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Perspectiva Historica e Conceptual da Educagao Especial aenanaa 1. Perspectiva Histérica Nao ser4 necessdrio remontar & antiguidade para vermos como as pessoas diferentes foram encaradas ao longo do tempo. Bastard recordar que foram sempre objecto de um tratamento especial, desde serem consideradas como possuidas pelo deménio (Idade Média) ou produtos de transgressées morais (séc. XVII), até serem tratadas como criminosas ou loucas ¢ internadas em hospicios (sécs. XVIII ¢ XIX). A forma como a sociedade ao longo da histé- ria foi encarando as pessoas com deficiéncia est4 intimamente ligada a facto- res econémicos, sociais e culturais de cada época. Podemos, portanto, assumir que existem no campo da educagao aspectos essenciais de natureza societal mais vasta ligados a determinados periodos no tempo ¢ que imprimem & edu- cago especial caracteristicas semelhantes em diversos pa(ses. Baptista (1993)! distingue trés épocas na histéria da educagio especial. A primeira, que se pode considerar a pré-histria da educacao especial, essencialmente asilar. A segunda, de forte cariz assistencial, aliada a algumas preocupagoes educativas, defende que a educagio deveré decorrer em ambientes segregados. Finalmente, a terceira e a mais recente, apresenta uma nova abordagem do conceito ¢ da pritica da educagao especial, caracterizada predominantemente pela preocupacao com a integragao dos deficientes com os seus iguais. Deixando por agora a pré-histéria da educagao especial ¢ remetendo 0 leitor para alguns textos sobre essa tematica, referir-nos-emos sucintamente a evolugao da educagao especial em Portugal a partir do século XX, embora procurando sempre estabelecer um paralelo com o que ia acontecendo nes- tes dom{nios noutros paises”. Nesse sentido, podemos seguir a divisto histé- ' Baptista, R. (1993). Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro. 2 Ryan, J.s Thomas, F, (1981). Mental Handicapped: The historical background. In W. Swann (Ed.), The practice of special education. London: The Open University. Satterland, G, (1981). The origins of special education, In W. Swann (Ed.), The practice of special education, London: The Open University. Kauffman, J. M. (1981). Introduction: Historical trends and contemporary issues in special educa- tion in the United States, In J. M. Kauffman & D. P. Hallahan (Eds.), Handbook of Special Education. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, Inc. 5 rica proposta pelos peritos da OCDE (1984), que dividem em trés fases a organizacio de recursos para criangas ¢ jovens com deficiéncia em Portugal. A primeira cobre a segunda metade do século XIX, quando as primeiras instituigées para cegos e surdos — asilos — foram criadas, geralmente de ini- ciativa privada e com fundos préprios e com muito pouco financiamento por parte do Estado. A segunda vamos encontré-la ja nos anos 60 ¢ é caracterizada por uma forte intervencao de natureza publica, liderada pelo Ministério dos Assuntos Sociais. Este perfodo caracterizou-se pela criagao de centros de educagao especial e centros de observagiio também pela realizagio dos primeiros pro- gramas de formagao especializada de professores, fora do ambito do Ministério de Educagio. A terceira fase, com inicio nos anos 70, foi predominantemente lide- rada pelo Ministério da Educagio que vai criar as Divisées de Ensino Especial dos Ensinos Bésico e Secundario, abrindo assim caminho para a integracdo escolar. As Equipas de Educagao Especial, implementadas em 1975/76, foram a primeira medida pritica que veio a permitir 0 apoio a criangas com defi- ciéncias — inicialmente com deficiéncias motoras e sensoriais e, mais tarde, com deficiéncias mentais — que permancciam integradas nas escolas regula- res. Porém, estas equipas sé vicram a ser legalmente reconhecidas em 1988, mais de dez anos depois da sua criagao!4 E ainda de referir outra iniciativa, da DGEBS/ME, nos finais dos anos 70, a ctiagdo dos Servigos de Apoio as Dificuldades de Aprendizagem (SADA).5 Estes servigos, mais dirigidos para as dificuldades de aprendiza- gem, foram uma iniciativa igualmente importante ¢, & data, inovadora. Sobressafam, aqui, as primeiras tentativas de perspectivar a orientagio edu- 3 Ferro, Ni Vislie, L. (1984). Projecto de relatério dos perites extrangeiros sobre educagio dos jovens deficientes em Portugal. OCDE, SNR. Lisboa, policopiado. * Despacho Conjunto 36/SEAM/SERE/88 (Dirio da Repiblica, II Sétie) 5 SNR (1985). Sistema de Educagéo Especial em Portugal. Lisboa: Secretariado Nacional de Reabilicagao. © Bairrao, 5 Pinto, I. M.; et al. (1985). Uma experiéncia psicopedagégica no ensino primétio. Cadernos de consulta psicolégica, 1, 103-110. 16 cativa junto dos professores de turma ¢ de apoio a escola, ¢ nao tanto do apoio directo ¢ centrado no aluno. Por outro lado, assumiam ja uma perspectiva interdisciplinar, inte- grando psicélogos, para além de docentes. Razées de ordem organizativa do sistema levaram a que estes servicos fossem considerados uma sobreposigao das Equipas de Educaco Especial e em 19887 os SADA/UOE sio extintos, sem que se procedesse & avaliacao dos seus efeitos € potencialidades. Estas diferentes fases descrevem nas suas grandes linhas o desenvolvi- mento das estruturas organizacionais para os deficientes ao longo do tempo em Portugal. Podemos de modo conciso enuncid-las da seguinte forma: da perspectiva assistencial e de proteccao a educagao, da iniciativa privada a publica, da segregacio & integracao. Encontramos esta evolugao das estrutu- ras organizacionais na maioria dos pafses do mundo ocidental, embora a intervencao publica em Portugal surja mais tardiamente, de uma forma mais Jenta e com muito menos recursos. Em Portugal sé no século XIX estas criangas comegaram a ser objecto de alguma forma mais organizada de ensino, ainda que claramente segregado, € 86 quase nos finais do século XX comecaram a beneficiar de uma educagao com 08 seus iguais nas escolas de ensino regular. O movimento de integracao deu-se em primeiro lugar nos paises nérdi- cos, Suécia, Dinamarca e Noruega, onde se foi progressivamente implan- tando desde os anos 60. Noutros paises, como a Itdlia, a integraco fez-se de forma radical a par- tir dos anos 70 e 80, enquanto na Holanda e Alemanha se foi caminhando lentamente para a integracéo, mantendo porém estruturas segregadas, embora de grande qualidade. Tal como na Europa, a evolugéo dos conceitos ¢ dos recursos para ctiangas deficientes teve nos Estados Unidos da América um percurso par: digmatico. E extraordinariamente interessante a mudanga nas atitudes e nas praticas em educagio especial ai verificada. Caldwell (1973), citado por 7 Desp. 33/SERE/88 (Didtio da Reptblica, II Série) 17 Shonkoff & Meisels (1990), distingue trés periodos histéricos nesta evolu- cao. O primeiro, que se situa no inicio deste século e que prolonga a tradi- ao asilar e segregativa do século XIX, € intitulado “o petiodo dos esquecidos ¢ escondidos”, Nesta época, as criangas deficientes eram mantidas longe da vista do ptiblico, provavelmente pelo facto de as familias se sentirem mal com a discriminagao de que eram alvo. Sao fortes as criticas ¢ a segregacao que a sociedade em geral reserva aos néo normais. O segundo perfodo, que Caldwell denominou como “o perfodo de des- piste e de segregacdo”, € um perfodo que corresponde aos anos 50 ¢ 60 em que varios movimentos confluem tornando-o um perfodo dificil para a inte- gragao dos deficientes na escola e na sociedade. E 0 periodo do apogeu das técnicas psicométricas, do modelo médico-diagnéstico que conduz sobre- tudo & preocupagio em classificar e diagnosticar, em ver de educar os alunos. Neste periodo as criangas com incapacidades ou deficiéncias eram clas- sificadas através de diagnésticos complexos para serem de novo segregadas em recursos educativos especiais ou terapéuticos. A comunidade cientifica do tempo pensava que prestava um melhor ser- vigo as criangas, educando-as conjuntamente com outras criangas deficien- tes, protegendo-as, assim, dos normais. Segregadas, elas seriam educadas de forma controlada, sendo objecto de diferentes cuidados médicos, psicolé- gicos ¢ sociais. Fazia ainda parte dessa crenga que tais criangas, utilizando os recursos pedagégicos normais, nao sé nao poderiam funcionar autonoma- mente como poderiam até prejudicar as criancas normais. Contribufram também para esta visio segregada da educagao a crenga na fixidez dos crité- rios psicométricos, a concepgao da deficiéncia como doenga ¢ os limites das estratégias e técnicas pedagégicas ao tempo disponiveis.” Chegamos finalmente ao terceiro perfodo, denominado “identificagao e ajuda”, Este perfodo inicia-se nos primérdios dos anos 70 ¢ esté na base da *® Shonkoff, J. P. & Meisels, S. J. (1990). Early childhood intervention: The evolution of concepts. In S. J. Meisels & J. P. Shonkoff (Eds.), Handbook of carly childhood intervention. Cambridge: ‘Cambridge University Press. ° Em Portugal este segundo perfodo, que corresponde & grande fase da segregaco, ficou muito arreigado nas mentes e por veres parcce nfo ter sido ultrapassado definitivamente. Isto deve-s, talver, & predomindncia do modelo médico de diagnéstico, & evolugio tardia de uma psicologia nfo exclusivamente psicoméesica e 20 tardio aparecimento de um ensino compativel para tais casos a0 nivel das cigncias da educagio. 18 “tevolugao silenciosa” da lei americana 94-142 de 1975. Tal lei veicula direi- tos iguais para todos os cidadaos em matéria de educagao. Esta legislagao, mais evolufda do que a anterior, vai ter repercussées no mundo inteiro. Mas quais foram os aspectos mais salientes desta viragem? Do ponto de vista politico ¢ social, © novo paradigma em educagao assenta na concep¢ao de que todos os cidadaos, mesmo os deficientes, tem ‘os mesmos direitos ¢ que portanto deverao frequentar um ensino universal € gratuito adaptado as suas necessidades. Do ponto de vista cientifico, neste tiltimo perfodo, é muito contestado © papel exclusivo do diagnéstico médico e psicolégico para o ensino e recu- perago dos deficientes, pasando a valorizar-se a educacio como forma de mudanga ea integragio como forma de normalizacao. Este perfodo foi pois marcado por grandes esforgos para realizar o des- piste destas criangas de uma forma justa ¢ nao estigmatizante, por ligar 0 diagnéstico a intervengio ¢ pelo actuar mais precocemente posstvel junto das criangas e familias. Iniciando-se bem cedo a intervengao, poder-se-ia atenuar € nao agravar os défices que as criangas apresentavam. Mas € sobretudo nos finais dos anos 80 que a maioria destas metas so atingidas nos EUA. Pretendia-se, pois, atender todas as criangas que apre- sentassem necessidades educativas especiais, em colaboragio com os pais, com 0 objectivo de desenvolverem ao méximo as suas potencialidades num meio 0 menos restritivo possivel. Do mesmo modo, tentava impedir-se que as situagGes incapacitantes sc instalassem definitivamente, 0 que tornaria a reabilitacio complexa e dispendiosa. Fechava-se, assim, um ciclo que ia da ptevengao primdria 4 secundaria e & tercidria.'° 1 Ver a nova lei americana: Public Law 99-457. The Education of the Handicapped Act Amendment of 1996. ce 2. A Evolugao dos Conceitos em Educagao Especial — da Segregacao a Integracao Como ja referimos, 0 conceito de educagao especial est4 ancorado em nogoes de diferenca, dependéncia e protecgao, daf que os alunos com carac- terfsticas diferentes passassem a ser ensinados em escolas especiais © com “métodos especiais”. Como crenga que é, liga-se a um complexo mundo representacional que passa a regular estas diferencas, institucionalizando-as. Assim, estas pessoas “diferentes” passam ou continuam a ser ensinadas num “ensino paralelo”, em tudo semelhante ao outro, mas em lugares “dife- rentes”. Para que as coisas mudem em educagio seré, pois, necessdrio que existam mudangas nas representagdes, e que a prdpria sociedade encare de outro modo a pessoa “diferente”, no ensino, no emprego e na sociedade. Nao admira que a primeira fase de integragio nos EUA, nos anos 50, tenha sido a integragao de criangas normais de raga negra no sistema regular de ensino.!! Quanto aos deficientes, esses, terdo de esperar por outros movimentcs importantes da sociedade americana como, por exemplo, o fim da guerra do Vietname, os movimentos feministas, a luta pela integragdo das minorias, 0 ensino compensatério, para que a sua integragio seja considerada um direito. E, pois, sé por volta dos finais dos anos 70, mais precisamente em 1975, que surge a PL 94/142, propondo o ensino das criangas deficientes com os seus pares, de forma universal ¢ gratuita. A Lei americana vai apresentar quatro componentes principais do ensino integrado:!” 11 Ver sobre este assunto:; Wang, M. C. (1989). Implementing the state of the art and integration mandates of PL 94-142. In J. J. Gallagher, P. L. Trohanis & R. M. Clifford (Eds.), Policy impl- mentation & PL 99-457. Baltimore: P. H. Brookes. 12 Sobre este assunto veja-se: Gallagher, J. J.s Teohanis, P. L. et al. Eds. (1989). Planning for young children with special needs. Baltimore: P. H. Brookes; e Wood, J. W. (1993). Mainstreaming: a practical approach for teachers. New York: Maxwell MacMillan International e3) © o dircito a uma educacio piiblica adequada, por outras palavras, um ensino adequado para todos; © odireito a uma avaliacao justa ¢ nao discriminatéria, 0 que implica a existéncia de instrumentos de avaliagio adequados sob o ponto de vista linguistico, cultural e psicométricos © 0 direito dos pais de recorrer 4 autoridade judicial quando as reco- mendagées da integragao nao forem observadas; * o estabelecimento de um Plano Educativo Individual. Embora noutro contexto histérico, social e politico, surge, em 1978, no Reino Unido, 0 Warnock Report! com um racional semelhante, introdu- zindo 0 conceito de necessidades educativas especiais. Este documento vai influenciar também decisivamente a educacao especial. Podemos salientar, deste modo, as suas principa dominio cientifico, quer no dominio da intervengao: Ppropostas, quer no i) Um modelo conceptual, no ambito da educagao especial, que encara a deficiéncia como um “continuo” de necessidades especiais de edu- cacéo, abolindo, assim, as caracteristicas diagnésticas enraizadas num modelo médico tradicional. Uma nova metodologia na identificagio ¢ avaliagio das criangas com necessidades educativas especiais, exigindo uma descrigao deta- thada dessas necessidades. iii) A atribuigao de deveres as autoridades de educagao no que se refere as criangas com necessidades educativas especiais, tendo em conta que essas criangas e jovens tém os mesmos direitos que os seus pares nao deficientes. iv) O direito dos pais ao desempenho de um papel activo na avaliagio, na tomada de decises e na concretizagio das medidas educativas para os seus filhos. 13 Warnock, H. M. (1978). Special education needs: Report of the comnittee of enquire into the education of handicapped children and young people. London: Her Majesty’ Stationery Office, 22 No Warnock Report ¢ na legislacdo posterior (Education Act, 1981) destacam-se ainda trés grandes prioridades: a) a educagao de criangas com necessidades educativas especiais de idade inferior a 5 anos; b) a educagao ¢ o aumento da taxa de cobertura para jovens com mais de 16 anos; ©) a implementagéo de novos programas de formacio de. prafessores, quer regulares, quer especializados. Mas em que consiste este novo conceito de necessi iais? ciais? lades educativas espe- Segundo Wedell (1983)"4, 0 Warnock Report e o White Paper assumem que a tarefa principal da educacdo especial é a de identificar as necessidades educativas especiais das criangas. Ao utilizar-se a expresso necessidades edu- cativas especiais, nao se pretende que esta exclua 0 conceito de deficiéncia. O Warnock Report, num dos seus apéndices, propde mesmo um quadro para a recolha de dados sobre © numero de criangas que sfio portadoras das cate- gorias mais importantes de deficiéncia. O que o uso deste termo pressupée é uma mudanca de enfoque na andlise da problematica da crianga passando-se a privilegiar a vertente educacional. Assim, ¢ ainda segundo Wedell, o termo necessidades educativas espe- ciais refere-se ao desfasamento entre 0 nivel de comportamento ou de reali- zagio da crianga ¢ 0 que dela se espera em fungao da sua idade cronolégica. Por exemplo, para uma crianga em idade pré-escolar as nossas expectativas basciam-se predominantemente na sequéncia normal do desenvolvimento em dreas como 0 desenvolvimento motor, linguistico ou a autonomia. Relativamente as criancas em idade escolar, as nossas expectativas cém como referéncia os objectivos cutriculares. Tais objectivos implicam uma vasta gama de aquisigGes escolares, a compreensio de situages de um deter- minado tipo de comportamentos que a sociedade geralmente espera encon- trar nestas idades e que vio sendo gradualmente mais complexes. Daf que a 14 Wedell, K. (1983). Conceitos de necessidades especificas de educagio. In Gadernos do COOMP, 718, 19-26. 23 avaliagao de eventuais desfasamentos de uma crianga deva tomar como refe- réncia a formulagao de expectativas relacionadas com a idade. Esta concep- 40, apesar de apresentar enormes vantagens, coloca, no entanto, dois pro- blemas que tém sido frequentemente objecto de critica e fonte de controvér- sia. Por um lado, verifica-se que para muitas reas curriculares nem sempre existem objectivos bem precisos. Por outro lado, pde-se ainda a questo de saber se os contetidos curriculares para as criangas com necessidades educa- tivas especiais devem ou nao ser os mesmos dos das outras criangas (Wedell, 1987). Muitas das dificuldades que os professores encontram para manejar este conceito tém a ver com o facto de frequentemente nao possuirem informa- 40 pragmitica e sélida em matéria de psicologia da educacéo ¢ em educagio em geral. E frequente nao conhecerem aprofundadamente 0 curriculo que ensinam, terem dificuldades em atingir objectivos ¢ metas diferenciadas para © estratégias adequadas e também nao estarem habituados a avaliar de uma forma precisa os progressos a nivel do ensino/aprendizagem. os seus alunos, nao utilizarem materiais Quando surgem situagdes em que a formagao de professores € insufi- ciente e/ou nado existem condig6es reais para um bom exercicio da profissao, € comum considerar-se muito dificil o ensino integrado dos alunos com necessidades educativas especiais. ‘Vimos j que uma das dimensées do conceito de necessidades educati- vas especiais tem a ver com o desenvolvimento da crianga ¢ a necessiria ade- quacéo curricular. Um outro aspecto tem a ver com 0 acess ao curriculo, pois esta definiggo nao faz apelo as categorias habituais de deficiéncia, mas sim ao modo como o programa deve adaptar-se as diferentes caracterfsticas dos alunos. Assim, 0 Warnock Report refere trés categorias de necessidades educati- vas especiais: * A necessidade de se encontrarem meios especificos de acesso ao cur- riculo — Este tipo de necessidade aplica-se, fundamentalmente, a criangas com problemas sensotiais e que necessitam de ajuda no campo da comunicagao ¢ da expressiio © a criangas/alunos com problemas motores que necessitam de ajuda no sentido mais vasto do termo. 24 © A necessidade de ser facultado a determinadas criangas/alunos um curriculo especial ou modificado — Isto aplica-se, por exemplo, a ctiangas com graves dificuldades de aprendizagem que necessitam de um suporte para aprender determinadas dreas curriculares que outras criangas atingem sem nenhuma forma de ajuda, Incluem-se aqui estratégias que visam tornar mais ficil a tarefa, dividindo-a em par- tes mais simples de forma a que os objectivos de ensino sejam alcan- gados eficazmente. © A necessidade de dar uma particular atengao ao ambiente educative em que decorre o processo de ensino/aprendizagem — Isto diz res- peito, sobretudo, a esforgos para criar ambientes que atenuem as pressdes que as criangas ¢ os alunos, emocionalmente mais vulner4- veis, néo conseguem suportar (Wedell, 1983). Decorrente desta problemdtica levanta-se uma outra questo que tem estado na origem de grande controvérsia c sobre a qual merece a pena reflec- tir, Esta questo tem a ver com a confusao entre os conceitos de necessida- des educativas especiais ¢ de deficiéncia. Com a utilizagao mais generalizada da expressao necessidades educativas especiais, muitos técnicos questionam: entio as deficiéncias desapareceram? Ja nao existem criangas deficientes? Haverd sé criangas com necessidades educativas especiais? As caracterizagées médicas ¢ psicolégicas deixaram de ter utilidade? Do nosso ponto de vista, trata-se de um assunto importante que entre nds tem sido um obstéculo a uma adequada conceptualizagao nesta matéria. No proprio Warnock Report verificamos que as categorias de deficiéncia sio mantidas para efeitos de recolha de dados ¢ quando se torna necessario deter- minar e organizar a prestagao de servicos. Porém, estas categorias deixam de ter utilidade quando se pretende orientar educacionalmente as criangas ou os alunos tendo em vista a claboragéo de programas educativos. Nestes casos, torna-se necessdrio definir e identificar as necessidades educativas especiais da crianga e nao rotuld-la ou classificé-la, devido & irrelevancia de que tal proce- dimento se reveste para o seu ensino. No entanto, tais categorias continuam a ser importantes em termos cientificos ¢ nomeadamente epidemiolégico: 25 3. Da Sinalizagao 4 Intervengao com Criangas com Necessidades Educativas Especiais Do despiste & intervengao com criangas com NEE decorre todo um per- curso que implica um conjunto de medidas e de tomadas de decisio sobre as quais importa reflectir, pois a sua nao clarificagdo tem consequéncias graves a nivel das atitudes dos técnicos, das autoridades da administragio ¢ sobre- tudo a nivel das criangas e dos pais. Debrucemo-nos sobre um fluxograma que contenha os elementos do pro- cesso de avaliagao e de intervengao (Simeonsson e Bailey, 1988)!°, para nos apercebermos das varias fases do processo e das tomadas de decisdo que implica. Figura 1 Elementos do Processo de Avaliagao Sinalizagao de Resultados negatives: problemas (ex. atraso | —> Despiste — | o desenvolvimento |_ de desenvolvimento) normal | Resultados positives confirmagao dos proble~ mas de desenvolvimento| | ‘Avaliagio posterior {ex. observacao psicolégica, relatérios) = Avaliagio dos resultados e tomada de decisio Confirmar Documentar o nivel Definir a intervengio diagnéstico desenvolvimental ou tratamento (Adaptado de Simeonsson ¢ Bayley, 1988) Simeonsson, R. J.; Bayley, D. B. (1988). Essential elements of the assessment process. In T. D, Wachs 8 R. Shechan (Eds.), Avessment of young developmentally disabled children. New York: Plenum Press. 27 Quem sio as criangas que necessitam de ser identificadas, sinalizadas ou enviadas para estruturas mais complexas de avaliagao a fim de beneficiarem de um programa educativo especifico? Em nosso entender, sao de dois tipos: criangas muito pequenas, entre os 0 cos 3 anos, que exigem uma metodologia especifica, criangas e alunos de idade pré-escolar ou escolar. Brown e Brown (1993)'° propdem que, para as criangas de idades mais precoces, além das condigées de incapacidades, esta- belecidas ou adquiridas ¢ dos atrasos de desenvolvimento, se considerem tam- bém as condigées de risco. Este ultimo grupo inclui aquelas criangas que devido a alteragées de natureza biolégica, social ou psicolégica menos acen- tuadas poderao vir a actualizar ou a agravar situagdes que comprometam o seu desenvolvimento. Mas 0 que se deverd fazer no caso de situagées estabelecidas ou adquiridas? Nestas situagéies, a partir da presenga de alteragées biomédicas confirmadas de natureza genética, metabélica ou fisiolégica, inatas ou congénitas, que originam situagGes deficitantes, as criangas deverdo ser encaminbadas 0 mais rapidamente possfvel para servicos de intervengao precoce. No caso dos atrasos de desenvol- vimento ou das criangas ditas em tisco (estas tiltimas so, sobretudo, situagées menos graves do ponto de vista biomédico, psicoldgico e social) as equipas tera0 de decidir qual o atendimento precoce mais relevante para estes casos. Na avaliagio de criangas dever-se-d ter em conta, para além de critérios bio- médicos de diagnéstico ¢ caracterizagao, os resultados obtidos num conjunto de instrumentos ou técnicas avaliativas de comportamentos. Dentro destas tilti- mas, utilizam-se geralmente escalas de desenvolvimento infantil (referenciadas a normas) bem como outros instrumentos ou técnicas de obscrvagao ¢ registo. Como facilmente se conclui, 0 percurso que vai do despiste & intervengao exige, como € ébvio, a existéncia de equipas pluridisciplinares ¢ a participacao dos pais, quer para a claboraggo de um Plano Individualizado de Servicos para a Crianga e Familia, quer para a intervengdo com a crianga. '6 Brown, W. & Brown, C. (1993) Defining eligibility for carly intervention. In S. K. Thurman & L. Pearl (Eds.) Family-centered early intervention with infants and toddlers; innovative evoss-diseiplinary approach, Baltimore; P. H. Brookes. 17 Sobre este assunto veja-se: Barto, J. (1994). A perspectiva ecolégica na avaliago de criangas com nevessida- des cducativasespociais¢ suas familias: © caso de intervensio precoce, Inowapto, 7, 37-48; e, Gallaghes, J. Js ‘Trohanis, PL. & Cliford, R. N. (Eds), (1989). Policy implementation &-PL 99-957. Baltimore: BH. Brookes. 28 Para as criangas ou alunos de idade escolar, o problema pée-se nos mesmos ter- mos, variando apenas os instrumentos a utilizar e o nimero ¢ tipo de técnicos que intervém. Neste grupo ctdrio hd também a necessidade de existirem equipas pluri- disciplinares que fagam um primeiro diagnéstico para despiste e avaliacdo, do qual resultaré um Plano Individualizado de Ensino. Uma equipa menos alargada exe- cutaré 0 plano de intervengo na escola ou noutro local, mas sempre dentro de um espirito pluridisciplinar e nao dispensando 0 professor regular da crianga. Simeonsson (1994)! apresenta-nos uma distingao, dentro do vasto leque dos problemas da crianga, que tem fortes implicagdes no que vimos dizendo. Para este autor pode ser titil distinguir entre problemas de baixa frequéncia e alta intensidade versus problemas de alta frequéncia e baixa intensidade. Os primeiros (de baixa frequéncia/alta intensidade) sao aqueles que tém altas probabilidades de possuirem uma etiologia biolégica, inata ou congénita ¢ que foram (ou deveriam ser) detectados precocemente, exigindo um tratamento significative e servigos de reabilitag4o. Sao casos tipicos dessas situagées as alteragées senso- riais, tais como a cegueira ¢ a surdez, 0 autismo, etc. A prevengao primaria des- tas alteragdes tem uma dupla dimensao, a médica ¢ a educacional. Através da primeira devem promover-se medidas de natureza biomédica, como 0 aconse- Ihamento genético, a melhoria dos cuidados pré-natais, 0 controlo de casos de gravider ¢ de parto de alto risco, me las estas que, a serem aplicadas como deve ser, diminuirio o nvimero de criangas com alteragdes. Do ponto de vista educacional, a prevengdo consistir4 em atender as criangas com situagdes de défices j4 adquiridos, através de programas de intervengao precoce. lade escolar, sao os cas recursos € m: Se passarmos agora & 10s de baixa frequéncia ¢ de alta intensidade aqueles que exigem mais jos adicionais para apoiar as idades educativas. S40, como sabemos, os casos de deficiéncias senso- riais, motoras, autismo, etc. que, felizmente, tém uma prevaléncia baixa, mas que séo muito exigentes em recursos humanos e materiais. sua nece: Vejamos agora os problemas de alta frequéncia e de baixa intensidade. ‘Como sabemos, so aqueles casos de criancas com problemas de satide, de apren- dizagem, de comportamento ¢ de socializacao (as ditas criangas em risco atrds referidas) que irao ter problemas de aprendizagem se nao forem devidamente atendidas. E este o grande grupo que aflige a escola ¢ a que esta geralmente res- 18 Simeonsson, R. J. (1994). Toward an epidemiology of developmental, educational, and social problems of childhood. In R. J. Simeonsson (Ed), Risk, resilience & prevention. Promoting the well- being of all children. Baltimore, P. H. Brookes. 29 ponde com medidas de educacao especial; no entanto, estes casos relevam sobre tudo de uma educagao de qualidade ¢ diversificada e nao de educagao especial. Sio estas as criangas cujos problemas poderao ser atenuados gracas & pre- vengao primdria, quer através da intervengao precoce, quer através da educa- cao pré-escolar. No entanto, nas sociedades modernas esta “nova morbilidade” pode agravar-se muito, em virtude de problemas sociais, familiares, etc. Sao estes casos que a nivel pré-escolar irdo inquietar os educadores com os proble- mas de linguagem, de atengio ¢ que geralmente vivem em meios cuja sociali- zagio € inconsistente ou pobre. Sao, finalmente, estes alunos que estarao numa cadeia de risco escolar, que vai desde o insucesso escolar ao abandono ¢ que por sua vez, poderd levar ao desemprego, 2 delinquéncia e & criminalidade. Entre nés, sao estas as criangas que se encontram nos nossos jardins de infancia e no nosso ensino bdsico em grande ntimero, como se mostra no presente relatério. Nao havendo praticamente intervengo precoce entre nés, ¢ somente metade da populagio frequentando a educacao pré-escolar, 0s pro- blemas acompanhario estas criangas no ensino basico, pondo-as em risco.!? Na figura 2 apresenta-se o esquema de Simeonsson (1994) acerca dos problemas das criancas em fungao da sua intensidade e frequéncia. Figura 2 Esquema de Simeonsson FREQUENCIA ALTA BAIXA us DEFICIENCIA VISUAL ue AUTISMO oe DEFICIENCIA AUDITIVA BOA DEFICIENCIA MENTAL (GRAVE) N ETC. s 1 B_| PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM. Dp. A__| PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO INSUCESSO ESCOLAR A 1 | pRoGA DX _| CRIMINALIDADE BE A [ETC (Adaptado de Simeonsson, R. J.; 1994) 19 Veiga, M. E. (1995). Intervencdo precoce ¢ avaliagiio: Estudo introdutdrio. Porto: O Fio de Ariana; Bairrdo, J.; Leal, Ts Abreu-Lima, I.; Morgado, R. (1998). Desenvolvimento do Sistema Educative Portugués: Educagto Pré-Escolar. M.E.ID.A.PP (No prelo). 30 Como se pode concluir, para um atendimento correcto e para uma orga- nizagéo correcta de servigos ¢ de recursos ¢ no seguimento do que dissemos atrés, os problemas de Laixa frequéncialalta intensidade e os de alta frequén- cia/baixa intensidade poem problemas de sinalizagao, rastreio, avaliagio ¢ organizagao diferentes. Os primeiros exigem que exista uma articulagao ¢ uma colaboragio estreita entre servigos de saiide, seguranga social e de edu- cacao. Os segundos deverdo também organizar-se de forma articulada com a satide ¢ a seguranca social, mas é predominantemente a nivel das de educagao que os recursos deverao ser organizados de modo a funcionarem eficazmente. Todos sao de natureza pluridisciplinar e deverao funcionar a dois niveis: avaliacao e intervengao. truturas Entre nés, a legislagao sobre estes temas é limitada e, infelizmente, nem sempre € cumprida, De um modo geral, as avaliagées nao sio controladas por lei, podendo existir algumas que sao discriminatérias, impostas ¢ lesivas para os utentes. Existem, no entanto (embora sejam cada vez menos frequentes), alguns servicos que ainda possuem recursos multidisciplinares cuja prdtica avalia- tiva-interventiva tem algo semelhante com o que se passa no Reino Unido ou nos EUA. Também do ponto de vista técnico, a maior parte das acgées do tipo “despiste” ou orientagao nem sempre sao pluridisciplinares, nem existe uma estreita articulago entre as entidades que procederam & avaliagao eas entidades que vao realizar a intervengao. As articulagdes entre servigos so praticamente inexistentes. a 4, Integracgao, um Conceito Discriminatério. A Caminho de uma Escola Inclusiva Como vimos, 0 conceito de necessidades educativas especiais conduziu a. uma mudanga de enfoque no proceso de abordagem da problematica das ctiangas e dos alunos que se tornou paradigmatico nos anos 70 ¢ 80. Portugal, apesar de ndo se assumir predominantemente numa linha de integracao plena, nem possuir recursos suficientemente preparados para 0 atendimento de alunos com necessidades educativas especiais dentro desta modalidade, optou também por seguir esta moda. As tendéncias integrativas sao jd visiveis na Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, mas é no Dec.- -Lei 319/91 que elas aparecem explicitadas. Esta tiltima legislagao esta muito influenciada quer pela lei americana, quer pela lei inglesa.?° iva — “local Vejamos agora, quando se aponta para uma escola inclus onde todos 0s alunos aprendem juntos, sempre que possivel, independente- mente das dificuldades e diferengas que apresentem” (Declaracio de Salamanca, 1994), algumas criticas ao modelo de integragao proposto pela PL 94-142 nos Estados Unidos em 1975, e pelo Warnock Report de 1978. Como refere Bayliss (1995), a integracdo ¢ um processo e nao um estado, proceso esse que € caracterizado pela diversidade, podendo ser enca- rado através de diferentes perspectivas: legal, social, pessoal ¢ curricular. Este autor recorre a Bricker para distinguir trés dimensées na integracao: sécio-ética, juridico-legislativa, psicolégica-educacional. 20 Veja-se Pires, E. L. (1987), Lei de Bases do Sistema Educativo: Apresentagio e comentdrios. Porto: Edicées ASA; e M.E. (1992), Guia de leitura do Dec.-Lei 319/91. Lisboa: DGEBS. 1 UNESCO (1994). Declaragto de Salamanca ¢ enquadramento da acpito na drea das necessidades edu- cativas especiait, Salamanca, Espanha, 7-10 de Junho. 22 Bayliss, P. (1995). Integration, segregation and inclusion: Frameworks and rationales, Porto, Comunicacéo apresentada no Semindrio Internacional Brasmus: A Educagao Especial no século XXI, 7-8 de Abril 33 A dimensio sécio-ética bascia a necessidade de integragao em argumen- tos humanistas que tém a ver com a igualdade de oportunidades e de direi- tos que deverd ser proporcionada & pessoa com deficiéncia e que ter4 como consequéncia uma mudanga de atitudes na sociedade em geral. A integragio conduziria assim a pessoa com necessidades educativas especiais a atingir uma igualdade de estatuto relativamente aos outros membros da comuni- dade, 0 que de facto nao se verifica. E esta mudanga de atitudes no que diz respeito & crianga deficiente que este discurso ético-moral parece, por si s6, nio conseguir alcangar. A dimensao juridico-legislativa, que radica na anterior, vai operacionali- zar do ponto de vista legal o direito & educacao da crianga com necessidades educativas especiais no meio 0 menos restritivo possivel. Finalmente, a dimensao psicolégica-educacional assenta nas qualidades potencialmence estimulantes da integracao pelo facto de a interaccio da crianga com necessidades cducativas especiais com os seus pares proporcio- nar um meio mais rico e exigente, ajudando-a, assim, a desenvolver ao maximo o seu potencial. A verdade é que apesar de todos os argumentos existentes aos diferentes niveis favoraveis & integragio, esta tem sido um processo dificil ¢ lento que ainda esté longe de estar conclufdo. Para Bayliss, levantam-se hoje novas questées relacionadas com uma mentalidade consumista crescente que pretende avaliar a integragao em ter- mos de custos-beneficio, colocando 0 enfoque nos resultados, quer em termos de criangas com necessidades educativas especiais, quer das outras criancas. Se h4 argumentos a favor da integragéo da crianga com necessidades educativas especiais, 0 que se passar4 com a crianga normal? Serd que esta é prejudicada com a situacdo de integragio? De um modo geral, no ha dados cientificos que revelem piores resulta- dos académicos nas criangas normais pelo facto de estarem a ser cducadas com 05 seus iguais com necessidad. s educativas especiais. Podemos até pensar que o facto de os professores serem obrigados a ter em conta as dificuldades de determinados alunos, os vai obrigar a preocupa- rem-se com a melhoria da aprendizagem de todos. 34 Um outro aspecto que a investigacao revelou foi o ganho dos alunos normai educados com os seus iguais com problemas. Os alunos normais adquiriram, assim, mais competéncias em termos de capacidade de coopera- cao, interajuda ¢ compreensio em geral do “outro”. Outros autores, como Hallahan e Kaufman (1991), salientam a analo- gia existente entre a situagio de ensino integrado ¢ 0 ensino multicultural. Hoje, como todos sabem, a educacao multicultural € decisiva em educagao tendo em vista a sociedade em que vivemos. Do mesmo modo que a educagéo multicultural é indispensével para a boa compreensio da diversidade cultural na escola, a compreensio da mul- ticultura. da excepcionalidade € também indispensdvel no mundo de hoje. 23, 24 Ultrapassado este problema, passaremos agora a reflectir & luz do recente conceito de escola inclusiva sobre os aspectos restritivos que 0 conceito de necessidades educativas especiais encerra, apesar do avanco que, sem dtivida, representou para a crianga deficiente, num passado também recente. Este aspecto discriminatorio sente-se, quer ao nivel de préprio conceito, quer ao nivel do seu suporte juridico-legislativo, tal como se traduz nas duas vers6es legais mais conhecidas: a PL 94-142 de 1975, nos EUA, eo Warnock Report de 1978, no Reino Unido. Comegando pela lei americana, verifica-se que propie que todas as criangas, a partir dos seis anos, tenham dircito a “uma educagao ptiblica que responda as suas dificuldades educativas, sociais e pessoais, num meio 0 menos restritivo possivel”. A expresso “menos restritivo possivel” vai, por si s6, permitir a existéncia de um limite juridico-legislativo ¢ nao ¢ por acaso que, segundo Wood (1993), em 1988/89 nos Estados Unidos, apenas 69.5% das criangas e jovens com necessidades educativas especiais, entre os seis € os 21 anos, estavam integradas numa escola regular. Note-se ainda que 39% dessas 69.5% frequentavam sala de apoio. 23 Hallahan ¢ Kaufman (1991). Op. cit., pgs. 66 e 67. 4 Veja-se, ainda, sobre este assunto: Buiysse, V5 Bailey, D. B. (1993). Behavioral and developmental outcomes in young children wich disabilities in integrated and segregated settings: A review of compa- tative studies. The Journal of Special Education, 4, 434-461. 35 Este limite juridico-legislativo é ainda mais visfvel no Warnock Report (1978), nomeadamente, no continuo segregacao/integragao que este nos propée. Recordemos as modalidades de atendimento, no sentido do mais inte- grado para o menos integrado (Warnock, 1978, 6.11): i) ii) iii) iv) v) vi) vii) viii) ix) x) ensino a tempo inteiro numa classe regular; ensino a tempo intciro numa classe regular com acces de apoio ou aconselhamento; ensino em classe regular, com perfodes de frequéncia de classe de apoio e participagéo na vida da comunidade e nas actividades extra- -escolares da classe regular; ensino a tempo parcial numa classe regular e frequéncia de classe especials ensino a tempo total numa classe especial, com contactos sociais com a escola regular vizinha; educagao a tempo inteiro numa escola especial, em regime de exter- nato, com contactos sociais com uma escola regular; educagao a tempo inteiro numa escola especial, em regime de inter- nato, com contactos sociais com uma escola regular; ensino a curto prazo, em hospitais ¢ outros estabelecimentos; ensino a longo prazo, em hospitais ¢ outros estabelecimentos; ensino domicilidrio. Se reflectirmos agora acerca desse “construto polar”, segregacao-integra- sao, como Ihe chamou Bayliss, verificamos que, por exemplo, no Reino Unido ainda em muitos casos, em vez de se organizarem os contextos educa- tivos, dotando-os de meios necessdrios para o ensino/aprendizagem, reco- menda-se o ensino segregado. Na realidade, a legislacio propde que em deter- minadas situagdes os alunos possam beneficiar de recursos especiais, que se considera ndo poderem ser proporcionados numa escola regular com a quali- dade necessaria. Abre-se assim a porta & segregacdo, pois em vez de se remo- 36 verem as dificuldades para que as criangas sejam educadas no seu meio pré- o (a escola), removem-se as criangas para outras escolas (Bayliss, 1995)! Nao esquecamos que certos casos de necessidades educativas especiais como, por exemplo, a deficiéncia auditiva ou 0 autismo, exigem salas auto- confinadas na escola regular. No entanto, é interessante sublinhar que os mesmos suportes juridicos que garantem a integragao ¢ 0 pleno direito 4 edu- cacao permitem também a segregacao! ‘Vemos, pois, que para se implantar uma escola inclusiva, “que é uma escola melhor para todos”, serd necessdrio que aos diferentes niveis da ecologia do sistema de educacao”° varias situages se tornem possiveis (Bayliss, 1995): © mudangas direitos; juridico-legislativas que garantam concretamente esses © -mudangas organizativas ¢ de gestéo ao nivel das escolas; © mudangas a nivel pessoal do professor ¢ de outros intervenientes; * apoio aos alunos normais numa perspectiva de escolarizacéo de todos; ¢ mudangas ao nivel da natureza e da estrutura do curriculo; © mudangas nos modelos de apoio individual aos alunos. Até Id... como diria Wedell (1995), “o conceito de necessidades educa- tivas especiais é um conceito relative ¢ as necessidades so encaradas como um produto da interacgao entre os recursos ¢ as deficiéncias das criangas ¢ entre os recursos ¢ as deficiéncias do meio”. Solity (1991)?’, tal como Baylis Report, no que respeita a integra¢ao. , aponta varias limitagoes ao Warnock 25 Costa, A. M. (1996). A escola inclusiv: 26 Bairrdo, J. (1995). A perspectiva ecoldgica em educagdo: O caso das necessidades educativas especiais, Erasmus, Porto, Comunicacéo apresentada no Semindrio Internacional Erasmus: A Educagio Especial no século XI, 7-8 de Abril. 7 Soli, J. E. (1991). Special neods: A discriminatory concept? Educational Pychology in Practice, 1, 12-18. Do conceito & pratica. Inovagae, 9, 151-163. 37 Para comegar, este autor vai referir-se aos “20% do Warnock Report”, que segundo ele constitui um forte obstaculo & integragao.2® Ora, o “Warnock 20%”, citado em varias obras da especialidade, tem alguma utili- dade para previsdes de recursos em educacao, mas lanca também uma certa confusio. Este valor de 20% engloba uma realidade compésita que devemos analisar cuidadosamente. Na opiniao de Solity, tais valores sio ainda uma reminiscéncia das taxas de “QI”, utilizadas para identificar as criangas que experienciam dificuldades na escola. Nao nos esquegamos que as fontes a que o Warnock Report recorre so estudos de natureza epidemiolégica como, por exemplo, o famoso estudo da Ilha de Wight.2? Acontece também, nestes estudos, uma sobrerrepresentagao de criangas do meio baixo ou de culturas néo dominantes, Daf poder inferir-se que a grande maioria dessas criangas com valores “abaixo da média” nao sfo verda- deiros “deficientes”. Sao, na sua grande maioria, alunos que os professores tém dificuldades em ensinar. Segundo Gipps, Gross e Goldstein, citados por Solity (1991), destes 20% com necessidades educativas especiais, 18% deviam continuar a fre- quentar o ensino regular, enquanto os restantes 2% necessitariam de recor- rer a um ensino especializado. Existe, pois, uma diferenga entre formular a questao dos “20% do Warnock” referindo que 20% dos alunos iro experienciar dificuldades no seu percurso escolar, ou dizer que em qualquer sala de aula os professores iro sentir que aproximadamente 20% dos alunos nao estao a receber um ensino adequado (Solity, 1990). Do mesmo modo, apesar de se pensar que com a introdugao do conceito sidades educativas especiais se teriam removido os antigos rétulos que iam pér nas criangas uma carga negativa, verifica-se que estes prevalece- ram a nivel das “representaces” dos professores. Os professores associam as nogées de “incapacidade” ¢ de “deficiéncia” com os alunos que beneficiam de modalidades alternativas de ensino, quer sejam situagSes de necessidades de n 28 © Warnock Comittee, baseado em varios estudos epidemioldgicos, concluiu que uma em cada seis criangas, em qualquer altura da sua vida, e uma em cada cinco, em qualquer aleura do seu percurso escolar, exigiriam recursos de educasao especial (Solity, 1991). 2 “The Isle of Wight Study, 1964-1969" de Rutter, Tizzard ¢ Whitemore, de 1970. 38 educativas especiais de natureza muito complexa, quer sejam situagées de natureza mais simples, mas cujo processo de ensino/aprendizagem escapa as estratégias habituais do professor. Estes “vicios de raciocinio” que temos vindo a analisar ¢ que estéo ainda muito ligados ao passado recente da educagao especial estio na origem de dois tipos de questées que tém vindo a reforgar a exclusio e a condicionar a forma como os professores encaram os alunos com necessidades educativas especiais. Por um lado, a ideia, que a hierarquia de recursos veio reforcar, de que existe sempre um local ideal ou mitico, fora da escola, onde todos os proble- mas dos alunos que mostram dificuldades em aprender, irao resolver-se. Por outro lado, a ambiguidade existente entre necessidades ¢ recursos ¢ as implic: goes dai decorrentes consoante se enfatiza um ou outro destes aspectos. Ao focar a sua atengao nas necessidades dos alunos, 0 professor vai considerar que nao dispée dos recursos necessdrios para resolver as suas dificuldades na sala de aula e vai assim procurar uma resposta fora da escola. Se, pelo con- trétio, focar a sua atencao nos recursos poderé tentar resolver o problema dentro da sala de aula, procurando a ajuda de outro especialista mais com- petente que 0 apoie ¢ Ihe forneca os meios necessérios para lidar com as difi- culdades dos alunos. Ao procurar uma resposta fora da escola, os professores esto, simulta- neamente, a minimizar as suas capacidades e 0s recursos que as novas meto- dologias podem trazer & escola. Sobrevalorizam as necessidades cutriculares, terapéuticas ou desenvolvimentais das criangas e esquecem a importincia da dimensao social e, consequentemente, os ganhos em termos de suporte socizl € psicoldgico que a integragao pode proporcionar as criangas com necessida- des educativas especiais. Em sintese, 0 que aqui queremos realcar é que todos os alunos tém, de uma forma ou de outra, necessidades educativas especiais ¢ os professores rém de estar preparados para os atender, Evidentemente, existem criangas que apresentam necessidades mais estruturadas. Nestes casos, ou o professor tem conhecimentos suficientes que lhe permitam lidar com a situaco, ou terd de ter alguém que o ajude, seja no acesso ao curriculo, seja na sua modi- ficagao, seja ainda na manutengio de um clima social e emocional de boa qualidade desenvolvimental. 39 Finalmente, para a baixa percentagem de casos de criangas com neces dades educativas especiais graves, a ajuda ao professor teré de ser permanente ¢ 0 aluno deveré de preferéncia manter-se na sala de aula.>° Nos casos em que isso ainda nao for possivel, o conceito de inclusividade teré, entao, de se alargar 4 escola e nao sé a sala de aula. Desaparece assim um espaco mitico, a “outra escola”, onde os alunos com problemas muito graves terdo recursos altamente sofisticados ¢ super professores ou supertécnicos que resolyerao todos os seus problemas. Mesmo quando acontece que alguma escola especial possua espagos de melhor qualidade, bom equipamento ¢ equipas de técnicos funcionando ou para um grupo restrito de criangas, ou para responder a um sé tipo de neces- sidades, nesse caso, 0 que ld se faz nfio é educagio especial, € educagio com melhores recursos e eventualmente com maior know-how. O que € necessirio, portanto, é encontrar meios para dotar as escolas inclusivas com recursos edu- cacionais, terapéuticos e humanos que Ihes permitam funcionar como algu- mas dessas ditas “escolas especiais”. A outra alternativa serd utilizar estas uh mas como centros de recursos para, por exemplo, apoiarem dentro da sua érea de implantagao a integragao de criangas nas escolas regulares.! Na realidade, os documentos oficiais, a Lei de Bases do Sistema Educa- tivo de 1986 e o Decreto-Lei 319/91 contém em si, tal como o Warnock Report ou a PL 94-142, aspectos claramente segregativos. Sendo, vejamos. A Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) no seu artigo 18 (Organi- zacio da Educago Especial) di 1. A Educagéo Especial organiza-se preferencialmente segundo modelos diversificados de integragio em estabelecimentos regu- lares de ensino tendo em conta as necessidades de atendimento especifico e com apoio de educadores especializados. 2. A Educagio Especial processar-se-4 também em_instituigdes pecificas quando comprovadamente 0 exijam o tipo ¢ o grau de deficiéncia do educando. (O sublinhado é nosso.) 3° Ver a distingéo feita entre problemas de baixa prevaléncia e de alta intensidade e problemas de alta prevaléncia ¢ baixa intensidade (Simeonsson, 1994), 31 Costa, A. M. B. (1996). A escola inclusiva: Do conceito & pritica. Inovasio, 9, 151-163 (ver pag. 160). 40 No Decreto-Lei 319/91, de 23 de Agosto, pode ler-se: © “A consagragao, por fim, de um conjunto de medidas cuja apli- cao deve ser ponderada de acordo com 0 principio de que a educagio dos alunos com necessidades educativas especiais deve cada _uma_das medidas sé deve ser adoptada quando se revela indispensavel_para_atingir os objectivos educacionais definidos. (O sublinhado é nosso.) No artigo 2.° — Regime Educativo Especial, diz o seguinte: 1. O regime educativo especial consiste na adaptacao das condisées em que se processa 0 ensino/aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiai 2. As adaptacées previstas no nimero anterior podem traduzi nas seguintes medidas: a) Equipamentos especiais de compensacao; b) Adaptagées materiais; ©) Adaptagées curriculares; d) Condigées especiais de matricula; ©) Condigses especiais de frequéncia; £) Condigées especiais de avaliacaos g) Adequagio na organizagao de classes ou turmas; h) Apoio pedagégico acrescido; i) Ensino Especial. (O sublinhado é nosso.) Dentro destas medidas temos, por assim dizer, uma hicrarquia de recur- sos, do mais integrado ao mais restritivo. Vale a pena continuar ainda a citar © Dec.-Lei 319/91, citando agora seu artigo 5.0 — Adaptacoes Curriculares: 1. Consideram-se adaptacées curriculares: a) Redugao parcial do currfculo; b) Dispensa de actividade que se revele impossivel de executar em fungao da deficiéncia. 41 2. As adaptacées cutriculares previstas no presente artigo nao pre- judicam o cumprimento dos objectivos gerais dos ciclos ¢ niveis de ensino frequentados e 6 sao aplicaveis quando se verifique PI @ que © recurso a equipamentos especiais de compensagao nao é suficiente. Mais adiante, e apés especificacao de cada uma das medidas do Regime Educativo Especial, diz-se, no seu art.° 11.° — Ensino Especial: “Considera-se 0 ensino especial o conjunto de procedimentos peda- gégicos que permitem reforgo da autonomia individual do aluno com necessidades educativas especiais devido a deficiéncias fisicas € mentais € o desenvolvimento pleno do seu proceso educativo pré- prio, podendo seguir os seguintes tipos de curriculos: a) curriculos escolares préprios; b) curriculos alternativos; 1 — Os curriculos escolares préprios tém como padrao os currfcu- los do regime educative comum, devendo ser adaptados ao grau € tipo de deficigncia. 2 — Os curriculos alternativos substituem os curriculos do regime educative comum e destinam-se a proporcionar a aprendizagem de contetidos especificos. 3. — As medidas previstas nos artigos anteriores podem ser aplica- das em acumulagéo com as estabelecidas no presente artigo.” Como se pode ver, na legislacéo portuguesa tal como na legislagio ame- ricana e inglesa, também se assume uma postura ora segregativa, ora inte- grativa. Por um lado, na Lei de Bases, assume-se que “quando o tipo e grau de deficiéncia do educando” 0 exigirem poderd ir para instituigées especificas. Assume-se, pois, que existem escolas com mais recursos humanos ¢ mate- riais para esses alunos, omitindo-se, no entanto, em que condicées ¢ com que tipo de avaliagio. Igualmente o Decreto-Lei n.° 319/91 langa a possibilidade de existirem meios mais restritivos, embora nao especifique. 42 Enferma também de uma certa confusdo entre “Regime Educativo Especial” ¢ “Ensino Especial”. Parece, pois, que nas medidas do “Regime Educativo Especial” se pensa sobretudo nos casos sensoriais ¢ nos casos mais leves, € no “Ensino Especial”, nos deficientes. Face a esta confusio, nao admira, pois, que um aluno com um macico atraso escolar, sem deficiéncia, possa ter um curriculo alternativo, em vez de uma adaptagio curricular. Conclui-se, portanto, que também no nosso pafs estamos bem longe de uma escola inclusiva e mesmo que os obstaculos a integracao tém permane- cido, quer devido a questdes que se prendem com os aspectos legais, quer ainda devido a outro tipo de factores que merece a pena referir. Sem a armadura conceptual para conceber um modelo integrativo, sem recursos materiais e humanos que a permitam concretizar, 0 modelo inte- grativo justapés-se ao modelo existente, funcionando mais como um recurso, sempre precario e parcial, recorrendo sempre, quando os problemas aumen- tam, ao sistema paralelo. A importancia destas tematicas obriga a que nos debrucemos com mais detalhe sobre a partilha de responsabilidades, que ao longo dos anos se tem verificado no dominio da educagao especial ¢ no apoio as criangas e jovens com deficiéncia. Parece-nos importante analisar a forma como se tem desenvolvido a acgao da Seguranga Social paralelamente &s politicas e medidas da responsa- bilidade do Ministério da Educacdo. Ainda hoje, a interaccdo, quer em ter- mos de estrutura organizativa quer de apoios financeiros, entre estes dois sec- tores paralelos € um dos aspectos criticos do sistema que se vai seflectir no tipo e qualidade da educacdo e do ensino das criangas ¢ jovens com defi- ciéncia ou com necessidades educativas especiais, Recordemos que até aos anos 60 0 apoio aos deficientes esteve, sobre- tudo, a cargo da iniciativa privada ¢ tinha predominantemente objectivos assistenciais. A escassez de respostas do Ministério de Educagao para criangas ¢ jovens com deficiéncias, cuja accdo se mantinha circunscrita as classes especiais, criadas em anos 40 junto das escolas regulares, deu origem a que o sector da 43 entio Assisténcia, hoje Seguranga Social, fosse assumindo uma intervenso cada vez mais activa nesta 4rea. Raras eram as criangas deficientes que se encontravam nas escolas regu- lares do Ministério da Educagao ¢ as respostas por parte das estraturas ofi- ciais da Assisténcia/Seguranga Social continuavam a ser muito limicadas. Os pais recorriam aos estabelecimentos oficiais, onde as listas de espera se iam avolumando e muitas criangas iam permanecendo em casa. E, entio, neste perfodo que grupos de pais, confrontando-se com a refe- rida escassez de recursos, procuram organizar-se em associagées, ctiando estruturas educativas, geralmente por categorias de deficiéncia. Foi entao 0 caso da Associacao Portuguesa de Pais e Amigos das Criancas Mongoldides, da Associagdo Portuguesa de Paralisia Cerebral, da Liga dos Deficientes Motores, da Associagio Portuguesa de Criangas Autistas e de tantas outras que néo vamos enumerar. A subsisténcia destas instituigdes, criadas sem fins lucrativos, foi em grande parte assegurada pelo apoio financeiro da Seguranga Social como complemento as comparticipagées das préprias familias. Assim, nos anos 60, no ambito da Seguranga Social, para além do incre- mento no nimero de instituigdes oficiais, desenvolvem-se mecanismos de apoio técnico ¢ financeiro As instituigées particulares sem fins lucrativos, nomeadamente, as ditas Associagdes de Pais, destinadas as criangas que a escola regular nao atendia. As pesadas mensalidades de algumas instituig6es privadas de fins lucra- tivos jd existentes ¢ das Associagées recentemente criadas levou a que as fami- lias, na sua qualidade de beneficidrios, recotressem aos Fundos de Assisténcia das entdo Caixas de Previdéncia e Abono de Familia, através das suas equi- pas de servico social, a fim de beneficiarem de subsidios de “recuperagao” que as ajudassem a suportar essas mensalidades. E, assim, que a pratica de subsidios as familias se inicia nos finais de anos 60, passando mais tarde os regulamentos das Caixas de Previdéncia a con- templar a atribuigio de um subsidio de recuperacao de deficientes que se des- tinava & comparticipagdo no pagamento de mensalidades nos ditos colégios de reeducagéo pedagégica, inicialmente para frequéncia de criancas deficientes mentais, depois progressivamente alargado a outras deficiéncia: 44 O modelo vigente era, entio, o de instituigées por categorias de defi- ciéncia, para criangas “susceptiveis de recuperagao”. A orientagio ¢ encami- nhamento cabia a médicos, geralmente psiquiatras ¢ neuropsiquiatras, neces- sitando de confirmar a deficiéncia e a possibilidade de recuperagho para que as criangas pudessem beneficiar do referido subsidio de recuperacao de deficien- tes, As equipas de servico social, existentes nas Caixas de Previdéncia, proce- diam, entao, ao estudo econdmico e social das familias, para determinar 0 montante desse subsidio ¢ acompanhavam a familia na procura do estabele- cimento de ensino. Encontramos aqui os primérdios do que viria a ser, mais tarde, o Subsidio de Educagao Especial (SEE), instituido em 1980 ¢ regulamen- tado depois pelo D.R. 14/81 de 07/04. Este subsidio ainda se mantém, embora a sua aplicacio tenha sofrido alteragdes decorrentes das mudangas introduzidas pelo Ministério da Educagio no apoio financeiro & educacio especial. F, porém, urgente a sua reformulagao! Voltaremos a esta questo. Se, por um lado, 0 apoio econémico as familias permitiu que muitas criangas, que até af permaneciam em casa, passassem a frequentar “escolas especiais”, depressa surgem novas dificuldades: a proliferacio de diversos critérios, predominantemente médicos ¢ sociais, quanto 4 forma de aplicagao desses subsidios, ¢ o tipo de criangas ¢ jovens a quem se aplicavam, levou a que muitas destas, por razées de ordem social ¢ familiar ou por razées de insu- cesso escolar, abandonassem a escola regular ou nem por ela passassem, para serem atendidas num sistema paralelo, inicialmente previsto para deficientes. Por outro lado, ao longo dos anos 70, prolongando-se pelos anos 80, assiste-se também & proliferagéo de estabelecimentos de ensino particular lucrativo, sobretudo na cidade de Lisboa, bem como de Associagoes de Pais sob a tutela da Seguranga Social. A partir de 1974, inicia-se entao o grande movimento a nivel nacional de criagao de Cooperativas, para o ensino de cri- angas ¢ jovens com deficiéncia mental, agora sob a tutcla do Ministério de Educagéo. Contudo, a rede aumentou de forma nao planeada ¢ desarti- culada. 32 Q Subsidio de Educagio Especial é instituido pelo D.L. 170/80 de 27/05 como uma prestagio fami- liar a que os beneficidrios dos regimes de seguranga social se podem candidatar sempre que tenham uma crianga ou jovem com deficiéncia comprovada e que, por necessitar de frequentar ensino espe- ial, isso acarrete encargos econdmicos para a familia. 45 © grande incremento de estruturas especiais implicou, ¢ ainda hoje implica, grandes investimentos financeiros, quer pela parte da Seguranga Social, quer do sector da Educacio, através de mecanismos directos de suporte econémico as instituigdes: acordos de cooperagio, destacamentos de professores ¢ de outros profissionais, etc. Por sua vez, a compensacio das familias dos encargos resultantes da frequéncia de estabelecimentos de ensino especial, através do SEE, foi uma importante ajuda para grande ntimero de familias, na sua maioria com fracos recursos econémicos. Porém, foi, sem dtivida, um factor estimulante para que muitas estruturas especiais se disse- minassem. Assim, por um lado, a partir de 1973/74, importantes diplomas legais anunciavam a dita integracdo e 0 Ministério de Educagio assumia pela p meira vez a educacao das criangas ¢ jovens deficientes. Por outro lado, a maior parte dos investimentos financeiros do Estado na educagio destes alu- nos, foram dirigidos para as estruturas segregadas ¢ nao para o desenvolyi- mento da educagao integrada, Recorde-se, por exemplo, que em 1978/79, enquanto o ntimero de criangas atendidas nas 132 escolas especiais ultrapassava os 8000, no ensino integrado existiam 22 equipas de educacao especial que atendiam cerca de 1100 alunos. Em 1982/83 jd existiam 156 estruturas de ensino especial a atender perto de 10 500 alunos ¢ 29 equipas de educagao especial a atender 3323 criangas integradas nas escolas regulares*>. Verificamos, pois, neste periodo de tempo, um crescimento no ntimero de alunos a nivel do atendimento integrado cerca de duas vezes maior do que no segregado, mas isso nao impediu que o ntimero de estruturas especiais de iniciativa privada sofresse também um aumento considerdvel. Assim, avulta- dos meios financeiros continuaram a ser dispendidos com as estruturas espe- ciais, apesar da proclamada integracao. Porém, de 1982/83 a 1995/96 decuplicou o ntimero de alunos a nivel do atendimento integrado (de cerca de 3300 para 36 642 alunos), enquanto a frequéncia nas escolas especiais sofreu um aumento em ntimero de pouco mais de 1000 alunos. 33 SNR (1983) Sistema de Educagdo Especial em Portugal. Lisboa: Secretariado Nacional de Reabilitacao. 46 ‘Também, a partir dos infcios dos anos 90, 0 movimento de criagio de escolas especiais passou a ser muito reduzido, tendo mesmo parado a nivel de colégios privados. A Lei de Bases do Sistema Educative atribui explicitamente ao Ministério da Educagao a responsabilidade de orientar a politica de educa- so especial. Mas, & excepgdo das CERCIS, ¢ mais tarde de algumas Associagées, onde o Ministério da Educacao teve desde logo um papel activo a nivel do apoio técnico e financeiro, a acco deste Ministério, até inicios da década de 90, permaneceu muito reduzida no que se refere as restantes estru- turas privadas, mesmo nas por si tureladas. Manteve-se, assim, maioritaria- mente no sector da Seguranca Social © apoio financeiro e a coordenagio do encaminhamento de alunos para essas estruturas. A qualidade do ensino prestado, as condigdes organizativas ¢ aspectos funcionais de caracter té- nico-cientifico a ele indispensdveis eram desconhecidos pelo Ministério da Educagio, a nfo ser os detectados pela Inspecgdo Geral de Educagio. E de realgar que, j4 nos anos 90, apds esforcos significativos no sentido de coordenagao de politicas e de medidas organizativas ¢ financeiras entre os sectores de Educagao e Seguranga Social°4, vieram entao a ser publicados diferentes diplomas legais conjuntos, da educagio ¢ da seguranga social, que viriam a inverter as responsabilidades nesta drea. O Ministério da Educasao, pela primeira vez, passa a assegurar gradual- mente, para determinadas faixas etdrias da escolaridade obrigatéria, a gratui- tidade de ensino para as criangas que comprovadamente, agora jé da respon- sabilidade do Ministério da Educagao, tenham de frequentar estabelecimen- tos de ensino especial com fins lucrativos ou nao. Neste caso, para as faixas evérias em que 0 Ministério da Educagao ja assume integralmente o apoio financeiro, 0 Subsidio de Educacao Especial deixa entéo de se aplicar. No ano lectivo de 1996/97 ficaram abrangidos os alunos com idades compreen- didas entre os 6 ¢ os 14 anos, estando previsto o scu aumento gradual até aos 18 anos de idade. 4 Em 1990, pelo Despacho Conjunto 14-1/SERE/SESS/90, de 26 de Junho, foi criada uma Comissao interministerial para Coordenasdo dos servigos departamentais dos Ministérios da Educagio ¢ do Emprego e da Seguranga Social no sector da Educagao Especial. A acco descnvolvida por este Grupo de Trabalho contribuiu para uma melhor colaboragéo entre os dois sectores, quer a nivel legislativo, quer a nivel de procedimentos operativos. 47 Foram também definidas as condigées requeridas para que as insticui- g6es de ensino especial pudessem beneficiar do apoio do Ministério da Educagao, bem como as caracteristicas ¢ condigdes de acesso dos alunos em idade de escolaridade obrigatéria. A partir de 1993, a coordenagao deste pro- cesso passou a set efectivamente da responsabilidade do Ministério da Educacao, 0 proceso de encaminhamento de alunos da responsabilidade da escola regular, de acordo com o D.L. 319/91, passando a ser exigido que qualquer aluno sé pudesse ser encaminhado para essas estruturas apés matri- cula na escola regular. No entanto, também nesta nova etapa se tém evidenciado ambiguidades ¢ contradicées. E exemplo disso © facto de ter sido revogado 0 Despacho 232/ME/93. Este despacho enunciava, entre outras medidas, formas para “regulamentar a modalidade de apoio concedido pelo Ministério de Educagao no ambito da educagao especial, bem como as condigées requeri- das as instituigdes para dele poderem beneficiar”. Nomeadamente, neste iltimo aspecto, nao s6 definia 0 ambito de actuagao dos colégios de educa- Go especial, como também punha exigéncias importantes quanto aos requi- sitos especfficos a que cada instituigao teria de obedecer para ser considerada apta para atender alunos com graves deficiéncias e, por conseguinte, elegivel para apoio estatal do Ministério da Educagao (Costa, 1996)°°. Isto obrigava, sem diivida, a que a grande maioria destas instituigées tivesse que proceder a grandes readequagées e, eventualmente, algumas delas nao poderiam mesmo subsistir. Porém, estas medidas eram no sé uma garantia de se alcangar uma melhor qualidade do ensino dispensado nas estruturas segregadas, mas tam- bém procuravam corresponder aquilo que se deve entender por especial, ou seja, condigdes e meios excepcionais, que nao se encontrem nas escolas regu- lares, considerados indispenséveis para um determinado tipo e numero res- trito de alunos. Por outro lado, permitiriam alguma inflexio nas tendénci para a segregacio ainda tao presentes entre nés. Esta perspectiva iria entéo de encontro a Lei de Bases do Sistema Educativo ao reconhecer a possibilidade de o atendimento se realizar em ins- tituigées especificas “quando comprovadamente o exijam o tipo ¢ grau de deficiéncia do educando”. Isto pressup&e que existam instituiges que dis- poem quer de mais recursos humanes ¢ especialmente preparados, quer de materiais e condig6es fisicas especificas para esse atendimento. Caso contré- % Costa, A. M. (1996, op. cit.) 48 rio, de forma alguma se justifica retirar o aluno da sua escola para outra que no dispde daquilo que cle necessita. para Porém, © Despacho 232/ME/93 pouco ou nenhum tempo vigorou. Depressa fortes presses se exerccram, por parte de estruturas de ensino especial bem como de autoridades do préprio Ministério de Educacio, que levaram de novo a um recuo. Condigées bem menos exigentes e um controlo menos rigo- roso por parte do Ministério da Educagéo vieram substituir as determinacées anteriores e, assim, com a revogacdo deste despacho em 1995, as garantias de uma melhor qualidade de ensino ficaram de novo comprometidas. Apesar da actual coordenagao por parte do Ministério da Educacao, um niimero considerével de alunos é anualmente transferido para estruturas de ensino especial, 0 que passou a implicar avultados encargos econémicos para este Ministério, até af assegurados sobretudo pela Segurana Social. E inevitdvel que esta situagdo va condicionar 0 investimento, tZo neces- sdrio, no ensino integrado, parecendo-nos oportuno remeter para a questo levantada em 1983 pelos peritos da OCDE%°: “os modos de financiar sao tal- ver os indicadores mais realistas da vontade politica de promover ou retardar uma determinada politica”. Além disso, nfo se tem verificado um processo de integragao, ou de regresso 20 ensino regular, de alunos que anteriormente frequentassem as estruturas segregadas, tal como aconteceu noutros pafses quando politica- mente assumiram a integragao. ‘A verdade é que 0 objectivo da educagao ¢ integrar 0 individuo na so- ciedade. Como seré isso possfvel se se mantiverem as criangas desde muito cedo cm ambientes segregados? Bayliss (1995)°7 chama a atengio para a necessidade de analisarmos longitudinalmente a exclusio. Se segregarmos 0 individuo aos 5 ou aos 15 anos como poderemos pretender que aos 35 cle esteja totalmente integrado? Sé educando desde o inicio a crianga com neces- sidades educativas especiais em conjunto com os seus iguais, na mesma sala de aula, com o mesmo curriculo, sempre que possivel, ¢ variando apenas as estratégias de acesso a este mesmo curriculo, ela poderd usufruir de todas as vantagens que as interacgdes com as criangas normais proporcionam e, mais 36 OCDE (1984, op. cit.) 37 Bayliss (1995, op. cit.) 49 tarde, usufruir duma integragao plena e societal (Soder, 1980)°*. Sé através duma educagao inclusiva é que a crianga normal vai aprender a aceitar e a inte- ragir com a diferenga e a crianga com necessidades educativas especiais vai atin- gir o pleno direito de cidadania, no emprego, no casamento ou na intervengao social. Um dos problemas com que a socicdade portuguesa actualmente se defronta é com a reintegragiio de individuos que tendo sido educados nas estruturas segregadas procuram tardiamente integrar-se na sociedade. os Antes de terminar esta reflexo sobre os aspectos histéricos ¢ concep- tuais da Educagéo Especial, referiremos alguns dos recentes avangos cienti- ficos que deverao influenciar tomadas de decisdo e praticas. Com os avangos da Educacao ¢ da Psicologia da Crianga com Necessi- dades Educativas Especiais, as estratégias de ensino/aprendizagem ou, como entre nés se costuma dizer, as estratégias pedagégicas, vio progredir muito nos iltimos dez. anos. Varios autores, inspirando-se na ecologia do desenvol- vimento humano de Brofenbrenner, vao retomar aspectos cruciais acerca da aprendizagem em contexto ¢ suas relagdes com a dimensao cultural acerca dessa aprendizagem (Bruner, 1986, citado por Bayliss) ¢ com a perspectiva de Vygotsky acerca do papel da interaccao no desenvolvimento humano. Em estudos anteriores, Bairrao (1992, 1995)%? apresenta a perspectiva ccolégica em Psicologia e Educagao, bem como o quadro conceptual, capaz de enquadrar e operacionalizar a perspectiva de aprendizagem e do desen- volvimento em contexto. Vejamos muito rapidamente no que consiste tal perspectiva ecoldgica, bem como os seus conceitos bésicos. Por perspectiva ecolégica em Psicologia ¢ Educacéo entende-se o estudo do desenvolvimento da crianga como o resultado da interacgio entre essa crianga ou aluno e os diferentes ecossistemas em que esté inserida. 38 Soder, M. (1980) School integration of mentally retardate. In Research and development concerning integration of handicapped pupils into the ordinary school system, Stockholm. National Swedish Board of Education. 3 Bairréo, J. (1992). A perspectiva ecoldgica em psicologia da educacio. Cadernos de Consulta Pricolégica, 8, 57-68. Buirtéo, J. (1995). A perspectiva ecolégica em psicologia da educagao. Pricologia, 3, 7-30. 50 Dentro desta perspectiva, entram em interacgdo dindmica quer o esta- tuto desenvolvimental da pessoa, quer as caracterfsticas dos contextos, pré- ximos ou distais, em que a pessoa esté inserida: sala de aula, escola, comuni- dade. Assim, entre as caracteristicas pessoais ¢ as caracterfsticas fisicas ou sociais dos contextos, ocorrem muiltiplas trocas. E. nisso que consiste o fend- meno da socializagio. Por outras palavras: todo esse conjunto de caracteris- ticas pessoais ¢ todo o conjunto de caracteristicas dos cendrios de socializa- ¢ao vao permitir ou n&o uma boa qualidade educativa que, em ultima and- lise, é a responsavel pela adequagao da crianga ou do aluno & escola ¢ aos con- textos mais vastos em que vive. ‘Teremos ainda de falar, dentro da perspectiva ecolégica, de duas dimen- sdes-chave; sao elas: a dimenséo estrutural, que engloba os aspectos mais esté- veis dos contextos ¢ cendrios do desenvolvimento, como, por exemplo, os espagos fisicos, os materiais, os curriculos, as turmas, o ratio professor/aluno, etc.; ¢ a dimensao processual, que engloba as interaccGes entre pessoas — pro- fessor/aluno, aluno/aluno — e entre estas pessoas e as caracteristicas fisi sociais dos cendrios educativos ou outros. Assim, varios autores vao chamar a atenc&o para novas estratégias de ensino/aprendizagem como, por exemplo, Bayliss (1995) e Wang (1994)*°. Bayliss pe a seguinte questo: que espécie de processos educativos contri- buem para uma cultura comum para as criangas ¢ para os adultos? Como pode- Go ser organizadas as salas de aula para apoiarem o desenvolvimento dessa cul- tura conjunta onde poderdo desenvolver-se curriculos e outras actividades tera- péuticas para as criangas normais e com necessidades? Para este autor, existe uma pletora de processos e progressos educacio- nais que contém grandes potencialidades para o ensino/aprendizagem de criangas ¢ alunes com NEE, mas que nao tém sido devidamente investiga- dos no que diz respcito & integragao destes alunos. E Bayliss vai enumerar varias metodologias educacionais, nomeadamente o ensino adaptativo (adap- tative teaching) de Wang; 0 curriculo em espiral de Bruner ¢ Fagg; 0 ensino directo ¢ 0 trabalho de grupo cooperative de Bauer e Sapona.; a andlise de tarefas € 0 ensino preciso de Raybould ¢ Solity; 0 ensino entre iguais, etc. Wang (1994) diz algo de muito semelhante ao que atrds referimos, quer acerca dos progressos recentes da ciéncia ¢ da pesquisa, quer ainda sobre a 49 Bayliss (1995) e Wang (1994), op. cit 51 aprendizagem em contexto. Segundo esta autora, avangos recentes na teoria e na investigag4éo apontam para dois principais aspectos que dizem respeito as praticas eficazes em educagio especial: a) para que haja uma melhoria moderada na aprendizagem das criangas com NEE, deve evitar-se a sua colocacao em estruturas especiais ¢, em vex disso, deve integrar-se essas criangas em cenarios de sala de aula regular com criangas comuns; b) e, se quisermos uma melhoria extraordinéria (na aprendizagem) deve- ro entio utilizar-se priticas educativas eficazes que foquem directa- mente as salas de aula ¢ as casas dos alunos, locais onde realmente as aprendizagens ocorrem (Wang, 1994)*1, Como se pode ver, todas estas metodologias implicam, pois, mudangas, actualizagées € pesquisas importantes ao nivel dos varios centros de formagao de professores, psicélogos e outros técnicos que trabalham na drea da educacao de criangas com necessidades educativas especiais. O proprio D.L 319/91 fala- -nos, embora predominantemente dentro de uma perspectiva muito centrada na crianga, na organizacao curricular, em estratégias de ensino/aprendizagem e de avaliagdo que implicam conhecimentos importantes nestes dominios. Exigéncias ainda muito maiores nos dominios das priticas de novas metodo- logias de ensino/aprendizagem ¢ da organizacéo curricular ¢ extracurricular e dos recursos para os alunos ¢ suas familias sio feitas pelo Despacho 178-A/ME/93 no que diz respeito ao conceito de apoio pedagdgico. Todas estas exigéncias relevam pois de conhecimentos educacionais ¢ psico-educacionais muito avangados que os professores tém que dominar para realizarem as tarefas que os decretos Ihes incumbem. Na realidade, se eles dominassem estes conhecimentos e se as suas praticas decorressem deles, entéo a integracao seria nao sé possivel como eficaz. No entanto, nao sabe- mos em que condigées tais conceitos foram cnsinados, que curriculos foram utilizados, sobre que estudos ou investigacées se fundamentaram. De novo, tal como em 1991 com o D.L. 319/91, uma nova revolugao surge em 1993, mas esta tiltima de cariz cientifico de que também nao nos apercebemos. Hé pois uma discrepancia importante entre os textos da lei e a formagio © pratica de professores, psicdlogos ¢ outros técnicos, pois, para termos pes- soal com um dominio de técnicas e estratégias pedagdgicas tao elaboradas 41 Wang (1994, op. cit.) 52 teria de haver uma longa ¢ intensa conjugagio de esforgos, implicando departamentos do Ministério da Educacio e de outros Ministérios, centros de investigagao, universidades, e outras escolas superiores de formagéo de professores e de outros técnicos que trabalham na drea. Noutros paises, tais mudangas metodolégicas ¢ formativas levaram anos anos para serem concebidas ¢ implementadas, basearam-se em longas inves- tigagdes € contaram com a colaboragao de centros de investigagao e de uni- versidades com um poderoso know-how. Como diria o Prof. Joao Barroso, a respeito das estruturas educativas, “as coisas néo mudam por decreto”, mas sim através de longos ¢ prolongados esforcos conjuntos dos profissionais ¢ das instituigoes. A escola inclusiva, tal como a integragio, implica novas competéncias € novas atitudes dos profissionais que nesta drea trabalham, bem diferentes das actuais competéncias que estes técnicos possuem ¢ que a nossa comunidade técnica e cientifica pode proporcionar. Estamos, pois, pessimistas no que res- peita 4 implantagao entre nés de uma escola inclusiva, pois sio muitas as difi- culdades com que nos deparamos aos diferentes niveis: jurfdico, legislativo, educacional, cientifico, organizacional e financeiro. Mas, para além disto tudo, a ecologia do desenvolvimento humano revela-nos a importancia do microssistema ¢ a sua influéncia. Por outras palavras, 0 peso € a tradicao dos modelos segregados, a sua organizagdo e 0 seu impacto no sistema educativo criam um zeitgeist pouco integrador ou inclusivo. 53

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