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er A QuEsTAO pA PsIcosE NA INFANCIA, SEU DIAGNosTICO E ‘TRATAMENTO, DIANTE DO SEU “DESAPARECIMENTO” DA AtuaL NosocraFIA Leda Mariza Fischer Bernardino Uma discussao sobre a psicopatologia infantil abre muitas questdes. Podemos come- ar analisando 05 significantes que ai se apresentam. De que “psico” se trata ai: aspectos sicoldgicos, psiquicos, referidos a que compreensio do psiquismo? Sabemos que, segundo ‘aabordagem, apenas 0s aspectos cognitivos ou instrumentais estardo em jogo; ou 0 psiqui- co reduzir-se-d ao aspecto organico do aparelho mental; ou se trataré de um entendimento mais amplo, no qual 0 psiquico é concebido como um produto de uma construcéo que requer a articulacao do organico com 0 simbélico. De que “patos” se trata, quando referido a crianca: qual é 0 sofrimento que esta sendo considerado, apenas o lado mérbido, que remete a ideia de doenga, adquire relevo ou tam- bbém o aspecto defensivo, implicado no uso de recursos préprios para encontrar uma saida possivel? Trata-se de uma nogio de excesso ou de falta que desestabiliza? A paixdo contida no termo “patos”, enquanto gozo contido no sofrimento, também encontra expresso? ‘Como se espera que seja 0 “logos” ai, como vai se realizar este estudo do psiquico e do patos. Qual a teoria que serve de referéncia para 0 entendimento dos fendmenos considerados, Qual a ideologia que fundamenta esta teoria? Sabemos que cada época corresponde uma nogéo sobre o normal e o patologico, cada periodo tem sua visdo sobre que se desvia da norma, o pensamento cientifico nao é neutro em relacao ao movimento sécio-historico cultural. Eo “infantil”, a que se refere? Ao conceito freudiano de infantil, ou a0 tempo cron légico da infancia? Que nogio de crianga esta em vigor? Aqui ja observamos 4 amplitude deste campo: inclui o desenvolvimento infantil, com um padréo esperado de habilidades neuropsicomotoras, as vicissitudes que marcam este desenvolvimento, tanto em termos das crises necessarias para desequilibrar e mover o processo, quanto em termos dos fatores exteros, psicossociais, que vio intervir nesta evolucéo, a partir de um crescimento e de uma maturacdo previstas pela programacio genética. Inclui também ~¢ principalmente no que nos interessa — um processo de estruturacio, de formagao de uma identidade, de uma Personalidade, o “infantil” para Freud e a “estrutura” para Lacan, que resultam no sujeito Psiquico. Além disso, os dois aspectos anteriores se passam num. contexto cultural que age sobre eles, ao determinar qual o lugar social atribuido a crianca. Dentro deste campo extremamente complexo, que apresenta muitas nuangas, preten- — refletir sobre um fenémeno da atualidade: a presenga de um manual que se propoe @ ee classificagao diagnéstica generalizavel para todos os tempos & lugares, os denomi- 's “transtornos mentais”: 0 DSM-IV. tologi ta das caracteristicas mais marcantes deste manual, no que se refere & psicopa- Infancia, é 0 desaparecimento do termo psicose para nomear uma patologia Digitalizado com CamScanner O livro negro da psicopatologia contempordnea * 206 que faz parte da clinica dos problemas graves da infancia desde o inicio do estudo dos problemas mentais. Este trabalho pretende questionar os efeitos desta exclusio, ao mesmo tempo em que problematizar a dificil questo do diagnéstico da psicose na infancia e seus principais des- dobramentos, no campo da terapéutica. O “desaparecimento” da psicose infantil A psicose infantil refere-se a um quadro clinico que nao deixou de existir com a sim- ples retirada do termo da nosografia atualmente tomada como referéncia globalizada. Continuamos recebendo em nossos consultérios criangas que tém extremas dificuldades de encontrar seu lugar, tanto em termos de identidade pessoal quanto social, criancas que nao se apresentam como sujeitos de sua propria historia, E-Ihes muito dificil ocupar de fato lugar que lhes corresponderia de direito. Pois bem, 0 DSM-IV confirma esta exclusio nao Ihes dando mais representatividade nem em sua diferenga clinica. Atualmente, se quere- ‘mos nos referir em termos diagnésticos a elas, somos instados a usar a denominacio geral dos “transtornos invasivos do desenvolvimento”. Sob esta rubrica sao descritos os sintomas que “caracterizam-se por prejuizo severo e invasivo em diversas areas do desenvolvimen- to: habilidades de interacdo social reciproca, habilidades de comunicagéo, ou presenca de comportamento, interesses ¢ atividades estereotipados” (p. 65). Acrescenta-se a isso uma comparacao com o nivel de desenvolvimento ou idade. Sao habilidades e comportamentos que se desviam da norma, sem que haja qualquer referéncia ao lugar ocupado pela crianga, 4 sua identidade ou personalidade. Encontramos um pardgrafo que enuncia: “embora termos como ‘psicose ‘e ‘esquizo- frenia da infancia’ ja tenham sido usados com referéncia a individuos com essas condig6es, evidéncias considerdveis sugerem que os transtornos invasivos do desenvolvimento sio distintos da Esquizofrenia”. Entretanto, nenhuma explicacdo é fornecida para tal op¢io ter- minolégica. Postula-se uma diferenga em relacao & esquizofrenia; mas quanto a psicose, nada é mencionado. Hé ainda um adendo, dizendo que o transtorno invasivo do desenvol- vimento pode ocasionalmente evoluir para a Esquizofrenia (p. 66). Dentro do quadro dos transtornos invasivos do desenvolvimento, encontramos elen- cadas cinco categorias: Transtomo Autista, Transtorno de Rett, Transtomo Desintegrativo da Infancia, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem Outra Especificacao. Pressupde-se que estas categorias conteriam doravante as criancas que ante- riormente eram diagnosticadas como psicéticas. Quanto ao transtorno de Rett, nao se entende bem porque um quadro tio especificoe raro tenha merecido uma descrigao como quadro clinico neste conjunto. As tiltimas pesqui- sas genéticas, apés a publicagao deste manual, ja permitem situar este quadro como uma sindrome genética, o que j era bastante plausivel, tendo em vista o cardter ligado a0 sexo (atinge exclusivamente meninas) e a evolugio degenerativa do quadro, principalmente de- vido ao “padrao caracteristico de desaceleracio do crescimento craniano” (p. 69). Da mesma forma, causa estranhamento que dois quadros clinicos tio préximos como © Autismo ¢ a chamada Sindrome de Asperger tenham merecido cada qual o estatuto de quadro clinico isolado, quando compartilham dos principais sintomas, tais como a Digitalizado com CamScanner 207 » Questdes da inftnicia «preocupacao total com um ou ‘mais padroes estereotipados de interesse”. O diagnéstico aiferencial centra-se na idade de aparecimento dos sintomas ~ na primeira infancia para sutismo ena segunda infancia para Asperger; ena auséncia no segundo quadro clinico, de straso no desenvolvimento da linguagem. ‘No transtorno desintegrativo ha uma énfase nas perdas sucessivas que a crianga passa a apresentar em suas habilidades instrumentais (comunicagao, psicomotricidade, socializa- {Go) ena organizacio das fungGes corporais,o que pode acontecer com a crianga psictica, fem maior ou menor grau., Em qual destes quadros poderiamos reconhecer o sofrimento proprio da psicose in- fantil? Teriamos que classificar todas estas criangas sob a rubrica dos “transtornos sem ou- tra especificagao”? Seria extremamente contraditério, tendo em vista o quanto este quadro linico jf foi estudado, mapeado, teorizado, ou seja, nao Ihe faltam especificagbes. Certa~ mente, varios sintomas que constituem as defesas que a crianga pée em aco para lutar contra o perigo do aniquilamento que a ameaga constantemente, pela falta de identidade e de uma possibilidade simbdlica de reconhecimento sao descritos nestes quadros clinicos de um modo geral. Contudo, a organizagao destas defesas em um encaminhamento| estrutural no recebe um nome, nao est mais contida em uma nosografia (O que se depreende da classificagio proposta no DSM-IV é que foram priorizados os quadros nos quais ha um predominio das questées cognitivas, em detrimento da questio da organizagio da personalidade. De fato, é bem verdade que os comportamentos cogni- tivos sdo observaveis, enquanto a organizacao da personalidade requer uma deducio. Em outras palavras, ha objetividade na presenca de um cérebro e no exercicio de fungdes cognitivas e habilidades instrumentais dele decorrentes. Jé a questéo da subjetividade, impossivel de medir em termos quimicos, genéticos ou de neuroimagem, depende de um célculo a partir de suas manifestagdes, depende de uma interpretagao, depende de uma teoria para interpretar. Kemberg, Weiner & Bardenstein (2003) so autores que questionam o desaparecimen- to dos chamados “transtornos de personalidade em criangas e adolescentes” do DSM-IV, agrupando sob esta denominaco transtornos que variam “do menor ao maior grau de gravidade, da organizagao da personalidade neurética ~ passando pela borderline ~ até a Personalidade psicdtica” (p. vii). Esta ultima refere-se aos chamados “transtornos da per- sonalidade esquizotipica, paranoide e esquizoide”, descritos no DSM apenas no ambito da psicopatologia do adulto. Estes autores chamam a atengao para a questao da identidade, em jogo nestes qua dros, que inegavelmente jé se apresenta no tempo de infancia. Mostram como os principais sintomas dos transtornos da personalidad referem-se a um diferencial, em relagao ao Au- tismo, Asperger ou Transtorno Desintegrativo, pois nos transtornos de personalidade “ha ‘uma auséncia de ‘eu’ ou senso de ‘si mesmo’ como um agente” (p. 232) - ou seja, referem-se 20 critério da subjetividade. Na infancia, hd que se poder estabelecer se este critério esta Presente ou nao, mesmo que a maneira como este se presentifica varie de acordo com o nivel de desenvolvimento da crianga. Embora tenham uma visio bastante adultomérfica da Psicopatologia infantil, interessa-nos trazer ao debate os questionamentos que estes autores fazem & auséncia da consideragao de transtornos da personalidade na infancia. Eles apon- a Digitalizado com CamScanner O livro negro da psicopatologia contemporinea * 208 tam a abordagem do DSM como nao evolutiva, “uma vez que nao considera o processo pelo qual, a cada fase do desenvolvimento, uma personalidade e uma identidade apropriadas a idade sio formadas” (p. 17). Enfatizam, contudo, que o manual, mesmo nao as conside- rando, “tem implicagdes evolutivas evidentes” (ibidem), na medida em que nao se preocupa com a questdo da prevencao ou da intervencao precoce. Podemos localizar a principal problematica na maneira como se postula o diagndsti- co. Ao generalizar sintomas, pela sistematizagao e ampla divulgacdo dos mesmos, nao ha mais a preocupacao com o que estaria acontecendo com a crianca, seu meio e as probleméti- cas que a envolvem no longo processo de desenvolvimento sediado na infancia. A listagem de sintomas - exterior e desimplicada dos personagens em questao — facilita o diagnéstico, que pode até ser proposto por pais e professores, por exemplo. Cada vez mais criancas podem ser diagnosticadas sob uma mesma denominacao, j4 que nao hd uma preocupagio ‘com uma coeréncia interna de raciocinio clinico nem ha preocupacao com o processo de formagio do psiquismo e sua inter-relagio com o mundo externo. Diagnosticar deixa de ser um problema, torna-se a solugao ultima: os pais sabem o que a crianga tem, a escola dispde de um nome para a situagdo-problema que enfrenta (diferente do aluno-padrao) e © psiquiatra ou o neurologista (estranhamente amalgamados na atualidade) podem optar pela saida medicamentosa, facilmente amparados pela indiistria farmacéutica, que amplia © leque de ofertas indicadas para os sintomas mais comuns. Contudo, qual o caminho pés-diagndstico? A solugao americana é a mais direta e con- soante com esta logica dita “cientifica”, com base estatistica e econdmica, é a prescrigao do medicamento e do treinamento cognitivo e adaptativo, para tornar a crianga o mais “funcio- nal” possivel, sob a ética de uma irrecuperabilidade de fundo biologicista. E a solugao tipo exportagao que tem alcancado cada vez mais adeptos nas Américas e até na Europa. Uma mudanga de paradigma Observamos neste curto percurso uma ilustracio do que Russo e Venincio (2006) apon- tam a partir do advento do DSM-III: “uma mudanga de paradigma no conhecimento psiqui- atrico vigente” (p. 460). Estes autores demonstram em seu estudo histérico/antropoldgico a Tuptura absoluta representada por este novo manual, em relacao & classificago até entio utilizada. Eles situam esta ruptura em trés niveis: conceitual, ao romper com o ecletismo das verses anteriores e propor uma tinica Idgica classificatéria; de hegemonia dos saberes, a0 romper com a abordagem psicanalitica até entio dominante; e das representacdes sociais, a0 forjar novas concepgdes sobre o normal e o patolégico (Idem, p. 464-465). Ao se procla- mar como a-tedrico, como mostram estes mesmos autores, 0 DSM-III deixou de lado qualquer discussao sobre a etiologia, bem como abriu caminho para um retomo e uma ascensao da Psiquiatria biolégica. Ao dar preferéncia aos estudos epidemiolégicos ¢ aos dados estatisticos, Para atingir a objetividade das outras éreas da medicina, priorizou a pesquisa experimental, de otima serventia tanto para a industria farmacéutica quanto para as empresas de seguro na drea da satide. Como concluem estes autores, “a visio predominantemente biolégica que fundamenta a nova nomenclatura articula-se a hegemonia do tratamento farmacolégico que, presente desde pelo menos o final dos anos 1950 no campo da psiquiatria, tem se firmado como a terapéutica por exceléncia dos distirbios mentais” (Idem, p. 474-475). igitalizado com CamScanner 209 * Questaes da infiincia Esta visao do DSM, iniciada na versio ML, sob o pretexto de “normalizar e homogeneizar a cassiicasao psiquiatrica, sempre alvo de crticas por sua baixa confiabilidade" (Idem, p. 46, acabou tendo como efeito a “globalizagao da psiquiatria norte-americana’ (Idem, p. 465). Um exemplo desta globalizacao pode ser encontrado na Franga, com a publicacio, em 2003, do relatorio de uma junta de especialistas do INSERM (Instituto Nacional Francés de Pesquisa Médica), que emitiu um “parecer coletivo”, no qual encontramos os parmetros do DSM-IV seguidos ao pé da letra. Vale ressaltar que este parecer foi encomendado pela Canam (Caixa Nacional de Seguro de Satide dos Trabalhadores Independentes), ou seja, sua motivagao tltima foi econémica. Este parecer logo no inicio afirma: “pela primeira vez na Franca, um documento agrupa o conjunto dos dados cientificos e médicos existentes sobre 0s distrbios mentais da crianca e do adolescente” (2005, p. 395). Afirmagao que des- qualifica todo conjunto de publicagées e pesquisas francesas no campo da psicopatologia infantil, fortemente marcada pela abordagem psicanalitica e que foram descartadas. Este parecer subscreve as ideias do DSM-IV quanto aos “transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infancia ou adolescéncia”, ¢ forlemente marcado por dados estatis- ticos e epidemioldgicos, pregando ao final uma formagio médica que siga esta mesma li- nha e concluindo com uma énfase na necessidade de pesquisas sobre a fisiopatologia dos transtornos mentais: “o trabalho dos pesquisadores poderia ser facilitado pela coordenacao dos trabalhos sobre o imageamento cerebral e a criagio de bancos de dados de imagens cerebrais” (grifo dos autores) e na importancia da “emergéncia de novos modelos animais” (Idem, p. 405) para a compreensao da patologia mental! Trés dos pesquisadores que figuravam neste grupo de especialistas franceses, psica- nalistas com ampla experiéncia ¢ publicagdes respeitadas na drea da psiquiatria infantil, Bursztejn, Golse e Houzel, recusaram-se a assinar 0 documento final e publicaram suas restrigSes (2005). Segundo eles, o documento “Jhes pareceu, assim como 0 conjunto dos trabalhos do grupo, parcial, redutor e até perigosamente enganador para o grupo de lei- tores muito amplo ao qual estava destinado” (Idem, p. 393). Eles justificaram sua posigao afirmando nao quererem “subscrever 3 fascinagao do quantitativo, as conclusdes epidemio- em termos de causalidade linear deste légicas superficiais ¢ as interpretagdes apressadas, linear ¢ ou daquele resultado da imagem cerebral, ou deste ou daquele dado paraclinico retirado de seu contexto” (Idem, p. 394). | Quais podem ser as consequé! demonstrar no percurso que tragamos, anet 28, politicas e ideoldgicas, para a psicopatologia da infanci Mais graves? __ Bursztejn, Golse e Houz Psiquiatria infantil, cuja dimens ficio de uma pseudomodernidade que busca a objetividade, ncias de todo este movimento que, como procuramos estd fortemente ancorado em motivagdes econdmi- ia, no que se refere aos quadros 1 (2005) alertam para “os perigos que ameagam atualmente a ‘o clinica ¢ relacional se vé regularmente relegada em bene~ transmitida com muito barulho Pela midia junto ao publico” (p. 394). Eles sustentam uma posicto dle base psicanaliticas ‘io psicopatologia ea consideragio da subjetividade e da singularidade de ada historia, ue formam o essencial da abordagem de todos os clinicos dignos desse nome (biden). Digitalizado com CamScanner a CO tiers negro la psiovptotagia cvntemporniinog ® 210 Accliniea dos problemas psiquicns graves da lutincia hoje “Tracemos um peril dos elnions atwatis que reevbem eriangats com graves ditieuldates vista psiquics, Ror un lado, observanos aquetes eauda yee mals avtatantes em sanisticn claro alo que avomete 0 etianga, Kar ote, elitiows dos mais vat Jas, mas tambent pediathas = reconhevent sinals de auitisme, do ponto de formutar um dia rindos = psiquiatras, neurologi ou de Asperger em um niimenyeada vee maior de erdangats, come base para un tratantente medicamentose ¢ indieagio de uni treinamento cognitive especiticn, Podemos questionar tanto os efeitos da prescriglo medieamentosa es tem que hiv um provesso maturativo do aparelho psigaien em curso, quanto os efeitos la postura do elinieo e das institudgdes, quanla se propdenn a "treinae” ung ethan de qen | eRU ALND SUP UNA teSOsta pM y moment proteasamente, por nizdes ditas organieas, nada mais sees siva de submissio ds tenicas adaptativ Do ponto de vista tedrico, pareee-nos que 6 prineipal ponto a destacae & 0 retorne a redugio da nogio de “psiquismo” ao funelonamento cerebral, como seo sistoma nervose central fosse 0 responsive inieo pelos axpectos paiquiicos alo indivialun humana, Ora, sabe mos que este sistema constitul Mlo-somente a superticle material receptive dos tugistins alas experiéncias internase externas que vo, poco a pouico, se onganizando para constitute unt mundo interto © uma reatidade externa, Freud destacout 0 papel das palaynas e dos tags mnémicos nesta construgio ¢ Lacan (1953) permit uma maior compreensio da nogto de | subjetividlade através de-sua hipdtese do lnconselente convo o disctttay do Outro, A psicandlise permite uma compreensio do ser humano como habitante da fasta: | gem, que tent nas palavras a esstncla de sia diferenga em relagdg dv outras eypteles anh mais, Porlanto, nenhuma etologia seria sufieiente para dar conta lo elemento human, que nio 6 regulado apenas pela genética, max também pelos fatoress simbolivos, Sendo avclty, conceber 0 psiquismo pressupde iy aklnt dow aypectos eognitivos, aecorrentes dhe ana meedinica cerebral, Para que sejan funeionals, ox aypectos coyynitivon neceneitany de ant ele mento organizador, que nada mats 6 «lo que a subjetividade, ‘Uma psicopatologla que nio se octipa dow aufelton ent sta condigao de wingularidade ede desejo passa ao largo da essénela humana, Ao meamo tenypo, correo a rhc de lesen: volver uma visio simplista do acontecer paleapatotdyica, na medica ent que ete 80 pode ser entendido dentro de um contesto & Intrimecamente tyato ao prdpeio warginento do sujelto, Desta forma, a puleopatologia refereste ao mabextar decorrente ca condigag extra tural dos humanos, que poriiem um corpo, mari devent habitar une nando de Haguagents no sio regulados pela natureza, maw pela cultura; ndo Wn lavthtow nour imprinitings que assegurem sia sobrevivéncla, deveny combater o desamparo nubmetontosse a tina depen: déncia primordial de um Outro, entrande no campo do denejoo do amor, nob a dylle doy makentendido do siyniticante, A ponigio paleanalitiea na qual now bacanion auxttlastion a for tania posigto itoren clada quanto ao debate sobre o dlagndatico na lnfaineta; hi uma Importineta eruetal 1a deteegio do rivco de entruturagio paledtlen, porque permite a Indicagaa de tratamento, cua precocidade ¢ extremamente relevant para on efellon palqulcos omperadan, bem como pati © conjunto do desenvolvimento da erlanga, Nexto tratamento & necematio Inyprlinte une diregio diferente daquela Indleada para on canon do neurone na tnfanela, Da nena fora, Digitalizado com CamScanner 211 + Questies da infincia deextrema importancia poder diferenciar a Psicose do Autismo, para a diregio terapéutica que sera proposta, ancorada na relacdo transferencial e seus efeitos. Por outro lado, um diagnéstico fechado de psicose, com as consequéncias que uma atri- buigio de lugar pode ter para a fragilidade identificatdria de uma crianga em risco, ou que a confusio entre sintomas de defesa e estrutura definida pode provocar, tampouco ¢ indicado. Sendo assim, parece-nos que o diagnéstico de psicose deve ser formulado quando se trata de uma fragilidade no processo de estruturagio subjetiva que pode desenca- dear defesas de tipo psicético; quando justamente nao se trata de uma questao perceptiva ou cognitiva como central; quando a relagio com 0 Outro nao tem esta recusa tio radical quanto no campo do Autismo. Mas este diagndstico deve ser colocado como uma possibili- dade de vir a se estabelecer e no como ja estabelecido. Fica indicado o risco de a estrutura evoluir na diregao da psicose se ndo houver uma intervencio apropriada, mas fica aberta a possibilidade de evolucao para um outro direcionamento estrutural. Neste ambito, 0 tipo. de tratamento que a crianca recebera tem papel fundamental, bem como a abertura eo aval dos pais diante deste adquire especial relevo. Trata-se, antes de mais nada, de propor um lugar de sujeito para esta crianga e de acompanhé-la nos caminhos que tomaré para dar conta desta antecipacao, desta aposta na sua subjetividade. A construgio do psiquismo para a Psicanilise Para a abordagem psicanalitica, a constituicio do sujeito depende do lugar que a crianga vai ocupar no interior de uma estrutura que é pré-existente e determinante de uma Posicao, Nao basta nascer com um corpo humane, é necessario ser esperado e antecipado em um lugar simbélico determinado, dentro da estrutura familiar, Tampouco estamos nos Teferindo a uma psicogénese das psicoses, mas a uma determinagao simbdlica, tal qual La- cana define, a partir do conceito de sobredeterminagao em Freud, em “Proposicao sobre a causalidade psiquica” (Lacan, 1946): sio fatores puramente significantes, em sua combina- téria, que definem previamente um lugar dentro da estrutura. A histéria de um povo, de uma familia, através de geragdes, numa ligacao estreita com os fendmenos da linguagem da cultura, os acasos que al incidem, propiciam combinatérias significantes que extrapolam 0s personagens da familia nuclear, determinando-os mesmo a sua revelia, O processo de entrada na estrutura simbélica é a condigo necesséria para 0 filhote humano habitar o mundo humano. E no interior deste processo que ele ter acesso ao sen- tido, a um sistema de significagdes compartilhado com seus semelhantes, que lhe permitira encontrar uma identidade para si mesmo, uma significagao para seu corpo e para o mundo ue o cerca, ao mesmo tempo singulares e avalizadas pelo grupo ao qual pertence. As intercorréncias neste processo vao constituir a crdnica de vida de cada um, vio definir as especificidades da ocupagio de um lugar tinico, singular, a partir do qual se posi- clonar perante si mesmo, os outros ¢ a realidade exterior. Surge deste processo um sujeito, 0u seja, um elemento organizador dos aspectos psiquicos, que se encontra primeiramente No exterior, representado pelas fungdes parentais materna e paterna, enquanto representan- ‘es do Outro - campo simbélico da cultura, das leis e da linguagem - organizadores iniciais, das vivéncias do bebé e da crianga pequena. O processo de constituigao subjetiva abrange @ apropriacéo paulatina disto que vem do Outro, através dos outros que sao significativos Digitalizado com CamScanner O livro negro da psicopatologia contemporiinea * 212 para a crianca, até tornar-se proprio. E no interior desta estrutura que cada sujeito recebera do Outro esta chave de significagdes que norteard o campo do sentido: a significacao falica, como Lacan (1958) a nomeou, a partir do conceito de falo para Freud. Se as vicissitudes no decorrer deste processo forem graves, impedirao justamente a aquisigao deste dispositivo organizador das significages ~ é a chamada foracluséo do Nome-do-Pai proposta por Lacan: os significantes que poderiam servir de eixo central para a construcio da subjetividade nao se inscrevem. As consequéncias desta foraclusao para a crianga implicam uma dificuldade no campo da linguagem, deixam-na & margem do cam- po do sentido, na medida em que néo compartilha um pacto simbélico que possibilita a comunicagao. Sao criancas que sofrem por estarem fora desta significagao félica. Esta falta de sentido afeta clinicamente todas as suas manifestacdes: no campo da conduta, do corpo, da mensagem, do cédigo, das fungdes matematicas, como bem descreveu Volnovich (1993). Para este autor, ela “perde o sentido do seu prdprio ser” (p. 130), enquanto ser falante perde a capacidade de simbolizar o real. Podemos observar que esta compreensio clinica abarca todos os sintomas descritos como caracteristicos da psicose e do autismo da crianga nos ma- nuais de psiquiatria geral, mas aqui entendidos clinicamente. Pois nao basta descrevé-los e elencé-los isoladamente, é necessario entendé-los como referidos ao campo da significacao. Se este campo carece de uma organizaczo, se a crianga nao dispde como recurso interno deste organizador, nao ha um sujeito nela que possa responder singularmente pelas diver- sas habilidades e adaptagées requeridas no processo de desenvolvimento, nem resulta des- te processo uma definicao de uma identidade para ela propria, mesmo que nada do ponto de vista maturativo esteja em falta. Entretanto, pela propria definicao de infancia enquanto tempo de desenvolvimento; ou pelo préprio conceito de infantil que prevé uma série de operagoes psiquicas que marca- 14a relagio do sujeito que surgiré com um Outro, neste entrecruzamento entre os aspectos evolutivos e estruturais que ai esto em jogo, nao se trata ainda de algo definitivo. Este inacabamento préprio da infancia marca a psicopatologia da infancia e é respon- sdvel pela dificuldade de definir quadros nosolégicos distintos e claros. Como afirma Vol- novich (1993), “a psicose na infancia, muito mais do que um conjunto de signos, revela-se como formas clinicas que atestam as vicissitudes do desejo na crianca. Em outras palavras, as formas clinicas sao, antes de mais nada, formacées do inconsciente” (p. 45). Entendemos, com Lacan, 0 Inconsciente como 0 discurso do Outro, que necessita de um tempo de alienacao para se inscrever, primeiramente como letra e depois como signi- ficante; seguido de um tempo de separacao no qual se situa o Recalque, mecanismo or- ganizador das instancias psiquicas. Somente a partir de entio algo passa a ser préprio do sujeito, na medida em que o Outro nele esta recalcado, ao mesmo tempo em que situa 0 lugar no qual ele ek-siste, em um desconhecimento de si que se revela a cada formagio do Inconsciente e que o determina. Na psicose, temos uma falha no tempo de separacéo, que impede a instalagao do Recalque. O Outro nao aparece como faltante, barrado em seu goz0, tampouco suas palavras se invertem para permitir ao sujeito receber dele sua prépria mensa- gem, desconhecendo sua alienagao. Instala-se, pelo contrario, uma nao inscrigao do elemento terceiro, a foraclusio que denota a falta dos significantes organizadores da cultura falica. Entretanto, na infancia esta nao inscricao nao implica necessariamente uma instalagdo na psicose, pois isto que nao esta inscrito pode ainda estar aberto a inscricées. Digitalizado com CamScanner 218 # Questiss da infiineia Lang (1979), em seu trabalho sobre As Fronteinas da Psi de um “nicleo psicopatoligico” para reter ose Infantil, aucle & presenga ses categorias no definidas no campo da psicose infantil, Propomos relacionar este micleo psicopatoldygico com o mecanismo de fo- raclusio do Nome-do-Pai, para tentar pensi-lo no tempo da i Abre-se, poi faincia, todo um campo de pesquisas a propésito do sofrimento implicado nas criangas que se situam neste fora de lugar, neste sem sentido na telagio com o campo da significagao falica, mas que apresentam paradoxalmente, em determinados momentos, si- nais de busca deste sentido. Como jé afirmamos (Bernardino, 2004), “pensamos que este diagndstico de PsiCoses NAODECIDIDAS ¢ um operador clinico mais condizente com estas caracteristicas da infancia edo priprio processo de estrutucagio subjetiva, que implicam a entrada do pequeno suje- to no campo da linguagem, a partir da relagio com tim Outro que sustenta dentro de um tempo que vai constituir o infantil” (p. 35). este processo, As psicoses na infancia sio nao-decididas O tempo da infancia, caracterizado por um tempo geriindio, de insergao no campo da linguagem, de inacabamento em relagio a identidade, poderia abrigar a ideia de estrutura definida uma vez por todas? Pensamos que nao, pois, a clinica no-lo demonstra; dificilmente, na infancia, estas defesas de aparéncia psicdtica se apresentam sem, paralelamente, encontrarmos uma pos- sibilidade de abertura para o Outro e de apelo ao outro, caracteristicos do funcionamento ( neurético. Para Alfredo Jerusalinsky (1993a), por exemplo, “poder-se-ia dizer que as psicoses infantis precocissimas devem ser consideradas, de um modo global, como nao decididas. Precisamente porque ainda esta para se decidir até que Ponto esta inscrigao poderia vir a adquirir uma formulagao metaférica” (p. 23). Este autor (1993b) propde 0 que chama de PSICOSES NAO-DECIDIDAS, justificando: “a infancia reconhece a possibilidade de estados provisérios, nao-decididos, que vio se de- Cidir tardiamente quanto a estrutura. E tem o que chamo de psicoses nao-decididas, ou indecididas, porque realmente nao se produziu uma inscrigao definitiva, ha uma espécie de suspense, de escansio, de dilatagao dese momento de inscrigao, de captura da crianca no campo da linguagem numa posicéo subjetiva”. E acrescenta, como contraponto: "Sendo, haveria que pensar que uma estrutura ¢ algo de inefavel, esta além das palavras, as palavras nio teriam eficécia nenhuma, e pelo que sabemos, a psicanélise descobriu precisamente que @estrutura é obra das palavras!”. Se concebermos, como Lacan, que o inconsciente é estruturado como uma linguagem; se considerarmos, como Freud e Lacan, que a estrutura ¢ obra das palavras; , ainda, que no campo das palavras 0 acesso & significacao se da no s6-depois, nao poderemos conceber 0 tempo da infancia como 0 tempo do ato que daa ver a estrutura. A infancia é 0 tempo das insctigées ¢ da confirmacao destas inscrigdes, vindas do Outro. Assim, podemos afirmar ‘que a estrutura na infancia é ndo-decidida. A inscrigio fundamental cle que se trata - do Nome-do-Pai como instancia represen- lativa da falta estrutural do campo simbdlico - néo se faz de uma vez. Sao necessdrios os Digitalizado com CamScanner O livro negro da psicopatologia contemporinea * 214 tempos de inscrigio, apagamento e interpretacio, responsaveis pela inscrigao dos signifi- cantes primordiais. Esse processo nao deve ser entendido em sua linearidade, mas em termos da ressigni- ficacio permitida pela retroacio do tiltimo termo sobre o primeiro, porque pressupoe uma l6gica ja trabalhada por Lacan (1945) em “O tempo légico e a assercio da certeza antecipa- da”. Neste texto, Lacan propée os tempos légicos do instante de ver, tempo para com- preender e momento de concluir, como os trés tempos necessérios para um sujeito chegar a uma conclusio afirmativa sobre si mesmo. Conclusao esta que dependeria dos outros que 0 rodeiam, da passagem do tempo e da referéncia simbélica. Entre estes tempos, produzem-se escansdes, que marcam as vacilagdes do sujeito, enquanto a funZo da pressa é essencial, na ‘medida em que é antecipatdria do que ainda vira se confirmar. Propomos uma articulagdo entre estes tempos para situar 0 processo da estruturagao do sujeito, pois se trata de situar a inscrigdo do significante Nome-do-Pai considerando que um significante precisa de tempos para se inscrever e operar, ‘bem como que estes tempos obedecem a uma légica psiquica, de ressignificagao do depois sobre o antes, tal qual Lacan descreveut. Assim, antes de haver uma decisio quanto a estrutura, ou uma efetuacao da ‘mesma, nos termos propostos por Colette Soler (1994), a crianca passaria pelo que denomi- namos trés momentos-chave, a saber: 1. O instante do olhar, articulado ao tempo de inscrigéo do significante, momento no qual, a partir do olhar do Outro primordial, ocorrem dois movimentos entrecruzados: funda-se um sujeito, pela introjecdo simbélica da marca transmitida por este Outro, Ideal do Eu, que ¢ tomada como traco identificatério na linguagem; e constrdi-se sua imagem corporal, por identificagao ao Eu ideal, projecao imagindria do desejo do Ou- tro que resulta no narcisismo primério. Temos ai as operagdes psiquicas da Alienagao e do Estadio do Espelho, respectivamente. 2. O tempo para compreender, articulado ao segundo momento do apagamento da mara, que podemos conceber como a inscrigio do Recalque originério, a partir da ins- crigéo do Nome-do-Pai. Temos ai as operagdes psiquicas da Separacdo, seu corolario que 6 a operacao do Fort!Da! demonstrativo da entrada do sujeito na linguagem ena fala, e a operacio psiquica do Edipo. 3. Omomento de concluir, articulado ao terceiro momento da interpretagao da marca, contido no movimento que pée fim a operacao psiquica da laténcia e conduz 0 sujeito 4 adolescéncia, também entendida como operasao psiquica, pois seria o terceiro tem- po que ressignifica os anteriores e permite finalmente uma asser¢ao do sujeito sobre si ‘mesmo, sua escolha de sinthoma, Todos estes tempos, a crianca nao os vive sem os outros, pois o Outro é representado por sucessivas pessoas, das quais a crianca espera palavras que tornem possivel seu acesso 20 sentido proprio. Nos diversos momentos em que se trata de passar de uma operagi0 psiquica para outra - momento especular / Fort!Da! / Edipo - em que as significagées ficam “caducas” e se rompem, a crianga fica em suspensao, mas ainda aberta ao que vird do Ou- Digitalizado com CamScanner 215 * Questdes da infiincia to, pata $6 se crstalizar em sintomas defensivos graves quando o vario da falta de signifi- cante no Outro for absoluto, nao intermediado por nenhum interlocutor. Em outras palavras, para a foraclusio do Nome-do-Pai se estabelecer como meca- rismo basico de posicionamento no campo da linguagem, é necessério que esta fungdo paterna no se apresente enquanto nome no primeiro momento (tempo do especular e de alienacio), nem se apresente como real no segundo momento (tempo edipiano). Ainda as- sim, atéaadolescéncia (o momento de concluit, ¢ possivel que uma laténcia(o tempo para compreender) ~ mesmo que longa ~ represente um tempo de espera de uma sustentac3o possivel desta funcao no Outro, ou seja, de uma significagao félica, A direcio do tratamento Partimos da hipdtese de que a formacao do psicanalista Ihe dé condicées de recon- ciara crianga com a funcio simbélica do Outro. O que se pode perceber, a partir de uma letura atenta dos diversos aspectos envolvidos na pratica clinica com estes pacientes, es- pecifcamente sob uma abordagem psicanalitica, como ja afirmamos (Bernardino, 2004), “é que a relacao transferencial que ocorre entre a crianca e o psicanalista, entre este ultimo ¢-os pais, no decorrer do tratamento, tem um papel fundamental na evolugio do quadro inico” (p. 37). As intervengdes propostas pelo campo social e pelo médico/psicolégico para as psi- Coses- tais como a modificagao de comportamento, a programacio psicolinguistica, os mé- todos de treinamento ~ mantém a crianga na posicao de ser objeto para o Outro, Outro este que aparece como completo e detentor do saber, na mesma posicao justamente do Outro da Psicose — ndo-barrado, todo, ndo-castrado. i A iintervencio do analista se faz, entdo, em uma posigdo transferencial de sustentagao do campo das palavras e das possibilidades de sentido que elas franqueiam. Ao mesmo tem- Po, apresenca do analista, ao acompanhar os Pacientes nas trilhas significantes que escolhem, Permite uma parceria que assegura que esteja presente o balizamento félico — cuja transmis- 0. conforme Lacan (1955-1956), falha na psicose, pela nao inscrigdo da fungdo paterna en- Aan? Nome-do-Pai, signficante que remete a0 falo e seu papel organizador do psiquismo. Além disso, como o analista aceita estar em Posicao de falta, ou seja, daquele que nao sabe tudo sobre o paciente, transferencialmente, apresentam-se ao paciente as possibilidades da fata de significante no Outro de uma maneira nao aterradora, de modo a poder aceité-la sem tal No vazio do real tantas vezes vivenciado nos momentos psicdticos. Momentos estes que Ssclam, justamente, entre um Outro todo presente que nao apresenta nenhuma brecha para °Sujeito comparecer; e um Outro todo ausente que nao intermedeia as experiéncias vividas Pela crianga ~ deixando-a no limbo quanto aos acontecimentos que a rodeiam. Consideracdes finais rede. decorrer de nossa argumentacao, procuramos ressaltar uma diferenca radical en- duas abordagens, A da psiquiatria de origem norte-americana, divulgada amplamente 1.8 do DSM-IV, referida a psicopatologia geral, com critérios estatisticos e descritivos. E teat Ficandlise, utilizada nos manuais da psiquiatra clssica eem muitas publicagbes,nes- Mis de cem anos de existéncia da psicanilise enquanto discurso teérico-clinico,rferida Digitalizado com CamScanner icopatologia contenipordaea * 216 4 psicopatologia fundamental, com critérios fundamentalmente clinicos, de entendimento de um quadro & luz de sta origem, sua contextualizagio c sua fungio ps O que goslariamos de ressaltar é que 0 ponto central da diferenga entre estas abor- dagens silua-se na concepgio de crianga com a qual se esta trabalhando, a qual norteia a terapéutica indicada e o posicionamento do clinico. Vimos que a primeira abordagem ~a do DSM-IV -, embora se defina como atedrica, condiz, com a tendéncia do discurso cientifico pos-moderno de eliminar a subjetividade, objetivar cados generalizaveis para amplas situagies e propor técnicas répidas, mensuri- eis e econdmicas de intervengao, Portanto, a nogao de crianga ai se encontra subsumida 4 concepgio de um ser dotado de um psiquismo reduzido ao cérebro ¢ seu funcionamento automitico, Os fatores externos, chamados estressores psicossociais, podem interferir neste mecanismo a partir de padres de aprendizagem adequados ou nao, ¢ cuja patologia deve ser entio tratada a partir de medicamentos corretores da quimica cerebral, de técnicas de {reinamento ou modificagio de comportamento que corrigiriam sua apreensio cognitiva do mundo ¢ promoveriam sua adaptagio ao meio, | Para a psicanalise a nogio de crianga abriga o conceito de infantil, ou seja, a infancia | do sujeito, Proceso a partir do qual o filhote humano vai se tornar um habitante da lingua- gem, um falasser, com um desejo proprio, uma capacidade de simbolizar 0 mundo ao seu redor e um determinado estilo de lidar com a falta estrutural implicada na sua condigao humana, em suma, sua subjetividade, Sendo assim, entendemos a retirada do termo “psicose” do manual atualmente uti- lizado como base diagnéstica para as psicopatologias da infancia, como um reflexo do momento histérico cultural tual. Esta “foraclusiio” a que assistimos de um modo tio ge- nneralizado no campo cientifico reflete-se nesta énfase no aspecto cerebral cognitivo, néo ha- vendo o reconhecimento do psiquismo como uma organizagao propria, que nao esta ainda pronta ao nascimento, que leva & construgao da subjetividade, Isto reduz.a compreensio da crianga ede mento, bem como os recursos que deveriam ser oferecidos a ela ea sua familia para lidar com este sofrimento, A visio clinica que sempre foi a marca registrada da psicandlise pretende, na contra- mio deste movimento, ressaltar o mal-estar como a consequéncia estrutural de nossa con- digio humana de seres que abandonaram a natureza para habitar um mundo de palavras e de significagées, nunca completas ¢ nunca totais. O sofrimento esta em nao ter acesso a0 sentido ¢ em ficar preso d totalidade de um Outro sem limites. A psicopatologia se instaura como instincia de defesa, para proteger o minimo de existéncia simbdlica possivel. E esta psicopatologia que psicanalista acolhe, com respeito, e escuta, Foi do mal-estar que se originou a cultura, foi da falta que tantas possibilidades de substituigao surgiram, é do | desejo que advém a oportunidade para criar, Portanto, nao se trata de eliminar a defesa, 0 sofrimento, a falta, mas de encontrar caminhos simbélicos para que o sujeito se encontre reconhecido e possa escolher um estilo de viver. eu sol Referéncias bibliograficas Burwanpino, Leda M. F. As Psicas Casa ‘Néo Decidides da Infincia: um estilo psicanalitico, S30 Paul Digitalizado com CamScanner 217 © Questies da infinncia Burstew, C, Gorse, B & Hovztt, D. Histéria de uma recusa. Revista Latinonmericana de Psicopatologia Fundamental, ano VII, 3, setembro de 2005, Sao Paulo: Escuta, DSM-IV ~ Manual diagndsticoe estaistco de transtornos mentais, 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Jenusauinsny, A. Psicose e autismo na infancia: uma questio de linguagem. In Psicose — Boletin: da APPOA N° 9. 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