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O Homem sem Gravidade enemies etn ® Poderiames pegar um outro extreme ¢ ebserver que, afinal, Re Rec emt wets ieee ane Oe ne ne jer dizer, numa evocagio, na evocagio do lngér onde se nantinha a instincia sexual suscetivel de autorizar as trocas, eons Cee ec Te eee eee arnt Cee oo et ee en een parece - preférencia por sua presentagao. Como com essa "atte ‘eRe COL ae CSL oe cc ee et Teen ee eC Siete ners nt ae eS eer ce ease e tee Coca LC cece te er tre Cee eno et Otter art en eae Cet Care St Cee eRe Renee | Cone toa ec artrar ree a eee cS eee aetna | nae Rene ec re estes nr) ve oalbergava vessages, foi une dos principais dirigemes da Ecole freudienne de ris, alén de ser fardador da Associasion lacanienne Co a Ce me ee ee ear ee ee Ld qeen-Pierve Lebrun, priquiaria e psicanalista, antigo presidente eee eee eee ra ee ae ee a Sn Melman, psiquiarra e psicanalisea, editor da revista Ee ae ; Charles Melman O Homem sem Gravidade efrr mE MTC e Cla melaree) uewjey saeyg apeplarin wos wouUIoH O Ncham. 1$9,964,2 Autor: Mel Tituto: O hom ii ere SE OEE CEE EEE YUU YY YY AI IS © homem sem gravidade Gozar a qualquer preco PELE GCKL SS Cee EEE EEE ES YE CHARLES MELMAN. O homem sem gravidade Gozar a qualquer preco Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun ‘Tadugio Sanda Regina Felgueiras Eprror Jost Nazar Copyright © by Denoit Tao Onena me gene Dini dig on Wappen suds pla ‘rom Chan hence rabid rerodgowaou pc oroncto etca HA boas Ben AQUISIGAO FoR pOFGKO cm DOADO POR Marin tbuanda Cameo ds Comba 1 AOR, 212 Sand gs Ch Sy yy aesisTRO YES] fy Eomem tas DATA 00 REGISTRO_ wee const Hoon ‘Gre Pleo Nese "nt Naar ut Miso Snel Codie Martens acd “en Pte Ker ‘Rab Frcs Bart FICHA CATALOGRASICA ian ‘ikea rene , hen ase ese! conse tan en paid ee ger re) eee See 201 p33. “Thelugode-L‘bonamecas avi jonledsowt pre ISBN: 85-85717.742 1, Pocolota social - Pricaniis ~ Brevous. 1 Lebron, Jean Peers I Thu epp-303.34 Coopankia de Froud elnere tnoetago odta Cousronnancn vans Cantu: mde Pein “a ke joc ‘email cadefiend@ignombe Quis mostrar abertamente os petigos a quea igual- dace expSca independéncia humana, porquecteio firmemente que esses perigos so tanto os mais colossais coma os menes previseos de todos as que 0 futuro encerra. Mas nfo os crelo insuperdveis. Alexis de“Tocqueville, Dela démocratie en Amérique. indice Presécto (JeaN-Prenee Leanon) I. ‘Um progresso considerdvel 16.— A ultrapassagern dos limites 19. O que Freud descobriu 20. ~ Quando passou a aucoridaide? 25. ‘Que lugar para o sujeito? 27, — Um progresso... verdadeiramente? 29. — ‘Uma natureza humana? 31. ~ Uma economia que empuria para 0 incesto? 32. ~ A inveje mais que o descjo 34. - O retomo da autori- cade? 38, ~ X depressio para todos 40, ~ Leis de que somos ainda tibutitios 42. —A castragio: necessidade ou contingéncia? 44. — Efeitos clinicos 48. M1... . ‘Uma perverséo generafizada 51.—O futuro dos “usados” 54, — Uma economia do signo 57. — O duplo uso do pharmaken 58. - Como sair da adolescéncia? 60. — A responsabilidade do sujeito 65, Uma vioktncia inelutavel 68, ~ Uma sociedade de saber 71, MI.. mal-entendido do pai 75. ~ © outro nao € o estrangeico 77. Patriarcado ou matriarcado 79. ~ O fururo de mattiarcado 86. ~ As leis da linguagem 88. — Simbélico e sintoma 91, ~ Psicose sociale zapping subjetivo 93, — A psiquiattia diante da nova economia psiqui- ca 100. — O que pode o diteito? 105. 107 A impressio da nostalgia 107, ~ Uma terceira via? 110. — Uma equilizagio dos gozos 112, - O destino dos grancles textos 114, - Um sujeito enfim livre! 116. —A pulséo de morte 118, - O pai ho} Um edmico... 121. Um sujeito apatrida 125. — Um lago social maatalatatlatatatlalatalatlalatatatatatatetst.t. eee pobre 126,—E agora: 0 que fazer? 129. ~ Quande a cigncia ocupa lugar de texto 132. — Um inconsciente fora de sexo? 135. v 139 ‘Um inconsciemic em mutaso? 140, — A. tinica cojéa séria: 0 sexo 143, ~ Uma tcansferéncia real demais 146, — Uma modificagio éa de- anda 150, —Quem pode decidir sobrea responsibilidade ou airres- ponsabilidade? 152. ~ Os avatares da transmissio 158, - Sempre o diteitc! 160. — A morte expulsa 163. — A renegagio em lugar do recalque 164, — O entusiasmo pelas seitas 166. ~ Para onde vai o ensino? 167, vi 171 Odiscurso do cxpitalismo 172. — Passar sem o pai com acon se servir dele 175. ~ Uma nova economia ps{quica para 0 analista? 177. Anex08 can Enfim um gozo novo: a necroscopia par Chuarks Melman 185. —In- teodugio 4 nova economia ps{quica por Charles Melman 191, Gbossdtio assess Prefacio Um mpaz na faixa dos vince anos, tendo ha pouco tempo vida de casal e que recentemente se tornou pai, se queixa comigo: “Na minhe ju- ventude, tive muitas garotas, transava com elas nos cartos, nas garagens, em qualquer lugac... agora, hoje em dia, ‘umd mulher e uma cama... nfo tem raga!” Essa fala podetia nao parecer muito nova na dinica cotidiana. Mas ‘0 que era inédito, no enranto, & que a zendincia, 0 “lato” que assim se impunha a ese paciente lhe aparccia como incormpativel, como no sendo claro. O que lhe acontecia Ihe era insuportivel e suscitava antes de tudo seu protesio. De onde é que vem, se perguntaya ele, em suma, que seja ‘De onde é que vem que seja preciso pagar seseia. © fikégo de uma escolha? Por que é pit ina ‘Ontem, inclusive provérbies ¢ ousras méximas fembravam a0 su- jeite que nem tudo era posstvel ~ “Nio se pode ter tudo!” ~, que € preciso assumir as consequéncias de seus atos ~ “Quem semeia vento cothe tempestade!” -, que se deve levar em consideragio o que se faz — “Nao adiamta cortes, tem-se que sair na hora!". Hoje em dia, 0 adégio mais comumente evocado, obviamente, é: “Assoviar e chupa: cana” ‘Ali onde, ontem, para a maiotia dos pacientes que dirigiam 20 psicanslst, tasava-se de encontrar uma salda diferente da neurose para a conflituaidade inerente 20 desejo, hoje, os que encontram 9 caminho de seu consultério vem, com freqiiéncla, falar-the de sea enviscamento sum ozo excessive, O que, entfo, se passou — 0 que se passe, enti — para que assim, regularmenre,.0 gozo tiiiinfe ~ triun De -<—Ninguém contestard que estamos, hoje, ine der @ i Ser qual for a pertinéncia dessa expresso, a tarefa 3 inds4m que vivemos se impée, entio, mais do que nunca. As transfor- ido por unm tal w ‘© homer som gravidade ‘magécs de nossas sociedades, subseqiientes & conjungio do desenvolvimene to das tecnociéncias, da evolugio da democracia ¢ do crescimeato do libe- rilismo econSmico, nos obrigam a voltar a interrogar « maiotia de nossas certenis de ontem. Pela menos, se nio quisermos nos satisfacer com sim- lesmente register as modificagées considerdvcis de costs comportamen- tos que clas provocam. Constatamos as dificuldades dos sujeitos de hoje em dia de dispor de balizas vanto para tomar mais claras as tomadas de decisées cuanto para analisar as situages com as quais se defrontam, Setiam surpreen- ences, num mundo ceracterizado pela violencia, tanto me escola quarto ‘na Cidade, por uma nova atitude diante da morte (cutandsia, decadéncia dos citos...), « demanda do transexual, os acasos dos dircitos da crlanga, as obrigagbes, até mesmo os diktats do econdinico, as adigées de todos os tipos, a emergéncia de sincomas inédi a. masculina, criangas hiperativas nats de conenya ser sr ilopae ete a sranspardacia a qualquer preco, 6 pes S midiatico, a inflagio da ima- ‘ao diteito e A justiga como “paus para toda obra’ da vide em scciedude, as reivindicagdes das vleimas de todo géncro, a alienagio no virtual (jogos elett6nicos, Internct..), a exigéncia do risco zero, etc? Poderiamos pensar que, confrontados com todas essas questées, serd suficiente produzir novos conhecimentos para nos guiar e nos petmitir na- vega com tringtilidade nesse novo mundo, Mas deveremes rapidamente nos desencantar: 0 mais exaustivo dos saberes no evita ter que constrait sua pr6pria opinito para poder decidir como farer fice a evolugées maio- tes, Deve-se até dizer mas: & precieamente ali ondeo saber vena falar que ‘fo podemos eicapar & necessidade do julgamento. Por isso, se contarmos ‘com um autnenic dos conhecimentos, apenas remetemos para amanha a confrentagio com essa falta inelutével no sabes, e nosso engejamento sub- jetivo 86 se tornaria mais difcl, A psicandlise, desse ponto de vista, paderia dar algum auf? Sabe- ‘os que Freud néo via nenhuma antinomia entre a psicologia individual e 4 psicologia social, Lembremos as primeiraslinhas de Psiolgia das masase “Tratvarae dos 4 Rencontres dela psychiatric, que ocorreram em Paris em marge de 2001 « foram oxganizados por Jean-Claude Penocher em torno do teina "homme 1 Péprouve de la société contemporain © Retomando 4 formulagio de Marcel Gauchet em La Religion dans le démocraie: “Ea sna verdadcitaimteriotizagio do moddo do mercide que estamos asistinde — um acon- tecimento de conseqiiéncias entropoldgieas incleulives, que mal comegames a entte- ver’, Pit, Galimard, 1998, p87 7 O quec leitor enconiraé no que esegue sob a forma de sis captalor€ reproduséo — ¥idenremerterrabalhada eenriquecia ~ desias conversa, Charles Melman caninho em vias pouco exploradas, obrigado a explicas faros cuja com- preenstio estd longe de estar garantida, Permitia também se dieigir~ canto quanto possivel —a um leivor nfo especialista, incitando-nos a abandonar nosso jargio de psicenslista, Para cents mem. 0 que esse neyo século Ihe prope, ¢, como « psicandlise pode the fornecer referencias diferentes, até mestio néo conhecidas, para gjudé-lo 2 reencontrar-se, Sem deivida, alguns fcaréo espantedos, outros, jertados, cutros ain- a estupefatos com certas propostas sobre @ ihal-estar atual Gue convém quilificar de prospectivas, Mas esperamos que eada um encontre aqui com qui alimentar sua reflexéo constante sobre © que a tarcfa de pensar implica. E sz intertogando sobre o que sc os invariantes da condigo humana que convém sempre transmitir, Essas entrevistas abrem, com efeito, para o debate cricial de saber, tramndo-se da condigio humana, 0 que é suscetivel de evoluséio radical ¢ 0 qué permanece inguebrantéyel. Nao hé apenas o psicanalista que, nesse sentido, tenha coisas a dizer, ¢ evidente. O antropélogo, o jutista, 0 filéso- fo, > socidlogo ¢ muitos outros representantes de diversas disciplinas esto iguelmente convidades para a tarefa. Mas 0 que 0 pie ou ouve a nos dias de hoje so cnunciades © autorizam a ouvir sua ressonncia not muidos da Cidade, Entio, prosseguimos com estas entreviscas o que j& havlamos empre- fio" que divige no psicanalista nossa endido: tentar pr em relevo 0 *% tcas boas vontades para se interrogar sobre a subjetividade e sobre o futuro ps{quico do homem contemporanco. Pois, se 2s conjeruras debatidas nas paginas seguintes se mostrarem fandadas,se 0 home faber cede efeivamente lugar ae “homem fabricado” se é ent, com “novos homens’ ~ com esse, “homens sem gravidade”, | 13 ‘© hhomem sem gravidide ‘quase mutantes —quelidaremos doravante, devemos especificar queas ques- foes seriam imensas e que aqui apenas as entrevemos. Nada mais restariaenio, A guisa de vidtico, a no ser lembrar a céle- bre formula de Helv: “Mas, onde 0 perigocresce,crsce também o que salva”, - Sean-Pierre Lebrun J.-P, Lepnun: Voce recentemente interveio diante de uma platéia de psi- quiatras ¢ psicanalistas apresentando o seguinte argumento: “Passamos de uma culeure fundada no recalque dos desejos e, portanto, cultura da curose, a uma outra que recomenda 2 livee expresso e promove a perver- so, Assim a ‘sade mental’, hoje em dia, nfo se origina mais numa harmo- nia com o Ideal, mas com ci objeto de satisfagto, A tarefa psiquica se vé jade do sujeito spagade por ume nicagio: Tnwodusio 4 nova economia psfquica’. Por que de cara o artigo definide? Por que néo se contentar em evocas, subsettente 4 mucacfo cul tural que voet identifica, “uma” nova economia psiquica? C. ManMani: Porque existe, doravante, um notével consenso no nivel des com- portamentos, das escolhasem favor daadagio espontinea de uma nove moral. Manifestagies que deisam poucis divicas sobre a aovidade dessa economia | psiquica que estamos inaugurando, Héuma nove formadepensar, de julgan de comer, de transet, dese casar ou nif, de-viver a familia, a pétria, os ideals, de A emergéncia de uma nova economia pstquica é evidente, e dizer me parece mais findamentado, jé que dispornes de refecéncias suficientes, sem tet Anovessidade de conceitos novos, para descrever o que se instala, J-B. Lapnu: Voce quer dizer que essa economia psiquica nfo exist ances? (Ou pensa que existia de maneira talver marginal, mas que ocupa doravante afrente da cena? C. Matawan Creio que no existia antes. Podia parecer existit sob a forma de revolias, de marginalidade, de fendmenos de franja, no movimento muito PHORM CCAP ORR RAR FARRAR ANA AA AARA NADAS OAS ee we ‘Ohomnem som gravidade interessante que foi 0 situacionismo', por exemple, Ms nele se trateva sobreeudo de atitudes de oposigio: sitmava-se com relacdo 10 que constitufe refesénclas fires, estabelecidas e aparememente inabakiveis. Néo é mais © caso. Hoje, vigjamos, autorizamo-nos por nossa prépria existéncia, consti- tufmos nose ptéptia irca. Nao é mais um movimento por oposicio, é um movimento que segue seu proprio impulso. J-B. Leanwn: Em que consiste, entio, essa nova economia pstquice? C.Metman: Estamos lidande com uma mutagao que nos fax passar de uma economia oxganizada pelo recalque a uma economia orpanizada pela ex #0 co gozo. Nao é mais possfvel hoje abrit umm revista, admirar persona- * gens ou herdis de nossa sociedade sem que eles estejaim marcados pelo estar do expetfico de uma existe do gor. Iso implica deveresradicalmensé novos, inpossibilidades, dificuldades ¢ sofimentos diferentes, Um progresso considerdvel JeP, Lepnux: Por que a existéncia de uma tal economia de repente se ror nou possivel? A que voc# atribui esia muracio? CC. Metwate A uum progresso considerdvel, mas, ao mesmo tempo, como freqientemente ocerte, portador, sem ddvida, de pesadas amexgas. © progres so considerdvel & ter fetivamente considerado 6 fato de que 0 ofu estd vaio, tanto de Deus quando de ideologias, de promessis, de referénchas, de prescri- 6¢s, e que os individitos tém que se determinar por cles mesmos, singular ¢ coletivamente. Os ilkimds dois séculos foram os das grandes invengbes e da Movimento centeststério fundsdo em 1957 por Guy Debord e Asges Jorn, que ants de axl enprende ums erice ds arte e um ace aus ukrapasagem. Ein sa iva Le Socted ce peta, publicado em 1967, Guy Debord mostra como as meliages da meredorae da imagem invdicrs o campo da experiencia omana endo do espe~ teulo” o novo lago socal gline:dco, Fare movimenco ref seu eéemito em 1972, depois de er langado algunas palanras de oxdem premonizérins come 0 Furoso:“Ciozem sem imgedimento!”, Charles Melman sdentificasdo dos limites: ua mavematica, Hilbert, nalgica, Gide, na politica, ‘Many em psicologa, Freud esau cozaplero de Fidipo. © sérulo que se enuncia serdo da suspensio dees fo hd mais impossivel Come de habito, os morals- tus foram of iniciadores, nomeesno-los Foucault, Alehusset, Barthes, Deleuze, Gque nfo proclamam cas o ditewo 8 flicidade, mas 90 gcr0. Bx citncia os Segue no campo a bologia—em que menos se esperar A inervencio dec- sieafoi, som diivida alguma, o dominio da fecundidade, depois, da reprodusio “hvids, Roubado de Deus, o poder de cago doravance petmite wazer& luz crganismos novos, De wma cea form, asistimosao fim desuma poet ums Tiquidagio — em tetmos anlitice dir-se-ia una Liguidep clave da tne rons 0 que & 2 fonte de uma liertedle muito notivel JR Luenun: Una liquidacéec coletiva da ernsferéncia?F uma bela forma: lal Voce quer dizer de toda transfertncia, da prépria nogio de transfestn- Gat, em outias palavres, desse lego afetivo particular identifieado por Freuck C. Mpuaat: Sim, da transferéneia enquanto é suscettvel de recair tanco ern pessoas quanto em blocos de saber. Néo hi mais nem autoridade, ners ‘cferéncia, menos ainda saber que se sustente~justamente gregas 2 transfe- réncia. Estamos apenas na gestao, hd apenas priticas, . JP Leonun: Para ustrar essa nova economia psiquice, voct com frequn- Cia evoca uma expasigio da are anatdinica que, depois de ser apresentada tom diferentes cidades da Europa fora dela, ocorreu recentemente ema Brur elas. Por que ela vem esse valor emblemétice? ¥ Quando um temo ~ aqui, ‘gezo’~ esverseguido de urn aserse, ele definido no _lessitio explicaive no final do livro (fp. 198). 5 Aexposigo ocosen em Brae sob o ilo "Kisperelten,o fio do auéricn’, ‘pan lopae ques podeia cer predesimado: cs AbatedourolO catdlgo dx expesciods uncle initeava que, cesde sua pritueia apresentiséo a Alemanka, er 1997-98, Unhorevcbido 7 5 milh6es de visitantes. Nutn primesro tempo, fo reve, em Braxeat 0 Sueeno eapectdo, endo se produzide até um cusoso fends, jf que os vskawes flamengos ero mais raenersos que os Francdfoncs,apaentemtente reticentes cen Compatlhar queo oral didi Le Libre Belggeechamavao “compo-busines- CE Ze SMe ie 11-12 de tovernbro de 2001. A exposigla, no entanto, acabou per ser am franco sucess). te ‘© homen tom grvidade C. Mrttan: Com efeito, éuma exposisao interessante’, que €obra de um de nossos colegas axatomistas da Taculdade de medicina de Heidelberg, 0 Dr. Gunther von Hagens. Ele colocou em operagdo uma técnica absolute mente notével: ao fazer passar tecidos ou cacldveres ainda frescos nium ba- nh de acetona, ele expulsaa égua das células ea substicui por resinas epéxi, de tal modo que o cadiver se encontra protegido da puttefagic, como que plastificado em suas formas originals. Torna-se posstvel impor-lhe postums proximar das da vida, Podemos assim admirar 0 comredor, o pensedor, 0 ginasta, o arremessadoi, os jogadores de xadkez, na maior autcnticidade. Os cadiveres prometidos 4 eternidade so, em geral, mas nem sempre, escorchados. Apresentam suz musculacura, desnuda, soberba. Com freqtincia uma trepanagéo permite deixar a descoberto uma par- te do cérebro. A bochecha, parcialmente dissecada, desvela as insergSes musculares. © sexo, flgcido mas em perfeiza forma, ¢ exibido, Bo con- junto dessa cstarudria que constitui a exposicto, Hi também um. belfssimao corpo de mulher, nesse caso sem 0 escorcho, com um busto absolutamente soberbo. De seu ventre aberto sai negligentemente um pedacinho de titero fecundado. Uma luz suave, propicia & contempla- Ho, ilumina essa exposigio. E filtrada por paineis cujas laminas contém finas secj6es do corpo humano fragmentado c colorido, 0 que df 0 aspecto original de viecal Ess exposigio foi apresentada pels primeira vea em 1997 numa cidade alema, Mannheim. Fo! preciso fiuncionar 24 hores por dis para satisfazer a massa que sc impacientava. Depois passou por Téquio, com dez milhées ¢ meio de visitantes, ¢ Viena, onde conheceu um enorme stucesso. E perfeitamente cabtvel pensar que em pouco tempo aacmirere- mos em Paris, Suas justificagbes sic longamente desenvolvidas num catd- Jogo de quase dois quilos. Ele reine assinacuras de honordveis professores alemies, que insistem, evidentemente, na necessidade de difundir o saber anatémico, mas também no prazer estérico que se pode ter ao olhas esse exposicio, Remetcmns aqui so artigo ce Charles Melman “Engin une jouissance nouvelle: fa antcroxopic, peblicado em.Ar Pes rimero especial dedicedoa "Repeésenrer Phoreus”, ‘maio de 2001. Bstd reprocuzido no fim deste kro (fp. 185). See eee eg Charles Melman A ultrapassagem dos limites J.-P Leeaun: Por que fazer dela uma ilustracio paradiginética da nova eco- nomi psiquica? C. Mitra: Sirvo-me dessa histéria para tornar sensivel 0 fato de que estamos ultrapassando os limites. Bisuma talhada para que se os ulerapasse, jd que uma das caractesfsticas da espécie humana é o destino particular que reserva a sepultura,.o respeito que comumente a cé Essa exposigao ¢ scu sucesso popular fazem, entdo, valer o quanto, & nossa tevelia talvez, um novo limite é ulerapassado, A questo ésaber 0 que pod:inos dizer a respeito, como podemos conceitualiz4-la. Aqui fica apaga- da 2 permanéncia de um lugar que, em geral, é wm lugar de memSria, decerto um lugar sagrado, no qual o corpo humano que se tornou caver € protegido, dissimulado visio, O quehoje constitu nossa necessidade de ‘transparéncia, 1 dessa forma, capar de oper: gfilimente. Ou-quase anqtilamente... tran- 10 gosto pela lazé a J.-P. Lenron: Ter-se-ia ter vontade de objerar que jé existem lugares em que 98 mottos sio expostos ao olhr; penso, por exemplo, no famos0 ceived capuchinho de Palermo. Entio, onde esté a novidade? C. Maman: E muito diferente, Nio se pode comparar o sentimento que uma visita catregada de picdade e de respeito inspira com a satisfagio i- multneamente estétice c angustiada que essa exposigio propo 4s, uum formidivel negécio comercial: em lugar de aprescniar um french cancen, apresentani-se cadéve a perma... Veedadciramente € una questio de necrofilg,'de uma espécie de necroscopia, O. proce menio téenico colocedo em pritica por nosso “artista” aueoriza, com toda impenidedee pelos melhores motivos, tio oavivio, win gow “eseSpico” da morte. E, entio, a ulteapassegem do que ontem: era tanto proibide quanto agua impessivel. A autenticidade, nessa questo, € apenas Wai devenda, 7 Fy ea ay Leb eek et | etd od ek ead El foe | Pes les que a morte pede ter vai no sentido isso iotodscans cransferéncia de que cu falava. Uppasocieds- de que-vem atirar sen prazer do espericale da mo Io ctante. Yoot v como a aboligio do que era 0 alcanice habitualmente fest- Yo, a instincie fonte dos regoaljos, dos agapen de enebriamento, da danga, dos encontros, dos acesses de loucura, pare o qual a figura de Dionisio servia de referincia, em proveito de um espetdculo que redine multiddes em totmo das imagens da mortetem um lado premonitério que merece ieter a atengio dos pricanalistas e dos et Big Por qiie Falei, a esse propdsi- to, de uma nova economia psiquica; vejo ai uma manifestagio absoluta- mente inédita ¢ coletiva. J.-P, Lennow: Voc# pensa em outras manifertagSes dessa nova economia psiquica? C. Metaan: Foderfames pegar um ounce excsemo ¢ observar que, afinal, nossa relagio com 0 sexo conhece uma mutagio semelhance, Até aqui per- tencemos « una cultura fiundada na representacio, quet dizer, numa cvoca- so, na evocagio do lugar ondese mantina a insténcia sexval suscet(vel de ‘autorizar as trocas, Passamos da representapéo que nos é familiar, costumeira darclagéo com o sexo, relagao da qual apenas nos avizinhévamos, \— pare- ce ~ preferéncia por sua presensapéo, Como corn essa “arte anatOmica’, ira- ta-se agora de buscar o auténtico, em outras palavres, nfo mais uma aproxi- magiio organizada pela representago, mas de ir para 0 objeto mesmo. Se continuarmos nesta linha, o que marca essa mutagio cultural é esse apaga- mento do lugarde escondesijo préprio a abrigar o sagrado, quet dizer aquils pelo que se sustentam tanto 0 sexo quanto « morte, Assim, o sexo é encara- do hoje em dia como uma neexssidade, como a fome ow a sede, agora que esti suspensos temo o limite quanto a distincia prdprios ao segrado que 0 albergava. O que Freud descobriv J.-B. Laprun: E quanto 2 isto que vocé fala em apagamento do limite? (Charles Metin C, Meiman: Sim, pois acontece que, ao mesmo tempo, o que acaba por se ver perdido € 0 que Lacan chama de objeto a*, a causa do desejo, esse objeto! perdido inicial exjo eardter fugidio entresém a busca’ de nosso desejo. No mesmo moyimento — o que me parece mais interessante ainda -, desaparece.o.sujeize. como animado_ por essa busca, 0 sujeito como [sujcivo.do. inconsciente, aquele que se expressa nos soakos, nos, Lipsos, [ nos tos filhos-Pois, no fim das conta, a descoberta de Freud, seh uma, & nos ter permitido verificar ~ pois se trara menos de uma teoria que do (que nosse prética cotidiana nos permite experimentar a cade dia - que a telagio do sujeito com o mundo, como também com ele mesmo, nio € organizada pelo que seria uma ligagéo diseta ¢ simples com um objeto", como no mundo animal, no qual basta se deixar guiar pelos instintos. Se hig, pois, descoberta de Freud é a seguinte com nés mesmos nfo é instalada por um objet objat0,¢ de umn objeto de eleigio, essenclal, de up que, ‘na figuragio edipia pat ewe tnfeliz sajeito humano, pastar por essa perda « fim de ter acesso a. um mundo de representagio sustentvel para cle, em que seu desejo seja simultancamente alimentedo eoriencado esuas iclentificagdes sexuais quase asseguradas. Somes 0s tinicos, eo reino animal, cuja possibilidade de realizagéo setual € organizada por uma dissimetia, jf que « excolhia do objeto nio é regulamnentada po: uma icentificagio dos tragos caractecisticos do parcei- 10, parcciro do sexo oposte ou porodoresespeciics, mas pela perda, pela imado, E preciso essa disfungio para que, no ser fala é preciso que haje acesso a um semblance*, a raza. E preciso, reatincia ao Sonmaioos se cump! um fac-simile. I preciso este tipo de disfuncionamenco ~ que encontramos regutar- monte em toda abordagem da crianga-— ese spe de inflicidade para que a rehgio do sujsito com o 1 de rer, Evidentemente, vése ée que maneira essa perda inscala um Titaite ¢ como esse limite tem a propriedade de manser o descjo e a-vtalida- de do sujeito, © pai, conttaciamente a uma abordagem siraplisca da situa- ‘¢éo edipiana, nao é tanto aquele que interdita quanto aquele que da 0 exem- plo da ultrapassagern autorizada do limite para cumprir o desejo, 0 deseo a 2 ‘© homem sem gravidede sexual. Todo munco sabe bem que cumprimento de desejo sempre rem. este aspecto momeataneamente fora da norma, algo transgressivo. A fiangao do pai é, entio, colocar o impéssive! a seeviga do gozo sexual... € nos perguntamos po: qual aberragéo o pai pide se fazer identifi- car como 6 in:erditor do desejo, enquanto que é, primeiro, ¢ seu promo- tor Seria preciso, a esse respeito, maltratar um pouco Freud! Nao seria cu que viria lembrar 4 voce o destino que conhece hoje a figata paterna, a forma pela quel, de maneira absolutarscnce suepreenddente tanto estd escrita na moda, nos aplicamos em castré-l, pela qual cla, a dita figure, esta cada vex mais interdits, mal conduzida, desvalorizada. Fico feliz.que um projeto de lei cenha surgido na Frange para permits, afinal, 40s pais tras licenga apés 6 nascimento do filho. Mas essa neva possbill- dade, paradoxal mente, os subjuga ao que seri, ainda, uma fungio de tipo materno, Evidencemente é notdvel. © ressurgimento de um amor enlougueci- do.e violeato pela figuea parerna num certo ntimero de regiées & uma des conseqiiéncias dessa forma pela qual o pai é doravante considerado, Nelas, sob a forma de explostes nacionalistas c religiosas, se expressa uma espécie de vocagéo dos filhos, dos jovens para restituis, rinstalar essa figura sob tama forma consistente. Esse pai af ado se deixatie consti, seria um pal que tem, um pai de costas largas, sélido, Os grupes, nas segiSes em cue se formam, no parecem menos animadls por essa preecupasio de constituit uma comunidade de perteng2 em que afigura de um mitico patrono ances- tral se desenha em filigran, Basteré que passe um profissional da reiigiao para que ela come corpo. ‘Essa mutagio a que assistimos estd ligada, me parece, ao fato de que * «st limite que evocamos doravante esi4 caduco, Nao hi mais dificuldade para ultcapasséto, 5 0 projeco deel que mutoriza os pais afazerem uso de uma lceaga paternidade entiou fem siger na Franga em jancto de 2002, Ele parece ter envrado nos costumes com ama sepidez surpreendente, 4 000 a 5 000 pedidos por semana cegarn aos atendentes da Segoranga Soca. ‘Sem aunca tla exigido, os pais usatam licenea pareenidade como se aesperissen hd muito tempo Segundo um balango fete pelo goveino, am 1° de seaio de 2002, 50 000 pais jf haviam sebencficiado da nova licen patcenidade’, anun- cinva 0 Le Monde de 14 de mio de 2002, ‘Charl Melman J.-B Lasko: O terme “ulerapessagers” remete ainda, no entanto, & antiga economia psiquica, 0 que indica bem a dificuldade. Orlimite nao seria, antes, apagade, pulverizado? C. MELMAN: Sim, correto, E tio facilmente ultcapassade que ¢ apagado. J.B. Lennon: Ele se auto-absorve, desaparcor como limite, Isso nio deixa de evocar o que voct acaba de falar © que parece petfeitamente atual, a exigincia de presentago mais que de representagao ¢, entio, simukanea- mente, de tcansparéncia... C. Meuman: Foi o que sc torou o cinema, Ele néo significa mais nada, ele mostra, ele desvela, ele exibe, gute se constata muito bem. como feécinio pela experigncia J-B. Lepeun: de “Loft Story” G. Mrtwan: Hoje a questio € exibir. O que se chama de gosio pela proxi- idede vai tdo longe que é preciso exibir as tripas, ¢ 0 interior das tipas, ¢ até ointetiot do interior, Néo hi mais limite algum 8 exigendia de transpa- réncia, A surpresa sic essas transmissbes televisivas que retinem um pablico leigo para debater uma questo extremamente delicada ou intima, por exem- plo asexualidade depois dos sessenta anos, um toma certamente apaixonantet as pessoas sc desmudam diante das edmeras como um impudor que néo seriam forgosamente capazes de manifestar no consultério de um médi- co. A presenga das lyzer e das chimeras age como um imperative diante do qual ninguém poderia recusar-se, como se se estivesse diante de um cor- turador a quem conviria confessar uo, inclusive 0 que nit se fez, B isso é exiraordindcio, is que participa dessa nova economia. O olhar é, hoje, essa espécie de torturador diante do quel nada pode ser dissimulado. Nosso jornalismo dito de investigagio se deleira freqilentemence com os cagadores deassun- tos escabrosos e com a exibigso. Para grande alegria, parece, do leitor feliz em ouvir que determinade homem poderoso ‘erm uma amante: o belo es- Cindalo! Que ele tenha uma vide privada ow ao, em que isso envolve ou 23 » id » » - , , 4 (© homer sem gravidade determina sua ago politica ¢ as posigées quetomou? Ao mesma tempo, hd infantilismo nessa pan-escopia. Conhecemos essa famosa histéria do ‘penopticon de Bentham’, Esse cara genial havia previsto perfeicamente 0 funcionamento do mundo no qual vivemes: basta um olhar, um vigia, para ‘yer 0 conjuuntos basca, para o-vigi estar nesss lugar para gozarde uma visio panorimics do destino de seus contemporineos, como se este apresentasse alguma originalidade e pudesse suscitar algum interesse, J-P. Lanaun: B nesse lugar, o do vigia, que os telespectadores se instalam, os que olham esto, por obrigagio, nesse lugar... C. Metaan: Bis af O olhar do cnivoyeur. J-P, Lumut: No fiundo, € como se se acreditasse, com esse tipo de funcio- namento novo ¢ as possibilidedes novas que ele abre, poder abandonar a merifora, no habieer mais a lingcagem, nfo mais estar embarcados por obrigagio ma fil. C. Manwan: Decerto, jd que o francés tende a se tornar mais icbnico que verbal, a imagem —voltemos—ndo funciona mais come representago, mes como preseatacio. Conviria que os lingitistas se interessassem por essa lin- guager que esti se constituindo na Intemet, a Megua que serve para 8 conversas entre internaitas que nfo se conhecem, Uma linguagem, basea- da no inglés, & claro, esté se nexférmands. A mundializacao anunciada nfo deixaré de passar por ela, por essa linguagem com suas particularidedes jd observiveis ou previstveis. Estas poderiam se revelar determinantes para nosso futuro ps{quico, se essa linguagem tivesse que adquitir o estatuto de Ingua dominance. © 0 panopticn de Beothars & 2 figies arquiteruel inventada por ese célebeejursta e flésofo inglés (1748-1832), que Michel Poucaule kmbrou em Surveller et punir (Gallimard, 1575). Tracase de um: modelo de piso constitute por uma conseusio tm cfculo cn ola de ura torre central exa tem amples jaelss eas clulas da cnsteu- io aio intgrelmente de viro, de tal modo que um vigia pode, da tore, observar inuerior de odas as cfluls, ne ener einer uses deja eattatite eases enstattonhceisnnetnanineenenitintatrin ‘Charles Melman J-P-Lewsun: Uma novilingua, encio, intciramente acual, Mas que ter caracter{stica? CC, Mauvan: A de uma ingua exata, quer dizer, ade sempresse refecir «um objeto preciso — ume palayra/uma coisa ~ que retine os internautas, Fale-se dde mozos ou de selos posts, ou que se troquem propostas ersticas, 0 obje- to preventificado esti If, € ele que é celebredo e é em tome dele que nos agrupemos, A Linguagem néo tem equivoco, ¢ direta.e crma, Se um desses internautas se pusesse a fizer poesia, © outco nZo o comprecnderia, seria ‘uma ruptura da comunicagio, Esta deve, entio, ser tio precisa quanco as instrugGes de uso que um fabricance dé a sea cliemte, clares ¢ téonicas, Quando passou a autoridade? J-B Lepruwt Voct dria que havia apenas préticas ¢ agora yoo! evoca wma lin- ‘guage puzamente técnica No fundo, o que desaparece nesia nova economia, Eo lugar doque escapa, 0 lugar da transferéncia®, 0 Iugardo sagrado, o Lugar do respeito. O lugar da autoridede se veria eambém, assim, eliminado? C. Mrtnan: Sim, o lugae de onde se legitimam e se sustentam 0 manda- mento ea autoridade, Nio vou entrar aqui numa distinggo fécil enere po- der e autoridade. Quindo alguém exige para si um poder, voce sabe, & somente em referencia ae que seria uma autoridede, nfo forgosamente exi- bida. Referéncia, em todo caso, sobre a qual se funda o poder: Parece que nos dias de hoje, com a desaparicin do limite que cvockvamos, 0 que cons- ‘ica! aucoridade vem, simultaneamente, faltar. No que ere nossa cultura, a Conjuagéo entre lugar da aucovidade ¢ lugar do sagrado parecia natural. O lugar de autoridade em sintultancamente o lugar de esconderijo da divin- dade ¢ justamente o lugar de onde os mardamentos podiam se auorieat: A conjungéo néo era problema para ninguém; é por isso, alias, que durante sfeulos 0 poder foi veolégico-politico. A politica era fundamentalmente teolbgics, pois 0 poder, por delegasfo, vinha de Deus. As repttblicas laicas nunca se desembaragaram totalmente dessa heranga. 25 6 (© homem sem graridide J.-P, Lapnuwt: Blas retornavam o modelo, ainda que esvaziassem 0 céu... C. Muuwan: Certamente, Era este modelo que elas retomavam, Encontra- vase outras palayras, pitcia, por exemplo, para remeter A instancia sagea- da que se ratava de respeitar. As ordens dadas podiam referirse & salva guatda dessa inscincia. J.-B, Leneun: Se seguirmos vocé, pateosria que © progresto atual, j& que voce emprega essa palavre, atrisca implicar também o fim do politico! C. MELMan: Mas € exatamente ao que assistimos! A vida politica esté desértica, to hi a menor concepsio ideolégica ou mesmo utépica, nem palavra de ordem, nem projeto. Nao hd mais programa polttico. Nossos homens politicos se eransformam em gestores, a ponto de, muito logicamente, um grande povo como o pevo italian colocar no poder aquele ‘que apresentado como homem de negécios. Tudo isso parece muito raz0- vel: se ee soube gerir bem seus negécios, por que néo saberia getir os de seu pais? J.-B, Lennuw: Esse lugar do sagrado, da autoridads, que se encontra esvazi- ado, apagado, néo é simplesmente o luger do que nés, analistas, chamamos de instincia falica”? C. Maman: fi justamente esse lugar que se encontra liquidado, 0 da ins- ‘tancia filice. E:de mode inteiramente explicito nas formes tomanescas, por exemplo nos zomances de sucesso, de enorme sucesso, que, estes, tem um, programa: a climinasio do sexo, Penso pasticularmente cm Honellebecq ¢ em seu Particules Hémensaires, Com cfeito, € 9 sexo que nos complica a vida, quea roma feia, impuza, obscena, inestética. A biologia ea fecunda- éo antificial, explica-se-nos, vio, enfim, nos desembaracar dele, Nao vejo por que nfo seria cealizavel. Por que ficarfamos permanentemente estor- -vadlos por esse negécio que nos ciusa tantas prcocupagées? Podertamos assim... tentar tocar harpa, é melhor que perder tempo com os embates conjugais... (Charles Melman Que lugar para o sujeito? J-B Losnun; Mas simultaneamente é lugar de divisio subjetiva”— essa incer- tcaa, iredutivel porque estrutural, que especifica 0 sujcito pelo fato de que ele dispée da fia, esse prego que ele paga dlinguagem ~ que éeliminado... C. Mniman: Voo? tem razio. Bis, ainda, um trago da nova economia psiqui- ca: nfo hd mais divistio subjetiva’, o sujeito ndo é mais dividido. F um sujeito bruto, Falar de sujeito cividido é j4 dizer que ele se intetroga sobre sua pré- pria existéncia, que ele introduz em sua vida, etm sua mancira de pensar uma dialética, uma oposigao, urna seflexio, uma maneira de dizer “Nao!”. Hoje em dia, quase nio vemos « expresso do que seria a diviséo subjetiva, J-P, Leanuw: Por isso, no se poderia crer que até mesmo no exista mais lugar para um verdadeito sujeito? C. Manan: Hi lugar pare um sujeito, mes umn sujciro que perdeu sua dimensfo especifica. Com cerieaa nfo € mais o sujeito que se origina dessa ch-sisténcid, dessa exterioridade interna, gue lhe dava um certo afastamen- to, uma visto de vide, do mundo, das suas relagbes ¢ das esoolhas possiveis. “Tornor-se um sujeito inteizo, compact, ndo dividido. J.-P. Lansun: Que universalizado? O mesmo para todos? Entio, também. ‘um sujeito banalizado? C. Metuans Sim, &0 sujeito comum, médio, qualquer. J-P Lapnune: A desapericio desse lugar da divisto subjeciva, deste limite, isso nos condus a um saber puramente instintual, a um set cuja conduta seria determinada antecipadamente? 7 Lacan gostava de ecteverefstinea — em lugar de existencia ~ para insstr no “ex” © astm fiver entender come é na lugar uve que 0 sujeito se constitu 27 SOL yA TF 28 (© horrem sem gravidad C. Mataané Isso seria 0 ideal, isso constituiria, vooé tem raziin, uma forma de cumptimento, jé que nfo seria mais necessério determiner ou escolher svas ag6es: els estariam, como no animal, predeterminadas. Que alivio! Seria suficiente se deixar leva. Eis algo que se poderta também inscrever no campo do progress. Nao se tem mais, desse lado, do lado da subjetividade, que lidar com isso, Jd que somos capazes de suspender esse limite, mesmo que, entZo, decerto, se insinue uma dtivida sobre a realidade de nosso mundo, Como saber que se esté na realidade? Quando despertamos, pela manha, como sabemos que ‘© sonho parou? Sem chivida, ¢ porque tomamos contato com uma forma de decepeo que organiza nossa realidade. Ora, se esse tipo de decepeiia ver a faltas, s¢ nfo é mais o suporte da realidade que € a nossa, de sua validade, endo evidentemente surge a pergunta: seré que néo estamos sem- pre sonhando, ser que nao estamos sempre no campo em que tudo é pos- sfvel? Esse progiesso de que estou falando ~ € no utilize este termo de mancira irGnica, pois ndo bd nenhuma razio para nfo inscrevé-lo nesse registro ~ ¢ homogiinco ao de nossa economia, Esta, com efeito, é capaz de nos fornece: objetes sempre mais fentdsticos, mais préptios a nos fornecer satisfagbes, tanto objetais quanto narcisicas. Gracas a eles, nfo se traca mais, de se satisfizer com representac6es, mas com 0 préprio autéatice, com 0 objeto nao mais represcntada, mas efetivamente ali, presence na realidade, O ideal liberal no € favorecer 0 entiquecimento reciproco, liberando as trocas de toda referéncia reguledora? Encontra-se assim, no seu prinefpio, uma relagio dual, liberada de enttaves, cujos efeitos parecer manifestos na vida psiquica E nesse campo, nesse espirito que situo o lugar que adquire hoje a rworia cognitivist,, pois, justamente, cla é organizada com base nesse prin- cfpio, A aprendizagem dire:a dos caminhos de acesso, tanto a0 objeto quanto asi mesmo, deve assegurar uma trajetéria quase feliz ¢ sem complicagées. E verdade que essa relagéo com um sistema em que o limize assim se enoontra suupenso simaplifice consideravelmente 2 rarefa psfquica de cada um, Para ter acesso A satisfagio, nfo é mais necessirio passar pelo disfuncionamenta que eu evoceva e que é, € claro, fonte de neurose— ou de psicose —, }4 que € comurn defender-se quando se tem que assumir umz cere bine nent tinea nin rihanna interning ne nsceimeente deine nr ninertninel Charles Melman relagio relativamente estével e coerente com os objecos. Entio, no ¢ mais inevisdvel usar esses wajetas complexos ¢ dolorosos, enfrentar essas crises palquicas, essa crises mentais, para ter acesso a uma satisfagao que, efinal, ‘manifestamente rem valor, interesse e poder. Ao mesmo tempo, os proble- ‘mas de identificago sexusl e a preacupagio de tomar lugar no campo des deveres que cabem a cada um, inclufdos os deveres de meméria, tudo isso se veenormemente simplificado. ‘0 gozo sexual —e¢ um dos efeitos, na minha opinigo, dessa mucagdo =, que até aqui se apresentava como 0 padtio de todos os outros gor0s, quer dizer, o que dava a medida deles e permitiaa relativizagao dos diverses g020! otificiais, ocupa agora um lugar comum, habitual, entre os outros. Perdeu esse privilégio, que havia surpreendido Freud ¢ os ptimeiros freuciaaos, de ser o organizador de todos os gozos dites parciais*, de se encontras de certo modo, ne topo do edificio, Hoje, 0 sexo pode ser trate do cemo um gozo orificial cu instrumental come os outros. Um progresso... verdadeiramente? Je-B, Leanunt Suas afirmagies me parecem paradoxais. Voce fala de progres- 50, pelo fato de que através da constatagio de que o céu estf vazio estamos libercdos, E ao mesmo tempo voce descreve conseqiiéncias dessa evolugio que nio sio, é0 menos que se pode dizer, de nos deslumbrar! C. Metmans © progress, sabemos, sempze € pago, de uma forma ou de outra, Ha fonse, eu disse, de uma enorme liberdade: nenhuma sociedade jamais conheceu uma expresso do desejo to livre para cada um, uma faci- lidade tio grande de encontrar um parceite... Deixando & parte a pedofilia, que & um terreno reservado ~ hd quanto tempo, alidst -, bem evidente que «ada um pode publicamente satisfazer codas as suas paix6es e, além do ais, pedir que clas scjam socialmente ceconhecidas, accitas, aré legaliza das, inclufdas af as mudangis de sexo. Uma formidével liberdade, mas 20 mesmo tempo absoluramenre estéril para 0 pensamento. Também nunca se peasou tio pouco! Essa liberdade esc al, masao prego dadesapatigio, da afinie do pensamento. 29 20 (© homer ser gravidede Isso nos diz respeito em nossa pritica clinica diretamente, A dificul- dade mode:na do casal, cujo contraro, que se tornou cometcial ¢ juridico — ‘como um contrato de economia de mercado—, péde, de forma imagindtia, substieui o simbélico da troce, é ter que gatantir o miais-de-gocar® que 0 dito mercado prometeu. Mas alterncia presenga-auséacia — pois as dois parceisos nao estio sempre juntos — implica uma periédica baixe de tensio que pode perfeitamente ser vivida como um prejutzo: Os jovens que vém me ver por vexes me inspiram uma cera emogio, justamente quando s2 identifica como conseguiram se organizat, Assim ocorteu com um joven smisico de vinte ¢ cinco anos, extremamente simpético, que vejo atualmen- te. Ble ganha com dificuldade sua vida, com 2 musica, ¢ mae conta as trocas de palayras com sua namoradh. Sao troces de palavras tanto admicdveis quanto patéticas, Quando ele entra, ela se queixa: “Voot chegou tarde, f- quel esperando, a comida cozinhou demais, etc”, E ele se pe a se descul- pat, pede perdio, compreende perfsitamente o esforgo dela, esse esfocgo no recompentado, ¢ a chateagio dela por esperé-lo, mas ele teve um com- promisso, cle se desculpa eentra no caminho do arrependimento e da pena que sente dela, Depois, ap6s algun tempo, acontece: “Sim, mas, de qual- quer mancira, é preciso que voot respeite um pouco a minha vidal Se che- {guei tarde, foi porque tinha muitas coisas pra fazer, compromissos, porque €u nfo podia agir de outra maneira, voc8 sabe, Voc’ ndo precisava se meter nas minhes préprias necessidades, nem no meu préprio prazet, me ator- mentar como que cu posse ter vontade de fazer”, Encio, o pingue-pongue evidentemente toma cut sentido. Enea busca do que seriaa medida certe entre cles mie parece patética e simpatica, porque eles realmente decidiram liberat stia vide de toda ref féncia a uma espécie de estadclecido wadicional de posigées, da retérica prépria dos astis, ¢ ventam inventar ums propasta nova e silvadora, mais justa, na qual cada um efetivaniente respeitarfa 0 outro. Passam assion vim, tempo considerivel, ¢ afinal bem conflituoso, em tentas, incessantemente, encontrar 0 que seria o bom regime nits suas relagées, o bom gums, se voce me permite aexpressfo. Alids, como o encontratiam? Isso para evocar ain- dda um tipo de limite que nio esté escrito em hugar nenhum, mas que estd operando, ative, Esse homem ¢ essa mulher, que poderiam se encontrar agradavelmente depois da safda do trabalho, vio passar um tempo infinito (Charles Melman a discutir niio cles mesmos, mas sua relagio ¢ a justa posigio do que se chama fidl ~ éa palavra cxata — numa balanga. Deduz-se disso, facilmente, © progo que & preciso pagar nessa nova economis. Vale mais avali{-lo © conhect-lo, Uma natureza humana? P, Lesrun: Chegamos a que devemos navamente pensar o que constitui 2 especificidade do hemano... C. Mexans Bferivamente, Encretants, ado quero que voc? pense que de- fondo a idéia de uma natureza humana. Ao contririo, acentuei 0 fat de que éramos animais desnaturados € que o problesna todo esté af, Se tivésse- ‘mos uma naturera humana, cm outras palavias, se pudéssemos nos fiar no que ¢ inato, no que ¢instintivo, nossa tarela seria enormemente facilitada, Essa nova economia psiquice tem precisumente a ambicéo de cortigie esse “defeito”. A grande filosofia moral dos dias de hoje é que cade set humano deveria encontrar em seu meio com o que ce satisfazer, plenamente. Se nfo for assim, é um escindalo, um défict, um dolo, um dano. Assim, quando alguém expresta uma reivindicago qualquer, esté legitimamenteno diceito —¢, na fala, a legislacio € rapidamerite modificada — de ver sua reivindica- co satisfeica, Uma mulhes, por exemplo, protesta contra o traramento de- sigual que Ihe € reservado na educagio das criangzs, ¢ rapidamente a legis- lacio deve ser modificada ¢ € recoahecido seu direito & auroridade parental. E isso € observado em todos 9s campos. Encdo, ¢ ou nio uma nova filosofia? Narealidade, volta-s- filosofiainglesa sensvalista do séoulo XVII. i divertido ver como, sem que a ela se faga referéncia particula, seus pre- czitos, hoje, se realizam. Por que, aliés, nfo teciamos 0 direiso deencontrar ‘em nosso meio 0 que nos pode satisfarer, quaisquer que sejam nossos cos- umes? Se um casal homosserual deseja se casa, a titulo de que nos eport- amos? Se um transexual pecle uma mudanga ée identidade, a que autorida- de-voot sereferiria para wecusé-lo? Ou, seum sexagenério quer cer um filho, em nome de que oporse? Na situagio atual, 2 partir do momento em que 3) C ¢ ¢ € ¢ ¢ \ ¢ R (© homem sem gravidade hhajaem yoo? um determinedo tipo de desejo, ee se torna legitimo, ¢ se tora legicimo que ele encontre sua setisfaio, J-P Lesnu: Jusramente, iremos recusar suportaras conseqiiéacias de ser — como voc? acaba de lembrar~“animais desnaturados”? Se, como apsicand- lise ensina, no € © objeto, mas a falta de objeto que ¢ organizadora da especificidade humana, se esse objeto —essa “Coisa’ que mais fieqiiente- mente a mie serve para meteforizar — deve ser perdido pera que o humano posse emergir e se, como voce sustensa, o lugar do limite é instalado por esa perda, contravir isso equivaleria, por iso, a realizar um incesco. Voc! dacia aval, em vista disso, & fExmula de acordo com a qual estamos numa sociedade incestuosa? C. Meuman: Dizer assim seria problemdtico. E claro, em code caso, que estamos numa socizdade em que a fabricagio de objetos aptos a satisfezer 08 ofificios coxporais se tornou uma espécie de exigencia e encontre, evi- dentemente, a concordancia coletiva. Sto objetos maravilhosos, capazes, com efeito, de saturar até o exgotamento os arificios visuais ¢ auditivos. Fabricam-se hoje sons extraordindtios que nifo sfo mais escutados somente com os ouvides, mas com todo corpo — 0 corpo vibra com os baixes que 0 atravessam como raios. $0 gozos fabricados, arificiiis, que fizem parte dos produtes da nova economia psiquica. Séo suscettvels, por uma inver’ so, de prevalecer em rélagio 20 gozo sexual, jf que, no fiundo, esses gozos otificiais sobre os quais Freud dizia que eram pré-genitais podem muito bem cet primazia sobre 0 gozo sexual, evidentemente mais aleatério, exceto quando este recebe a ajuda de excitantes, 0 que também acontece. Uma economia que empurra para o incesto? P, Lesnun: Entéo, 0 gozo sexual no constitui mais referéncia, nfo cons- titai mais borda? CC. Maxacani: Nao constitui mais borda e nao constitui mais, em zodo caso, padrio para os gozos. Doravante, nfo hé mais padio pata o goz0, como para as moedas. JeP. Lesrun: De onde, aliés, este interesse pelo goz0 necrofilico, por exemple. CC. Metman: Por exemplo, Ou entio, para os gozos do corpo, os goz0s mescalares, todas essas his:Siias de body building nas nosias sociedades di- tas deseavolvidas, J-B Leanunt Devemos dizer que 0 goro sexual € pautado pela castracdo%, 20 passo que of outros 6 séo unicamente pela privacio" ¢ pela Fusragdo", como actedito té-lo escutace dize: num coléquio consegrado as “Constra- 6es em anslise!”? CC. Meta: Nao, 0 que eu disse a propésito das “construgbes*” € que elas instalam no campo da andlise o svjeito de uma frustragio ou de-uma priva- cdo, nio 0 sujeito da castragio, Porque o fantasma"? de wm sujeito & sem- pre inconscicnte ¢ nao se vé claramente como o desenvolvimento de uma histécia seria suscetivel de vie gerar um sujeito inconsciente... Isso pode instalas o sujeito designando-the o objers de sua reivindicagio ou o objeto do qual abusivamente foi privado, mas nfo seu fantasma. Aqui se toca no registro do real", ¢ queter dar a chave do fantasma seria ao mesmo tempo impedir 0 analisense de ter acesso a ele. Que 0 sujeito em andlise chegue a trazerd luzo que é relativo a seu fantasma é uma coisa, vir Ihe propor uma fSrmula é outta. Entio, serd que existe uma o:topedia posstvel do desejo sexual? E por que seriz preciso que houvesse ume? E essa, no fundo, a questio. JB. Lesrun: Nés nos encoztrariamos como que arrastados por um movimen- to voluntatista agora que, com a psicandlise,identificamos os mecanismos €0 © Tearaya-ce de jornadas da sociation lacanienne international que aeozzeram em Bra- elas em maio de 2001 e que eram consagraas is "Coustauctions dans analyse”. As tar deas jomnadas foram gublicadas no Bulletin feadien, revista da Association freudienne de Belgique, 1° 39, abil de 2002. > Aqui nao se trata de evocar osfarnasmasem sua acepgio usual. Fas-serefertnciaaga 20 fantasma orgenizador do su}to tl como dele flao ensino de Lacan (ef. glosirio). # Ohomem sem graedade fancionamento da realidadepsiquica podestamas pensar se capazes de fabric 1, Isso, deserto, no €realizével! O voluncasismo no nos permite passar do imegindtio* co simbélico*. $6 pede acabar num reforgo do imaginério.. C. Metiman: Exatamente. & isso mesmo! J-P Lemun: Entéo voce diria que estamos, antes, diante de uma economia pstquica que, sem ser incestuose, “ernputra” pare o incesto? C. Metatas: Que empurra para o incesta? Sem dévida, como jé dissemos, ‘mas um incesto que nfo necessita de uma realizaco, de sua tealizagdo figu- ada classic, quer dizer, de uma ligagio com a mie, para exisct, Esta repre- senragio nio é mais necesséria pars que o incesto exista. Sem limite, nio hé ‘mais nem interdico nem objeco que se torna simbilico, JP Leseus:3 verdede, é mas complexo, aque, efetivamente ele fo te mais que passrpela tealizacio, Fis 0 queescarece, alls, o que oct diz do pai, do rsquestionamenco da fegitimidade dete. Voot lembra, a justo tiento, que a figura que ele adquire esta do lado do interdito, do impedidor, do pertuubador. De medo algum é entendido como o que tem o encatgo de enodat 0 desejoe a Lei, como dixia Lacan. CC Mews: A fang do pal é privara ctiansa de sua mice assim incrodhuzi-la nas leis da troca; em lugar do objeto querido, a ctianga deverd compor, mais tarde, com um semblante*. f essa opecagio que prepara a ctiangs pars a vida social ¢ a toca generalizada que a constitu: trate-se de amor, entéo, ou de tuballo, Maso problema do pai, hoje, € que nio hd mais autoridade, fungio de refertncia, He est 6 evudo convich, de qualquer modo, areaunciata sua fiingio ¢simplesmene participar da festa. A igara do pai se tornou anacrénica, A inveja mais que o deseo J--R-Lannunt Hé pouco voct evocou 0 cinema. Com freqiténcia, nos filmes atuais, 0 pai no é mais represenrado, ou entio nfo tem yaz, ou sio ausen- tes coutumazes, Como, entio, se enlace a questiio do desejo? ‘Charles Mebman 3s C.Mriman: © desejo, hoje, se manvém mais pela inveja que em referén- cia a.um suporte ideal, Em oucras palavias, é sobretudo dependente da jmagem do semelhante enquanto o semelhante possuidor do objeto ou dos abjetos suscetfveis de suscitar minha inveja. O desejo, normalments, Gorganizado por uma falta simbélica, Masa falta que se instale na relago com o semelhante € apenas imagindvia. Para set simbélica, seria preciso estar relacionada a alguina instancia Outra na qual encontraria sua justi- Aeagio. Sc 0 deseo nio com mais como suporte um referente Outro", 6 pode se nutrir da inveja que a posse pelo eutro do signe que mazca seu sgozo provoca, Torna-se, entio, um simples acidente social, que, aliés,a patidade deve reparar; pois & escandaloso que haja os que t8m mais que outros, Um grande jomal vespertino francés publicou as somes que os dlirigentes de grandes empresas recebem gregus a suas stock opgdes. Hleas publicou com a vonrade de jogar essas pestoas 20 pasto de seus letores: *Vejam vocts! Que injustiga! Bles ganfiam tanto dinheito enquanto vocts tém um salariozinho...”. E a inveja mesma provocada por esses rendi- ‘mentos que esté em jogo, a questio no é julgé-los. O que é escandaloso é que possa haver invejae, ento, simuleancamente, descjo. Seria mesmo preciso chegar a expurgat a invejal 2 Leprunt: Ese, efetivamente, se chegasse a excadicar a inveja? I C. Mrtaaan: Nio creio quese chegue a isso, jamais. Basta um nadirha que sejade diferente para provocar a inveja. O queé espantoso é0 caréver mai- to primitivo, muito extdpido do processo, Zn Iugar de respeitar 0 faro de quchaja inveja, de que haja desejo, o que, afinal, 60 grande movor sociel e fo grande motor do pensamento, zssistiinos hoje a uma dendincia ée todas as assimetrias em proveito de uma espécie de igualitarismo que, evidente- ‘mence, ¢ aimagem mesma da mozte, cuer dizer, da entropia enfim realiza~ da, de imobilidade, Veja wee, yoltamos 2 exposigzo de que falamos hi pouco, a0 voto de morte fundamental que hi por txls dessa coisa toda, a ssc anseio de que tudo pare... Isso caminha junto com a liquidagio coleti- va da teansferéncia, mas também com a liquidagio de referéncia 3 instincia fica’, vivida até eneio come a grande ordenadora de soda a nossa organi- zagio psiquica, c ‘ a ee ee 36 (homer sem gravidade J.-B Leprtn: Em suma, estariamos af apenas nos primeires balbucios dessa 5gice coletiva no social. Parece-me entio dificil, mais uma vez, ravificar seu terme “progresso”. ‘ C. Mena: © progresso inegivel & ter apreendido que 0 cfu esth vazio, que no Outro* néo hd ninguém e néo hé rack, Isso € um progresso... J.-P Lesrurt: No fundo, € como se no tivéssemos metabolicado as conse- ‘ltencias desse progresso? C, Mrnaant: De modo algum as metabolizamos. Até aqui, 0 progresso sem- re consisti cm empurrar sempre para adiante os limites do poder da cién- cia e, de ur modo notavelmente sincrdnico, os intertitos da moral. Mas, ‘num enoutro compe, esses limites hoje no tém mais verdadeira consistén- cha, 2 ndo ser efter: € 4 conteapartida do sucesso, De modo que 0 pro- BFes:0 nZo condus a tetta fitme, na qual, 20 menos por algum tempo, xe organizaria uma vida mais fécil, nes a zonas pantanosas, que sé servem de suporte paia subjetividades incertas e Mibeis, eventualmente ansiosas por encontrar um solo firme. A coda, o expresso Progresso corre assim para um destino nfo identificado. Setia preciso, entretanto, que nos inte:rogdsse- mos sobre esse destino, Em vez disso, simplesmente tiramos provcito desse Progresso, de uma forma que excamoteia as ligoes que se deveria tirar. Cons- fatar que o céu esté vazio, dizer que nio hd nada no Outto" ndo quer dizer ue 0 Outro esteja abotido. Confundimos. © Outro continus Outro, con- tinua nosso parceiro, mesmo que néo haja ningaém para lhe conferir auto tidade. E € dali que operamos o pequeno deslocamento que mistura tudo. J--R Limnuw: O que a psicandlise pode fazer em relagio a isto, a néo ser indicé-lo, fir-to aparecet? C. Metman: Come de hébito, ela nfio pode fazer nade, em todo caso nfio diretemente, Além disso, a psicanifise até mesmo coneribuiu para esse esta- do de fato, por sua difuuséo no meio social. Houve uma interpretagio di psicandlise freudiata que conduziu 2 esse situagio, the serviu de ideologia, E bem cvidente quea psicanslise laceniana, em troca, no ‘pode ser questio- Charles Melman ada nesse aspecto, a0 contritio, « ponto até de os lacanianos, como voce sabe, serem cada vez mais apresentades hoje como teacionttios, 0 que é bastante engragado, JeB Lesrun: Voct diz: a psicanilise freudiana, Voc? peasa na difusio, por ‘exemplo, do reconhecimento da sexualidade infantil? G, Maan: Na difusio do ideal de Freud, isto ¢ que 0 “mal-estar na civi- lizagiol™ est igacto ao cardter excessiva das restrigées moras al como ele as impbe, Freud. deve se regonijur por ter sido entendido, O mal-estar na civilizagio estava ligado, para cle, 2 represstio excessiva que el exercia sobre as pulsdes sexuais; € daro que, hoje, a suspeasto maciga do recalque ¢ a expresso crua dos desejos poderiam ré-lo curado. A partic do momento em que 4 moral sexval éatenuada, cada um pode se encontrar bem melhor em seu mundo, O que, ao mesmo tempo, o torna sem interesse! A imagem dessas pessoas que, nas grandes cidacles, se reinem no final da tarde para passear de patins, constituir multides de pestous que usufiuem 0 mesme prazct, ao mesmo tempo, no mesmo lugas, ¢ se contemplam na imagem de ourcem. Peis se ando de patins sozinho na cidade, como saber se tro pra- zee disso? Nao & gatantido! Mas, se somos mil ou mais « circular juntos, entio, ai, sei qual prazer, qual p#— €0 caso — estou tomando", JeB. Lennen: Voed evocou a necessidede da decepcfo, sempre indispensaivel para dar um assento ao sentimento de realidade. C. Manan: A docepeio, hoje, £0 dolo. Por uma singulae inverse, 0 que se tornou vircual fo a reafidade,« pattx do momento em que éinsatisfarésa que Fundavaa realidade, sua marca, é que ela era insatisfitdria e, entio, sempre represeatativa da flea que a findava coro realidade. Essa fila & doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiéncia momentinea, cir canstancial, ¢ € imagem posfeita, outrora ideal, que se tornou realidade. © Nala dens la ciation € 0 elo dea cle ch de Freed, publicada em 1929, ‘Kacy orto etndretulc org ps Male ders ar UB 1585). *Prende1on pind na ghia francesa, sits ter praner sexu. a7 (© homem som gravidade O retorno da qutoridade? JP Linu: Voce pensa que toda essa evolugio é, paradoxalmente, um convite ao recerno da figura paterna aucoritdsia? C. Meant Certamente, Esse tipo de situagio sempre conduzin co retor- a0 do cajado, um retomo da autoridade, na maioria das vezes sob uma forma despética. Seria ainda o caso? Podemos pensar assim, pois a situagao atual nfo ¢ suntentivel, E se pode temer, como uma evolugio natural, a emergéncia do que eu chamaria um fascismo voluntério, nfo um fascismo imposto por um lider e uma doutrina, mas uma aspiraglo coletiva ao esta- helecimento de uma auroridade que aliviaria da angtstic, que viia enfim dizer novamente 0 que se deve e 0 que no se deve fazer, o que é bom e 0 que no & enquanto que koje estamos na confusfo. J.-P. Leonun: Renso em voc’ escutando esse programa de televisfo que se chama ‘O elo faco". Dez. candidatos devem responder a uma sétie de per- guntas ¢, cada rodada, decidir qual dentre eles € elo fraco a ser climina- do, a pretexto de que nfo esteve 4 altura, enquanto a animadora de jogo regularmente ataca: Voc? poderia ter ganhado dex mil francos, s6 ganhou tas mill Hi, entéo, esse convitea uma responsabilizacio solidéria, Sex4 um exemplo do que vocé chama um fascismo voluntério? C. Metaan: Bisso! & isso mesmo! Alids, 0 pensamento cada vez mais toma a forma desse fascismo voluntitio. Tornou-se extremamente diffe fazer valer uma posigo que nfo seja cortera, ou seja, uma posigia que nfo v4 nn sentido dessa filosofia implicita que quer que qualquer pessoa, seja qual fo ‘seu sexe, eua idade, possa ver seus votes cumpridos, reslizados nesee mun- do. Toda refleso que busque discutir esse implicito é, 2 priori, barrada, interdica, J-P, Lennure Ji que estamos falando de prego a ser pago coletivamente pelo fato da aparigtio dessa nova economia psiquica, podemos nos pergun- tar também quais sio suas conseqiiéncias para as diferentes instancias do aparelho psiquico, Charles Meleran C. Mutaaan: O prego aser pago, muito sucintamente, diz zespeite ao suje 10, a0 ext e 20 objeto. Pelo fato dessa ultrapassagem de um limite, 0 sujeito, ‘odo inconsciemte, 0 que se encontia animado pelo desejo, perdeu seu abri- go. Perdew sua casa, sua fixidez, mas também 0 bugar que Ihe permitia se sustentat, Hoje, podemos integralmente nfo estar mais lidando com suji- vez por todas, inclusive nos tragos caracteriais, , parandibs ous que se quiser, mas, 20 contrtio, com sujeito Hlediveis ¢ perfetamente car lificas, dese deslocar, dé mudar, de empreen experiéncias 5 diversas. G sujeito, assien, perdeu o lugar de onde podia fazer oposico, de onde podia dizer “Ni! néic quero”, de onde podia se irisargix: “As condi- hes que me sio apreseatads nfo séo accitércis, no concorde” i to nfo tem, em toda casa, o lugar de onde podia surgir a contd fato de poder dizsr nfo. Ora, nos dias de hoje, o fancionamnenco soci catactetiza pelo seguinte: os que dizem “Nao!” em geral o fazer por razées de categoria, comporaivisas. A posigio éuceadiconal, mefica, pol core permitia a um sujeto ocientar ses. pensamento diante do jogo soci al dlante do funcigaamento da Cidade, pois bem, esse lugar parece nota-| velmeate Br, panebeide wn 4 fou . citos fleéxtveis, quer dizer sujeites que iio tém C. Matawan: Na medida em que, justamente, ni n mais desse lugar. so capazes de se prestar « toda urna sttie de eitvanhos totatérios capaces de habitar posigées @ prior? perfeiramente contraditérias ¢ heterogtneas entre si, tanto nos modos de pensamento ‘quanto nas escolhas de parcciros — inclusive tracando-se dz sexo do par- ceito ou de sua prépria identidade. Pois, no fundo, por que estarlamos condenades, por nosso nascimento, a umn percurso, & imagem dos astros, determinado de uma vee por todas? Po: cue nfo terlamos um percurso nfo apenas em ziguezague, mas que evencualmente autorize rupturas, hiatos, mudancas de diresfo, varios caminhos cm umi, ¢ varies personali- dades diferences? 9 40 © homer sem gravidade A depressdo para todos J.-P Leaaow: E no nivel do ev? C. Mataau: No nivel do eu, « isso diz respeico mais diretamente ou mais imedictaméne & nossa clinica de psicanalistas,é evidentemente, avalidade da presenga no mundo de cada um que te encontea discutida, discutivel, jd que ela ¢6 poderta scr verificada enquanto se capaz de altas performances, quer dizer, enquanto a participagao no jogo social ow na atividade econd- ica se encontra efetivamente reconhecida, Na falta da referencia, do tefe- fente ~ seja cle ancestral ou nfo, pouco importa ~ que permite aa sujcito afirmar sua validace ¢ sua continuidade, seu ténus, a despeito dos avatares sodal, esse reconhecimento ie, af imultaneamente, 0 sujcito, ou melhor, 0 eu seve exposto, ftégil. depriny- do, porque seu conus ndo ests egora o:ganizado, garantido por uma expécic deieteitncis tha, estavel, seguta, por um nome proprio, zendo necessidade descr confitinade tices jente. O8 datos inevitavels dee patCuisos "m com que, muito facilmente, o eu possa se ver mutrchd, em queda _ litte ©, portnto; exposto aguilo com que todos lidamos, a feqiéncia de * estados depressivos diversos, .-P. Luanun A femosr depressto gencralizaa, La Favigue d'étre soi, de que fala 0 socidlogo Alain Ehsenberg!? C. MriMan: Se voce quiser, O tOnus se mantém normalmente gtagas & selagéo com uma instancia cuja indulgencia pode parecer garantida, segura. Se nfo ha mais insténcia ideal, seu rdnus dependerd do aleatério, des cit- _curstincias, Em ouirai palivias, a parti do tioiiiento em que seu uabalho, ‘Wias relagbes, as situagbes, os beneficios,-tudo 0 que vot quiter, forem satisfat6tios, voce pode pensar-se favorecido por uma instincia que no exis- mais. Masbasts que os resultados sejam mais complexos para que rapidar mente voc? se sinta desabonada e carente de tudo. O que se tora o suporte "Alain Ehsenberg, La Retigue atv sei, dfpresion etsocd, Pats, Odile Jacob, 1988, Chades Matman a do ea no é mais a referéncia ideal, 6a referéncia objetal. E 0 objeto", contra- riamente a0 idesl*, para ser convencido, exige quendo se pave de satistxzé-io, JeB. Lennon Isso deixa 0 sujeito, entéo, em posicéo bein mais dificil... C. Manan: Eferivamente. Parece que hd na Frenga, atualmente, no con- junto de pessoas que véo se consultar nos servigos dos hospitais, 15% de casos de depressio. Resta um lugar para 9 inconscicate num mundo em } quea liberdads toral de éepressfo numa cena iluminada por todos ¢s lidos dispensa recalque? Freud teria se regozijado em ver se cumpricem sus teco~ ‘Imendagées higiénicas. No entanto, a emeigéncia dese novo sintoma, a depresso no lugar das nearoses de defesa, nfo teria deixado de retera aten- ‘Gio dele. Com cleito,a.caréncia das identificagies simbélicas sé deixa como recurso, para o sujeito, uma luca incessance para conservar € renovac insig- nas cujas desralorizagiio ¢ renovagio so tio rdpidas quanto as evolugtes da moda, € isso enquanto ele mesmo esté inexoravelmente entiegue a0 enve- thecimente, como seu carro. JeP. Lesxuy: Tiatando-se da celagio com o objeto nessa neva evonomia, ppodemos falar de uma clivagem? . C. Marssan: Para manter, entretanto, 0 jogo do desejo ¢ evitar que ele vena a se estilhagar ou se asfixiar no objeto préprio a satisfaré-lo, no & raro que esse objeto se encontre desdobride, que haja dois. Os ménages & srvis, & verdade, nio datam de ontem, mas de modo algum & deles que se trata, O que quero dizer ¢ que sé poderei me satisfazer com apenas um objeto enquanto o outro vier a faltar, vier a me faltar ~ ¢ inversamnente, & chro. JeB. Lupron: O que voct ciz tem ume tonalidade clinica que nos tira da dicoromia habitual entreamor e desejo... C. Merman: Encontrei esse tivo de paciente, que tem necessidade de dvas snulheres para que sempre haja uma que poss faltae: uma introduz « au- stacia que permite desojer a cutra, 2 © homer som gravidads J-B Lenuw: Néo ests, entio, organizado, voc? diz, no medelo cléstico da sepatagao entre amor e desejo? C. Mrzwan: Nao no modelo cldssico, simplesmence para que o que se pas- sa.com ume se conserve gragas} auséncia da outta, para quc uma séadguica valor pelo faro de que a outra falte, Mas, simuleancamente, a atual perde também seu valor, jd que o verdadeiro valor esté do lado da que falta, En- to, nova mudanga de parceira para recomesar o mesmo vai-e-vem. Este cipo de dispositive parece bastante fiegiiente, inclusive, aliés, para a muthe:, cnquanto ela propria se epresenia como uma aktemetiva possivel diante de um casal jf constituido, Ble tem um efeito dizeto, imedi- ato sobre nosst maneira de pensas, sobre o jogo do pensamento, na medida fem que renova as Idgicas tradicionais. Vé-se que, nesse caso, ¢ pata falar como os légicos, a é, de uma certa maneira, a mesma coisa que nA0-2, 0 objeto desatislagio éidéntico, de uma certa maneira, a0 que falta. Sé dese- jo minha mulher, nesse caso, porque ele pode ser negativada, pelo fato da existéncia de minha amante, no caso; ¢ inversamente, Assim, a = no-a. Dat resultam evidentemente, para nosso persamento, esses tipos de argu- mentagio confisa que encontrames nos jomais. Pode-se ficat espantado pelo fato de os cuidados ligicos que nos eram familiares, eradicionais, ado terem mais, de certo modo, necessérios. © pensamente é poluldo pelo que dle se recusa.a descartar e conserva na pura contradic, que homogenciza sem nenhuma preocupagio com wma dialética, como que Hegel nomeava uma Aufheburg*. Leis de que sornos ainda tributérios! J-P Lavon: Que conseqiiéncias ~ para retomar ainda essa questio—pode tera cmergéncia dessa nova economia psfquica para nossa vida social? C. Manaan: Vou fazer essa observagio que nifo se refere somente aos psiquiatras que somos, mas também a cada um no nfvel de sua partici- paso clvica. Serd que o mundo sezia assim madulével a nosse fantasia, quet dizer, estaria de acordo com nosso anseio, com nosso desejo legiti- CChavtes Molnan mo de obter uma satisfagho que seria mais compieta, maiscxitosa? E de obsé-la de uma forme menos dolorosa, menos complicads, menos pro- bblemética que a quie resulta de nosso modo de educagéo ede formagzo? Serk gue tudo isso depende, em iiltima insténcia, apenas de nosso que- rer? Temnos, efetivamente, a possibilidade de transformar, de modificar as leis como quisermos? Parece suficiente ama maioria paslamentas, um movimento popular, modas éticas para que interditos ¢ limites caiam — pois o direito deve seguir a evolugio dos costumes ~e possamos, na corrente de nosses aspiragées, nos deixar ir buscar tranqiilamence essa satisfegio. Notentanto, no parece que possamosassim modelar omundo, como aconselham certas filosofias, 0 utilitarismo de Bentham, pot exemplo, As- sim, estamos nos dias de hoje tomedos por uma grande aspiragio 2 esse nobre ideal: a igualdade, que jé Tocqueville denunciava, On, como todos 6s clinicos sabem, « igualdade numa relagio, seja ela de amizade, sexual, profisional, nunca pode ser operatérin, Sabemos, por exeruplo, que num casa homossexual, todavia feito de semelhantes, em que a igualdade cons- situi eminentemente um idedl, inevitavelmente vai se produtit essa espécie de assimettia que faz com que um no esteja no mesmo lugar que 0 outro, “Taudo nos permite penser que, quando, amanhi, estivermos lidando com ones, seré da mesma forma, ‘A questo que esse pequeno exemplo destaca é que, quaisquet que sejam as leis em vigor, hd em algum lugar alguma coisa que faz com que disposig6es nao possam assim ser ultrapassadas simplesmente pelo fato de rotso querer, de nosse coragem, de nossa vontade. Onde esto essas outras leis ~a Leif — que no vemos e que, entretanto, se impSem a nés? Serd que nfo seriam esses leis © suporte do que consiitai nossa bumanidade, do que ros especifica no reino animal? Serd que nfo seriam essai? ois hd, efetivamente, leis de que somos tributdrios e sobre as quais a descoberta fieudiana mostra, notadamente através da pritica da psicandli- se, que s60 as da lingaagem, enquanto este & prdpria dessa especie bizarra que se chama espécie humana. Nao podemos, seja qual fora qualidade de nossas votos, decidir 4 nossa mancira. JB. Lrsxuné Bortanto, o psicanaliss ¢ ditetamente implicado... ‘Chomem sem gravidade C. Mutant: Nés serfumos vitimas de uma sutoridade impessoal ¢ cega, condenadas a escolher entre a existéncia parcimoniosa e dificil que eu evo- cava e essa exiszéncia luxutiosa, para néo dizer de luxtitia, que nos parece doravante petmitida, para a qual somos convidados, Se havfamos falado, nessa perspectiva, de uma esperenea, de um progretso que sete, especifica- mente, o feuro de nosta experigncia de psicaralista e que nio responderia simplesment: a um anseio da vox populi, tio fundado quanto ele seja, po- deriamos dizer que este deveria resultar de win wabalhe sobre 0 que essas leis da linguagem implicam, a maneira como elas se impsiem a nds, 08 tipos de inserigio de que nos coxnam dependentes. Pois esses obcigasbes, essas leis que acé equi interpretamos como definitivas podem desembocar em possibilidades, horizontes, escritas outras, Entio, é por um trabalho sobre © que parece nos determiner em iiltima instincia que podestamos esperar encontrar eaidas para estabelecer relages com o mundo e consigo mesino que permitam escapar a essa escolha, a esse tipo de dilema, Assim, estarfa- mos, talvez, menos expostos a revexes, ao setorno das chemas. Pois, quando se produr numasociedade uma tal valotizacéo do gozo", a hist6ria moscrou que devemos prever merecer conseqiléncias, recoono das chamas que pode ‘tomara forma éa instauragio de um clima ede medidas de nacureza auto- ricéria, supastos responder, também af, a um voto popular, A castragdo: necessidade ou contingéncia? JB. Lepnun: Com efeito, parece-me que, com essas leis da linguagem que vot evoca, tecamos na questo findamental. Pois eles nos obrigem a nos interrogar sobre o que ¢ permanente, ao que estamos sujeitados, o que nos determina, Lacan, em sua “Nota aos italianos!”, falava de bidmtus buemano: ele afirmava que o “saber por Freud designado de inconsciemte ¢ 0 que 0 Jhmushumano inyenta para sua perenidade de uma geraso a oucra”, Essas leis da linguagem sfo as do htimus hurmano? E falar de limite nfo é antes de tudo, uma outra maneira de falar da castracio"? 9 Em Jacques Lasts, Auer Bory, Sel 2001, p. 312. Charles Melman C, MELMAn: A castraclo nfo ¢ forcosamente 2 Lei* definitiva da humani- dade. £ por isso que falo de progresso, pois é bem evidente quea evolugso social em curso participa da busca de uma defesa diante da castragio*, Estamos no ponto em que doravante é possivel comunicar-se por lingua- gens que sto de tipes diferenses, como a que eu evocava a propésito da Tntemet. Linguagens as quais o valor icénico se reveste de uma impor- taacia maior como no alfibeto chinés cu japonés, por exemplo, nos quais ‘um signo* pode ser lido tanto através de sua expressio fonétice quanto por sua expressio imajada, quer dizer, através do queele designa, daquilo de que ele € 0 signo, o objero, entfo, dz que ele € 0 signo. Alfabetos que, alids, fscinavam Lacan por essa possivel dupla leitura ¢ peto tipo de cul- cura que engendrem. Todos os europeus que estiveram no Japéo foram surpreendidos por esse fazo: alse est mergulhado no goro*, A castragio nfo funciona manifestamente no arquipélago nipénico sob o modo que nos é familiar, J-B, Lanaun: Isso quer dizer que ela no funciona sob um modo que nos é familias, ou que ela nfo funciona de jeito nenhum? De certo modo, é a mesma coisa. Voc me espanta ao dizer que a castrago poderia nic ser obrigatéria.. C. Mexman: Nao, ela nfo € obrigatéria, se ouso assim me expressar. J-P. Lepun: O fato de que a humanidade seja “capeurads” na linguagem no a impoe? C, Mruman: Que haja buraco por causa da linguagem néo condena forgo- samente a criatura a Flzer com que esse buraco se refita a0 sexo... Por que seria forgosamente o do sexo? Je 2 Leen: Voce poderia explicitar o que é esse buraco na finguagem? CC. Matman: O signo* reenvia & coisa. © significante* s6 pode reenviar a ‘um outto significance; & essa Fuga do significante que mantém o desejo da “coisa”, que, entio, filta. Os seres que amamos, os objetos desatislagto sao 4s 46 ‘© homer sem gravidace as rolhas do “buraco” assim aberto no nosso mundo pela linguagem, por falta desta “coisa, da qual s6 nos resta o semblance. Je, Lenaun: Iso quereria dizer que pela primeiza vex éessolidarizamos buraco na linguagem e diferenga dos sexos? C. Metwan: Pea primeica vez? ‘Tlvex nfiol Nem sempre se viveu como vivemes. J.-P. Leann: Hntretanto, nfo hd sociedade que setena organizado fora da diferenga dos sexos! C. Mezaan: Sem duivida, mas por otras raztcs. J-P. Lemmon: No entanto, a questio é central. A propésito do casamento dos homossexais, por exemplo, nfo temos, nds, psicanalistas, quedar wma opinizo especial sobre a questéo, mas podemos compzeender que ums s0- ciedade se interrogue: ela vai ou no responder a esse tipo de demanda? Podemos, de certo modo, observar que nenhum sistema social, até 0 mo- mento, funcionou sem levar em conta a diferengs dos sexes... C. Menman: A diferenga des sexos nio esté forgosamente ligada & castra- io, A. castragio introduz na diferenga dos sexos uina dimensio que nio é necessatiamente interna 8 sexualidade. Estamos, af, num terreno muito incerta. A pergunta que se deve sustentar é a seguinte: o fato de que 0 significado seja sexual é um efeito de nossa cultura, eem particular de nossa religito, ou um efeito da estrutura*? Bu tenderia a dizer que éum efeito da religic. Mes nao divaguemos muito, permanesamos modestos -P. Lesnun: Entcesanto, parece-me quea questio do hiimus humano, vol- tando a ele, deve ser posta a treballar.. C. Metmans: Certamente. Mas voce sabe que prbprio Lacan nfo facia do inconsciente, forsosamente, © aptndice inexorivel do buimus humano, CChetles Matman P, LepnuN: Bu terie dito isso no outro sentido: 0 que Freud designou pelo jnconsciente foia maneira pela quel os humanos se arranjam para transmi- tir ce uma geragéo a outra 0 adubo que lhes & especifico. Voc! estatia de corto? C. Mutmaw: Sim. Isso também quer dizer, simuleaneamente, que se trata apenas de uma modclidade.. J-P, Lannuw: Daf a se encontrar uma outta... C. Mrtaan: Mas nffo estou procurando uma outra! Him todo caso, h4, em. Lacan, uma formulagéo muito estranha, que destaquel muitas vezes. Ele iddentificou na Biblia uma passagem do Pentateuco na qual se conta que os hhebreus foram mal considerados porque, depois de terem deimado nao sei ‘mais qual cidade, passaram por um povoado no qual os homens fornicaram corn mulheres. E Lacan comenca: “Bu me pergunto se o que af era denun- iado no era, justamente, a possibilidade de uma relagéo sexual”. De sua assetgio ‘nio hd relacio sexual” ele nfo fezia, absoluramente, uma espécie de fatalidade! Ele indicava ali, em primeiro lugar, quea relagéo sexual pode existis, depois, que teria preciso, encio, incriminar 0 monotelsmo dessa rachadura, Isso nos leva a supor um tempo em que a castcagio no era gatante do desejo ¢ em que o discurso no era semblants!?, em que no hhaveria semblante* de homem, semblante de mulher. J.-P. Lapnuw: Voce € ainda mais subversivo, af... C. Mataaw: Vocé sabe, outros jé c disseram h4 muito tempo. J.-P Leatun: Mes continuo com uma dificuldade. Yoo evocou muito bem fem quiz a evolugao atual pode ser considerada como um progtesso, mas, insisto, ao mesmo tempo, tudo isso parece nos levar auma séieimpressio- nante de impassss... "9 Isso remete 0 luo do seminro de Lacan: TeSéninaie, live XVII, 1970-71, inédito. un discours qui ne seri pas duscanblane, a ‘ 4 ¢ \ 4 6 (© horver sem gravidade C. Maunan: Porque justamente voct gostaria, ¢ ¢ isso que é simpatico, que possamos nos pronunciar claramente sobre o que é 0 bem, sobre 0 que é 0 mal. Evidentemente, esquetnatizo um pouco. Nao essa a ques- tio. B assim! Efeitas clinicos J-B. Lupron: No fando, por que a clinics que voct evoca nio poderia se resumir a uma neuzose banal? Nao se poderia, por exemplo, evocar o obses- sivo! Porque nio se poderia falaraqui de efeito de uma cbsestivacic maci- ade sociedade? C. Musman: Nao perso que estamos numa sisuacto de obsessivagéio ma- ica da sociedade, © obsessive busca seinpre dissimular o descjo, a6 passo que nos clias de hoje se faz.com que eleapareca na ceusa piblica, Nao assina- ria esse diagnéstica, J-P. Lennuw; A nova economia psfquica nfo the parece estar parcialmente ligada com aneurose obsessiva’ Fulou-se muito, no entanto, de dessexuali- ago. C. Matntan: A neurose obsessiva esté organizada em torno da preocupagio de anular o serual. A nova economia psiquica, 20 consrétio, faa dele uma mercadoria encre outras, J-P Lesron: E estamos confrontados, nés, psicanalistas, com eftitos clini- os desse tipo de funcionamento.. C. MBLMAN: Efeitos clinicos que substitulram outros, que aperecem no lugar de outros! Experimenta-se hoje muito menos culpabilidade, por exemplo. J-B Lipnun: Por vezes ela absoluramence no existe! Charles Melman C. Maman: BA muito menos frigidezes, Quando comecei, un des gran- + des temus para a psicandlise eraa ftigides feminina, Bla ainda existe, mas se tornou mais rara. “Je LamRuN: Voct evocou um casal jovem que paisa seut tempo tentando "encontrar referéncias através das quais um e outro poderiam se considerar nas justamente reconhecidos. E um eftito da mutagio de que falamos, evidentemence! C. Matuan: Hum efeito. J-B, Lemon: A questio ¢ saber se é possfvel voltar atrés, evitar ter que pagar © prego desses impasses, Nio é certo que seja posstvel para aqueles que jé se engajaram nesse processo de mutagio... C. Matwan: Nao. Nao é possfvel. J-R Letnun; Entéo vio ter, de certo modo, que dedicar essa atengao « eles, ‘esse tempo que, woot diz, & de pouco interesse... C. Meuman: Cersamente, Voct sabe, como Lecan faria observar a pro- pésito do progresso, tudo 0 que é ganko de um lado & pago de um outro, Conhero um bom muimero de cisais que literalmente passam todo 0 feu tempo a questionar constancemente © dever recfproco de um. ede outro. JeR Lesuni Num outro registro, é também aqailo'de que os professores se queixarn, Bles dizem que pastam 90% de seu tempo negociandoe que no restam mais que 10% para ensinar. C. Matar: Em todo caso, esses casais passam sea tempo negociando. ‘Tornaram-se negodadores. JeP. Lanun: O que chamamos mediagio, texmo que se rornou banal, é isso? ” so 4, ¢ (© homom sem gravidade C, Mutaman: & isso! Perfeitamente. Haverd muitos jufzes mediadores, em todos os lugares, porque um novo oddigo da familia serd elaborado. Ento, 98 casais se consuliartio para resolver questées do tipo: “Veja, serd que rormal quecu passe ceica de meia hora lavando louca enquanto ele s6 fica 15 micutos”. Uma perversdo generalizada J-P Learun: Demos uma primeira volta pela questo para descrever essa cemergéncia da nova economia psiquica. Pocertamos agora tentar afinar 0 tragado, Voc disse que tinhamos pasado de uma cultura fandada no recalque ¢, portanto, ni neurose, para um cultura que promove a perver- sto. Mas 0 que voce entende, nesse caso, por perverstio? C. Maiman: Podestamos dizer que nosso descjo é findamentalmence per- verso na medida em que € orgenizade por um estado de dependéncia com relagio a um objeto cuja captura imagindria ou teal assegura 0 gozo. Essa ccaptura é real para a mulher por meio do pénis do homem, imagindria paca este por intermédio do corpo da mulher. Se com dificaldade compreende- mos as pervers6es, € porque estamos todos, de fato, normalmente implica- des de muito perto por clas. O que nfo apreendemos muito bern € 0 que fax. com que, sendo neurdtioos, nao sejamos, nessa medida, perversos, mes~ imo que sejamos facilmente fascinados pela perversio. A diferenga diz. res- peito ao seguinte: pars © neurdético, todo objeto se apresenta sobre um fando de auséncia, é0 que os psicanalistas chamam de castragio*. Quan:o a0 perverso, ele vai colocar o acento exclusivamente na captura desse ebje- to, cle rccusa, de certo modo, abandond-lo periodicamente, E entra, por isso, numa economia que vai mergulhé-lo nua forma de dependéncia com relagio a este objeto, diferente da que 0 “notmal” conhece, em ouctas palavras, 0 neurdtico, 1 por causa da castrago que o mundo dos objetos vale para nés, neuréticos, quer dizer, que todo objeto evoca para nds a instincia falica* que ele representa, mas cuja presenga e cuje realidade ele de modo algum ah fh Re eet [ed aL 2 ‘© hemem sem gravidade esgota. E assim que, pare um homem, ums mulher adguire seu valor pela fato de que ¢ © suporte dessa ins:ancia fica. O que remete a tudo que é muito bem dito sobre a feminilidade como mascarads, por exemple. £0 que intecroga muitas mulheres sobre 0 que constitui seu valor para um hhomem. Sabemos que elas naturalmente se perguatam o que um homem, quer delas. Quanto a uma mulher, ela sem um acesso mais diteto ao objeto real, quer dizer, a0 pénis, mesmo que s6 esteja alia tinulo representetivo, se posso dizer, desse falo que funciona no inconsciente, Em outras palavras, para os neurbticos, todos os abjetos se destacam, de um fundo de ausénda. Mas, quanto aos perversos, eles se encontram. tomados num mecanismo no quel o que organiza 0 gozo* é 2 caprura do que tormalmente escapa, Por isso, se engajamn numa economi« singulas, entram numa dialécica, muito monétona, de preseaga do objeto" como total ~ 0 objeto absaluto, o objero verdadero, auténtica ~e, depois, de sua falta, de sua auséncia, E: ou bem a presenga toral do objeto ou bem sua austncia, E ¢ essa economia de sua organizacio libidinal que pauta a vida do perverso, seja qual for sua perversto. Entio, a perversio 6, regularmente, diferenciada pelo fata de organi- zara relagio com o outro diretamente, abertamente, ¢ de modo provaca- dor, em tomo ¢ a propésito do objero ~ digamos, para simplificer, do falo = queé convencionalmente interdito. Em outras palavnas, tata-se de exibie petmanentemente ¢ cue ordinariamente se encontra mascerado, reserva~ do, por exemplo, no momento da efusfio amorost, e de faxér de forme a que, de cara, 0 interlocutor seja convidado a0 gozo explicito, partilhado, dese objero. Ora, parece que esse se vornou, nos dias de hoje, um, aré mesmo 0 comportamento comum. Esse dispositive participa do que ali- menta a economia de mercado, quer dizer, a constituigéo de comunidades que se ageupam em torno do mesmo cbjeto explicito de satisfaczo, J-B Lnoauw: Acabames de falar desse objeto que deveestar presentea qual- quer prego, Seria essa presenga a qualquer prego que viria hoje esmagar o que voct identificou, por exemplo, come o lugar do sagrado? C. Mauuay: Bu diria um pouco diferente, Esse objeto, em geral, € apenas evocado, A efusio amorosa € suscetivel de provocar uma abordagern desse ‘Charles Melman objero, mas este continua, entretanto, comumente velido € enigmdtico, Ele comsinua aset real", entio, a estar fora do campo da realidade, A muta- ¢ao a que astistimos se manifesta por sta cxibicéo impudica, Impudica nfo nosentido moral, mas no sentido elinico e fisiolégico. Em outras palavcas, 0 objeto fiz uma bésculs, sth hoje presente no campo da tealidade. J-P Leanun: Voct, entdo, colaca esse objero, nessa nova economia, numa posigio inversa Aquela que ele ocapa no recalque? C. Maman: O tecalque éalimentado, entretido pelo que é, no infcio, um. recalque origindrio*, este mesmo organizado pela queda, pela desapaticdo, pelo eclipse desse abjero. Je, Leann: Envfo, é uma espécie de inversio, uma mancita de aio mais deixar existir a dimensio da perda... C.Maiman: Nao ¢intciramense uma inversio. Porque ume inversio supo- tia 0 reviramento de uma posicéo nacucal prévia. Ora, na perversdo, esse objeto $6 adqaite seu valor porque primeir> houve desapatigio. Nao se trata cle uma inversdo, mas de win fendmeno original de anulagéo, ou, an tes, de desafio. Desafio diante do que organizava as convenitneias sociais em torz0 da ejegia desse objeto do campo da tealidade. JB, Lenni: Desafio estd perto de rencgugic [déni]. Nao podemes evocar essa dimensio? : CC. Maman: Nao creio que se trate de uma senegagio, pois é claro que, se no houvesse essa operagdo que se quer transgtessiva, esse objero perderia scu valor, EE preciso que ele conserve essa parte de pecado original que o constitai, se posso falar assim. Na perversio, se no houvesse mais a opor- tunidade de estar no pecado, este objeto, ao mesmo tempo, perderia seu intetesie. © objeto deve guardar seu cardcer original, marcido de auséncia ede eclipse, sendo que a operago perversa permite, de certo modo, desafi- aresia auséncia ¢ escecipse. E ela deve mostrar que, afinal, pode-se perfei- tamente se sustentar por um goz0" que nfo seria feito somenre da aborda- 3 7 ‘Ohomem som gravidage ‘gem deste objeto, mas de sua manipulagio, Em outres palavras, 0 perverso adora a Lei*! O futuro dos “usados” J.-P Lenzuy: Quando voce fala de perversio, voo! quer dizer que estamos nos tornando perversos? Que a perversiio se apresenta, doravante, como um ideal? E nesse sentide que voce o evoca? C. Maman: Certamente! A perversio se torna uma norma social. Néo falo. aqui da perversio com sva conotagio moral, de modo nenhum ¢ isso que esté.em questio, mar a perversio com uma conotagio 6 (relagéo de incluso} ¢, no entento, av & (telagdo de disjungfo exclusiva). E verdade que ae 6 se distinguem por pertencer a geragées diferentes. Pode-se dines que, com relagio a0 sistema ao qual a crianga pertence, mde estd nuin meta sistema, indexada pelo sinal que marca 0 poder das gerages. Lacan generalizard ao dizer que o incesto especifica a relago sexual entre gera- Bes sucessivas. Pois betn, hoje tendemos a escrever ub para todos os valores de « ede 4, sgjam quais forem... Um gozo ~ voltames 2 nosso ponte de partila ~ sé considerado hoje come accitével, digno de ser promoyidy, evsn a wndi- io de pertencer & categoria do exeesso, isto é por produzir um eclipse subjesivo. Seja por meio do alcool, da repider, da droga, do excesso escépico, do exsesso auditivo... B assim que isso se manifesta hoje em dia, J-B Leonun: Eo matriarcado em eudo isso? C. Msuiian: O matriarcado, enquanco comporta a promessa, insctits, por exemiplo, neise ab, de que a conjungio € posstvel, sejam quais forem os valores de a ede b, represents, se posso dizer, o grande ideal, ainda que ao (Ctartes Melman prego de foracuir o sexo, O que implica que, 20 mesmo tempo, tentemos promover uma expécie de compreenséo perftica, de cobusto, de aderéncia, decapeagio e que, entreos dois parceiros, no haja mais nadaa dizer: a fala podese apagar. Serf suficiente usar sinais! Jo Lesnow: Quando falimos de matriarcado, em geral nos referimos a dados sacio!6gicns, antropolégic: C.Maiman: Certo, como cu jé propus, 0 metriarcado € esse dominio, esse mando que nos oferece 0 conforto, a dosura, a experanga, a temura, @ dobras, a benevolencia dessa positividade, isto &, desse regime em que 0 significante, na linguagem, s6 remece 2 um objeto ideal que se acha substantificado ¢ que s= acha, entio, oferecido 4 tomada, & apreensio, & captura, & posse entéo, certamente, a0 mesmo tempo 20 consumo. Mas, sobretudo, o matriarcado quer dizet aigo ainda mais simples: 2 crianga nada tem a pedir a quem quer que seja a nfo set a sua mée, deve esperar cudo dela. Laprow: Essa nova emergencia, poderiamos dizer, de matriercado hoje setia suscetivel de favorecer um desenvolvimento da homossexualidade? C. Menman: Eu nao saberia responder. Nao forgosamente, me parece. Nao hé forcosamente ums ligacdo direta entre os dois fendmenes. Talvez se fos- se mais na direcio des formas de bissexualidade... JeB. Leprun: O advento desse mundo de colusio, de adcréncia, de capta- glo nos obriga a mudar nossa maneira de falar do Simbélico"? C. Mant Decerto. Pois o rraumstico substinui o Simbélico. A falta gera- dora do desejo que o Simbélico introdux ¢ substitulds agora pelo dano causado pelo trauma, JeB. Lennon: Mas a falta introdurida pelo Simbélico diz respeito ao faa de {que se é um ser de linguagems esté af um tcaco da condigéo humana, ¢ nfo um trauma, a Ser bed ee ee ee ey et © homem som gravidade C, Mian: Sim, Mas, como 0 Simbélico introduz uma falta, 0 peéptio desejo pode ficileaente ser lido comoum trauma, Dafa supor queo estran- geizo veio substituir o pai. J-B Lapaun: Nessa economia pslquica nova que estamos evocando, o sim- bilico néo tecia mais, entio, seu lugar de terceito, Nao apenas cudo é vivi- do como urn trauma, mas, mais ainda, como ui traume sem solugio, a nio ser a de declarar vitima dele. £ o que vocé quer afirmar? C. Mriman: E um trauma que ado wm solucao, a no ser, possivelmente, ortopédica, crtrgica, que, entdo, conduza reclamar teparagio. O que dis- semos anteriormente, noradamente <0 evocar o julgamento Pecruche. J-B. Lenxu:E, entdo, nos encontramos de nevo numa légica que conduz ando querer pagar o prego de estar submetido as leis da linguagem, a néo querer reconhecer nossa divida com relagio ao Quo’, E isso? C. Meraww: Bxatamentel J-P, Lepron: Em croca, podemos, doravante, nos erer 06 inicindores de nossa prépria organizagiio, sem lugar terceizo concedide & linguagem ¢ 20 que nos constitui em nossa humanidade, Eo que se produz? C. Metnan: Certamente, As leis da Inguagem J-P. Lapnuw: Mas voce poderia éefinir precisar mats o papel dessas eis da fala ¢ da Linguagem a que jé nos referimos diversas vere? C. Mawaw: Asleis da linguagem sto, entes, simples. Lidamos, com a lin- ‘guagem, com um sistema dle elementos ~ 0s significantes* ~ que, remeten- do uns 20s outros, néo significa nada em si mesmos, O desejo do animal humano, quepasse obrigacoriamente pea linguagem, se organiza, pois, em. (Charles Melman torno do que & a partir de entio uma perda, jf que esse sistema no € “fechadc”, nunca esté “completo”, nunca esté rerminado, Nenhum objeto, entao, seria suscettvel de vir peafeitamence preencher ¢ satisfazer 0 desejo humano, assim como acahurna palavra poderia ser 0 equivalente perfeito cde uma “coisa”, Falar das leis da linguagem éentéo, evidentemente, se refe- rir primeiro & lei do Simbdlico*, enquanto cada elemento da linguagem ¢ slmbolo dessa pura perda. Masa essa dimensio do Simb/lico deve-se acres- centar, como nos convida Lacan, 2s dimensdes do Real” e do Imagindtio*: ado Real vem conceitualizar esse fato de que existe um espago resistente & formalizagio, um impossivel de dizer; a outre, « do Imagindrio, remete a essa capecidade que temos de der uma forrra 20 que vem responder & per- dda, a essa pura fala, JeP, Lepaun: Nem tudo entra nas palavras, eis o registro do Real; para dar conta da ozigem, inveneames os mitos, eis o registro do Imagindrio. Mas 0 Siscbélico? Voc’ diz com freqiléncia, alids, 0 “pacto simbélico”, Por qué? C. Manian: O “pacto simbélico” no ¢ um segredo, Ele remete 20 seguin- te: 10da relacdo, seja com um parceiro ou com um objeto, se vé enodada pele participagéo comam ée ura ¢ de outro nessa perda fundamental que especifica @ desejo humane, Perda que vai, doravante, unir e desunis, de ‘uma sé vee aproximar e, ao mesmo tempo, separar os dois protegonistas, trate-se dos dois parceiros de um casal ou de um parceiro ¢ de um objeto. J-D, Lennon: E as leis da fala? Em que sao especificas? C. Mexan: As leis da fal... Af, responder a vot seria nos engejecmos ‘num campo maito mais vast, que implica questées que néo poderiam ser imediatamente ligadas & nova economia psiquica que nos interessa aqui. J-B. Lonnuns: Mas talvez voct pudesse, de todo modo, nos dizer por que Yoo! fuza distingéo entre leis da lingucgem c leis da fala. CC, Maman: Por que faco essa distingSo? Porque as leis da fala inseaurum inevitavelmente uen tipo de dualidade orgenizada pela desigualdade ¢ pela » (© homem sem gravidade alteridade dos parcciros, uma dissimewia ieredutivel dos lugares. Nin- guém nunce deixou de experimentar esse efciva da fala, para o qual atraio 2 atengdo: afala, na medida em que se ditige a um locutos, institui inev'- tayelmente ina assimetria. Pelo simples uso da fala, voc€ nfo chega a realizar esse deal que nos habita e que é ¢ da featemidade, da igualdade, da transitividade. O simples enderecamenso de uma falaa ura outro ven, 20 conteétio, ctiar, instalar ~ unicamente pelo faro de tomar a palavra ~ entre oF dois interlocutores uma assimettia que far com que um se en- contre em posigao de autoridade ¢ 0 ourro na posigéo de buscar se fazer reconhecer. O uso da palavea intodur na vida social uma repattigdo que ‘vem criar, queiramos ow rio, dois lugares diferentes, hetcrogéncos entre si. Besies lugares remetem, pelo menos indiretamente, a diferenga dos scxos. Eis, portanto, 0 tipo de lei que no deixa, sabemos, de provocar hoje em diaalguma reagt JP. Leonuw: E entéo estd, de certo modo, ligado a nosso tema! C. Metaan: Com eftito, Mas essas leis sobretudo mais regresentam um dos pilares da organizagio psiquica ao pé da letra que desempenham um rapel particular na nova economia psfquica, J.-P. Lenkun: A nfo ser quea nova economia psiquiica trate as leis da fala de uma cerva fou C. Mrtaian: Bla as wata buscando substicuira fala pela imagem. J-P. Leprun: E, pos isso mesmo, apaga essa heterogencidade dos luga- res, anula a dissimetria deles, suprime tudo que diferencia o lugar de cade um... C. Matar: Passamos, nessa perspectiva, para um mundo icbrtico. Doravante, vamos na diregio de um mundo, numético por um lado, icBnico por outro, que pouco a pouco substituird nosso mundo alfabe- tizado. (Ctaries Melman Simbdlico e sintoma J-P, Leanun: No entanio, nfo € de fala que se trata no sintoma? CC. MeLMan: A originalidade da descoberta freudiana, com relagio ao que a psiquiatria, até entio, em Kraepelin®, por exemplo, havia instalado, havia construldo, é com efito, mostrar que o sintoma do neurstico — Freud 0 havia identificado nas histéricas, ao se interessar, por exemple, pela origem das paralisias delas — nada mais é que a organizagao, a expressio somitica de ume seqtiéncia linguageira, Em outras palaveas, 0 sintoma ~ 0 brago paralisado da histética néo 60 brago anatGmico, 0 braga como delese fala ~ éconstrufdo pela fala, é uma espécie de frase, uma jaculagio verbal, € 0 aque “nos corta 0 brago” e~ era essa a esperanga inicial de Freud ~ bastaria decifrar esse ctiptograma para que o sintoma ced, Hissa reviravolee é essen- clal por relaggo a0 que outrora se pensava ~ quando s: atribufa uma cussa somética ou pitiética& histeria, eno queainda nfo demos totalmente cabo. Isso diz respeito no fato de que o sintoma, sendo construido por uma se- agt@ncia linguegeita, € capaz de ser dissipado pelo poder da fala. De ondeo tratamento “pela fala? que 6, pare simplificar, 0 tratamento psicanalitico, JB, Lepruw: Lacan, de sua parte, sustentava, entretanto, que 0 Simbético nfio se confunde com o sintoma, Essa distingio me parece titil para nos intertogarmos sobre a nova economia psiquiica, Nesta~ e penso na pacien- tede que vocé falou anteriormente~,0 que nffo funciona ainda é daondem do sintoma? Estamos ainda ne Simbélico? C. Meiman: O Simbélico nio se confunde com o sintoma, porque 0 sinto- ma é uma defesa diante do Simbdlico. Nao hii confusto possivel. Esté af todo o sentido do seminirio de Lacan sobre o sinthomaé. © sfmbolo é 45 Psiquiatra slemfo (1885-1926) que introduzin em priquiatis @ rigor das ciéncias naturals 4 Jacques Lacan, Le Séminaire XI, “Le Sieshome”, 1975-1976, inédito [grafaunos “Fnthoma’” para diferencia de yoaptime, em francis. (NTI. o 4 ‘ u v u & & ¢ ( 6 € C ( ¢ 2 © horrem sem gravidade ‘como nos lembrava Lacan, essa metade de uma moeda que um interlocutor ‘yen propor 2o outro na expectativa de que este epresenvte a cutra metade, de tal modo queas duas, reunidas, formem uma Gnica pera, uma pega una, completa. Mas, como justamente sebemos, pelos efeitos da linguagem, um ¢ outro nunca téma boa metade, esse o problema. Eles nunca tém a boa metade, quer dizer, entre us duas metades haverd sempre um défcit. Entio, ‘0 que sfo os neuréticos « niio ser uma forma de se defender de maneita radical, obstinada, encarnicada dessa ausencia, desse déficit, dessa falea que édeestrucura, quea fala instala, o pacto propesto pela fale? J.-P. Lepkow: Ao mesmo tempo, 0 sintoma, embora constitu. uma defesa diante do Simbélico, se expressa sempre, se podemos dizer, na lingua do Simbdlico. Enquanto que a pacience de que voct falou hd pouco se apre- sentava como nfo estando referida a nenburn imposstvel, como emtancipe da do Simbélico.. C, Meiman: Estou menos seguro que voce. Porque vocé vé esses individues que aparecem como os “portadores” da nova economia psiquica infalive!- mente onganizarem, também, um imposstvel, Nem sempreo mesmo, pode vatiar, mas mesmo com eles hé ¢ haverd sempre um impossivel. Peguemos a liberdade sexual, por exerplo, O que podemos verificer na nossa prétiea é que ela teré como conseqiléncia, para os porceitos, que, afinal de contas, les texio 0 cuidado de arranjar para sium desconforto, De buscar sistema- ticamente iastalar o que no funciona, que cria conflito, ou que ctie dift- culdade, Porque, no fando, o que cles querem ¢ legitimar essa liberdade, Hi, nesse aspecio, o que, aliés, ¢ tradicional, uma rentativa de arranjar “reais, impose(veis, mas dorevante através de procedimentos um pouquiaho erzdticos, déceis, méveis. Lepruw: Mes, quando voct evoca sua paciente, essa moga que vive fora detodo desejo, eat mesmo quase fore de toda necessidade e que, alids, no pede nada, cemos mais a impressio de que els foi levada a vie oferecer uma fala de sintoma, 0 que eu chamaria, entfo, de “a-sintomé”. Apenas uma conduta, um comporcamento dado a ves, mas que esczpa & lei do Simbéli- co. Era isso que cu queria introduzir. Charles Melman C. Meratan: Seu “e-sintoma” é um achadot Hé para ela, de certo modo, um impossivel. Por exemplo, rauito simplesmente, tet ecesso 20 bom senso, s¢ levantar pela manhi, encontrar um trabalho, alimentar-se, ves- tit-se, ter relagies... Mesmo qu no seja formulado, registrado no campo da rcivindicagio, da demanda, de todo modo esta presente. Deve ter havido “Ela nfo pode!”, E. todas as demandas da mic dela para que ela ultrapassasse esse “Ela no pode” se mostram, evidentemente, inefica- es, $6 que, € af voce tem rezio, no é um impossivel subjetivado atra- yésde uma demands, Néo é fundamentalmente um impossivel que agen- cia o que seria uma queixa. Essa moga nfo se queixa de nada. Ela no demanda. A tal ponto, alids, que ndo come, néo bebe, ou quise, como dissemos. Psicose social e zapping subjetivo J.-P, Lesrun: Quais sfo as conseytiéncias da emergéncia de tais casos, de uma tal elinica, para a vida coletiva? C. Metman: Fizemos uma biseula, deve-se dizer, para a psicose social, J-P. Leanun: Por que, de repence, quando até aqui falavamos de perversio, evocar a psicose? C. Mean: O problema da relagio das pervetsSes com 2s psicoses sempre Foium grande tema de discussto, Hoje em dis, é quase caricatural. Quando voce vé jovens passearem na rua com seus fones de ouvide para, como € dito, escurar misica, voce verdadeicamente tem 0 sentimento de assstir a uma espécie de tontativa mecfnica de produzir um muido alucinatério per- manente, Como se, no suportando mais o silencio do Outro", devésse- mos entrar num mundo em que, sem cessar, haveria vozes, © voues que fio deicam de ter conseqitéacias, jé que submergem voct. Vé-se bern, ao obser var as m{micas delas, ou mesmo o ritmo que elas marcam, que essas pessoxs efetivamente estio sob influéncie, Nés as vemes tomadas por uma espécle de goze masturbatério, perfeitamence autistico, queesse sistema alucinatério 98 ‘Ohomem sem gravidade artificialmente criado suscita, A relasio com oucrem é fundamentalmente minorada ¢ desinvestida com relacao a esse sistema vocal. Ourra manifestagéo desse fendmeno: nos dias de hoje, ¢ normal ler em tal ou qual publicacio artigos claramente inconsisientes, quero dizer, ‘eattos que nio so agenciados por nenhum “lugar”, que néo estio ligadas 2 alguma orientago que venha dar uma coeréncia aos argumentos, aos ele- mentos. Voc? tem uma primeira proposigio, depois uma segunda, ina tetceiza, uma quarta.... sem que se possa identificar o que seriaa cefertncia comum desses frases com relago ao que querem tratar ou ao que as suscita, Essas proposigécs seseguem, e voot tem o scatimento, antes de tudo besta, de que qualquer coisa pode efetivamente ser dita. Por vezes, podfamos constaté-lo adiante, certamente, mas era preciso, de certo modo, que 0 que cstava escrito aparentemente conservasse um sentido, sento isso seria pro- blemtico. Isso hoje nfo € mais necessério. Ao le seu jornal, voct pode ter a surpresa de constatar que © contetido dele ¢ perfeitamente incoereme, ‘como certos delfrios antes que desenvolvam uma cimenséo paranéica. Hé uma “difluéncia”. Ser que o jomnal tclevisivo ao é “difluente’? A posigio. que. sujeito toma ~ no caso, 0 jomnalistae, depois, 0 ouvinte -, com rela- fos diverses informagées enunciadas, nunca éa mesma, Nao hé nenbu- ‘ma constincia, nenhuma estabilidade, J-P-Lapaun: Sim, como se, doravante, pudéssemos escapar & subjetivagio... C. Mrtan: Néo se escapaa ela, © sujeito fizo que eu evocava hé pouc sua pertenga a uma comunidade é perfeitamente momentinea, ele mudard de acordo com o lugarem que fala, como se diz, de acordo com a infocma- io. Nao temnos mais ideal essumido. O sepping nfo € s6 das imagens, mas também subjetivo, Voc# nao lida petmanentemente com 0 mesmo sujeito. ‘oot lida com uma feigio se possivel neutra ¢ insignificante, mes que € a mascara de uma subjetividade mével. Voct nunca sabe 0 que realmente pensa aquele que estd falando com vocd, como se cle mesmo nunca pensas- se nada que seja firme, Temos a felicidade de estar liberacos das ideologias, ‘mas pare deixar lugar a que? Como 0 sujeiso ¢ obrigado, entretanto, ase referira um sistema Outro, o que tem Lugar hoje sto as informagées. Bai que se situa © poder. Segundo as informagées que voce dé, voce manipula Charles Melman inteira ¢ perfeitamente os receptores, voce os faz pensar, experimentat ¢ decidi como voce quiser. E por isso que no hd mais, nos dias de hoje, ‘homem politico que ouse desdenhar 0 aconselhamento em comunicacio, aconselhamento que dar4 o significante* mestre. Nao é mais o economista, nem o estrategists, nem o sibio, nem o padre que ocupa o primeiro lugar, €o homem de comunicagao. Ser que néio estamos em cheio num sistema psicético? Fo que garante a eficdcia desta manipulagio meatal: o sujeito iio tom mais afastamento posstvel diante.do discatsa quea €eé apresenta- do, esi aprisionado, preso na teia, cereado, JeB Lapaun: A nio ses gue ele participe ativamente desse sistema... C. MELMAN: Esse sujeite nao € psicético, mas participa dek, com efeito, asraido por essa perspectiva, essa promessa que essa nova economia fz bxi- thar: € possivel, doravante, tet vidas miltipls. Ainda hi pouce, estdvamos condenados a levar uma existincia ¢ apenas uma. Isto & sejamos precisos: estévamos condenados a ter um certo tipo de gozo, com histérias sempre id@aticar e em companhia de personagens que, de fato, eram sempre os mesmos, histérias, entéio, que se repetiam, mesmo quando os parceiros mudavam. O que hoje nos ¢ oferecide é expecimentar gozos diversos, ex- plorar todes as situapécs. Besse o verdadcieo liberalismo, 0 liberalisme psi- quico! No mercado, nos é proposto, como se isso fosse comum, participar de existncias mileiplas. O que se tradz, aliés, na vida corrente, por esses percussos de jovens por existéncias efetivamente miltiplas, no campo pro- fissional assim como no das experitneias subjetivas —inclusiveas ligadas As identidades sexuais. Vao# vai queter a sua vida toda condenada a ser hétero, a tomar tal partido ou amar tal tipo de mulher? Hoje, podemosencarar isso de outro modo, adoiat sucessivamente todas as posigbes que sio oferecidas, por vezes, evidentemente, cora eftites de desrealizagao. Nio £4 poligamia, a polissubjetividade. J-P Lapaun: Scria uma verdadcira ruptura com 0 modo de viver de ontem! C. MeLMAN: Outcor, se ouso me expressar assim, quer dizer, anteontem, tuma existéncia era oxganizada por seu inicio ¢ esse prinefpia jd incluia, de 5 NO % ‘© hemem sem gravidado uma certa mancira, seu fim: sabia-se onde se nascia e sabia-se onde se ia morres, ¢ © que se passava entre os dois exa relativamente previstvel. Ao ‘paseo que, hoje, poderia parecer que se tem a possibilidade de ter sucestiva- ‘mente virias vidas diferentes. Vidas diferentes pelo fato das condigGes soci- ais, do exercicio profissional ou do exereicio conjugal, mas também vidas ‘em que o sujeito néio seria mais © mesmo. Nao se é mais o mesmo, de uma data ata! outra, como se houvesse essa possibilidade de praticar vétios per~ ‘cursos totalmente diferentes de um ponto de vista subjetivo. Quando néo for simultaneamente, serd sucessivancente, Bevidente que tudo isso exp5e’ luz do dia noves sujeitos, leva, eu ditia, a que 0 cempo da realidade sea ocupado por wm homem. novo, que ex debom grado chararia “o homer liberal”, sobre 0 qual a questio sord suber sc seri ou no provido de um inconsciente, 0 que de modo algum. parece obtigatério. Permito-me lembrar que o inconsciente frewdiano, se nos fiamos, nesse sentido, no easino de Lacan, apareceu num momento muito preciso da evohusio cultural, Talvez possa haver outros inconscientes além do inconsciente frevdiano, O inconsciente fecudiano ¢ 0 inconsciente que fila, que se dé a ouvir, que se imiscui, que vem me desorgenizar, O sujeico habitado por um ndo-conhecide que vem desorganizar a orem de seu mundo e dizer: “Nao ¢ isso, a satisfaeio niio €a que eu quero”. Ha um desefo que me anima e que eu ignoro, ¢ que é, entretanto, estrururado, quendo é qualquer desejo, nem uma fantasia, Tal éo inconsciente fieudiano. Scja.o que for, bd hoje, na nossa clinica, um “homer liberal”, um sujeito novo, “sem gravidade”, cujo sofkimento, é claro, vai ser diferente. Observamos nevas expresses clinicas do sofrimento, pois este, apesar da felicidade que a nova economia ps(quica é suposta nos assegurar, vern nos embrar que sempre, em algum lugar, hf um impossivel, que hi sempre, em algum lugas, algo-que capenga. You dar a voct como exemplo o dos dois jovens que ezebo, ambos na faixa dos quarenta, que pertencem a um, meio culto ¢ que tém como problema — no me procucam por isso, cada ‘um dle sua parte — nfo poder ocupar um lugar. Entio, urn deles, charmoso demais, mas que no pode ecupar um lugar a0 lado de sua mulhere deseus guris; € constartemente obrigado a ir embora, a partir. Néo se pode dizer que cle nao gosa da mulher, sinds que néo sinta mais desejo por ela, ¢ ele conserva muitatemura por seus fills. Entio, passa 0 tempo todo ausente, ‘Charles Melman depois volta como preso na ponta de um elistico, mas sobretudo por seus gurls, depois fica desolado com 0 que se passa fica confuso, ni esi feliz, ‘endo compreendeo que acontece com ele. E éevidente que com as outras mulheres que cle encontra nie realiza 0 quequer que seja que Lhe permici- ria ocupar um luget, Para 0 outro homem jovem, 0 que se passa édo mes- smo tipo. Tem ume relagio com uma mulher que rem todas as qualidades, que o ama e que tem um filko que nao ¢ dele, mas ac qual cle & muito ligado. Eid uma cumplicidade entze eles, um lago, ¢ apesar disso ele nao pode ocupar am lugar, Esté todo tempo ¢ milhazes de quilémetros, sob o tsco, evidentemente, de que seus deslocamentos provoquem uma certa desordeny, ¢ sem que encontre nisso nem win pouquinho de ineeresse, ‘Vemos que se trata de um efeito dessa nova economia pslquica, que efetivamente nfo prepara mais esse lugar em que o sujeito pode se susten- cat, esse Ligarem que tim sujeito pode enconerar seu fim, sua “casa, saber aque Id cle estt em casa. Devo dizer que se trata de casos elinicos que; de minha parte, nfo encontrava antes: nunce havia visto formas clinicas deste tipo. Seria preciso, ads, Ihes dar um nome, talver falar de atopia constitu- ioral, exconttat, em todo iso, como expressar mais aproximadamence aquilo com o que nos confrontam. E dar conta dessa desolagio de nio se sentir legitimado em nenhum lugar de que elas do testemunho. JoB. Leweun: Encontremos af aquile de que voc! falou ao evocar sujeitos fAlexiveis.. C. Metnavi: Em todo enso, podemos ver af como estamos perto di psicosel JoeB Leprun: B to evidente? Eu me repito: voot fala de perversio ¢ a0 ‘mesmno tempo, voc? diz. que estamos na psicose.. C. MetnaN: A perversio, nessa questo, & 0 tinico artimo contra a psicose. Fla constitui agora 0 ponto fixo, a tinica referéncia posstvel, a dleima bissola. J-B. Lumen: Sem divida, mas ¢ como se voct brincasse com bonecas rus ‘us: a perversio se revela de repente como a defesa possivel diante dessa eapécie de psicose social... 7 6 Ohomen som grividade C. Metnan: Bferivamente, uma defesa em relacio a uma dettealizagio to- tal que ameaca, sabemos, com esse novo regime da subjetividade cue ve- mos operando. Observe, pegue esses fendmenos migratérios que observa- ‘Mos nas nossis estradas, por ocasiio do que chamamos férias. I, de certo modo, espantaso. Para es:ar seguro de que se trata de frias, 6 preciso que voct fega como todo mundo, softer, passac por engarrafamentos, pela dor, Asituagdo que descrevi sem dtivich ¢ parédica, mas todo mando ja pode observé-la, Quando voct ouve o rédio anunciar um “omingp infernal” nus estradas, ele diz que © seu comportamento é perfeitamente inscrito € Previsto, Antes mesmo que vocé aja, sabe-se 0 que voct vai fazer. O grande irmao, Big Brother, esté ld, nesse discutso benevolente; ele diz: atengao, domingo, vocts vaio todos cair na estradé, Voce vive sem surptesa, voce no vai voltarteés dias mais cedo, nem um dia depois. Bis entio, éiss0 essa nova economia, Nao ocupamos mais o lgar, mas todos 20 mesma tempo. JP. Lesnun: Nao se poderia evocat, a propésito de “ocupar um lugar” precisamenre, exsas ctianges hiperativas que of pediatras chamam de hipercinéticas? Esse simtoma mio remete também 3 nova economia psi- quica? C. Mrtman: Efetivamente, Penso, por exemplo, num garotinho de ués anos, que nfo pére no lugar, e = quem se dé — hoje, a muitos outros — titalina, um produto destinedo a fazt-lo ficar tranqiillo. Entéo, por que esse pequeno nfo para no lugar? Ble me foi levaclo pela mée. Essa mulher jovem podetia ser bastante bela, bastente agiacH4vel, mas se apresenta vo- luneariamense abandonads, sem grende cuidadlo com sua aparéncia, Fico sabendo imediatamente que cla dé cursos numa uaiversidade de provincia © falando um pouco mais com ela, fico sabendo que, daramente, ela se empenha mais no seu trabalho, nas suas amizades, nas suas telagdes scciais. O pai do guti, é claro, pertiu quando o guri tinka nove meses. A ctianga o vé episodicamente, mas, desde sua partida, toda uma série de homens se sucedew na casa. Hoje, hd um que parece estével ¢ que porta 0 mesmo prenome que o pai do garoto. Quando se fala um pouquinho com a mie, percebe-se de mancira muito cfara que seu filho nfo tem tenhum lugar em ssua economia psfquica, Ele exté ali, decerto, mas, de fato, no conta. Pois Charles Melman ela organizoua vida dela de tal modo que nenhum trago de sus maternida- © de possa vit desorganizar os disposisivos que lhe convém, os que conrespondem aos desejos de uma jovem mulher ativa, inteligente, social- mente interessante... Terfamos vontade de dizer qué, nela, « marcrnidade, simbolicamente, ado pOde “se instalae”, Realmente, ela tem esse guri, mas, cis af, € tudo, Ela faz 0 que € preciso, no entanto. A dicetora da escola lhe disse que niio dava mais, que ele batia em todo mundo, que perturbava sem para as outras criangas, entéo ela o levou até mim. Mas, como mostta a relagfo que ela mantém com esse pequeno quando ele esti no meu consul- totic, ela se composta com ele como uma babi, uma boa babé. Creio que a ctianga sente que nfo tem lugar nela c que também nao tem pelo lado do pai, cmbora este 0 veje, ¢ receba em sua casa, etc, Essa crianga, poderiamos dizer, nfo tern voragio, néo échamada. Eseé ali, mas nfo é charnadk « estar ali, Ble é muito inteligents, simpdtico demais, mas, muito ripido, pude verificar, nfo péra mais no lugar, Falet com a mae, diante dele, dos homens que ch foi lovada a receber. Durante aquele tempo, ele ficava num estedo notivel: néo era mais agitagio, mas frenesi. Quande terminamos a ente- vista, cle desceu as escadas que levam A salda e, como viu pessoas esperando, disse muito alto, descendo as excadas, bastante claramente para que todo mundo ouvisse: “Adeus, psiquiatra malvado!”. Hé «és anos cu o chamot Depois, seatiu um remorso, entdo voltou ao meu consultsrio ¢ me disse, mas sem fexé-Lo: “Vou te dar uma beijocs”, E foi embora novamente, ‘Manifestamente, ess1 ctianga & obrigada, se posso dizer, a recalcar o quevive como sendo a falte de pudor da vida privada de sua mie. Beviden- temente ressentiu. como uma vicléncia minha maneira de esmiugar essa hist6ria. Trata-se de.um tecalque, mas de um recalque que nfo the fornev: abrige para a sua subjerividade. Uma cena primitiva “cléssica’, se ela fosse testemunha dos embares de seu paie de sua mie, seria tamibém a recalcar, sas poderia dar abtigo sua subjetividade. Ali, o que se produz, que ele vive como devendo set reczlcado, nem por isso Ihe confere a menor ideati- dade, Ble tinha nove meses quando seu pai partiu. Ora, esses homens que sua mée recebe, ¢ que mudam, que nunca sto “o mesmo”, esto numa posigio diferente da que teria sido a de um pai. Hles nfo Ihe permitem sastentar una idencificagio, Embora 0 recilqué origindrio* esteja inseala- do, testa um problema néo resolvide: o de saber 0 que vai ordenar os 99 100 (© homem sem gravidide recalques secundarios. Ser que os recalques secundésios vio ser homogt- nos, se posso dizer, 20 recalque origindrio? Se o que teve que recalcar esti numa posigiode escindalo, de ngo-aceitivel com relagio ao recalque origi- nétio, voc® imagine o tipo de desamparo a que'é condenaca essa crianga Ene, onde pode ela fica:? Zm lugar nenhurn! J-B, Lianne: Permanece, no entanto, uma dificuldtde maior. Voct nova- ‘mente nos diz: com efeito, como analists, néo hé nada a fazer. Ora, muitos dagueles que vém consultar analistas podem muito bem participar dessa economic, Eno novameate a questéa se apresenta: 0 que faver? C. Menant: Um analista sé pode “fazer” quando se se dirige a cle no regis- tro da transferéncia*. Isto 6, se chega a obter de seu paciencea instalagio de uma demanda que seja consistence e que se ditija, em thtima inseancia, ao analista. Se nfo consegue, nada pode. Ess moga que eu vi, da qual felei, no pede nada. Veio me ver com simpatia, me disse que voltaria, mas, estou prevendo, € pouco provavel. Um pequeno indicio me deixa pensar que, talver, ela tenba inventado para si um ancestral judeu: useva ume estrele de Divino pescoyo, como se tivesse quetido se agarras, de certo modo, a uma linha genealigica, 2 uma filizefo, Mas era uma linha ténue, uma estrela de Davi pequenininha na ponta de uma cadciazinha, que mais parece fantasmagétice que totalmente real. Hd, entao, poucas chances de que cu a reveja. A psiquiatria diante da nova economia psiquica J-2 Lesnun: Posso concordar que o analista é impotente em certes sieaa- gBes. Mas © psiquiacre? O que ¢le pode fazer diante de uma tal organizagio psiquica? C. Meuan: Voot bem sabe, como eu, 0 que o psiquiatra fa! Ble distribu pharmakon, moléculas-medicamentos que tambétn sic pogdes. 8 preciso, antes, nos perguntarmos se 4 psiquiatria, cuyjos privilégios sto diferentes, tem o saber necessdrio pars pesar no debate. £ claro que, se no o fizer, ela Charles Motman artisca se ver colocada a servigo da desumanizagio, no nivel dos gadget: quimsicos. Entéo, urn simples vendedos er seulugar, poderia basta, Estamos comando esse camino. | Je Lesmuw: Voce 36 concede 20 psiquistra um pouquinhe de libercade? C. Meman: Mas 0 que é que ele faz? isso. que me interessa. O comporta- mento dee nao depende da liberdade que eu the concederia ou nie. Re- centemence vi uma mulher de 60 anos. Com 53, perdeu os pais, que mor- reram com oito dias de intervalo era um casal que se amava. Vi chegar «ama mulher completamente petrificada pelos neurolépticos, manifestamente num estado de lentificagio cerebral, de falta de habilidade gestual. Bla velo ime dizer: “Nao corsigo sair disso’ Sar de qué? O que the avonteceu seatio se encontiar num estado de lato? Com os neurolépticos, simplesmente nfo se deixou que fizesse scx trabalho de luto. Entio, quando voce me pergunta “Bo psigaiatra?”, o que responder? Os psiquiatras tendem mais a tratar os lutos como doengas, a confundir luto estado depressive. Muitos no sa- bem mais que um luto é algo nocmal! J.-B. Lagwun: Vemos logo, aliis, se notarmes 9 vocabuldtio que eles tio fieqdentamente usam: “Voc? fez uma depressio.:.”. C. Mimi: De todo modo, ¢ fabulose! Mas, de urna cerca mania cles tém rario, porque a necessidade social, o trabalho, os deveres familiares, indo isso faz com que voce no tenha mais 0 dixcito, hoje, de fazer ura trabatho de luco. Hi preciso que woot esteja em atividade o tempo todo. J-P. Lennon: A psiquiattia, segundo voet, 56 pode seguir 6 movimento, enti, patticipar da instalagio dessa nova economie psiquica? C. Manan: Or médicos, ¢ em particular os psiquiatras, infelizmente se tornaramos servidotes do poder. Ficamos espantados com o que se passava na Unifio Soviética, onde os médicns enviaram opositores ~ aqueles que sc chamavaos dissidentes ~ para campos ehospitais psiquidericos, Mas, entre riés, os médicos, antes de estasem a servign do doente, estio hoje a servico lor 102 (© bomem sem gravidade do imperativo social. © qual, retomemos nosso exeraplo, diz que 0 pacien- tengo tem nem o tempo, nem o direito, nem a possibilidede de fazer um lu:o: € precise que ele esteja no seu posto de tiabalho, E, se nfo estd, é porque estd doente, entao lhe damos droges. Drogas que o impedem de fazer seu tuto, que o mumnificem. ‘Toda uma série de quest6es, como a do sangue consaminado, mostraram bern qual’ 0 preco a pagar quando os médicos, ou melhor, a medicina é posta mais a servigo do funcionamento social que dos pacientes, O que o poder, seja qual for sua cor politica, quet doravante obter dos médicos ¢ isso. J.-P Lasrun: Recolocar os pacienresem estado de bem fancionar, no traba- tho eu em qualquer outro lugar? C. MELMAN: Nao € necessdrio que essa ordem seja explicita. Eo préprio doente que formala espontaneamente uma tal demanda, que lhe éinspira- da por rodoum sisterna que faz pressdo sobre ele. A me de familia ver ver o psiquiatrae Ihe dizs “Mas € precisa que eu cuidede meus filhos. £ preciso que eu cuide de meu marido, senio.el: vai me deixar! E tenho minha me que esti doente...”. E respondemos a suz demanda. JB, Lesnuve A tarefa coleriva dos psicanalistes, diance de uma tal sieuagio, ilo seria primeiro fazer emexgit identificar cluramenteessa nova economia psiquica que estd operando? Mas ent&o, evideatemente, eles poderiam ficar tentados ¢ se fazer de defensores ou de apologistas de um outso tipo de fancionamento social. E, nesse aspecto, vocé com freqtiéncia lembra que os analistas ndo tém que ser os guardifes do Simbélico, ou da castracio*... C. Maruman; Nao. Tambéns no do pai ou da religtéo, J.-B. Learun: Mas encio? O psicanalista verdadeiramente deve se resolver a nada fazer? C. Metman: Nao fazemos nada porque multiplicamos os esléquids, os congrestos, os intervengées, inclusive ptiblicas, sobre essas questéics, Toma- mos posigio mesmo no dominio judicisrio: interviemnos « propésico do Charles Metnan julgamento Peccuche. E interviemos também a propésito da genética, da familia, des problemas de filiagio, de paternidade, etc. Nio se pode, entéo, dizer que néo fivemos nada. Mas nossa fala, é um fato, nfo é aceita. Ou entio édesviada desta finalidade, quer dizer, colocada a servigo das inten- ses dominantes, dos diseursos dominantes. JB. LEaRUN: Mas como voct pode ao mesme tempo dizer que “nfo temas que sex os guardities do Simbélico, etc” e empreender sodo esse trabalho — notadamente aqui mesmo — para tentar fazer entender © que se passa ¢ 0s riscos que isso comporta. Néo é contradiirio? C. Muuman: Nio somos 0s guardites do Simbélico, também nao somos, como psicanalistas, os guardities da perenidade de autoridade paterna. De modo algum temos que ser noscdlgicos de uma ordem patriarcal que vernos pouco 2 pouco ser demelida. Mas, na nossa pritica, creio que ébom que os analistas conhecam um pouguinko de queo analisante, o jevem queagors ‘vem se anunciar cepera, vern pedir. © que cle ques, evidentemente, é se confiontar, através do tratamento, com esse tipo de ordem que permite ter 2cesso a um gozo* que hoje continuamente se Furra & sua captara, um gozo tolerivel, Mas nem por isso temes, voltemos a dizer, que nos fazer apdsto- Jos da castragio, Em diversas lugares, fora do consultSrio, podemos sim- plesmente fazer saber 0 que os psicanalistas, ou melhos, psicanalistas, seja- mos modestos, so capazes de pensar, de dizer a esse respeite. Quanto a0 resto, & como para uma interpretagio, voc’ nao pode obriger ninguém a Jevé-la em conta. J-P. Lupnun: Certamente! Mas voc, entio, aflaal de conus, de modo al- gum libera o analista de sua responsabilidade, que consiste em identificar essa nova economia ps{quica e suas conseqiléncias. Ele nfc pode declinar de sua responsbilidade... C. Mrunan: De jeito nenhum ele decline, retomando seu termo, de sua sesponsabilidade, Ao contrério, cle, antes, deve ser engajedo, ao mesmo tempo nao tendo nenhuma ilustio quanto 2os limites de suzagfo. Recente- mente, paiticioe! de uma transmissio de ridio sobre a questio da adogio 103 A Pan) ban ad | ( ( C ( \ ( Jot (© homer sem gravidade de criancas por casais homossexuais. O contexto era espantoso: tudo cra feito para que cu aparecesse como reaga, retrSgrado ou violento, Era extre- mamente diffcil, diante dis pecguntas dos joznalistas, aver ouvie outa coi- sa. A missa era dita, voce s6 estava Ié para servirde caugao ede animador! Ja que sc tratava de uma missa, 0 mais interessante era se perguntar onde era ditae por quein. Havia Id pessoas inuito diversas, consideradas como cahi- vendo cada uma sua propria reflesfo, entretanto tomedss em conjunto, reunidas numa espécie de comunidade por uma espécie de imantagio md gica. Mas como se constieui uma tal comunidade? © tinico momento em que, bruscamente, houve um contrarempo na ceriménia foi quanco per- guntela uma jomalista: “Se lhe acontecesse alguma coisa, voce concord: que seus filhos fossem confiados a um casal homosexual”. Dixigindo-se para mim, ele disse: “Sim, decerto!”, Mas, na sada, estava furiosa: “Yoo ‘me intimidoul”. Fiquei espantado: “Como assim eu a intimidei? Estiva- mos falando de criancas que também poderiam ser as nossas, Entiio, secd que as nossas... no vejo em que...”, Bla estava encolerizada, © eu sci que nunca mais you ser convidado. Isso se passava numa hora de grande audi- @ncia, nas antenas de uma das estagSes mais conhecidas, entre 19 ¢ 20 horas, no momento em que as pessoas esto na cozinha ou no carco. Os ‘ouvints cujas chamadas eles aceitaram ~a transmissio era dita imerativa — escavam todos contra mim, Estou bem certo, no entanto, de que, entre os que telefonavam, devia haver muitos que profesavam umaoutra opinifo... .-P, Lenton: Nesse caso voce pega um exemplo de uma rédio que se sub- mete a essa famosa p-etersa lel do mercado... C. Menman: Preste atencio! Fui convidado um més antes por uma cadcia de televisio, considerada de qualidade, conbecida por seus debates sobre as grandes quest6es sociais, Foi pior! Eu me deparei com urn jomalista que passou o tempo todo buscando me farer cair numa armadilha, Também lf nfo me convidaréo novamente, Come minhas respostés 0 coinci ‘nunca com aquilo que cleestava convencido de que eu ia the dizer e que cle hhavia previsto, o animador do progrema havia perdido completamente 0 tino. Hé, dorevante, uma espécie de comunhiio de penszmento, que nao é articulada em parte alguma, que mio se refere a nada de apreensivel, mas Charles Melman ee se imp5e a cade um dos participantes em tais debates. Se voot nio adere @ cla, se voce ao entra no ritmo, voce € rejeitado, Voce vé que 0 fiberalismo tem limites ¢ intolerincias. 0 que pode o direito? J-B, Leonun: Como voct lé, em todo esse contexto, 2 multiplicagdo dos ro2urs0s 4 justiga, o apelo, mais e mais freqtiente, co social ao dicizot CC. Muiman: O epelo do meio social a0 dissito & cada vez mais significativo, voc tem razio de destaci-lo. Considerando a foradiutaio do terceiro, as sdag6es hoje em dia s6 podem ser duais. E, inevitavelmenee, essa dualidade vvai contratualizat os conflitos, ito & conduzir 2 que sejam regularmente yividos como uma falta, atribufvel a um ou a outro, a um contrato técito, Confrontados com a busca desse terceito que falta, dirigimo-nos pars 0 campo da justige, & qual se econhece o mérita de tratar cade sujeito do direi- co como igual ¢ idéntico. Diante de problemas ligados a essa alteridade radi- cal de que jé fale, fandadora de relagiies verdadeiras entre os sujeitos, véo sex trazidas resposcas que dizem o direito ne terreno da similaridade ¢ da identi- dade. F, zlids, secolocari s ro semprede lado do mais fraco, Hi nisso uma opetagio de substiuigéo do terociro simbélico que fala porum terceito bem cal, Mas esse terceito nada mais tem a ver com 0 terceiro simbélico, com a autoridade com a qual lidvamos outrora — até e sobretudo quando se pre- tende restabelecer essa autoridade, A fungiio de tudo isto? Tiata-se de fazerde formaa que nc haje diferenga dos sexos, Que os parcciros possam reclamar identicamente direito. Cecto.quese podia reworve: &justiga quando o tezeciro simbélico estava ainda instalado, mas diferentemente. © cireito de um ho- ‘mem nfo é forgosemente o de urna mulher. Quem pode afirmar que eles ttm 10s meimos direitos? Eles também nfo tém os mesmos deveres. Mas, nos dias dehoje, 0 direito prope wma resposta legal a todas 2s principais causas de conflito Jevantadas pela alteridade e pela ccsigualdade J-P Lesaun: Voct chegariaa dizer que o préptio diteito poderia estat con- taminado por esse nova economia? 10s 106 © homem sem gravicade CC. Matvan: Mas ele esi! Est, jé que o direito attal estipula que qualquer reivindicagio é legitime e deve ser satisfeita, seni hi injustiga ¢ dolo, Nao sais aceitivel que alguém fique sem realizar sua satisfagio, deve set leve- do remédioe a justica terd esse encargo, O diteito me parece, entdo, evoluir para o que seria agora, a mesmo tiulo quea medicina dita de conforto, am direito “de conforto”. Em outras palavras, sé, doravante, para a medicina, trata-se de vir reparar danos, por exemplo os devidos & idade ou a0 sexo, trata-se, para 0 diteito, de ser capaz de corrigic todas as insatisfagées que podem encon:rar expressio ne nosso meio social, Aquele que ¢ suscetivel de cxperimentar uina insatisfagao se vé 20 mestno tempo identificade com ‘uma vitima, jé que vai socialmente sofier do que teri se tornado tum prejut- {a0 que o ditcito devetia— on jd teria devido — ser capaz de reparar, P. Lesnuw: Ali onde, antes, o direito orgeiizava suas intervengSes acravés de uma ficgio, de um ideal de justica, vacé introduz a idéic de um direito que em si mesmo sc submete a essa nova economia ¢ nfo faz mais que registrar seu funcionamento, Compreendi bem o que voce disse? C. Metman; Com eftito, £0 que os jittistas chamam de necessidade de o tcito se adaptat 4 evolucio dos costumes. WV A impressdo da nostalgia J.B. Lapruw: Vocé descreve a emergtncia dessa nova economia psiquica ‘de sous avatazes nos fizendo entender como ela se instala sem ideologia orginizadora, como ela se organiza A revelia dos sujeitos... (C. Mawan: Inteiramente sem o conhecimento deles, com efeito. Bstamos ‘no exato ponto do abandono de uma cultura, ligada A rcligiéo, que obriga 105 sujcitos a0 recalque dos desejos ¢ A neurose, para nos dirigir a uma outra em que se propagandeia o direito 4 expressio livre de todos os desejos ¢ 4 plera satisfagio deles. Uma mutagio tio radical trax consigo ume desvalo- tizagio ripida dos valores que a tradigio mocal e polftica transmitia. As figuras petrificadas da aucoridade e do saber parecem ter se desagtegado de tuma tal manciza que podemos pensar que a mudanca vivida é conduzida pela contribuicio espontinea de vontades individuais, sem referéncia « um programa estabelecido. J.P. Lepxun: E, certamente, € um dos poncos vives do que voct destaca, Por outro lado, voc? diz que é a consegiiéncla de um progtesso, 0 que comiste em ter-se dado conta de que © fu eta vazio. E voo8 revelou essa coniusio entte, de um lado, consterar que 0 eu era vazio, queo Outro* & inabitado, ¢, de outo lado, crer que néo haveria Outro. Para mim é uma confusic maior, que traz toda uma série de conseqtiéncias. Ora, voot fela conve se passar de antigo regime, de uma cconomia psiquica tradicional ‘em que « ordem félica ccina relasivamente dominante, em que 0 patriarca- do organiza oconjunte do social, « uma nova economia psiquica equivale- tia somente a cair de Catibde em Cila. Voct assim dé a impressfo, através wee t 08 © homem sem graviade de seus comentirios, que néo se veria surgir nenhuma evolugfo, nenbura ‘movimento que poderia ser conseqtiente ou ttl. uma opgio deliberade? No fundo, dizendo de uma mancira sem diivide caricatural, voce parece afirmar: hd apenas ou o velho sistema, 0 tinico que pode funcionar ée ma- ncira satisfatéria, em maior ou menor grat, para preservar 0 sujeito, oul 0 novo, mas com os avatares de gue falamos, Estamos condenados ou a valtar atrds ~alids, improvavel, mesmo quese 0 quisesse -, ou ao quadro inquie- ante que voct desereve? C. Mrwwan: Lamento que minha fala eenha podido the dar 0 sentimento | de que eu tinha alguma nostalgia do antigo regime, uma espéde de lamentagio da boa velha neurose de papai, da neurose articulads cm toro do amor do pai, De jeito nenhuim desejo quese volte, para escapar do rnal- estar arta da civilizagko, Aquele que Freud desczevia. Mas, e esse é 0 proble- ma, a maneira pela qual se gera o mak-estar hoje em dia conduz a cumpriro fantasma do neurético, isto é, a imaginar que a perversio seria a cura da ncurose. Ora, sabernos, a perverse, apesar das sedugées que pode cxercer, nfo é, se nos referitmos ao ponto de vista psicenaliticn, uma solusio mais sustentével que as outras. Qual é 0 ponto de vista psicanalitico? Lembremos. A regulagio de nossa relacéo com 0 mundo ¢ com nés resmos, digamos, néo esté subme- tida ae arbierdtio, nem ao capriche, nem ao contrato, nem 2 simples boa vontade, Em outras palaveas, nfo temos a permissio de fazer qualquer co'- sa, Huma Leit, eessa Lei éa quea linguagem determina. Nao éuma Lei que, em sua forma, em seu mode de aplicagio est fixada para sempre. Ela pide, por exemplo, te apolar durante muito tempo na religifo. Ora, isso nfo impediu Freud de denunciar essa forma de sustenracéo da lei como advinda da neurose: a religiio como neurose da humanidade. . Hoje, se apresenta a questio de saber se o ponto em que estamox de nosso desenvolvimento cultural nos permite, enfim ~ apesar de todas as resisténcias que se opdem -, aceitar teoonhecer o determinismo que nos agoncia. A inicamancira de ser Lumano é lever em conta esse determinismo que as leis da linguagem nos imptem. De jeito nenkkum para celebri-lo, vyeneréto ou se engajar na via do ceticismo ou da sesignacio, Mas, antes, para que, adquitido © reconhecimento dessas leis, nos seja mais possivel CChorfet Melman ‘examinar coletivamente 0 que podemos fazer com elas. E, ema particular, examinar se podemos melhor resolver a questio do desconforco sexual em que vive a humanidade. Tudo o que afirmo — sem propor coisa alguna, porque os psicanalis- tas nfo devem vir frente (nem nos bastidores) da cena com um programa! ~, sfinal, é queo humanismao, se € preciso um, deveria reconhecer esss leis ‘que nos agenciam, E, a partir dat, devertamos avaliar que nfo ee cata de tia ordem des coisas de certo modo facal, diante da qual cerfamos que, masoquisticamete, nos inclinar, mas de um estado de fato que & preciso que estudemos, como Lacan néo cessou de fazer, « fim de identificar a forma pela quel essa leis se prestam a outras escritas, geradoras, calvez, de ‘uma melhor resolugio de nosso: sintomas ¢ de nossa relagies com nds mesmos, como mundo, noses semethantes, a vida social, com o “bem- estar’, ento. “Talver um dia emerja esse novo humanismo, Este ndo terd necessida- de, para se sustencar, da hipdtese divina e poderd, entdo, se liberar da neu rose, da culpabilidade, do perdéo, assim come das falsas audicias da perver~ «io. A moral nioserd mais escrita, nem ensinada, nem imposta, seré questio prépria do sujeito, na sua relagio com a dimenséo da perda que, doravante desconectaca do sagredo, permanece, no entanto, essencial para que se efe- tue uma instalagio correte do desejo. 2 LasrUns O que voct prope nfo é uma forma de utopia? ie C. Mriman: Com efcito, & utépico. Porque, na realidade, 0 “bem-cstar” sempre foi uma nogio equivoca, sem grandezafisica adequada para mensuré- lo, uma nogio que sé se prestaa avaliagbes subjetivas. 8 claro que, no esta~ do atual das coisas, o homem néo busca o “bem-cstax”. Lacan dizia que “o homem aspiraao inferno!” Endo, nfo nos espentemos com oquese passa! Na realidade, nao hé forga, nem cultural, nem social, nem pséquica que nos convide a sair de nosso mal-ester, E & por isso que voc me ouve contar do isso cultivando um certo pessimismo. Mas sem resignacio. J-B. Lemnun: Por que voet lembra ess formulagéo forte de Lacan segundo a qual “q homem aspira ao inferno!”? Como voct eatende isso? we 40 © homern sem gravtdade C. Mrnaan: E porque o homem quer realizar seu fantastna® ea realizagio desse faniasina é o inferno. Nao hd escolha para nés a nio ser entre o sem- blants* da realidade ¢ o real de inferno, Uma terceira vio? JeP Learun: Eu me lembro de uma de suas intervengies' em que voce declaron, seguindo Lacan, que ‘tomar 0 Real* como melo” — em outras palavras, se compreendo bem, tomar o Real como enodando o Imagindtio* € 0 Simbélico™ ~ podia nos evitar cir sob 0 dominio de um excesso do Simbélico ~- como quando 0 patriarcado triunfava! — tanto quanto sob o jugo de um excesso do Imaginério — 0 que seria, ances, aquilo em que nos encontramos doravante. Ora, ouvi vocé dizer, muito claramente, que havia que tragar uma terceica via, A que ela pederia convesponder? ‘C. MELMAN: O problema com as terceiras vias é que elas convidem aavaliar as forgas queas sustencam. E preciso que haja algumas forcas que se impli- quem, que tnham vontade de exploré-las. Seno, so vies do sonhador. Hoje, s6 podemoy constater que essas forcas so inexistentes, J.-P Linon: Certo, mas a que, se padessem exist, elas se astemelhariam? C. Manan: As vontades de renunciar ao sintome, J.-P. Leorun: Quando voct indica, por exemplo, que sem transfertncis® quase nao hé possibilidade de agir, tenho a impressfo, apesar de set verds- deiro para o anslisea que dirige um tratamento em seu consultério, de que Cf Charles Melman, Condusion du séiminaire d’éeé consacré au séminaice XXL, “Les -Mon-dupes erent”, Turim, agosta de 1997, em Le Discovers prychanalytique, n° 19, fove- seito de 1998, poche 2 Isso met acs limes emindres de Lacan, em gut cle enoda de tl focrn os egies quchavia identical Re, Imagine Simbalico~ que da cade um dese re ts un varigal eps qn ica de sabia, Simba Poss prevalence (Charles Melman € uma afirmagio que fas cair no esquecimento tudo 0 que se poderia cha iar de psico-médico-social! Quando estamos lidando com pessoas que cafram a armadilha dessa nova economia psiquice, seu “prescrever” sale dela praticamente intuit, até mesmo impossivel, mas. C. Matmav: De qualquer modo, essa prescricio, certamente, seria sem eftito. O ques: pretenderia, hoje, opor 20 imperativo da satisfaglo acabada ~ que, na verdade, s6 € realizaca, vimos, pelo esgotamento dos orificias do corpo ou pelo eclipse do sujeito, embrutecido, aniquilado pelo ruido, pelas ima~ gens, peas drogas ou o que mais se quiser—c tudo que pretenderia queter intcoduzir alguma temperanga, ao observar, como acabamos de fazer, que o individuo aspica ao inferno, seris imediatemente identificado como con- servador, setrégrado, A ponto de as forcas politicas tradicionalmente rea- ciondtias tecusarem sustentar tais posicionamentos, pois sabem que seriam imediatamente desqualificadas. Eu escutava, outro dia, um lider da direita— nfo ¢ tao freqilente ~ defender o uso livre do haschich, Tratava-se de qué? Tatava-se, certamente, éeir na dianteira da juventude, de sc mostrar modemo. Pois néo hé vou que posta ser ouvida num outro registro, a nio ser com o risco de ser ime- diatamente catalogads como conservadora. E como nés, psicanalistas, afio ‘visamos ser os higienistas da sociedade a vir, apenas podemos constatar os efeitos da evolugéo em curso. Alids, no conjumto, as pessoas — apesar de tudo de que se queixam — tém uma aparéacia mais para o feliz. Por qué? Porque hi equalizagio ~ e-guua-li-za-géo — dos gonos, doravante acessiveis a todos... quase. Um aposentado, por exemplo, pode fazer esses maravilho- sos cruztitos reservados, oncem, 2 aristocracia de sangue ou de dinheiso. & ssa espécie de distribuigéo igualicétia dos govos, de grande comunhio em tomo de gozos partilhados que nos permite enunciar que, de uma corta mancira, nas nosses paragens, em todo caso, € mesino que com freqlién- cia se chateiem, as pessoas sf0 um pouco mais felizes. E por isso que falo de progresso. E é porisso também que nossa sociedade adors esas zonas, essas regides que, em troca, podem ser consideradas como as resetvas da infelicidade e que dao, a nossos sentimentos caridosos, a oportunidade de se exercen.. ay é 2 © homom sam gravidide Uma equalizagaa dos gozos J-P. Lanaun: # verdade que a multiplicagio das possibilidades de gozo ofe- recidas no quedro da nova economia pslquica pode parecer favorecer, até promover a equalizagio dos gozos. © voto de igualitarismo, no encanto, nfo esté votado ao fracass0, no esté condenado a se chocar com um im posstvel? CC. Mriman: Vimes se desenvolverem essas reivindicagses de igualdede, deparidade. Afinal, por que néo? E um ideal formiddvel, Hi muito tem- o que essa aspitacio igualitarista esta presente na humanidade. Mas, na sua pritica de psicanalista, voc# alguma vez observou um equillbrio afetivo, amoroxo, social que estaria fundado na igualdade, na paridade? Por que isso nfo funciona? Fegue um casal de homossexuais. Bles se esforgam, sabemos, para realizar ess igualdade ¢, no encanto, inevitavelmence, jf dlissemos, aparece entre cles uma desarmonia, uma alteridade, Por qué? Iso vem de algum lugac, A alteridade, essa dimensio que continuames a recusar em nossas reivindicagées de comunhio ¢ de pertenca, evidente- mente é intema & prépria linguagem, & lingua como tal, Serf inétil espemeas, instaurar as leis que se desefer, iso fio mudard e nossas rela- 462s permaneceriio regidas, organizadas por essa dimensfo da altcridade, pela dispatidade. ‘Observemos, por exemplo, 0 erro de cileulo cometido por Simone de Beauvoirao incitular sex livro como O segundo sexo; o fato de haver dois sex0s, com efeico, nffo significa que, forcosamente, um seja primeiro com relagio ao anti. O cardinal néo implica, forgosamente, o ordinal. Basta, com efeito, que os dois elementos scjam diferentes, hezeiogénces entte si, para no poderem seralocados numa mesma série. Acontzce que é precisa: mente o ciso-para um homem e uma mulher Por isso, eles representara 0 paradigma da’dlecridade. J-B Lenn: Também se ouve falar, além disso — e & um conceito sobre 6 ‘qu! gostaria muito de que vocé dissesse uma palayra -, de “softimente psfquico”. Mais que nunca estarfamos lidande com pestozs em. softimento pslquico... ‘Charles Melman CC, Meuaant: Softimente psiquico porque & urn dos pregos « pagar pela emergéncia de uma nova economia: a existéacia do sujeito se vi oblicerada. ‘Fodos nos tornames uma espécie de funcionétios, estamos caprurados pum sistema em que temos que assegurar, que garantis, cue produzit 0 “bem-estar” ¢ a satisfagio dos que nos cercam. Inclusive os pais, cujas chrigagbes comio educadores véo ser expecificadas muito exatamente pelo cédigos da paternidade: eles devem velar pelo “bem-estar” de seus filhos, Toda falta com relagao a esse novo papel de funciondtios do sistema scr também passivel da lei: querer interdizer a satisfagdo do transexucl, do casal homosexual, da mulher idosa que deseja ficar gravida ~ ¢ amanhi outros tipos desatisfagio, sem chivida alguma— tern sua origem, doravante, ra ofensa & moral, O direito do cidadao € 0 direito a uma satisfaglo per- feita ¢ completa, 2 Leanun: O ditcizo ac pe da letra serve hoje a essa preteasio & satis- facio... C. Mrtaan: Com eftito, 0 diteito é colocade a servic do cumprimento dessa sxisfagao, O que tepresenta obstfculo é cassado como politicamente ¢ moralmente incorreto, E no Ini auditncia, JeP, Leanun: Assim, na Franca, ecsba-se de autorizar o sujeito a escolher ‘cu patzonfinico! Ui tema de reflexéo para os psicanalisus! © que voce pensa sobre isso? C. Metman: Legislou-se sobre 0 patronimico como se se trausse de uma {questio secundaria, como uma questio qualquer. Como se se dissesse: por que fazer 0 recém-chegido 8 familia endossar uma histéria, dividas, deve- res, obrigacées, todo esse universo significamte ja af que o pationimico the cola antes mesmo que cle tenka tido tempo de berrat, Talves, aids, ela, a crianga, berre por cause disso mesmc! Porque compreendeu que jé porta um sagrado peso, Hla ¢ inteligente, reage Logo!.Nés nos liberamos do patr'- arcado, parece, entio por que nao o matronimico ao invés do parronimico? Ninguém observa, no entanto, queo matron{mico, no caso presente, no é um matronimico, é sempre um patron(mico, jé que éo nome do pai dessa a Ts ‘Ohhomam som gravidade ‘mulher. Serd que serpre iremos simplesmente validar, em nossas familias, cvsa antiga querele, habitualmente mais silenciosa: a de saber se a8 criangas “produzides” pelo casal se inserem na linhagem do pai ou na da mae? Sabe- ‘mos todos que ¢ uma decadéncis muito comum, que foi vivida pela familia, patriarcal hé muito tempo, cue nostas regtas de troca se flexibilizaram € que com freqiiéncia acontece de 6s gutis, mesmo quando portam ¢ nome ds papai, na realidade virem prosseguir a linhagem da mamie. No mesmo movimento, logo vemos autorizar todos os prenomes, mesino os mais fantasisticos, como jé € 0 caso nos Estados Unides, ondeseentende, diz-se, assim homogeneizara multiplicidade culeural. Ninguém se pergunta o que implica como determinagio humanivadora para a crianga vir se inscrever numa lichagem, uma memsria, ¢ ter que endossi-l, notadamence pela nomeagio. O destino dos grandes textos J-P. Lennon: § de nove a questo da dfvida que se encortra assim anus Voct por vezes evoca, e nfo deixa de ter elacio, esse faro de nfo nos teferie- ‘mos mais aos textos, a esses cextos aos quais devemos tanto. CC, Metwan: Nossa cultura se especifica por sempre ter sido dependente, desde 0s greges, de grandes textos, sejam eles laicos ou sagrados, ou mesmo presctitivos ¢ politicas. Grandes, no sentido de que ua pocsia se viu como ompanizadora de nossa moral e de nossa conduta, Penso também. tanto em Homero, cujos escritos foram verdadsiramenge sustenticulos, guias, a es tela guia dessas populagies que tudo inventaram para nés, quanto nos textos que tracames depois como textos sagrados out natrativas cutelares, préptias para nos guiar, do Pentateuco aos Evangelhos e até Marx, Fago voct observar que, a respeito deles, ducance séculos adotamos uma atinsdle dehermeneuta. Esses textos instalam, gragas a sua esctita poética, um certo ntimero dcimpossiveis, cue pddemos interprecar como interditos. E evocam as di- vversas formas de traté-los. Peguemos Homere. Em A ifada e emA odisstia, cle rata expedig6es, encontros admirsvcis incrives, perigos a enfrentas, Charles Nelman ‘mas também, ¢ a0 mesmo tempo, a descoberta, por uma populasio, do poder enganador da fila e do que podesia haver de legfsimo em seu uso enganador, Fis, entre ousras, uma contribuigéo do texto que, endo, tes- temunha uma reflexio que me parece intesessante. ‘Com os textos sagrados, estamos lidando, neles também, me pa- rece, com ume forma picaresca. © Pentateuco conta uma série de via- gens, de aventuras, aliés muito realistas, numa lingua de uma crucza admiravel, que a traducio francesa infeliamente apagou. Outras tradu- bes petmititam evicar essa edulcoragio eaté penmiticam ao texto influ- enciat, inclusive produzir ceracterlsticas nacionais cssenciais, tanto nos ingleses quanto nos alemées, por exemplo, A versio muito direta, mui- to selvagem do Pentatcuco de que os ingleses, em particular, dispSem ainda leva conseqtiéncias nos dias de hoje, Nesses textos sigtados, 80 esgotadas divetsis combinagbes possiveis em matéria de encontros fa- miliares e sociais e se colocam na frente, valorizam-se 2s condutas con- sideradas como sendo as menos més. Peguemos um exemplo: 0 dircito de primogenitura, De todo modo, é extraordinario ver que, no cexto primeiro do Pentateuco, o “personagem” finalmence reconhecido, valo- rizadlo € 0 pequeno astucioso que ter manifestado que o mais velho, ‘que acka que tudo The é devido por direito, deve, na realidede, ralar, tabalhar, enquanto ele, 0 cagula, se comporta, no encanto, de uma mancire por vezes dramaticamente deplorivel, até mesmo criminosa, Bis como esses textos Fizecam com que as coisas se passem “como-deve- set” para que as gerag6es se perpetuem, Eles encerram um saber consi- derével, que nio para de nos inspirar ¢ de estar ali. Diante desses grandes textos, vivemos numa posigio tansferencial, no sentido psicanalttico do termo, Uma transferéncis* radical permanen- te que esses escrivos, como deposititios do saber, podiam evidentemente suscitar, Escritos, entéo, suscetiveis de nos lever pela mio e, simultanea- mente, nos ajudar a nos manter firmes. JB, LeunuN: Aliés, é assim que, « conirarie, Lyotard havia definido a pés- miodernidade: o fir das grandes narratives! Essa divide com relaglo aos grandleé textos no seria mais conveniente hoje? us 16 © homem sem grviéads C. MELMAN: Nio penso assim. Em troca, é0 que a ideologia cognicivista tenta nos fizer cret pois se trata, efetivamente, de ura ideologia, pode-se demonstrat, O que o cognitivismo estipala? Recebemos do mundo um certo ntimero de informagées que so ditetamente tratadis pela miquina que somos ~ com efeito, nfio nos vemos assimilados por essa abordagern a um animal, mat a uma méquing, a algo que se define como um conjunto de citcuitos. Gragas a esse tratamento, serfamos capares, diante das situa gBes que encontramos, de fornecer respostas que poderiam ser adaptadas e corretis... s¢ estivéssemos suficientemente bem orientados, Ese, de fato, sofiemos de dcfitos, wata-se de defeitos no twatamento das informagoes recebidas; portanta, devemos apenas proceder a reabilitagSes de circuitos, de procedimentas, para consertar, Basta que estejamos bern atualizados! Essa ideologia nos interessa por trazer consigo o nos des-prender de qual- quer refeséncia vertical” — notadamneate aos grandes textos — para organi- zagiio de nossa conduta. Referéncies que, no entanto, sempre vieram orga nizar nossa relagfo com 0 mundo. Uma relagio com 0 mundo que nunca foi ingdnua, inocente nem direta. Um sujeito enfim livre! J.-P. Lesnowt: Jé que falamos de divida, tenho vontace de fazer uma pergun- ta, um pouco provocante, que lhe permitird precisar seu pensamento. Co- nhecemos a famosa frmula de Lecan: “O analista s6 se autoriza por ele mesmo”. No poderlamos, de uma certa maneira, aplicé-la ao sujeito? Um sujeito nfo é justemente alguém que, no final das contas, s6 poderia se sustentar por ele mesmo? C. Meta: O problema é que. sujeito €fébico, hi necestidade de algum cevalot. que venha manter os limites de seu tertitério, dizer-lhe quais so os 2 Alusio« um dos “eases” ctlebces de Freud, evocaado a fabia do Poqueno Hans, que ‘organizou" paras umn medo do cavalo par dilimitar seu territrio. O sigaifcantet {bico, com eli, eameamo fungi servirdereferéncia em romoda qual osujcko pode ‘ongunizar sua exin@ncia, CF. Sigmund Freed, Cing Pychanedcs, PUB, 1957, Chatles Matra, limites ando ultrapassar. essa 2 dificuldade! Cortamente desejariamos ver existir um sujeito que s6 se autorizaria por ele mesmo, mas esse sujeito & urépico. E certo que Lacan dizia que 0 desejo 56 podia se aurosizar por de ‘mesmo, mas, de fato, é antes, rao... E possivel, cvidentemente, ¢ feliz~ mente; mas no é0 caso mais freqiiente. J-B Lewiun: Ao mesmo tempo, com um sujeito que s6 se autorizaria por ‘le mesmo nio estarfamios préximos de urra definicto do individualiseno sem bordas que se desenvolve hoje em dia? C. Mrtan: Ah nic, de modo algum! Autorizar-se por si mesmode mode algum é funcionar sem bordas. B, a0 contrdtio, reconhecer as bordas que limitam sua prépria exiseéncia, em outtas palavras, que a permitem © que evitarn sua aniquilagio pelo coma da satisagio compleca. ‘J-B-Leseuw:Tenho a impressio de que esse discurso sobre o: limites, como tado 0 que voc? susicntaaqui, tenho a impresslo, dizendo de uma maneita simples, de que voot o enuncia a partit de um lugar de auroridade de que ¢ goracio que o segue nfo dispée mais... C. Mataan: Concord plenamente.. JP, Lesnun: Voot é capaz de pronunciar uma sétie de consratagies, sendo dado o lugar que voc ocupa, mas talvez voce nto perceba que, no fundo, & geracio que 0 segue nfo o tem mais, que rio pode mais contar com a cexisténcia dele. Ela no tem, a partir de entdo, outra saida a nifo ser dever evar em conte, um furo adiante, 0 que voc’, por outzo lado, descreve. # uma verdadeira dificuldade para os psis, 08 educadores & muitos outros. Peguercos justamente a questio da autoridade. Aquele que, nos dias de hoje, ccmega sua vida profissional, por exemple, um jovem professor, est obtigaco, pata legitimar sua aurotidade, ase confrontar com esses mecanis- ‘mos culos impasses voct téo bem fee. aparecer, Entfo, 2 aveité-tos,-em mai- or ou menor grau. E podemos pensar que, por isso mesmo, ele se arrisea a confortar esses mecanismos, a ser engolide nesta nova econbmia psfquice. que fiver diante de uma tal situagio? Come podectamos lerd-la.em con- ww Ne ‘© homem sem gravida tae, no mesmo movimenco, vit em ajuda daqueles que tentam, apeser ¢ contra tudo, reagir, recusara resignagao, embora nio teaham mais as armas de que voot parece ainda dispor... C. Mean: Voe® paroce, novamente, relativamence revoltado com a idéia de que poderia naio haver saida satisfatéria, de que no haja vie real para conter as conseqiiéncias da irrupgio dessa nova economia pstquica... J-R Leann: Devo assumir esse revolta, sim. C. Menasan: Efetivamente é uma boa perpunca. Serd que hi uma vie? Lem- bro a voce essa afirmacio de Lacan: “O proletrio ndo € servo do mestre, mas de seu gozd*”. Essa frase ¢ de uma tiqueza considerével. Pois bem, 0 que vemos nos dias de hoje ¢ precisamente isso: néio hd mais mestre, em ‘nossas culturas, 0 patria é 0 gozo. De tal modo que assistimos, se-voc# me permite ese comentdtio irdnico, 2 uma estrondosa vitéria proletiria que ‘Marx nilo havia pzevisto:a proletarizagéo do conjunto da sociedade. Todos proletérios! Todos servidotes! Todos cativos, obedientes diante do goz0! O grande acontecimento, como ja mosteamos, é que niio hd mais gozo filo. Hoje em dia, s6 hd gozo desse objero “constraide” através dos objewos par- iais, esse cbjeto que Lacan nomeou obje:o pequeno a*. Vivemos, no oci- dente, no calto a desonra. A honra nio € mais ura valor, no vale mais nada ‘no mercado, parece ultrapassada, até mesmo reaciondtia. Nada deespanto- 50, jd que se sssiste 20 triunfo do objeto pequeno a, isto & do dejeco, Sé recisamos ver a que seassemetha o estilo de nossis relagses... Mas, voltan- do anossa questio— para sair disso hd alguna via’ ~, eu ditia que, segundo Penso, o que parecerd a vee8 pessimista, néo hd, Mesto que fosse porque o voto profundo da humanidade é morrer, desaparecer. A pulsdo de morte J-P. Lennens: © cumprimento da pulsio de morte, entio! C. Mruman: O cumprimento da pulsio de morte, com efeito. Freud jé tinha se espantado, mas 0 vito da humanidade, Z, de uma certa mancite, (Charles Melman poderlamos dizer que estamos caminhando para a realizago desse voto. Nio encontramos esse fameso objeto at atrés da figura da poluicéo, que efetivamente se tors, na realidade, ameagadora? Estamos cada vez mais nos tornando capazes de tomar imposstvel a vida na superficie de nosso planeca € nes aplicamos nisso, notadamente ao encorajar um certo tipo de desenvolvimento industrial dos pafses ditos do terceiro mundo que conduz amodos de produgio particularmente poluidores. E, no mesmo movimen- 0, como vimos com 0 protocolo de Kyoto, os Estados Unidos dio o exern- plo ao recusar se engsjar no controle de seus préprios excessost Como interpretar tais comportamentos, enquanto os especialistas sabem que é real o perigo de desarranjar o funcionamento do planeta aum ponto cue torna a vida bioligica impossivel A vida biclégica, a nossa, é um acidente: um acidente nfo é fundamentalmente exemo! J-P. LEBRUN: A propésite da pulsao de morte, sem dhivida vocé se lembra de que Freud actescentou, na sua segunda edigio de Mal-evar na civilza- $40, publicada pouco depois da entrada dos nazistas no Reischtag, uma fase no fim de seu texto em que ele evoca a luta entre dois adversdzios: pulsdes de vida e pulses de morte. Uma frase que diz simplesmente: “Mes quem pode prever éxito e salda?”. C. Metaman: Podemos até dizes, se nos flamos nos grandes casos que Freud studou e que narra, que éa pulsio de morte que, a cada ver, o conduz. J-B Learn: F inelucivel? Vocé pode especificar? C. Matasav: Como terminou ahistéria de Dore? Com una mocinka que em uma tossezinha, magrela, doente,¢ que motte numa idade precoce. O Homem dos rates desapareceu no fronte, © Homem dos lobos foi perpe- tuamente um docnte, que inclusive viverd como um doente “profissional”, sempre representando, mesmo depois da aposeatadoria! O Pequeno Hani “Sf aqui évocadas nucesivancite 0: casos maisedlebresde Freud, CE. Cing Pysbanaye, 19 FIT a TPP iy TRL Pay ely | te ‘ C 120 (© harem sem gravidede talvez seja.¢ que melher se saiu, ao dar a sua vida um percutso complets- mente diferente, consagrando-se A musica. 3 ia ainda tdo bem? Néo sei, nfo conbego os documentos em que se relata sua vida de adulto. Nao se vé nenhum cato, dentre as grandes psicanilises de Freud, pelo qual especial- mente haja hagar para se regczijar, Quanto aos analistas que cercavam Freud, era um bando de perigosos lelés, freqlientemente agressivos ¢ maus. Eno ‘vou me p61 a evocar os que cercavam Lacan, fago de voc’ juiz. Serd.que 0 que a psicandlise expe & luz do dia nfo é, afinal, 0 voto profundo de todo sujeito de acabar com tudo o queo perturba? Entio o sexo € demais. Certo, é4 condigio da reprodugio, mas por que niio delegi-la? J.-B, Launun: Voct pensa que a possibilidade de obstruie a pulsio de morte se reduziu, a0 quadro da nova economia psfquica? C. Mutwaw: © proprio da nova economia psfquica ¢ que ela de modo nenhum incita a conter a pulsio de morte, ela a aspira! Quando sé se vem apetite pela satisfagdo completa, a manutenedo da vida em momento ne- hum constitai um fator restritivo, J.-B Leprunt: Entdo, se essa economia nova devesse prevalecer, sesiamos ‘cada vez. mais agidlos pela pulsio de motte... C. Metaani: Completamente. J-B, Lenn: Cada ver. menos resistinfamos a ela... C. Mrtwan: Certamente, Talvez voot me diga que esté em contradigio com tades a5 estafsticas, que mostram um aumento da duragio da vida. E verdade, € cbsolutemente contraditério. J.P Linwor: Sem divida, porque o aumento da duragio da vida no significa nnecessatiamente que se vive mais, que se vive verdadeitamente, como sesabe.. C. Matwan: Nao & suficiente, com efeitg, alongar a duragiio do percurso pera estar mais na vida. Charles Melman 0 pai hoje? Um cémico... Jk temente, a saber, que a vindita contra 0 pai, no final das contas, é uma vindita contra 0 desejo sexual, C. Mruan: B uma vindita contra o sexo. Pois—valtemos ~o que € um pai se nfo for o que ven introduzir, no que é a docura do lago entre uma mée escu filho, a violencia traumética do sexo? O que mais é? Ble é aquele que ‘vem quebrara harmonia— deliciosa!— que caracteriza as relagbes entre uma mée ¢ seu fitho, E de modo brutal, J-B. Leenuw: Sem diivida. Mas o patriarcado repousa pura simplesinente nessa dimensio do pai? C. Metaant: © patriarcade € 0 tipo de organizagio que, ao instaurar essa rachadura ¢ esta desarmonia entre a mée e o filho, introduz. este na vida sexual. El isso patriarcado. Uma organizacéo que, ptimeiro, agencia 0 estztuto subjetivo da ctianga.e, depois, ao inesmo tempo, Ike abre 9 acesso 2 gonitalidade. J.-P, Lunnun: Mas também podemos dizer que. patsiarcado, de certo meido, 46 tinha virtudes, Em particulay, ele se mostrou incapas de permitir 0 reco- hecimento do cescjo das mulheres, da fala das mulheres.. C. Matnast: Mas quem disse que etistia um desejo feminino? Quem disse que exist uma fala femivina? Leprux: De todo modo, concretamente, voce nao pode negar que, desde que o pattiarcado foi requestionado, observamos, em particular, que as mutheres tinham mais facilmente coesso & fala! C. Meant: Nao he fala masculina ou feminina, hé una fala a0 pé da lecra. Eo desejo nfo & feminino ou masculino, ele & a0 pé da letra. Foi o que Freud notavelmenze fez aparecet: a libido é wma, fat 12 (© homem sem gravidede J-P, Lepruw: Sim... mas nem por isso posse seguis yoo quando encara assim o pattiascado, simplesmente assimilando-o a uma organizagéo liga- da a um pai “traumitico’, aquele que voct acaba de descrever. Nao & redutor? C. Metaan: Mas, seni for assim, ao hd pail Seo pai nfo €esse, entfo é um comediante, nio € ura pai. Em certas sociedades afticanas, em que simplesmente o genitor de vez em cuendo fica no lugar onde sua mulher mora com os filhos que ele Ihe fer para trocar alguns galanteios, € justa- mente o inmio da mas ~ é 0 que se chama avunculato— que representa a autoridade pare as criangas, J.-B. Lannun: Entzo, segundo vocé, fors do patriarcado nfo hd sauide. Se ele esaparece, estamos condenados a passar para a nova economia ps(quica... C. Mataan: Bu nko disse que nio havia saide fora do patriarcado. Dejeito nenhum sou um defensor do patriarcado! Simplesmente estou em posigio de analista, logo, em posicéo de expor um cero numero de fenémenos, E. 86. Néo tenho mem que atacar nem que louvar essas evoluges que consta- to. J.-P. Loeron: Fica uma pergunta: a existéncia do patriarcado ¢ necessiria, até mesmo indispencivel para que o lugar do pai scja reconhecido? C. Mataan: Com eftito, o lugar do pai sé pode depender do patciarcado. Senio, 0 pai é¢ bom homem que hoje conhecemos, um cara pobre, até ‘mesmo um cémico. De onde ele pode tirar sua autozicade numa farnilia se nio for do valor concedido ao patrisecado? Um pai nfo pode se ato- rizat por ele mesmo, sé pode se autorizar pelo pattinrcado, E se ele ques, a qualquer prego, se aucorizar por ele mesmo, estamos dando com o pai violento, bruzal, com aquele que, por vezes, se vai arrastar para a frente do juiz, J-P. Lepron: Né fundo, vocé nos diz que no se incica suficientemente que a autoridede limita © poder... Charles Meknan C. Metwant: Subscrevo totalmente ao que voc® acaba de cizer: auvoridade €0 que constitui limite para o poder. B, quando os regimes reolégicos querer assegurar « colusfo, voltando a uma de suas perguats, entre 0 poder ea autoridade, € uma cattstrofe, Porque se chege.a legitimar poderes que niio tém mais nenhum limice. JeR. Leanurs: Em que vocé pensa, concretimente? C. Mriman: Nao podefia ser mais claro: é 0 que se chama integrismo, JeB Leeruni: Mas também podemos, me parece, ver as coisas de outro modo. ao é quando nio se deisa mais suficiente lugar para a autoridade que volta a dar também, de uma outra forma, uma abertura parao poder, que se 0 reforga? C. Metmant: Sem diivida, Mis o meio mais simples de reforgé-loé, de certo modo, confundir poder e aucoridade. Quando aquele que tem a autorida- deé a0 mesmo tempo o que tem 6 poder, édireto, e sem limitagio possivel. JeB, Leseun:Voc€ pensa que o patriarcado ests diretamenteligedo ao teligioso? C, Menaty: Os fatos mostram que nao est nada ligado. O patriarcado, tal como existe nos romanos, apareceu bem antes ¢ independentemente do estabelecimento da religifo crised. Lidamos, entZo, com uma autoridade civil, que € suficience em si mesma. JR. Leanunt Se se admite que 0 lago refigito-patriarcade nfo é necessétio, um ponto capital, Vocé verdadeiramente sustenta essa tese? CC. Metaan: Bla € historicamente atestada, JoB, Lemur: No geral, entéo, segundo voct, nao existe verdadeiramente outra soluglo 4 nfo ser o patriacezdo para assegurar 0 lugar 20 pai, para que 0 exetcicio da patemidade se verifique poss(vel, autorizado diferentemente de sob 0 modo éa violéacia? 14 Ohomen sem graviaée C. Metman: Certamente. Nao hd outta. [4 evoquel em outro higar* 0 que se passa nes sociedades em que, por rezées histSricas, por vezes ligadas & colonizacio, as comunidades no conservaram nenhuma referéncia a figu- xa de um pai comum. Os pais, nessas condigées, so simplesmente vistan- tes noturnos seeusis, Nao tém outro poder So reduzides a seu papel de genitores, de reprodutores, como em zoologia, J-P. Lana: Como em zoologia! Seria essa uma maneita de falar da modi- ficagio da celagio com o inconsciente que se anuncia com oadvemo dessa nova economia pstquica? C. Metman: &, claro, uma questio essencial. Nao creio que se possa tratd- a ex abrupto, Digames, entretanto, volto a isso, que penso que no va- ‘mos na diregio de uma desaparigéo do inconsciente, n0 sentido frediano do termo, mes nado sujeito do inconsciente. Lidaremos, de certo modo, com um inconsciente que nfo terd mais interlocutor. Néo hayerd meis nem vontade de se fazer reconhecer, nem enunciagio a ttule de sujeito. ‘Teremos um singular, um esteanho retorno ao que era a situacéo pré- cartesiana, de antes da apatigéo do “eu [je]” do cagito. Haverd vores das profundezas, vozes diabolicas que 0 sujeite no reconheceré como suas, ‘Nao parece de todo exclufdo que iremos muite rapidamente na diregio de uma tal configuragio. J do que da perversio? 10 quer dizer, ainds, que vamos mais na diregtio da psicose C. Mrtatan: Lacan talver the tivesse respondide que safmos da paranéia pita entrar ne esquizofrenia 9 GF Charles Melman, “Le complexe de Colom”, em Dian inconscient postcobial cit cxhte, publicagies da Association leeanienne internationale, Pats, 1995, Charles Melnan Um sujeito apdtrida J-B. Lesxun: Podemos voltar & clinica e continuar a tencar distinguir os ttagos mais relevantes que caracterizariam um sujeito que funciona nessa nova economia psfquica... C. Mrtwan: Seria preciso primeiro especificar qual é, hoje, 0 esraruto do sujeito. co, tal como o conhecemes, estava JeP. Leprun: Voce disse que 0 suj abolido... C. Mamas: E que 0 sujeito nio encontrava mais, hoje, um heim, uma «casa, urn lugar. JoP. Leseun: Que estava sem abrigo, que nio havia mais abrigo... C. Matatant: Que nao havie mais abrigo e que, de uma certa forma, tinha se tornado apatrida, Penso que os movimentos regionalistas atuais tém um certo sucesso porqite representa uma reagio diante desse cariter cada ver mais epatrida do sujeito. Um sujeito que, 20 mesmo tempo, perden suas referéncias histéricas. E que se eacontta liberado da relagéo tradicional que gaa cxisténcia do sujeito a uma dfvida simbélica que ete teria que pagar.. JeP, Leonun: Quando voc’ diz “perda de referencias histuicas”, poderfa- ‘mos também entender na clinica individual: pessoas que véma nos ver e que se dizem sem histéria, sem referencias que especifiquem seu pereurse. C. Mitaavy Exatamente, Vemos suigis na realidade esse “homer sem qua lidedes” de que Musil falou, Com uma existéncia que, de uma certa forma, poderfamos julgar libert, liberade, mas que sc verifica, por um outro lado, extremamente sensivel as sugest6es. A auséacia de referéncias, de lage com um Ousto*, correlativas de um engajamento do sujeito, 0 tome extrema: mente sensivel a todas 2s injangées vindas de outrem. Assim, dissemos, imprenca eas midizs ~ 0 que se chama 0 quarto poder ~ vieram substieui 6 © homer sem gravicade esse Outzo a0 qual outrora nos referfamos através do peso da histéria, da religito e da divida. Daf resulta um sujeito eminentemeate manipuldvel ¢ manipulado, Ainds que 0 coloquemos no centro do sistema, como se ele fosseo decicidor. Seriam suas escolhas, suas opgBes, seus comportamentos, de consumidor om particular, que deciditiam, diz-se, quanto 3 organizagio de seu mundo. © que justifica que néo se pare de sond-lo, Mas as respos- tas dele as pesquizas nada mais so que o quea anterior lhe inculcou, J.-P. Lesxun: Vemos aparecer um nfvel suplementar de contiole do sujeito, Niio se tem mais como recorreraos métodos tradicionais, como quando os totalicarismos utilicavam abectamente c deliberademente as técnicas cl4ssi- cas de consrolee de propagande para agir sobre o sujeito, Nos dias de hoje, para realizar este controle, se agird esvazinndo o proprio lugar do sujeito... C. Maman: Bxatamente... J.-B. Leon: Chegamos a criar uma espécie de nio-luger no lugar do sujet C. Matuan: Podemos perfeftamente dizer assim, Mas 0 que hoje temos que pensar é sobretudo uma forma de identificagio que, parece-tte, nfo foi ‘dentificada nem por Freud rem por Lacan ¢ que consiste na oryanizagio de comunidades reunidas em torno de um mesmo goz0". Um lage social pobre J-P. Lspxun: Voct com isso quer evocas, suponho, codos os agrupamentos em toro de uma mesma, paixio, ou de ura mesma preoaipagio, eanto doentes atingidos por zal ou qual afecgio quando os jogadores de soiabble ou filacelistas.. Mes 0 lago social que esses comunidades de interesse criam, propdem €-verdadeizamente um lago? C. Metuan: Evidentemente € um lago social muito pobre, ja que esté fandado exclusivamente ne apoio obtide em outrem, na medida em que (Charles Melman outrem compartilha do mesmo gozo. % esse gozo, pelo préprio fato da similitude de seus adeptos, de seus protagonistas, se torna um goz0 unisex... J-P, Lesnow: ¢ em espelho... C. Mruman: € em espelho. J-P. Leann: Nese dispositivo, qual 60 destino des inst@ncias pslquicas? O {ue acontece com o supereu* nums tal economia? Eo quese torna o idea! do eu*? O que resta? C. Meuman: Bssas duas instdincias esto sempreativas, Talvez tendam mes- mo ascir da cadeia, Pois o ideal do eu se confunde hoje, cada vex mais, com o eu ideal*, enquanto que o sujeito teria que assegurar sua prépria representagio de ums forma que seja também cénica, tho estética quanto possivel. E isso a0 passo que o supereu manteria sempre seu lugar tradi cional de injunge 20 goz0°, injungao até de ir ao termo do gozo. O supereu sempre comportou essa injunsao, mas, na configuregio atual, cfetivamente, ¢ no é uma pequena diferenca, nfo hé mais nada que po- aha rédeas nele. J.-B Luprun: O que nos remete a esses jovens que voce evocou e que tém uma tal neosssidade de decibéis que por vezes chegam a sefrer de uma patologia da audicfo. Estamos af numa relagio com o excess... C. Meumans: Visivelmente, foi o excesso que se tornou a nerma, J-P. Lesuuw: E um excesso que no ¢ vivido sob o modo pontwal de uma transgtessio... © Lembremos quea leurs lacaniana do Supeteu diferedade Frew: par Feud, o Supercu + €.uma insnca iterditors; para Lacan, & também uma instncia que prescreve © go20 GF. seu Semindrio do ano 1972-1973, Encore, edighes Seu, 1975 [Tad. bras: Mais, ainda, Zaba, Rio de Fancico, 1982)). nar 128 ‘© homem sem gravidado C. Manas: Que ngo apenas nfo é vivido sob 0 modo de uma transgres- sio, mas que o é sob 0 mode de uma prescrigfo: a prescrigio do excesso como tal. J.-P Lssnun: Voce evocou 2 necessidade do desafio, Mas também ha ser- pre uma dimensio de transgressfo no comportamento pervers>.. J.-B. Lesnun: Por que é diferente nesse caso exemplar? B também uma ca- racteristica di nova economia pslquica? C. Mataan: Escamos lidando com uma perretsio moral. A perversao sem- pre teve relagécs com a moral, mss até agora o liame delas era complexo, tina se apoianéo-na outta, sob a epartncia da reprovagdo. Enquanto que, ‘Goravante, estamos diante de uma perverséo que quase se teria vontade de iver... higienista, J-B Lornun: © que se manifesta pelos interdivos de fiuinar, os regimes ali- rmentares, toda essa relagfo que semos nos dias de hoje com 0 médico pre- ventivo... C. Metuan: Com eftizo, apenas o higienismo vem cons:ituir um limize, melhor, um pseudolimiee ~ pouco eficaz, de fato — A perversio por outro lado prescrite, Nunca vi tantas mogas, tomando um exemplo des maissim- ples, item ao colégio ott 20 liceu com o cigarro na mio, 3s oito horas da manha. E desconcertante vet essas garoras, que sem dtivida nfo podem fiumar em casa nem na escola, jogar sua guimba, como um velho traba- Ihador que vai pera o trabalho, Elas estéo se envenenando, se asfixiando gentilmente. E ndo é um prazer coletivo partithado: mais frequentemense, estio sozithas, fazem exclusivamente pars o prazer delas, buscam um gozo solitdric J-B. Leseun: Ai quase que se poderia falar de perversio da moral... (Charles Moleran C. Mutnaw: Poderfamos dizer, De toda forma, nao lidames mais com a ‘moral tridicional, porque a moral nfo era organizada, até entéo, pela preo- capagio de ter que preservara vida: ela ere organizada cm tomo da preocu- pagio de preservar a honra, Traava-se de permanecer digno, O que é total- mente diferente. A indignidade se tornou o comum, E agora: o que fazer? JeP Lennon: Continuo diante de uma dificuldade, Ao descrever essa nova ‘economia psiquica, vook diverses vezes afitmou que cla tornava imposstvel qualquer transferéncia*. E que, pelo fato desse colacar fora do jogo a trans~ fertncia, © analista, como qualquer outro terapeuta, alids, era imporente quendo vinham procuréelo, Em troca, ouvi vee dizer, aqui eali, que, de certo modo, temos 0 dircito de aguardat e de esperar da parte de umn analis- ta que ele sempre possa responder de maneita mais correta posstvel quando reeebe um paciente. Entio, voce no pensa que, dianée de aluém cujo psiqu’smo se encontra organizado por uma tal economia, heja algo a dizer, asignificar? Todos os psicanalistas, sobretude fora de suas prdticas de ttata- ‘mento, provavelmente jf encontraram sujcitos tomados nessa dintmica Penso, por exemplo, nos que sio levados porque se entregaram a carfcias scxuais com seus filhos, ade num quadro de um comportamento de trans- gressio daliberada, mas, antes, porque estéo na anomia, verdadeizamente paauséacia de limite. Vemos bem que esses sujeitos tém dificuldade de se representat, 0 que, de certo modo, continua sendo uma transgresslo, Eles se dio conta de que sua conduta nio ands sem sobzessaltos. Sem divida, resta, cm geral, uma peyuena esperanga de que ae apereebamn de que exis te um lugar em que esta tomada de consciéncia é posstvel. Mas por que consentiriam em deixar lugar para o limite, para o incerdito? Em nome de que se situatiam novamente numa economia que vai Thes impor wena pecda de goz0? Quando assim des chegam atéo analists, owaté o terapeuts, com freqiiéncia apés uma decisio judicial, € evidente que néo podeines grande coisa. C. Mmiaant: Que niio podsmes nem educt-los nem governd-los. a 130 (Ohomem sem gravidade J.-B Lisrun: Eneretanto, mesmo nesses casos, nflo devemos erazet 0 que voce chama dea cesposta mais correta posstvel? Essa situagio no convoce uma fala, algo que nZo seja apenas uma condita neutra, uma conduta de abstinéncia? C. Metsu: Penso que se pode dizer-thes que uma sociedade em que os pais —a comecer por cles consomem seus préprios fihos é uma sociedade que caminha para seu fim. © que leva a fazer essa pergunta: entendem eles, 30 mesmo tempo, it para seu fim ¢ pars o fim de seus filhos? Uma socieda- de que se tomou endogimica € que consome seus préptios filhos & uma sociedade que estd morrendo. A tinica coiia que podemos fazer & coloct-ios diance dessa constatacéo e thes perguntar se... J-P, Lensuw: Se € isso que eles quetem? C. Mein: Sc ¢ isso mesmo que eles querem. Fazé-los entender que €0 que o gesto deles significa J.-P. Leenuw: Precisamemte, néo € a mesma coisa que nio Ihes dizer nade. C. Mataant: Decerto que nio! E preciso dizer thes. Mas nem por isso se trata de querer levi-tos a um dever concernente & paterniidade, Simples- ‘mente nos contentaremos em esclarecer a significagio do gesto deles, J.-P. Lepruw: Compartilho totalmente dese pono de vista. Mas com isso mesmo definimnos quase que uma nova economia do analista... (C. Maiaan: Mas éevidente que o analista forgosaitiente tem una! Ele nfo tem escothal J.-P, Lennon: Ele tem forgosamente uma, decerto. Mas estamos falando de uma mancire nova, que nio é tradicional, de se comportar com os pacientes. (Charles Motman, C..MeLMAN: F to afastado de nossa forma tradicional de trabalhar quando se entende confrontar um su‘eito com a significagio de suas condutas? J.-P, Laan: $6 que, no caso, a intervengio deve ser répida, deve ser feita muito cedo no curso das entrevistas, o que no é habitual num psicanalis- ee C. Metman: F répida porque o paciente nZo sabe o que temos a dizer aele, 420 passo que o analisia, num tal caso, pode sabé-lo de cara, ou quase, Seu dever de fratemidade é, pois, atrair para esse pontoa atengio daquele que clerecebe. H.quase menos um dever de analista queum dever de fraternidade, J.-P Leanun: Ainde que nfo se escute falar assim da fiaternidade com fre- léncial Sobrevudo diane de ais siruagbes! E preciso, sem duivida, ter feito uma anilise para identificar cue hé af um dever de frarernidade! C. Mpiman: Talvez, J-2 Lesnon: Voct concorda, entlo, que, no dispositive dessa nova econo- ‘ia ps(quica, o analista pode ficar como um tiltimo porto para o sujeito? C. Mstman: Diante do progresso notével da citncia, a existéncia do in- consciente seguramente é um refiigio para a humanidade. E, por fim, 0 uiltimo lugar que fornece um abrigo para o sujeito, 0 coloca em posicéo de operar ume retirada, entio, de langar um olhar pare o desenrolar de sua vide, de fazer sobre ela um julgamento de ser capaz. de vomar deci- 36es, Tudo isso fo vai por si, ado € um dado natural, Pode-se muito bem, como experiéncias his:Sricas, por exemplo sob 0 nazismo, moscra- ram, encontrat-se obrigado por leis, devidamente escritas, alids, que nos soubaram o poder de decidi:. E sé podemos nos dobrat 2 elas ~ nfo se pode fazer de outro modo! -, simplesmente porque se tem que continuar sociaimente vélido. E muito claro que o progresso da ciéncia nos “barra” como sujeitos — voltarei a isso. A ciencia estd cada ver, mais presente, exigente, galopante. a organizadora, a companhia que regula o essencial de nosso mundo, Ela 134 eA ol C [ C ¢

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