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Raphael Patai © mito no € um fendmeno encom sociedades do. passada! dor mostra ‘Ghe.a getea dade contemporinea também oleae condicionada cor. ou male como 0 mito do nov, co, aia tte de Deus’, 0° mito da fig titi, © muitos outrs.. Para explicar © Dt: Raphael Patai, 1 100, pesqus Presente, levandéy compreensio de nossa épocl “ede Pac Ta) mit Tan Piety RAPHAEL PATA E O HOMEM MODERNO ‘Tredusio de Ocravto Menpes Cayano 2 EDITORA CULTRIX le do. origina MYTH AND MODERN MAN Publicado pela Prentice-Hall, Inc, Englewood Clits, New Jerse. Copyright © 1972" by Raphael Patal Rikinrce 46U 90° ex. 340443994 av-ot BRON 3 pe WEP WeI9 hy: SSE sie @2 ASIC WES Bre MeMLXxIV Dieitos reservados pela EDITORA CULTRIX LTDA Rua Gonselicim Furtado, 645, fone 278-4811, Sko Paulo, se mena também @ propriedade Tterdra da presente tadugle, Impress 20 Brasil Printed in Bresit AGRADECIMENTOS © autor desea expresar ot sus agradecimenton As seguintes pecan pela Perms concedida para ttcer citagdes das vlnay aba setae Lorde Raglan, “Myth and Ritual, Joursal of Amerie Folklore, LXVIY (outubro-desembio de 1988), Waltsr F. Otto, Die Gestalt und dat Sein, Eugen Diedevchs Vestas, Dussle orf, 1955. Copyright da Wistenschafiliche Buchgewllschatt, Darsarie Jotcph Campbell, The Hire With « Thoucend Faces, Bollingen Seren ANIL Conprighe de. i949 aa Princeton Univenity Prom Cheageer dae pate, 9:20, 30,875 24546, 258, Mircea Eline, “Archaic Myth and Historical Man’, MeComnick Quare (ef isneto. de '1955). "Copyright do McCormick. Theletial Seneeey, hese New Catholic Encyclopedia, copyright de 1967 da Catholic University of Ahern, Wasinaron, D.G"Uslioadn tom permis da McCravc ili hook Gampany. "The Black Mesiah, de Alber: B. Cleage, copyright da Sheed and Ward Tne, 1966, * Jims, B. Pritchard, organizador, Ancient Near Rastern Texte Relating tg the Old Testament (32 edigdo, com Suplemento). Copyright de. tera Prinecton Univesity Press. Robert Graves, New Poems, Doubleday, Nova Torque, 1963. Copyright de 1963"de Robert Graves Teilard de Chardin, The Future of Mon. Copyright de 1969 de Harper & Row, Nova Torque Esic Bersaust, The Nest Fifty Veer in Shace. Copsright do 1964 de The Macesilan Company, Nove Tontues SUMARIO Prnskero xrsepugio 1. A INTERPRETAGAO DO MITO ATRAVES DOS SECULOS Antigas interpretagées Oplniges renascentntss © romotias Evolugio cultural e mitologia colar 1A Vaikerspeychologie de Wand Pacanilie ~ © enfoque de June 6 ‘A excola do sn « otal Lorde Raglan, © rato gusts.» mentica )- slo joralisticn Malinowsi Neo-romantisno A erliza do mito Os atavies do mito 2, ESTUDIOSOS DO HOMEM TRANSFORMADOS EM MITO- POETAS 1, Cultores & autores £2. O mito estrtural, 43, 0 mito de Edipo — @ O mio do hess ‘5. O mito ds noosfera 3. MITO E HISTORIA ‘abL. Origens: mitioa © histéviea 2. O mito trado da histéria 198: Dionis, ow © mito come precedente 4. 08 MITOS DO FUTURO HL. A excatclogin> 2. A fiegio cientifica 3. Os radieal au 4 0 mito da greve geral . © MITO DO MUNDO MARXISTA © MITO NAzISTA (© CASO DE CHE, OU: BLE PRECISA MORRER PRIMEIRO MARION DELGADO, OU: 0 MITO DA GRIANCA TER: RORISTA |. A RELIGIAO COMO MITO Na VIDA MODERNA 1. © mito na tradigho judaico-cris 2: A linha mica bikca da “"Teclogia da Sobeevivncia”™ 3. O exorchano na Igieja extlica de hoje NOVOS MITOS PARA VELHAS CRENGAS 1, Dicotomia protertante 2. Um nove mito judaico (© MITO DA DESMITIFICAGAO © MITO DO DEUS QUE MORREU, OU: A TEOLOGIA DO “DEUS ESTA MORT 1, 0 enfoque eolgice €o antropoisico 2) 0 Grande Pa roreeu 5, Deas e 0 homem: ambor mortas 44. O significado do “Deas ext moro” 5. Quem morre, 0 Filho ou © Pai? 6. A morte de Jeovd 1. A eaperanga da cesmreigéo de Deus MITOS PARA NOVAS FS NEGRAS (Os Mugulmanos Negro 10 esto negro © Deus negro Os Judeus Negros 5. Pather Divine 137 ae at 145 Me 131 134 137 160 165 165 368 m 1m a9 HERACLES NA AMERICA DO NORTE 1. 0 herdit serie 2. O heriibutso 0 MITO DE “MICKEY” (0S MITOS DA SATISFAGAO ORAL, OU: REFRIGERANTE F FUMO © MITO RA MAGIA RR MADISON AVRNTIE Personayens mitor Mites anima Magis da couioha © consehe mice I Mitoe batendce em: mon JERRY, WHITEY & BABY (© MITO DESTRUTIVO: AUTOCASTRAGAO F SUICIDIO| 1. Aviccasteagto 2. Snicdio ver causa 3. Al Capone 10 Jape 4 Auoinolasto NOVO MITO DO SEXO antatin © desempenbo (0 Supershomem sex! =O mito de James Bond © complero do Playboy A nove mulher MITO DA FUGA PLANETARIA Flammarion TTeihard de Chardin + Tecnologinerpacial (0s OVNIs 22, PRECISA.SE: DE UM MITO INSTRUMENTAL PARA A DE- MOCRACIA Novas PREFACIO A mitologia me interessou desde os tempos da escola secundéria A partir de 1936 escrevi diversos lioros que versavam, total ow par cialmente, temas mitoldgjcos. O assunto. desses livros pertencia a0 campo vasto, mas até boje insuficientemente explorado, da antiga imitologia bebréia e judaica vista em confronto com os mitos de outros oves antigos. Enquanto trabulheva nesses Uoros, sobretudo nos tli- ‘mos, minba atencao foi gradualmente atraida para a presenca do mito € do pensamento mitico no meio sociocultural em que ex vivia e ‘rabalbava, Conrecei a perceber, a principio mais ou menos intuti- vamente, que os mitos continuavem sendo criados ao meu redor e que 4 vida do norte-americano comum (que tombén & uma figure mitiea) ainda estava sendo consideravelmente influenciada por mitos, mitalo- gemas individuais e imagens miticas, Essa percepcto movewme a Procurar semethangas entre mitot antigo: e modernot e andlisar of rocessos mitopotticos, que poderiam ser observados mio somente na América do Norte mas também em outras partes do mundo maderna. Quando comecei a completar as observagtes diretas com leituras, conbeci que estave iniciondo preparations para um novo livr. A essa iltura do prefécio, 0 autor costuma expressar os seus agradecimentos aos que 0 giudaram a escrever o lisro. No caso deste volume 0 mimero dos que me auxiliaram, direta ou indiretamente, & tio grande que me seria impossivel citélos todos. Se eu mencionasse uma centena, talvex ainda passasse por alto ditcias deles. Além disso, canversas ocasionais com pessoas que permaneceram nio identificadas restaran, mts gee om peers, gue ae me agar el~ sas, do mecanismo de forgas mitoposticss. Parece-me que tais circuns tinias obrigam co recurso a ume des mliodos favoritos de mitpoete, 4 saber, a fusto dos muitos num £6, que paisa a ser personificado, u nomeado ¢ dotado de dimensies © qualidades sobre-bumanes. Os muitos que me ajudaram assument, portanto, o cariter de uma figura itica a quem chamerei Eudoro, 0 Generoso, e a quem dirigiel estas palavras Gropas te sejam dades, Eudoro, generoso benfeitor e doator, por teres permanccido junto a mim durante rmuitos anos e ent todos ot lngares, @ por me bevcres dado irresritemente 0s tus vombecimentos especilizados ¢ @ tua capacidade rama centena de sreas.. Score tua sjuda este loro wao poderia ter sido escrito Forest Hills, Nova Torgue. INTRODUGAO ‘A maneira mais direta de apresentar um assunto come o que se ventila neste livro € definir os vermos contidos no titulo. Comecemos com @ segunda parte do titulo, gue nio apresenca nenhum problema especial. “homem moderno” no presente contexio refere-se 40 segmenio da populasdo global que, no silsimo tergo do sécalo XX, vive fem meios altsmente industrializades. A mais alta percentagem de qualquer populagio nacional que vive mum meio dessa natuera Se encontrs nos Estados Unidos. Vém, depois, 0 Canadé e a Europa Ocidentel, seguidos pela Europa Central, Meridional e Oriental © pela América Latine. O resto do mundo somente agora se esté aven- turando 2 modemnizagio © experimentando © crauma. concomitante, que parece inevitivel. Ao discutirmos, portant, a influéncia do mito sobre 0 “homem moderno” teremos em mente, sobretudo, a populacio urbana dos Estados Unidos e de paises semelhentes Em relacio a primeita parte do nosso titulo — “mito” — a sinuagio é muito mais diffel. Como se verd no Capitulo 1, esse conceito chamou a atengio de um sem-nimero de estudiosos especializados em muitas disciplinas diferentes, e as suas interpretagées do termo “mito” slo cottespondentemente diversas. Hi alguns anos, enquanto preparava uma conferéncia sobre a ‘mitologia hebréia, que pronunciei na Academia de Ciencias de Nova Torque e nas universidades de Munigue e Francoforte, precisei elaborte tuma definigdo de mito que servisse de guia para isclar os elementos iiticos encerrados nos ricos depésitos do antigo saber hebraico © judeu. Acabei optando por esta: “Mito... & um instrumento religioso tradicional, que opera validando leis, costumes, ritos, instituigées e crengas, ou explicando situagGes socioculturais on fenémenos nate e-que assumem a forma de histérias, que se acteditam verdadeiras, acerca de sexes divinos ¢ heréis.”* B Mais ou menos so mesmo tempo, livro Hebrew Myths, Robert Graves e cu curta, mas basicemente semelhante: tmiticas que constituem um instramento continuagio de instcugées, costumes, rose a antigas na drca ata a introdugio do nosso pacordamos numa definigio fem que sfo comuns, quer aprovando’ slteragée Hrojé ew ainda acctaria essas definigdes de ito, embora supri- usse @ pelavra “religioso” da primeica, Os meus estudos sabes o incionamento do mito no mundo moderna convenceramme le que © mito nio € necessariamente umn instrumento “religions”, pois poke se interne scala eno aro 06 New echt os achat stv go sete de a, 10 fiamarse,tomase rpidamente tradition, servindo de exemplo para set emulado, de precedente pars set sone, tido e, por conseguint, realirmedo * pane biti também, aseado nas mishas observagies da cena modetn, eu daria maior destague a0 papel ativo representado pelo mite ne todelgem devs soc, “TE'tono o weere tee ce autorian costumes, tos, instiulgbes, erengas, ete, mas tambon, telies sens € stapes sepestvel ei ccs, Nese set, nip tou muito Tonge da posigio de Georges Sorel, segundo ¢ gal (Pie doen te Melia rgd CE Sc erty 6a GHMBEE Feconfecer, pelo mexics, que existe ume iSciproca fecendeco etuzada nite o mito ¢ os aspecios da vida cultural elasficndos cong costumes, tits, instivugGes, crengas, ete, Novos mitos cram seen padrses socioculturas e, invetsamente, novos costumes © noves choos S8es socits eriam novos mitos/Como geralmente acontece com sane SituagGes de zeforgo mituo, ro se pode formular o quesico da pet masia com perspectvas de ima solugio satisfatri, vj Aalvex seja mais facil responder a esta pergunta: Que € 0 que {yet a0 mito 0 extraordinétio poder de infiuic em aossas viles?” Een primero lugar existe o fator crenga. Para que 0 mite exeigy alguna influgncia sobre as pessoas, estas precisam acreditar na verdade qe 0 A mito afin. Essa verdade, contudo, nfo & ds mesina onlem us que 8 contém na afirmagio “o Sol nasce go Oriente” "Nao € uma verdaie Ly timoles, factual, sendo uma verdade que 6 comesamos @ enrcrmee 3X quando comesamos a compreender o “verdadeizo signifieado” do wien », Dirsed que as verdades ou percepsdes fundamentsis, ponderooes ¢ grucais, da condigdo humana s6-poderao set comunicides ditere ou iimediatamente se 0 propdsito da comunicagio se limitar a trascnive ia compreensio cerebral, ipa. Mas se, por outo lado, 0 propbulto for permit 20 seeeptor atingir uma profunda interlorizagio Soctionat “ Ns [Os mitos sao histérias dra sagzedo, quer autorizando a => = da verdade comunicads ¢ da sua mensagem, © auto-dentficarse com cla, tais verdades se exprimem ¢ comunicam melhor na forma nan tiva do mito. E precisamente por residir em seu significedo mais cofundo, a verdade do mito requer tepetigio paca poder prodknie impacto sobre o sea piblico, As reperigdes sto literals ou assumem 4 forma de varigées, Em ambos os casos o mito se converte num Ppoteate fator motivador da exisifacia dos gue o interorizaram & me: dda que passaram a compreendenihe 0 verdadeiro significado. Anreendida a verdade do-mito, este assume ova fiisfo: os 6ue cuem debsixo da sua influgncia “experiments uma sensagio de satisfagio que pode tomar wérias formas, Ora € a satisfagio por expe imentarmos uma reducio da ansiedade, como o enfetizou Malinows- Kis Ora ¢ a satisfegdo por sentirmos sumentada a ¢utoconfianga, esse sentido ¢ ilustativo ponderarmos a freqléncia com que S_Gejiansste, “O mito do...” aparece em tor de Igoe eens sentido de “crenca erz6nea” Y, lém:’ Mage Bana 957); The Fortress That Never Was: The Myth af Hips, Regie Stronghold, de Rodney G. ‘Minow. (Nova Iergces Holt, Manat, & Winston, 1964); The AMyeb of the Machine ee: ool Mumford (Nova Torque: Harcoure, Brace & Jovanoveae 1s04e"S Ae wen teens Bertcncem efrulos como The War Aiyth; de Donalt A akels {Nova Tore: Pegams, 1968). Ed visto arate Tegi- imidede do significado de uma palevra devesse ser deeeinede pelo cerca mult, © emprego jomalistico de “mito” como equivalewe te “erenga false” setia aprovado por grande maria 38 11 Malinowski Desi ot antropologitas que tivecun extensa experincia de Malncet gtco milor atengio & teoria do mito far Bema Malinowski (1884-1942). “Segundo a sus tase sob mito, infcio da conferéacia intivalads Myth tn Primvine is a palavta, of mitos, hjunens” cspaciteram Melinowski de que © mite “aac s map- fais ise, nlo € uma efusio sem objetivo de fantasies vi, oe uma A mao de set 0 mito uma fosga cults “lio perience 4 netureza de licgis, come 0s hoje num oatronn emis € ums realidade viva, que se acredia hala tence oO mundo'e cPaets Primera, continuando infuencar, desde eons Samu € os destino humanos. Pata o selvagcan exces repre Senta 0 aue, para 0 crstio convicto, € a histone Fi dt Queda, da Redensio pelo Sactilicio ‘de Crino come « nossa histétia sage ‘tual, Fo mie ee yBeueEM Anos © contra a nossa condets, means 0 mito para o selvagem” (p. 100). Gonsecientemente, prossegue Malinowski, 0 mito “nfo & sian bolico, mas uma expressio dizeta do seu temay afore emt explicagio oe MEE @ um interesse clenifico, mas a ressumelgio nasa ie Be Ridade primeva, exposta pata ‘satsfizer « profundes meets Ses religions, anseios moras, Submissbes sockde, sorte ey Fequisitos préticos. © mito desempenha na eulsica funslo indispensével: expressa, aceatua & codi da ¢ reforga'a moral; dé testemunho da efici muzas Prétcas paca orientagio do homem, (-.-] [E]'um hace cas opimético de fé primitiva sabedoria moral” (p. 101)" “Enea, Sr f080 ,Guando 0 sito, & ceriménin. ou a teeta fecal oy nt Cftem,justilicnto, gurania de antiguidade, selidade sean (5) 107). Pot conseguinte, firma Malinoweld; tade ordi, migica, {ode ceriménia ou todo ritual importante tem a’ sun eons respectiva narada em relatos de preedente concreo, que sf0 mite (p 107). 39 AA semehanga de, Wane, porém, Molinowski nfo afisga qoe tsdo mito est amociado 3 magia cern ou #0 rth. Aa com tei, atzbu: 40 mito wm papel tito mis amplo, ‘mult mis ve Fado, Subliaba tetera, comy “0 ponte gust mals iapertente” te fn tes acerca do mit que “exste une classe espe de Hastie {a saber, os mitos}, que se nepatam saad, oxporcades emt sane, tonal oxganizazo sca, « encarads pelesnatves como coughs “de uma realidace primis, incor e tas pertinent, pele tal oe determina a vida presente, os destiton e a aividades da Kean date (pr 208). Em outa passgem explicita Malinowski ainda melhor © mesmo pensamento. Depois de espora reloao etre © mito c's tao aay "Podemos acescntar de proso que o mio é eapas de laces aie somente a regia seo tasbean a qualquer form de ode oe pe fensio soci.” Unser sempre pars expla pitlegios cu deste cxtrwordintsios, grandes deiguldedesocats, seveescocarsee de Posi, sa ene muito lta ov musto basa” (p84), Quand, depois da apresentesio tesrica do mito, Malinowski passa una exposgio malt circanstanciads dos mites. don inslanee de Trobriand, tatvos sob tes epfess mits de origea, io de morte ou do cielo secoreate ca vida e mitos de magn’ Nio aban She's si pe dvd gota oss, mas € eden guy Sen entender, adn umd tr repetena um ‘ips imeeeane da mitelogi. do Trobyiand. * mines A principal angio do princto tipo € minisar 0 precedente © 0 instramenta tediionel em’ dress come antes tooo de 4 sua ordem hicrrquc, ete, © segundo tipo exerce a meama fan to gut dia respeto ap envelhecnes, is epidenias, i norte a oes mundo, ec. Esses des pos de mis, portato, nfo ao acres sssoinas 2 toe, pois tn por fungio express, seentuat ¢ elites 2 crena, ou salaguardar © flora moral, ou and sett Se sane tos ne vids comunal individual. $6 no teeiso ip, on mone imaga,€ que os mito fonconts como natetivas sicetade so ase 12 Neoromantismo ‘Uma posigio tocante ao mito, antzopologicamente parecida com 4 de Malinowski, fot assumide pelo Hlbsofo religioso alemao, Waltet P. Otto (1874-1958) em seu livro Die Gestalt und das Sein: Ge- sanmclte Abbandlungen ither den Mythos und seine Bedeutung fiir die Menschheit (Imagem ¢ Existéncia: Coletiuea de Ensaios sobre 0 40 Mito ¢ Seu Significado para a Humanidade) Com efeito, em sua éafase sobre a importéncia do mito para a humanidade em geral, Otto Teva o argumento muito mals longe do que Malinowski. A observagio preliminar df o tom para a sua investgnsio e fxalhe os limites: “A cexistncia (Sein) das proprias coisas se revela so homem nos fend menos primevos do Imagem (Gestalt) ¢ do Mito, em contzaste com 105 processos do pensamento ¢ 0s sentimentos; a saber, revelase, tal como expresso pelo mito, como algo divino.”® Esta é talvez a mais cefitica formulagio da concepgio do mito adotada por muitos estu: diosos modernos de religiz, cu}o consenso for maito bem ormpendiado por Altizer: “O mito — a linguagem do simbolo religioso — é visto fagora como o mais profundo e auténtico meio de expressar a coa- preensto e 2 crenga teligiosas.” © priprio Otto inicia o seu exame declsrando que “o mito, de jum modo geral, 6 compreendido como wma histéria sabre coisas fab loses, que podem conter um significado mais profundo, mas sto essencialmente verdadeiras” (p. 66). A palavea grega mytbos, diz cle, assumin esse significado relativamente cedo, assim que c& gregos princpiacam @ submeter es histérias transmitidas a reapeito. dos deuses ¢ do mundo primevo & encica intelectual (pp. 66:67). Mas 0 significado original da palavra myres, tal como foi useda por Homero e outros autores gregos antigos, era “palavra”, “coisa”, “matéria”, “'faro”, “histria”, , em primeito lager, “relate” do que realmente aconiecera no passado. Quanto mais velhe e venerfvel fosse a “histé- Fla” contida no mytbos, tanto menor seria a possibilidade de engano on falsificapfo propositeda e, portanto, tanto maior seria a sua vera cidade (pp. 66-71), Da mesma forma, prosseaue O:to, “es povos primitives também distinguem, explictamence, entre as velhas e sagrades histrias consi deradas ‘werdadciras, e as mais novas, cheias de imaginagio, conside. radas ‘alse’, A sotiedade saprada com que si0 recebidos 08 mitos verdadsros manifestam-se, entre outta colsas, no fato de nfo poderem ser recitados & vontade ¢ pare qualquer piblico, mas quase sempre apenas para uns pouces, com exchusio des mulheres, e somente em cers cwies do in © do an. 86,cat vlan ists, epueads por sagradas, a respeito dis oxigens, dos dias primordiss e dos deuses 4p, portant, mites propramente its...” (pr ta). Brocamame verdadeires — pois representam, de fato, a verdade suprema e mais sagrada — e consideramse como a propriedade mais precisa Em seguida, voltr-se Otto para o problema da avaliagi pelos estranhos ¢, especialmente, pelos estudiasos de mitolog do mito Muitos estes dhimos negam pura e simplesmente a elegegfo de verdade spresentada de mancite vio decisiva pelo mito, . Fazem-no por pie. ssumir, ingenuamente, que s sua concepeéo do mundo ¢ a Unies verde: deisa © deve constituir © modelo pelo qual se bio de avalta: todes as outras. A seguir, tentando explicar como 2 idade do iito poseria cchegar as suas concepgées peculiates do que era verdade, tupdecn um modo de pensar que se desvia do normal. Visto que a manciea “mitica” de pensar aiio se conforma com a nossa Iégica, chamamihe “preloe fica”. E faze tudo isso, din Otto, vem pilnico perguntat lequer Seriamente se os mitos podetiam, com efsito, basearce numa espe. Héncia verdadeira (p. 73). Contestando a justifcagso de um enfoqee dessa natureza, Otto’ pergunts Somes, de fao, sfigondos de tal mancitn que podemos pemitie gn mein, eondicionamente, format jul sobre 6 arene ae Halls do homem primitive? Ao memo tempo que Ibe ausketees Co snodo de pensar aleio 2 reeliade' 0 que quer deen afd oe nunca os ocorre que née tenmes vivenos'e weaninst See oe ‘éacins num mundo inieraente ariel” Expuliamo h ske te 3 matress primeva do. nots eleale de vie. Os yous mae ee somente pasntam como gato sobre brass por alguns sedio ramets, Te ¢ experimentatain cealmente, ainda podem fala no sereie Ge Spa ant, dante do" gual os mites mais alg Go epente tare Gideicoe nfo somos apents. ns, of homent da idade ténica, que vivemoe rau ambieste privado dos fequiston indspensiveis & cotageeanie ie ito. As piiprias culturs da Antiguidade. jf distsnceraey age wes sais da forma de evistncia dar geagiet para as uso site epificava a verdade, Isto, © nip apenas 0 delpertar do pemcemene Independenic, & raxio porque, fi m0 serio secilo aC Tekote ee Region julgou neconirio justia’ ot tits homereor decaeie gee Fe nome. dos deuses ram designagdes poéticas dos elementos, © Sens, ‘caper ‘de tareportarse. ao viveu penton 0 homern put hstérce, Or poceaine lores, naturmente, aeredtam poder fasiie coligindo,¢ ister vel de solreviventes dae cultures fais aetiges & ie tudo © que © hamem expestnentou © pene dex no decorrer dos souls, Fsti chavo que hwo ¢ impoaieel, Som, ‘endo, precisamos renuneiar a qualquer tentativa de compcenso an os, mitos, & ena, de foto, € 2 opinito de quantos salem 6 gue Po verdadeire crenga, feo J6 que 0 caminho direto exe fechado pa ‘eder indivetaménte; erm vee de niagara ait J Nio. me reGiro prisirdil- ene ao eflto do mito sobre a geiaydes aie receates, stisvls de fultos séculs, Bae elelto € Incometsurvel: sein less fem Themes rem Pindaro teriam esntado, neahuma trgédia teria ide eset, ne, oma estétus esculpida, renfum templo constrido, {...) At6 noe tempor modemos, 0 mito extamulos © eplrito do homem para ssfargot sempre renovados, “Devemos dizer, portato: © mit sje Qual for see frigem 0 eeu conteddo, € a forse ciadora, 0 desperas da svidade erate! (2 Falemos, poi, de um eft muito mais imeiato do mito, o fete gasigdo por le bre a postura do. proprio” bomen, enquante, tt hvido por verdadero © Sagrado. (--] ‘Tempo fone ext gue parecia cvidente por si mesmn que 0 mito cupresata os atone ital ete enlaatly ea"San Toten Be or congulite, ele era” saaiz elho emai original do que steal Enictanty sin que se evidenciou” a inconchivel andguilage aa aia dos atos stisisafigucouse conveniente levertr’s: eiagiee fobretudo porque os ato stuais parcciam ter atey migior deliberion ‘qu slo ‘necentavam dae dnterpreiagies dass pelo mao de fale ot skcllam, "Exe ponto de visa conte cont mutor adepton ad haf Entretante, etudos mais completon realzatos precsumente entre © powor dor como ae principals teteminhas di orgtn. masica dos ‘tok rituals, fornaram patente Que no havia staal sae mito aus howe, [ood A i se sceecentou recentemente o importante achado segundo ual toda a exiéacia. dat ‘wibor primitivay era dominada. poe om nico e grande mito de acootecinentor primeves,€ tolo Hal eserstaoe som ume coniclente‘efercocia a ee Bias [op Dosarte, aZo ac podem seperar o mito ¢ o ritual. Nto basta, po sn, a alistigio de gue @ ssl exige © malo. Mas Senet Me fei €'3 outa: a aber, que o milo ange © rita Qur 0 verdadeio mito nko digpensa o ritual cortspondente se depreenle do fto de. que ele prépro € vine narrative, aang ese 4 to ritual. “O mio, como of gregor 0. denguavam, & 4 spalea Tye 1%, € 9 que sb exe em forma tatada "A aus echaghe come tai um io etpecal ene as obvervtneot da festa tual: ccoere noe Intervalos "entre ot nies indicia Espernse que’ alas ita redundem em elitr bendfcos, 0 meno se espera da airagae de o,f ara que uina palavra, na recitago rital do mit terha o poder de oper lage, € mcr wie ama pales Senate Sheet superior as palaves prosunciadss todos or Clan, eu com a qual we xpteta algo. epintuose oa delcluss. Vina palzern anaes fred. tee © poder de’ exerer feito sobre a reino dat cofay, derivado, dan ccuat: tineias de ter com ax coisas uma elagdo exenatinent diferente da Re mg mn oe eet neyo” mre ae tela 2 palavra que nlo somente deigna a cols, man que igen petit Soin Est, ato Vino Et palates onions Sana ee rythos grego: [ou] Sea palavia ¢ 2 propria coin, de toa forma on, Haturalente,permanees “ncompreensfel” pica 'e' mances de pete tacional, eras, ela nko pode dear de str fier no revo dea bonee, E dess'expécie €'a palavee do mito que os anger potes afimmstan, see verdad, 2B a palswra como imagem vive (Getelt) que posi ex quale sade signiicativa. “Onde quer que sconteyam cola chatvay, (Get zute ro sey milege, aro, ue cig, de mode que acredita'na revelagso e Jf no disngce entve pensar e ser, Da mesma ‘ane sungiu a. palavia do mito para o home primitive; gia que ela fee verdadein © poder porque no em una paleva, pense, sein, uma palavra experimentada: i ser (Sein) da’ proprian cols (op. 75-78) A propésito da relagio reciproca entre 0 mito € o rituel, Oxo sublinha que 0s povos primitives declaram celebrat os seus ‘ituals eum modo que corsesponde ao sucesin préhbistSrico decrito no ito, ¢ que o mesmo € verdadeiro em relagéo os velhos rituuis em geral, Isto é presumese que o ato ritual seja uma reperigio de divino acontecimento primevo — um género especial de repo: lo em que "se supSe que o sucesso significative dos primeicos dias ‘acontece de novo” (pp, 79-80) E isto precisameate o que se admite que ocotte na representago da Cena da Paixo € no ritual do vino © da Asia, vistos como repetigies slramente signticativas do evento da Redengio. Mais. do ‘gue isso: num sensido estencil, eles s20 0 préptio evento. Represen, fame no exato momento em que o Divino, com a sua verdade, est imediatamente presente, de modo que, através deles, 0 divino sucesso redentor acontece outti vez. O ato ritual ¢ a pidpria revelagio. do divino ¢ da sua presengs. “Do mesmo modo, os rituals dos: poves antigos fguram acontecinentos sagrados de tempos primitivos, @ cles proferem a pelavra mitica correspondente, nfo paca fazer gue 0 acon tecimento se repita aicavés da forga da magia, mas porque o diving do scontecimento sagrado reguer wna manifestecio em que possa estat presente (p. 80) Nesse sentido, o ato ritual € @ resposts inevitével do homem & presenga do diving, em que se expressa a presenga diving, df teste Junko de si mesma, encarna-se, Pata Oct, isto signfice que o proprio sto fitual € a reveligdo da verdade divina.” Quando esté efetivamente préximo, 0 divino’ deseje enconttarse nessa formulagio humana (Gestaltung). © sivual, portanto, nfo esta apenss inseparavelmente ligado 20 nite, mas the € essencilmence idéatico. Os dois sio um s6 no sentido de que a proximidade se revela em ambos: no situel como ostura e ato, no mito como palavea verdideite, Exist, consado, tuma diferensa entte os dois: no ritual, o homem se eleva até 0 diving ©, de certo modo, atua juntamente com ele, 20 passo que no mito © divino desce, assume, como palavra, a forma Humana ow quase hu mana, ¢ atua' de mancira humana “ Nessas condisées, Ouro chega & conclusio de que 0 mito mais original e auténtico, onde © como quer que spateca, € verdadeivo Alem disso, no é apenas uma dentze varias verdades, mas é a verdad, ordue traz a luz niio 36 0 temporatiamente certo ou 0 momentanes mente justo © convenienie, mas o proprio ser (Sein) das coisas, a saber, « forma de todas as formas, © Divino. Assim sendo,_argumenta Oxto, devemos sbordat com respeito também os conteidos reais dos mites, que nos falam de teres divinne fou deiformes e de seus atos. F isto ¢ assim principalmente porgue 0 local dos sucessos atesiados pelo mito nfo € um sitio mistexiosamente distante, mas a propria natureea e © prdprio mundo em que vivemos (pp. 8687). ito, portanto, considera © mito um agente geral de produgio de cultura: Conquano © mito revele 0 su efeito mais mediate © poderow ‘eansformendo o home na images: daguele qe procede ¢ atin swale ‘ante, permantee cxiaivo tm aulzos campne tatan. Pos Gebaive, da st Ghie we encontram uo s6.toder ar brat de arte, mas também fo seat asranjos da vida cominal, au forms de ativade epititual brétca, 0 sfeigoamento do eavdier. Por mais que a consitncia se ten fasiado do Divino, subsite sida um sopro expsitual do mite, nang fotrora" da presenga dina. mito, de verdadero peotstipe, de que = oF oul so eros relleos iaditntos, mar que, no’ obtante, tamlin esd presente melee com ses pes ilaos, As Ieis que deterninam a agin no pasiin de manifestages do rotétipo musta forma que coreponde, A eapesineis ‘intlectitl ¢ 49 hhibito de pensar. Assim como a0 atheta que caltva a sue arte basa jlhae para’ peifeto fim de que ev seus Sigs, plodusam, por at Tessie, de acordo com af suas leis pariclarey © que ee wt, aie, f herem moral,aiante do protétpo, uge sem exforgo'e sen consieneta Wo "como edo or que; ¢ somente b intelecio sbyervador tconhece at leis que commumente se consderstn Fandamneatos da mral (pp. 89.0) Conguanto Otto, dessa maneira, reconkega no mito a mola priae cipal de todas as realizagies cultursis humana, € no terreno espiitual gue, no seu entender, 9 mito — juntamente com o ritual — exerce © papel mais importante. O mito e o ritual, insiste cle, constitaem a ponte dupls entre o homem ¢ Deus. Tanto o mito quanto 0 ritual séo, “cads qual 3 sua maneira, manifestages do mesmo processo, ‘gue se verifies entre o finito © 0 infinito, entre o homem ¢ Deus. [.+.] © mito traz o infinito para mais petto do homem. Nessas circunstincias, © infinito nifo somente petde a sua aterradora magni. tude, mas também se transfigura e mostra ao homem um rosto hums: 6 no, faladhe numa lingua humans. O mito propriamente dito nfo nos revela como isso se torna possfvel. [...] Mas 0 ritual, ligado ao nto ¢ relaciontdo com ele, nos permite imaginélo, Como o mito, 6 ritual aio elimina de todo a distincia entre 0 eterno e 0 homem. O ‘temo permanece em sua magnirode, mas o homem se transforma; 6 ritual apresenta 20 homem uma face deiforme ¢ faledhe, na lingua ddos deuses, A hrumanizacio do Divino a divinizagio do homem no ritual reslizam-se no mesmo ato...” (p. 254). Que eu ssibs, nenhum cutro intérprete dos mitos, nem antes nem depois de Otto, attibuin ao mito um lugar to central na teologia e-em todos os aspectos das consecugies culturais, Tratase, sem df vida, de uma notivel coincidéncia o fato de que tanto 2 sus eoncepeio quanto de Rudolf Bultmann, que sepresenta uma posigio disme- tralmente oposta, se tenham formado na mente de dois pensedores contemporincos, que viveram na Alemanha durante o perfodo nezista. ‘As ‘ikimas décadas asistitem a emengéncia de uma escola de estudos litenirios de que getalmente se faz mengio como “ertica do mito”. Esse estudo saseeu da conscifncia cada vez maior da presenga distinta ¢ inconfundivel de mitos, motives miticos e ele- rmentos miticos (ou mitologemas) em grande nimero de obras liters ras produzidas através dos tempos até a época atwal. Se bem a crftice do mito apresente muitas variagSes ¢ tendéncis, existem, clatamente Aiseaivd, puncpos comuns qu foos os ees do mito pareeem Esses principios gerais podem ser sumatiados, segundo John B. Vickery, da seguinte maneica: (1) A facoldade mitopadtica — ino ¢, fabricadora de mitos — ner! 39 proceto do pensamento, © of seus produtos saisfazem a ma neceusidade humana bisie. (2) O milo € a matse de que emerge a Tteracure, tanto histGries quanto pscaloglcamente. Em resultado dis, foredos, penonagens, temas ¢ imagens iteriias ae, hasleamente ela: Toragies ‘© mbmituigice de clementor simulates no mito e nay fendat Populages, As teorine da mesuia savsl de Jung, da dfs histoiea Pla sieilasidade,eteneal'da ments homana em tod a parte figura fatre at que se procuram para explicar a retmergéncia dor mites m4 Thera." (3)" 0! mito proporciona’nio somente stimu cistas, conte, dramatorgos, mae tambim eonceitor pads fque 6 criicn wiliza na interpretagso de cbvas Werdran. A fea ‘lade com a “gramitien do mito” confere cnaior precaio & Sntepeeiagio, feita pelos eriicos, da linguagem da literatura, A ctice do mito reconhece que at carecierticas eto ao smente debane, a, ame EcarE superficie, de smytrabuo echo, e-alfere, portant, ear: Slate, pinion neamentos Go molegien aerators. (3) A'tcrtia tems poter de comoversor prdlamente em virmade da tha gules de sun poe Uo mano, lebresaaral, ou et ‘Sfile do initedo tune Go ual seater ume alegrn revetete ot Writer so duis como pode do homens A werdaGera fon {tierra nor ation fumanos continuar 0” aatgo isco ‘Shyer domi er cli uss lgae sgnentve para 0 heme sare sma egocede dx son prewage ses gtr panos, Vickery acresenta “uma precupasgo om 8 padronagem cmocional residente no mito, particularmente epto- priads ao século XX e a sua luta por conseguit um modo viével de cordem pafguica”.® ‘As generalizagSes introdutérias de Vickery sio corroboradas pelos tinta e quatro ensaies contides 0 corpo do volume organizado por cle, dedicados psincipalmente ao tema geral do papel do mito ¢ da fecitara do mito na literarura. Esses enstios contém andlises do mitico rat obras de autores vio varidos, de qualquer ponto de vista cxtico, juanto Shakespeare, Milton, Tenayson, Keats, Dickens, Mark Twain, rile Zola, Melville, James Toyce, Nathaniel Hawthorne, Stephen Grane, Virginia. Woolf, William’ Faulkner, Thomes Hardy, D, 1. Lawrence, Joseph Conrad, Henry David Thoreau, Franz Katka, ‘Tho mas Mann’e outros, Lendo-os temas a nitida impressio de que a fetara do mito ¢ fu ulzaio consisvem uma part Uo grande do processo literitio em nosso tempo quanto constitufram na ocasifo ‘em que 0 esquecido autor babilénio esereveu a Epopéin de Gilgamesh ‘eu Hometo a Iliada © a Odissia Por wma ravio qualquer, o slentado volume de contém nenhuma contribuicio de William York Tindall, um dos mais insignes elticos Titerisios do. nosso tempo, que dedicou um livro inet 9 mesmo aunt. Te Literary Symbol de Tindall € uma notivel exposigio da maneira pela qual virias figuras literdtias impor tant vertu entigor mar miicos. Mostt como Andké Gide sou o mito de Tesex, D. H. Lawrence os de Jesus ¢ Quetzalcoail, Keats o de Cuchulain, Dylan Thomas imagens do Génese e dos Evan- gelhos, James Joyce os mitas de Moisés, Ulises, Cristo e Hamlet, 0 ‘Thomas Mana’ dos. primeizos livros as refundicoes wagnerianas. dos velhos mitos germiaicos, T. $, Eliot ¢ Virginia Woolf o mito de Par- Sal e Faulkner 0 de Narciso. Entretanto, mais pertinente ainda 2 nossa investigagio € a prs ptia concepsl0 do mito do mesmo Tindal, apresentada depois de um v7 Hipido ressoné das opinides de Trend, Malinowski, Erast Cassie ¢ Exch Fromm sobre o mito. Tindall aceita o mito no mundo literdrio cidental “como narrativa simbélis”, acha que “or mits envolvem a religio © « sociedade” e afirma que “o mito e 0 coaho apresentam 5 problemas centrais do homem”. “O interesse de Tindal, segundo as sas palavets, “reside no mito nos ilinios tempos, Com o ritual, ele serve pare sustentar a ctenga mas, até para os descentes, ainda conser. va alguma coisa do seu vetho poder. Sezvindo © individuo como cutzorg scrviu o grupo, 0 mito pode tne tradigia ou 4 roviedade ea literatura, 20 mesmo tempo que une 0 conscente 9 primitivo 0 a0 inconscente, pode express o interior pelo exterior, o presente pelo passado". Como podemos ver, enquanto. poetas, drasnaturgos ¢ romancstas interpreta mitos e thes softem a influécie, um ertco literétio como Tindall também interpreta as avaliagGes do’ mito feites or psicologistas, filésofos © antropologistes, e empregelhes 25 com clusdes na interpretario do elemento mfico gue encanta nat obras icertias Por sii mesmo, 0 copioso afloramento de estudos que tratam do rito.na literatura € uma indfeegdo do interesse cada vex maior pelo mito, que carcterina, quase que paredoxalmente, a. nosia eta. elettonice, $8 a Universisy of Nebraska Press publicou nos tiltimas anos uns dez volumes sobre a erftice do mito e assuntos correlates, ene os gqais duas colegdes de enstios: a primeisa de Notthiop Frye, L. ©. Roights e outros, intitulada Myih end Symbol: Critical Approaches and Applications; e segunda, que recebeu o titulo de Mytb and Method: Modern Theories of Fiction, oranizada por James E. Millet Jr. Em 1969 a Universidade de Wisconsin publicou wim livro de F. R. Kramer chamado Voices in the Velley: Mytbmaking and Poll Belie) in the Shaping of the Middle West. Em 1970 a Wayne State Uni- versity Press publicou um grosso volume de Harry Slochower sobre Mythopoesis: Mythic Patterns in Literary Classics, em que 0 stor examina obras-primas, como as obras de Séfocles, Fsquilo, A Divina Comédiz, Don Quixote, Hamlet, Fausto, Os Irmacs Karamazov, Moby Dick, 0 Teseu de Gide, a Montanha Mégica de Thomas Man, 10+ ances © histérias de Kafka, os esctitos de vérios existencialistes © outros. Pareceme que a conclusio geral isclads mais importante que talvex se possa extrait dessa profusio de estudos no campo da etitica do mito € que 0s nossos tempos atuals sio uma io mitopoetica quanto o foram 0 periods de Homero e Hesfodo na Grévia antiga, [Ag quase ‘28 mil anos, ou o perfodo dos génios desconhecidos gue desenvolveram 0 mito de Isis © Osfris no Egito uns dois milénios 8 antes dagueles. Depois desses estudos jé nfo padece divide que 0 Proceso um emits weds oda pleno desenvolvimento, Belo menos no gue diz sexplio aos nosis lea, A. pergunta seein, ortanto, € esta: até que ponto o mito, « mitologia e 0 pensamento initico sio parte da vida da grande maioria da sociedade contempo- rinea, em evjo entender a literacura represents, quando muito, ‘um papel’ sem importincia ¢ insignificante? A essa pergunta buscaremos dar resposte 0 capitulo subseqdente. 14 0s atavion do mito ‘Antes de embarcarmos em nossa viagem de descobsimento pelo arguipélago nfo cartografado do mito no mundo modemno, impde-se- nos uma breve nota sobre um aspecto particular do mito que tem sido desprezado pelos seus incérpretes cima discutides — uro aspecto que tem relagéo direta com o poder do mizo de atras, fascinar ¢ influencir, E a sua difundide tendéncia para torarse cada vee mais intticado, aprimorar a préptia nartativa © acrescentar um grande mimero de detalhezinhos a linha principal da sua histéria com o passer do tempo. Esse fendmeno de acrescimento tem estreita analogia no mundo da nnatureza, sobretudo no deseavolvimento das flores, Funcionalmente, a flor € a parte da plania que contém os érgios reprodutores, ou que nicles consiste. As estruturas bisicas necessdrias & produgio da scmente, 6 claro, estio sempre 18. Mas nas flores eipicas, que conhecemos ¢ amamos, na rosa, no Iitio, no amor-perfeito, na flor da cerefeita ¢ em ‘muitas outras, o requinse dessas estrutuaras basicas vai sore se de gue € aparentemente necessirio & retlizagio do propésito bioldgico, Concordam os botinicos em que a complicada estrutura desses flores, as suas pétalss delicadamente modeladas em arranjos caprichosos, ¢ todos s outros primotes © detalhes, que assumem, nfo rato, formas © cores fantésticas, tém a fungio genérica de atrait os insetos indis. pensdveis 2 fecundagio; mas esse propdsito geral no explica o signi ficado especifico da forma particular que assumem os érgios repro ores nas varias espécies ¢ variedades de flores, nem por gue 4 mesma funsio bésica é servida por tio grande variedade de formas, O fato de te tomazem cls part nds uma fonte de requntado prazer & para Observa-se nos mitos uma manifestagde muito semelhante. Ge ralmente se compreende a linha global ca histéria como relacionada com uma caracteristica do ambiente natural on social ou com os rituals celebraclos em conexio com 0 mito. E a esse especto que nos referi- ” ‘mos quando dizemes que o mito é um instrumento tradicional que tem tal ¢ tal fungfo, Acima ¢ além das finhas getais, no entento, os mtos cexibem grande requinte de pormenores, contém um sem-némero de complexidadesinhas, caracteriamse por uma celicada, padronagem eencerram muitas outras caractetisticas diminutas para as quals no se encontea explicacio funcional. Parece que exeas caractersticas sf0 cescvolidas pels mits cma inline. de desesr ¢ consent a atengio do ouvinte e, assim, gumentarlhes a probabilidade de spbre- cia.. Pasece que aqui fenciona um procssso de seleyiu natural, segundo o qual tém maiores probabilidades de perdurar os mitos que melhor atraem os seus piblices, assim como tém maiores probebilt. dades de sobreviver as flores mis bem sucedidas no attair os insetos. Sem os, primorosos ¢ fantésticos pormenotes do mito, este pode set esquecida, pois as pessoss nfo se interessariam por contélo nem ouvilo, Entretanto, como ainda acontece com a flot, of mitologiste, fem regra getal, nfo s¥o capazes de encontrar 0 significado ou 0 pro. pésito precisos’ do que se podesia denominar os aiavios do mite, passfvel que o mito partilhe com os padres decoratives, com o estilo com outras caracteristicas da cultura, do pendor inttinseco pata o aformoseamento, do impulso para seguir uma tendéacia até 0s dltimos limites; a sex assim, seri {Geil empreendermas « busca do significado de todos os seus devalhes, De qualquer maneira, uma coisa € certa: como a belesa de uma flor, os enfeites do mito ofetecem prazer € satisfagio estética, cujo dom pode ser considerado funeio preciosa, embora secundéria do mito, que Ihe transcende ou completa @ funglo Paramente ultra UFFE-CFCH BIELIOTECA SETORIAL ESTUDIOSOS DO HOMEM TRANSFORMADOS EM MITOPOETAS Uma das mais fascinantes manifestagses do poder que © mito finda exerce sobte ds & a sua capacidade de transformar estadiosos da sociedade, de cultura, da teligiso e da prcologia — incluindo, aturalmente, os mitologitas —vem mitopoctas. Seja qual for a expecalzagio desses erucitos, €precisamente ente os melhores, os de sais profunda penetrapio ¢ maior eomprecnsso do foncionamento dla mente humana, que se observa a ttansformagio, O cultor comumm de nitologa, por exemplo, saisfarse com refit como 0. registo de mitos até entio desconhecidos ou de novas verses de mitos conhe dos, 0 cotsjo enite mitos encontrados « mafores ou menores dstin- cas espaciis ou temporais, a determinasio do momento © do. lugar de origem de um mito, 0 tastrio das suas divagagdes de ama loci dade pata outra, © a indagagio do significado e da fingio do mito na sociedade em que cle vive. Finalmente, poder até tentar uma inter pretasio propria, que passard a sustentar como 0 verdadezo sigaif- eado do mito emi aprego. E nesse ponto que uns poucos mitclogstas franspGem as fronteiras do reino da feitura de mitos e, sem dar por isso, deixando de ser mitologistas, reistradores coltores dos mites cexistetes, coneertemse em mitopoetas, fezedores de novos mitos 1 Cultores © autores Em alguns campos do esforgo humano é nftida # linha diviséria entre os que estudam © que outres fizeram e os que patticipam ativa mente da feitura. No campo das belas artes, por exemplo, é muito infreqiiente o historiador ou eritico de arte que maneja o pincel ou 0 cinzel. Na miisica, apenas de raro em raro um musioblogo ou um histotiados de miisica se abalanga a compor. Invulgarmente sambéia € 0 axtico literério, que tem por offcio exticar e avaliar romancstas ‘oe potas, aventutar-se inadvertidamence a escrever tomances oa oemes, © historiador escteve mas niio faz histéria, embota oo fave, dores de histéria se dediquem ocasionalmente 3 historiogtafia, O estudioso de religiio pode consagrar a vida inteica 4 busca de novos fatos das rligides do homem sem jamais se sentir tentado fundat juma nova religiio ou mesmo a introduzir a mais ligeire inovacio numa religiso eximente, Nas ciéncias tende a prevalecer a tendéacia oposta. propésito fundamental do cientista € empenhar-se ativamente no cultivo do set ccampo escolhido, fazendo novas descobertas ou chegendo a novas compreensées. | Se, apesar disso, o cientista estuda ©. ttabalho dos predecessores, filo’ Unica e exclusivemente no intuito de examinglo com espftito crtico, a fim de encontrar um ponto de pettide do qual ‘bossa encetar a viagem para novas terrae incognitae oa introdust Hele uum requinte, uma slterasi0, una elucidasfo, um aptimoramento, O Gleatista cujo interesse se restringe 0 estudo do que outros cientistas fizeram antes dele nfo é cientista, & historiador da cigncia como o fol, pot exemplo, 0 grande George Sarton. Para o ffsico, © quimieo, 0 biologista © outros ciemtistes modernos, a histéria da’ sua eigncia € impertinente ¢ imaterial) a busca secular, muites vezes milenar, que cconduzin a0 atual estaco dos conhecimentos com que ele comes, interesse-lhe to pouco quanto a origem da roda povle intercssar a0 engenheito de automéveis de Detroit. Existe um terceito campo de disciplinas gue ocupa uma posiggo intermedifria entre os das artes, da histéria ¢ de teologia, de um lado, € 0 das ciéncias, do outro. Os que se consagram a esse terceiro ‘campo néo podem deixar de familiarizarse cabalmente com o trabalho, teorias, enfoques © resultados dos que os precederam mas, 0 favélo, © scu propésito finel € a aquisicio das habilidades e instrumentos disponiveis nesse campo a fim de utiizélos para chegar a aovos te sultados, novos conhecimentos ovis conclusées. A flsota, a fantropologia, @ sociologia © a psicologia s#0 es principals disciplines dessa categoria. Nm nenhuma delas & possivel inovar significative, frente sem primeizo comhecer as escolas snteriotes de pensamento. € ‘elcionarse, com elas, © filésofo, 0 antropologist, 0. socilog0 € 9 psicologista, para fazerem jus a essa designacdo, precisam no 48 cstudar 0 que ‘os outros fizeram mas também’ fazer alguma coisa po campo que escolheram. A transigio da primeira para a segunda fase nio ¢ inadvertida. Embora a meta supreme do especialista ex qualquer um desses campos seja passar pata a segunda fase (se 0 nto 2 fize, seri um mero historiador da disciplina que escolheu), 56 poderd faxélo depois de haver dedicado suliciente ateagio A primelta, como 9 onstrstor nfo pode erguer ume casa sem primeito preparselhe os aliceces. E € procisamente durante a uansigéo do estadar pera 0 fazer, da observasio © da exepese pera a interpretagdo ctiativa, que Sempre envolve o erguimento de uma nova superestarara, que alguns dos melhores e mais originals pratiantes dessas ciscplinay so ite Stivelmente atrafdos para o campo. gravitecional dav mitopecse, "E nesse ponto que eles se tornam mitopoctas, criadores de mitos novos ni aro, potentssimos. Por estranho que pares, a pripria mitologin afo se enquadta co pane is seprensndas gen, de. din No pertence, evidentemente, A primeita porque nfo existe, como o de. Monstraremos com alguns detalhes, uma nitida linha clivisorla entre cultores do mito ¢ fabticantes de mitos, entre mitologistas © mitopoe tas, Nio pertence, por certo, 2 segunda categoria, a das eines, Porque, a0 contririo dos cientstas, os que se interes pelo mite tem por intengSo precipua descobrit 0 gue o mito significa, e nio «lar novos mits. "E nio pode ser incluida na terceira categoria pos que 0s que estudim © mito nunca se pdem a campo propositadamente Para erguer uma nova estrutura sobre velhos alicerces, mas apents fentam compreender e conhecer os préprios alicerces. Ea. novivel expecificidade do mito ou, se me permitem dizélo, a manifestagto das fotgas mitopostces ainda’ ativas em nosso meio reside. precisamente 0 fato de, alguns deles, apesar de tudo, erigitem ovis. estraturss titieas inadvertdamente e, na meiosia dos catos, sem se dat conta disso, |Ume pessoa pode consagrar toda a vida ao ‘estudo dos mitos «assim, familiasizarse integralmente com a opetagio das {orgs intias; pode decidir crcunsctever o seu trabelho ® andlise mitolgiea € A imterpresgio de mitos em face dos antecedentes ‘histrcos € psicolépios; pode até dedicar toda a forga do seu oftebro a “desmas. carer” 0 mito, no sentido de penetr-lo e chegar 20 seu "'verdadeito” significado; e, sem embargo de tudo isso, corre 0 tisco de ateavessar a fronteie ¢ vita ser, em lugar de mitologisa, mitopoeta, 20 mito estrataral Eu disse hi pouco que os eminentes estudiosos do mito que se totam mitopoetas passam por isso, na maioria dos casos, inadvertic damence, A ratio por que inclul a expresséo qualifiaiva “na malta 8 casos” & porque pelo menos um mitologiata se deu conta de que havia transposio as fronteiras entze o estudo ¢ a feitura dos ‘mitos, B « afirmou que 0, tithe feito. Esse homem é Claude LéviStrauss, orientador da conhecida e controvertida escola de antropologia “stra: tural”, cujo campo favorito para a aplicagio do seu método estrurural € 8 mitologia, A. sentengu-chave para compreender 0 enfoque de LéviStrauss est contida na “Abertura” do seu livro The Raw and the Cooked, em que ele sumatia 0 que determinow realizar: saber, elaborar um “osdigo destinado a assegorur a reciproca ttaduzbiidade de visios mitos”."” Em outras palavis, a inteagio de LéviSurauss € mostrar que em cada um desses virios mitos se podem discemir clemenoy nts peal de, esto wn denier comin € ue exibem relacdes reefprocas idénticas. Em seguida, continua ele dtctamente: “Af estd por que nao seria um erro contiderar este mesino livto como um mito: & por assim dizer, 0 mito da mitologia". Nio ficou completamente claro o que LéviStrauss quer dizer ‘com esta afirmativa mas, ow muito me engano, ou ele aqui reconhece gue tode a sintese menial que exgueu, a fim de mostrar a exieténcia de um modelo estratural bisico em todo mito é, por si mesma, um mito, A similatidade entre o mito estrutural de Lévi Straus e os tnitos do mundo clissico pode sct_indicada por um_ simples exemplo, que aio foi tirado, a proptsito, de LéviStrauss. O mito de Addnis’dizia fos antigas sitios qualquer coisa assim: todos os anos, milhares de plantas diferentes murcham ao cilor do fim da ptimavera e voltam getminar depois das chuvas. Entretento, debaixo dessa miitipla varic- dade de fendmenos dispares, hf um énieo fator comum: tudo isso acoatece porque Addnis, depois de morto, voles 4 vide, O mito, sssim, redux os muitos « um $5, a desordem ordet, a inexpressividade 4 exprestividade, Estabelece um oddigo. Ora, 0 mito estrurural de Lévi-Strauss obtém precisamente 0 mesmo feito: redu os. muitos rmitos diferentes, que aparentemente falam de muitas coisas diferentes, um 96; inculea que todos sio estruturados de acordo com os mesmos principios, seguem 0 mesmo cidigo. A sua inexprestvidade ¢ at as suas contradicées, assim transformadas e resolvidas, adquitem uma ondem expressive Para LéviSscauss, esa ordem expressiva encontea 0 seu paralelo mais chegado na mifsica, De fato, ele trata o mito como se fosse ‘misica sinfOnica, Em The Rew and ibe Cooked dedica uma parte considerdvel do primeico capftulo (x que df 0 nome de “Abervura”) A elaboragio desse tema, ¢ a estruture do livro, como o indicam todos 03 cabesaihos do capitulo, buseia-se numa analogia com uma série cobras musictis: Tema e Variagdes, A Sonata des “Boas Mancina Sinfonia Carta (com um Primeiro, um Segundo e um Terctiro Movi mentos), Fuga, Cantata, Solo, Rond6, Aria Final, Astconomia Bem 7 ‘Tempertda, Cinon Duplo Invertilo, Toca © Fuga, Pega Cromé des, ete Como scontece com todos os mitos, naturstmente, 0 mito de estrutur misled de LésiSteaos também’ 96 tem signlficagio ell dude pata cs que acrediam nele, "Quando screditamos —o Gu, neste e480, significa acstarmos certs premissss ~~ 0 mito esrotural sdguite vide, funciona, resolve, satifaz, Compulsando. uma obra fnterior de LéviStuss, ficimos sabendo que uma dessas premisias Mio 6; uma das partes do sistema de exiomas mitcos — € a se gulote: “0 pentameato mito procede, sempre da. consGéncia_ de Sposigo part a sua mediagho progeniva’? Outs estat gue existe time “let natual do mito"? Etma teri afima que o mito eal Hite em todas at suas veisbes# Quando. delaramos que ests enuncados axiomticos, © vi outros encontedos nos ests de Levi Stes sabre 0 mts, reunidos represetam realmente om feito mitopostico, nto © dizemos com wana nce ein” Ao con, eininos, « ona fui uma analogla com a opin tants vezes ouvide de que 06 me. Ihoresexcrlos dos malores erties de arte sto também obs de arte (com o ue concordamas sera receio de conitadigio ene esse ponto de vista 0 que disvemos antes sobre a dierenga ent 0 extico e 0 artxa clative). De mesma forma, os melhores estudos 2e mitologia também sfo obras mitopottces 3 0 mito de Bdipo Em seu enstio sobre “O Estudo Estrutural do Mito”, supra tado, diz LéviStrauss que, uma vez que 0 mito consiste em todas a8 suas vers6es, “pottanto, aio somente Séfocles, mas o préprio Freud, devem ser incluidos entre as versbes registradts do mito de Edipo em jaualdade de condigées com verses anteriores ou apatentemente mais ‘auténticas’”,? que os “‘comentétios freudianos sobre 0 complexo de Ealipo sfo uma parte do mito de Edipo”* para essa mitopoese freudiana que agora nos voluamos, © principal esforgo de Freud no fabrico de mitos esté contide fem um de seus primelros livros, Tofert e Tabu, escrito em 1912 € 1913, Nesse livro, Freud secolheu todas as informagées entio possi veis Sobre os fests, costumes, priticas e mitos totemicos de certas tribos primitivas, © sobre es zepzas ex6gamas — isto é os tabus do incesto — observades pelas mesmas tribos, ¢ desse matctil etnogté- fico destilou um novo mito seu, 0 da horde primeva parricida. AS 35 observagBes feitas por Freud em sua clinica psicanalitica Ihe fornece fam material adicional para essa escrotura mitiea: dal o subtitle dp livro, “Alguns Pontos de Concordincia Entre a Vide Mestal don Set vagens © os Neurstices”, Tomaado por ponto de partide » “horde primeva” darwiniana Frend descreveu 0 txdgico sucesso que “um dia tranapirour s honky Bgrlmeva tinha sido dominada por um “pai brutal, ciumento, que ger, ava para si todas as mulheres, escorracando ‘os filhos’ alclence tes? Entio Unni, o* iemios expats se abendram, matanaa ¢ deveraram @ BR s Puscram in & bord paternal. "Unide, ouaran € Gente ane feds sido impose! a um c, (Taleez un seango calgon oe toma ova anna, thes dese 0 sentinenio de supecendaa” ee ee fmbém devrasenn o pai depot de matédo ems saceg eo de seheagear canibain "Opa primevo'e bral ee ©,moilelo Invejado e tanido de cada membre do rye po sto da ingest, sles ralsaram a ilentiacnae cada qual sme porgko do seu poder A rltigao oitmeae ee Briowico banquet da ‘hmnanidade odes scr San Mite Seg? Fugotle camemortivo esse notivel ato. criainoey at esse Falco de tanta coisa organieagics ecahs nantes neo ligt. 07 {0s immton) oaiavart © psi que ‘40 vigoosamente se opunha a0 dejo de poder e 8s necemtdades exvnts dete Donele Gog Pe Fim -uatiazendo 0 seu ddio e levando a tain © nee dey Ieee flcagéo com el, os tenos sentineaton aupcimidos nese pecensy eet A ewersiy afimaras, “Tuo ocovres tm forme de Seepeaee isenolvendo-e tm sentimento de culpa que teslmente cone, 9 semorso que todos venti. Desa tani, oat eae co fra fore do que 0 fora vivo. =] O qe ele impeitee part {ato de exit Ehor negovam agora a a mesmos oa cite ntgeee Sg cobeditcin fetta" que tho bem conecemos area ae ee ili, "“Avaran 0 ex sv declnando praia satan “ohees, & palo animal wtmic, « abviram mo don segs Panera ee sauthefes que se haviam tornado. livren "Amb usr comands {ke culpa of ios eran ov doi tae fa i somplexo, d= Baipo. “Quem quer que Ihes dewhedceens eee ‘pada dos dos dnicoevimes que eonctminin 8 seiedade Siena Gorrespondeade, 4 ambivaléncia original dos fithos, a religito totemica pressevou “no somente as manifesagses de remorse 6 femtativas ‘de expiasio, mas também lembranga do triunfo sobse o pal. A satisfagto decotrente deste ikimo di origem 40 nis Gone ‘morativo que € 0 festim torémico, em que se suspendem todse ne 56 probigbes cla obediénca difeida e se torna obrigasio repetir muitns vezes 0 crime de particidio, scrifcando o animal totemice, Excetuandose a rcinterpretapio ritual periédica do. pa:tcidio raftico no ritual totémico, a matanga do tovem continua proipida: co 8 proibio por motivos religiosos "se acrescenta a proibieas do ftawicdio por motives socsis. "Muito tempo se pasarla ate auc o Preceito estendesse a sua restrisio wos membros da mesma ‘ike ¢ asumisse a forma singela: Nip mataré. Para comegtts = horde Paternal foi substtuida pelo cl fraternal, que se garantie attavés do inculo sangilineo, A sociedade agora’ so hasela na cumplicidade db rite cometido conjuntamente, a religifo no sentiment de calea € Ro emotso, a moral, em pare, has exigéncias dessa soeiedade © en parte, nas peniténcias exigidas pelo sentimento de eaipa’ 2 E Freud compendia: “No complexo de Edipo se encontsam os Dsimérdioe da religio, da moral, da sociedade e de arte [on] Ble confessa que essa conclasio the cheyou como “uma grande sapresa"! Discutindo a teozia de Freud sobre a otigem das restrigbet soca, Paul Roazen observa que “‘cla € muito parecida com a velha teorg racionalista do contrato social sobre as otigens da sociedade”" He e3té certo, mas apenas num ponto, © proprio Freud, com efcto, de gue “o sistema toxemistico se patecia com um contrato com. 0 pai {gue este proporcionava tudo o que dele poderia esperar a fatten, infantil: provesao, cuidados ¢ indulgéncia, cm toca do compromise assumido pelo flho de respetarihe a vida — isto é de nie tepenr pele o ato que determinow « morte do verdadeiro pai" Mais alien, alte a tefetitse “ao contrato com o totem”. Entrtanto, ode Freud apresente em sua natrativa da. pavorosa cena primeve’ © sus consegigncias nio ¢ toss a reconstrugio de um processo soll a operagio de forgas socials, que resultaram nuin “contrato socie!": that lua cena real, concrete, arquetipicamente ritual, comparivel, em cos finistto colorido, 20 despedasamento do infante Dioniso ou’ morte de Adtnis ~ sucessos mitclogicamente tito signifcatives, cup eetis direto subsiste no homem enquanio ele nfo comesa a davidaslbes ds Neracidade, Os protagonstas desses acontecimentos miticos prineves rio zepresentam os seus papdis por haverem tomado a decievo come {ignte de representélos, mas porque forges internas mitics Cou, oe Jeitor prefer, psfquicas) os obrigam inexoravelmente a sesame 0 papel que thes est destinado. E precisamente este 0 trago qur confers b cena freudiana primeva o seu carder milico e, 90 metas tempo, lie mente caregudo, Os filhos sio compelidos a0 seu ato horfee, conte 8 prépria vontade, por forges demoniacas que oF animam € 36 revelers snals fories do que o amor filial. Matam 0 pal e devotaunne som 37 aroxismo de exsltacio; cometem o ato fem si a fatal inevitabilidad a como tltual. Fazem-no a despeito da pres, igs de gue, cometerloe repetindo o crime primevo, nada puahirse, Pele menos io aleanardo o fim ambicionado. Vendo as caus ot C28 Prisma, reconhecemos que Freud, sem ve aver familianiace Cot pacientes neuréticos. Genguanto Fiud utilasse os estudos comuns do seu tempo (cita Durkheim, Frazer, Westermarck © muitos outtos, on fis eke, Fogel a les), © homer cuja obra se the afigurou mais congenic The Religion of the Semites, qualita de "execlente ¢ the fo Gan am toda a galdxia de distintos cruditos que Preud ofresmes oe Felaas sumamence elosiosas: “um homem de miltiios elenee do de discemimento e de explo dest”. Fred sen fuse pacticlarmente impressionado pela natratva e secsnswursy, tas por Roberton Smith, du refegio sotémica ‘cate oe ante semitas e, deals de dar um resamo detalhado, de dex pisites, eect ptpumento, volta a Robertson Smith para citélo: "at cesimoeies ee festins com que os antigos semitas celebravam a morte de non lie ‘ede interpretavam-se como a‘comemoragao de una tagéin mitieg A “tzapédia mitca” que Robertson Smith tinha em mente era 4 morte do antigo deus semitico de vegetacio, conheido por wiises fames, Basl, Onqod, Adénis, Témuz, como ele explica, com decalhes Mas Freud, nfo saisfeto com ces antecedentes concen Invi, ministtou o “mio de ar”, a “tapédin mitica” primordia wat ‘mente humana, que valida no s6 os antigos fests senting coe rmlces (ou quase totémices) mas tazabsin’ a matanga pecdi ne mado ¢ venerado totem ancestral, onde e quando ocosteeee Pend stave, sem divida, plenamente convencido de que o see relat ae Panrcdio primevo, embors. gencralizado, tesumido © eaquersncades £28 essencialmente’verdadeito: a melhor reconstrusio penal sot Dass sae provas histticw © clinics de que ele podia Roose, Sa também nfo hf divide de que Freud, ne zealidade, nao for evra Cae fenlo construis um engenhoso mito novo, Inirigido pelas moment ratrativas de rituais totémicos ¢ desejos particidas neatotios owas 58 GRR amin fi leva a tent cepa, lem ds dave pone uros, que consderava formsgées secundétiss, 40. pai original, pet nardial, € sue hora de filbos rebeldes e sem cultoc, ao endo com gue nos brindow ere mitopoese pure. O relate do perce cometido pelo grupo primevo tem a mestua qualidade do fears de prigem do fogo (0 mito de Prometeu}, ou da crlagdo do primeira easel frumano, ou da queda: cada um desses sees granties mitos, proce ia realidede excessivamenie longos, difusos ¢ indeterminados, cafes protagonists foram milhares © mithares de setes humanos que vivere gm diferentes lugares e durante extensos periodos de tempo, £ secre: sentado como um acontecimento sibito, ocorride mums, joelitede dlefnida, aum dia defini, cujs dramas personae cram um hone, tum exsal humano, ow uma pequena “horda primeva”. Quer the che, memes concretizapfo, dramatzagi, realzagdo ou personifcagio, & aie faz © mito ¢ foi o que fer Freud refundindo « imaged de Ep ‘Bum protétipo primitive. primordial. Ovtra caracteratca do mito, que tranaparece no relato freudiano do particldo,€ 2 presungio de que um acontecimento que tev lugar no passado mais remoto tein feito daradouto até o presente, Bis at aime {icita suporisdo de todos os mitos de origem, tide como certa © nunca contestads. “Tamanho € 0 porder do mito que, ao natrar # hissora de kum sucesio primordia, satsfar i pergunta “por qué?” diigids eo ‘ero preseite, Pergontas como: Por que precise os homens mow, ssiar para fazer o solo produzit? Por que precsam as mulheres soles 4s dotes do patto? Por que esti as mulheres subordinades a9 homen? Por sue as serpentes nio tém pernas? e um sematimero de outrrs iguais a estas sio sespondidas sucintamente com uma intevosehie dade cue nio admite divides ulteriores pela narrativa das chocerkn, clas em que Adio, Eva ea serpente foram punidos por Deus, Niupués jamais pexgunta como esses eventos vnicos e singulates podem cece mina @ forma dos animsis, das citcunstincss e dos telaionsmence Gentenas de geragbex mais tarde. Nisto reside: precsamente «force do mito, ou seja, 0 seu poder de fazersnos acetarihe as_premioce implicitas © eriar em nés um estedo de espito em quem coas espostas as nossas pergunias nos parecem totalmente satsterie No caso do mito do partiefdio primevo, Freud se sentia pertut, bao a0 indagar como e por que um acontecimento isolado, corso no uorecer de histéria humana, teria umm efeito duradouso. meen ilhates de anos depois. Ele formula x pergunta no fm do Ince otem Taba, e a sua resposta, provavelmente parte menos dave fatszia de todo o lio, é que “parece haver una heredttaridade do Alisposigées psiguicss...' a qual, todavia, necessita de certos estimulee 39 na vida do individuo paca ser stivada’,"® que “segundo a psicanilise hos ensina, todo homem possui mas operagies da sua mente incons: Gente um aparelho que The permite interpretar a5 reagSes de outtos homens", e que “compreendendo inconscientemente, dessa maneirs, todo os ors cerimie © regis su sceeivera a ego oi ‘com o pai primordial, as geragSes postetiores podem ter conseguido sssomir a heranca emocional”.!? = " sto nos sos um tanto fabricado € inconvincente. O fato € que no se pode simplesmente explicar de mancira racional e Kgica por que ‘um acontecimento primordial iafluiria continnamente sobre @ ordem das coisas, nem por que a determinaria de uma vez por todas, Consi eragbes pricoldpicas, que precisam usar os instrumentos da légica fda rarfo, nfo nos forsecer uma explicacio convincente. Se, porém, Sceitarmos 0 particidio primevo de Freud pelo que ele realmente é, ‘ou seja, um mito, todas as tentativas forgadas de explicagfo se tora esnecessérias ¢ impertinentes. O erfgico evento isolado do parrcidio pHimevo, como todos os outros mitos de origem, passa a sex eterna: mente efetivo, determina todas as relagSes futuras entre pais e filhos, Simplesmente porque ¢ 0 mito de um sucesso primordial. Assim como todas as mulheres até hoje tém de softer as dores do parto porque Deus puniu a desobediente Eva; assim como todos os homens pte cisam ganar a vida com 0 soor do seu rosto porque Deus imps esse tastigo Adio; atsim como todts as serpentes sio destitatdas de ppemab porque Deus assim maldisse a serpente no paraiso — sssin 4 atitude psicol6gics, a ambivaléncia © todos os outros fatores que fntram no relaconamento dos filhos com os pals foram determinados Ge uma yer por todas pelo mito freudiano do. patricidio isolado, hhorsive, fratetno, Essa caracteristice do emprego que ele fez do mito de Baipo, talver mais do que qualquer outro, indi Froud se envolveu completamente na mitopoese. 40 mito do heréi Voltemo-nos agosa para um exemplo que slustané a transforma. io de histotiador da ‘religiio em mitopocta. Joseph Campbell C90"), consagron toda a sun vida de estidor aos aspectos mf ticos da religifo, Os seus interesses abrangem todas ss rcligiSes do hhomem, ptimitivo, oriental, ocidental, antigo e contemporines, O seu propésito, confessado em todos os livros que escreveu sobre 0 assunto, Sempre foi o extudo comparativo dos principsis temas © motivos miticos ‘quer no seu entender, tém uma eistbuigo universal ou quse univer- sal.” Armeta que se props no era desambiciosa: tentar “compor, num 60 fas que se abriram nos campos do sim: nitlogia a filosofia compaadas pela ‘quadto 56, a5 novus perspec Bolismo, da seligiéo, da erudigio dos tltimos enos Nio se tratava de uma tarefa ce somenos, mas 0, que ele conse- guia realmente fazer, de certo modo, foi melhor sind, pols acabou Eerescentando alguns mitoe préprios so vasto corpo de mites jf exis fentes. Um nico exemplo bastard para mostrél. ‘No pimeiro estudo miteldgico importante, intitulado The Hero With a Thousand Faces, Campbell entregou'se 20 estado de mitos de hhersis, como jf 0 tinham feito antes dele Otto Rank, Lorde Raglan fe ourtos:" Discute um mimeo de hersis maior que o examinado por qualguer win dos seus predecessares, e da hisdsia da vide mftica dos huitos herdis procura destilar a ess2ncia, por assim dizer, do heroismo fnifiéo, que denomina “O Monomito"* E conclué que. ‘‘o_bersi. Eo hotnem ou a mulher que conseguiu, lutando, vtrapassar as propties Timiaghes_hisrcas. pessoas foals ¢ assum \dlidas, normalmenté humanas. [...1 O”herét moderag; mas como Rome eiérno — homem consumado, no espe Cifico, universal — renasceu. A sua segunda tarefa solene ¢ 0 seu feito, portanto (como o declera Toynbee e como o indicam todos os imitelogistes da bumanidade), € voltar para nés, transigurado, © trans imitit ¢ ligio que aprendeu da vide renovade” * Isto sabe, ¢ muito, a mitopoese, mas Campbell nfo demora 2 aperfeigoar 0 mito aqui esbogado. Referindose aos famosos rites de passage de Arnold van Gennep, conclui que “o caminho comom GP aventure mitolégica do herdii € uma empliagio da (6rmula_dos fitos de passagem: separagiiniclao-regresso" 2 Tessas txts fases So “a unidade nuclear do monomito”, que desczeve com alguns por menores: "0 beri parte do mundo votidiano ¢ aventurese @ ima vegito de marcvitba sobrenatural, onde arrosta forcas fabulosas € Togra wma vitbria decisive: e regressa da misteriasa aventurs com (0 poder de conceder dédivas ao seu sentelbante.” CConquanto tenia consciéacia de que © seu, herdi € uma figura composta'— chamahe “o herGi composto do monomito” ® — Campbell no se satisfz com as linhas gerais da sun carreira acime definesdas, ¢ volta a apresentilas inda mais circunstanciadss. O telato parece uma vaciente, aperfeigoada, nao x6 do modelo proposto por Otto Rank para o mito do nascimento do her6i, mas também da Hista de pontos reonida por Lorde Raglan para « soa figura do bers © herbi mitotdgice, fortindo dx ra choca ou do seu cartel, eotix Aians; trade, leds, bu para 1d ee dinige voluntarimente, a0 liar on de acenure. Ali encontre una preenge umbrow, gue guards & po lege G" het pode derser on placer tna fs Saat 2, sree fe tee {hatha old, Bee fo dag; fede fentemenio) ou ir morta fel nisenare © dees Wont Cin omentn eucicapn). Alem do lmar, forte, hast seta rin i Boa cvarh “prt east eas inna: dos uy © amcaram sonenete prov. ao pe au ne, Be Frenam cis’ mages oacaseres. “Dual chege a task Ee Site lies pone pela rovtan cupcma'e conto rense Giro pote eh repharsede fle Ute ead de Fai as fexinrte de mundo (ecenento ngrade), 9 ton mcsshecen pels dateyador ‘(esieao do pots a vas pop dihiaogee poeeeh, Be tnd sea orarconnasrem datanigas “robbs ds heegiey Gre de cio user (ros a noon, ovbe do foes) mpiunconents Etna expanito de concitcis Co ise, do tok amine aes ficperi terdode) "0 teabthsfnat¢'6 fo tga See fe ENsbocaram herd pot aga ah a sua poet emiatoh ie feo conn, Tope t © ported oye teutonmapton fags To Stade). Neiman ower forges tacendatas Heb are tris 'oheti reomerge do velo do pater (ope, sane) O bento one tat cigs retara'v mundo (ee 28 O eariter de construsio mitica desse modelo seria Sbvio ainda que Campbell néo nos tivesse dado a pista, qualificando-o de monomito composto. Como nenhuma mitologia reel contém um modelo assim de mito composto, iratase de ume ctiagio do autor que, a0 formu lo, transpés a tenue linha diviséria entre o estudo © 9 feiture do mito, Em outro paso, comtudo, Campbell formula @ “douttina uni- versal" que todos os mites nos ensinam. “Rapidamente formulada”, diz cle, “a doutsina universal nos_ensina_que todas as estruturas is_ do mundo — todas as coisas. todos 95 seres — slo. efeitos de uma fora ubiqia, que as gera, sustenta e enche durante pe- Hodo di sua manifestacéo ¢ as traz de volta aquilo em que deven finalmente dissolverse”"** Esse extenso enunciado, sem divide, € ‘mitopoético — mais aié que 0 monemito composto do heréi. Por demos incluir definitivamente Campbell entre ot estudiosos do homem ue se converteram em mitopoctas 5 O mito da noosfer Examinemos agora um exemplo final da transformagio dos estu- diosos do homem em mitopoetas Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), para quem agora nos voltamos, foi um padre jesuite, catdlico obediente e fiel, distinto paleontologists, todlogo, filésofo © pensador originassimo. Deixando 2 de lado as suas outs contrbuigSes a visios amos da céncia antro- poligce, desejamos apresentat o que se Ihe pode considerar a 16a ental, que se refere 4 son interpretigio do higar que © homem ‘ing af agora no siverso, e sua vito, sempye expresa em termes sicnfcos, do futuro desenvolvimento do’ homer. seu eoncito “sg 2 esl cone ge, fr pelle deg radio afo podemat dear de dectilf ipleagsas iii Shega a cnt concero dacutindo'o: de bsjers, eee ougalmente {nventalo por Eduard Suet ¢ também usado por Viadinis Vernadsky no sentido de “aona teresce que coniém vida", Tellbard utiza resmo termo dandothe, pots, um sentido ago diferente. Para el, 4 biosfera é"a camada teal de substincn vitlizda que envolve 4 Hea une e recon fc un pia i de sua a concreiagio a eategotzagio mfics conidas na definite. Eagle bur indiscriminadamente as mirades deforma vivas todos‘ o¢ indivdus bilégicos prodozidos por clas numa “camada real de subs. tancia vitaizada que envolve a Terma”, equivle, no mito, a ums ousada Teintrpretsto da realidade obsécvavel e &imporagio de tnt ‘én mitca para a. natoresn, A significa. metodolepca, dete enfogue se excareceré A dia que sequins Telbard em seu pree Suposto de ma esfers nova, mais elevada, a noosjer (do grego Hoos, mente). Antes de fautlo, porésn, cu gostaria de. asinglat que 6 préprio Teilard, sem o dizer expicitamente, parece terse dado conta fo cariter quate mitolipico da sun tese, quan esuzeveu, numa note Introdut6zia de pé de pégine do sea ensaio “A Formato da Noosra™= “Ros que eitiopleparios puma seguir 0 autor em Seu pensamento tomarsed aparente que & blologia se funde na teclogia. "Em ‘utzaspalavas, ele sabia que, como acontece com todos os mites, 4 lsposigio ou capacidade pars aereitr (pols que mais sigiica "se. {uit 0 autor em seu pensamento"?) € uma precoadgzo idispensiel 40 reconhecimento da velidade de todo 0 seu raciodinio, Oz, continua Tellbrd, o homem se dstingue psicologicamente de fa cites Viva por aver a sua eonsclnclasdguirdo © oder de “voltarse sobre si mesma"s! “Tendo, sim, aoartado 6 homem da biesfers, pata apietetar as rzies que o fevam a cret as can de nnn ina — ho sr ae de substincla pensunte™”™ Relaciona a noosera “ao organisa hu. tmano eoletivo que os econtsts eneram tio nebulosamente” © di aque « noosfere constitui "0 supcrorganiamo gue. temos, procurado, ca exstdacia pereebemos intuluvamente"® Por estunho' que pare G2, nfo. faz releréncia lguma a0 conhecido concito da cultura de ‘ized L. Kroeber como "o superorginic, conquanto seje evidente a a fatima conexio entre © pensamento de Teilhard ¢ 0 de Kroeber esse particular, A pants dai, Teithard comtinva sratando noosfera como verda- ira entidade ffsica om oretnica Em seus livtor anteriovar als qoe, S magnitude dos corpos celestes, a noosfera € uma pellculaguase smperceptivel”; qué a noosfera contém as “‘camadas pesifescas — tidiclamente finas mas formidavelmente ativas e com: plexas — do planeia [a Terra)”; e que “a Tera esté]. envolvida um ‘nico invélucto pensante...”* Depois ‘de tratar ‘do nascimento € da esirutura zoolégica da, noosfera", consagra uma sesfo do capitulo “A Formacio da Noosfera” & sua “anatomia", onde azgumenta que a noosfers possui um “aparelho hereditério", um “apa relho mecinico” (denominedo, na terminologia antropoldgica comum, © aspecto tecnolSgico da cultura) e, finalmente, um “aparelho cere. brat”, Esse “srpio ‘cerebrdide’ da Noosfera” consiste na soma total de todos os oérebros humanos da Tetra, além de todos os maguinis ‘mos mecinicos, eletrénicos © outros, incluindo os computadores, com cxjo auxilio o pensamento pode ser ttansiitide, comunicado, par tihado og sjudado © aumentado. Inclui outrossim « “rede de coma nicagies de tédio ¢ televisio que, antecipando-se talvez & sintonizagao diteta dos cfrebros través do misteviowo poder de telpata, jf nos liga a todos nama espécie de consciéncia universal “etetizada”, Tendo assim “ventado uma espécie de anatomia dos principals Ssgios da Noosfera”, Teilhard prossegue focalizando « “Fisiologia da Noosfera”. Nessa segdo, sustenta que “as rodas formidiveis [da noosfera) giram, e, em sua acio combinada, engendtam forgas ocultas que circulam através do gigaatesco sistema”, Existe um vasto processo™ intemo, “algume coisa... que se move propositadamente como nam ‘euja tendéncia geral € uma “‘inflexio”, um “envolvimento semente forcado”, que resulta quma “rede (uma rede um lial) de afiliagbes econémicas ¢ psiquicas.... que nos envolve © penetra ‘onstantemente, cada vex mais profundamente, a cada um de néa” Além disso, “a Noosfera s6 funciona liberando mais ¢ mais energia spiritual com um potencial sempre mais elevado”, de modo que "std de ‘cerebraliarse’, A Noosfera, em sums, é uma estupenda ‘maquina pensante"® cajos elementos, como diz alhures 0 autor, cor respondem “as clulas de um organismo soberanamente especali- Dessas_premissas decorrem importantes conseqiéncias pata o futuro, quais se véem esbosadas na segio sobre “As Fases ¢ 0 Futuro 4a Noosfera", Teilhard prevé a “humanidade planetizada”, a liber- 6 tagio de foras psiquicas até agora insuspeitadas, a emergéncia do do universal”, ‘a penetragio da massa humana pelo poder da simpatia”, “A humanidade”, diz ele, “esté construindo 0 seu cétebro composto sob os nossos olhos. [...] Os desenvolvimentes construdves que ora ocorrem dentro ca Noosfera no reino da vista € da razio” bao, de “necesseriamente penetrar também a esfera dos sentimentos” e, desse modo, « humanidade “encontraré 0 sea coragio”, A essa altura do desenvolvimento, a “‘exigéncia do Absoluto” se tex tomado “um dos impulsos que crescem e se intensificam na Noosfera”. A putir dai, Teilhard condaz “os que estio preparidos para seguilo"™ numa viegem fantéstca através do tempo e do espage, comparado com © qual 0 filme 2001 poueo mais seria do que « exploracio, feita por zuma ctianga, do quintal do vizinho, Finalmente essa viggem 0 leva “a0 problema de Deus” * Ao descrever_o. fotyxo.do-bomem_simbalizado e mitificado pela noosfera, Teilhard_percebeu, inevitavelmente, ¢_afinidade. que existe ‘Bitte 0. seu, taciocnio. e€ 0. Pensamento, marsist; € forcejou por ass alata deen ents + dels. “Or gue pean. de_scorda cot re is”, csreven em 1950, Tacreditat. di, pala inspirat € polariear as moléeglas humanas, basta que eles anseiem por n estado fieal de reflexio e simpatia colesioas, na culminagio da Se, dé ie” fOdos se bencliciardo através da participagio: us sin dizer, depen muuamenie reforgados, tum eireuito fechado de apegos, ra que o Sndividuo Topraré a realzaci0 iiclectal-c-afetva, aa muedida cih'que-pertence'¥ todo © sstema Na apresentagio do mito marxista do futuro, feita por Teilhard, reconhecemos sem dificuldade os prdprios conceitos-chave do jesuita francés, e até os seus torneios caracteristicos de frase, Onde le, satzlment, dee dos marinas ¢ au ado de um eemponene iaals pre sistolépico. Ao passo que o concsito d "Tehaid ove, comin plesmente’ ‘Temporal ¢ natural, o destino humano, pa sua pinifo, “x6 ser4 ciumprido e totalizada em Cristo e através de, Cristo, clevandose aléni de si pRdprio. num wniverso transcendente sobre: natural” © carster mitico da noosfers de Teilherd ¢ da viagem em que ela esta prestes a embarcar-se em nosso tempo € tio claro que basta apontar para alguns pontos de maior interesse. Além da tendéncia mitica para personalizar, concretizar e categorizar, de que jd fizemos mengio, recoahecemos 0 som familiar da visio excatolgca, o velho mito do futuro mais semoto a que Tehard nfo faz referencia, mas oO com 0 gual, sim divida, devia estar plenemente familitizado, Creio, além disso, nio ir muito longe co dizer que a imagem do futuro de bbemaventuranga teservado & humanidade, descrita por Teilhard, nos ecorda 0 mito do primitivo estado paradistaco do homem @_que woltam tantas escatologies © que se pode vishimbrat om inueges, ideale zada por Teilbard, do estedo presente e futuro da sua noosfera, No peniltimo capitulo deste livro toraremos a0 mito de Teilhard que narra a fuga do homem das algemas do planeta Terra Em conclusto, a ideia central e imensamente fascinante de n00s- feta de Teilhard do que ela pode significar para o futuro do homer, satentamente examinada e colocada noma perspectiva apropriads, reve. linge outro preduto da transformasio. de um observader © inteprete do desenvolvimento humano num fizedor de mitos, num mitopoeta, 3 MITO E HISTORIA 1. Osigens: mitien © histérien ‘A mitogcafia foi a primeira forma de historiografia, © os seus tetmes favoritos eram os primérdios, os primeiros perfodos, da histé- fia, Como 0 expressou sucintamente Karl Kerésyi, “O’setomo & origem e co tempo primevo € 0 ttago bésico de tode mitologia”.* Mas © mito mais do que isso, porque segressa aos primérdios ¢ 0s reconta, ‘nfo por amor de um intetesse histérico académico, nem por causa de cufiosidade intelecivel que’ hoje motiva a pesquisa arqueolégica e pré- thistrica. O historidgrafo mitico escreve ou fala sobre grandes, graves, probéticos e decisivos acontecimentos, pertinentes 20 aqui € 80 agora; te bem thar sonido no cu auroras do mune cu, aes, recisamente porgue aconteceram naguele distante periodo embriond- Fo, ener sicesoe coninusam, dee eno, infer a0 destino do mundo em geral e do povo do mitégrafo em particular Tome-se, para comerar, « criagio do mundo ou, para usar © equi- walente cientfico dessa expressio mitoldgica, 2 origem do univers. Nos iltimos 150 anos surgiram muitas teorias cientificas a seu respeito Com o inicio da era especial ¢ a possibilidade de alcancar outros pla- retas do sistema solar ¢, subseqilentemente, outras estreles também, 8 fascinagio exercida pelo grande univetso ¢ pelos problemas da sua origem aumentou muitissimo. Sem sermos astrénomos podemos con- cotdar em que as teorias cosmoghnicas recémformulades estio mais iximas da verdade do que as anteriores, € que novas pesquisss, com firs c mchoes tWesepls eic radetlnipo ender bem sucedidas de outros corpos celestes e novos métodos nos trarfo, mais cedo ou mais tarde, uma resposta satsfatria. Ninguém desejard dopreciar @ satisfagio intclectual que a fraternidade dos astténomos, o astrofisicos e especialstas em assuntos cortelatos sentiré co chegar & solugio dos seus problemas. avanco clentifice, a gigentesca con- sccugfo intelectual, serio aclamados, © com muita jastga, no. mundo inteito. Permitamnos, todavia, uma pergunta herdtcar Que signifi cago tend essa grande’ vitora clentilice pars a espéce humana que habiea 0 nosso planeta? Depois que a exeitagio tiver passado, depeis que a catlosdade estiver satisfite, depois que a resposta hi tanto fempo procunda se houver convertido cm conhecimento commu, resultand ela em aprimorumento da vide, melhoraré. a humanidade, aumentard a felicdade? A pergunta & imeramente retérice, pols @ resposta negativa é uma condlasio inevitével Retrucorio os cientstas, naruralmente, que 0 aprimoramento da vide ow a levasio dos padiey de motal cu humeniade nfo diem respelto 2 astronomi, & astrlisica, nem is cidacias corlatas, Nin sguém contesta esse argumento, que epresents um panto de vista vélida ¢ irrepreensfvel. Mas precisarvente nesse particular reside a diferenga fundamental enize 0 enfoque cientifico © 0 enfoque mitico dos feab- menos. O centista quer compresndé-os; para ele tudo 0 que & desco- aahecido representa um desafio. Mas, tendo encontrado a resposta a uma pergunta, nllo se preocupa com o cfeito que sua solugao tera sobre 0 omen Q mito, por outro Jado, sempre mantém o homem como centro do seu fatereste. | As explicagbes. que itimistra is grandes ‘questBei aici aultado 6 homers. dewde que é homer sontem, siavelmente, um elemento” de ineen “Tendmeno, dis mito, tal coma_o encontramns Foje, tem st0_como base, razio, ‘rigem, significado ou finalidade. De posse de iuis elucidacdes, 0 hhomem pode compreender, acetar e admivir melhor os fendmenos até o desnorteantes, inguietantes e mesmo assustadores, Onde a cééncia exalica, 9 ii s ©. mite, coke Yeats Julgads por exe ponto de visas a cieanstinca deo. se confitmar 0 relato mitico, que pode até ser invalidado por fatos cen tificamente comprovados, toma-se iselevante Hoje em dia, nfo hé divide de que nenhuma das muitas histries de eriaco contidas nas. mitologits de todas as mages se. aproxima sequer do que realmente aconiecen no univers durente 0 petiodo inconcebivelmente longo que precede 0 eparecimento das primeiras formas de vide, ‘Confrontados com os grandes panoramas césmicos que ora comesam a descerrarse, os vOos mais ousados da imaginasio antiga aos dias inicisis surgem’ necessariamente como as convulsbes impotentes de um homem que tentasse alcangar as estrelas mas est vesse preso, de pés © mios, a estacas profundamente enterradas no 68 corpo da Mie Terra, Fattetanto, por mais infantis que paregam esses tenteios ptimitivos diente da nossa perspectiva cientifica, que xpande tio depress, excassameate se poderé scbrestimarthes o ficado como ditetizes tranglizantes para as relagGes do homem com o mundo. Considere se « nogéo sidfcula (cientifcamente) de gue Deus crow ‘9, mundo em seis dias, encontrada no primeiro capitulo do Livro do Génese, Apesar disso, quanto no significou esse mito para grande parte da humanidade através dos séculos! Num mondo apevorante @ adverso, dominado por forges navursis © sobtensturais incontrol wel, oferecia a sepuranga de que « Terra fora criada pot ume divindede Bendvola e onipotente, com a expressa finalidede de servr 2 habitasso do homem, Ensinava que os scinos animal e vegetal tinbam sido trlados para o sustento da vida humana, que os astros cclstes haviam sido afeigondos pars dar ao homem caler e luz e para marca, em sev bbeneficio, © dia, a noite © at extagSes do ano, ¢ que Deus santificara o Sibado a fi'de que fosse um dia sagrado de repouso para tode @ hurmanidade, Esse mito, que por muito tempo se acreditou foste wma vetdade vina, caio egors nim coma pacifico © dentro em pouco Sssitiremos 4 sua expizagio, Paradoxalmente, porém, a8 cfengos que tle expressava tocuates 2 relagio do homem com o resto do mundo, fas iddas socials cu vilidago era um dos seus propésitos orginas, Sobrevivem €, de fat0, si0 hoje mais vitais do que munca Sesdio_bilicn, ea ia credbilidade tempouco, permanecea Taconié tada por tanto tempo. © mito preservado por Hesfodo concorda com © Génese a0 afirmar que antes de codas as colsas veio Caos (litera: mente “vazio hiante”), que corzesponte « Tohu waBlhu (literamente “eonfusio e vazio") da histéria da eriagio brblica. De Caos proveio Géia (Terra), Tértaro (lugar escuro “nas profandezas do solo”), Eros (“amor”), Erebo ("Treva") e, finalmente, a Noite. Da Noite e de Erebo nasceram Eter (ou 0 at superior) ¢ 0 a passa que a Tetta produziu Urano (Céu), as montanhas ¢ 0 mar. Da unifo de Ursno e Gaia provieram os’ Titis, entre os quais os trés grandes pares de divindades, Crono © Réia, Oceano © Téts, Japeto © Témis. maotia, forcas da naturess nfogzepas — isto é, de origem prébe nica fol suplontada, depois de terivl tcanomeguia, pelos deuses olimpicos chefiados por Zeus? Esse mito de origem é mais teog6nico do que cosmogénico, Nio impoe deveres morals nem rituals 20s. gregos, embota_proporcione ‘uma seqignca trenqiilizadore © compreensivel de sucessos primordiais 6 gue resultaram no Cosmo como eles o conheciam. Patte do descon- certo que deve ter atormentado os primeitos observadotes préfilosé- ficos da naturezs, entre os helenos, foi resolvido, ot pelo menos atenuado, pelos mitos rudimentares’ de criaglo, que, sem divide, exptimem ¢ explicam a atitude grega particular diente da natureza sempre mudével Diferengas como as que existem entre os miros de ctiagio € as teorias clentificas de cosmogonia vambém se encontrum entre os relatos miticos de muitos outros fendmenos naturais © suas explicages cientificas. Em cada caso, a cigncia se satisfaz apresentando como verdade os seus descobrimentos, ao passo que o mito dé msis utp Xpasso importante: assinala 2 pertingncia do que ele diz acerca do fenémeno natural para a vide das pessoas as quais se dig No sentido mitico, os primérdios nfo significem necessasiamente 48 otigens mais remotas, como a formagio do cosmo ou 0 naseimento do homem. Referem-se amitide a acontecimentes que produzitam a ordcm realmente prevalecente no mundo dos homens ¢ das coisas — isto 6 4 estrutura social ¢ o meio natural que cercam e controlam a vida do mitégrafo, do seu pablico ¢ dos herdeizos das tradigées formoladas por ele. Saber como veio a existir o mundo atval, o que ou quem 0 ausou, ¢ qual era 0 seu significado é de importincia fundamental, Porque apenas uma compreensdo correta desses acontecimentos hi tanto tempo ocorridos permitird ao homem tomar o lugar que Ihe cabe desempenhar © seu papel nas citcunstincias provocadas pelos even tos primordiais. Os deveres, obrigagdes, dirsitos e expectativas, do hhomem em relacio aos reinos fisico, social e espiritual de sua existéncia estio todos firmados nesse periodo de origens, enjo relsto autorizado € 0 mito. | Compreendido nesse sentido, tornese apareate que 0 significado do mito € tio bésico, to original, que fem dizer que 0 mito faz o hemem, Em todas as culturas abundam exemplos para ilustzar essa fun fo central do mito, mas bem ¢ que nos reportemos ¢ um mais familiar O mito do sacrificio feito por Deus, o Pei, de Seu Unico Filho Gerado pata a redencio da humanidade é uma histétie de origem; contanoy nfo 6 como sconteceu a redengio da homiem, mas. também como surgiu cristanismo. E conta-nos niio apenes uma historia de sign ficasto histérica como, por exemplo, e queda do Império Romano ou o eseobrimento de Amética, mas eumbém vm aconteimento que dia espeito ditets e pessoalmente a todos os cristios em todos os tempos, A semelhanca de todes os grandes mitos de origem, natta um sucesso) fsolado, que se verificou em decermineds momento do passado temoto 70 haveria exagero ) | ‘©, assim, explica um aspecto importante da condigio humana, _Btevalece hoje e The empresa sgnifcude , Desert ° acontecimento Hie) em ‘contraste om @ ocorzéncis ~Hlutvica facta), € parte nan 98 db presse me Neck ot Infli em nosiss vidas atuals nfo soiente fais de nia Seles ne omsegitncas “istricas, como cs feos histtricos’ sendo ech direta ¢ imediatamente, stavés da fore que. enginalonete eee vocou, € continua a operar cam cfeito nao diminuido, desafiando e tempo © 0 espa tra .diferengs native! entre 0 acontgcimenta histética 0 acontcimento mien € gue 6 sigllicalo de wince een mea relldade obsiva ap pasty gue tie dines : subictiva/ A queda de Roti oa descobriinento de Améiies, nore 'voltarmos” aos exemplos anteriores, podem ser julgados de muitos modos diferentes, mas = ninguém “é dado duvidar da relidade dos fgewormenionis osu tems. Tf prove bin, extern farnis, de que eles ororeram, proves que podem ¢ cere sce nee por toda a gente, tenham sido ou nfo a sua vida, e vida da sua socie- dade ou a vida dos seus antepacsados afetdas polos center om oa, Podemos desconbectlos, mas depois que slo ‘ankdes ne nen ee, hecimento passam a fa ‘Parte, automaticamente, da realidade digs do ore mado Ao conteiti, 0 evento ention faz parte da_selidade eubjeiva ohne, mas so” por isso menos red. A dilerenga ene a realidadsobjetiva. do. ‘hin Be tice_e a realidade wubjetiva do mito tf na-mancina pele i i relaionamos com cen, is atrves da peepeto dos sentdos, digeila {ine Hosa”) pels proceuoe do petsamens Lape bee ie conbecimento rememorado, A equisigo da cansdince dee ahaa: subjetivas também comeca, em alguns »8, com a percepgHo sensorial: ts, em tal cicunstnca, ndo € intiorzada c abnorsila gor nee cesios Kgicos de pensemento, senio por unt tagio emecend dinny fem armizenada Como coahecinenta tememorida, te cane. ‘apecinentada A-cutea-maneira de adquirir a conscit lades _subjeti- Jas pio emvlee a parce Gm oan subit cope intuitive, ume voz que. chega 30 grvide injerno, vane, sibita sto ‘Rosso emprego inevitével de expresses tiradas ‘BrOvemoy sentoriais para descrever esse fendmeno, longe de-leventar que a } Gividas sobre 0 fendmeno propriamente dito, limitese « mostrar deficitnca da nossa lingaagem para exprimir fendmenos nfo sensorial. CZ Pata os que nfo tém consciéncia de certa realidade_subjetiv oto se elt Ht esse TPIGET argumear com cles, faxtloy yet, ouvir, apreander ou eompreender a verdade guise sempre jndkih Os argumentos Kgicos fo podem dat ao horaem a apétceprao dda relidede subjelive, Eis pot que as disputes rligiosas, como as aque se orgenizavam na Idide Média entre ctistios, mugulmanos © judevs, nanca poderiam resoltar em eonversio verdadeira. Os que, por outro lado, se torarim conscientes de umna realidede subjtiva, Seja como for, possuem ela algo pelo menos tfo potente quanto a tealidade cbjetiva e, ndo tara, Mullo mais potente valioso do que cla, nesee sentido que 0 Credo quia zbsurdum expressa vina pro- fonda. yerdade psicoldgiea, © uma ceoréncia mftica pode ser_uma realidade tio vi “ROME STOO ~ 2 O mito tirado da historia “Fendo acentuado um aspecto importante da diferenca entre a ia © 0 mito, talver nos parega surpreendente descobrir que, em muitos casos, os mitos tém um ceme histérieo, ou que as tradiges isidricas podem assumir e sssumem formas micas sobrevivem como mitos por muito tempo depois que a lembranga do proprio fato histérico caiu no esquecimento. Psicologicamente, todavia, € com- preensivel que GRA Tramsformaqio dessa natureza venha a ocotrer. ‘Acontecimentos hhistéricos do. tm a necesstia pertingncia para vide das pessoas em geragies subseaiientes; « lembranga deles, por tanto, tende a dissiparse, e erés ou quatro geraptes mais tarde podem ter sido completamente esquecidos de todos, exceto dos que tém um reste profissional pela bistéria ou precisam aprend@la na escola (Os sucessos miticos, cu antes, os sucessos histricos transformados em os, omservam on siguicao, uma persia, we reidde at or com gerigdes, precisamente por ser essa e’natutere do. mito, ‘Quinido um evento histérico se converte em mito perde muito em precisfo e miniciss, aformoseando-se no corser do provesso pela digo de tragos fantésticos, que podem tomar incrivel todo o mito para 0 ‘estranho eritico. Ao mesmo tempo, no entanto, ganhe incomensura- velmente em longevidade, em eficicia continua e em poténcia cultural, A idea de que 0s mitos apresentam os acontecimentos hist6ticos deformados, como vimos acima (Capitelo 1, segio 2), & velhissime, Entretanto, a investigagio emidita dos mitos com'o propésito de isolar ? fo sedimento histérico que possam conter € um modo inteiramenie novo de encarat os estucdos mitoidgicos. Um dos estudiosos do mito por esse prisma é M, P. Nilsson, que, em seu enstio, “Der mkenische sprang der griechischen Mythologie” sustenton convinoentemente jodos os grandes cielos de lendas hersicas da, mitologia rege imamente ligados a locais mindico-micénicos.* Associado sos ados histércos de que dispomes, 0 sea argumento aponte para a fotigem minéico-micénica nfo s6 dos grandes ciclos gregos de saga, mas também do principal componente da cultura grega em geral. Visto que a hiatéria nos deixa praticamente no escuro quanto 2 origem histéxica ‘da prépria cultura mindico-micénies, talver se justfique « fentativa de interpretacio dos mitos minéicos de origem. Essa bor dagem se bascia no fato cada ver mais reconhecido de que os anitos de origem, em regre, tém um cerne histérico, ¢ repistram tradigdes histéricas em forma ‘mivica, As tradigbes assim preservadas podem ‘ou nfo ser historicamente “verdadeiras”, mas contém 0 que s€ consi- Gereva, no. periodo formative ov primitive da sociedade em apreso, como verdade histStice. ‘Uma aparente dificuldade encontrade em qualquer tentativa para tratar os mitos de origem como reformulagées miticas da histéria & que muitos mitos de origem, como muitos outros tipos de mitos, faparecem em mais de uma versio, as diferentes versGes amitde 3¢ ‘contradizem, Essa dificuldede, todavia, nfo € insuperdvel; na verdade, tem a sua analogia histérica nos relatos também nfo taro contrad- ‘trios do mesmo evento apresentados por fontes diferentes, cada um dos quais assume 0 colorido de certo conjunto de idéias, pontos de vista e intengSes, Tomemos por exemplo o mito das origens mingices de Creta, tal como se colhe das obras dos antigos eutores gregos? Gonsoante essas fontes, © fundador da cultata mindica ne tha de Creta foi Minos, nascido em Crete da uniio de Europa e Zeus, «que astumira a forma de touro ou de 4gula. Depois da sus aventura com Zeus, Europa desposou Astérion, rei de Creta, que nfo teve filhos com ela, mas eriow os flhos dela e de Zeus, Minos, Redamanto ce, no dizer de alguns, Sarpédon, Quando Astétion morreu, Minos formouse rei de Creta, cxsou com Pasifse, filha de Hélio (0 Sol), de quem reve vévios filhos e filhas. Paslfae apaixonow-se por um belo rouro branco do mar, conseguin seciar 0 seu desejo dele escondendo-se no interior de uma vaca oea de madeira, feta para ele por Dédalo, e, subseqiientemente, deu A luz um monstro com cabega de touro e corpo de homem, o sangiinério Minoteuro. © Isbitinto construfdo por Didilo para o Minotauro, x mando de Minos, e os sucessos que redun- B daram finalmente nz_morre do Minotauro por Teseu sto todos mitos fascinantes, mas jf nfo pertencem as origens cretenses, A primeita chave desse mito é o nome Europa, Representa, claramente, os povor do continents do mesmo nome ct, tals predt samente, os que, segundo criam os antigos gregos, haviam imposto © seu dominio sobre Creta e possivelmente outras partes do litoral setentrional do Meditertineo. essa maneira, a figura de Europa tem sido explicada como nio sendo provavelmente mais que 0 epo- imo do continente europen.® Quer represente Europa todos o8 povos fentopens, quer represente apenas os primitivos habitamter ‘de. Greta, © mito pe em relevo a primitive renga. grega de que oF povos Iiticamente representados como “Europa” tinham vindo da. Feniia — pois, numa versio, o pai de Europa era Fénice, isto é, Feafcia — ou da principal cidade da Fenfcia, Tiro, cujo zei, Agenor, conforme a versio mais popular, era o verdadeiro pai de Europa. © nome de Agenor, rei de Tiro, pode ser tlvez equiparado ao de Canal, 0 qual, a propésio, segundo o relato biblico, foi pai de outra famnosa cidade fefeia, Sfdon.? Os irmifos de Europa na versio popular do mito foram Fénice, cujo nome, como jé dissemos, representa a Fenfcia; Clix, que simboliza a Cilicia; e Cadmo, exjo nome € simples- mente a palavra hebreuconanéia que significa “leste”, Kedem, com 1 adigio da desinéncia grepa. ‘Todos esses nomes apontam claramente para 1 costa oriental do Meditcrrinea como o sitio do qual, segundo a primitive tradigGo histérien grega mitificads, vietam 0 povo © a cultura da Creta mingica. Claro csté que os pormenores ee perderam ‘na sransforinasio da histéria em mito, mas os tragos gerais ainda si0 reconherivels, Os navegadores fen(cios, conte-nos 0. mito, estabele- ceramse em Creta. Ali foram, a certa altura, dominados pelos primi tives helenos, dominio representedo pela sujcigio de Europa a Zeus. Da unlio dos dois pores sup Minos — ito é a velba cular mindica — 2 qual, por seu turno, caiu sob 0 ataque futioso dos (Teseu, no mito)’ muitos séeulos depois, me Mais interessante ainda do ponto de vista da nossa tentativa de tragar o desenvolvimento do mito a partir da hist6zia € outra possfvel explicagio do mito ZeusEuropa. No quinto sécalo a.C., Herédoto conbeces uma tradigdo histrica segundo a qual marujos cretenses hhaviam realizado uma incursio em Tito, principal cidade da Fenicia ‘Certos gregos”, escreve 0 historisdor, “com cujo nome eles [os tiios] ‘do estavam familleizados, mas que cram provavelmente cretenses, desembarcarim em Tito, na costa fen‘cia, © raptaram a filha do rei, Europa"® A suposisao de que uma ocorréncia histérica primitive, ” xia lembranga esté contida na refertncia de Herddoto, podetia ter servido de base 20 mito ZeusBurope € confirmada pela fusto do favontecimento histético com o mito, que © cronista bizantino Jodo ‘Malalas levou @ cabo, uns doze séculos depois de Herédow. vendo no sétimo século dC, Malalas affrma que “Taurus isto é “Touro"], rei de Creta, stacou Tito depois de uma batalba naval ‘Tomou a'cidade naquela mesma tarde e, saqueando-s, levou consigo muitos cativos, entre os quals Europa, filha do rei Agenor. [...1 Fsse acontecimento € ainda Iembrado na Tarde Fonesta, anualmente comemorada em Tito. Taurus, entretanto, desposou Europa e dew 2 todas as suas terras 9 nome da exposa, chamandohes regives euro- péias”.? Na versio de Malalas & o Ret Taurus de Crets quem arrebata ata Europa, 0 que, nateramenc, relete o tooo cx forma fot assumide por Zeus, nascido em Crets, de acordo com 0 mito, para a sua csc pada com « princesa tira; e as terras dominades por Greta sfo che ‘nadas Europa em homenagem a ela. A ser exato 0 relato de Malalss sobre a comemoragio anual da Tarde Funesta em Tito, » lembranga do evento. semihistéxica, semimfica do saque da cidade pelos cre tenses ainda nfo se spagara no séealo VIL ‘A pertinéncia dessas observagSes para o nosso mundo modemo ‘contemporineo reside no fato de continoarem operando os mesmos procestos de metamorfose que transformaram 2 hist6tia em mito na Grécia primitiva ¢ nas colturas ainda mais velhus do antigo Oriente - MESTRANS. Préximo, como o veremos nos capitulos seguintes deste Livro. Na taiotia dos casos carecemos da perspective histérica necessétia, para poder observar tais processax em conexiio com econtecimentos hist oes do passado mais recente, como a Segunda Guecrz Mundial ou 0 conflite sino-rusto, Mas podemos ver as mesmas forges operando na transformacio dos fatos histdricos de vidas individuals em relatos inticos e na coaversio de figuras reais de homens que desempenharam cestos papéis na histéris moderna em imagens mitieas, assim que a sua morte permita tais metamorfoses, - Uree 3. Dioniso, ow 0 mito como precedente ‘Tendo discutide na segio anterior « emergéncia do mito a partir da hist6ria, voltamo-nos agora para o processo inverso — a saber, a formacio de sucessos histSricos com base em acontecimentos mfticos, ‘ox 0 fendmeno do mita servindo de protétipo, um precedente cons: clentemente seguido por figuras hist6ricas, Thomas Mann, assim como outros estudiosos © historiadares dotados de inspiago poétice antes dele, mostraram que grandes pro- 7 tagonistas da hist6ria humena se sentiram inclinados, nas horas eruciais de sua vida, 4 identificarse com determinados protétipos hist6rices. Napoleio, segundo Mana, “no perfodo das suas fasanhas orienta. .. confuadinse miticamente com Alexandre; 40 peiv0 que, so veltar 0 rosto para o ocidente, teria declarado: ‘Fu sou Carlos Magno’. E assim ji era na Antiguidade, Os antigos bi6grafos de Cesar estavam com vvencides, com ou sem razio, de que ele tomava Alexandre por prot6- ipo”. B, no tocante a Alexandre, este “‘caminhava nas pegadas de Milefades",® 9 general ateniense (c. 540¢ 489 aC.) que derrotoa fos persas em Maratona. © que Thomas Mann alo diz € que Alexandre, & parte remontar 4 Milefades, que vivew apenas dois sécolos antes dele, tinha um pro ‘pico mitico muito mais velho, muito maior e muito mais atraente ppara seguir: o deus Dioniso que, a crezmos num antigo mito grego registrado por Euripides no fim do sécalo quinto a.C., invadiu pro fandamente o Oriente como conguistador — a saber, a Lidia, a Frisia, a Pérsi, a Bactriana, a Média, a Artbia e “toda a Asia que jez 20 pé do mar salga CChegando 4 Siti, Dioniso enconttou a oposiséo do rei de Da asco, mas esfoloue ‘vivos em seguida, constrait uma ponte sobre © rio Eufrates com hera e vinha. Um tigre, mandado por sea pai Zeus, ajudouo a transpor 0 sio Tigre. Dali, Dioniso pessou-& India, esmagando qualquer oposigio que encontrasse. Tendo conguistado todo © pats dt India fundou cidads, promulgou eis ¢ ensinow a0 povo a srte da vinicuitura* Se bem o relato da matche triunfal de Dioniso através da Asia € a sua conquista da India fosse originalmente a mancira mitica adotada pelos gregos para narrar o que aeceditavam ter sido a difusio da vinicultora da Grécia para as tertas do Oriente, ao tempo de Alexandre, Dioniso jd se tornara, havia muito, o grande deus do vinho, dha paixdo’e do delitio, de poderes itesstveis, capez de infigir tanto « loucara quanto a alegria,_Entendem alguns historiadores que “‘de- pois das conguistas reais de Alexandre, a8 conquistas lendévias de Dioniso se estenderam e ele passou a ser sepresentado como se tives alcangado a India”. mais provével € que Alexandre tentassc, consciente € propositedamente, repetirlhe as grandes conguistas, no 56 pordue se imaginava miticamente ideatificado com o grande slim piano, senio também porgue, de todos os deuses gregos, era Dioniso quer, mero ds sua extracio oriental, se identificava mais pronta- mente com ss divindades otientais. E, & claro, tendo-se identificado com Dioniso, Alexandre, incvitivel © ‘tragicamente, teria de morret jovem como Dioniso morrev. 76 Dioniso € importante para as nossas investigagBes _mitolégicas pot outra sazio também. /O seu mito contém o que € talver © caso sais antigo de um protétipo mitico tio poderoso que induz_ pessoas @escrifcar « préptia vido, a enfrentar uma more_especalmente dboforosa, paca iter o deus e identiiearse com ele. Como assinalow Jane Hatton, Diorio “nunca poderé Iiberiarse da turba de mulhe res adoradoras, sera sempre a ctianga de peito das MEnades”,™ Era sta cena mitolgica, tants veves pintada, que os partcipantes do drama ritual dionsiaco repetimn. De acorda, porém, com outra versio ddo mito de Dioniso, logo apés 0 seu natcimento, 0° Titi, por ordem de Hera, agarsaramene c, apesar das suas txansformagies, despedagaram- sno. Desse modo, ao mesmo tempo, & despeito da contzadigao 16giea que o homem ignoza ditosamente em seus momentos de inspitscao itol6gica, 0 mesmo drama repete nlo s6 a tragédia imposta ao infente Dioniso pelos crudis Tités mas também a celebragio de Dioniso pelas Ménsdes apaixonadas. No situal, as mulheres passam a ser nd0 apenas as Ménades levadas a um estado de paroxismo por Dioniso, mas também 0s Titis que o despedecaram. E era isso, precisamente, o que faviam. As adoradoras de Dioniso nfo s6 se acreditavam pos. suldas pelo deus, mas também se identficavam realmente com os protagonists da divina tragédia primeva. Além disso, um dos ado- adores, que se convertia no préprio deus encarnado, era despedagado pelas mulheres delizantes, como o fora Dioniso pelos Tits, Hi futros exemplos micas do esquarisjamento de um jovem ou de uma crlanga por um grupo de mulheres em delitio, que incluem a préptia ine da vitima, (O mito chega a ministrar 0 protétipe mitico do que 4 mie sente depois, quando o seu delisio se desvanece e ela compreen deo que fez. Ao mesmo tempo, porém, consideravase o jovem despedagado um sactificio feito a Dioniso™ Na grande tragédia As Bucantes de Euripides, Pentew, tei de Tebas, € assim espostejado pelas mulheres desvairadas © condusidas por sua ptépria mie. Em ‘utror selator miticos, 0 sagrado deliio dionsisco induzia codes as mulheres de Argos a destcuirem os pr6prios filhos.” Nem isso esa tudo. Pois na forme antiga das Bacanais, 0 des- membramento da vitima era levado efeito de mancira particular mente cruel ¢ birbarar ai mulheres alucinadas despedacevamna com or dentes, comiamhe a carne e bebiamthe o sangue. | A’devoras¥o do deus, a fim de absorver o mana que 0 animava e, por esse modo, twansfundir parte dele para os corpos das adoradoras era, naturel: mente, a suptema eansumasio do sacificio divine. Em date posterior, tama vitima animal, como um bode, substiia a wtima humana: 7” © mito de Dioniso serviu, postanto, de precedente prot para um dot rituals mals emus ¢ bbator de antign Grecia Serva também de precedente e protétipo para alguns dos maiores fetos da hisedra, a comegar pelos do Alexandre, 0 maior hens! conquistedor a advir do mundo helénico. Alexandre, por seu turno, tomowse em cxemplo para Jilio Cesar, cajo papel na histéra romana fol compe rivel a0 seu no mundo gtégo e, muitos séculos depois, para Napoleo, maior figura da Franga moderna Nem € apenss um mito preexisente que pode influencar as pesoas e industlas a emulito. A eassidade pelcolégica de un mito capaz de servi de precedente ou jusificagio pare 0 procedimento repuitdo fora do comum € 120 premente que as pesioas cram novos aitos que as sitsfagam. As yeues, esse propésito € legrado ea necessidade psicldgica sttisieita emprestandose earacersticas mitieas 4 um individuo histévico real, como Alesandre aa Antiguidede ou ‘Che Guevara, James Dean on Al Capone em nosse poe! Em outros casos, prdpiio personagem mitico€ inventade, como Marion Delgado fo Mickey Mouse Em ambos os casos, 0 protétipo mitico serve com mesma efickin ¢ far uso do poder para afeigoar seguidores & sua imagem, ‘ 0s MITOs DO FUTURO Como todos os animais, 0 homem vive no presente. Mas, & dife- sengs dos outros, vem conscitncia do passado e do faruro. Essa conscinia o Jeveu, numa fase prinitiva da histéra, a uma preocup. $0 com “Urzeit” ¢ com “Endzeit”, os tempos primevos ¢ o fim dos tempos. A pergunta “Que ea?” dew origem a uma rica miologia cntogénica em todas as eulturas antigas; a pergonta contrapondstic, “Que seri?” foi respondida por vérios tipos de mitos teleoldgcos [Exes ltimos nor sfc. mais familiares atzavés do apocilipse eda cscatologia bblica, Continvam conosco em forma de fisfo cientfia 1A escatologia Em sua forma mais simples © mais velha, a escetlogia biblica (0 ramo da teologia que tate do fim dos tempos) apenss projeta 0 futuro mais distante o mito do passado primevo, a tradieio da idade de ouro paradisiaca, Diznos que o homem © 2 feta voltatfo s com ‘iver feliz © pacficamente, como conviviam no Jardim do Faden. As cespadas serio convertidas em relhas de arado ¢ as langas em poda- deiras. Todo bomem se assentaré debaixo da sua vinha € da sua figueira, ¢ nfo haveré medo no mundo (Miquéias 4:3-4). lobo habitard com 0 cordeito, 0 leoperdo se deitaré junto 20 cabrito, 0 Ieio comeré palha como’ o boi, e até as serpentes venenosss serio bringuedos para as criangas de_peito (Isefas 11:69) _Haveria, porém, uma diferenga importante entre 0 idifico passado gdtsico ea paz do futuro messiénico: no Jardim do Eden a paz © a ‘Felicidade se bascavam na ignorincia infantil de Adio e Eva; 0 estado ‘bemaventuredo terminou assim que eles provaram o fruto da Arvore 2 Praibida_do Conbecimento, No futuro, porém, a mesma par ¢ a cidade voltarfo “porque a terra se encherd do conhecimento do Seahor” (Isafas 11:9) © conhecimento ¢ a sabedorla, © emtendimento, a fortaleza, a ude © a justicn concomitantes sero. os attibutos do. sobersno imessiinico, deseendente do Rei Davi, cujo reinado precederd. o glo oso perfado futuro de par total © absolute (Isefas 11:1-5). 0. Endzeit, portant, aparece como algo muito diferente, no que range a0 requinte da sua organizagio, da ingénua situagio sine lege fiderr que do Urzeit — de fato, como a sua antiese. Ser um tempo em, que todos os problemas_suridos em conseaiiéncia. da, perda a. ino- cliela paradisiace serio resolvidos em vittude do conhecimenio supe- rior que emanaed do scherana messiinico e se espalhara por todo 0 seu reino, atingindo iguelmente o homem e a fers ‘Além dessa forma mais simples ¢ eativante do mito do futuro, xistem muitos outras varfedades do mesmo tema, que pertencem a diferentes fases de claboragio, Em _todas descobrimos protétios, fxr arquétivos, se se quis, de fururidade — mitologemas que ainda movem o homem modero, nfo somente em suas especulacées sobre uum remoto fim melhor dos tempos, mas também em seus devaneios fox fantasias a respeito de muncdes futures, smm sentido assim evolu tivo como metamente temporal — o que quer dizer, mundos muito inais adiantedos do que o nosso do ponto de vists do conhecimento entffico, mas que « féstil fantasia de escitores sinds coloca ao nosso alcance. "Entretanto, como 0 posto que desejo demonstrat aqui simplesmente a existéncia de uma notével analogia entre os antigos mitos do. futuro e os productos modernos da ficgéo cientifica, seré desnecessério apresentar os tipos’ mais minuciosos de mitos ¢scato- Ygicos. © simples arcuétipo da bem-aventuranca parsdis(aea, recon- duistada no fim dos tempos através de um inspirado e répido aumento de conhecimento, contém elementos suficientes para mostrar que todo ‘© género da ficgéo cientifiea é 0 seu parleo, 2 A fiegko cientiticn Com efeito, a extensio em que os tragos prineipas dos ant mitos do plorioso futuro paradisico persistem na fiegio_cientifca moderna € positivamente notével.. Primeiro que tudo, hi o traco central do conhecimento, A idade futura, pintada na maioria das histérias de ficgto cientfica, earacteriza-se ‘pela aquisigio, por parte do homers, de um vasto acervo de conhecimentos, dignte do qual a a0 ciéncia do fim do séeulo XX parece primitva, infantil ¢ digna de d6. Desenrole-se a cena em nossa prépria Terra cm algum momento futuro, ov em outro planets, ou numa paléxia inezivelmente remota, o ele. menia da cebecimenta superior (atsociada, em regra geval, a genufnas qualidades do cardter norteamericano) desempenha papel importante fa solugio do problema que ameaga provocer um desistte, ou na vitdria sobre perversos adversisios, ou ainda no acarretamento da paz ¢ da felicdade vida de uma sociedade exética. Muitas vezes se descteve 0 ingroup (isto &, a sociedade x que pertence o het6i) como tendo conseguido a paz ea felicdade, mas sendo ameacado por um outgroup exja evolugio o conduzit # uma diregio diferente, Seguese uum chogue, depois do qual os membros do outgroup (ou seus sobre- viventes} véem a luz e sprendem a viver pacifien e felizmente. Este mito em sua inteteza, incluindo o elemento da tute, da beatatha ¢ da vitéria final, esté nitidamente prefigorado no tipo dio “fim dos tempos” da escatalogia biblica. A mesma profecia que contém ¢ mito do futuro pacifico vaticina a derrota dos filiseus, os filhos do Leste, Edom, Meabe, Amom, e do Egito pelos dispetsos de Israel e de Judé que voltacim a renizse em suas teas (Isalas 11:11-16). De maneira semelhente, na modema fio cientftea, « mera descrigio de ume existinca pacifica ¢ feliz vivida por um povo cientificamente deseavolvido seria ut6pica mas seria id fiegio, porque Ihe falearia o elemento dramético, ¢ péssima mitologia, se encararmos ‘© mito (como nés o enciramos) como uma histéria que, além de ‘vérias outras carecer(sicas, encerta um profundo significado pare as nossas vidas, A boa fiogéo cientifica e 0 bom mito exigem os clementos de Iuta, tensio, incerteza e, afinal, de solusio feliz. Tampouco falta as verdadeiras historias de ficsio. cientifica « figura do grande governante, 0 hendei recente do antigo ¢ mitico rei divine. Sempre presente, possui um conhecimento superior a0 dos dlemeis protagonistas da histéria, Eo lider carismstico, que inspi confianga ou mesmo temor respeitoso, Quando surge a necessidade, pode “ferir a terra com a vara de sua bora, © com 0 sopro dos seus bios matar o perverso” (Isaias 11:4). Raramente Ihe € preciso fazer mais do que tomar uma decisio ¢ proclaméle; ao julgar ume questio vé infalvelmente através do engano (Isafes 11:3); acima de tudo, € escrupulosamente justo Frcilmente se percebe por que essa moderna variedade do. mito do futuro & to popular entse jovens ¢ velhos a0 mesmo tempo. Como todos os mitos verdaderos, ele nos diz, embora nio o diga com estas rmesinas palavras, algo significative a respeito dos nossos problemas ¢"dificuldedes, Félo. mestrundo-nos um mundo, ou figusundo-, em que a cela adianteda resolve problemas e crises cem vezes meiores do que os nostos, Tncitanos a talores esforgos apresentendo-pos um fgropo sais que Iumano de herSis, que possierm equipamento, conbe- tlmentos ténicese forges como nds jamais pussuiremos, © que mesmo fssim precisam lutar, e lotam e tsuntam, Minstra-nos um vislumbre do futuro — a nica eapécie de faruro em que muitos de nés ainda podemos credtst neste mundo de derrocadas téenices ¢ socitis, guerra © desperdicio, superpoluicio ¢ superpopulasio — um futuro {on om mundo remoio, oe ven © dat no meno) de mens supetioridade tecnoldgica, em que os problemas, naturalmente, com tinuardo a existt, mas serio sempre enfrentados com determinasio, enorme hebilidade eo emprego de fontes gigantescas de encigia {sce © conhecimentos psicoldgicos vastemente superiozes: um mundo, 30 mesmo tempo, ataente e tanclilizador, um universo em que of hhomens se tornatio, de fato,iguais a deuses. Néo admira que muitos cvtadistas e eruditos, cientisias ¢ pollteos, assim como gente simples, frostem de feqdo cientifica nas vias formas em que ela se apresenta Pare eles © para nés € um mito de sustentacio to signifiativo quanto “o rebento saido do tsonco de Jesse” (Tsfas 11:1), a ressarregio de Osiris ow de Crist, ou & volta do Madi o foram ein outras cutros lugares, Numa era em que semos de enfrentar, além dos fncdiaodos menores maiores 6 citados, que nos atribulam a exis téncia cotidian, a possbilidade de destruigio de todo o planeta por dima catistrofe'atBimice, a ficglo centfiea exerce poderosa fungio tcingillizadora, Proenche eminentemente o gue Clyde. Kluckhohn Eenomina as fungGes bésicae do mito (e do situal), satisazendo "A necessidade da sociedade” © proposcionando “‘satisfupio (na_maiot parte das vezes na forme negativa de redagdo da ansiedade) a uma grande quantidade de individuos’ Na ficgio.cientifies moderna a redugio da ansiedade assume formas que podem ser consideradas como aperfeigoamentos, om novas apuragGcr de antiger eacatologias, Uma caracteristica predominante a histéia de flogio cientifca € que ela nos acelme e tangiiliza “cimplificando radiedmente a nsturean emecional do homem slte- sando 1 perspetiva pela qual vemos as zelizagbes homanas”. Ensina ‘que “a inteligencia racional pode preservar o foruro ¢ tomélo melhor, fais cheio de vida para todas os homens", reproduzindo assim, em forma atualizada, a promessa escatoligica de um futuro, governado pelo conhecimento e pela compreensio, Suatenta que “o mall em patie alguma € misteriose ou ambiguamente entretecido na_prépria fama da consciéncia ou da existéncie, E muito mals provével que 82 scja mecanicamente concebido ¢, portanto, passivel de solugio .den- tilca™, 0 que no passa de ume sepeticio, em fraseologia modetna, do que disse Tsaias de modo mais posto hé vinte e ito séculos. ‘Ache ausente, é claro, « figura do ret divino, 0 Messias conduside @ inspirado por Deus —~ mas a sus imagem € substitulda pelo heréi confidate, cientisis, eogeaheiro, on homem cujo edestramento sieve Sntimamente ligado as ciacios fisieas, nascido na Terra, porém “fo- rusteito”, que atrai as mulheres mas se interessa scbretudo pela miss, que a si mesmo se impés, de trionfar de adversérios ¢ preservat @ Bumanidade (geralmente de uma ameaga estrangeira). Onde a velha cexcatologia via wim mundo de pez e serenidade em que nechum ser vivo teria de morrer para servit de alimento a cutto, e em que no haveria guerra nem competisio, na nova escatologia da ficsao cientifica (o mal petsste, mas é subjugudo, poueo a pouco, pelas forgas do bem reptesentads pelo heréi, evjo conhecimento.tecnol6gico superior Ihe permize snular © tempo e 0 expaso" Que a fiogio cientifica moderna € uma extensfo de cettos mitos Byblos foi reconhecide por John Macquarie, 0 eminente teStogo demo. Comentindo o assunto, diz Dr. Macquatrie que 0 tipo de a de Hiegio cientfica que deixa para trés, em v6os da, imag nagio, os 6 surpreendentes conseguimentos techolégicos do homem €'"o conttitio do mito biblico da Torre de Babel. Este mostra a surosufiiéncia condusindo 2 frustragio, mas a fiesio cientifiea mos tuna tianfsore, A diferenga dos mites antigos, @ quase mitclogia or tempos modemos nfo faz alusio a Deus nem a poder algim maior do que o homem. Um quase-mito dessa natuseza expressa uma autognose secular”? “Tratese, por certo, de uma intexprerasio existencalista do mito biblico da Torve de Babel e, ao mesmo tempo, da mitologia da fiocto cientfics moderna. Do. meu ponto de viste funcional, como jf ace ‘uel, tanto os mitos biblicos do tipo escatolépico quarto os mitos da ficglo cienifica exercem fonsio idéatica ou, de qualquer meneita, smuito semelhante: tranailzat o homem no tocante a0 futuro. Para poder faxtlo, os dois tipos de mitos precisam, primelro que tudo, esexever 08 petigos e até os hoztores que o homem encontrard ine tavelmente em sea catminho. Isso. € indispensivel para projetar ¢ concretizar o medo do futuro aninhedo em todo corasio humano, pois somente pela sua projeqio e concretizagio exse medo poderd ser, 36 nfo climinado, pelo menos atcnuado. Vem, a seguir, 0. gloriose capitulo que descreve 0 homem supezando os. perigos 'e horrores, scjam eles as feras monstruosas da mitologia bibles, sejam os horrores ainda mais monstruosos, porque tio fregiientemente informes, do 83 ‘expiso exteino na flegéo centifca. E ¢ homem emerge vitorioso Pease 6 ¢ mensagem, o grande, confortador c sustentador evangelho de ambos. Enid visto que exitem difcrengas signficaivas entre os doi, «que no podem ser ignorades, Concebidos e apresentados, numa época fem que 0 homem se sebia {rico e indefeso e que $6 poderia sobreviver femocionalmente confiando em grandes forgas transcendentais que ele fcreditava, ou experava, poder propiciar, os mitos bibicos do. porvir falavam de ama futura vt6ria do homem gragas & ajuda ow 40 soco:r0 divino, oa « outea intervencio favorével Os homens que tentavam asseguiar o futuro sem a ajuda de Deus, ou mesino contra a Sua Yontade, pereciam ou exam completamente derrotados, como esd Inagisttalmente usteado na histria da ‘Torre de Babel. Os que se faa de Dea, oo i op dest fvarecm por tots pat culaes, ainda gue o seu navio fesse sacudido por tempestades adversss, sev desnatos aleangat a salvo at plagas cobigadas da ihe do futuro. ‘Os mitos da ficglo cientifica, por outro lado, ditigemse 20 Jhomem modesno que pesdev a crenga na divina providéncia, cujos redlogos falam em desmitiicacio e na morte de Deus, e que, por duas na ties geragBes, temse alimentado da “crensa popular na onipo- tinea da cifnca’”* Apesar disso, © pavor do futuro subsistiu e, se possivel, toinouse maior ¢ mais profundo, porque a ciénca, o novo deus, tem poder, como o devs indiano Xiva, nio s6 pata ctiar © sur tentor, mas tombérn para destrurs e enguanto ela estiver empe cm sua incessante danga tipla de criegio, manutengio ¢ desinuigio, © omem miniscolo aunee poderé saber se seri, individualmente, cexguido pela mio sustentadora do deus, ov esmagado © transformedo fr massa informe de carne ¢ sangue pelo seu pé indiferente, Por isso { trangilizagdo que o mito da ficgio cientifa transite a0 homem taodemo difere estencialmente do. das velhas escatologias. Nao pode cferecet « esperanga da benevoléncia divine; em seu lugar, precisa fastlar no homem a f€ na propria eapacidade, ineligtncia c engenho, “imas e supremas defesas asm mundo em que a sua mais horripilante ‘agio, a tecnologia, emeaga perder ¢ cebesa. Daf que um dos temas contrals da fiogio clentifch seja 0 antagonismo entte a méquina © 0 hhomem, © a lata entre 0 homem ¢ a méquine se revele tio mais fincinante €, s0 mesmo tempo, 180 mais ameasadora do que « luta centre_o homem ¢ slgama inteligéacia estrangeira; pois esta dltima € pre invengio da imaginasio, ao passo que a primetra é uma realidade fexintente, que a fieqdo centifica apens potencia. Dante disso, maior vitéeia que a ficgio cientifca pode intuit € a do homem sobze 4 0 meio teenoligico de sua prépria exiagio, um mefo que, no fim do século 20%, ele expandin peta incluir cuts planetas e que, na fegio lentifca, ineloi também outias galéaias. 3. Os radienis nus A. distancia entre. a fosio cientifca ¢ os, padebes de comporte mento dos estudantes radiais, 2 dos jovens neo-esquerdistas consi- erival,” Existe, porém, um elemento comunt entre 0s dois: ambos fiauvem a. ava Uiipitagle” dos. antigos. “futuro, ou, #80, Pela menos, paralelos significativos dstes mitos, os uals, por seu. tutno, "pista de ina projecio, nos dias futures, do mito do paraso fem que se fundava, pera’ o homem crédulo, a origem da histria Romana. Como todos aos secordamos da leitura da Biblia, Adio ¢ Eva viviam no Jardim do Eden nio s6 sem trabalhar (comendo dos frutos do Jardim), sem Tuta, som atividade sexual ¢ em paz com todos os Suidais, nae também ‘sem roupas.Viviam nus, € tamanha era a sua paradisfaca inooéncia que “indo se envergonhavam” (Génese 2:25) {Com efeito, « caractersica da auder © a auséacia de vergonba € 0 ‘time detalhe aa descrigio. biblica do bem-aventurado © inoceate testado patadisiaco do homem; a sentence imediata jf apresenta a serpente e inicia a triste narzativa da queda do homem, da proyadura do frato do canhecimento e da conseqiiente emergéncia da vergonba, do Sexo, da meldigio do trabalho, da subosdinacio da mulher a0 homem, des dores do parto © da inevitabiidads da morte, A nndez paral sfaca € 0 ponto que deiejo acresceatar ao mito do faturo tal como tinda vive entre nds © ata sobre nds. Os nostos jovens radiais € neoesquerdistas sfo os herdeitos mo- dernos de uma longa linha de sonhadores de um futuro vtépico, cujas ‘caracteristiess principas se decalcam sobre o velho mito do, paras. ‘A idade de outo do futuro que cles ambicionam e sonbam nada mais € te atsina 4 late ce outa do posselo primordial, A ebeif dais contes o-Poabelincnto, ta elidad, € uma Versio conten poriner da reprsenasio, ds ipfelidade que t_pevsoss sempre Tenure rpscsetaram dante das nigedades (no sts entender) da otdem social vigentc, Os recabitas hebreus, que até o século VI aC. abjuraram o trabalho nos campos, vivendo em casas ¢ bebendo vinho, foram vin dos primates exenplos_(Teremiss 39:6). Os salnios judeus, contemporineos de Jesus, que se recolheram a cavernas no deserto judaico para formar ali comunidades primitivistas ut6picas, 8 so outro. Os neo-esquerdistas ¢ radicais norte-americanos, que s0- taham com uma sociedade decente, capaz de substituir a atual, para “cles completamente indecente e corrupta, e Jutam, nfo muito eficaz- ‘mente, por ela, sf0 03 ltimes dessa expécie. Em todos of tempos, (0s primitivistas utdpicos expressaram o anseio de um estado. par disitco, entre outzas coists, usando roupas grosseiras, esquisitas, py smitivas © escassas. As chocantes extravapincias no vestuiti exibidas pelos radicais no seio da nossa juventade contemporinea alicnada so Ho conhecidas © manifestas que dispensam comentivios, Seje-me Iicito, porém, exprimir um pensamento: 2 ostentosa displicéncia no cobrit as partes do corpo que, desde a Queda, t2m sido consideradas de exposigéo vergonhosa, pode ser interpretada como outra manifes: tas do anelo do paralso, do desejo de voltar ao estedo anterior 3 aquisigio do conhecimento, da vontade de reviver 0 mito da inocén edénica nua. A presteza, ou, melhor, a ansia com que se despem muitos jovens radicais de ambos os sexos, em companhia uns dos outros, parece-me ter implicagSes miticas. “Quando, por exemplo, 0 grande comfcio da joventude radical se fealizou em Washington, ‘no principio de maio de 1970, alguns participantes de ambos of sexos tiraram as roupas e deram’ um mexgulho no tanque ao pé do mo- snumento a Washington? como se se sentissem compelidos a demons- ttar, nfo as suas opinides politcas contritias ao govemo dos Estados Unidos, isplicéncia sexual paradisiaca diante do imenso A predilegdo pela nudez ou a completa falta de reserva em ma- téria de vestuirio, patenteada pelos jovens radicais, € tanto mais nnotével quanto mais perigosamente préxima (“perigosamente” do onto de vista dos prdptios jovens radicais) de outro tipo de nudez, gue se espalhou rapidamente na tiltima décade entre os membros de Estabelecimento que eles tanto desprezam. A outra nudex manifestase de indmeras maneiras: a coquete exibicia das coxas ou dos seios das ‘mulheres, as suas roupas de banko transparentes ou despeitoradas, as vistes de ambos os sexos em trajos de Adio e Eva no paleo ou em filmes, a simulasfo do ato sexual no teatro ¢ no cinema, a proliferacio de colfnias © estabelecimentos nudistas, ¢ assim por’diante. Esté ‘sw gue ot jovens radnis agumenttio que ss varedades, do que se poderia denominar s “moder do Estabelecimento”” so de um géneto provocante, excitante e incitante, que € desprerivel (se nio fossem tdo modernes e radicais disiem “pecaminoso”), a0 pasto que a fudez ou a exibigdo deles € natural, inofeasiva e indicativa da. sua liberdade e da sua libertasdo (e se nfo fossem to modernos ¢ radicais iriam “inocentes”). Sentimonos tersivelmente tentados a discorrer 86 sobre a perigose proximidade dos dois tipos de nude, a inocente © a crime mi, srindo eto, sejeaos perfil blur apenas, male uma vez, a qualidade aparentemente. mitico-paradisace da nudes inovente, na qual pos parece encontrar outa maaifestagio da ersstincia do. mito do futuro em nossos tempos modemnes, ator Ientados pela discérda 40 mito da greve geral No principio do_século XX, 0 {ilésofo social francés Georges Sorel (1847-1922), 8 sas Refcsogs sur la vlc [Pars 1908), ssfentou que os “Tmovimentos evalua inadethos (como 0 salina) picgnam de una inggem do fui, um Set" a in jem de Sorel, que os trangilize quanto 20 resultado final da Juia Gx gu ie empl,” Ene iio evolve, “observe Sorc prev favatiavelmente o triunfo final da “causa”, " Produto da ime sinacio apocaliptica, © mito do triunfo futuro revélase, de-acordo com Sorel, 0 fator mais poderoso no convencer as pessoas da justeza 20 movimento e, incutindo nelas a erenga na vitéria final, no induzles 4 asia a seu servigo, muitas vees apesar de todos os jufzos individuals fem contréso, Aduzindo exemplos para mostrar o modo com que os mitos do fauro afetam as pessoas ¢ as levam a agit, sem Ihes romper a0 mesino tempo a vida real presente, Sorel secorze, 20 mito cristio primitivo da yolta de Cristo, que trata, segundo se esperava, a destrugio do mundo ‘apio “‘o initio do reino dos santos”. Se a Utopia pressuporta no mito do faturo velo ou nifo a ccorrer (na realidade, jamais ocotzeu) cera iezelevante: foi» sua expectativa que se revelou podeross como {nfluéncia motivadora na vide, nfo s6 dos primeiros crstios, mas dos que, muito mais tende, se vitam apanhados a exaltagio.zcligiosa criada por wm Latero ou um Calvino Nessas circunstincas, diz Soxel, € ocioso e desarrazoado per guntar até que ponte os imitos do fururo podem ser aceitos literal- mente, © importante ¢ essencial é o mito “como meio de atuar sobre ‘© presente”. Isso Jeva Sorel & interpretagéo e avaliagéo do, “mito da geeve geral” como “o mito ein que 0 socialismo esté totalmente com- pitendido, isto €, lum corpo de imagens capazes de evoear todos os fos. que cotrespondem as diferentes menifestacBes da. guerra ida pelo Socialismo contra a sociedade moderna” Um pouco mais adiante, Sorel reformula a idéia © afiems, em arifo: “A greve gerat deve ser tomada como um todo indivito, € a 87 ssagem_do_capitalismo pars_o socialism concebido como uma ca- ‘jo desenvoluimento seria impossivel descrever”.* Sore! remata o seu fivto com uma note igualmente sombyia: “A cocersto da gieve yoru, cigenlnada pela pion de groves violets, aadmite a concepgio de uma derrocada irzevogivel. Ha nisso qualquer coisa que se toma cada vex mais atersadora, } medida que 2 violencia ‘ccupa um lugar eada vez maior no espito do proletariado,..”* jatte;-o2- gostande-setescentar gue o “mito da greve getal” de Sorel é um exemplo neocltssico do, mito da sobie © Pievente, o inatingivel trazido a0 alcance. da__mac imitiea de que a violencia pode produrit « Utopia ia realists e nfo mitica, wm dogma conersto que pudesse ser 4 prova por métodos.comuns de ensaio e ert0, a iowtlidade ve geral Como meio de produzir a Utopi rovada na bimeira vez em que fol tentada e, presumivelmente teria impedido de_uma ver pof todas a sua reinckdéncia, Mas visto que era (c continua sendo) uma imagem mivica, a sua eficécin nfo. é passtvel AE divida sacional, ca greve geral continua a see tentada, ido em vietude do seu comprovado valor pritica, senfo por amor de, sepet 0 tual do conte do mito, cujo valor incomensursvel reside n0 dominio. psicoldgico, Temos para nds que o pedtio de vicléncia de grupo, que pre- valece em nosso tempo num grau com que Sorel jamais teria sonhudo, 46 pode set satisfatoriamente explicado a0 longo dessas linhss. A difusto epidémica do protesto, da violéncia e de outras agdes de grupo, nfo somente nos Estados Unidos (que esté 8 frente do mundo nessa rmanifesagio como em inimeras outtes) mes também em muitas partes do nosso ameagado planeta, aio pode ser expliceda de outta mancira. Nao foi nenhum agravimento real © stibito da situagio global que criou a onda presente de violento protesto por parte da it c; é antes, 0 mitico pressentimento de que, empenhandose “greve geral” quase soreliana, os jovens poderlo apressar © advento da Utopia e, assim, escapar 20 que, de outro modo, receiant estar inevitavelmente destinadas: « escravidio industrial ou intelectual, a Tenta sufocaso numa atmosfera poluida ou, entio, 0 sébito aniqui Jamento.atémico. Citemos Sorel mais uma ver; por mefo dos mitos revohuciondrios existentes em seu tempo, diz ele explicitamente, “é possfvel compre- der a aividade, o sntimemos eas dis mata que se repr tam para entrar na luta decisiva; os mites nio so describes de coisas, 5 TO mito. nfo. pede. set leo. no funda, daira scons. dota vendo ¢ expressig. desses conviggbes na linguager do movimento; e, por ft ode ser anaisade cm. partes colocivels no ‘plano fa ocasifo em que isto fo: escrito (principio de 1971) neshum grupo da juventude rebelde disse com clareza a favor do que esti Jutando, Em compensagio, os mogas tém_proclamado emplamente, seperidamente ¢ clamorosamente covira 0 que estdo protestando. Na mioha opinigo, a anilise anterior fornece a resposta 20 apérente paradox, Os jovens militantes protestam contra © futuro, “© protesto conteao presente tem guerra, 0 Estabelecimenso, as muitas caractcristicas insatist6zias da nossa socilade “isl como é|awualmente consti, ‘exrturae ce posta a funcionar. Por conseguinte, é relativamente fécil expressat tim termos coneteios 0. que eles combatem. A exigencia do hua, ppor outro lado, tem de permanccer forgasamente vaga. Qualquet promunciamento a este respeito estasia fadado a ser ut6pico, exporsein imedistamente a0 ridicule, Trata-se, nfo obstante, de uma exigéncia igorose. Ea exigtncia do mito do foturo, a culo. respeito pousa pode set concreiaincaie conhéeida, a a0 ser que & algo incom iienfe melhor do que o_ presente. Nesse ponto se encoatzam os dois tipos biscos dos nossos mitos do faturo: # Utopia totalmente vaga e amorfa que o joven e rebelde Sepinento da sociedade deseja realizar em seus tenteios patéticos ¢ soa maneina inarvculads; e @ Utopia altamente concretizada, com a Mua hiperttofia de méquines, aparelhos, téenices psicoldgicas e percia parapsicolégic, vertida em ossos lates pela fiogio cientifice em forma mpressa ¢ televised. Q ponte de enconiro std na pripzia orienta rmitica_p spose ew. melon, na crgtca ‘de_ambo: @ Bieséate, que, como o fel bebilénien de stank, fol pesado na balanga c achado etm falta, ede camsinhar para 1 futuro, impiedosamente se necessério, espezinhando com pés nus om Em particular, fot a idéia hegeliana da dilétiea, da ese, da antltese ¢ da sintese, que obcecou Mars, para juem, no entender de Wilson, ela assumiu a forma de ume triade que “era simplesmente a velha Trindade, tirada_da_tcologia cristi, como 8 eristos a haviem tirade de Platad. O mitico © mégico 1 a oie o tame Ggors « faesng anes, representa, om Sembolo de cesteza'¢ poder e cujo significado provavelmente derive da sua corespondéncia com os. rgios sexuais masculines. [...] Sem divida a uma em trés e a txés em uma da Tese, de Antitese © da Sntese exercon sobre os marestas um efeito inrsisvel, que seria Jmpossivel justifear por meio da razio”? Deixando de lado a questio de saber se se justfica a interpre- tagio da dislétics marxista como tardio afloramento de um_arqu twiddico junguiano dessa naturezs, consideremos por um momento o conietido concreto da forma hegcliana original do que Wilson denomina “O Mito da Dialética”* A “Dialética” de Hegel foi wma lei que, n0 seu entender, “operava...” nos processos do... mundo natural e nos de histésia humana”. ‘Tais processos passam por um ciclo de tes fases: (1) 2 tese, processo de alirmasio © unilicagio; (2) « antifese, “pro- cesto que se separa da fese © a nega”; © (3) a sintese, que é uma nova 3 unifiagfo, uma seconligfo de tee e da autitese. E visto que a Uintee € ‘ezmpre umn wcingo em relago 2 fere ~~ pols combina melhores entacterties da fete © da avitese cada sido histveo 'om paso A frente a iste humana O que Mars c Engels fzeram foi atoptianse do principio bege- liano de interpretagio da hiséria © projecélo no faruio, AO Taste, cdaram 0. geinde mio tary se nota, indsfargavei reverberagSes dos antigo mites juicleratos do: fsto Ania ere ora. anion gues fal como exe ao sen tempo; a anftese ex 0 proletatiad, separndo do corpo da Sette min cnn ca ei i vista entre presence e o futuro pata exatimente pelo meio da anere mars Pols embora a sopeqto do. corpo principe da socedade fost. um fendmeno cijasInciplentes maniesagdes cm realmente decerntels ta époce de Mars, este incl também na avdiese a posklo assumica pelo proletaiado contra a soledade burguest, que, ei se tempo, eta Hosomente vina futun evestulidade e,naturlmente, do seu, ponte de vst, um desiderato. Quinto & sntte,encontrse toda no futuro, Nela se’ unem 0 spocalnae-

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