contemporanea de controle de constitucionalidade das leis tem como pressuposto a existéncia de uma Constituigao do tipo rigida; b) a rigidez da Constituigao tem como conseqiiéncia imediata o principio da supremacia formal da Constituigao; ©) 0 principio da supremacia formal da Constituigaio exige que todas as demais normas do ordenamento juridico estejam de acordo com o texto constitu- cional; d) aquelas normas que nao estiverem de acordo com a Constituigao serio in- vilidas, inconstitucionais e deverio, por isso, ser retiradas do ordenamento juridico; e) ha necessidade, entio, de que a Constituigdo outorgue competéncia para que algum érgio (ou érgaos), independente do drgio encarregado da produgao normativa, fiscalize se a norma inferior esté (ou nao) contrariando o seu 690 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino texto, para o fim de retird-la do mundo juridico e restabelecer a harmonia do ordenamento; f) sempre que o drgdo competente realizar esse confronto entre a lei e a Constituigéo, estara ele efetivando 0 denominado “controle de constitucio- nalidade”. No plano axiolégico, podemos situar 0 controle de constitucionalidade das leis como, simultaneamente, base e coroldrio: (a) de um Estado Democratico de Direito; (b) do principio da separagdo de poderes; (c) da garantia maior do individuo frente ao Estado, na proteg’o de seus direitos fundamentais; (d) da garantia da rigidez e supremacia da Constituigao. LMF N r™ RIGIDEZ PRINCIPIO DA INCONSTITUCIO- NECESSIDADE DO DA SUPREMACIA DA. NALIDADES DAS. CONTRE DE CONS-| CONSTITUIGAO CONSTITUIGAO LEIS TITUCIONALIDADE O estudo do controle de constitucionalidade, portanto, implica perquirir, essencialmente: (i) quais érgos do nosso Estado tém competéncia para de- clarar a inconstitucionalidade das leis, atos e condutas; (ii) em que espécies de procedimentos as normas e condutas poderao ser declaradas inconstitucio- nais; (iii) quais os efeitos da declaragao da inconstitucionalidade da norma ou comportamento em desacordo com a Constituigao. 2. PRESUNGAO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS Em um Estado Democratico de Direito, como 0 nosso, a lei desempenha fungdo singular, visto que sé ela pode impor ao individuo a obrigagao de fazer ou deixar de fazer alguma coisa (CF, art. 5.°, II). Enfim, somente as espécies normativas primdrias integrantes do ordenamento juridico dispdem do poder de impor obrigagées, de exigir condutas positivas e negativas e de estabelecer restrigdes a direitos dos individuos. Ademais, se, de um lado, temos que somente a lei pode obrigar o indi- viduo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, também € certo que todos os 6rgios ¢ entidades do Estado, inclusive as pessoas que exercem por delegagao parcela de atribuigdes do Poder Publico, tém que pautar as sua condutas, comissivas ou omissivas, pelo disposto na lei, sob pena de desrespeito ao postulado da legalidade, alicerce maior de um Estado de Direito. Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 691 Nessa esteira — submissdo de todos aos comandos da lei —, desenvolveram- se os principios democratico e republicano, que, entre outras caracteristicas, outorgam ao povo o poder de criar as regras juridicas do Estado. Da conju- gagio desses dois postulados, temos que todo o poder do Estado emana do préprio povo, que o exerce diretamente ou por meio de seus representantes eleitos (CF, art. 1.°, paragrafo unico). Idealmente, portanto, é certo afirmar que em um Estado democratico e republicano, como o nosso, 0 povo tem exatamente as leis que deseja, pois sio elaboradas em seu nome, pelos seus representantes, para tanto eleitos. Por esse motivo — elaboragéo normativa segundo a vontade do povo -, e em prol do postulado da seguranga juridica, tem-se que as leis ¢ os atos normativos editados pelo Poder Publico sao protegidos pelo principio da presungao de constitucionalidade das leis (ou presungdo de legitimidade das leis). Decorréncia desse principio, temos que as leis e os atos normativos estatais deverao ser considerados constitucionais, validos, legitimos até que venham a ser formalmente declarados inconstitucionais por um 6rgaéo competente para desempenhar esse mister. Enquanto nado formalmente reconhecidos como in- constitucionais, deverao ser cumpridos, presumindo-se que o legislador agiu em plena sintonia com a Constituigao — e com a vontade do povo, que lhe outorgou essa nobre competéncia. Resulta claro, portanto, que o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis é medida excepcional, que somente podera ser proclamada por um 6rgao que disponha de competéncia constitucional para tanto — e, ainda assim, na vigéncia da atual Carta Magna, com a devida motivagao (CF, art. 93, IX). Ademais, como corolario da excepcionalidade da declaragao de nulidade da lei, ela deve ser proferida, pelo drgio competente, somente em tiltima hipdtese, ou seja, sempre que se puder conferir a uma norma impugnada uma interpretagdo que a compatibilize com 0 texto constitucional deve 0 érgao de controle da constitucionalidade determinar a adog&o dessa interpretacao, mantendo a norma no mundo juridico. 3. CONCEITO E ESPECIES DE INCONSTITUCIONALIDADES Partindo das consideragées anteriormente expendidas — a rigidez da ori- gem ao principio da supremacia formal, que requer que todas as situages juridicas se conformem com os preceitos da Constituigao — chegamos a no de inconstitucionalidade, a qual resulta do conflito de um comportamento, de uma norma ou de um ato com a Constituigao. 692 DIREITO CONSTITUGIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Inconstitucional é, pois, a agéo ou omissao que ofende, no todo ou em parte, a Constituigao. Se a lei ordinaria, a lei complementar, o estatuto privado, © contrato, 0 ato administrativo etc. nado se conformarem com a Constituigao, nao devem produzir efeitos. Ao contrario, devem ser fulminados, por incons- titucionais, com base no principio da supremacia constitucional. Adotaremos aqui um conceito restrito de inconstitucionalidade, dele ex- cluindo os comportamentos e atos de particulares que contrariem a Constitui- ao. Dessarte, definiremos inconstitucionalidade como qualquer manifestagao do Poder Publico (ou de quem exerga, por delegagao, atribuigdes publicas), comissiva ou omissiva, em desrespeito 4 Carta da Reptblica.* Com efeito, se a Constituigaéo representa o fundamento de validade de toda e qualquer manifestagao dos érgaos constituidos do Estado, o desres- peito aos seus termos implica nulidade do ato ou conduta destoantes de seus comandos. Nenhum comportamento estatal podera afrontar os principios e regras da Constituigdo, estejam esses expressos ou implicitos em seu texto, Deve-se anotar, entretanto, que esto fora da possibilidade de controle de constitucionalidade as normas constitucionais originarias, 0 texto origindrio da Constituigao de 1988.4 No Brasil, tanto a doutrina quanto a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal refutam a possibilidade de haver inconstitucionalidade de normas constitucionais origindrias, Entende-se que nao ha normas constitucionais origindrias “superiores” ¢ “inferiores”; a Constituigao ¢ um todo organico (principio da unidade da Constituigdo) e todas as normas origindrias de seu texto tém igual dignidade, sem que tenha qualquer influéncia, para efeito de controle de constitucionalidade, a distingao doutrindria ente normas formal € materialmente constitucionais e normas so formalmente constitucionais. Ademais, a interdigao de que se reconhegam no texto originario da Carta da Republica “normas constitucionais inconstitucionais” decorre da absoluta auséncia de competéncia do Supremo Tribunal Federal, bem como de qual- quer outro érgdo constituido do Pais, para controlar a obra do constituinte origindrio. A matéria ja foi percucientemente analisada no julgamento da ADI 815-DF (28.03.1996). Nela, 0 Ministro Moreira Alves, relator, em seu voto 3 Essa restrigao deve-se ao fato de que o controle de constitucionalidade destina-se a fiscali- zacao dos atos emanados do Poder Publico; os atos tipicamente privados que desrespeitam a Constituigao sdo também passiveis de serem impugnados, mas por mecanismos distintos, que nao se enquadram, estritamente, no conceito de fiscalizagéo da constitucionalidade, + Atese, ndo adotada no Brasil, de que hé hierarquia entre normas constitucionais origi- ndrias, 0 que, teoricamente, possibilitaria a existéncia de normas constitucionais origindrias inconstitucionais, 6 defendida pela corrente doutrinaria liderada pelo constitucionalista Otto Bachof. Cap. 13 + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 693, condutor, deixa claro que a andlise da validade de normas constitucionais origindrias nao consubstancia, na verdade, questéo de constitucionalidade, mas de legitimidade do constituinte origindrio e a aferigao dessa legiti- midade escapa inteiramente a competéncia do STF (e de qualquer outro érgao do Pais). Salientou, também, que a tese da inconstitucionalidade de normas consti- tucionais é patentemente incompativel com o sistema de Constituigao rigida, no qual deve ser desprezada a diferencia¢do doutrindria entre normas for- malmente constitucionais ¢ normas materialmente constitucionais, mormente em tema de controle de constitucionalidade. Ainda, deixou claro 0 eminente Ministro que a alega¢ao segundo a qual as normas constitucionais designadas como cldusulas pétreas (CF, art. 60, § 4°) teriam hierarquia superior 4 das demais normas constitucionais nao encontra respaldo em nosso ordenamento, porque a protegao da clausula pétrea representa, té0-somente, um limite a atuagao do poder constituinte de reforma, néo um parametro de aferigao da validade de normas postas pelo constituinte origindrio. Por fim, também nao esta sujeito a aferic&o de constitucionalidade o direito pré-constitucional, em face da Constituigéo superveniente. Nesses casos, de fiscalizag&éo de norma pré-constitucional ante Constituig¢ao a ela posterior, o Supremo Tribunal Federal entende que nao cabe juizo de incons- titucionalidade, mas, sim, de recep¢4o ou nado-recepgao (isto 6, revogagao) da norma pré-constitucional pela Constituigdo atual. Por outras palavras, nao se afere a constitucionalidade do direito pré-constitucional em face da Constituic&o vigente, porque a matéria é considerada pertinente ao campo do direito intertemporal: quando a lei anterior 4 Constituigao é materialmente compativel com ela, é recepcionada; quando ha conflito entre 0 contetido da lei anterior 4 Constituigdo e 0 seu texto, a Carta Politica nao a recepciona, isto é, revoga a lei pré-constitucional. Se uma questo acerca da recep¢’io, ou nao, de direito pré-constitucional chegar ao Supremo Tribunal Federal, a decisao proferida, caso a Corte entenda que a lei é materialmente incompativel com a Constituigao a ela superveniente, declarara, simplesmente, que a lei foi revogada pela Constituigéo de 1988. Nao se trata, portanto, de uma deciso que declare a lei inconstitucional. 3.1. Inconstitucionalidade por acao e por omissao A inconstitucionalidade poder resultar de uma ago ou de uma omissao do Poder Publico, dando origem as denominadas inconstitucionalidades por agdo (ou positivas) ou por omissao (ou negativas). 694 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Ocorre a inconstitucionalidade por agao quando o desrespeito 4 Consti- tuicdo resulta de uma conduta comissiva, positiva, praticada por algum érgdo estatal. E 0 caso, e.g., da claboragao pelo legislador ordinario de uma lei em desacordo com a Constituigao. Temos a inconstitucionalidade por omissao quando a aftonta a Constituigao resulta de uma omissao do legislador, em face de um preceito constitucio- nal que determine seja elaborada norma regulamentando suas disposigées. Constitui, portanto, uma conduta omissiva frente a uma obrigacao de legislar, imposta ao Poder Publico pela prépria Constituigao. A inconstitucionalidade por conduta omissiva ocorre diante de norma constitucional de eficacia limitada, em que a Lei Maior exige do legisla- dor ordindrio a edig¢do de uma norma regulamentadora, para tomar viavel 0 exercicio de determinado direito nela assegurado, ¢ o érgio legislativo ordinario permanece inerte, obstando 0 efetivo exercicio daquele direito. Ao desrespeitar uma determinagao constitucional de legislar, obstaculizando o exercicio de um direito dependente de regulamentagao, estaré o legislador ordinario desrespeitando a supremacia constitucional, dando azo a declaragao da inconstitucionalidade de sua inércia. Distingue a doutrina a inconstitucionalidade omissiva total da omissio parcial. A omissao é total quando 0 Poder Publico, obrigado a legislar por forga de determinagdo constitucional, nao elabora a norma requerida, permitindo a existéncia de uma indesejavel lacuna. E 0 que ocorre, por exemplo, com 0 direito de greve dos servidores publicos civis, que, malgrado o imperativo constitucional (art. 37, VII), n&o foi até hoje, quase duas décadas depois de promulgada a Constituigaéo, regulamentado pelo legislador ordinario. A omissao é parcial quando o legislador produz a norma, mas o faz de modo insatisfatério, insuficiente para atender aos comandos da norma constitucional de regéncia. E 0 caso, por exemplo, da assim denominada lei excludente de beneficio incompativel com o principio da igualdade, que disciplina determinado direito constitucionalmente previsto, mas exclui de sua abrangéncia pessoas que deveriam ter sido alcangadas. Vale dizer, a lei requerida constitucionalmente ¢ produzida pelo legislador ordinario, mas de forma imperfeita, porque os seus comandos nao atingem todas as pessoas que deveriam ter sido por ela acobertadas, afrontando o principio da igualdade. Seria 0 caso, por exemplo, de a Constituigéo determinar a regulamentagao e o conseqiiente pagamento da remuneragdo de trés ca- tegorias funcionais na forma de subsidio e o Poder Publico efetivar essa regulamentagdo apenas para duas das categorias, nao abrangendo a terceira, que restaria, assim, indevidamente excluida do beneficio (direito 4 remune- ragdo mediante subsidio). Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUGIONALIDADE 695 3.2. Inconstitucionalidade material e formal A inconstitucionalidade pode resultar da desconformidade do conteudo do ato ou do seu processo de elaboracao com alguma regra ou principio da Constituigado. Na primeira hipdtese — desconformidade de contetido — teremos a inconstitucionalidade material, enquanto na segunda — desconformidade ligada ao processo de elaboragao da norma -, a inconstitucionalidade formal. A inconstitucionalidade material ocorre, portanto, quando o conteudo da lei contraria a Constituigdo. O processo legislative (procedimento cons- titucionalmente exigido para a elaboragao da lei) pode ter sido fielmente obedecido, mas a matéria tratada é incompativel com a Carta Politica. Seria © caso, por exemplo, de uma lei que introduzisse no Brasil a pena de morte em circunsténcias normais, que padeceria de inconstitucionalidade material, por afrontar o art. 5.°, XLVII, da Lei Maior. A inconstitucionalidade formal ocorre quando ha um desrespeito 4 Cons- tituig&o no tocante ao processo de elaboragao da norma, podendo alcangar tanto 0 requisito competéncia, quanto o procedimento legislativo em si. O conteido da norma pode ser plenamente compativel com a Carta Magna, mas alguma formalidade exigida pela Constituigao, no tocante ao tramite legislativo ou as regras de competéncia, foi desobedecida. Se a inconstitucionalidade formal resulta da inobservancia das regras constitucionais de competéncia para a produgdo da norma, diz-se que a inconstitucionalidade é do tipo orginica. Assim, padecera de inconstitucio- nalidade formal orgénica uma lei estadual que disponha sobre direito pro- cessual, haja vista se tratar de matéria da competéncia legislativa privativa da Unido (art. 22, I). A inconstitucionalidade formal poderd decorrer, também, da inobservancia das regras constitucionais do processo legislativo, do procedimento legislativo em si, em qualquer de seus aspectos — subjetivos ou objetivos. Os requisitos subjetivos dizem respeito 4 fase introdutéria do processo legislativo, em que é desencadeado, por meio da iniciativa, 0 procedimento de elaboracdo das espécies normativas. Qualquer espécie normativa claborada a partir de iniciativa viciada, isto ¢, a partir de projeto de lei apresentado por quem nao detinha competéncia, padecera de inconstitucionalidade formal. Seria 0 caso, por exemplo, de lei resultante de iniciativa parlamentar que dispusesse sobre regime juridico dos servidores piblicos federais do Poder Executivo, haja vista se tratar de matéria cuja iniciativa é constitucionalmente teservada ao Presidente da Republica (art. 61, § 1.°, I, “e”). A inconstitucionalidade formal decorrente da violagao dos requisitos ob- jetivos do processo legislativo ocorre sempre que quaisquer outros aspectos referentes ao procedimento de elaboragao das leis, nao ligados a iniciativa, 696 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino so desrespeitados. Assim, 0 vicio formal podera advir da inobservancia das regras constitucionais referentes as fases constitutiva e complementar do processo legislativo, que abrangem a discuss&o e votagao, a sangdo, o veto, a rejeicao do veto, a promulgagdo etc. Por exemplo, uma lei complementar que tenha sido aprovada por maioria simples (ou relativa) padecera de incons- titucionalidade formal, por desobediéncia ao requisito objetivo fixado no art. 69 da Constituigao Federal, que impde a aprovacao dessa espécie normativa por maioria absoluta. Da mesma forma, se uma emenda a Constituigao nao & aprovada em dois turnos em cada uma das Casas do Congresso Nacional, por trés quintos dos respectivos membros, padecera de vicio formal, seja qual for o seu contetido. Por fim, lembramos que a desobediéncia aos pressupostos constitucio- nais que determinam ¢ condicionam o exercicio da competéncia legislativa também implica a inconstitucionalidade formal da norma expedida. Assim, se a Constituigao outorga competéncia 4 Unido para disciplinar determinada matéria, mas impde que essa disciplina se dé por meio de lei complementar, a expedigdo de uma lei ordinaria sobre o assunto padecerd de inconstitu- cionalidade formal, porquanto norma ordindria ndo pode veicular matéria constitucionalmente reservada 4 lei complementar. Da mesma forma, haverd inconstitucionalidade formal se o Presidente da Republica adotar medida provisoria sem a presenga de urgéncia e relevancia, haja vista que a Cons- tituigo condiciona a expedigao dessa espécie normativa ao atendimento de tais pressupostos. 3. Inconstitucionalidade total e parcial A inconstitucionalidade pode atingir todo o ato normativo (total) ou apenas parte dele (parcial). Evidentemente, a regra é 0 reconhecimento da inconstitucionalidade de apenas parte da lei ou ato normativo. Afinal, a aferigo da validade da nor- ma é feita dispositivo por dispositivo, matéria por matéria, ¢ nao em bloco, globalmente. Ha situagdes, porém, que impdem ao Poder Judiciério a declaragdo da inconstitucionalidade total da norma impugnada. Seria 0 caso, por exemplo, da impugnagio de uma lei resultante de iniciativa viciada (toda a matéria disciplinada na norma era de iniciativa privativa do Presidente da Republica, mas 0 projeto de lei foi apresentado por parlamentar) ou, ainda, de uma lei de conteudo materialmente complementar que tenha sido aprovada por maioria simples de votos. No Brasil, a declaragéo da inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciario pode recair sobre fragao de artigo, paragrafo, inciso ou alinea, Cap. 13 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 697 até mesmo sobre uma unica palavra de um desses dispositivos da lei ou ato normativo. A regra constitucional que restringe 0 exame da constitucio- nalidade do projeto de lei ao texto integral de artigo, paragrafo, inciso ou alinea (art. 66, § 2.°) diz respeito ao chamado “veto juridico” do chefe do Executivo, nao alcangando a declaragao de inconstitucionalidade proferida pelo Poder Judiciario. Entretanto, a declaragao da inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judi- ciario nado podera subverter o intuito da lei, mudando o seu sentido e alcance, sob pena de ofensa ao principio da separagdo dos poderes, que impede a atuagaio do Poder Judicidrio como legislador positivo. Assim, se a declaragaio da inconstitucionalidade parcial implicar mudanga do sentido e alcance da norma impugnada, o Poder Judiciario deverd declarar a inconstitucionalidade de toda a norma (inconstitucionalidade total), sob pena de atuar (indevida- mente) como auténtico legislador positivo, criando norma nao pretendida pelo legislador, em ofensa ao postulado da separagao dos poderes. Ademais, de acordo com a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, a declaragao da inconstitucionalidade parcial de norma sé é admissivel no controle abstrato quando se pode presumir que o restante do dispositivo, nao impugnado, seria editado independentemente da parte supostamente incons- titucional (doutrina da “indivisibilidade das leis”). Assim, se com a impug- nagao de parte do dispositivo restar patente que a parte ndo impugnada (e que, portanto, continuaria a viger) nao teria sido editada isoladamente, sera inviavel a declaragdo de inconstitucionalidade parcial.‘ Por fim, é interessante mencionarmos que ha situagdes em que o Tribunal Constitucional constata a existéncia de vicio no ato normativo impugnado, mas, apesar disso, nao declara sua inconstitucionalidade, porque verifica que a retirada do ato viciado do mundo juridico acabaria por resultar em uma lesio ao ordenamento constitucional maior do que a lesao decorrente de sua manuteng¢ado. Sao as situagdes em que o STF deixa de declarar a nulidade do ato para evitar o “agravamento do estado de inconstitucionalidade”. Imagine-se, por exemplo, que uma lei estadual estipulasse um adicional & remuneragao dos servidores ptiblicos, a cada cinco anos, correspondente a 7,5% de seu vencimento. Suponha-se que 0 Governador tenha enviado um projeto de lei A Assembléia Legislativa reduzindo esse percentual para 5%, mas que, em sua tramitagao, esse projeto tenha sido objeto de uma emenda parlamentar aumentando o percentual para 6%, de sorte que a lei resultante tenha sido aprovada ¢ promulgada prevendo esse percentual de 6% Nesse caso, se a norma fosse impugnada perante o STF sob a alegacdo de que é inconstitucional, em leis de iniciativa privativa do chefe do Execu- ® ADIMC 2.645/TO, rel. Min. Sepiilveda Pertence, 11.11.2004 698 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino tivo, o dispositivo resultante de emenda parlamentar que acarrete aumento de despesa (comparando com a despesa que decorreria do que estava previsto no projeto de lei apresentado pelo Governador), certamente a Corte reconheceria a inconstitucionalidade, mas deixaria de pronuncid-la, porque a supressio do dispositivo aprovado (adicional de 6%) resultaria em aumento de despesa ainda maior, uma vez que retornaria o percentual previsto na lei anterior (7,5%), que foi revogada pela lei impugnada, frustrando, de mancira ainda mais grave, o dispositivo constitucional que proibe emenda parlamentar que aumente despesa em projeto de lei de iniciativa privativa do chefe do Execu- tivo. Assim, para evitar 0 agravamento do estado de inconstitucionalidade, o Tribunal deixaria de declarar a inconstitucionalidade do dispositivo da lei (adicional de 6%), mesmo reconhecendo que sua aprovacio violou regras constitucionais pertinentes ao processo legislativo.* aah Declaragao parcial de nulidade sem redugdo de texto e interpretagdo conforme a Constituigao Pertinentes ao estudo da inconstitucionalidade parcial, ha dois topicos que, em razdo de sua especial relevancia, merecem andlise separada: a “declaragdo parcial de nulidade sem redugdo de texto” e a “interpretagdo conforme a constituigao”. O Supremo Tribunal Federal recorre a técnica de declaragao parcial de nulidade sem redugao de texto quando constata a existéncia de uma regra legal inconstitucional que, em raz8o da redag&o adotada pelo legislador, nao tem como ser excluida do texto da lei sem que a supressdo acarrete um re- sultado indesejado. Assim, nem a lei, nem parte dela, é retirada do mundo juridico (nenhuma palavra é suprimida do texto da lei). Apenas a aplicagao da lei — em relagao a determinadas pessoas, ou a certos periodos — é tida por inconstitucional. Em relagao a outros grupos de pessoas, ou a periodos diversos, ela continuara plenamente valida, aplicavel. Imagine-se, por exemplo, que uma Lei “Z” estabeleca prerrogativas para uma determinada categoria de servidores publicos em um artigo, dividido em incisos, e, em outro artigo, estenda algumas das prerrogativas a outra categoria de servidores, simplesmente fazendo remissdo ao primeiro artigo. Teriamos algo assim: Art. 1.° Sa0 prerrogativas dos titulares do cargo AAA: 1) prerrogativa ° Vide, como exemplo, 0 RE 274.383/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 29.03.2005 (Informative STF 381). Cap. 13 + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 699 Il) prerrogativa *b’; IID) prerrogativa ‘ec’; IV) prerrogativa ‘d” Art, 2.° Aplicam-se aos titulares do cargo BBB as prerrogativas previstas nos incisos | a II do art. 1.°. Caso fosse impugnado perante o Supremo Tribunal Federal o art. 2.°, ea Corte entendesse que somente a extensao da prerrogativa “b” ao cargo BBB foi inconstitucional, nao teria como retirar essa regra do texto da lei mediante a supressdo de alguma palavra ou expressdo, porque 0 art. 2.° nao contém, em seu texto, citagdo expressa do inciso II do art. 1.°. Vale dizer, nao seria tecnicamente possivel, mediante redugao do texto do art. 2.°, obter 0 efeito desejado — retirar do cargo BBB a prerrogativa prevista no inciso II do art. 1.°. Também nao se pode suprimir o inciso II do art. 1.° porque é perfeitamente valida a atribuigao da prerrogativa “b” ao cargo AAA, Em um caso como esse, 0 Supremo Tribunal Federal poderia utilizar a técnica da declaracao parcial de inconstitucionalidade sem redugdo de texto para afastar a aplicagao do inciso II do art. 1.° ao cargo BBB, mantendo-o em relagao ao cargo AAA. O Tribunal, ao pronunciar a inconstitucionalidade, nao suprimiria nenhuma parte do texto literal, nenhuma palavra ou expresso da lei, mas afastaria a aplicagdo do inciso II do art. 1.° ao cargo BBB. O contetdo da decisdo deixaria assente que o Tribunal resolveu “declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redugao de texto, do art. 2.° da Lei ‘Z’, no que se refere 4 extensdo, ao cargo BBB, da prerrogativa prevista no inciso TI do art. 1.° da Lei *Z’””. A interpretagao conforme a Constituigéo ¢ técnica de decisdo adota- da pelo Supremo Tribunal Federal quando ocorre de uma disposigao legal comportar mais de uma interpretagado e se constata, ou que alguma dessas interpretagdes é inconstitucional, ou que somente uma das interpretagdes possiveis esté de acordo com a Constituigao. Na aplica¢ao da interpretacado conforme a Constituigdo, o Poder Judiciario atua como legislador negativo, eliminando, por serem incompativeis com a Carta, uma ou algumas possibilidades de interpretacdo. Basicamente, duas situagdes podem ocorrer: a) o STF declara que lei ¢ constitucional, desde que dada a ela determinada interpretacao (consenténea com a Constitui¢do), isto é, ficam eliminadas as outras interpretagdes que a lei possibilitaria, mas que seriam inconcilidveis com 0 texto constitucional; ou b) a Corte declara que a lei é constitucional, exceto se for adotada uma deter- minada interpretagao (conflitante com a Constituigao), ou seja, 0 aplicador 700 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino do direito podera optar por qualquer das interpretagdes que a lei possibilite, menos uma (aquela que seria incompativel com a Carta Politica) Assim, nessas decisées, o Tribunal emprega a expressaio “desde que”, reconhecendo a validade da norma “desde que interpretada de tal maneira”, ou se limita a apontar uma determinada interpretagdio que nao pode prospe- rar, deixando liberdade ao aplicador da lei para adotar qualquer das demais interpretagdes possiveis.” As técnicas declaracio parcial de nulidade sem redugdo de texto e interpretacgéo conforme a Constituigéo foram positivadas pela Lei n.° 9.868/1999, no ambito do processo e julgamento da ADI e da ADC, nos seguintes termos (art. 28, paragrafo unico): Paragrafo unico. A declaragao de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretagao conforme a Cons- tituigdio e¢ a declaragao parcial de inconstitucionalidade sem redug&o de texto, tém eficacia contra todos e efeito vinculante em relagdo aos érgios do Poder Judiciério e 4 Administragao Publica federal, estadual ou municipal. Observa-se que o texto legal menciona a interpretagdo conforme a Cons- tituigao e a declaragao parcial de inconstitucionalidade sem reducao de texto como técnicas distintas e auténomas de decisdo. Essa é também a orientacao doutrinaria dominante. Segundo essa linha de raciocinio, na declaragao parcial de inconstitu- cionalidade sem redugdo de texto, afasta-se a aplicagéo de um dispositivo legal a um grupo de pessoas ou situagdes; relativamente as demais pessoas ou situagdes, a lei se aplica sem restrigdes (nao se manda adotar uma inter- pretacdo especifica para os dispositivos legais; tampouco se veda a adogdo de alguma interpretagao). No caso da interpretagao conforme a Constitui¢ao, © Supremo Tribunal Federal ordena que seja conferida determinada interpre- tacio a dispositivo ou dispositivos de uma lei, ou proibe a adogao de uma interpretagao especifica. A lei, entretanto, desde que interpretada como esta- belecido pelo Pretério Excelso, sera aplicdvel a todas as pessoas ¢ situacdes que se enquadrem em sua hipétese normativa, ou seja, sua incidéncia serd plena — diferentemente do que ocorre quando se adota a declaragao parcial 7 No Brasil, 0 Supremo Tribunal Federal, quando adota a técnica de interpretago conforme a Constituigo, julga procedente a acao direta de inconstitucionalidade, o que equivale a declarar inconstitucionais todas as interpretagdes, mesmo que ndo possam ser expressamente enunciadas, que ndo sejam aquela (ou aquelas) que a Corte afirma ser compossivel com 0 Texto Magno. Constitucionalistas de escol, como o professor ¢ atual Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, entendem que, nesses casos, a proniincia deveria ser pela constitucionalidade do ato normativo, vale dizer, caso se trate de ADI, a decisdo deveria ser pelo ndo acolhimento do pedido, desde que a lei seja interpretada consoante determine a Corte Maxima, Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 701 de inconstitucionalidade sem redugdo de texto, porquanto esta, como visto, implica restrigdo A incidéncia da lei. Nos casos em que deva ser adotada a declaragdo parcial de inconstitucionalidade sem redugdo de texto, nio ha nenhuma interpretagaéo possivel que torne compativel com a Constituicaéo a integralidade do dispositivo objeto da declaragao; por isso, parte do dispo- sitivo, se aplicada, resultara em inconstitucionalidade, sem possibilidade de ser adotada alguma interpretagdo que a tornasse valida. Cabe ressaltar que, embora positivada apenas sua utilizagdo no ambito do controle abstrato de normas, a interpretagdo conforme a Constitui¢ao tem sido largamente utilizada pelos diversos tribunais do Pais também no ambito do controle incidental, com a unica diferenga de que, nesses casos, a inter- pretacdo dada s6 vinculara as partes do processo, como é prdprio dessa via de controle (eficacia inter partes). 3.4. Inconstitucionalidade direta e indireta A inconstitucionalidade é direta quando a desconformidade verificada da-se entre Ieis e atos normativos primarios e a Constituigdo. Enfim, sempre que a invalidade resultar do confronto direto entre norma infraconstitucional e a Constituigao estaremos diante da inconstitucionalidade direta. © caso tipico de inconstitucionalidade direta é a elaboragao de uma es- pécie normativa priméria, integrante do nosso processo legislativo (art. 59), em desrespeito a Constituigio Federal. Como essas normas retiram o seu fundamento de validade diretamente da Constituigao, eventual desrespeito — formal ou material — as regras e principios constitucionais implicara in- constitucionalidade direta. Mas, é também possivel que atos administrativos incorram no vicio de inconstitucionalidade direta, caso sejam editados em carater aut6nomo, com invasio do campo material reservado a lei. Assim, se o Presidente da Republica editar decreto de natureza auténoma para disciplinar matéria constitucionalmente reservada 4 lei, esse ato administrativo padecera de in- constitucionalidade direta. Por outro lado, a inconstitucionalidade indireta (ou reflexa), como a propria denominagao sugere, ocorre naquelas situagées em que 0 vicio veri- ficado nao decorre de violacao direta da Constituigao. Assim, se determinado decreto regulamentar, expedido para a fiel execugao da lei, extrapola os limites desta, ainda que supostamente essa extrapolagao tenha implicado, também, flagrante desrespcito a determinada norma constitucional, nao sera hipétese de inconstitucionalidade direta. Isso porque o fundamento de validade do decreto regulamentar nao é diretamente a Constitui¢éo, mas sim a lei regulamentada, em funcao da qual tenha sido expedido. Logo, eventuais conflitos entre a 702 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrine norma regulamentar secundaria (decreto) e a norma primaria regulamentada (lei), ainda que supostamente infringentes de normas constitucionais, nado constituem ofensa direta 4 Constituigao. Essa distingao é de grande relevancia para o estudo do controle de cons- titucionalidade das leis, haja vista que a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal equipara a chamada inconstitucionalidade indireta ou reflexa a mera ilegalidade. Assim, para o Tribunal, o conflito entre norma secundaria (re- gulamentar) e primaria (regulamentada) é caso de mera ilegalidade, e nao de inconstitucionalidade propriamente dita. Em razio desse entendimento do Supremo Tribunal Federal, temos que a aferigdo da inconstitucionalidade indireta ou reflexa — que traduz, na realidade, caso de mera ilegalidade — foge ao objeto do controle de cons- titucionalidade. Se o fundamento de validade direto da norma secundaria (decreto, portaria, instrugao normativa etc.) nao é a Constituigéo, mas sim outra norma, infraconstitucional (lei, tratado internacional etc.), eventual conflito consistira em mera crise de legalidade, a ser resolvida mediante o simples cotejo entre tais normas.* A inconstitucionalidade indireta ou reflexa aqui estudada nao pode ser confundida com a chamada inconstitucionalidade derivada, que diz respeito a outra relacdo existente entre norma regulamentadora e lei regulamentada. Ocorre a inconstitucionalidade derivada (ou conseqiiente) quando a de- claragao da inconstitucionalidade da norma regulamentada (primaria) leva ao automatico e inevitavel reconhecimento da invalidade das normas regula- mentadoras (secundérias) que haviam sido expedidas em fungio dela. Assim, em virtude da declaragao da inconstitucionalidade da norma primaria, todas as normas secundarias que a regulamentavam também se tornam invalidas, por derivagéio, haja vista que o fundamento de validade delas, que era a norma primaria, deixa de existir. Se 0 decreto “Y” regulamentava a lei “X”, a declaragao da inconstitucionalidade desta atinge, por derivagao, a validade daquele, que deixa de produzir efeitos. 3.5. Inconstitucionalidade originaria e superveniente A inconstitucionalidade origindria é aquela que macula 0 ato no mo- mento da sua produgio, em razio de desrespeito aos principios ¢ regras da Constituigao entao vigente. ® Gonforme ligao do Ministro Carlos Velloso: O decreto regulamentar nao esta sujeito ao controle de constitucionalidade, dado que, se o decreto vai além do conteudo da lei, pratica ilegalidade e nao inconstitucionalidade. Somente na hipétese de nao existir lei que preceda © alo regulamentar 6 que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito a0 controle de constitucionalidade Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 703 O reconhecimento da inconstitucionalidade origindria pressupde, por- tanto, 0 confronto entre a lei ¢ a Constituigao vigente no momento da sua produgao. Por exemplo, se estivermos nos referindo 4 inconstitucionalidade originaria de uma lei produzida em 1985, certamente o confronto desta sera com a Constituigao de 1969, que vigorava quando esse diploma legal foi elaborado. ‘Ao contrario, fala-se em inconstitucionalidade superveniente quando a invalidade da norma resulta da sua incompatibilidade com texto constitucio- nal futuro, seja ele originario ou derivado (emenda constitucional). Assim, uma lei editada em 1985 tornar-se-ia supervenientemente inconstitucional em 5.10.1988, em virtude da promulgagaio de novo texto constitucional que fosse com ela incompativel. Ou, ainda, uma lei hoje editada tornar-se-ia su- pervenientemente inconstitucional com a promulgagao de futura Constituigdo (ou emenda constitucional) em sentido contrario. Em que pese a relevancia desse conhecimento, 0 fato é que, entre nds, a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal nao admite a existéncia da inconstitucionalidade superveniente. Para a Corte, a superveniéncia de texto constitucional opera a simples revogagao do direito pretérito com ele ma- terialmente incompativel, ndo havendo razées para se falar em inconstitu- cionalidade superveniente; nao se trata de juizo de constitucionalidade, mas sim de mera aplicagdo de regra de direito intertemporal, segundo a qual a norma posterior opera a simples revogagao (e nao a inconstitucionalidade) do direito anterior com ela materialmente incompativel. SISTEMAS DE CONTROLE Cada ordenamento constitucional ¢ livre para outorgar a competéncia para controlar a constitucionalidade das leis ao Orgéo que entenda conveniente, de acordo com suas tradi¢ées. A depender da opgao do legislador constituinte, poderemos ter o controle judicial, 0 controle politico ou o controle misto. Se a Constituigéo outorgar a competéncia para declarar a inconstitu- cionalidade das leis ao Poder Judicidrio, teremos 0 sistema judicial ou ju- risdicional. O sistema jurisdicional nasceu nos Estados Unidos da América, primeiro Estado a reconhecer a competéncia dos juizes e tribunais do Poder Judicidrio para, nos casos concretos submetidos a sua apreciagdo, declarar a inconstitucionalidade das leis. Caso a Constituigdo outorgue a competéncia para a fiscalizagdo da vali- dade das leis a orgaio que nado integre o Poder Judiciario, teremos o sistema politico. De regra, nos Estados que adotam controle politico, a fiscalizacao 704 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino da supremacia constitucional ¢ realizada por érgdo especialmente constituido para esse fim, distinto dos demais Poderes do Estado. E 0 caso, por exemplo, da Franga, em que a fiscalizagiio da constitucionalidade é de incumbéncia do Conselho Constitucional, érgéo que se situa fora da estrutura organica dos demais Poderes. Ademais, podera também a Constituigdo outorgar a competéncia para a fiscaliza¢do de algumas normas a um orgao politico e de outras ao Poder Judi- cidrio, consubstanciando o denominado controle de constitucionalidade misto. Exemplo citado pela doutrina é a Suiga, em que as leis nacionais submetem-se a controle politico e as leis locais sao fiscalizadas pelo Poder Judiciario. A maioria das Constitui¢ées contempordneas tem adotado o sistema judicial para a fiscalizagao da validade das leis, inclusive a Constituigao da Republica Federativa do Brasil de 1988. 5. MODELOS DE CONTROLE Os ordenamentos constitucionais em geral prevéem dois modelos distintos de controle judicial de constitucionalidade: 0 controle difuso (ou jurisdigao constitucional difusa), criagdo dos Estados Unidos da América, e o controle concentrado (ou jurisdigdo concentrada), instalado inicialmente na Austria, sob a influéncia do jurista Hans Kelsen. Ocorre o controle difuso (ou aberto) quando a competéncia para fiscalizar a validade das leis ¢ outorgada a todos os componentes do Poder Judicia- rio, vale dizer, qualquer érgdo do Poder Judicidrio, juiz ou tribunal, podera declarar a inconstitucionalidade das leis. O modelo difuso de fiscalizagao da validade das leis surgiu nos Estados Unidos da América, a partir do célebre caso Marbury v. Madison, em 1803, quando a Suprema Corte Americana, sob 0 comando do Chief Justice John Marshall, firmou o entendimento de que o Poder Judiciario poderia deixar de aplicar uma lei aos casos concretos a ele submetidos, por entendé-la i stitucional. A partir de entéo, foi difundida para os mais diversos or- denamentos constitucionais a idéia de que os membros do Poder Judicidrio, juizes e tribunais, s6 devem aplicar aos casos a eles submetidos as leis que considerem compativeis com a Constituigao. Temos 0 sistema concentrado (ou reservado) quando a competéncia para realizar 0 controle de constitucionalidade outorgada somente a um 6rgio de natureza jurisdicional (ou, excepcionalmente, a um numero limitado de 6rgaos). Esse érgdo poderd exercer, simultaneamente, as atribuigdes de juris- dicdo e de controle de constitucionalidade das leis, ou, entdo, exclusivamente esta Gltima tarefa. Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 705 O modelo concentrado teve sua origem na Austria, em 1920, sob a in- fluéncia do jurista Hans Kelsen. Para Kelsen, a fiscalizagéo da validade das leis representava tarefa especial, auténoma, que nao deveria ser conferida a todos os membros do Poder do Judiciario, j4 encarregados de exercerem a jurisdigao, mas somente a uma Corte Constitucional, que deveria desempe- nhar exclusivamente essa fangaio. Sob esse pensamento, foi criado o Tribunal Constitucional Austriaco, com a fungdo exclusiva de realizar o controle de constitucionalidade das leis. Na visdo de Kelsen, a fungao precipua do con- trole concentrado no seria a solugdo de casos concretos, mas sim a anulagao genérica da lei incompativel com as normas constitucionais. 6. VIAS DE ACAO As chamadas “vias de acgado” dizem respeito ao modo de impugnagao de uma lei perante o Poder Judicidrio ou, sob outra otica, indicam 0 modo em que o Poder Judicidrio exercera a fiscalizagao da validade das leis. Em sin- tese, busca-se responder a seguinte indagagao: de que forma uma lei podera ser impugnada perante o Poder Judiciario? Sto duas as vias pelas quais podera ser exercido o controle de cons- titucionalidade das leis: a via incidental (de defesa ou de excegao) ¢ a via principal (abstrata ou de agdo direta) O exercicio da via incidental da-se diante de uma controvérsia concreta, submetida a apreciacdo do Poder Judiciario, em que uma das partes requer 0 reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei, com o fim de afastar a sua aplicagao ao caso concreto de seu interesse. A apreciacado da constitucio- nalidade nao é 0 objeto principal do pedido, mas um incidente do processo, um pedido acessorio. Por isso, a eventual declarag&o da inconstitucionalidade é dita incidental, incidenter tantum (o provimento judicial principal sera o reconhecimento do direito pleiteado pela parte, decorrente do afastamento da lei Aquele caso levado ao juizo). Esse é o modelo norte-americano de fiscalizagdo da validade das leis, em que todos os juizes e tribunais do Poder Judiciério realizam o controle de constitucionalidade durante a apreciag&o dos casos concretos que lhes sdo apresentados, Nele, o individuo nao recorre ao Poder Judiciario com 0 objetivo principal de ver declarada a invalidade da lei, em defesa da ordem juridica. Na realidade, o impetrante da aco judicial esta interessado diretamente na defesa de determinado direito subjetivo seu, mas, como fundamento para que o juiz aprecie 0 seu pedido principal, ele argui, em pedido acessorio (incidental), a inconstitucionalidade da lei que versa sobre o assunto. Suscitado o incidente de inconstitucionalidade, o juiz estara obrigado a decidir primeiro se a lei é 706 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrine constitucional, ou ndo, para sé depois, com base nessa premissa, decidir o pedido principal, firmando o seu entendimento no caso concreto. Desse modo, 0 controle incidental pode ser exercido perante qualquer juiz ou tribunal do Poder Judiciario, em qualquer processo judicial, seja qual for a sua natureza (penal, civil etc.), sempre que alguém, na busca do reconhecimento de determinado direito concreto, suscitar um incidente de inconstitucionalidade, isto é, alegar, no curso do caso concreto, que deter- minada lei, concernente 4 matéria, ¢ inconstitucional. Essa modalidade de controle tem fundamento na premissa de que todos os casos concretos devem ser decididos de acordo com a Constitui¢ao. Pela via principal, 0 pedido do autor da ado é a propria questo de constitucionalidade do ato normativo. O autor requer, por meio de uma agao judicial especial, uma decisdo sobre a constitucionalidade, em tese, de uma lei, com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento juridico. O provimento judicial a que se visa consiste na declara¢éo da compatibilidade, ou nao, de certa norma juridica ou conduta com as regras e principios plas- mados na Constituigao. Nessa hipétese, nao ha caso concreto; portanto, nao ha interesses subjetivos especificos a serem tutelados. Trata-se assim, como acentuam a doutrina ¢ a jurisprudéncia, de processos objetivos.” FCONCEATRADO | Somente © drg80 de cipula do Judiciario SISTEMAS DE CONCENTRADS. realiza o controle. CONTROLE cE JUDICIAL todos os érgfios do Poder Judicidrio DEUSO. realizam 0 controle. INCIDENTAL © controle é instaurado diante de uma ae controvérsia concreta, com o fim de VIAS DE afastar a aplicagao da lei ao caso. CONTROLE JUDICIAL PRINCIPAL © controle é instaurado em tese, na (abstrata) defesa do ordenamento juridico. 7 MOMENTO DO CONTROLE © controle de constitucionalidade podera ser preventivo ou repressivo. ® A expresso “proceso objetivo” refere-se as agSes do controle abstralo, nas quais néo existem, a rigor, partes, tampouco direito subjetivo a ser defendido, haja vista que, nelas, a validade da lei é discutida em tese, com o fim Unico de proteger a Constitui¢go. Ao revés, a expressdo "processo subjetivo” refere-se as agSes do controle conereto, em que as partes litigam em defesa de direito juridicamente protegido. Cap. 13 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 707 Ocorrerd 0 controle de constitucionalidade preventivo (a priori) quando a fiscalizagdo da validade da nerma incidir sobre o projeto, antes de a norma estar pronta e acabada. E o caso, no Brasil, do veto do Chefe do Executivo por inconstitucionalidade (veto juridico), uma vez que incide sobre projeto de lei (CF, art. 66, § 1.°) Ocorre 0 controle de constitucionalidade repressivo (sucessivo, a poste- riori) quando a fiscalizagao da validade incide sobre norma pronta e acaba- da, ja inserida no ordenamento juridico. E 0 caso, em regra, do controle de constitucionalidade judicial no nosso Pais, que pressupde a existéncia de uma norma ja elaborada, pronta e acabada, inserida no ordenamento juridico. Como se vé, por meio do controle preventivo nao é declarada a incon: titucionalidade da norma (que, na realidade, ainda nao existe!), mas, sim, evitada a produgdo de uma norma inconstitucional. Por sua vez, 0 controle de constitucionalidade repressivo tem por fim declarar a inconstitucionalidade de uma norma ja existente, visando a sua retirada do ordenamento juridico. tem por fim evitar a produgao de uma Eevee norma inconstitucional CONTROLE tem por fim retirar uma norma hee inconstitucional do ordenamento juridico. 8. HISTORICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL O modelo de controle de constitucionalidade adotado no Brasil apresenta caracteristicas que o singularizam. Nele se conjugam os modelos difuso, oriundo do direito americano, possibilitando a todos os érgios do Poder Judiciario a realizago do controle incidental da constitucionalidade de leis e atos normativos, e concentrado, proveniente dos paises europeus continentais, em que 0 6rgao de cipula do Poder Judiciario realiza o controle abstrato da constitucionalidade de normas juridicas. Deve-se destacar, ainda, que no Brasil a fiscalizagdo da constitucionalidade alcanga nao sé as leis em sentido estrito, mas também os atos administrativos em geral. Com efeito, o controle de constitucionalidade exercido perante o Poder Judiciario nao tem por objeto, exclusivamente, as leis formais, elabo- radas segundo o processo legislativo. Atos administrativos em geral, adotados pelo Poder Publico, também podem ter a sua inconstitucionalidade reconhecida pelo Poder Judiciario, tanto na via concreta, quanto na via abstrata. Resolu- gdes dos tribunais do Judiciario, decretos e portarias do Executivo, e outros 708 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino atos nao formalmente legislativos podem, dependendo de seu contetido, ser impugnados em agao direta de inconstitucionalidade, ou atacados em agdes proprias, na via difusa Apresentamos, a seguir, um bosquejo histrico da evolugao dos sistemas de fiscalizagdo da validade das leis no Brasil, desde a Constituigaéo de 1824 (que sequer previa © controle judicial de constitucionalidade), até a Carta vigente, que contempla um complexo e abrangente sistema de fiscalizagao jurisdicional. 8.1. A Constituigao de 1824 A Constituigéo do Império nao contemplava qualquer sistema asseme- lhado aos atualmente conhecidos modelos de controle da constitucionalidade, Outorgava, téo-somente, ao Poder Legislativo a competéncia para “fazer leis, interpreta-las, suspendé-las e revogd-las”, bem como para “velar na guarda da Constituigao” (art. 15). Essa concep¢ao de Estado inspira-se marcadamente na doutrina francesa de separacao rigida entre os poderes, nao admitindo a possibilidade de um poder invalidar os atos de competéncia de um outro. Segundo essa ideologia, se tal prerrogativa fosse conferida a um dos Poderes da Repiiblica, este sobrepujaria todos os demais, destruindo 0 equilibrio e a harmonia que deveria existir entre eles a fim de se evitar os abusos resultantes da concentracao de poderes. Dessa forma, a Constituigo Imperial outorgava competéncia ao proprio Poder Legislativo para a fiscalizacao de seus atos e aferigio de sua compati- bilidade com a Constituigao, ou seja, a validade das leis era controlada pelo proprio Orgdo encarregado da elaboragéo normativa. Nao se reconhecia ao Poder Judiciario competéncia para afastar a aplicagao de normas que pudes- sem ser consideradas inconstitucionais, nao existindo, portanto, nem mesmo © mais rudimentar modelo de controle judicial de constitucionalidade. 8.2. A Constituigao de 1891 A Constituigao de 1891, profundamente influenciada pelo constitucionalis- mo dos Estados Unidos da América, abandona o sistema estritamente politico de controle da constitucionalidade — albergado pela Constituigdo anterior, na qual somente o Legislativo realizava a fiscalizagfo da validade de suas pré- prias leis — e passa a outorgar competéncia ao Poder Judiciério para afastar a aplicagdo, a um caso concreto, da lei que ele considerasse inconstitucional. Inaugurava-se, assim, um abrangente sistema de controle judicial difuso no Brasil, atribuindo-se a todos os drgaios do Poder Judiciario, federais ou Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 709 estaduais, a competéncia para aferir a compatibilidade das leis com a Cons- tituigdo, desde que houvesse provocagdo nesse sentido. Ressalte-se, entretanto, que a argiiigao de inconstitucionalidade somente era possivel na via incidental, diante de um caso concreto, mediante provo- cagao dos litigantes diretamente interessados. A declaragao da inconstitucio- nalidade da lei, portanto, em nenhuma hipotese a retirava do ordenamento juridico, mas, téo-somente, afastava a sua aplicag&o ao caso concreto. Nao havia a possibilidade de argitigao de inconstitucionalidade abstrata, de uma lei em tese, independentemente de interesses subjetivos especificos, mediante acao direta. 8.3. A Constituicao de 1934 A Constituigo de 1934 introduziu profundas alteragdes no sistema judi- cial de fiscalizagdo das leis no Brasil, criando novos mecanismos de atuago do Poder Judiciario. Foi com a Carta de 1934 que passou a integrar nosso sistema de con- trole a denominada “reserva de plenario”, segundo a qual somente a maioria absoluta dos membros dos diversos Tribunais do Poder Judiciario dispde de competéncia para declarar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Publico — fortalecendo sensivelmente o principio da presungao de constitucionalidade das leis, em favor da seguranga juridica. Foi nessa Constituigéo, também, que primeiro apareceu a possibilidade de atribuigdo de efeitos gerais 4 proniincia de inconstitucionalidade, embora necessaria, para tanto, a intervengdo do Poder Legislativo. Com efeito, a Carta atribuiu competéncia ao Senado Federal para suspender a execugao de uma lei, com eficacia erga omnes, em face da declaracao de sua inconstituciona- lidade pelo Poder Judicidrio, proferida em um caso concreto. Foi, ainda, criada a denominada representagdo interventiva, agdo com a finalidade precipua de fiscalizar o procedimento de intervengao da Unido em ente federativo, nas hipéteses constitucionalmente previstas. Por fim, foi esse mesmo texto constitucional que instituiu 0 mandado de seguranga, remédio judicial de protegao a direito liquido e certo do individuo contra ato de autoridade praticado com ilegalidade ou abuso de poder. 8.4. A Constituigao de 1937 A Constituigéo de 1937 ~ como se deu em praticamente todos os campos — representou um retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil. 710 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Conquanto tenha preservado o controle judicial difuso, o poder consti- tuinte usurpado enfraqueceu muito a competéncia do Judicidrio relativamente & declaragdo de inconstitucionalidade das leis - e, de um modo geral, quase aboliu o principio da separagio entre os Poderes — uma vez que, no paragrafo unico de seu art. 96, a Polaca assim dispunha: Paragrafo unico. No caso de ser declarada a inconstitucionali- dade de uma lei que, a juizo do Presidente da Repiblica, seja necesséria ao bem-estar do povo, promogiio ou defesa de interesse nacional de alta monta, podera o Presidente da Repi- blica submeté-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois tergos de votos em cada uma das ficara sem efeito a decisao do Tribunal. Com isso, na pratica, o Presidente da Republica passou a ter poderes para submeter novamente ao Parlamento a lei ja declarada inconstitucional pelo Poder Judiciario. Caso confirmada pelo Parlamento a legitimidade da norma, esta voltaria a ser aplicada, desconsiderando-se a deciséo do Judi- cidrio em contrario. Também nessa Constituigdo 0 mandado de seguranga perdeu a qualidade de garantia constitucional, passando a ser disciplinado pela legislagao ordi- naria, Ao tratar do mandado de seguranga, o legislador ordindrio excluiu da sua apreciagdo os atos do Presidente da Republica, dos Ministros de Estado, dos Governadores e interventores dos estados. Deixou de constar do texto constitucional, também, a competéncia do Senado Federal para suspender a execugio de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a representagdo interventiva. 8.5. A Constituigao de 1946 A Constituigéo de 1946 trouxe de volta as disposigées suprimidas pela Carta outorgada de 1937. O controle judicial difuso voltou a ser exercido com exclusividade pelo Poder Judicidrio, sem possibilidade de outro Poder tomar “sem efeito” as suas decisdes. Restaurou-se, também, a competéncia do Senado Federal para suspender a execucao da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (sempre no controle difuso, porquanto inexistente, até aqui, o controle abs- trato no Brasil). A representagao interventiva, para intervengaio federal, foi modificada, con- dicionando-se a decretagdo da intervengdo 4 manifestagao prévia do Supremo Tribunal Federal. A legitimagao para a representagdo de inconstitucionalidade Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 74 perante o Supremo Tribunal Federal foi confiada ao Procurador-Geral da Repidblica (art. 8.°, parégrafo dnico). 8.6. A Emenda Constitucional n.° 16, de 1965 AEmenda Constitucional n.° 16, de 1965, introduziu em nosso ordenamento o controle abstrato de normas. A competéncia foi atribuida ao Supremo Tribunal Federal para julgamento de a¢do direta de inconstitucionalidade (ADI) de normas, federais e estaduais em face da Constitui¢ao Federal, sendo a legitimagao para a propositura conferida exclusivamente ao Procurador-Geral da Republica. Somente a partir dessa emenda o sistema juridico brasileiro passou a admitir a possibilidade de declaracao de inconstitucionalidade em tese de atos normativos do Poder Publico, mediante controle concentrado, pela via direta —e nao mais somente diante de casos concretos, pela via incidental. 8.7. A Constituigéo de 1967/1969 A Constituigéo de 1967 (assim como a Emenda Constitucional n.° 1, de 1969) manteve o controle judicial, nos critérios concreto e abstrato, tal como previsto anteriormente na Constituigao de 1946, apés a Emenda n.° 16, de 1965. Nao houve inovagSes merecedoras de registro em matéria de jurisdigao constitucional. A respeito do controle abstrato nas Constituigdes de 1946 (a partir da EC n.° 16, de 1965) e de 1967/1969, é oportuno transcrever este registro de Gilmar Ferreira Mendes: De anotar, porém, que o maior mérito da jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, sob o império das Constituigdes de 1946 (Emenda n.° 16, de 1965) e de 1967/69, esta relacionado: com a definigfo da natureza juridico-processual do proceso de controle abstrato. A identificag&o da natureza objetiva desse proceso, a caracterizagao da iniciativa do Procurador-Geral da Repiiblica como simples impulso processual ¢ o reconhecimento da eficacia erga omnes das decisdes de mérito proferidas nesses processos pelo Supremo Tribunal Federal configuraram, sem divida, conquistas fundamentais para o mais efetivo desenvol- vimento do controle de constitucionalidade no Brasil. 8.8. A Constituigao de 1988 Da analise do até aqui exposto, percebemos que o Brasil inicialmente adotou 0 sistema norte-americano de controle de constitucionalidade (controle 712 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino judicial difuso), evoluindo aos poucos para um sistema misto e peculiar, que combina o modelo difuso, por via incidental, com o critério concentrado, por via de ago direta A Constituigaéo Federal de 1988 manteve em sua plenitude o controle difuso, conferindo a todos os érgdos do Poder Judiciério competéncia para, diante de um caso concreto, reconhecer a inconstitucionalidade das leis. Manteve, também, o controle abstrato pelo qual é possivel, mediante agio direta, a solugdo de uma controvérsia constitucional, em tese, acerca da compatibilidade de uma lei com a Constitui¢ado. Observa-se, contudo, que a Carta vigente trouxe relevantes alteragdes, sobretudo, a fiscalizagdo abstrata, valorizando sensivelmente esse critério de controle, ampliando e fortalecendo sobremodo a via de agao direta. De pronto, constata-se a grande ampliagdo do numero de legitimados para a instauragao do controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 103, I ao IX), via ag4o direta de inconstitucionalidade (ADI), quebrando © monopélio, até entdo existente, do Procurador-Geral da Republica. O rol de legitimados para a propositura da agdo direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, I ao IX) contempla algumas centenas de Orgios, pessoas ¢ entidades. Abrange todos os partidos politicos com representagéo no Con- gresso Nacional, as confederagdes sindicais e entidades de classe de ambito nacional, os governadores dos Estados e do Distrito Federal, as Mesas das Assembléias Legislativas, entre outros. A par disso, 0 constituinte de 1988 estabeleceu novas acdes especificas no Ambito do controle concentrado, como a argiligao de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), de competéncia originaria do Supremo Tribunal Federal. Sao legitimados a propositura dessa ago, visando a evitar ou reparar lesdo a preceito fundamental decorrente da Constituig¢ao Federal de 1988, os mesmos Orgaos, pessoas ¢ entidades aptos a promover a agdo direta de inconstitucionalidade. A ADPF, prevista no texto origindrio da Constituigao Federal (art. 102, § 1."), foi disciplinada pelo legislador ordindrio por meio da Lei n.° 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Outra significativa inovagdo da Carta Politica atual foi a introdugio da denominada inconstitucionalidade por omissao, reconhecida nas hipéteses de inércia do legislador ordinario em face de uma exigéncia constitucional de legislar. Duas novas agées foram especialmente introduzidas com o fim de reparar a omissdo legislativa inconstitucional: 0 mandado de injungéo (CF, art. 5.°, LXXI) e a aco direta de inconstitucionalidade por omissdo (CF, art. 103, § 2.°), essa ultima integrante do sistema de controle abstrato de normas delineado pelo constituinte de 1988. Em 1993, por meio da Emenda Constitucional n.° 3, 0 legislador constituin- te derivado criou a acdio declaratéria de constitucionalidade (ADC), passando Gap. 13 + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 713 a permitir que seja pleiteada diretamente perante o Supremo Tribunal Federal a declaragdo da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal, com o fim de pér termo a controvérsia judicial sobre sua validade. Ademais, a Constituigéo Federal prevé que os estados-membros insti- tuam 0 controle abstrato em seus respectivos ambitos, devendo estabelecer representagdio de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituicao estadual (CF, art. 125, § 2.°). Pode-se concluir, dessarte, que o controle abstrato passou a desempenhar papel preeminente no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, a partir da Constituigéo de 1988. Tal assertiva decorre nao s6 do fato de terem sido previstas quatro agées distintas na via direta (ADI, ADI por omissao, ADC ¢ ADPF), mas, também, pela ampliagdo dos entes legitimados para a instauragdo desse modelo de fiscalizagdo abstrata (art. 103, I ao IX). Isso representa uma significativa mudanga de paradigma em nosso ordenamento, uma vez que, até 0 advento da atual Carta, 0 controle de validade das leis no Brasil tinha sua base no sistema difuso, de inspiragdo norte-americana, realizado no curso dos processos judiciais comuns. Em sua peculiar conformagao, 0 controle abstrato hoje existente também assume novo e relevante significado para o principio federativo, permitindo a aferigao da constitucionalidade das leis federais mediante requerimento de um Governador de do, a aferigdo de leis estaduais mediante requerimento do Presidente da Republica e a aferigao da constitucionalidade de lei de um Estado mediante requerimento de Governador de outro Estado. A propositura da ago direta pelos partidos politicos com representagdo no Congresso Nacional concretiza, por outro lado, a idéia de defesa das minorias, uma vez que se assegura até as fragdes parlamentares menos representativas = vg., partido com apenas um representante em uma das Casas do Congresso ~ a possibilidade de argiiir a inconstitucionalidade de lei. Essa ampla legitimagao — aliada 4 maior celeridade do modelo processual abstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspensao imediata da efi do ato normativo impugnado, mediante pedido de cautelar — faz com que praticamente todas as relevantes questdes constitucionais atuais sejam solu- cionadas em acées diretas propostas perante o Supremo Tribunal Federal. Impende destacar, ainda, que, sob a vigéncia do texto constitucional de 1988, o legislador ordinario introduziu uma das mais significativas mudangas no controle de constitucionalidade abstrato, ao criar, entre nds, a figura da denominada inconstitucionalidade pro futuro. Com efeito, a Lei n° 9.868/1999, que regulou o processo ¢ julgamento da ag&o direta de inconstitucionalidade e da agao declaratéria de constitu- cionalidade, dispés que o Supremo Tribunal Federal podera, ao proclamar a inconstitucionalidade de uma lei, outorgar eficacia nao-retroativa 4 sua 714 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO = Vicente Paulo & Marcelo Alexandrina decisdo (ex nunc) ou até mesmo fixar um outro momento para o inicio de seus efeitos. A Lei n.° 9.882/1999 outorgou essa mesma competéncia ao Supremo Tribunal Federal nas decisées proferidas em sede de argiticao de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Assim, a partir do ano de 1999, passou o Supremo Tribunal Federal, no Ambito do controle abstrato, a ter competéncia para proclamar a inconstitu- cionalidade pro futuro (ex nunc), resguardando os efeitos j4 produzidos pela lei entre 0 inicio de sua vigéncia e 0 reconhecimento de sua invalidade. Por fim, tivemos a Emenda Constitucional n.° 45, publicada em 8.12.2004, que trouxe trés importantes inovagdes ao controle de constitucionalidade das leis, a saber: a) ampliacao da legitimagao para a propositura da ago declaratéria de cons- titucionalidade (nova redag&o ao art. 103); b) criagdo da simula vinculante do Supremo Tribunal Federal (art. 103-A); ©) exigéncia do requisito “repercussio geral das questdes constitucionais dis- cutidas” para a admissibilidade do recurso extraordinario (art. 102. § 3.°). CONSTITUIGAO DE 1824 CONSTITUIGAO DE 1891 Controle politico: cabia ao proprio || inetiulgdo do controle judicial diftuso, | ~y Leglsatvo interpreter, suspender © na via conereta revogar tes. CONSTITUIGAO DE 1934 GONSTITUIGAO DE 1997 | nsttuigao da reserva de plonério, || Retrocesso no controle de ™Y Ga atuacto do Senado Federal, Constiuconalidade: possbidede de * da representagSo intervenva e do © Presidente da Repdbica submeter mandado de seguranca 20 Poder Legisllvo lei ja dectarada inconstitucional e fim da atuagio do Senado Federal CONSTITUIGAO DE 1946 [ EC N° 16, DE 1965 Restauragao das regras da | institsigao do controle abstrato: ‘, Constuigbo de 1834 e modifeacto na “| agdo deta indreta de re represeniacao interventiva: legiimagso | | inconstitucionalidade (ADIN), ao lado {0 Procurador-Geral da Repibiica © 0 controle difuso apreciagao do STF. ‘CONSTITUIGAO DE 1967/1968 CONSTITUIGAO DE 1988 |7~a] Nie troure inovacbes. manteve 0s | ~4| Mantove os contoles incidental conttoles dfuso © abstato abstrato, com as sequirtes inovagbes + Ampla legitimidade no controle abstrato * Criagiio da ADIN por omiss0 * Criagao da ADC @ ADPF * Criagtio do mandado de injung3o * Controle abstrato nos estados | + Criacdo da stimula vinculante (EC 45/08) Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 715 9. JURISDICAO CONSTITUCIONAL No Brasil, o controle de constitucionalidade ¢ predominantemente re- alizado pelo Poder Judiciario, que pode atuar na via incidental — quando, diante de um caso concreto, qualquer juiz ou tribunal do Pais proclama a inconstitucionalidade da lei, com o fim de afastar a sua aplicagao ao caso de interesse das partes litigantes — ou na via abstrata — quando 0 érgao de cipula aprecia a constitucionalidade, em tese, da Iei, com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento juridico. No controle difuso, qualquer interessado, no curso de um processo judicial concreto, pode suscitar, incidentalmente, uma controvérsia cons- titucional, perante qualquer érgio do Poder Judicidrio. Diversamente, na via abstrata, somente os legitimados pela Constituigao poderao, perante o érgao de cipula do Poder Judicidrio, questionar a constitucionalidade, em tese, de uma lei. A via abstrata, em defesa da supremacia da Constituigao Federal, pode ser instaurada exclusivamente perante o Supremo Tribunal Federal, por meio de uma das seguintes acdes diretas: a) ago direta de inconstitucionalidade genérica (ADI); b) ago direta de inconstitucionalidade por omissio (ADI por omissao); ©) ago declaratéria de constitucionalidade (ADC); 4) argiiigdo de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); ©) ago direta de inconstitucionalidade interventiva (ADI interventiva). Além desse controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal, em defesa da Constituigaéo Federal, existe 0 controle abstrato em cada estado- membro e no Distrito Federal, para a defesa da respectiva Constituigao Es- tadual e da Lei Organica, respectivamente. Esse controle abstrato estadual, conforme estudaremos oportunamente, é instaurado perante 0 respectivo Tribunal de Justica, para a aferig&io das leis locais em face da Constituigao Estadual (CF, art. 125, § 2.°). Observa-se que, no Brasil, em raz4o da combinacao dos modelos. difuso e concentrado, todos os 6rgaéos do Poder Judiciério exercem a jurisdigao constitucional, haja vista que, no modelo difuso, qualquer juiz ou tribunal do Pais dispde de competéncia para zelar pela supremacia da Constitui¢do. Ademais, nem mesmo a jurisdi¢&io concentrada € privilégio exclusivo do Supremo Tribunal Federal, pois o Tribunal de Justiga de cada estado e do Distrito Federal também exerce a fiscalizagao concentrada da constitucionali- dade, em defesa da Constituigao Estadual e da Lei Organica, respectivamente. 716 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Na realidade, somente a jurisdigdo concentrada em face da Constituiga0 Federal é exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Por fim, um aspecto interessante acerca do modo de exercicio da juris- dig&o constitucional no nosso Pais merece nota. Entre nds, a regra geral é a seguinte: a) o controle incidental é realizado no modelo difuso (“incidental” pressupde a existéncia de um caso conereto, envolvendo direito subjetivo, em que a questao constitucional ndo é a questdo principal; “difuso” traduz a idéia de apreciagéio da matéria por mais de um érgio judicial, ou seja, a decisio judicial comporta recurso); b) a fiscalizagao abstrata é exercida de forma concentrada (“abstrato” implica a nogdo de que a lei é analisada quanto & sua constitucionalidade com base unicamente no confronto entre o seu texto e o da Constituigaéo, sem que se aprecie sua aplicagao a um caso concreto, sem que exista nenhum direito subjetivo em jogo; “concentrado” significa que um nico tribunal € competente para apreciar a matéria objeto da ago, sem possibilidade de recurso para outros tribunais). Entretanto, essa regra nao € absoluta. Com efeito, existem hipéteses em que a competéncia para realizar o controle de constitucionalidade esta concentrada no 6rgaio de cupula do Po- der Judiciario (controle concentrado), mas a ago a ele apresentada trata de um caso concreto, sendo a questao constitucional discutida incidentalmente (controle incidental). Nessas situacdes, o controle incidental é realizado na jurisdig&o concentrada (e nao na jurisdi¢ao difusa, como é a regra). Exemplo dessa situagio € a competéncia exclusiva outorgada ao Su- premo Tribunal Federal para processar ¢ julgar, originariamente, 0 habeas corpus, 0 habeas data e 0 mandado de seguranca nas hipoteses previstas no art. 102, I, “d”, da Constituigao Federal, quando essas agdes envolvam, incidentalmente, apreciagao de uma questao constitucional. Nessa situagdo, a jurisdigao é concentrada (a competéncia para apreciar essas agdes ¢ exclusiva do Supremo Tribunal Federal), mas 0 controle da questo constitucional que tenha sido suscitada é exercido incidentalmente (porque tais agdes somente podem ser ajuizadas diante de ofensa a direito subjetivo, in concreto; por isso, a questao principal concerne a um direito subjetivo que o autor entenda possuir, e apenas incidentalmente é posta a questo constitucional), Outro exemplo é a hipotese de controle judicial do processo legislati- vo de elaboracio das leis e emendas a4 Constituigao, em que o Supremo Tribunal Federal admite a impetracdo de mandado de seguranga por parla- mentar, com o fim de sustar 0 andamento da proposi¢ao legislativa. Nesse caso, 0 controle também é concentrado (pois cabera, exclusivamente, ao Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE nN7 STF julgar 0 mandado de seguranga, porquanto € da competéncia exclu- siva desse Tribunal apreciar a validade dos atos e condutas emanados do Congresso Nacional, suas Casas, suas Comissdes e seus membros), mas € realizado incidentalmente, diante de um caso concreto (diante de uma especifica proposta de emenda constitucional ou projeto de lei que afronte © direito subjetivo liquido e certo do congressista de nao participar de uma deliberagéo que desrespeite a Constituigao). Da mesma forma, existe uma situagéo excepcional em que o controle abstrato envolve mais de um Tribunal do Poder Judiciario, ou seja, é realizado no modelo difuso. Cuida-se da situagdéo em que uma lei estadual ou munici- pal é impugnada no controle abstrato (isto é, “em tese”) perante o Tribunal de Justiga por violar dispositivo da Constituigéo Estadual que seja mera reproducdo da Constituicgéo Federal. Nesse caso, como a lei estadual ou municipal foi impugnada por desrespeitar dispositivo da Constituigao Estadual que é mera reprodugao de norma da Constituigdo Federal, contra a decisao proferida pelo Tribunal de Justica serd cabivel recurso extraordinario para o Supremo Tribunal Federal. Com isso, teremos hipétese de controle abstrato (haja vista que a impugnag%o da norma perante o Tribunal de Justia foi “em tese”, isto é, sem relag&o com nenhum caso concreto, com nenhum direito subjetivo) realizado de forma difusa (porque a controvérsia sera apreciada por mais de um Tribunal do Poder Judicidrio). Em suma, no obstante ser comum a utilizagdo das expressdes “controle concentrado” e “controle abstrato” como sinénimas, a verdade € que, a ri- gor, nem sempre elas coincidem, existindo, como acima visto, situagées em que o controle é concentrado, porque efetuado exclusivamente pelo 6rgao de cupula do Judicidrio, porém concreto, envolvendo direito ou interesse subjetivo, e nado discussao, em tese, de lei ou ato normativo. Essa mesma critica é valida para o emprego das expressées “controle difuso” e “controle incidental” como sin6nimas, pois, como visto, ha hipdtese de fiscalizacao abstrata no modelo difuso. 10. FISCALIZAGAO NAO-JURISDICIONAL O controle de constitucionalidade judicial no Brasil é muito rico. Nele, todos os membros do Poder Judicidrio exercem a jurisdig&o constitucional. Esta, a jurisdi¢&o constitucional, por sua vez, é realizada, simultaneamente, de forma difusa e concentrada. Ainda, a impugnagdo das leis ¢ atos nor- mativos pode se dar tanto pela via incidental, como questao prejudicial nos casos concretos submetidos 4 apreciacao judicial, quanto pela via abstrata, em agdes especialmente criadas para esse fim. 718 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Ademais, cabe destacar que a instauragdo do controle abstrato por um dos entes constitucionalmente legitimados nao obsta a possibilidade de a mesma norma ser impugnada simultaneamente no controle incidental, dian- te de um caso concreto. Assim, o fato de ser proposta uma ADI perante o Supremo Tribunal Federal contra certa lei nao impede que essa mesma lei seja impugnada, no controle incidental, por qualquer pessoa que se sinta lesada pelos seus termos. Mas, nao s6 o Poder Judiciario exerce a fiscalizagao da constitucionali- dade das leis no nosso Pais. Os demais Poderes da Republica, Executivo e Legislativo, também dispdem, em situagdes especiais, do poder de fiscalizar a validade das leis, como se vera a seguir. 10.1. Poder Legislativo Na contemporanea concepgao do postulado da divisdo de poderes, incumbe ao Legislativo, precipuamente, a denominada funcdo normativa, de elaborar as espécies legislativas do ordenamento juridico. Por esse motivo, parte da doutrina refuta a possibilidade de atuacdo desse poder como fiscalizador da validade das leis, sob 0 fundamento de que nao se pode considerar como fiscalizagao da constitucionalidade a manifestago acerca da validade de uma norma emitida pelo proprio poder encarregado de elaborar essa norma. A fangao de elaboragao normativa seria, assim, incompativel com a fungdo de fiscalizar a validade dessas mesmas normas, ante a auséncia de imparcialidade e independéncia do érgao fiscalizador. Em que pese a objecdo acima registrada, 0 fato é que, na vigéncia da Carta Politica de 1988, o Poder Legislativo dispde de certas competéncias que, irrefutavelmente, consubstanciam juizo sobre a constitucionalidade das leis. A primeira manifestagao do Poder Legislative apontada como fiscalizagao da constitucionalidade ocorre nos trabalhos da Comissao de Constituigao e Justiga (CCJ), no 4mbito das Casas do Congresso Nacional. Essa Comissio, presente na Camara dos Deputados e no Senado Federal, manifesta-se sobre as proposi¢des submetidas 4 apreciagdo do Poder Legislati- vo (projetos de lei, propostas de emenda a Constituigao etc.), podendo concluir, por meio de parecer, pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade da matéria examinada. A previsiio para esse exame de constitucionalidade esta nos Regimentos Internos da Camara dos Deputados (art. 53, III) e do Senado Federal (arts. 101, I, e 253). A fiscalizag&q da CCJ consubstancia controle politico preventivo de cons- titucionalidade, tendo por objeto evitar que ingresse no ordenamento juridico espécie normativa com algum vicio de inconstitucionalidade. Cap. 13 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 719 Outro juizo de constitucionalidade manifestado pelo Poder Legislativo esta prescrito no art. 49, V, da Constituigdo Federal. Esse dispositivo autoriza 0 Congresso Nacional a sustar os atos normativos do Poder Executive que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegacao legislativa. Tal poder conferido ao Legislative ¢ denominado por parte da doutrina “veto legislativo”. Desse modo, por forga do art. 49, V, da Constituigéo, em duas hipdteses o Poder Legislativo tem competéncia para sustar atos inconstitucionais do Executivo: a) quando o Poder Executivo exorbita dos limites do poder regulamentar, na edigdo de atos infralegais regulamentares; b) quando o Poder Executivo exorbita dos limites da delegagdo legislativa, na edigdo de leis delegadas. A primeira hipétese diz respeito a fiscalizagao legislativa do exercicio do po- der regulamentar pelo chefe do Executivo. E sabido que vigora entre nés, como. elemento inerente ao Estado de Direito, o principio da legalidade (supremacia da lei ou império da lei), em razdo do qual o individuo s6 poder ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se a lei assim determinar (CF, art. 5.°, II). Ressalvada a hipdtese extremamente restrita de edigdo de decretos au- ténomos (CF, art. 84, VI), 0 Chefe do Poder Executivo sé poderd expedir decretos para a fiel execucdo das leis, os denominados decretos regulamen- tares (CF, art. 84, IV). O decreto regulamentar, como se sabe, nado é ato normativo primario (nao deriva diretamente da Constituigao), mas dependente da lei, ou seja, é expedido em fung&o de uma lei e a ela é inteiramente subordinado. Sua fungdo é regulamentar, explicitar, desdobrar o contetido da lei, facilitando e uniformizando a sua aplicagdo. Jamais poder o decreto regulamentar con- trariar ou ultrapassar os ditames da lei, criando ou suprimindo direitos ou obrigagdes novos, nao previstos no texto legal. Se isso ocorrer, 0 decreto podera, com base no art. 49, V, da Constituigao, ser sustado pelo Congres- so Nacional, uma vez que se trata de exercicio, pelo Chefe do Executivo, de competéncia nao prevista na Carta da Republica, vale dizer, de atuagdo inconstitucional do Presidente da Republica. A segunda hipotese versa sobre a edig&o de leis delegadas pelo Chefe do Executivo. As leis delegadas sao elaboradas a partir de uma autorizacao dada pelo Congresso Nacional ao Presidente da Republica para legislar sobre determinada matéria, nos termos do art. 68 da Constituigao Federal. ‘A delegaciio do Congresso Nacional, cfetivada por meio de resolugao, especificard seu contetido e os termos do seu exercicio. Enfim, a delegacao 720 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO = Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino legislativa deve ter contetido determinado, preciso, definido, nao podendo constituir um “cheque em branco” para a atuagdo legislativa do Presidente da Republica. Caso 0 Chefe do Executivo extrapole 0 objeto da delegacao, legislando além dos limites tragados pela resolucdo, 0 Congresso Nacional poderd, por ato proprio, sustar os efeitos da lei delegada exorbitante. O ato do Congresso Nacional surtira efeitos ndo-retroativos (ex nunc), porquanto nao se cuida de prontncia de inconstitucionalidade, mas sim de sustagdo de eficacia. De toda sorte, por forga desse dispositivo constitu- art. 49, V), 0 Congresso Nacional nao precisa recorrer ao Poder io para paralisar os efeitos do ato normativo ou da lei delegada exorbitante. O proprio Parlamento, por decreto legislativo, pode sustar os seus efeitos. A apreciacdo das medidas provisérias adotadas pelo Chefe do Executivo (CF, art. 62) também € apontada como manifesta¢aio do Legislativo na fisca- lizagao da constitucionalidade, uma vez que da apreciagao legislativa poderd resultar a rejeic&o total da medida provisoria, seja pelo desatendimento dos pressupostos constitucionais para sua ado¢ao (relevancia e urgéncia), seja por entender 0 Congresso que a medida proviséria contraria materialmente a Constituigao. Deve-se salientar que todas essas manifestagdes do Poder Legislativo — fiscalizago da CCJ, sustagdo do ato exorbitante do Executivo e apreciagao de medida provisoria ~ nao so dotadas de forga definitiva, vale dizer, nio afastam a possibilidade de ulterior apreciagao judicial Assim, a manifestaga0 da CCJ pela constitucionalidade da proposigao a ela submetida afasta a competéncia do Poder Judiciario para, ulterior- mente, declarar inconstitucional a lei resultante. A conversao em lei de uma medida proviséria pelo Congresso Nacional nao obsta a ulterior declaragao da inconstitucionalidade dessa lei pelo Poder Judicidrio, caso seja provocado. Da mesma forma, a auséncia de sustagfio de uma lei delegada exorbitante da delegacdo legislativa interdita a eventual declaragéo de inconstitu- cionalidade dessa mesma lei pelo Poder Judicidrio, seja em razdo de seu contetido, seja por desrespeito aos requisitos formais do proceso legislativo dessa espécie normativa. Ademais, entende 0 STF que o préprio ato do Congresso Nacional (decreto legislativo), que, nos termos do art. 49, V, da Carta Politica, susta os efeitos de ato do Poder Executivo, esta sujeito ao controle repressivo judicial. Isso significa que, editado 0 deereto legislativo de sustagdo pelo Con- gresso Nacional, podera o Chefe do Executivo pleitear judicialmente a Cap. 13 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 724 declaragao de inconstitucionalidade desse ato, por meio de agao direta de inconstitucionalidade (ADI), ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. Caso a Corte julgue a ADI procedente, o decreto legislativo sera fulminado (eficdcia erga omnes) e 0 ato do Poder Executivo, que estava com a eficdcia sustada, retomara seus plenos efeitos. Dois outros pontos acerca da atuagao do Poder Legislativo merecem destaque. Primeiro, a inexisténcia, entre nds, da possibilidade de se suspender, mediante ato do Poder Legislativo, deciséo judicial que tenha declarado a inconstitucionalidade de ato normativo. Essa odiosa pratica, tipica de Estado antidemocratico, jd existiu no Brasil, sob a égide da Constituigaéo de 1937, quando o Parlamento tinha competéncia para confirmar a validade de uma lei, cassando decisdo anterior do Poder Judiciario em sentido contrario. Permitia-se ao Poder Legislativo a “constitucionalizagao” de normas consideradas inconstitucionais pelo Poder Judiciario. Atualmente € incontroverso que esse instituto ndo poderia ser introdu- zido no Brasil, ainda que por meio de emenda A Constituig’o, por forca da cldusula pétrea que inibe a deliberagao sobre emenda tendente a abolir a separagiio dos poderes (CF, art. 60, § 4.°, IID). Segundo, o fato de que em nosso sistema juridico no se admite a declaragéo da inconstitucionalidade (nulidade) de lei ou de ato normativo com forga de lei por lei ou ato normativo posteriores."” Esse controle de constitucionalidade, de forma definitiva, é¢ da competéncia exclusiva do Poder Judiciario. Nao é legitimo, portanto, ao Poder Legislativo declarar, por meio de nova lei, a nulidade de lei anterior, sob alegacdo de incompa- tibilidade desta com a Constitui¢ao. Eventual ato legislative nesse sentido sera interpretado como ato de mera revogagao da lei anterior, com eficacia prospectiva (ex nunc). apreciagao preventiva das proposigées cos submetidas a deliberagéo do Poder Legisiativo. CONTROLE sustagao dos atos normativos do Executive DO LEGISLATIVo | | LYETO LEGISLATIVO Taye exorbitem do poder regulamentar APRECIACAO, © Poder Li ‘egisiativo aprecia as MP, sob os ee aspectos formal e material PROVISORIAS "© ADIMC 221/DF, rel. Min. Moreira Alves, 29.03.1990. 722 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrine 10.2. Poder Executivo A doutrina aponta trés situagdes em que o Poder Executivo atua como fiscal da validade das leis. A primeira diz respeito ao exercicio do poder de veto com fundamento na inconstitucionalidade, nos termos do art. 66, § 1.°, da Constituigéo Federal. Dispde 0 § 1.° do art. 66 da Constituigdio Federal que compete ao Presidente da Republica vetar projeto de lei, total ou parcialmente, quando entendé-lo inconstitucional (veto juridico) ou contrario ao interesse puiblico (veto politico). Observa-se, assim, que um dos motivos que autorizam 0 veto do Pre- sidente da Republica ao projeto de lei é 0 entendimento de que ele é in- constitucional. E sabido que no Brasil o processo de criagdo das leis se encerra, em regra, com a sang&o do Presidente da Republica, quando ele manifesta sua concordancia com o projeto aprovado pelo Legislative. Nao seria razoavel, pois, admitir-se que o Presidente da Republica, participante do processo legislativo, permanecesse inerte frente a um projeto que cle entenda desres- peitar a Constituigao, e que, caso convertido em lei, gozaria da denominada presungdo de constitucionalidade. Diante dessa situagao, deve o Chefe do Poder Executivo vetar 0 projeto de lei, evitando a formagdo de uma espécie normativa contraria ao texto constitucional. Essas mesmas consideragdes valem, evidentemente, para o Chefe do Poder Executivo nos estados-membros, no Distrito Federal e nos munici- pios, que também exerce o poder de veto a projeto de lei do respectivo ente politico. A doutrina brasileira tem reconhecido nesse ato do Chefe do Executivo — veto juridico ao projeto de lei — espécie de controle preventivo de cons- titucionalidade, que tem por objeto evitar que ingresse no mundo juridico norma incompativel com a Constitui¢g’o. Ainda sobre o assunto, ¢ importante ressaltar que 0 veto do Chefe do Poder Executivo nao possui forca definitiva, porque pode ser superado pelo Poder Legislativo. No ambito federal, a manifestagao do Presidente da Republica serd objeto de apreciacao pelo Congresso Nacional, que, nos termos do art. 66, § 4°, da Carta Politica, podera rejeitar 0 veto pelo voto da maioria absoluta de seus membros, em sess4o conjunta. O mesmo ocorre com 0 veto do Governador e do Prefeito, que sera apreciado pelo Poder Legislativo local, podendo ser superado por maioria absoluta dos votos dos respectivos parlamentares. A segunda hipotese de fiscalizagao da constitucionalidade pelo Executivo diz respeito a possibilidade de inexecug’o pelo Chefe do Poder Executivo de lei por ele considerada inconstitucional. Cap, 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 723 O Poder Executivo, assim como os demais Poderes da Republica, esta obrigado a agir nos estritos termos prescritos pela Constituigao Federal. Nao seria razoavel, portanto, pretender-se obrigar 0 Chefe do Poder Executivo a dar cumprimento a uma Ici que cle entenda flagrantemente inconstitucional. Com efeito, segundo a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, o chefe do Poder Executivo pode determinar aos seus érgaos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com forga de lei que considere inconstitucionais.'' Concede-se, nesse caso, ao Chefe do Poder Executivo, um poder de autodefesa, para melhor atender ao interesse piblico, admitindo-se, excep- cionalmente, a negativa de aplicagao da lei considerada inconstitucional. Ressalte-se, apenas, que essa competéncia é exclusiva do Chefe do Poder Executivo (Presidente da Republica, Governador ou Prefeito), o que veda a possibilidade de qualquer funcionario administrativo subalterno descumprir a lei sob a alegagaio de inconstitucionalidade. Os demais servidores do Poder Executivo, sempre que vislumbrem vicio de inconstitucionalidade legislativa, podem propor a sujeigdo da matéria ao chefe desse Poder. E importante anotar, também, que essa competéncia da autoridade maxima do Poder Executivo somente podera ser exercida caso inexista manifestacao definitiva e vinculante do Poder Judiciario sobre a constitucionalidade da lei. Se ja houver decisao definitiva do Poder Judicidrio pela validade da lei, nao poderd o Chefe do Executivo descumpri-la. Tal desobediéncia, se perpetrada pelos Governadores ou Prefeitos, enseja intervengao, nos termos, respectiva- mente, do art. 34, VI, e do art. 35, IV, da Constituigdéo da Republica. Da mesma forma, se for determinada a no-aplicagio da lei, no ambito administrativo, pela autoridade maxima do Poder Executivo e, ulteriormente, o Judiciario vier a considerar a lei constitucional, aquela autoridade devera restabelecer, de imediato, a sua aplicagao. O Poder Executivo também fiscaliza a obediéncia 4 Constituigdo Federal por meio do processo de intervengdo, haja vista que este funciona como meio excepcional de controle de constitucionalidade, como medida ultima para 0 restabelecimento da observancia da Constituigao por um ente federado, Nos termos do art. 84, X, da Carta da Repwblica, compete privativamente ao Presidente da Republica decretar e executar a intervengio federal nos estados e no Distrito Federal (e, ainda, nos municipios localizados em Territorios Federais). Se a interven¢do for em municipio localizado em estado-membro, a competéncia para sua decretagdo e execugdo é exclusiva do respectivo Governador (CF, art. 35). * ADIMC 221/DF, rel. Min, Moreira Alves, 29.03.1990. 724 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino | YETO.0O | [0 Chee do Executive pode velar 0 projeto de lei] |e eecinivo por entendé-o inconstitucional = a i INAPLICAGAO DE (© Chefe do Executivo — federal, estadual ou So eect LEI PELO CHEFE municipal — pode afastar a aplicacao de lei por ele ie DO EXECUTIVO considerada inconstitucional. SS nas hipdteses constitucionalmente admitidas, 0 PROCESSO DE |_| Chefe do Executive pode decretar a intervencao, INTERVENCAO, como meio de restabelecer 0 cumprimento da oo es 10.3. Tribunais de contas Segundo a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, os tribunais de contas, no desempenho de suas atribuigdes constitucionais, possuem competéncia para realizar o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Publico, podendo afastar a aplicagao daqueles que en- tenderem inconstitucionais.'* Exemplificando, suponha que determinada Corte de Contas — da Unio, dos estados, do Distrito Federal ou dos municipios — esteja apreciando um processo de aposentadoria de servidor ptblico e que recentemente tenha sido publicada uma lei que incida sobre a questdo. Nessa hipotese, caso a Corte entenda que essa lei é inconstitucional, podera, por maioria absoluta de votos (CF, art. 97), declara-la inconstitucional, afastando a sua aplicacdo ao caso concreto. Destacamos, porém, que essa atuacao dos tribunais de contas nao afasta a possibilidade de posterior apreciacao da lei ou ato normativo pelo Poder Judiciario, se provocado. 11. CONTROLE DIFUSO 11.1. Introdugao © controle de constitucionalidade difuso tem sua origem nos Estados Unidos da América (EUA) - sendo, por esse motivo, conhecido como sistema americano de controle — ¢ baseia-se no reconhecimento da inconstituciona- "2 STF, Sumula 347: “O Tribunal de Contas, no exercicio de suas atribuigdes, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos alos do Poder Publico.” Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 725 lidade de um ato normativo por qualquer componente do Poder Judiciario, juiz ou tribunal, em face de um caso concreto submetido a sua apreciagao. O 6rgio do Poder Judicidrio, declarando a inconstitucionalidade de norma concernente ao direito objeto da lide, deixa de aplica-la ao caso concreto. Por outras palavras, na discussdo de uma relacao juridica qualquer, sub- metida a apreciagao do Poder Judiciario, suscita-se a divida sobre a consti- tucionalidade de um ato normativo relacionado com a lide. Surge, entao, a necessidade de o Poder Judiciario apreciar a constitucionalidade de tal ato normativo para proferir a sua decisio no processo. Ao apreciar a questio constitucional, como antecedente necessario e¢ indispensavel ao julgamento do mérito do caso em exame, 0 juiz ou tribunal estara realizando 0 deno- minado controle difuso. E facil notar, pois, que, no controle difuso, quando o autor da ago procura a tutela do Poder Judiciério, sua preocupacao inicial ndo é com a inconstitucionalidade da lei em si. Seu objetivo é a tutela de um determinado direito concreto, que esteja sofrendo lesdo ou ameaga de les4o por alguém (a outra parte na acfo). A constitucionalidade sé é apreciada porque esse direito pretendido envolve a aplicacao de uma Ici, ¢ essa lei é inquinada de inconstitucional pela parte que pretende vé-la afastada. Entao, sendo argiiida a inconstitucionalidade da norma, o juiz, para reconhecer ou negar 0 direito do autor, vé-se obrigado a examinar a ques- tao de constitucionalidade suscitada. Por isso se diz que no controle difuso 0 objeto da agao nao ¢ a constitucionalidade em si, mas sim uma relagdo juridica concreta qualquer. Pela mesma razao, tal controle é também denominado: incidental, inci- denter tantum, por via de excegao, por via de defesa, concreto ou indireto. Todas essas designagdes remetem ao fato de que, no controle difuso, a controvérsia sobre a constitucionalidade representa uma questao acess6ria (um incidente) a decidir, surgida no curso de uma demanda judicial que tem como objeto principal o reconhecimento ou a protegdo de um direito alegado em um caso concreto. Exatamente por surgir no curso de um processo comum, o controle de constitucionalidade difuso pode ser exercido por qualquer 6rgio do Poder Judicidrio. Qualquer Orgio jurisdicional, juiz ou tribunal, podera examinar a constitucionalidade da lei e, portanto, declard-la inconstitucional, com o fito de afastar a sua aplicag&o ao caso concreto por ele apreciado. Os jui- zes de primeiro grau, os diversos tribunais do Pais, todos tém aptidao para decidir, no 4mbito de sua competéncia, sobre a constitucionalidade das leis no controle difuso. Evidentemente, as decisdes sobre a constitucionalidade proferidas pelos Orgdos inferiores do Poder Judiciério ndo s&o, em principio, definitivas, 726 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrina podendo a controvérsia ser levada, em iltima instdncia, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, por meio do recurso extraordindrio (CF, art. 102, III). Em suma, quando o Poder Judiciério aprecia uma controvérsia consti- tucional suscitada diante de um caso concreto a cle submetido, em sede de agdes diversas (mandado de seguranga, habeas corpus, habeas data, agio civil publica, ag&o popular, ago ordinaria etc.), estamos diante do denomi- nado controle difuso. 11.2. Legitimagao ativa Como o controle de constitucionalidade incidental da-se no curso de uma ago submetida a apreciagdo do Poder Judiciario, todos os intervenientes no procedimento poderao provocar o Orgao jurisdicional para que declare a inconstitucionalidade da norma no caso concreto. Dessa forma, tém legitimidade para iniciar 0 controle de constitucionali- dade concreto: as partes do processo, os eventuais terceiros admitidos como intervenientes no processo e o representante do Ministério Publico que oficie no feito, como fiscal da lei (custos legis). Ademais, o juiz ou tribunal, de oficio, independentemente de provocagao, poderd declarar a inconstitucionalidade da lei, afastando a sua aplicag’o ao caso concreto, j4 que esses tém por poder-dever a defesa da Constituigao. Note-se que a declaracio da inconstitucionalidade no caso concreto néo esta dependente do requerimento das partes ou do representante do Ministério Publico. Ainda que estes nao suscitem o incidente de inconstitucionalidade, © magistrado poderd, de oficio, afastar a aplicagdo da lei ao processo, por entendé-la inconstitucional. Em sintese, dispdem de legitimagao para suscitar 0 incidente de incons- titucionalidade: a) as partes do processo; b) terceiros admitidos como intervenientes no processo; ¢) © representante do Mini: jo Publico; d) 0 juiz ou tribunal, de oficio. 11.3. Espécies de agées judiciais O controle de constitucionalidade incidental pode ser iniciado em toda e qualquer ag&o submetida a apreciag’o do Poder Judicidrio em que haja um interesse concreto em discussao, qualquer que seja a sua natureza. Agdes de Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 727 natureza civel, criminal, administrativa, tributaria, trabalhista, eleitoral etc. — todas se prestam 4 efetivacAo do controle de constitucionalidade concreto. Nao interessa sequer a espécie de processo, podendo ser suscitado o inci- dente de inconstitucionalidade em processos de conhecimento, de execugio ou cautelar, seja qual for a matéria discutida. Desse modo, agdes como o mandado de seguranga, 0 habeas corpus, a ago popular, a acao ordindria etc. — todas sao idéneas para a efetivagado do controle de constitucionalidade concreto. Muito se discutiu a respeito de ser, ou nao, a agdo civil piblica ins- trumento idéneo para a realizagéo do controle de constitucionalidade das leis. Isso porque, como a decisao proferida nessa agao coletiva é dotada de eficdcia geral (erga omnes), muitos entenderam que 0 exercicio do controle de constitucionalidade no seu bojo implicaria flagrante usurpagao de com- peténcia do Supremo Tribunal Federal, ja que essa eficdcia geral é prépria da jurisdi¢o concentrada exercida por esta Corte Maior. A jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a aco civil publica pode ser utilizada como instrumento de controle de constitucionalidade, desde que com feig&o de controle incidental, isto ¢, desde que tenha como pedido principal certa e concreta pretensdo e, apenas como fundamento desse pedido, seja suscitada a inconstitucionalidade da lei em que se funda o ato cuja anulagao é pleiteada. O que nao se admite é 0 uso da agao civil publica como sucedéneo da ac¢do direta de inconstitucionalidade, isto é, tendo por objeto principal a de- claracado da inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo do Poder Publico, haja vista que, nessa situagao, haveria usurpagaio da competéncia privativa do Supremo Tribunal Federal para realizar a jurisdigdo abstrata, com eficacia geral, em face da Constitui¢ao Federal. Para ilustrar, 0 Ministério Publico poderia, por exemplo, ajuizar uma agdo civil publica visando a anulagdo de um concurso piblico estadual, realizado com base em lei supostamente inconstitucional aprovada pelo respectivo estado-membro. Nessa situagdo, 0 magistrado podera, incidentalmente, de- clarar a inconstitucionalidade da lei estadual e, em decorréncia, determinar a anulagio do respectivo concurso piblico, com efeitos exclusivamente para as partes alcancadas pela a¢’o, naquele caso concreto. Note-se que, nesse exemplo, o pedido principal da ago civil publica nao é a declaragao da inconstitucionalidade da lei estadual em si, mas sim a anulagao do concurso publico, Vale dizer, a lei nado foi impugnada em tese, abstratamente, mas sim diante de um caso concreto, sendo 0 requerimento da declaragdo de inconstitucionalidade da lei mero incidente, como fundamento para a anulagdo do certame. Por fim, vale lembrar que o controle incidental poderé ter como objeto toda e qualquer espécie normativa (leis e atos administrativos normativos 728 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino em geral), editada pela Unido, pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelos municipios. Significa dizer que qualquer juiz ou tribunal podera, respeitada a sua esfera de competéncia, apreciar a validade de quaisquer leis ou atos administrativos federais, estaduais, distritais ou municipais, inclusive daqueles editados sob a égide de Constituigdes pretéritas, neste caso para afirmar a sua recep¢do (ou revogagao) pela Carta de 1988. 11.4, Competéncia No controle difuso, qualquer érgiio do Poder Judicidrio, juiz ou tribunal, podera declarar a inconstitucionalidade de uma lei, com o fim de afastar a sua aplicagao ao caso concreto. No primeiro grau, 0 juiz singular é competente para examinar a questo constitucional suscitada no caso concreto a ele submetido. Se o magistrado entender que a lei desrespeita a Constituigao, devera proclamar a sua incons- titucionalidade, nao a aplicando ao caso concreto em questao. Da mesma forma, todos os tribunais do Poder Judiciério sio compe- tentes para declarar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Publico atinentes aos processos a eles submetidos. Os tribunais de segundo grau, os tribunais superiores e © proprio Supremo Tribunal Fe- deral realizam controle difuso de constitucionalidade, nos casos concretos submetidos a sua apreciacdo. Entretanto, os tribunais sé poderao declarar a inconstitucionalidade das leis e demais atos do Poder Publico pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou pela maioria absoluta dos membros do respectivo 6rgio especial. Essa regra especial para a declaracao da inconstitucionalidade pelos tribunais, denominada “reserva de plendrio”, sera examinada no subitem seguinte. 11.4.1. Declaracdo da inconstitucionalidade pelos tribunais - a reserva de plendrio Conforme visto, no ambito do controle difuso qualquer érgdo do Poder Judiciario, juiz ou tribunal, possui competéncia para declarar a inconstitucio- nalidade de uma lei ou ato normativo conflitantes com a Constituicdo, com © fim de afastar a sua aplicagao ao caso concreto. Um juiz de primeiro grau, portanto, de acordo com sua livre conviccao, podera declarar a inconstitucionalidade de uma lei, negando-lhe aplicacao a0 caso concreto. Devera, apenas, motivar sua decisao, por forga do art. 93, inciso IX, da Carta da Republica, que impée a obrigatoriedade de fundamentagio para todos os julgamentos proferidos pelo Poder Judiciario. Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 729 No entanto, em relagao a atuag&o dos tribunais, a Constituigao Federal contém regra especifica para a declaragao de inconstitucionalidade, conhecida como “reserva de plendrio”, expressamente consagrada no seu art. 97: Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus mem- bros ou dos membros do respectivo érgio especial poderao os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Publico. A reserva de plendrio, pois, implica a exigéncia constitucional de pro- cedimento especial para a declarag4o de inconstitucionalidade por qualquer tribunal do Pais, na sua esfera de competéncia. No 4mbito de um tribunal, a declaracdo de inconstitucionalidade devera observar, obrigatoriamente, sob pena de nulidade da decisdo, a reserva de plenario. Essa exigéncia de maioria absoluta garante maior seguranga, maior es- tabilidade ao ordenamento juridico, realgando o principio da presungao de constitucionalidade das leis. Com efeito, ao impor necessidade de maioria absoluta para que os tribunais possam declarar a inconstitucionalidade, o constituinte reforgou sobremaneira a presungao de constitucionalidade das leis, pois sempre que nao se logre atingir esse quorum, a norma sera tida por constitucional; fica afastada a possibilidade de um dos membros do tribunal (ou alguns poucos de seus integrantes) decidir, isoladamente, que uma lei deva ser considerada inconstitucional. Vale observar que a maioria absoluta dos membros do tribunal ou do seu 6rgio especial é diferente da maioria dos juizes presentes (maioria sim- ples). Para a declaraao de inconstitucionalidade ser valida é preciso que ela seja proferida pela maioria absoluta dos juizes integrantes do tribunal, ou do 6rgao especial, independentemente do numero dos presentes a segao de julgamento. A previsao constitucional de instituigao, pelos tribunais, de orgiio especial encontra-se no art. 93, inciso XI, nos seguintes termos: “nos tribunais com numero superior a vinte e cinco julgadores, podera ser constituido orgao especial, com o minimo de onze e o maximo de vinte e cinco membros, para 0 exercicio das atribuigdes administrativas e jurisdicionais delegadas da competéncia do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigiiidade ea outra metade por elei¢ao pelo tribunal pleno”. Naqueles tribunais em que haja érgdo especial, a inconstitucionalidade poderé ser declarada pelo voto da maioria absoluta do plendrio do tribunal ou do respectivo érgio especial. Nao havendo érgdo especial, a declaragao de inconstitucionalidade somente podera ser proferida por deliberagio do plenario. 730 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrine Significa dizer que os érgdos fracionarios (turmas, cAmaras e segées) e monocraticos dos tribunais estado impedidos de declarar a inconstitucionalidade das leis. Nem mesmo pela unanimidade de seus membros, os drgaos fracionarios poderao declarar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Publico. Assim, sempre que acatada uma argiligao de inconstitucionalidade pelo 6rgao fracionario, o incidente devera ser submetido ao Plenario ou ao érgio es- pecial, para que este decida sobre a questo constitucional, por maioria absoluta de seus membros. Decidida a questao constitucional, os autos sio devolvidos ao Orgao fracionario, para que este julgue o caso concreto e lavre 0 respectivo acérdao (aplicando ao caso concreto, evidentemente, a posigao firmada pelo plendrio ou 6rgio especial sobre a inconstitucionalidade argitida). A reserva de plendrio vincula todos os tribunais do Pais, exigindo de todos a necessidade de quorum especial para a declaragao de inconstitucionalidade, quer seja em face da Constitui¢éo Federal, quer seja frente a Constituigao estadual. O Supremo Tribunal Federal, os tribunais superiores, os demais tribunais judicidrios, federais e estaduais, os tribunais de contas — todos eles estio subordinados a obediéncia da reserva de plenario ao proclamar a inconstitucionalidade das leis. Nao respeitada a exigéncia do art. 97 da Constituigao Federal, sera ile- gitima, absolutamente nula, a decistio do érgdo colegiado, seja no exercicio do controle incidental, seja na efetivagao do controle abstrato. No entanto, interpretacao conferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da exigibilidade de observancia da cléusula de “reserva de plenario” resultou em certa flexibilizacao desse instituto. Segundo 0 STF, a raz&o de ser da regra do art. 97 est na necessidade de evitar que érgaos fraciondrios apreciem, pela primeira vez, a pecha de inconstitucionalidade atribuida a certo ato normativo. Desse modo, por ra- z6es de economia e celeridade processuais, existindo declaragao anterior de inconstitucionalidade promanada do érgao especial ou do plendrio do tribunal, ou do plendrio do Supremo Tribunal Federal, naio ha necessidade, nos casos futuros, de observancia da reserva de plendrio estatuida no art. 97 da Cons- tituigdio, podendo os érgios fracionarios aplicar diretamente 0 precedente as novas lides, declarando, eles préprios, a inconstitucionalidade das leis. Assim, deixou assente 0 Tribunal que, uma vez jé declarada a inconstitu- cionalidade de determinada norma legal pelo érgao especial ou pelo plenario do tribunal, ou pelo plenario do Supremo Tribunal Federal, ficam as turmas ou camaras da corte autorizadas a aplicar o precedente aos casos futuros, sem que haja a necessidade de nova remessa ao plendrio ou ao érgao especial, porquanto ja preenchida a exigéncia contida no art. 97 da Constituigao." * RE 199.017/RS, rel. Min. Ilmar Galvao, 02.02.1999. Cap. 13 » CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 731 Essa orientagdo do Supremo Tribunal Federal restou positivada com a nova redagdo dada pela Lei n.° 9.756/1998 ao paragrafo nico do art. 481 do Cédigo de Processo Civil (CPC), abaixo transcrito: Pardgrafo ‘nico. Os drgios fraciondrios dos tribunais nao submeter’io a0 plendrio, ou ao érgao especial, a argiligao de inconstitucionalidade, quando ja houver pronunciamento destes ou do plenario do Supremo Tribunal Federal sobre a questao. Em face dessas consideragdes, temos, em sintese, 0 seguinte: a) a exigéncia da reserva de plendrio somente ¢ aplicdvel & apreciagao da primeira controvérsia envolvendo a inconstitucionalidade de determinada lei; b) a partir do momento em que jé houver decisio do plenario ou do érgio especial do respectivo tribunal, ou do plendrio do Supremo Tribunal Federal, no mais hd que se falar em cliusula de reserva de plendrio, pasando os érgaos fracionarios a dispor de competéncia para proclamar, eles préprios, a inconstitucionalidade da lei, observado o precedente fixado por um da- queles érgaos (plenario ou érgao especial do préprio tribunal ou plendrio do STF): c) se houver divergéncia entre a decisio do érgdo do tribunal (plendrio ou érgio especial) ¢ a decisio proferida pelo Supremo Tribunal Federal, de- verdio os érgios fracionarios dar aplicag’o, nos casos futuros submetidos a sua apreciagao, & decis’o do Supremo Tribunal Federal. Por fim, esclarecemos que também ndo se submete a reserva de plendrio a aferigao da recepgao ou da revogagao do direito pré-constitucional, editado sob a égide de Constituigdes pretéritas. Isso porque, conforme ja analisado, o Supremo Tribunal Federal entende que a incompatibilidade desse direito pré-constitucional com texto constitucional superveniente é resolvida pela revogacao, nio havendo que se falar em inconstitucionalidade. Desse modo, como a reserva de plendrio € regra constitucional aplicavel, estritamente, A declaragdo de inconstitucionalidade pelos tribunais, nao ha que se falar na sua aplicagdo na aferigio da revogagao (ou da recepgao) do direito pré- constitucional.'* ** Conforme ligdo do Ministro Celso de Mello, a discussao em torno da ineidéncia, ou nao, do postulado da recepedo — precisamente por nao envolver qualquer juizo de inconstitucionali- dade (mas, sim, quando for 0 caso, 0 de simples revogagao de diploma pré-constitucional) = dispensa, por tal motivo, a aplicagao do principio da reserva de Plenario (CF, art. 97), legitimando, por isso mesmo, a possibilidade de reconhecimento, por 6rgao fracionario 732 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino 11.5. Recurso extraordinario Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal € 0 orgdo maximo da Justiga brasileira, cabendo-lhe, especialmente, a guarda da Constitui¢ao Federal Para o cumprimento dessa nobre tarefa, 0 Supremo Tribunal Federal atua nao s6 na jurisdigao concentrada,'> mas também como érgao revisor das decisées incidentais proferidas pelos érgdos inferiores do Poder Judiciario nos casos concretos, quando a controvérsia é levada ao seu conhecimento por meio do recurso ordindrio (art. 102, 11) ou do recurso extraordinario (art. 102, II). Ressalvadas as estritas hipéteses de cabimento do recurso ordinario (CF, art. 102, II), 0 recurso extraordinario é o meio idéneo para a parte interessada, no ambito do controle difuso de constitucionalidade, levar ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal controvérsia constitucional concreta, suscitada nos juizos inferiores. Com efeito, estabelece a Constituigéo Federal que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinario, as causas decididas em tinica ou ultima instancia, quando a decisdo recorrida (art. 102, III): a) contrariar dispositivo desta Constituigdo; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar valida lei ou ato de governo local contestado em face desta Consti- tuigdo: d) julgar valida lei local contestada em face de lei federal. Embora a Constituigao nao o tenha estabelecido expressamente, as con- trovérsias envolvendo a aplicacdo do direito pré-constitucional, editado sob a égide de Constituigdes pretéritas, também podem ser objeto de recurso extraordindrio com base nesse dispositive constitucional, para que o Supremo Tribunal Federal firme entendimento sobre a sua recep¢do ou revogacio pela Constituigao Federal de 1988. Deve-se notar que a Constituigao Federal nao exige que a decisao recor- rida tenha sido proferida por algum tribunal, 0 que torna cabivel o recurso do Tribunal, de que determinado ato estatal nao foi recebido pela nova ordem (RE AgR 395.902/RJ, 2° T., rel. Min. Celso de Mello, 07.03.2006). °® Na jurisdigao concentrada, o Supremo Tribunal Federal realiza 0 controle abstrato, previsto na alinea “a” do inciso | do art. 102, € também o controle concreto, no desempenho de suas competéncias originarias previstas nas demais alineas do inciso | do art. 102 da Constituigdo. Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 733 extraordinario das decisées de juiz singular, nas hipéteses em que nao existir recurso ordindrio, e dos juizados especiais criminais e civeis. A Emenda Constitucional n.° 45/2004 trouxe duas importantes inova- gdes em relag%o ao cabimento do recurso extraordinario perante 0 Supremo Tribunal Federal. Primeiro, ampliou as hipdteses de cabimento do recurso extraordinario, passando a dispor que o recurso sera cabivel, também, quando a decisao recorrida tiver julgado valida lei local contestada em face de lei federal (CF, art. 102, III, “d”). Tal competéncia, até entdo, era do Superior Tribunal de Justia (STJ), em sede de recurso especial. Com essa alteragio constitucional, passa-se a reconhecer que 0 conflito entre lei local e lei federal implica controvérsia constitucional, nao mera- mente legal, como até entdo defiuia do texto constitucional, uma vez que a discussdo sobre a matéria era remetida ao Superior Tribunal de Justiga, por meio de recurso especial. Entendemos que andou bem o legislador constituinte derivado, ao operar essa alteracdo de competéncia, pois, se hd conflito entre a lei local — estadual, distrital ou municipal — e a lei federal, a controvérsia é, em esséncia, de natureza constitucional, por envolver partilha e exercicio de competéncias entre os entes federativos. Entretanto, a competéncia repassada ao Supremo Tribunal Federal concer- ne ao exame de controvérsia, em recurso extraordinario, tio-somente quando a decisio recorrida julgar valida lei local (ato legislativo propriamente dito, em sentido estrito) contestada em face de lei federal. Se 0 conflito for de ato (atos administrativos em geral) de governo local contestado em face de lei federal, a competéncia permanece com o Superior Tribunal de Justiga, em sede de recurso especial (CF, art. 105, III, “b”). Segundo, passou a exigir que 0 recorrente demonstre a repercussdo geral das questées constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Supremo Tribunal Federal examine a admissdo do recurso extraordi- nario. O § 3.° do art. 102 tem a seguinte redagao: § 3° No recurso extraordinario 0 recorrente devera demonstrar a repercussto geral das questdes constitucionais discutidas no caso, nos tetmos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissdo do recurso, somente podendo recusa-lo pela manifes- taco de dois tergos de seus membros. Por forga desse dispositivo constitucional, a demonstragao da repercussaio geral das quest6es constitucionais discutidas no caso passou a ser pressuposto constitucional de admissibilidade do recurso extraordindrio pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. Em caso negativo — nao demonstragao 734 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO « Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino da repercussdo geral das quest6es discutidas no caso pelo recorrente ~, 0 Supremo Tribunal Federal poderd recusar o recurso extraordinario, desde que pela manifestagao de dois tergos de seus membros. Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o requisito constitucional da “repercussao geral” aplica-se a todos os recursos extraordindrios, inclusive 4s causas criminais.'° Esse expediente — possibilidade de recusa do recurso extraordinario pelo STF em razdo da auséncia de repercussio geral das questdes discutidas no caso — foi o meio encontrado pelo legislador constituinte derivado para evitar que controvérsias concretas insignificantes, de absoluta irrelevancia juridica, sejam submetidas 4 apreciagio do Supremo Tribunal Federal. O principal objetivo é a redugao do numero de processos na Corte, possi- bilitando que seus membros destinem mais tempo 4 apreciagao de causas que realmente sao de fundamental importancia para garantir os direitos constitucionais dos cidadaos. O exame da “repercussao geral” para 0 conhecimento do recurso ex- traordinario pelo Supremo Tribunal Federal foi regulamentado pela Lei n.° 11.418, de 19.12.2006 (publicada em 20.12.2006, mas com vigéncia somente apos sessenta dias desta data), nos termos a seguir comentados. Determina a lei que, para efeito da repercussdo geral, sera considerada a existéncia, ou nao, de questées relevantes do ponto de vista econémico, po- litico, social ou juridico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Dispde, ainda, que havera repercussaio geral sempre que o recurso im- pugnar decisao contraria 4 simula ou jurisprudéncia dominante do Tribunal. Dessa forma, se © recurso extraordinario estiver impugnando decisdo con- traria 4 simula ou jurisprudéncia dominante do Supremo Tribunal Federal, nao haverd necessidade de exame quanto a presenga de “repercussao geral” pelo Tribunal, pois nesse caso esta & presumida. Aeexisténcia da repercussao geral devera ser demonstrada, em preliminar do recurso extraordinario, para apreciag&o exclusiva do Supremo Tribunal Federal. O Plendrio do Supremo Tribunal Federal, em decisdo irrecorrivel, firmada por dois tergos de seus membros (oito Ministros), ndo conhecerd do recurso extraordinario quando a questao constitucional nele versada ndo caracterizar repercussao geral. Se a Turma decidir pela existéncia da repercussao geral por, no minimo, 4 (quatro) votos, ficaré dispensada a remessa do recurso ao Plenario. Note-se, portanto, que os Orgdos fracionarios do Supremo Tribunal Fede- ral (Primeira e Segunda Turmas) também poderao decidir pela existéncia da © Al (QO) 664.567/RS, rel. Min. Septlveda Pertence, 18.06.2007. Gap. 13 + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 735 repercussdo geral, desde que mediante decisio de quatro votos (cada Turma é composta de cinco Ministros). Assim, se a Turma decidir pela existéncia da repercussao geral por, no minimo, quatro votos, 0 recurso extraordinario sera admitido, ficando dispensada a sua remessa ao Plenario. Importante ressaltar que a recusa ao recurso extraordinirio, pela inexis- téncia de repercussdo geral, somente podera ser decidida pelo Plenario do Supremo Tribunal Federal, por dois tergos dos seus membros (oito Ministros). Vale dizer, as Turmas no dispdem de competéncia para recusar o recurso extraordinario, em razo da inexisténcia da repercussao geral; elas somente poderao decidir, se for o caso, pela existéncia da repercussdo geral, mediante o minimo de quatro votos, situagéo em que o recurso extraordinario sera admitido sem a necessidade de manifestagdo do Plenario. Negada a existéncia da repercussdo geral (sempre pelo Plendrio), a decisdo valera para todos os recursos sobre matéria idéntica, que serio indeferidos liminarmente, salvo revisaio da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. © Relator poder admitir, na analise da repercussao geral, a manifestag’o de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. A sumula da decisdo sobre a repercussdo geral constard de ata, que sera publicada no Diario Oficial e valera como acérdao. Com a publicagio da Lei n.° 11.418/2006, ficou a cargo do Supre- mo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessdrias exigéncia do requisito da “repercusso geral”. Como as alteragdes regimentais, imprescindiveis 4 execugdo da Lei n.° 11.418/2006, somente entraram em vigor no dia 03.05.2007, a exigéncia da demonstragéo formal e fundamentada, no recurso extraordinario, da Tepercuss&o geral das questdes constitucionais discutidas no caso sé incide quando a intimagao do acérdao recorrido tenha acontecido a partir desta data (03.05.2007). 11.6. Efeitos da decisao Conforme ja analisado, no controle incidental a inconstitucionalidade pode ser pronunciada por qualquer juiz ou tribunal do Pais, no curso de um. caso concreto a ale submetido. Dessa forma, a deciséo no controle incidental pode ser proferida por um magistrado de primeiro grau, por um tribunal de segundo grau, ou por um tribunal superior, inclusive 0 Supremo Tribunal Federal, no curso de um caso concreto a eles submetido. 736 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO = Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Como, em qualquer caso, seja perante o juizo de primeiro grau, seja perante o Supremo Tribunal Federal, 0 que se busca na via incidental é o simples afastamento da aplicagao da lei ao caso concreto, os efeitos da decisdo serio os mesmos, independentemente do drgdo de que tenha sido emanada. Assim, qualquer que tenha sido 0 érgio prolator, a decisao no controle de constitucionalidade incidental sé alcanga as partes do processo (eficacia inter partes), nao dispde de efeito vinculante e, em regra, produz efeitos retroativos (ex func). A decisao s6 alcanga as partes do processo porque no controle incidental © interessado, no curso de uma ago, requer a declaracao da inconstitucio- nalidade da norma com a tnica pretensdo de afastar a sua aplicagdio ao caso concreto. Logo, é somente para as partes que integram 0 caso concreto que 0 juizo estara decidindo, constituindo a sua deciso uma resposta a pretensaio daquele que argiiiu a inconstitucionalidade. Com isso, a pronuncia de inconstitucionalidade nao retira a lei do or- denamento juridico. Em relagdo a terceiros, nao participantes da lide, a lei continuara a ser aplicada, integralmente, ainda que supostamente esses terceiros se encontrem em situa¢4o juridica semelhante 4 das pessoas que foram parte na acdo em que foi declarada a inconstitucionalidade. Assim, a proniincia de inconstitucionalidade pelo Poder Judicidrio na via incidental, proferida em qualquer nivel, limita-se ao caso em litigio, no qual foi suscitado © incidente de constitucionalidade, fazendo coisa julgada apenas entre as partes do processo, Quer provenha a deciso dos juizes de primeira instncia, quer emane do Supremo Tribunal Federal ou de qualquer outro tribunal do Poder Judicidrio, sua eficdcia ser4 apenas inter partes. Essa eficacia, em regra, surte efeitos ex func, isto é, opera retroativamente em relag&o ao caso que deu motivo a decisio (ce, repita-se, s6 em relagao a este), fulminando, desde o seu nascimento, a relagdo juridica fundada na lei inconstitucional. Embora a regra seja a prontncia da inconstitucionalidade no controle concreto ter eficdcia retroativa (ex func), podera o Supremo Tribunal Federal, por dois tergos dos seus membros, em situagdes excepcionais, tendo em vista razdes de seguranga juridica ou relevante interesse social, outorgar efeitos meramente prospectivos (ex nunc) 4 sua decisio, ou mesmo fixar um outro momento para 0 inicio da eficacia de sua decisao."” A declaragao de inconstitucionalidade pro futuro no controle concreto foi excepcionalmente admitida pelo Supremo Tribunal Federal na apreciag&o de recurso extraordinario que versava sobre o nlimero de vereadores de Camara Municipal, a luz do disposto no art. 29, Il, da Constituigao Federal. Nesse julgado, o Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do antigo critério para fixagéo da composigao maxima das Camaras Municipais em 25.03.2004, mas Cap. 13 « CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 737 A decisao no controle concreto néo dispde de forga vinculante em rela- ¢4o aos demais érgdos do Poder Judiciério e 4 Administragao Publica, ainda quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Significa dizer que a decisao proferida no caso concreto determinado nao obriga a Administragao e os demais orgios do Poder Judiciario a decidirem outros casos no mesmo sentido. Nada impede, portanto, que seja declarada judicialmente a inconstitucionalidade da lei em certo caso concreto e que a Administragao Publica, ou outro érgao do Poder Judicidrio, continue a aplicar a mesma lei a outras pessoas que nado integravam a lide em que foi reconhecida a sua inconstitucionalidade. Em qualquer caso, a norma declarada inconstitucional no controle con- creto continua a viger, com toda sua forga obrigatéria, em relagao a terceiros, que nao tenham sido parte na agdo. Todas as pessoas que desejarem ver a si estendidos os efeitos da inconstitucionalidade ja declarada em caso idén- tico deverao postular sua pretensdo perante os Orgdos judiciais, em agdcs distintas. Entretanto, se a decisao foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal (e apenas por este!), ha a possibilidade de ampliagdo dos efeitos da declaragao incidental de inconstitucionalidade, seja mediante a suspensdo da execugdo da lei por ato do Senado Federal, seja por meio da aprovacéo de uma su- mula vinculante pelo proprio Supremo Tribunal Federal, nos termos a seguir expostos. 11.7. Atuagao do Senado Federal Afirmamos acima que a proniincia de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciario na via incidental, ainda quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal, somente alcanga as partes do processo em que ocorreu. Para evitar que os outros interessados, amanha, tenham de recorrer também ao Judiciario, para obter a mesma decisao, atribuiu-se ao Senado Federal a faculdade de suspender o ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, conferindo eficacia geral (erga omnes) a decisio dessa Corte. Declarada definitivamente a inconstitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal, no ambito do controle difuso, a decisio ¢ comunicada ao Senado Federal para que este, entendendo conveniente, suspenda a execugdo da lei, conferindo eficacia erga omnes a decisio da Corte Suprema, nos termos do art. 52, X, da Constituigao Federal. diferiu 0 inicio da eficécia de sua deciséo para um momento futuro, de forma a sé alcangar a formagao da legislatura seguinte (RE 197.917, rel. Min. Mauricio Corréa, 25.03.2004). 738 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino Existe controvérsia acerca da eficacia temporal do ato editado pelo Se- nado Federal no uso dessa competéncia. Sem diivida, a palavra “suspensio” induz a nogao de que os efeitos seriam prospectivos, ex nunc. Também milita em favor da idéia de que a atuagio do Senado produziria efeitos doravante o fato de que a atividade legislativa é tipicamente prospectiva, vale dizer, nao é dado ao Poder Legislative, no exercicio de atividade legislativa, anular leis, desconstituindo-as retroativa- mente. Nesse caso — serem os efeitos ex nunc ~, a suspensao da lei pelo Senado Federal seria equiparavel 4 revogacao dessa lei. Ocorre que, se fosse aceita a tese dos efeitos prospectivos da suspensio prevista no art. 52, X, da Constituigao, 0 fundamento légico para a atri- buigdo dessa competéncia ao Senado Federal ruiria por completo. Deveras, € evidente que essa norma constitucional tem por fim evitar a necessidade de que todos os possiveis interessados — que tenham sofrido conseqiiéncias da aplicag3o de uma lei declarada inconstitucional pelo STF, no controle concreto, em agdes em que eles nado foram parte — ajuizem agdes visando a obter a mesma decisio. Assim, caso a suspensio da lei pelo Senado Federal somente tenha eficdcia dali em diante, é dbvio que todos esses interessados continuarao precisando ajuizar agdes individuais a fim de desconstituir os efeitos perante eles produzidos em decorréncia da aplicagao daquela lei. Ademais, note-se que equiparar a suspensio a revogagiio da lei signi- ficaria atribuir ao Senado uma competéncia andmala, que foge 4 légica do processo legislativo, uma vez que nao teria cabimento, de forma nenhuma, que o Senado revogasse uma lei, porque esta é um ato cuja produgao exige a conjugacio das atuagdes da Camara, do proprio Senado e do Presidente da Republica (se for uma lei federal); pior ainda seria a idéia de 0 Senado Federal revogar uma lei estadual ou municipal. Em suma, a atuagdo do Senado prevista no art. 52, X, da Constituigéo nado é, de modo nenhum, uma atuacdo legislativa; 0 Senado Federal, nessa situagdo, esta atuando no Ambito do controle de constitucionalidade, simplesmente estendendo a todas as pessoas decisdes de eficacia inter partes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Como os efeitos dessas decisées do Supremo Tribunal Federal sio retroativos, é razoavel propugnar que também 0 seja 0 ato do Senado Federal (a regra, no ambito do controle de constitucionalidade, é a retroatividade, a desconstituig&o dos efeitos do ato inconstitucional desde a sua edig&o). Ainda, é importante observar que, no ambito do Poder Executivo federal, a resolugao do Senado indiscutivelmente produz efeitos retroativos (ex func), ou seja, desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional. Essa regra, especificamente aplicével 4 Administragao Publica federal, encontra- se expressa no Decreto n.° 2.346, de 10 de outubro de 1997. Devido a sua relevancia, transcrevemos o dispositivo pertinente (grifo nosso): Cap. 13 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 739 Art. 1.° As decisées do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequivoca e definitiva, interpretacao do texto constitucio- nal deverao ser uniformemente observadas pela Administra¢ao Publica Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto. § 1° Transitada em julgado decisio do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato nor- mativo, em ag&o direta, a decisio, dotada de eficacia ex mnc, produzira efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se 0 ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional nao mais for suscetivel de revisio administrativa ou judicial § 2° O disposto no paragrafo anterior aplica-se, igualmente, 4 lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, apés a suspensio de sua execugio pelo Senado Federal. Em suma, embora nao exista consenso a respeito, nossa opiniao, que pensamos ser atualmente majoritaria na doutrina, é que o ato do Senado Federal editado nos termos do art. 52, X, da Constituigao produz efeitos retroativos, ou seja, desde a edigao da lei ou ato normativo declarado in- constitucional."* Em qualquer hipotese, temos que, enquanto a declaragaéo de inconsti- tucionalidade é de competéncia do Supremo Tribunal Federal, a suspensio geral da aplicagéo da lei é atribuigaéo do Senado Federal. Integram-se, Supremo Tribunal Federal e Senado, para a execugao de uma tarefa cons- titucional comum, pertinente ao controle de constitucionalidade das leis e atos normativos em geral. Sem a declaragao do Tribunal Maior, 0 Senado Federal nfo pode atuar, pois nao lhe é dado suspender a execugao de lei nao declarada inconstitucional, mas téo-s6 ampliar a eficdcia da decisio da Corte Maxima. Dessarte, a fungdo do Senado Federal — suspender a execugao de lei julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal — nada mais é do que estender erga omnes os efeitos de uma decisio judicial proferida em um caso conereto, que inicialmente alcangava exclusivamente as partes do processo. O Senado Federal nao esta obrigado a suspender a execugao da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, podendo julgar a oportunidade e a conveniéncia de praticar tal ato. Como ato facultativo, 18 Em edigdes pretéritas desta obra, perfilhamos entendimento diverso, de que @ suspensao da execugao da lei pelo Senado Federal produziria efeitos meramente prospectivos (ex nunc). 740 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino discricionario e de natureza politica, ndo hd que se falar em prazo certo para o Senado Federal se manifestar, tampouco em sangao especifica para a hipotese de eventual recusa 4 suspensdo da execugao do ato. A espécie normativa utilizada pelo Senado Federal para a suspensio da eficdcia da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal é a resolugdo, vale dizer, a suspensao da execugao da lei, se houver, sera forma- lizada por meio da expedigado de uma resolugfio do Senado Federal. Como dissemos, 0 Senado Federal dispde de plena discricionariedade para suspender, ou nao, a execugdo da lei declarada definitivamente incons- titucional pelo Supremo Tribunal Federal. Entretanto, se o fizer, no podera posteriormente revogar 0 seu ato de suspensaio. Com efeito, nao se admite que, uma vez aprovada a resolugdo que efetue a suspens4o da execugdo da lei, 0 Senado Federal a revogue por outra resolugao. Ademais, 0 Senado Federal nao pode restringir ou ampliar a extensio do julgado prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de invalidade do seu ato. A Casa Legislativa deve ater-se 4 extensio da declaracao de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal, nao possuindo competéncia para interpreta-la, amplid-la ou restringi-la. Se 0 Supremo Tribunal Fede- ral declarou a inconstitucionalidade de trés artigos da lei, nado podera o Senado Federal suspender a execugao de mais algum artigo da mesma lei, tampouco suspender a execugao somente de um ou dois dos artigos declarados inconstitucionais. Vale dizer, 0 Senado ¢ livre para suspender ou nao a execucdo da lei; porém, se decidir pela suspensio, deverd fazé-lo nos estritos termos e limites da declaragao de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. A autorizacao constitucional para que o Senado Federal possa “suspen- der a execugdo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisdo definitiva do Supremo Tribunal Federal” (CF, art. 52, X), nfo ha que ser entendida como faculdade de suspender a execugao de apenas uma parte daquilo que foi declarado inconstitucional pela Corte Maior. Se toda a lei foi declarada inconstitucional, a suspensdo ha de ser total, da lei inteira — 0 Senado nado pode decidir fazé-lo apenas em parte; se apenas parcela da lei foi declarada inconstitucional pelo STF, nado poder o Senado ampliar essa decisao, suspendendo a execugao de toda a lei. Portanto, quando 0 texto constitucional diz “suspender em parte”, esté se reportando aos casos em que somente parte da lei foi declarada incons- titucional pelo Supremo Tribunal Federal (a mesma parte que sera suspensa pelo Senado, caso este decida exercer tal competéncia constitucional, a fim de conferir eficdcia geral 4 decisio da Corte Suprema). Cabe anotar que a resolugdo do Senado esté, ela propria, sujeita a aferigao judicial de sua constitucionalidade, inclusive mediante controle Gap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 741 abstrato, vale dizer, a resolucio pode ser impugnada judicialmente quan- do se entenda que ela desatendeu as determinacdes constitucionais, sej quanto aos seus aspectos formais (concernentes ao processo legislativo exigido para sua produco), seja quanto ao seu contetdo (por exemplo, caso se considere que as disposigdes da resolugdo discrepam daquilo que foi decidido pelo STF). A competéncia do Senado Federal alcanga qualquer lei ou ato normati- vo que tenha sido declarado inconstitucional incidentalmente pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, podera o Senado Federal suspender a execucio de leis e atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais. Por fim, ressaltamos que a competéncia do Senado Federal para sus- pender a execucdo de leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal se restringe as decisées do Supremo Tribunal Federal proferidas no controle difuso, incidental, uma vez que sua razao de ser consiste, precisamente, na faculdade de estender, a todos, os efeitos de decis&o que, em si, tem eficdcia apenas entre as partes. No 4mbito do controle abstrato, conforme veremos adiante, as proprias decisées do Poder Judiciario sao dotadas de eficdcia geral, contra todos (erga omnes), nao havendo razGes para atuacao do Senado Federal. $6 ocorre no controle concreto incidental © Senado nao esta obrigado a suspender a execugao da lei Nao ha prazo para a atuagao. A decisdo do Senado Federal pela suspensao da execugao é ATUAGAO irretratével, DO SENADO FEDERAL © Senado nao pode modificar os termos da deciséo do STF. O instrumento para suspensao da execucao ¢ a resolugao. ‘A competéncia do Senado alcanga leis federais, estaduais e municipais. A resolugao do Senado sujeita-se a controle de constitucionalidade. 11.8. Sdmula vinculante Sabe-se que as decisdes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no Ambito do controle concreto nao so dotadas de forga vinculante em relacdo. aos demais érgdos do Poder Judiciario, tampouco 4 Administragao Publica. 742 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO + Vicente Paulo & Marcelo Alexandrine Significa dizer que mesmo quando o Supremo Tribunal Federal declara, em reiterados casos concretos submetidos a sua apreciagdo, a inconstituciona- lidade de uma lei, os juizes de primeiro grau e os tribunais, bem como a Administragéo Publica poderao continuar a aplicar essa lei em outras situa- gdes concretas, se entenderem, diversamente do que decidiu o STF, que ela é constitucional. Poderao, legitimamente, desconsiderar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, porque nao estao a ele vinculados. Em situagdes como essa — decisio do STF reconhecendo a inconstitu- cionalidade da lei e juizos inferiores ou Administracéo Publica decidindo em sentido contrario ~, 0 interessado, para ver aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal a sua situacdo concreta, deverd percorrer a via recursal prépria, a fim de levar 0 seu processo ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, para que ele novamente declare a inconstitucionalidade da lei, reformando a decisao do juizo inferior, ou anulando o ato da Adminis- tragdo Publica, conforme o caso. Essa realidade — auséncia de forga vinculante das decisdes proferidas por nossa Corte Constitucional no 4mbito do controle concreto — faz com que milhares de agdes judiciais com o mesmo objeto cheguem ao conhe- cimento do Supremo Tribunal Federal para que ele declare, em cada caso, © entendimento ja inumeras vezes manifestado. Nao é dificil perceber que essa sistematica processual exigida para a resolugao de conflitos concretos, dando ensejo a multiplicagao de processos de contetidos idénticos e conse- qiiente congestionamento do Poder Judicidrio, acarreta enorme morosidade na prestagdo jurisdicional. No intuito de combater esse quadro ¢ conferir maior celeridade a pres- tag4o jurisdicional, a Emenda Constitucional n.° 45/2004 criou a figura da sumula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes (art. 103-A): Art, 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderd, de oficio ou por provocagio, mediante decisdo de dois tergos dos seus membros, apés reiteradas decisdes sobre matéria constitucional, aprovar simula que, a partir de sua publicagio na imprensa oficial, terd efeito vinculante em relagio aos demais érgaos do Poder Judiciario ¢ 4 administragdo piblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual ¢ municipal, bem como proceder a sua revisio ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1° A simula terd por objetivo a validade, a interpretagao € a eficécia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre érgdos judicidrios ou entre esses ea administragdo publica que acarrete grave inseguranga juridica e relevante multiplicagio de processos sobre questo idéntica. Cap. 13» CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 743 § 2° Sem prejuizo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovagio, revisio ou cancelamento de simula podera ser provocada por aqueles que podem propor a acdo direta de inconstitucionalidade. § 3° Do ato administrativo ou decisdo judicial que contrariar a simula aplicavel ou que indevidamente a aplicar, cabera reclamagiio ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a proce- dente, anulard o ato administrativo ou cassara a deciso judicial reclamada, ¢ determinard que outra seja proferida com ou sem a aplicagao da simula, conforme o caso. A aprovacao, revisio e cancelamento de simula vinculante pelo Supre- mo Tribunal Federal foi regulamentada pela Lei n.° 11.417, de 19.12.2006, publicada no Diario Oficial da Unido de 20.12.2006, com vigéncia apds trés meses contados de sua publicagao. Partindo das disposigdes constitucionais, bem como da regulamentacgao estabelecida pela Lei n.° 11.417/2006, comentaremos, abaixo, os principai aspectos concernentes a aprovacdo, a reviso € ao cancelamento de enunciado de simula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. 11.8.1. Iniciativa O Supremo Tribunal Federal podera aprovar, rever ou cancelar simula vinculante: a) por iniciativa propria (de oficio); ou b) por iniciativa de qualquer dos legitimados na Constituigao ¢ na lei. O texto constitucional confere legitimag&o para provocar o Tribunal aqueles que podem propor ag&o direta de inconstitucionalidade, enumerados no art, 103, incisos 1 a IX, da Constituigao Federal; além disso, autoriza a lei a prever outros legitimados. Em conson4ncia com esse comando constitucional, a Lei n.° 11.417/2006 estabeleceu os legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal para a edigdo, reviséo ou o cancelamento de enunciado de simula vinculante, nos termos seguintes: Art. 3.° Sao legitimados a propor a edig%o, a revistio ou o cancelamento de enunciado de simula vinculante: 1 — 0 Presidente da Republica; Il — a Mesa do Senado Federal;

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