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A MATRIZ AFRICANA NO MUNDO Ceara) EM D> & 8 DB Elisa Larkin Nascimento (org.) | sea Dados rtraconis de Catalogaio ma Publica (CIP) ‘ ‘Grote 3 SANKOFA | A mes aca 9 mando Elie akin Nascimento, (1) Matrizes Arcaras da Cultura Brasileira ‘io Pol: Slo Neg, 2008, (Sankt: atin sana én tis bras: 2) Bibvopaa , ISON 576-45-67478-324 1. ica Ciao 2 ice it 6a» BT Nsiera tha in ste A MATRIZ AFRICANA NO MUNDO onocese c00-303.482 fi - ‘ Elisa Larkin Nascimento (org.) para catlog sistent 2. Cura arcane Inés ra mind: Soiagis 302.682 ampee em ugar oe otocapa. (da eal qe oct pou a fecompensa seus ates 1s coda 3 pod mal sabe otra Incentives etre encomend, wad epubtst | : ‘tae abe sabe o sev ‘© paga aos livreiras por estocar e levar até voct livros EL opments RO onal cpa tnd eo =~ h sale 9 mata a produo Insecta de se pis 0 A MATRIZ AFRICANA NO MUNDO Copyright © 2008 by autores Direitos desta ediao reservados por Summus Editorial Editora executiva: Soraia Bini Cury Assistentes editoriais: Bibiana Leme e Martha Lopes Capa, projeto grafico e diagramacao: Gabrielly Silva I" reimpressio Selo Negro Edicdes Departamento editorial ua Tlapieua, 613 ~ = andar 0006-000 ~ So Palo - SP Fone: (11) 3872-3322 Fax: (11) 3872-7476 http://wenselonegro.com.br e-mail: selonegio@selonegro.com.br ‘endimento ao consumidor: ‘Summus Editorial Fone: (11) 3855-9890 : Vendas por atacado: Fone: (11) 3873-8638, Fax: (11) 3873-7085 e-mail: vendas@summus.com.br Impresso no Brasil Este volume, junto com os outros que compdem a colegio Sankofi, incorpora nossa homenagem 4 imortalidade de Zumbi dos Palmares, herbida nacao brasileira e dos povos de origem africana em todo 0 mundo. AxéZumbit as 7 au 29 SUMARIO APRESENTAGAO A NOVA EDIGAO Carlos Moore InTRODUGAO A Nova EDIGAO Elisa Larkin Nascimento Nora nisrOnica Elisa Larkin Nascimento [APRESENTAGAO Kabengele Munanga Ivrropugao Elisa Larkin Nascimento ‘SANKOFA: SIGNIFICADO E INTENGOES. Elisa Larkin Nascimento 35 2 109 133 aa 183, 191 233 8. 10. Inrropugio AS ANTIGAS CIVILIZAGOES AFRICANAS lisa Larkin Nascimento AS CIVILIZAGOES AFRICANS NO MUNDO ANTIGO Elisa Larkin Nascimento A ARICA NA ORDEM MUNDIAL, Michael Hamenoo REFLEXES SOBRE © “DESCOBRIMENTO" DAS AMERICAS. Gizélda Melo do Nascimento ¢ Elisa Larkin Nascimento LUTAS AFRICANAS NO MUNDO E NAS AMERICAS Elisa Larkin Nascimento AFRICA ONTEM E HOVE: UMA PERSPECTIVA ANGOLANA Francisco Romdo de Oliveira ANGOLA ONTEM E HOTE Ismael Diogo da silva AFRICA B DIASPORA: LENTES CONTEMPORANEAS, VISTAS BRASILEIRAS E AFRO-BRASILEIRAS Anani Dzidzienyo ABpIAS NASCIMENTO E 0 SURGIMENTO DE UM. PAN-AFRICANISMO CONTEMPORANEO GLOBAL Carlos Moore REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS APRESENTACAO A NOVA EDICAO POR QUE AS MATRIZES AFRICANAS? A REEDIGAO da colecdo Sankofa acontece em um momento de singular importéncia para os estudos brasileiros sobre a Aftica ¢ as didsporas africanas. Hoje, os estudos africanos nao atendem ape- nas a uma demanda exclusiva do movimento social negro, mas de toda a sociedade, e tornam-se indispenséveis para o conhecimento do mundo no qual vivemos e dos mundos que nos precederam. Fruto do ativismo de educadores negros e seus aliados, a Lei n® 10.639/2003 coloca a sociedade intefra diante da obrigatoriedade de assumir 0 legado africano como uma precondi¢ao essencial para desenvolver 0 conhecimento. Era precisamente isso ~ assumir essa precondigao e atender a essa demanda - que se almejava com a pro- ‘dugdo da colegdo Sankofa na década de 1980. Por que assumir 0 le- gado africano como precondicao essencial do conhecimento? Os te- mas abordados nestes quatro volumes vém nos mostrar: as histérias| eas culturas africana e afro-brasileira dizem respeito nao apenas aos descendentes africanos, mas & humanidade como um todo e a0 Brasil como nacao. No primeito volume, vamos conhecer por que a nocao da Africa como bergo tinico da humanidade, arcaica e moderna, 6 um dos dados que se impdem com forca cada vez maior nos estudos interdiseiplina- res sobre os seres humanos e as redes sociais complexas que estes tém constituido ao longo de seus quase trés milhdes de anos de existéncia, Entenderemos por que é necessério conhecer a Aftica para compreen- der a origem das primeiras civilizagdes e a formacio do mundo antigo e contempordineo. Teremos uma introducao a saga de resisténcia dos po- vos afticanos a0 dominio colonial e ao sistema escravista mercantil, que implantou as nagdes modernas das Américas, e exploraremos as impli- cages dessa dindmica nas relagoes entre Brasil e Africa, O segundo eo terceito volumes abordam aspectos basicos de como a matriz africana fundamenta a cultura brasileira e da importéncia éa luta anti-racista dos negros para a histéria brasileira, inclusive na area da educacao. Os dois livros mostram o papel fundamental da mulher negra e da religiosidade de origem africana na formagao da cultura brasileira e nas perspectivas de sustentagdo do meio ambiente. No quarto velume, conheceremos ‘uma das contribuigdes que os intelectuais africanos oferecem ao desen- volvimento do saber no mundo contemporineo. Este conjunto de obras aparece em um momento no qual ja foi niti- damente desenhado o tipo de estruturas socioeconémicas planetarias que ptetendem ditar as normas em todos os ambitos, especialmente no da educago. 0 mundo globalizado que tomou forma a partir da queda do projeto comunista e do fimn da Guerra Fria é um mundo hegeménico ndo somente do ponto de vista econdmico e politico, mas também (e sobtetudo) do ponto de vista ideolégico, Embora se apresente como um, mundo antiideolégico - alids, como 0 mundo do fim das ideologias -, na realidade ele massifica e difunde globalmente uma cultura ideol6- -gica que se apresenta como inclusiva, Trata-se da imagem fracionada de uma diversidade rasa e facil, transmitida nos pulsos eletrénicos dos meios de comunicacao de massa, incapaz de remeter a riqueza e a pro- fundidade das ‘diferentes culturas e experiéncias histéricas. O recente revisionismo da narrativa histérica sobre a Attica faz parte dessa viso “hegem6nica cujo impacto coniribui para manter a subalternizacao e a ‘dominacao dos povos e descendentes africanos. 10 6 APResENTAGAOA NoVA EDIGKO © ‘A colegao Sankofa realiza um trabalho no sentido contrério ~ 0 de reafitmar e aprofundar as bases histéricas de uma narrativa cujos pro- tagonistas sio 0 préprio povo africano e sua producéo intelectual e cientifica - ¢ oferece referenciais para uma formagao intelectual capaz de contemplar as verdadeiras dimensdes de nossa diversidade, contri- Duindo assim para a elaboracdo do pensamento contemporaneo. ‘CaRLos Moors, Salvador, 2008 INTRODUCAO A NOVA EDICAO Ap6s TREZE anos, voltamos a editar a colegdo Sankofa (desta vez em quatro volumes), no intuito de atender & demanda que aumentou bas- tante desde a primeira edicdo. Continuam escassos, se comparados & amplitude dessa demanda, os recursos dispontreis para subsidiar 0 en: sino da histéria e da cultura afro-brasileiras, apesar de estar em vigor, hé. quatro anos, alei que o torna obrigatério. ‘Tal demanda nao é apenas quantitativa, mas principalmente qua- litativa. Precisamos de obras que abordem esses temas de um novo ponto de vista. Carecemos de pesquisas ¢ reflexes construfdas sobre novas bases epistemolégicas. As informagGes reunidas nos volumes da colecao Sankofa atendem a essa demanda especifica, e temos certeza, de que serio de grande valor para uma populacéo que esta inserta em. um mundo cada vez mais globalizado e procura fundamentar uma nova articulagdo de sua identidade. Refiro-me & populacdo brasileira, € ndo apenas aos negros brasileiros. Para estes, porém, a recupera- 0 de identidade ganha uma dimensio espacial, pois a distorgdo, a escamoteagio ¢ a falta de referéncias sobre a histéria e a cultura afto desembocam no desconhecimento de suas raizes, que so também as, raizes do Brasil 13 A falta de conhecimento sobre suas origens contribul para que 08 afrodescendentes tenham pouca auto-estima, o que impede seu acesso pleno as oportunidades e mina sua capacidade de lutar por di- reitos. Essa situago levou o movimento social afro-brasileiro a exer- cer forte pressao politica. Esse movimento, que vem se articulando desde a Convengao Nacional do Negro, realizada no Rio de Janeiro e em Sao Paulo nos anos de 1945 e 1946, quando intelectuais e ativistas negros advogaram medidas afirmativas no contexto da Assembléia Constituinte de 1946, expandiu-se bastante nas décadas de 1970 e 1980. No final do século XX, com a terceira Conferéncia Mundial con- tra 0 Racismo, 0 movimento abriu nova brecha com a modificagao da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (Lei n® 10.639, de 9 de janeiro de 2003), que tornou obrigatéria a tematica histéria e cultura afro-brasileira.! A primeira edicao desta colecdo marcou um momento rico nesse processo, pois foi publicada pela Secretaria Extraordindria de Defesa e Promocao das Populacdes Afro-Brasileiras (Seafro), tinico érgio exe- cutivo estadual de primeiro escaldo voltado para a articulaggo e im- plementagao de politicas piiblicas de combate ao racismo.? O projeto Sankofa inclufa a distribui¢ao dos livros as bibliotecas piblicas e as redes de ensino municipais e estadual do Rio de Janeiro, bem como a realizagdo de fruns e atividades de preparagao de educadores para o ensino da historia e da cultura afro-brasileiras. Essas iniciativas aconte- ‘ceram uma década antes da promulgagao da Lei n? 10.639, de 2003. Essa primeira versao da colecao Sankofa, em dois volumes, reunia 0s textos de apoio para o curso Sankofa, ministrado pelo Instituto de Pesquisas ¢ Estudos Afto-Brasileiros (Ipeafro) no periodo de 1983 a 1995%, bem como 0 resultado dos dois {éruns que o Ipeafto realizou em conjunto com a Seafro (Nascimento, E. L., 1991b, 1993). Uma segunda edigao da colegio, com trés volumes, trouxe novos ensaios.* A presente colegao acrescenta um quarto volume aos trés da edicao anterior, atualizados e com novos contetidos. O segundo volume, Cul- tura em movimento - Matrices africanas e ativismo negro no Brasil, fo- caliza a matriz afticana no Brasil, o movimento social afro-brasileiro e a questo prioritdria da agao deste: a educacao. Além de trazer informa- 4 © nwrRopUGAO A Nova RDIGKO © ‘Goes atualizadas sobre esses temas, focaliza a Lei n? 10.639, de 2003, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional. O terceiro volume, Guerreiras de natureza - Mulher negra, rligiosidade e ambiente, fala sobre o culto aos orixas e preservacdo da natureza, entre outros as suntos atuais da temitica afro-brasileiras. 0 quarto volume, Afrocentri- cidade - Uma abordagem epistemolégica inovadora, antologia de en- saios sobre a afrocentricidade, introduz. ao piblico brasileiro a proposta epistemolégica articulada pelo professor Molefi K. Asante com base nos referenciais clissicos da tradigao e do saber afticanos ¢ liga-se estreita- ‘mente & obra do grande cientista senegalés Cheikh Anta Diop. Os textos reunidos no presente volume incluem consideragdes so- bre momentos especificos, como 0 quinto centendrio da “descoberta” do Brasil. Creio que serdo valiosas como referéncias historias, inclu- sive para comparar ¢ época atual com a da primeira edigao e auferir ganhos e perdas. Por outro lado, o retrato de um momento na histéria de Angola, por exemplo, é um pouco como uma fotografia: fixa uma imagem que, embora tenha mudado, transmite aspectos da configu: racdo das relagoes de poder no mundo globalizado que continuam vi- gentes até hoje. Além de retratar um momento hist6rico, os textos dos trés embaixadores afiicanos conduzem a teflexdes e informagdes bem mais amplas. No presente volume, tivemos o prazer e a honra de contar com dois textos novos, Carlos Moore, ativista ¢ intelectual na melhor acepcao das palavras, brinda-nos com um depoimento sobre 0 pan-afticanismo. ‘Trata-se da avaliagdo de quem vivenciou a militncia pan-afticanista a0 longo de algumas décadas e continua a exercer a interrogagao intelec- tual do mundo que melhor caracteriza qualquer pesquisador e pensa- dor. Sua convivéncia e colaboragao com Cheikh Anta Diop qualificam- no, também, como umn sankofista nato. Outro sankofista de primeira ordem € Anani Dzidzienyo, distinto professor de estudos africanos e brosileiros na prestigiosa Brown Uni- versity, nos Estados Unidos. O intelectual africano ganaba (filho de Gana), também na melhor acep¢ao das palavras, gentilmente colaborou com um texto que reine suas reflexdes sobre a questao da affo-latini dade nas Américas e a relagbes BrasilArica, 15 4 Gostra de agradecer aos profissionais e colegas que colaboraram, & forma generosa com este projeto - especialmente o pesquisador Carlos Henrique Bemfica e a assistente Cassilda Maria dos Santos, pelo apoio na elaboracao desta nova edicdo, : ELISA LARK Nascimento Rio de Janeiro, setembro de 2007 ———— NoTAS "agsriagho 1 Divanso4ne (Seca), Consetho Nacional de Educayo/Conseho Sia; MEC/Secad, 208. p. 229-5. Também disoniel em: cht /dversidede mec.gov.br/sdm/arquivos/diretrizes pdf>. ‘ we estaduais e municipais de defesa dos direitos dos negros sio érgéos consult a 3|Alguns desses textos, mais tarde, 203, 200 jascimento, A. (2002c), Nascimento, E. (2003b). " cou somenteoprinsen (Nnwmenta Lis) ne mesa EAU 2 16 NOTA HISTORICA (© curso Sankofa foi idealizado e organizado pelo Ipeatto, entidade fandada em 1981 na Pontificia Universidade Catélica de S80 Paulo (PUC-SP) que se transferiu em 1985 para o Rio de Janeiro. Ao longo desses quinze anos, o Ipeafro vem realizando diversos trabalhos para recuperar e valorizar a hist6ria e a cultura afto-brasileiras. Sua pro- posta engloba uma atuagéo académica engajada, capaz de contribuir para uma sociedade pluralista e democratica em que & produyao in- telectual ofereca sustentagao as diversas vozes que convivem e com- partilham um mundo tambén diverso. Entre suas atividades estao: a realizagao do terceiro Congresso de Cultura Negra das Américas (Sao Paulo, 1982); a organizagéo, juntamente com a ONU, do semi- nario “Cem Anos de Luta pela Independéncia da Namibia’ (Rio de Janeiro, 1984); a edigao da revista Afrodidspora; a pesquisa de campo “Quilombos contemporaneos"; a realizagao de dois foruns sobre a [Africa na escola brasileira (Rio de Janeiro, 1991 e 1993); a realizacao do coléquio “Dunia Ossaim: os afro-americanos ¢ o meio ambiente evento vinculado & Conferénsia das Nagdes Unidas para 0 Mei biente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92 ou da Terra. 7 Cabe assinalar 0 apoio que o projeto Sankofé recebeu da Seafro, 6r- gio do Governo do Estado do Rio de Janeiro. O governador Leonel de Moura Brizola, talvez 0 tinico politico brasileiro de estatura nacional, até 0 momento, a compreender a necessidade de politicas puiblicas que contemplem as necessidades espectticas da populacto afto-brasileira, demonstrou coragem e firmeza 20 criar esse érgio de primeiro escalio dedicado & formulagao e & execucao de tais politicas. Porisso vem sendo ‘duramente eriticado tanto por setores conservadores como por setores progressistas da politica nacional. A criagao da Sealro representa um avango politico inédito, Seu apoio ao projeto Sankofa permitiu que este se desdobrasse no coléquio “Dunia Ossaim" e nos féruns sobre a Africa na escola brasileira realizados em todo 0 estado do Rio de Janeizo. Al fgans dos textos apresentados nesses trabalhos foram publicados e dis- tuibufdos pela Seatro & rede pitblica de educagao e de bibliotecas. Em 1998, sob a gestao do reitor Hésio Cordeiro, a Universidade do Es- tado do Rio de Janeiro (Uer)) acolheu a proposta académica do Sankofa, ciando no Centro de Giéncias Sociais (CCS), dirigido pelo professor José Flavio Pessoa de Barros, 0 Programa de Estudas e Debates dos Povos Afticanos e Afro-americanos (Proafto), cujo setor de ensino co- ordenei. Nessa época, dei continuidade ao curso Sankofa e organizei a disciplina eletiva “Matrizes afticanas da realidade brasileira: bases para uma pedagogia eficar’ oferecida no curso de Pedagogia da Faculdade de Educacao da Uerj, Tivemos, ainda, a honra de contar com o entao embaixador de Gana, 0 escritor e historiador Kofi Awoonor, que profe- riu palestra para 0 curso, na PUC-SP, em 1984. O grande antropélogo excritor Darcy Ribeiro, por sua vez, esteve na Uerj e ministrou uma pa- lestra para 0 Sankofa em 1990. Pouco antes de falecer, Ironides Rodri- _gues, o grande e pouco conhecido intelectual afro-brasileiro, também ‘proferiu sua palestra no curso Sankofa, Agradeco, muito especialmente, 0 engajamento e a dedicacio de to- ‘dos 0s professores do curso Sankofa, que vém colaborando com o pro- 4Jeto a0 longo desses anos. Além dos autores Incluidos neste volume, j4 ‘puticiparam do corpo docente do Sankofa os professores Muniz Sodré Juana Elbein dos Santos, Nei Lopes, Jodo Baptista Borges Pereira, Helena Theodoro, Joel Rufino dos Santos, Djalma Corréa, Eduardo de Oliveira, 18 José Flavio Pessoa de Barros, Maria José Lopes da Silva, Adilson Pinto Monteiro, Neuza Santos Souza, Ele Semog, Rogério Andrade Barbosa, Estévao Maya Maya, Maria de Lourdes Teodoro, Eliane Santos de Souza Rimes Soares, Agradeco especialmente, in memoriam, a participagao das professoras Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento. {A pratescora Telma Rosina Simone da Gama, do CC :movido abrago pelo apoio e incentivo infaliveis. Ipeafio existe - e, portanto, também o curso Sankofa - gracas a inspiracdo e ao esforco monumental de Abdias Nascimento, que 0 longo de sua vida tanto criou e construiu para o avanco da causa afro-brasileira, /Uer}, nosso co- ELISA LARKIN NASCIMENTO Rio de Janeiro, 1996 19 APRESENTACAO No BRasi, os estudos sobre a Africa surgiram em contextos histéri- os diferentes, embora aparentados. No primeito contexto, que pode ser situado entre 1900 e 1950, o conhecimento da Africa esté relacio- nado aos clissicos estudos afro-brasileiros. Essa primeira fase serve apenas como pano de fundo cultural para entender os mecanismos de resisténcia, continuidade e inovacdo das culturas africanas no Novo Mundo, Nina Rodrigues Ginha como preveupacae principal entender (os negros brasileiros e sua influéncia na sociedade brasileira. Mas os negros, em sua obra, foram enfocados como objetos, e nao como sujei- tos do conhecimento, de acordo com as alternativas da Antropologia ~ em grandes linhas, “evolucionist se obrigado a recorrer ao método comparativo para fazer uma apro- ximagao entre as caracteristicas do negro brasileiro ¢ as do negro de suposta origem africana. Digo “suposta” porque, apesar de Nina ter utllizado dados lingUisticos, étnicos e geograficos obtidos por meio de entrevistas com os velhos negros escravizados e seus descendentes, também retirou parte importante das informacées de consultas aos escritos dos missiondrios, administradores colonielistas e viajantes da época. Ora, sabemos quantas monstruosidades e distorgdes, tanto de de sua época, Por isso, Nina viu a como de ignorancia, esses escritos legaram as fu- No segundo contexto, que situamos aproximadamente nas décadas de 1950 e 1960, os estudos sobre a Africa ressurgem no quadro da so- Hidariedade do Terceiro Mundo, dentro do espirito da Conferéncia de Bandung (1955), € tém seu apogeu apés a queda do império colonial e nos anos que se seguem & independéncia da maioria dos paises africa- ‘nos. Essa solidariedade foi acompanhada de interesse comercial e eco- némico, que tomou obrigatério um melhor conhecimento a respeito do futuro parceiro. Ganharam destaque, nessa fase, 0s estudos sobre a Africa - até entéo abandonada & curiosidade de alguns pesquisadores isolados - e a necessidade de cooperagio cultural e técnico-cientifica Tal cooperacao quase nae se concretizou. A ret6rica oficial enfatizou ‘muito a importancia de conhecer melhor a Africa para reforgar 0s lagos de parentesco hist6rico resultantes da escravidao e da colonizacao que ligaram o Brasil e a Africa, em particular, aos paises de lingua e coloni- zacao luséfonas. O terceiro contexto, estreitamente vinculado a aco politico gica do segmento afro-brasileiro - ‘afrodescendente” ou “africano-bra- sileiro’, para utilizar expresses que esto na moda -, situa-se na dé- cada de 1970. No entanto, tem profundas raizes no conteiido do Teatro Experimental do Negro (TEN), do professor Abdias Nascimento, e do Teatro Popular, de Solano Trindade, obras cujo apogeu se situa entre 1944 e 1950, Ao retomar a questo, com muita forga, ideol6gica e po- liticamente, os movimentos negtos contemporaneos querem resgatar sua identidade coletiva, Esse resgate passa certamente pela questio da cor inferiorizada e da cultura negada e/ou reduzida pela cultura he- sgeménica dominante. Dai a necessidade de retomarem o estudo de suas matrizes africanas como caminho indispensdvel para aprofun- dar 0s conhecimentos e as reflexdes sobre sua cultura. Essa retomada exige conhecimento cientfico da Africa em sua complexidade histé- rica, religiosa politica, econémica, social e assim por diante - a Africa vista ndo apenas em seus aspectos antigos e passados, mas também em suas realidades modemas e contemporaneas. Tais conhecimentos tém sido minimizados e negligenciados no Brasil, em comparacéo com 22 1 ADRESENTAGKO © os estudos sobre « Europa, a Asia e as sociedades indigenas. Quantas vvezes ouvi colegas brasileiros, autoproclamados “especialistas” gros, repetindo a famosa frase: “Nac precisamos de afticanismos para entender nossos negros’ ‘A jover geracdo de affodescendentes politicamente mobilizados precisa pressionar os responséveis por seu pafs para que a Africa conti- nental e a Africa da diéspora sejam ensinadas na escola em pé de igual- dade com as demais culturas que contribuiram na formagao do povo brasileiro. Vozes intenas e externas da comunidade afrodescendente do Brasil insistem na necessidade de uma reciclagem, de uma nova abordagem epistemolégica da Africa que rompa com as idéias precon- ceituosas da heranga intelectual colonialista (Os movimentos negros contemporaneos, enriquecidos pela experi- éncia dos movimentos anteriores (Frente Negra, Teatro Experimental do Negro, pan-africanismo, Négritude), tém plena consciéncia de que a lta contra o racismo exige uma abordagem integral de sua problemé- tica, inclusive da construcao de sua identidade e de sua histéria, até en- tao contada apenas do ponto de vista do dominante. Parafraseando 0 historiador Joel Rufino dos Santos, trata-se de tornar o negro brasileiro visivel através do seu passado recuperado, Embora pareca uma tarefa de ‘menor importancia, é 0 primeiro e indispensével passo para promove- Io Acondigao de brasileiro de alto nivel Um projeto nacional de construcao de uma verdadeira cidadania democracia nao pode ignorar a diversidade e as identidades plurais que compoem a sociedade brasileira. A democracia implica didlogo entre os segmentos étnicos que compéem a sociedade, para que as especifici- dades individuais e culturais de grupos diferentes possam coexistir. Ou seja, a democracia exige 0 respeito da diversidade éinica e cultural, ber como o reconhecimento do direito de toda cultura: o de cultivar suas especificidades, pois assim ela enriquece o préprio ethos cultural bra- sileiro, Desde 1984, 0 Sankofa, ou o curso "Conscientizacao da cultura afro-brasileira” do Ipeafto, vem respondendo demanda, da sociedade brasileira como um todo e da comunidade afrodescendente em espe- cial, pela incluso no curriculo escolar das contribuigoes africanas & ivilizacio universal e & cultura brasileira, contrariando a historiografia 23 oficial de origem colonialista, que sempre exibiu uma Aftica primitiva, atrasada e inferior, uma Aftica que nada trouxe de positive & historia da hhumanidade. Ao substituir uma histérla fasifcada da Africa por uma verdadeira hist6ria, 0 Sankofa esté, sem duvida, contribuindo para os esforcos coletivos de reabilitacio da personalidade coletiva dos africa- nos e seus descendentes da didspora e, conseqiientemente, para a cons- trupdo de uma base de agao de resgate de sua identidade positiva. AAlém dos cursos, por meio dos quais se reciclam e forma profes- sores e recursos humanos multiplicadores de uma nova visao de Africa € da cultura da afrodidspora, o Sankofa publica textos e livros capazes de atender a essa nova demanda, resultado da necessidade de uma ‘educacao pluricultural no processo de construgdo do novo cidadao >resileco e da verdadeira democracia, isto é, uma democracia pluri- sacial e pluricultural. KABENGELE MUNANGA Sio Paulo, junho de 1996 24 INTRODUGAO APRESENTAMOS 0 leitor a colegio Sankofa: Matrizes Afticanas da. Cultura Brasileira, na esperanca e na certeza de contribuir para uma nova reflexao sobre questoes importantes relacionadas & experiéncia afro-brasileira e as suas mattizes histérico-culturais. Os trés volumes! epresentam 0 contetido bisico do curso de extensio universitéria *Sankofa - Conscientizagdo da cultura afro-brasileira’ que o Ipeafro ofe- rece desde 1984, A matriz africana no mundo, 0 primeiro dos trés volumes da colecao, retine ensaios sobre questées do mundo africano, de suas civilizagses antigas e seu papel na formacao da civilizacdo humana até a experién- cia da diaspora compulséria da escravidao e a resisténcic dos afticanos escravizados em toda a América. A participacao, no curso, dos repre- sentantes de dois paises airicanos, Gana e Angola, propic ou momentos extremamente ricos de intercdmbio de idéias e informa;des do ponto de vista africano atual. Nos textos do embaixador Michael Hamenoo, de Gana, e do embaixador Francisco Romao de Oliveira 2 Silva, de An- gola, a experiencia atual dos paises afticanos ganha relevo ao lado de consideragoes sobre sua historia. A intervengdo do cénsul de Angola no Rio de Janeiro, Ismael Diogo da Silva, apresenta valiosos dados histé- rico-culturais ¢ assinala que a situagao daquele softido pafs clama por “uma atengéo do mundo civilizado. Além de oferecer informagoes sobre a matéria em estudo, a inclusdo dos textos dos representantes de Angola tem o objetivo de realgar a notével falta de sensibilidade da midia inter- nacional e do mundo ocidental para com povos afticanos que sofrem, hi décadas, 0s horrores de guerra provocados, em grande parte, pela sustentagao de forcas militares simpaticas as diversas poténcias econd- micas mundiais. ensaio de Michael Hamenoo assinala a mesma falta de sensibilidade em relacao as exigencias feitas por organismos interna- ionais aos paises africanos, cujo pepel na ordem mundial econémica e politica é determinado, em grande parte, pela heranga do colonialismo que os deixou destitufdos de infra-estrutura e recursos humanos, Os proximos dois volumes da colego Sankofa focalizam a experién cia affo-brasileira. O segundo volume, Matric africana e militancia ne- gra, traz estudos de Nei Lopes sobre a cultura e a trajetéria dos bantos € dos malés, africanos islamizados, no Brasil. A saudosa professora Maria Beattiz Nascimento escreve sobre a experiéncia dos quilombes como fendmenos de resisténcia africana e afro-brasileira. Outros ensaios fo- calizem os movimentos afto-brasileiros no periodo pés-abolicao (1916 1968), 0 Memorial Zumbi e 0 quilombismo, Uma segunda parte do volume é dedicada & questio das relagées raciais no ensino, reunindo algurs dos textos apresentados no I Férum Estadual sobre 0 Ensino da Histérla das CivilizagGes Africans ua Escola Pablica, bem como as con sideragoes tedricas e as conclusdes ali aprovadas. 0 terceiro volume intitula-se Mulher negra, religiosidade © meio ambiente. Nele, destaca-se a contribuigdo da professora Lélia Gonzélez, intelectual e militante de saudosa meméria, num texto ainda atualis- simosobre a mulher negra no Brasil. Helena Teodoro Lopes, Sueli Car- neiro e Cristiane Curi escrevem acerca da religiosidade afro-brasileira e do protagonismo feminino no seu contexto, Gizélda Melo do Nasci- mento e Dandara Rodrigues contribuem com textos sobre mulher € meio ambiente na cultura afto-brasileira, enquanto Nei Lopes focaliza a corfluéncia, nesse aspecto, das culturas africana e indigena no Bra- sil. O professor José Flévio Pessoa de Barros apresenta, em co-autoria com Maria Lina Leso Teixeira e Clarice Novaes da Mota, duas pesquisas 26 ‘© rwrnopugke © especificas: uma sobre o fendmeno das folhas e a construcdo do ser no candomblé e outra sobre representagoes e drama social afro-indigena. 0 objetivo do curso "Sankofa ~ Conscientizagao da cultura afro-bra- sileira” 6 contribuir para a integracdo dos assuntos afto-brasileiros no curriculo escolar e a prepara¢ao de quadros no magistério aptos ao en. sino dess teredtipos e as distorgdes existentes no curriculo escolar brasileiro em relagdo a hist6ria, & cultura e& experiéncia dos africanos no nosso pais, nas Américas ¢ no mundo. Entendemos que todas as criancas - e no apenas as criancas negras ~ sofrem os prejuizos da imagem negativa dos povos africanos veiculada pelo ensino, uma vez que essas distor- ses afetam a visao que a escola constrdi de sua gente e de seu pais, : demogré- fico, cultural, histérico, lingiistico e na prépria personalidade - 0 ethos nacional. A inferiorizagao do grupo étnico que durante trés quartos da existéncia do Brasil formou a grande maioria de sua populacdo, ¢ ainda 1s matérias. Procura atender necessidade de corrigir os es- cuja origem afticana sobressai em quase todos os sentido: hoje continua majoritério, gera um complexo de inferioridade arcaico e antibrasileir. A experiéncia desses dez anos de realizagao do curso Sankofa traz, tanto para a comunidade afro-brasileira como para a populagdo em geral, intimeros subsfdios sobre a experiencia africana no Brasil e no mundo. Ao longo desta década, verificamos o anseio da populagao negra em buscar informagées capazes de fundamentar sua libertagao dos esterestipos definidores daquela “cidadania hidica” (expressao da vereadora Jurema Batista) a que a sociedade restringe a comuni- dade afto-brasileira, Reduzida sua identidade especifica aos campos do esporte, do ritmo, do carnaval e da culinéria, fica a coletividade afro-brasileira subliminarmente excluida das esferas politica, econd- mica, tecnolégica, cientifica, enfim, da cidadania produtiva e do pro- tagonismo social. O resgate da riquissima histérla dos povos africanos, repleta de ino- vvagdes sociais, politicas, intelectuais e cientifico-tecnolégicas, ajuda a reconstruir a imagem de sua participagao digna e ativa em todas as dimensoes da experiéncia humana, esbocando a possibilidade de uma cidadania plene para seus descendentes nas Américas 27 Esperamos que o langamento do primeiro desses trés volumes da ccolegao Sankofa contribua para enriquecer o saber e a discussao sobre ‘uma dimensio da cultura 2 da experiéncia social brasileira que merece muito mais atengao do mundo académico. BLISA LARKIN NASCIMENTO Rio de Janeiro, agosto de 1994 NOTAS 1}0 quarto volume, Affocentridade - Uma abordagem epistemolégica inovadora, foi acrescentado a presente edicSo da colecao Sankt 28 SANKOFA: SIGNIFICADO E INTENCOES Elisa Larkin Nascimento © curso de extensio universitéria "Conscientizacao da Cultura Afro- Brasileira’ ganhou, em 1991, um novo titulo: “Sankofa” A palavra, da lin- sguados povos akan da Africa ocidental, sobretudo Gana e parte da Costa, do Marfim, ter uma conotagao simbélica muito forte de recuperagao e valorizacao das referencias culturais africanas. Por isso, vem ao encon- tro do principal objetivo de nosso curso: aprofundar 0 conhecimento arreflexao sobre a cultura afro-brasileira e suas matrizes afticanas, A referéncia & Africa nao deve ser entendida como uma volta ao pas- sado, mas como fundamento para a construcdo de uma identidade pr6- pria, viva, tanto no presente como na perspectiva de um futuro methor para os filhos e descendentes desse sofrido continente. AVATHCaIfOiINi Ambos os objetivas deixaram de povos que foram alvo do racismo. 29 ‘Nossas reflexes no presente livro se referem a recente expres ee antiga consciéncia histérica racista: © escravismo € 0 colonialismo europeus. Estes fizeram questao de identificar os africanos como negros ou kaffirs, desvinculando-os simbolicamente de sua terra. Europeus brancos, entéo, intitularam-se afrikaaners, resumindo-se donos dessa terra no lugar dos nativos. No contexto americano, 0 mesmo processo presumiu anular a auto-imagem dos africanos como gente livre e soberana vivendo em sua terra natal. As comunidades de origem africana nas Américas, sobretudo na América chamada “Latina; sofrem até hoje a falta da referéncia hist6- rica que thes permitiria construir uma auto-imagem digna de respeito " e auto-estima. A identidade “negra” é calcada nas desgastadas catego- rias de ritmo, esporte, vestudrio e culinéria. Al“eultura/negra” definida «© SANKOFA: SIGNIFICADO E INTENGOES © A distoreao da historia africana esté entre os maiores responséveis pela perpetuacio da imagem dos “negros” como tribais, primitivos e atrasados. Para Georg Hegel (1956, p. 91, 96), por exemplo, a Aftica seria “uma terra da criancice, que ficou lé longe do dia da hist6ria consciente, envolvida que estava na manta escura da noite Hegel conclui que, “en- {ce 05 negros, os sentimentos morais sdo extremamente fracos ou, me- Ihor dizendo, inexistentes” Esse € apenas um exemplo do discurso euro- centrista que condena os africanos e seus flhos & condicao de objetos, & nao sujeitos, de sua hist6ria Somente ao recuperar 0 referencial da agéncia histérica dos povos africanos sera possivel contestar esse quadro. 0 ideograma sankofa simboliza esse resgate em varias dimensoes. Neste capitulo, abordaremos algumas delas, considerando as distorgoes- hist6ricas que perpetuam os estereétipos antiafticanos. FILOSOFIA & HISTORIA NO SIMBOLISMO DO SANKOFA 0 ideograma sankofa pertence a um conjunto de simbolos gratficos de origem akan chamado adinkra. Cada ideograma, ou acinkra, tem um significado complexo, representado por ditames ou fibulas que ex pressam conceitos filoséficos. Segundo o professor E. Ablade Glover, da Universidade de Gana em Kumasi, capital do povo asante, em texto publicado pelo Centro Nacional de Cultura (gentilmente fornecido pela Embaixada da Repiblica de Gana no Brasil), aideogranalsankola sig ‘Adinkra significa “adeus" Tradicionalmente, os adinkra aparecem es- tampados com tinta vegetal em tecido de algodaio que as pessoas usam. em ocasides finebres ou homenagens. O adinkra constitai uma-arte na- cional de Gana. Sao mais de oitenta simbolos ¢ cada um traz. um conte-~ ‘ido epistemolégico simbélico. Conforme o texto do Cenrro Nacional de a1 Cultura de Kumasi, "Néo s6 os desenhos do adinkra so esteticamente ¢ idiomaticamente tradicionais, como, mais importante, incorporam, preservam e transmitem aspectos da hist6ria,filosofia, valores e normas soeloculturais do pove de Gans" (Glover, 1969). O SIMBOLISMO DO ADINKRA ‘Além de imprimir estampar em tecido os ideogramas adinkra, a tradi- «0 akan também os registra esculpidos em objetos como o giva (banco do rei e simbolo da soberania), 0 bastdo do lingiista (simbolo das re lagées do Estado com os povos) e os diayobwe (contrapesos de ouro). Reproduzimos a seguir 0 desenho dos adinkra, dos gwa e dos bastoes, ‘bem como a explicagao de seu significado, oferecidos pelo professor E, Ablade Glover, da Universidade Ganense de Ciéncia e Tecnologia de Kumasi, publicados pela galeria de arte Gio e distribuidos pelo Centro Nacional de Cultura de Kumasi (Glover, 1969) FIGURA 1.1 SANKOFA ‘Nunca é tarde pa voltae apanfar aqplo que ficou para ted. Sempce poems tetficar 05 nassos ees” O ideograms «una exiizagio do piss que via a cabeca para tise representa 0 mesma concete do banco do ee do bastio olinglista 3 sabedoria de aprender com o passado pare constiiro presente e future (Desenho de Luiz Cals Gi.) Ui dos mas conhecdesieogrames admire. sgnifica ‘Aceite Deus" ou “Des €onipetentee mrt. Ninguém entende o mistrio da vide sé Deus FIGURA 13.081 NKA OB! ‘Nuo mar unidade. tim 30 out, Evite a: conftos Simbolo de 32 © SANKOFA: SIGNIFICADO E INTENCDES = FIGURA 1.4 OWUO ATWEDIE BAAKO NFO (08 “Todos subiremos a escada da marke” (Ver ovespecivo gua na pégina 37) __FIGURA 1.5 0V0 FORO ADOBE "A cobra sobe a palmeir,” Represent 3 tentatia de fazer algo insta ou aparentementsimpossive, (Vero respectivogwa na pgina 37) FIGURA 1.6 NsoROMA fia do céu, este,” Obu Nyankon sroma le Nyame ‘onte neho so [Sou fits do Ser Supremo, na sou auto sufciente, Minha iluminagio € apenas um refexo da Deke ‘Simbolo das veagbes humanas em seiedade Sigifca ‘Somos ligades no vida e na morte” ou "Aqueles que tm lagos de sangue nunca se apartam FIGURA|.8 AKOKO NAN TIABA NA ENKIM 87 ‘gala que pika em seu pinto née o mata” Simbolo do amor eda discipline éos pais pra com os hos. (Vero emblema no bast do lngista pina 39.) NTIRE NE AK WAM Tikor nko agyna. Arcos do Estaco, "Uma cabera s6 ni constitu um conselho." Ouas caberas pensam melner do que uma, (Vera emblems re basta do ngs pine 38.) 60 FIGURA 1.7 NKONSONKONSO DJAYOBWE E ADINKRA Os chamados pesos de ouro dos akan séo esculpidos em bronze e em {ett0 e utilizados, como contrapeso, para pesar mercadorias como sal e ‘ouro. Trazem mensagens como as do adinkra, dos gwa e dos bastées do lingaista. Muitas vezes, a simbologia é relacionada a provérbios repre- 33 FIGURA 1.10 FIGURA 1.11 DIAYOBWE ‘Contapesos de outo que representam uma igura humana e um Sapo. Fonte: Radin e Mave 1982, igus 107-8 sentados por animais. Nos exemplos abalxo, os dois crocodilos dividem ‘um estémago e logo aprendem que, ao brigar entre si, ambos ficam com fome. Eo simbolo, também representado no adinkra, da necessidade de unidade, sobretudo quando os destinosse confundem. De acordo com a hist6ria oral, o sistema dos adinkra tem origem numa guerra que Asantehene Osei Bonsu, rei dos asante, moveu contra Kofi Adinkra, rei de Gyaaman, regio da Costa do Marfim. Este teve a audécia de copiar 0 banco real de Asantehene, « gwa, simbolo da soberania e do poder do Estado, Assim o rei de Gyaaman provocou a ira do poderoso so- berano asante. O Asantehene venceu a guerra, ¢ 0s asante dominaram a arte dos adinkra, ao mesmo tempo ampliando 0 espago geogrifico onde ‘esse conjunto de ideogramas impunha sua presenga. Antes disso, havia sido pattiménio dos mallam e dos derkyira, povos da Africa ocidental que desenvolveram esse sistema de escrita em um passado remoto. ‘© SANKOFA: SIGNIFICADO EINTENCOES © mm + FIGURA 1.12 FIGURA 1.13, © duplo rocoto djayobwe Fonte: Museu © dup cracadio em adinka Nacional de Betas Artes, 195, p. 28 {jet0s. Na Africa, os pictogramas constituem uma forma de expresso rica e extremamente variada, registrando saudacoes, anedotas, fabulas ou adverténcias. O simbolismo religioso bwiti do Gabéo, as casas com paredes pintadas na regido ocidental dos Camarées ou as seqiiéncias de desenhos utilizadas pelos sin‘anga (médicos) de Malawi so exem- plos dessa escrita grifica que se encontra em toda a Africa (Asante, 1990, p. 73). mn actin daiema grifims undo per ditrmans pews tas rogidea citer e central da Nigéria para transmitir 0 ensinamentos da filosofia. Além dos adinkra, os povos akan tém a tradicao dos djayobwe, figuras esculpi- das em ferro e em bronze utilizadas como contrapeso par: yuan- tidades de ouro e sal. Ess ‘0 gwa, de madeira esculpida, além de ser inves- ‘ido simbolicamente do poder politico sacralizado, representa conted- dos filoséficos, constituindo um ideograma em trés dimensoes. Existe, por exemplo, o sankofa gwa, com o mesmo significado do respectivo ‘adinkra. Da mesma forma, o bastéo do lingilista transmite mensagens mediante imagens esculpidas em madeira no seu extremo superior. '© SANKOFA: SIGNIFICADO EINTENGOES © Gwa (0 BANCo Do REI) Obanco do rei simboliza a autoridade do Estado, o poder politico, Ha tantos bancos quanto chefes tradicionais (muitos deles representando provérbios, como mostram as ilustragdes). O mais famoso deles é 0 Sika Gwa Kofi, 0 ‘banco dourado, que teria sido invocado do céu por Okomfo Anokye, sacer- dote principal de Oser Tutu, entao Asantehene (rei dos asante). Us ingleses 0 roubaram, causando as Guerras de Asante, que perduraram por um século. FIGURA 1.14 SANKOFA QWA Tem 0 mesmo sigrifeado que o respective eagam ‘Nunca étage para voltae ananharaquilo que fou pare ‘eis, Repesentado por um pissar com a cabegavoltada partes, desenho de ideograma € uma estiizago desse sso, representado também no bastio do lings, (ver es respectvosideograma no quadro dos acinkra pina 32, ebastio do lingiista pigina 38.) FIGURA 1.15 WO FAFORO ADOBE GWA "A cobra sabe 2 pamela,” Tentativa de fazer oinustado| ‘20 impossivl (Vero respectvoideoprama no quadro dos adinksa, pigne 33.) FIGURA 1.16 OWUO ATWEDIE BAAKOFO "Todos subemos a escade da morte, ideograme no quadro dos adirka, pagina 33.) FGURA Banco do Pore espinho.” Embema do Estado asante, 0 ptee-spino simbalza 0 poder sabeara deatcar de qualquer ldo, em qualquer decéo. a qualquer hor. O banca Eusado exlusivamente pelo Asantehene (i dos ast). ict Banco ¢o rei Adinka, soberano de Gyaaman, que tansmitiv 0 sistema simblico dos ideogramas as asante. AAR H FIGURA |.19 ED NKR ANUM GWA 'A docu no fx pesmanenterente na boce. bons tempos us, Hi tempos FIGURA |.20 BANCO DE ESTADO GA ‘O simbote do artlope em cma do elefante emblema do Estado dos ga. sifica que € possi chegar 20 topo pela sabedoriae pelo Eom sno, nunca por meio do peso, da forea ou do tamaro, © emblera represents 2 sabedaria de nacio, (Ver oresrectivabastio do insta a pgina 39.) FIGURA 1.21 FEMA GWA (0 banco da rainha-mde dos asante, A semelnanca de seu esenho com o banco do Estado (a0 lado) simboliza oo posto da ranha-me na hiearquia do poder paltco. FIGURA 1.22 BASTAQ DO LINGUISTA Tia tadigdo akan, cada Soberano tem seu linguist, uma expécie de embazador.elacbes plies, cuvdor geal fe ponta-voz, A fama e 0 sucesso de um rei depend. fem grande pate daelagutncia edo desempento de seu linguist, pois este consul o elo enteoreie seu povo. bast do lings simboliza 2 autridade e o poder politico do soberana. © conteido simbbico proverbial que o batio comunica signi o fstada que o linguist representa. (Ve respectvo ideagtima no quad dos ants. pigina 32.) FIGURA 1.23 SAN OF ‘Serre pademos tomate spanhar aqui que ficou para tus. Sempre podeos resficar nossos es, aprendendo com o passdo pia consti © presente €0 futuro, Aqui.o ssi com a casera voltada para tis leiraorespetivo eva. (Vero resptctivaideograma no quadro dos adinka pigina 323) @ & e e & ¢ 38 {© SANKOFA: SIONIFICADO EINTENGOES © LFIGURA 1.24 TIKORO NNKO AGYINA ‘uss fohas. Uma cabecs 6 no faz um conselo, Duas ou ts eabegas pensam melhor da que uma,” No basteo 2 escultura de 1s cabeqas representa outa versio desse mesmo conceito, (Vero respective ideograma no quacio dos acini, pigine 33.) FIGURA 1.25 WUO NANE EQBEE EB! GWA ‘A alin ro machucao pinto 20 piso: 2 contro, protege-0 do peigo.” (Ver respectva ideograma no quadio dos ania, pagina 33.) FIGURA 1.26 GVE NYAME ‘Actite Des. Deut €onigotente imortal.S@ Deus conhece ‘0 mistério da vida e da cosmos." 0 adinka correspondent 2 esse conceito pade ser uma estilizacSo da mio com o polegat na posicfovereal (Vero respectivo ideograma no quacro dos adinka, pga 22 FIGURA 1.27 WUSO OWO TI MUR A NER AKA NO YE AHOMA, “O homer segura a cob pela cabera,” Quando agarramos 2 cobra pela cabera,o estate dela nao pase de wma corda ‘ssa, Melhor encarar os problemas de rete FIGURA 1,28 MAN KO TA MAN KO NO ‘nilope sobre eefante Emblem do Estado (© sucesso ro ¢ aleancado pelo tamanho au pla fore, nas pela sabedavia pelo bom senso. (Vero espectivo gwa 1a pigina 38.) fguRA 1.29 ‘Ando segura 0 vo. poder € como Un ovo ‘quando 0 seguramos com mut fg, pode se quebar 0 entanto, quando no o segues bem, pode cai se quebrar. © soberano precisa ser firme ecompreensivo mesmo tempo. 39 © Husa vamax wasentexto © O DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO AFRICANO 0 desenvolvimento politico aticano foi acompenhado de um processo de desenvolvimento tecnolégico ainda menos reconhecido. As tecnologias de mineragao e metalurgia, a agriculture, a criagao de gado, as ciéncias, a me- dicina, a matemitica, a engenharia, a astronomia, enfim, todo um conjunto de conhecimento tecnolégico e reflexao filos6fica, caracterizavam tanto os Estados africanos como outras coletividades menores. O'GifuFBIGOIHBIES Re FIGURA 1.30 FIGURA 131 lustagao da crurgia descrta por Flln em artigo pubicado Suture de feria pos- na Reuista de Medicina de Edinburgh (1884). Font: Finch Il cestana feta pelos banyoro 1983, p. 152-3 (Desenho de Syvia Bako.) en 1879, na cui desta por Flkn, Fonte: Finch i 1983, p. 152-3, (Desenho de ysis Bakos.) 40. {© SANKOFA: SIONIFICADO EINTENGOES = muitas téenicas bésicas da medicina: Conhecta vacinagao e farmacolo- sia, além de assepsia, anestesia, hemostase e cauterizagao. A respeito de ‘um dos documentos comprobatérios desse saber, o médico e escritor Paul Ghalioungui (apud Newsome, 1983, p. 132) fez, em 1973, a seguinte observacio: de B. Lynch e Lawrence H. Robbins, da Universidade do Estado de Michigan, encontrou restos de um observatério astronémico seme- Jhante ao inglés Stonehenge. Sua conclusio foi de que essa evidéncia a Jupiter eos anéis de Saturno. Sabiam que “um bilndo de mundos espira- | lavam no espago como a circulacao do sangue no corpo de Deus’ (Ser- tima; 1989, p, 11)-Sabiam da natureza deserta einfecunda da ua, que diziam ser “seca e morta; como sangue seco” (Sertima, 1983b, p11) (Os dogon desenvolverany conhecimentos bastante complexos acerca do,pequenino satéite da estrela Sirius; o Sirius B, invisivel @ olho nu.O calendario de festas sagradas de sua tradieao religiosay'de mais de sete- centos anos, define-se com referéncia a esse satélie de Sirius que a astro- noma ocidental sé conseguiu observar em 1862. Os dogon desenhavam, com exata precisao, a érbitaeliptica em relagio a Sirius. Denominaram 0 satéite PoToloe projetaram sua trajetria até o ano de 1990, em desenhos «que conferem precisamente com os da/astronomia moderna. Conhece- dores de 86 elementos fundamentais; os dogon souberam identificar as propriedades do material de que 0 satélite 6 composto @ chamavam-no sagala. A descricdo dos sébios tradicfonais destaca, sobretudo, sua den- sidade: um material to pesado que todos os homens da'Terra no pode- slam levanté-lo, Efetivamente, como ana branca (a primeira identificada pela:ciéncia moderna); Sirius B tem altissima densidade. Sendo menor quea Tea, sua massa equivale & do Sol: 35 toneladas de sua matéria ca- beriam em 14 em? (tamanho de um camundongo) (Holberg, etal, 1988, lutterbuck, 2008). Para'0s dogon, esse setlite € 0 “ovo do unk verso mais importante estrela do céu (0s dogon constataram que Sirius B leva cingienta’anos para com- pletar sua érbita em relagao a Sirius, fato_que 2 astronomia modema confirma (Clutterbuck, 2008). Sabiam, ainda, que Sirius B gira uma vez por ano-em tomo do préprio eixo, evento que celebravam com 0 festival Dado, Até hoje muitos cientistas consideram imensuravel esse periodo de rolagio, embora alguns tenham apresentado calculos a esse respeito (thejlle Shipman, 1986). Enfim, sem 0 apoio de qualquer instrumento dda ciéncia moderna os dogon conheciam coisas que, no julgamento de certas autoridades europélas, eles simplesmenté “nao tinham 6 menor direito de saber” (Brecher, 1977, p. 61). Os antropélogos franceses Ger- ‘maine Dieterien e Marcel Griaule (1965, 1991) fizeram estudosamplos ¢ aprofundados, convivendo décadas com os sabios desse povo afticano, ‘e constataram que u eontiecianento dos dogon evolve usta série de uk 42 {© SANKOFA: SIGNIFICADO EINTENGOES © ‘Resquerda, deseo da istita de Sis 8 (Polo) em tomo de Sus ito pels dogon ma area. A dita, desenha astondmico moder, Fonte: Adams, 1983, p. 33. ‘eis_epistemoldgicos'em que se/abordathia verdade'e’6 conhecimento i varias formas distintasdaquelas desenvolvidas no Ocidente. No campojda'metalurgia ha varios exemplos|dordominiojafricano de técnicas sofisticadas:/Hé mais de dois mil anos; por exemplo, os hava, povo de fala banta-habitante de-uma,regiao, da, Tanzania perto do,lago ‘Vit6riay produziam.aco,em.fornes. que superavam, de duzentosja:qua- ‘trocentos grausicentigrados, a temperatura atingida por fornos europeus, até 0 século XIX, O antropélogo hist6rico Peter Schmidt, da Universidade Brown, estudou o fendmeno durante nove anos. Junto com os haya, che- goa reproduzir fisicamente a antiga tecnologia de fundiga0. Seguindo as indicagées da tradigao oral que os ancidos guardavam, a equipe de Sch- ‘midt reconsttuiu as antigas t€enicas de engenharia (Shore, 1983, p,157). Outro exemplo de tecnologia aplicada na Africa antiga sao as ruinas de Monomatapa, cidade-Estado localizada no Zimbabue (o pafs herdou seu nome dessa fortaleza, chamada Grande Zimbabue). A construgao da cidade murada de dez mil habitantes, capital de um império que du- rou trezentos anos, é uma verdadeira faganha de engenharia. O muro, de 250 metros de extensao e quinze mil toneladas de granito, tem dois 43 metros de espessura ~ e cada metro contém 4.500 blocos de granito. Diante da grandeza do empreendimento, e coerentes com a atitude cos- ‘tumeira do eurocentrismo, historiadores e estudiosos jé atribuiram essa poner MEE. oa ei SUIS A eneesenecosnetssnie co co se ‘Blgons dos pncioas pov ecdades da Aiea central e meridional (Desenho de Esa Lrkin ‘Nascimento,) | INSTITUIGOES POLITICAS E SOCIAIS AFRICANAS Mt xas'como’o:conselho dos ancidos. Muitos desses Estados desfrutaram de'varios séculos de estabilidade, controlados por dinastias com cores aristocriticas'e burocracias administrativas cue 0s tomavam compara: veis aos Estados em outras partes do mundo; como na Europa, na Asia ‘enas Américas, Havia, portanto, poucas licoes de governabilidade poll- ticalque a Africa precisavaaprender. ‘Antes do:advento do islamismo e do cristianismo, 05 africanos pos- sufam uma idéia altamente sofisticada de um Deus maior, eriador, dis tantedo homem, além de sua compreensaoe controle = Olorum entre os foruba; Onyankopon entre osasanté ou Mewu entre osewe. Paraeles, Deus € dotado de alguns aspectos imanentese outros visiveis, manifes- tando sua onipoténcia e presenca mediante os objetos ou seres'com os quais as pessoas tém contato didrio, como aterra, as florestas e-0s:rios de onde colhem seu sustento; U homem vive, assim, em harmoniaicom, anatureza:E:curioso que Hoje’ surjam novossacerdotes; fora davAlrica, pregando ad nausewmanecessidade de preservar 8s Motestas;osri0s,08 animais silvestres, a terra’e assim por diante; como se ontemoumesmo hoje descobrissem a existéncia dessas Colsas Na tradigao religiosa afti- cana; ha tambémios ancestrals queatingiranradivindade plenarow par- cial, herdis miticos que conduziram seu povo naichegada a seus atuais territérios ou fundaram suas sociedades. Ao passat para outro mundo, esses mortais assumem-uma:nova Identidade: ficam ligados ao'Deus criadorna qualidade de divindades: Os sacerdotes'e aricidos’da'linha- gem: ou-do cla sao responsaveis'pelo bem-estar dos membros desu agrupamento social ‘Umi elemento’ central da’religiao’ africana nativa é)sualcosmologia, ‘que conta’a:origem’ das migracdes primordiais'e explica\os problemas ideol6gicos basicos de qualquer cultura, como/a origem da mortevana- tureza’da’sociedade e das relagoes entre’o hiomeme al muller os vivos e108imort0s. Os valores sociais se expressam na linguagem de mites, lendas, contos, enigmas e simbolos. Assim, entre os asante, 0s simbo- los adinkra estabelecem preceitos que orientam 0 comportamento das pessoas. Os contos populares, a poesia e a misica, por meio da expres: sio oral, dio énfase a essas injungdes morais. Até mesmo os tambores falantes sto utilizados para recitar poesias ou transmitir mensagens por a4 enormes distancias. Freqiientemente, o significado aparente das afir ificado sociol6gico e/ou hist6- ico, obscuro aos forasteiros, em particular aos europeus. As celebragées religiosas e rituais, como os festivais da colheita, si ‘nao apenas ocasides para festangas como também oportunidades de render agradecimentos coletivos a0 Deus criador e as divindades alia- das por seu papel central na doacao da vida. Navisiovatricanaya'terra evtodas asjbenesses nelaicontidasiconsticuem um patsimonio:coletivo, vele inviolivels Oscidadao individualy dentro ca sociedade,tem o.direito, nerente;a-umypedago de, terravemv que possa:trabalhar-para o,sustento, de,sua familia — enquanto,ele,e, sua: familia tiveremyenergia, ata.esse trabalho. Apds esse periodo, a terra’é revertida:aicomunidade ¢ realocada Mesmioventsociedades que; por falta’de-umarpalavraimais aadequaday chamamos.ndmades, resumidas aos eriadoreside'gado que se destocam deum lugar para o outro‘em busca de pasto em cada estas ‘dojesse conceito comunitécio,de posse da terrajesta/altamiente'desen- volvidoASSifi se explica 0 aparente desrespeito as fronteiras Colon ‘Bexatamente esse sistema comunitario que seria minadoino periodo colonial; comiaintrodugao:dos sistemas europeus de propriedade indi- viduallde porgves de terra Superiotes as lecessatias para’9 Sustento. Tal situagdo gerou conflitos entre, por exemplo, os povos nativos do Quénia a coldnia européia: uma verdadeira guerra de libertacao que foi nomeade, ‘de forma depreciativa, como Guerra Mau-Mau. Para 0 afticano, 0 meio ambiente sempre foi sagrado. Assim, os novos altos sacerdotes da eco- ‘ogia, que de repente surgem nas sociedades predadoras, em uma ima- ‘gem bastante frejudicada quando pregam as virtudes da preservagdo dda terra, das flotestas, dos rios e da vida selvagem, como se tivessem acabado de desembarcar da Arca de Noé. ‘magoes orais disfarga seu verdadeiro AGRICULTURA E CIVILIZAGAO NA APRIGA SUBSAARIANA A agricultura constitufa a base das sociedades africanas, uma vez que elas eram auto-suficientes em cereais como o sorgo. Criavam gado, cabras, ovelhas, galinhas e outras aves para prover a necessidade de ns protefnas, e suplementavam essas fontes com a caga. Ha registros de exportagao de sal e noz-de-cola, que atravessavam o Sara em dire- cdo ao Oriente Médio e até mais longe. Artigos de couro, originérios das regides hoje conhecidas como Mali, Niger e Senegal, chegavam & Europa passando pela Espanha e tendo como intermediérios os co- merciantes marroquinos, cujo nome foi erroneamente emprestado @ cesses produtos. ‘A medida que se intensificava procura dsses produos, os nos aumentavam sua produtividade por meio da especializaao profis- sional. Por exemplo, os sindicatos organizados no setor téxtil em Tom- bbuctu, bem como na indistria de bronze em Benim, alcangaram alta produtividade. O fato de esses produtos serem comercializados em lo- cais bem distantes de sua origem sugere um intercdmbio interestadual ativo, Conforme se desenvolvia 0 comércio, a permuta cedeu & utiliza- ‘0 do dinheiro, ou seja, metais raros e preciosos como 0 ouro ¢ 0 cobre passaram a ser usados como forma de cambio. ‘como os bronzes de Benim ou as terracotas dos nok, expressam sua li- gagdo estreita com o meio ambiente ¢ o divino. Hoje podem ser visita das em museus europeus, destino final da rapinagem. ‘A Aftica tinha, em suma, instituigdes politicas bem desenvolvidas, valores religiosos e realizagies intelectuais bem estabelecidos, produ- 16 ‘ao agricola e industrial e comércio comparéveis ao de outtas partes do mundo naquela época. Nao existe, portanto,razdo alguma para pensar que a Africa nao poderia atingir o mesmo progresso social e de desen- volvimento ostentado em outrasregides do mundo hoje. O tinico impe- dimento para que isso acontecesse foi, na verdade, a narureza destrativa ¢ ptedadora dos europeus, com quem o continente havia recentemente entrado em contato. INVASAO # DESPOVOAGAO DA APRIG a Europa a deparar,casualmente, com a Africa é em 1435, os portugue- ses estavam na regiao da Senegambia, comprando téxteis ¢ indigo; em 1470, compravam escravos para exportar as cortes européias. Em 1481, chegaram & Gana atual e, mais tarde, a0 Congo. Diego de Azambuja, pioneiro da bandidagem que visia em seguida, construiu no litoral de meu pafs, Gana, a fortaleza El Mina, um entreposto do aventuteirismo portugués ¢ europeu. Mais tarde, dinamarqueses, holandeses e ingleses também construitiam fortalezas na costa de Gana. Seu interesse prin- ipa era oH, que conseguiam com fatura em roca de rum, gim A chegada dos europeus as Américas desencadeou um processo ‘em que os europeus dizimaram as populagoes indigenas amerindias, deflagrando campanhas de guerra e epidemias. Em seguida, os negros africanos foram transformados em instantaneos bens de capital para exportagio ao Novo Mundo, Cabe perguntar a esse respeito: 0 que ame- rindios e africanos teriam para celebrar em 1992, quinto centenéiio de seu primeiro contato com os europeus? 7. (0s holandeses se juntaram aos portugueses em 1596, seguidos de perto pelos ingleses, em uma caga insaciavel ao ouro € aos escravos, destinados a substituir os amerindios como méo-de-obra nas fazendas americanas. Os holandeses ainda surgiriam mais tarde como béeres sul-africanos. De inicio, interessavam-se mais pelo comércio da India oriental. Registraram somente uma parada no Cabo das Tormentas, para tomar agua fresca e se alimentar. Mais tarde, alegaram haver en- contrado uma terra nao habitada, a qual ocuparam. Nao se interessaram em mencionar de quem obtiveram os suprimentos para seguir viagem apés o intervalo de descanso nessa terra supostamente nao habitada. A Espanha contratou, no ano de 1676, 0 fornecimento de dez mil wonela- das de escravos. Iniciou-se assim a doutrina do livre comércio, sobre 0 qual tanto ouviriamos falar mais tarde. Desacordo:comestimativas feitas,pelos proprios europeus)2 Europa tinha no anode 1560 uma populagao d= 103 milhdes € aAfricaycem mi. thoes um justorequilibrio. Em. 1850, duzentos anos depois da alegada proibigao(pela Tiglaterra do comércio escravista, a populacdo.da Africa permnanecia estagnada ios cenv milhoes,/enquanto a'da Europa havia pulado’para 123 milhoes; apesar da ersigracao massivayparaas Améri- casa Australia’ a Nova Zelandia: Muitos'desses emigrantes eram.p sioneitos que terminavam de cumprirstias sentengas nd Novo/Mundo. “Tratava:sedo lx fluruante da populaqao europea: os fugitives dasvio- lentas guerrasda inquisicaomna Buropajos desetdados eos marginaliza- dos:pelas Leis dos Pobres, que mais tarde:surgitiam:como fazendeiros proprietériosnas chamadascotbnias. Esses niimeros disfarcam o milagre demogréfico de-uma populacao 6Stagnada, Na verdade, dos trezentos milhoes que faltavam do ladoaiti; ‘catio’da equisgao; mais de cem milhdes foramvescravizados'e transporta- {dos’s Américas € 46 Caribe para nao falar dos que fenecerammnaviagem transatlantica’e foram/langados'ao manpara/alimentar tubardes. Muitos mortiamde epidemias odo abandono.ao tempo inclemente: Outros pe- reclaim nas guerras escravistas do continente africano, guerras decretadas jpelas forgas da oferta e da demanida: Outros) ainda, mortiam de doencas anites desconkiecidas, trazidas pelos europeus, ou da fome provocada pela interrup@do dasatividades produtivas €econdmicas normals. 8 (© A.APRICA NA ORDEM MUNDIAL © O coméncto escravista Desaparectam comunidades inteiras; Os afticanos obrigados a embar- car na viagem transatléntica eram examinados antes da compra para comprovar sua qualidade e satide, Somente 0s jovens fortes e saudéveis, tanto homens como mulheres, tinham 0 preco valorizado. A mulher se- tia utilizada mais tarde, em grande parte, como reprodutora, para fins de formacao de capital. Os jovens, na fase mais produtiva da vida, aban- donavam sua prépria comunidade, num éxodo forcado, contribuindo imensamente para a revolugao agréria e, mais tarde, a industrial, no Novo Mundo. Esse:éxodo'sufocava'o desenvolvimento socialy politico, econdmico'das sociedades afticanias, trazendo-thes sérias e duradouras conseqiiénciasnegativas ‘A violencia e/a: destruigao’ perpetradas’ pelos europeus,/com seu comércio nefasto, faziam que’as|comitinidades:africanas’se'confron- assem em/guerras que minavam os valores essenciais das sociedades africanias. Grupos estéveis fugiam de suas cidades, deixando para tras suas atividades agricolas e comerciais, para procurar abrigo’ seguro ‘onde quer que pudessem encontré-lo- Tornavam-se assim refugiados ‘em sew proprio pais, 0 comércio escravocrata desestruturava a agi cultura e outras atividades econdmicas produtivas, como as indiistrias de ferr0'@ cobre, que para florescer precisavami de paz © ambiente po~ liticoestavel Maistarde, determinaria o destino que osafricanos;contra‘asuavon- ‘ade; sacrificariam mais uma vez.a vida em duas guerras mundiais para, ‘que a Europa'se tornasse segura para a democracia livre do fascismo, = Como Se 0 fascismo; com sew Componente racista, fosse estranho ao carter etitopeu tao nitidamente revelado nas sangrentas aventuras dé apo) (Comunidades negras, 1995; Ulloa, 1993). RESISTENCIA AFRICANA: UM PANORAMA MUNDIAL 108 cimarrones, palenques e cumbes das Américas constituiram a con- ‘trapartida de uma luta anticolonial e antiescravatura sem tréguas, que 152 © LUTAS APRICANAS No MUNDO E NAS AMERLEAS © atravessouya Africa durante todo o;periodo"de penetracao;européia, escravista’e colonial €-¢ujo"simbolo:fotva figura'da tainha guerreira | Nzingansoberania’do- Povo ndongo. No territério que hoje se chama Angola, ela enfrentou 0 poderio militar tanto dos portugueses como dos holandeses. Nzinga revelou-se estrategista exemplar e brilhante. Antes de se tor- nar rainha em 1623, jé havia formado uma alianga tética com os holan- deses, dos quais obteve tropas na luta contra os invasores portugueses. Segunido'6 historiddor Roy Arthur Glasgow (1978, p:25);0\comandante das tropas holanclesasique lutaramsobo;comando,de Nzinga\comen- tounemy1646,,que ela. era. esperta;e:prudente, tao afeitayasarmas que quase,ndo,usava outto tipo de exercicio e:téo, generosamente valente quernuncasferiu um, portugues depois. de umayretiradasGomandavarda ‘mesmraiforma todos os seus servos e soldados: ‘Nzinga figurou também como astuta agitadora e propagendista, com grande apelo e apoio popular. Cofnafidaval mullidbes e"desfiles(delsew pov com discursospuiblicos hos Guais apontava africans traidores'a servigordosportugueses; chamarido-0s" de) soldados-escravos! Seus apelos resultaram numa desercao em massa das fileiras portuguesas. Conforme observa Glasgow (1973)pexi); {.,] arainha Nainga simbolizowa quintesséncia das primeiras ress téncias do povo mbundo. Desde 1620 até sua morto em 1663, ela fi guro comoamaisimportante personalidade de Argola ) pertou-e-encorajou a primeira onda de nacionalismo conhecida na Africe central-ocidentaly organizando a resistencia nacional e inter- nacional moni:Kongo a sua total oposicéo 4 dominagao européia. Ao:mesmo ‘tempo’ que’ rainha’ Nainga empreendia’ sta guerra liber / tadora em Angola, a Republica de Palmates resistia aos saqueadores portuguesesie holandeses'n6/Brasil, Palmares era uma comunidade de ‘varios quilombos unidos, localizada na regio que hoje corresponde ‘a parte dos estados de Alagoas e Pernambuco. Essa unio quilombola constituiu outro exemplo da luta pan-africanista, fincando pé contra a agressao colonial de 1596 até 1696. Desenvolveu uma estratégia militar 153, {to eficaz que, pata derroté-ta, os europeus foram obrigados a recorrer {A assinatura de um tratado de paz, que depois no cumpriram., Palma- \res ainda tinha em comum com as comunidades que mencionamos a \organizagao social, agriria, politica e econémica africanas. Representa, ‘com sua militancia libertéria, “o maior exemplo da continuidade enn (ralatrieana no Novo Mundo™ (Clarke, 1976, p11). Nos séculos posteriores, a ofensivas militares de resisténcia & intru- ‘do européia e contra a instituigdo da escravatura mercantilista continua- cana. Segundo o escritor guianense Fusi Kwayana (1977, p. 5), a tradigac caribenha, considerada como um todo, é uma tadigao re- volucionétia, Eo palco onde agiram Cudgoe e Cuffee, Acabreh e Ac- cra, Toussaint, Quamina e Damon, Adoe e Araby (todos eles lideres de revoltas de africanos escravizados). Os golpes desfechados contra © sistema europeu em 1750 ou em 1850 serviram para sacudir esse sistema, &s vezes nas suas préprias estruturas fundamentais, obri gando-0 ¢ fazer concessdes democriticas para garantir sua sobrevi- véncia. Nunca mais esse sistema fol o mesmo... ‘Um exemplo ilustrativo dessa wradicao é a Revol¢aolBerbicerden76a) ‘Seu lider era fee, cujo nome era uma adaptagdo inglesa do nome akan Kofi, da Africa ocidental. © renomado historiador John Henrik Clarke (1977, P.5) observa que a Revolta Berbice, mais que uma tentativa de abolir a ‘scravidio, tinha o germe de uma verdadeira revolugao porque sua in- tengdo era criar uma nova nagdo e um Estado, 154 Outo exemplo, anterior & Revolta Berbice, foi a Revoltaidos!Maroons ~ palavva inglesa derivada de cimarrén ~ Sob a lideranca de um génio militar aficano, o capitéo Cudgoe (adap- tagdo inglesa do nome akan Kojo), essa revolta deu origem a uma sé- rie de guerrilhas que resultaram numa guerra aberta de dez anos. Os ingleses, finalmente, foram obrigados @ assinar um tratado com 0s afti- canos na Jamaica, para encerrar um dos episédios mais espetaculares de resisténcia no Caribe. AR acky, escravo proveniente da Africa ocidental, € sua Grande Rebeliio Escrava de 1760 conseguiram estabelecer uma organizacdo revolucionéria abrangendo toda a ilha, que era completa- ‘mente desconhecida das autoridades coloniais e seus agentes. giande historiador Cyril Lionel Robert C. L. R. James, de Trinidad fe Tobago, traga um panorama da revolta pan-africana (James, 1969) ‘que mostra como os séculos XVIII e XIX con lucionério na hist6ria dos povos africanos e afrodescendentes. Durante esse periodo, prevaleceram revoltas, guerrilhas, insurreigdes e guerras quilombolas nas Américas e no Caribe. A revolta de San Domingo, de 1791, calminou na independéncia do Haiti. No continente afticano, até a década de 1880, apenas um décimo das terras estava sob controle eu- ropeu. A partir do momento em que os europeus passaram a cobigar controler as terras e suas riquezas minerais, 0s africanos travaram cons- tantes hutas contra o saque e a depredacao colonialist. A seguir, men- cionamos apenas alguns exemplos. Nai alo se c as Gileriasdos Asante, onze guerras no decurso desse conilito,e os asante gentaram todas elas, ‘menos iltima, Conforme observa John Henrik Clatke (1977, p.5): ‘Havia duas lutas lbertérlas na Gana pré-independente: uma liderada pelos asante no interior, e outra pelos fanti, que habitam a regio costeira. Os asante eram guerreiros. Os fanti eram redatores de pe tigdes e constituigdes. A constituigso fanti,redigida em conferéncias | realizadas entre 1865 e 1871, é um dos mais importantes documen. tos produzidos na Africa do século XIX. Além de sera constituicio da ‘Confederacao Fanti, era uma peti pendéncia de Gana, io aos ingleses para a futura inde: © sagrado banco de ouro, simbolo supremo da soberania e da indepen- déncia dos asante. Clarke (1977, p. 5) narra como Yaa Asantewaa, assis- ‘tindo ao conselho do gaverna asante sobre a situacao, s ingleses ficaram sitiados por muitos meses, até que chegaram da Bu- ropa novos contingentes de soldados, carregados de poderosas armas de fogo. Quando, ao fim da guerra, Yaa Asantewaa fo caprurada, devido & superior forga de armas, os ingleses haviam completadoquase um século de continuas derrotas militares até tomar a chamada Costa do Ouro, estao as Guerras dos Zulu, na Africa do Sul, e as Guerras Istamicas ou Mahdi, no Sudao. Behiatizis Hussu Bowelle (do Daomé) e Samory Touré 156 (da Guiné) foram dois génios militares da Africa ocidental francesa, No | Sudao, os guerreicos daroeses Mohammed Ahmed e Mohammed Ben Abdullah Hasse ibertaram o pais do dominio inglés antes de morrerem, fem 1885. O pais ficou livre por onze anos. © rei-guerreiro zulu Chaka encabecou uma guetta que mobilizou toda a Africa austral contra a pilhager européia. Quando morreu, em 1828, estava vencendo essa _guerra, que prosseguiu sob o comando de varios reis: Moshweshwave, dos basutos; Khama, dos bamangwato; Dingame; Catswayo; Lobengula; ‘Bambata, Este iltimo liderou os famosos levantes de 1906. No Brasil, 0 século XIX testemunhou uma longa série de revoltas, ‘sendo a mais conhecida a a no contexto de uma série de levantes desde 1807 (Res 1986p. d ‘envolveu teés mil qui- {ombstseconfou com a colaboracho de outa forgas pltcas.No Re: |, Emi aliados, demonstraram na sua revolta a visio pan-afticanista, implicita ‘na seguinte declaracao de solidariedade para com a vitoriosa revolugio ‘do Haiti (Moura, 1972, p. 108): 10 Mandacaru e sua unidade militar, com eseravas Qual eu imito Cristévdo Esse imortal haitiano Ei! Imitar seu povo ‘© meu povo soberano! Esses Sio ape- nas alguns exemplos de uma enorme lista de heréis e focos da resis- téncia quilombista no Brasil que 0 historiador Clévis Moura registra. 187 ‘com grande riqueza de detalhe no livro Rebelides da senzata: quilom- bos, insurreicdes e guerrilhas (1972). ‘Trés figuras importantes se destacam no Brasil do século XIX. Faus- tino do Nascimento, “O Dragéo do Mar’ encabecou uma greve excep- cionaimente bem executada pelos estivadores do cais de Fortaleza, que se recusaram a trabalhar nos navios que carregavam escravos. Essa greve foi um fator decisivo na primeira aboligio ocorrida no pats, a do estado do Cearé, e também na abolicao nacional brasileira Até hoje é reverenciada a figura de Luisa Mahin, da época da Revolta, dos Malés, como protagonista do ativismo negro daquele periodo, Seu filho, Luis Gama, além de ter sido um dos mais importantes abolicio- nistas e oradores de seu tempo, foi o precursos da moderna consciéncia negra no Brasil, cantando a beleza da heranga africana quase um século antes da idéia moderna de negritude (Nascimento, E. L.,1985). Nos Estados Unidos, 0 século XIX testemunhou 0 movimento da fer- rovia clandestina (Underground Railroad) que conduziu milhares de escravos até a liberdade. Também foi a époce das rebelides negras ar- madas de Nat Turner, Denmark Vesey, Gabriel Prosser e John Brown, e da formagéo de muitas maroons. Duas mulheres negras se destacaram nesse contexto: Sojourner Truth e Harriet Tubman, ambas exescravas que dedicaram sua existéncia & luta pela libertagao do seu povo. A esses combates de caréter militar se untaram os esforgos dos pan-africanistas que se organizaram para lutar na arena politica e de idéias, a exemplo dos escritores, historiadores e jornalistas Frederick Douglass, Martin R. Delany, Edward Wilmot Blyden, Henry McNeil Turner, entre outros. © conjunto de combates & escravatura imp5s um enorme desafio a0 sistema colonial, abalando seriamente as estruturas econémicas de sua sustentagio. Entretanto, O paren Da LTURA Baseando-se em extensivas pesquisas, 0 historiador John Henrik Clarke sugere (1977, p. 11): Na América Central e do Sul e no Caribe, a cultura africana, renas cida em tertas alheias, tormou-se a forga de unigo e o sistema de co- municagdo que ajudaram a colocar em movimento algumas das mais bem-sucedidas revoltas de escravos na histéria do mundo. | 0973, p. 27-8), com bese na sua extensiva pesquisa sobre os qullombos | nas Américas, observa: Estudando as sociedades cimarrones, sempre me impressionei com ‘ natureza primordial e completa da sua “integragao funcional! (x) Essa formagao notavelmente rpida de culturas esociedades integra- das [pelos diversos grupos aue constituiam os} cimarrones foi possi- vel. como suger, por. causa da existéncia, em todo o hemisfério, de culturas, bastante maduras_entre 03 escravizados, combinadas com umn. compromisso intensamente difundido,e compartilhado com a3 coisas africana ..] Os maroons realmente aproveitaram suas diver- ‘sas herancas para construir suas culturas, Bem podiam olhar para a Africa, e ofizeram, para dela extrait principios organizacionais apro- fundados, relacionadas com campos culturais tio diversos quanto |e nome dos filhos, de um lado, ou os sistemas de justia, de outro, {..] Por mais “afticano” que fosse,-nenhum sistema sodal, politic, “Teligioso ou estético dos cimarrones poderia se identificar originaria- ‘mente com. uma proveniéncia tribal especifica: revelam, ao contr rio sua composigio sincrética, (..) O sistema politico de Palmares; por exemplo, [..) nao derivow de um modelo africano particular e central, mas de varios e diversos modelos. (grifo do origiral Esse fator de integracdo representa 0 sentido mais nitido'da natureza “aficana! das culturis © dos sistemas administrativos da organizagio quilombista afro-americana, porque a Africa simboliza a relacéo dina- mica entre:as diversas mattizes existentes nela. Nessa perspectiva de integracao cultural, aexperiéncia da didspora africana no Novo Mundo expresca intrinsecamiente a esséncia pan-africana, como demonstra Wole Soyinka (1976, p. 54): Ogum, por sua parte, revela-se nao’ somente odeus da guerra, mas | também/o deus da revolugao no ‘contexto mais contemporaine isso se dé no apenasina Africa como tambéni nas Américas, para ‘onde seu culto se espalhou. Esse fato os baluart»s cat6licos romanos | do regime de Batistaom Cuba descobriramy demasiadamente tard 160 deviam ter se preocupado menos.com Karl Marxe mals com Ogu, \ divindade redescoberia darevolueio: O PAN-APRICANISMO E SEUS ANTECEDENTES Hd uma tendéncia erténea de'ver o pan-afticanismo comouma palavra de ordem paraa volta em massa dosafticanos da diasporaéterra natal. Embora algumas das suas primeiras manifestagoes tenham se articu, lado: dessa forma, o pan-africanismosignifica a luta;pelelibertagao dos povosafrica0s em todos os lugaresonde se encontrem. (Como ideta politica ¢ cultural, pan-afticanismo temuma longalhis- {6ria, Wole Soyinka (1976, .-16) observa, por exemplo, que varias linguas afticanas,ttazem,o.conceito_do_negro_afticano, supratribal,»identifi- cando-o como abibiman em swahil, enia dudu em ioruba; baiki mutane em-hausa, meedidzti em ga. Isso desmente a versio comum de que nao existe unia identidade africana, de que na Africa existiriam/apenasidenti- dades étnicas ou tribais, intrinsecamente incapazes de sustentar a solida- riedade entre os povos negros. A hist6ria das lutas de resistencia afticana no continiente ena didspora constitu, a nosso ver, outro exemplo da iden- tidade africana, forjada acima das especificidades étnicas, em fungao de sua experiéncia hist6rica comum € em tom de uit Objetivora libertacdo do jugo colonial escravista no continente € na diéspora: Ofuncionamento essa identidade‘na acao libertadora representa, para nds, a esséncia do pansafricanismo: Por isso) identificamos'na'tradicao de resistencia. qui- lombista uimprinieiro momento de sia articulacao na pratica: Nas préximas paginas, exaiifiatemos brevement® outta sdoido’pan-africanismo: stia articulaGao’ emi movimentos de natuteza mais explicit, expressa no desenvolvimento de uma aca0 orientada pela idéia de solidariedade ¢ tunidade de objetivos entr2 08 povos que compdemti‘o mundo afticano. Essa articulacao explicita esta registrada em documentos e em fatos hist6ricos protagonizados por afticanos em condigbes geogrificas histérica e culturalmente especificas: 0 cléssico ‘riangulo tragado entre @ Africa, a Europa e parte da América (os Esta- dos Unidos e o Caribe de fala inglesae francesa). 161 A caracterizagdo geogréfica: desse.uiangulo pan-alticano_ se funda- ‘menta na articulacao explicita do objetivo comum de luta, Os protagonis tas desses movimentos eram jornaistas eseritores e oradores e expressa- ‘vam suas metas ¢ ideais nas linguas dominantes no mundo europeu: 0 inglés e o francés! Masyem relagdo aos:paises "latinos! de fala espanhola «© portuguesa, a ideologia do branqueamento e da ‘democracia racial’ acompanhada da alegacao de que o sistemavescravista na América hispa- nica e portuguesa fosse mais ameno, ajudowa escamotear a luta africana nna regiao eaalifé-1a do pan-africanismo. propria lingua também osiso- Jaya: até muito recentemente, os encontros intemacionais nao ofereciam servigos de tradugdo para o portugues eo espanhol, Outro fator que con- «ribui para esse isolamento & que os:afro-americanos desses paises care- ‘iam de meios para viajar, estudar eintegrar-se 20s circulos sociopoliticos internacionais que dinamizavam 0 movimento, Nao havia uma elite fa- vorecida cle negros,idemtificados como tal capacitada para levar adiante uma atuagao politica internacional. ‘Nas prdximas péginas, percorreremos alguns aspectos do movi- ‘mento pan-afticanista, desenhando um esbogo desse fenémeno, que merece estudos mais aprofundados. O emigracionismo afro-norte-americano Os primeiros registros do pan-afticanisitio explicitamente articulado se encontram em movimentos que conclamaram pela voka dos affo- descendentes)a-Africa. J& em 1773, africanos escravizades nas entéo coldnias inglesas dos Estados Unidos pleitearam, mediante peticao, 0 retorno a Africa apés sua manumissdo. iA6'mésmo tempo na Europa, africans. antiescravistas’ como Olaudali” Equiano” Gustavus’ Vassa) (2004) e O«tobah Cugoano (1999) discursavam e publicavam obras mais ‘avancadas que 0s abolicionistas brancos liberals da época: Pleiteavam no apenas um melhor tratamento dos escravos, reivindicagao dos hu- ‘manitérios abolicionistas, mas também éxigiam a libertacao e a indeni- 2440 a0 africano pelos danos softidos. Em 1787, meso ario’em que saiu em Londres 0 trataio abolicio- nista de Otiobah’ Cugoano, um grupo'de negros da Amétiva du Nunte 162 1 LUTAS APRICANAS NO MUNDO NAS AMERICAS conseguiu voltara Africa e fundara cidade de Freetown, quemais tarde seria a capital de Serra Leoa..Em.1795, quando os,maroons da Jamaica Jangaram nova ofensiva contra aescravaturay muitos deles, cagados pe Jos famosos.caes.cubanos treinados especialmente para esse fim foram ‘enviados ao Ganadae; de li, a Serra Leoa (Geiss, 1974, p. 37). 'Na didspora, quando nasce ese desenvolve-a idéiaipansafticanista, ‘tem inicio‘o triangulo histérico,tracado do Caribe € dos Estados Unidos ‘a Europa(e a/Africa ocidental, que dominatia 0 cendrio pan-africano por dois séculos, Entre os intelectuais oriundos do Caribe que exerciam forte atuacao e influencia nos Estados Unidos podemos citar Prince Hall, de Barbados, e John B. Russworm, da Jamaica, que fundaram duas das primeiras instituigées auténomas negras dos Estados Unidos: o African Lodge (1775) ¢ 0 Freedom’ Journal (1827). Em 1787, em Filadéifia, os affo- norte-americanos Richard Allen e Absolom Jones fundaram a Sociedade Livre Africana, que conduziu & fundagao de duas igrejas negras cujo papel {oj importante no desenrolar do pan-afticanismo. O bispo Alexander Wal ters, da Igreja Africana Episcopal Metodista Siao (Amez), escreveu um re- lato da Conferéneia Pan-Africana de 1900. 0 bispo Henry McNeil Turner, da Igreja Africana Metodista Episcopal, deu impulso e contribuicao decisi- vos & fundagio da Associagao Pan-Afticana (Walters, 1917; Redkey, 1971) John B. Russworm veto a serymais tarde; umjdos fundadores dat Lit béria; que se tornourepiblica independente em 1847. onde Russworm morreu em) 1851: Paul Cuffee, marinheiro armedor de New Bedford, Massachusetts, também ajudou a criar a Libéria, Em 1780, ele havia Jiderado os negros livres que protestavam contra 0 dever de pagar im- postos quando nao dispunham do direito de votar. Ganharam 0 caso na justiga em 1763 (Aptheker, 1971, p. 14-6). Cuffee visitou Serra Leoa em 1811; em 1815, levou um grupo de 38 negros livres que se instalaram no territério que hoje compoe a Libéria. Mais tarde, fundou a Sociedade Amigével para a Emigragao de Negros Livres da América, primeira orga- nizagao negra independente voltada para esse fim (Clarke, 197, p.13)- Conforme observa o historiador Hollis R. Lynch (1967, p. 2-3} Os oitenta e oito emigrantes negros que voluntariamente deixaram 1 Estados Unidos em 1818, no navio Elizabeth, entre os quais esta: 163, © ELISA LARKIN NASCIMENTO © ‘vam os primeiros povoadores da Libéria, tinham um alto senso de isséo: conceberam a si mesmos como os pioneiros de uma aven- ‘ura que esperavam ser capaz de transformar a situagao e a fortuna dos povos afticanos em todas as partes. Alexander Crummel, educador negro que atuava na Libéria e nos Esta- dos Unidos, foi outro lider importante desse movimento (Williams, W., 1982, p. 1). Martin R. Delany, médico e intelectual negro, era co-dire. tox com o famoso abolicionista afro-norte-americano Frederick Dou- glass, do jomnal Estrela do Norte. Junto com o cientista jamaicano Robert Campbell, Delany liderou uma peregrinacéo exploratéria & Aftica, em ue realizou contatos ¢ tratados de amizade com autoridades da socie- dade tradicional joruba (Delany e Campbell, 1969). Mais tarde, Delany colaborou com o bispo Henry McNeil Turner para fundar a Empresa Literiana de Exodo. Cunhou 0 conceito de nacao negra nos Estados Unidos e & conhecido hoje como o pai do nacionalismo afro-americano (Delany, 1968; Ullman, 1971; Sterling, 1971). conforme relata um dos mais destacados pen-africanistas do século XIX, FaWwardl Wilm6t/Blyden (Lynch, H., 1967, p. 18). Educador e estadista liberiano, Blyden foi um dos mais importantes expoentes da necessidade de unidade dos povos da Africa com sua diaspora, As obras desses ativistas demonstram que eles néo propunham a voka Africa num vécuo analitico ou politico. Baseados em uma and- lise profunda e em uma aguda compreensao da dominagao racista do Povo de origem africana na diaspora, conclufram que nao seria pos- sivel resgatar sua liberdade apenas com apelos emotivos & conscién- cia ética do dominador. Combateram, entéo, a destruigéo da auto-es- tima e do autoconhecimento histérico do negro, que tanto minavam seu potencial & resistencia. Conseguiram construir um inicio de agao 164 © LUTAS APRICANAS No MUNDO E.NAS AMERICAS Secoerntmuneintnaepeoteat pts H,, 1967, p.66) ‘Blyden ¢ seus colegas preocupavam-se com a definigao de uma pro- posta de organizagao soctoecondmica mals Justa para as soctedades fundadas com base na emigragao dos afrodescendentes. Contrastando, 0 papel do Haiti e 0 paralelo sul-americano 0 proceso de independéncia do Haiti constituiu um fator fundamen- tal no desenvolvimento do pan-africanismo. Jean-Jacques Dessalines, primeio governador-getal da nove nayéo, eimitiu, eur 1804, un apelo ata que os negros da didspore ajudassem a construir o pais. Num mo- vvimento reciproco, o guertiheiro afro-norte-americano Denmark Vesey rocurow a ajuda e o apoio do Haiti para sua famigerada “conspiraca0, de escravos’ de 1822, Essa revolta envolveu mais de quarenta mil pes- soas. Nas palavras de John Henrik Clarke (1977, p. 18), 0 Haiti “tornou- se uma inspiragdo e um refigio espiritual e politico para grande ntimero de negros norte-americanos que procuravam um lugar onde pudessem sentir-se de novo inteiros, numa nagdo negra que lutara e ganhara a ba- talha contra a escravidao! utra dimensdo fundamental do pan-africanismo nessa época de- corre do paralelo sul-americano 20 movimento de emigra¢ao na Amé- rica do Norte, Com considerdvel freqiéncia, africanos escravizados 165 emancipados no Brasil ¢ em Cuba resolviam voltar & Africa, formando comunidades de “retornados” na Nigéria, em Togo e Gana que ainda hoje mantém carter especial (Verger, 1962, 1966, 1968; Turner, 1975). Destaca-se no contexto de emigracdes das Américas & Africa a his t6ria de joseph Cinque, rei dos Mendi, da regido de Serra Leoa, que em 1839 foi vendido como escravo ¢ levado com parte de seu povo para Cuba. Os africanos revoltaram-se, tomaram o navio e ordenaram que este voltasse ao continente africano, Os espanhéis navegaram para 0 norte ¢ 0s africanos desembarcaram na cidade de New Haven, no norte dos Estados Unidos. A Espanha, entéo, exigiu dos Estados Unidos a de- volugéo dos escravos, O caso foi parar nos tribunais. Joseph Cinque, com sua grande habilidade politica e seu génio discursivo, liderou a autode- {esa juridica coletiva dos africanos e, superando em estratégia os espa- nhéis, venceu a batalha juridica. Quando se dirigiu ao tribunal, falando sua lingua nativa, seu discurso foi tao habile brilhante a ponto de ganhar para 0s africanos iniimeros aliados. Assim, 0 grupo foi libertado. Apés a vitéria, Joseph Cinque e seu grupo ficaram nos Estados Unidos para estu- dar. Depois de ganhar um conhecimento cientifico que seria itil Attica, retomaram, por fim, ao continente de origem (Clarke, 1977, p.21). Esse fato tem paralelo em milhares de casos de africanos cativos que 0s ingleses “libertavam" em alto-mat, aps a proibigao do tréfico escravo, ¢ enviavam a Serra Leoa, de onde geralmente voltavam a terra original. Samuel Johnson, o famoso historiador do povo ioruba, e seu irmao Obadaiah, bem como Samuel Crowther, bispo e educador nige- rlano do século XIX, s40 exemplos ilustres desses serra-leoneses na his- ‘t6ria nigeriana. Movimentos anticolonialistas na Africa viés pan-africanista compés um elemento central dos movimentos anticolonialistas no continente africano a partir do século XIX, O jornal independentista ganense The Gold Coast Times (1874) tinha alcance te- ‘mético intercontinental, com leitores na Aftica, no Caribe, nos Estados Unidos em partes da Europa. Escrevendo em outro jornal ganense, The Gold Coast Nation, em 18 de abril de 1912, Attoh Ahyma, conhece- 166 dor da diaspora, diz que a luta nacionalista africana procurava “a patia pratica e a cooperacao cordial de todos os africanos encontrados em qualquer parte do mundo, {...] Acolhemos tudo e todos, em nome de uma ascendéncia comum, uma patria comum e o deus comum de nossa raga” (Geiss, 1974, p. 206), Casely Hayford, que se destacou na luta pela libertacao da Costa de Ouro, futura Repiiblica de Gana, escreveu em 1912: Quando os aborigines da Costa do Ouro e de outras partes da Africa ocidental tiverem juntado suas forcas as dos nossos irmaos na Amé rica para cheger a uma meta, um propésito e uma inspiragao ma- cional, sera mesmo possivel que nossos irmaos tragam, metaforica- ‘mente, um grande prémio para sua nacio e seu povo. (Apud Geiss, 1974, p.219) Na Africa do Sul, como influéncia direta do movimento politico pan- afticanista, @ Congreso Nacional Africano incorporou esse ideal em seu programa (Geiss, 1974, p. 209). John Chilembwe, mértir do nacio- nalismo militante em Niassalandia, liderou a rebelido de 1915 com um ema que lembrava o movimento de Marcus Garvey: “Africa para 0s afti- canos!” O nacionalista sul-africano Isaka Seme, num discurso proferido na Universidade de Coltimbia em 1906, profetizou: “O gigante esta acor- dando! Dos quatro cantos da terra, os filhos da Aftica esto marchando em direcao & porta dourada do futuro, carregando consigo o registro de proezas de valor realizadas” (Geiss, 1974, p.119). ‘0 movimento popular de Marcus Garvey ‘Unia contou em suas fileiras com milhares de pessoas: sé nos Estados Unidos tinha 35 mil membros. Cuba tinha 52 filiais em 1926; a Africa do Sul e Honduras tinham oito cada uma; Panamé e Costa Rica tinham 47 © 23 organizacées filiadas, respectivamente, Havia sucursais da Unia em 167

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