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O Conceito de hegentonia de Gramsci Gruppi se propde aqui a demonstrar que Gramsci recupe- ra nao apenas o cerne da obra de Marx, como também a linha de continuidade do pensamento € da pritica de Lénin, esta- belecendo 2 mediacdo dialética entre a teoria marxista e a reulidade conereta de sua época, Neste sentido apresenta um roteiro pura a leitura de Gramsei onde o autor italiano apare- ce em sua face integral, cu seja, 0 portedor auténtico do dis- curso cientifico do marxismo e, ao mesmo tempo, 0 criador de tima praxis revoluciondria que, embora inovada para um momento hist6rico diferente, se revela um desdcbramento dos principios formulados por seus mais eminentes antecessores. Lucizno Gruppi ¢ um dos mais acatados pensadores italianos da atualidade, universalmente tido como profundo conhecedor da obra de Gramsci, Este seu livro corresponde a uma tentativa — sem divida muito bem sucedida — de alcan- gar_o cere das obras desse intelectual ¢ lider revclucionirio italiano que dirigiu a oposigao operdria ao fascismo, a partir de uma interpretagio do conceito de hegemonia. Este con- ceito, fundamental na linha de reflexto gramsciana, tem levado muitos cientistas politicos a perceberem em Gramsci um autor ‘desviante” em relagéo ao marxismo dito ortodoxo. Gruppi Procura encaminhar sua andlise no sentido de mostrar a falé- cia de tal proposicao. Entende que a formulacao tedrica de Marx 6 um supesto da obra de Gramsci, sem a qual, inclu- sive, ela no se toma inteligivel. Mais que isso, entretanto, é a Lénin que 0 pensador italiano toma como referencia. Seu interesse esti em caracterizar com absoluta precisdo uma dada formacéo social, ou seja, utilizar o instrumental teérico do marxismo na anélise Ge uma realidade concreta, propondo as formas especificas de viabilizar mudangas estruturais nesta realidade. O ponto ¢ enfatizado com bastante rigor ¢ crucial para um correto entendimento da posicio de Gramsci no con- texto intelectual cientifico do marxismo. Capa: Ant6nio Henrique Nitzche Ficha catalografica (Preparada pelo Centro de Catalogagdo-na-fonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ) Gruppi, Luciano. G94ie Conceito de hegemonia em Gramsci; traducdo de Carles Nelson Coutinho /apresentacdo de/ Luiz Wer- neck Vienna. Rio de Janeiro, Edigdes Graal, 1978. (Pie Estudos Humanos. Série. Teoria politica, a Do original em italiano: 11 coneetto di egemonia in 1, Gramsci, Antonio, 1891-1937 ~ Filosofia I. Titulo IL, Série cpp - 195 77-0601 CDU - 1 Gramsci Vv A PROPOSITO DE UMA APRESENTACAO Lia Werneck Vianna Recentemente uma prestigiosa revista-magazine americana estampou com estardalhago sm sua capa a seguinte chamada para sua matéria principal: “Marx esta morto”. O esperado gol- pe de morte teria sido desferido pelos jovens novos-filésofos franceses, na maior parte egressos de organizacdes de fraseologia ultra-radical. Para eles, o que se vinha entendendo como defor- staliniana, longe de ser algo como wm elo perdido - ou a perder ~na praxis marxista, seria o fruto natural de sua esséncia, também presente em Lénin e, sem divida, contido em germe ou essencialmente no proprio Marx. O marxismo néo 56 estaria condenado a representar um pensamento do século passado, como traria incorporado de modo irreversivel um componente autoritério nfo compatfvel com as exigéncias democraticas da nossa era. ‘Marx est morto. Esta? Ao lado dessa questo - ndo muito nova ~ tem subsistido uma outra, nem sempre explicitada apenas pelos que estio fora do circulo de aderentes ou simpatizantes do marxismo, Confirma-se a vitalidade ¢ a exceléncia da obra de Mary, decretando-se, porém, a falta de vida aparente no marxis- ‘mo, empobrecido por maus praticantes, ¢ a coagulagzo em geral da Sua teoria, Com matizes e significados variados, a proposigao ora provem de setores distantes do seu campo intelectual, ora préximos ou de dentro dele, bastando lembrar 0 caso de um pen- sador do porte de G. Lukécs que disse, com despropositada hu- mildade, que desde Materialismo e empiro-criticismo ¢ 0 Imperia- lismo, etapa superior do capitalismo, ambas obras de Lénin, 0 marxismo posterior a Marx no teria trazido qualquer outra contribuigio relevante. ‘A dar credibilidade aos novos-filésofos, admitindo-se a morte intelectual de Marx, valerd a concessio, potém, de que, pelo menos & primeira vista, Gramsci est a desfrutar de muito v boa satide. Mas Gramsci & marxista’ Se é, que espécie ¢ essa de marxismo em Gramsci? Uma heresia ocidentalista, uma hetero- doxia de fundo liberal, como tantos querem identificar? “Uma politica sem uma economia”, como presumivelmente a obra de Maquiavel teria sido ~ vendo'se em O Principe apenas a perspec- tiva da engenharia de como persistit ocupando 0 poder, € nao 0 Estado nacional italiano em fungio da ordem burguesa emer- gente? Qual 0 Gramsci - ou que Gramsci se quer =, 0 dos con- selhos de empresa da fase juvenil de Turim, ou o intelectual it liano que dirigiu a oposigao operiria contra o fascismo e, sendo preso, pretendeu escrever uma obra que triunfasse sobre'o tem= po Mas se Gramsci € marxista, eis algo a questionar aquela tal- ‘vex intempestiva proclamagao, Por outro lado, € a0 largo dessas evidéncias de wishfull thinking, sendo 0 marxismo uma praxis, trata-se de um equivoco reparar no seu processo de desenvolvi- mento meramente no momento teético, digamos, quase- académico. A consideracio da precis4o 4 andlise, mas nao a faci« lita de modo algum. Consiste num tema complexo e sensivel, ‘examinando-se a evolugio de uma dada concepgéo do mundo ou mesmo do fazer artistico, localizar um autor importante e criati- Yo no contexto intelectual de uma formagio teérica. Até que li- mites se conteve no quadro original? Qual a sua leitura peculiar? ‘Onde desenvolveu com originalidade ¢ onde ficou circunscrito ou nao aos postulados da sua teoria de recorréncia? Sao duros problemas a examinar. Ortodoxo, heterodoxo, criador de novo campo intelectual? Sdo também algumas das indagagdes feitas com freqiiéncia, ___ A igreja romana tem uma boa experiéncia de reflexdo sobre isso, € 0 sistema das ordens religiosas acabou por funcionar ‘como um mecanismo de cooptagdo de movimentos inovadores nao inteiramente assimilaveis a princfpio pela instituigdo, apesar de sua profunda identidade substantiva com a versio catdlica do ctistianismo. Mas 0 marxismo ndo é um dogma, ndo dimana de uma fé, enquanto que a ortodoxia catdlica se faz verificdvel & luz de principios estabelecidos atemporalmente. Por outro lado, nfo ‘consiste apenas numa cigncia ~ se bem que compreenda um mo- mento cientifico em sentido pleno =, ¢ andara distante da sua rea- lidade quem assim restringir sua interpretacao. Constitui acima de tudo uma préxis orientada para a transformagdo da socied. de, concebida no tempo da dominacdo do modo de produgo capitalista, com vistas a preparar ¢ conduzir 0 surto de uma so- ciedade sem classes. ‘Ao contririo do capitalismo, que se originou e se formou de dentro da sociedade feudal, o socialismo nfio emerge “natural- VI mente", Tendo uma base objetiva, expressa entre outros indica- dores pela magnitude da socializagdo da produgdo sob o capita- lismo, 0 socialismo sé pode se tornar modo de producio domi- nante a partir da vontade coletiva de um ator social especifico - ‘a classe operaria -, de um projeto humano socialmente conduzi- do, que varia conlorme as condigdes de cada formagao social. Tendo-se lido ow ndo Marx, vale dizer, dominando-se ou nao 0 discurso cientifico do marxismo, 0 fato de assumir esse projeto € participar nessa vontade coletiva faz do militante social um mar- xista Resulta que o que se chama de fil interpretagio é dada pela praxis, pelo resultado transformador ou no de uma vontade or- ganizada coletivamente agindo na arena politica no sentido de dirigit 0 esforgo social para a fundagdo de uma sociedade sem classes. Conseqilentemente, por sua propria natureza, so inapli- edveis ao campo conceitual do marxismo as categorias ortodo- xia/heterodoxia, © marxismo ou se apresenta sob sua forma re- volucionéria, ou no passa de uma contrafagao revisionista. O principio basilar enunciado por Lénin da “andlise conereta de luma situago conereta” nao pode suportar 0 viés dogmitico da avaliagdo de um momento singular pela leitura de um corpus doutrinario, Cada formagao social é tinica, nao sé pelos elemen- tos estruturais que Ihe modelam a constituigio, como pelos tra- cos conjunturais, complexo emaranhado para onde confluem as Geterminagdes mais gerais ¢ as mais particulares, que freqilente- mente s6 adquirem importincia para a andlise ¢ a agdo.“num momento atual”. Sera marxista a praxis que formular a um sé tempo o sistema de leis do provesso objetivo e contraditério em ‘curso ¢ 0 programa de agdo transformadora para a vontade cole- tiva interessada numa outra forma de convivéncia social. Desconsiderando-se esse aspecto essencial, qual scja, a de que o marxismo vivo esti sempre por se fazer, a tendéncia dog- matic, como observou Lukacs na “Carta sobre o stalinismo", fayorece a aboligio “de todas as mediagées, a instituir uma co- nexio imediata entre os fatos mais crus ¢ as posigées tedricas mais gerais”, ' Procedimentos de validade ocasional, taticos, de- correntes de uma conjuntura de contornos definidos ficam, as- sim, como que aguardando legitimagao direta da teoria, Com is- so, corrompe-se a teoria, que se cristaliza em livro, interrompen- do-se 0 fluxo dialético entre cla € 0 real-concreto, ja que este € pensado através de categorias aprioristicas, quando ndo ad hoc. ‘Como muitas vezes ocorre, ainda que em termos praticos se inove no plano do confronto com o conereto, a tendéncia dog ‘matica somente assume a inovagio ao abrigi-Ia com o frascado de algum ponto doutrindrio supostamente estabelecido, O mes- vu mo Lukics observa que, quando Stalin se opds a um caminho imediatamente socialista para a revolugdo chinesa, decorrente, como argumentavam seus criticos, das condigdes de predomi- nancia do modo de producio asidtico nessa formagio social, re- cobriu sua justa apreciagdo favordvel a uma etapa democrético- burguesa com uma vinculacdo a um inexistente feudalismo chi- és, Entre a oped de instalar teoricamente sua acertada alterna tiva estratégico-titica no terreno concreto da andlise da realida. de chinesa, ¢ sua “legitimagao em teoria”, preferiu-se essa tlti- ma, 0 que s6 poderia repercurtir sobre o grau de dificuldade do seu entendimento ¢ sobre a prépria teoria, que ndo pode se de- senvolver. ? Ser marxista se afasta bastante, pois, da idéia simples de “espelhar em si a teoria de Marx, numa espécie de exercicio re- torico tho aparentado com a postura intelectual de um manda- rim, Abragar essa concepcdo do mundo nao resulta apenas de um comprornisso intelectual, mas igualmente prético — um en- frentamento tedrico-concreto com o social no objetivo de trans- formé-lo, como o proprio Marx jé advertira desde a primeira tese de Feuerbach. Essa problematica coexiste com uma outra, com ela correla- cionada, mas de certo modo independente ~ a especificamente cientifica. Morgan, Darwin, Hilferding, entre outros, sem serem marxistas, contribuiram nao sem pouca importancia para a teo- ria tanto em Marx, como em Engels ¢ Lenin. De outra perspecti- va, mas observando 0 mesmo assunto, ha casos de pensadores € politicos de importancia variada na praxis marxista, que, mesmo sendo individualidades fortemente representativas, no contri- bbuiram diretamente para o desenvolvimento da teoria ou, quan- do 0 fizeram, nao tiveram éxito ou, pior ainda, foram responsd- vyeis por sérios equivocos, como foi o caso da extraordinéria Rosa Luxemburgo. Lénin, © melhor intérprete do marxismo apds a morte de seus fundadores, foi também seu pensador mais original e eriati- vo a partir da iltima década do século passado, seja pela obra teérica, seja pela atividade politica, Em sua obra tedrica, estabe- lece 0 ‘paradigma para uma sociologia marxista, nessa obra- prima Desenvolvimento do capitalismo na Rissia, surpreendente pela pouca idade do autor, em seus textos dedicados & filosofia e 4 teoria econdmica, e talvez principalmente nos seus textos de combate politico-ideolégico do tipo Que fazer, Duas téticas... Doenga infantil... Teses de abril ets, onde propde seu método para o exercicio da praxis da classe operaria na luta pelo poder politico ¢ hegemonia social. Através da atividade politica, torna- se 0 condoitiert moderno do proletariado ¢ o cientista ¢ artista politico principal.na edificagdo de um novo Estado e das primei- Vu ras instituigdes soviais criadas na histéria por essa classe. Encon- ‘rarse-ia em situacdo de profunda incompreensio quem nele sim- ploriamente visse um pensador ou politico que desenvolvera de ‘modo linear algo enunciado ou implicito anteriormente, O papel da instancia politica, da atividade politica, da praxis revolucio- nari da classe operaria so, no fundamental, criagdes leninistas, criagdes es8as que ampliaram ¢ aprofundaram 0 universe tedrico do marxismo, instrumentalizando, de forma superior, para a agio a classe que representava, No caso de Gramsci, sublinhe-se logo a singularidade de sua obra como autor marxista, cujo tema consistiu no estudo observacio dos fendmenos superesiruturais, a politica, a cultura € 0 sistema de valores no contexio de uma ordem capitalista, Desa especislizagao ~ talvez a mais extremada entre os grandes pensadores mamxistas - ¢ da incompreensdo do seu sentido, tém resultado muitas das acusagdes de heterodoxia por parte da criti- ca no marsista, se bem que tenha escapado de ser visto como revisionista, categoria propria dos marxistas para indicar o des- vio e 0 erro na sua praxis. ‘A nosso ver, 08 comentArios de Gruppi, de importéneia de- cisiva para uma leitura rigorosa de Gramsci, sugerem como pon- to de partida uma indicagao fecunda: nao ¢a Marx que esse inte- lectual italiano visa desenvolver, e sim a Lenin, precisamente 0 pensador que determinou o campo ea forma de aedo do principe moderno. De nossa parte, sugerimos que Marx estabeleceu para cle 05 supostos epistemologicos da sua reflexio e, sobretudo, a tcoria do modo de producao capitalista. Gramsci nao seria inte- ligivel sem essa externalidade a conformar seu marco de referén cia conceitual, que nele surge como um “dado”, um patamar j& conquistado sobre 0 qual constréi sua contribui¢do. ‘A opcdo gramsciana de refletir sobre o marxismo através do aporte de Lénin se manifesta em dois momentos cruciais - um na Juventude ¢ outro em plena maturidade, Em janeiro de 1918, a ‘comentar e saudar 0 advento da revolugao russa como uma “re~ volugao contra O capital de Marx”, enfatiza a especificidade do elemento subjetivo, da politica, da organizacdo, criticando o que seria 0 residuo de um determinismo mecanicista em Marx - sua contaminacio pelo positivismo e o naturalismo. “A revolugio dos bolcheviques resulta mais da ideologia do que dos fatos, Ea revolugéo contra O capital de Karl Marx”. ? Na Russia, O capt- {al teria sc tornado nao o livro do proletariado, mas 0 da burguc- sia, que nele se apoiaria para reclamar o surgimento da era do seu dominio, instaurando-se uma civilizagio de tipo ocidental enquanto que a classe operdria deveria aguardar a plena matur g40 do modo de producdo capitalista para luter pelo poder. 1x ‘Com todos 0s seus equivocos, a reagiio de Gramsci consistia numa justa repulsa, isto sim, as posigdes reformistas da I Inter- nacional, que com seu grosseiro positivismo negavam a presenga do elemento subjetivo na revolueio proletéria. Na visio pré- critica do jovem observador, porém, o leninismo era quase que assimilado a um culto da vontade de sabor soreliano, substituin- do a deformacao mecanicista por uma outra, de sinal contrério, ‘que afirmava primado da politica na transformacao social. ‘Ao estudar essa importante passagem na biografia intelec- tual de Gramsci, L. Gruppi esclarece com equilibrio: “A posigao subjetivista, voluntarista, € aqui evidente; os julgamentos sfio ‘acerbos, Mas a substancia € que Gramsci compreendeu como a revolugio de outubro havia sido a critica viva de uma falsa interpre- tacdo do marxismo; como, depois da revolugéo de outubro, se deve reexaminar a interpretacdo do marxismo que se afirmara na Ulf Internacional ¢ no Partido Socialista Italiano. E preciso rea- firmar a fungao do sujeito revoluciondrio ¢ liberar-se de uma concepgio de marxismo como determinismo econdmico vulgar” (ver cap. IV deste livro). Mais tarde, j& nos Cadernas, retorna 20 ponto, examinando fo tema, que hoje se féz cléssico, das alternativas estratégicas con- tidas na chamada guerra de posigées € na de movimento. A seu vver. os acontecimentos de 1917 teriam anulado na Europa a pos- sibilidade de um Estado se ver apropriado - e mantido ~ por um movimento fulminante comandado pelo principe moderno. As- sinalariam, como diz, uma “reviravolta decisiva na histéria da arte e da ciéncia politica”.* Também aqui seré Lénin quem transfere um problema e quem vai dar suporte & construco ‘gramsciana, no contexto da polémica com Trotsky a respeito da Tevolugdo permanente, que na tradueio de Gramsci foi com- preendida como a forma politica de se conduzir uma guerra de movimento contra o capital. E cabal a identificacdo do intelectual italiano com o ponto de vista leninista, Para ele, nos Estados capitalistas avangados a sociedade civil se teria transformado “numa estrutura muito complexa e resistente as “irrupgdes” catastréficas do elemento econémico imediato”, © suas. superestruturas funcionariam ‘como “‘o sistema de trincheiras nia guerra moderna”. * Tornou-se ‘blebre a formula de Gramsci: “No Oriente 0 Estado era tudo, & sociedade civil era primordial e gelatinosa; no Ocidente havia en- tre o Estado e a sociedade civil uma justa relagdo, ¢ em qualquer abalo do Estado imediatamente descobria-se uma poderosa es- trutura da'sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira ameagada, por trds da qual se situava uma robusta cadcia de for- talezas e casamatas, em medida diversa de Estado para Estado, ¢ x claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento do cardter nacional”.* ‘© entendimento dessa realidade separatia Lénin de Trotsky no que se refere a revolucdo européia e & questio crucial da “re~ volugdo num s6 pais”. A negacdo da tese da revolugdo perma- nents por parte do primeiro significaria, a um s6 tempo, seu am- plo dominio do tema nacional russo edo europen, enquanto seu opositer, viciado por uma visio cosmopolita, compreenderia mal a dupla dimensdo do problema revoluciondrio. Lénin teria percebido que a revolucdo proletéria néo poderia reproduzir as ‘operacées politico-militares iniciais da grande revoluedo burgue- sa, quando Bonaparte “exportou” o dominio burgués para o res- to da Europa. O importante conceito de “elo mais fraco”, pro- duzido para indicat a particularidade da situagdo nacional russa no contexto europeu, indica que se trabalhava igualmente com a nogio de “elos mais fortes”, formagdes sociais onde a burgue- sia se constituiria em classe hegemOnica, Nesses casos, 0 &xito militar inicial poderia inclusive se comportar ardilosamente, dado que nfo se tratava de libertar uma sociedade civil de um Estado a ela antagdnico, vendo-se os conquistadores sitiados pe- las solidas trincheiras da burguesia na sociedade, obrigados a es- tender com imprudéncia sua frente, nela se consumindo e abrin~ do campo ficil penetracdo do adverstrio de classe, cm suas fronteiras macivnis. " ‘De um lado, o Lénin tebrico ¢ prético da componente subje- tiva no processo revoluciondrio; de outro, o estrategista da revo- lugdo européia, nos termos que se indicam na discussio sobre a revolugdo permanente, e 0 criador do conesito de hegemonia, patamar tebrico-concreto do qual Gramsci partir para calgar e icar sua propria obra. Sua proposta se acharia bem sintetiza- da na seguinte expresso, enunciada imediatamente apés suas consideragées sobre a especificidade do fenémeno russo no qua- dro europeu: “6 necessério estudar com ‘profundidade’ quais ‘io os elementos da sociedade civil que correspondem aos siste- mas de defesa na guerra de posicdo. Digo com "profundidade’ in- tencionalmente, pois eles foram estudados, mas a partir de pon- tos de vista superficiais © banais". Como vimos, tais elementos estariam localizados nas supe- restruturas da sociedade civil, ¢ sua valorizagio para a praxis politica reclamava uma anélise histérico-conereta da cultura, das instituicdes, dos valores sociais, em particular a observagdo das suas relagdes com o aparclho do Estado, tema em que nos deteremos abaixo, A especificidade do supra-estrutural, tanto em Marx como em Engels, foi delimitada com extremo rigor e preciso cientifi- xr ca. Engels inclusive, apds a morte de Marx, procurou combater em escritos, conferéncias ¢ cartas as verses mecanicistas que anos depois iriam corromper @ teoria € a pratica da II" Interna- cional, bastando recordar sua carta a K. Schmidt datada de 1890, recentemente editada entre nés.* No modo de produgdo capitalista, ao examinar a subordinacao real do trabalhador 20 capital, Marx determinou, em substancia, os componentes mate- riais ¢ imateriais da subordinagdo da classe operatria, fornecendo valiosas sugestdes para a pesquisa das condigdes de reprodugdo social do capitalismo e, em especial, da classe operéria. ’ Marx, todavia, trabalha num nivel de generalizagao muito alto, princi palmente nas suas obras centrais, quando estuda capitalismo como modo de producao, ¢ nao um capitalismo concreto. Nesse sentido, suas proposigdes associam com justeza, na dimensio abstrata em que opera, 0 controle dos meios de produgdo mental classe que possui os meios de producio materiais. De outra parte, nos seus magistrais estudos de situagdes concretas, como as do ciclo revoluciondrio francés de 1848 a 1871, a observaclo se apresenta encarnada, ndo se pondo a nu a metodologia utili- zadi para o exame da conjuntura. E evidentemente nao é de se esperar que Murs fizesse anilises impressionisticas. A angulagao que Gramsci herdou de Lénin se estabelece de outraperspectiva Privilegia uma formacio social concreta € postula formular para ela um planejamento estratégico-tatico que viabilize a expansio da forga politica e social da classe ope- raria ¢ faculte a esta a conquista do poder. A hipdtese mais geral de Gramsci, estatuida para um momento tedrico que nao se pre- tende universai ~ a mereadoria € um universal-conereto; uma formacio social nao o € -, mas precisamente particular, consiste ‘no que podemos qualificar com uma situago de sincronia ou as- incronia entre o poder e as fontes de legitimagdo no interior da sociedade civil. Havendo correspondéncia entre eles ~ caso dos ccapitalismos desenvolvidos nos anos vinte € trinta ~ estariamos diante de uma situagdo com 05 requisitos gerais de uma guerra de posicdo para a praxis da classe operaria, A partir desse dado de senso comum da teoria marxista ~ a relagio entre dominio ‘material e imaterial - propde que, pela aco, pelo momento sub- jetivo, tais anexos podem ser neutralizados, rebaixados, permi- indo que a classe operdria exerca hegemonia sobre as demais classes nao exploradoras, apresentando-se como uma alternativa para 0 poder. Retome-se a idéia inicial. Na obra de Gramsci hé um supos- to ~ a teoria marxista do modo de producio capitalista. Sua li- tnha de investigagdo se ajusta para resolver o impasse tedrico ¢ Pratico que se verificou no pés-17 no ocidente europeu, estando x igida para o plano estratégico-titico da classe operdria dos paises dessa regio, Pensada nesse plano, a conceituagao do su- pra-estrutural visa elucidar um espaco teérico menor e particular = 0 terreno vivo da interagéo do sujeito conereto com o real- conereto, Do ponto de vista epistemolégico, trata-se de uma ‘operacio analitiea subordinada a um campo tedrico mais vasto € que a inclui ~ a ciéncia da histéria, o materialismo hist6rico -, mas no redutivel a ele. Além disso, objetiva instrumentalizar 0 sujeito coletivo para a agio. A nogio de superestruturas, como trincheiras protetoras do Estado sediadas na sociedade civil, apontava para uma nova € original concepedo dessa agéncia do poder. O Estado seria mais do que um ene monopolizador dos meios de coergio fisica, constituindo-se também das agéncias ou aparatos dirigentes da vida social, como a escola, a Igreja, os sindicatos, as corporacées profissionais ete. Recupera o tema clissico em politica da coer- ‘edo e do consenso, desde Maquiavel, que o ilustrou pela imagem do centauro como representativa da a¢ao politica. A metade ani- mal exigindo o recurso a forga, € a humana aos procedimentos consensuais, a ciéncia e a arte politicas dependeriam da justa compreensio e combinagdo desses dois elementos. Gramsci en- tende que, nas condi¢des européias a partir da revolugdo russa, a leitura do mito maquiavélico deveria enfatizar a dimensdo cultu- ral ~ um sistema de poder no coercitivo em sentido estrito. Daf © carder impositivo do estudo em profiundidade das institulgdes € do sistema cultural numa formagdo social concreta para explici- tar a praxis da classe operdria, Em condigdes de hezemonia, a burguesia solidarizaria o Es- tudo com as instituigdes dirigentes da agio, ¢ da produgao ¢ da reproducio dos valores sociais, conformando essa realidade con- seitual denominada genialmente por Gramsci de Estado amplia- do, Na circunstincia, essas instituigdes se comportariam como aparatos ideolégicos do Estado, sendo aqui bem oportuna aco tribuigdo complementar de Althusser. " Entretanto, a solidari- zugdo desses aparatos ideoldgicos com o Estado nao permite en= tendé-los de modo mecinico como se esse do Estado decorresse de um atributo, resultado de um dado estrutural imutavel. Na mesma medida em que as classes sociais concorrem en- tre si para se apropriar do Estado, tambem competem - € Gramsci deseja identificar esse processo ¢ torna-lo consciente ~ pela influéncia na sociedade civil. Nesse passo, 0 projeto politico das classes subalternas deve visar a separacio de determinados ‘aparatos ideolbgicos da sua aderéncia ao Estado, a fim dese tor- narem agéncias privadas de hegemonia sob sua diregéo. Ade- ‘mis, as instituigdes sociais existentes nao se originaram, em sua xu totalidade, do dominio burgués, sendo possivel fazer a listagem de um elenco inumeravel de contra-instituigdes, como o partido politico operario, por exemplo, Igualmente o so ~ ou podem ser Pfam teatro nacional-popular, uma escola de formagio de qua- dros sindicais, 0 sindicato autdnomo do Estado etc, bem como todas as outras resultantes da criatividade popular e operdria. ‘Notar que, no modo de producdo capitalista, & condi¢ao para que as classes dominantes possuam, além de dominio, fun- bes € paptis de diredo, num tempo historico como este de uni- Yersalizacdo da cidadania, que sua concepedo do mundo seja ge neralizante, fazendo parte inclusive do senso comum das massas. Por definigio, o lugar onde se produz esse efeito de generalize. ‘qdo So as instituigdes sociais, em particular as especializadas na Vida valorativa, que por isso fazem parte de modo privilegiado da arena onde se confrontam as classes sociais, As classes subal- ternas, organizadas politicamente com fins préprios, vulneram ¢ até impedem a supremacia birguesa - dominio mais diregao - Sempre que resgatam a fragao dos seus iguais postos sob a in- fluéncia das classes econémica ¢ socialmente dominantes. Nao 36 podem neutralizar ou remarcar o sentido funcional de certas instituigdes, antes aparatos ideolégicos do Estado, como criar novas instituigdes que sejam instrumentos para a elaboracéo da ua hegemonia, ao mesmo tempo em que situam e isolam 0 apa~ relho estatal, tornando vidvel sua apropriacéo. De certo modo, esse processo, a classe operdria fosja as supercstruturas do seu poder futuro, que assim se antecipam ao sev dominio, ¢ 0 cum- primento dessa condicao se faz necessario para seu triunfo en- quanto classe, ‘Gruppi, numa das partes mais brilhantes deste livro, de- monstra como o conceito de hegemonia em Lénin decorreu do seu triunfo tedrico sobre as concepedes vulgares de determinis- mo econémico. Gracas a ele, o marxismo foi regenerado da cor- Tupcdo oportunista que esperava o socialismo de um “colapso do capitalismo”, fatalidade imposta pelo seu curso objetivo. O paradoxo aparente contido na formula da revolugdo democrati- .o-burguesa sob hegemonia da classe operdria s6 pode ser resol- vido por uma apreensio dialética, capaz de surpreender o papel do politico, do subjetivo, da sua relativa autonomia diante do econdmico, na praxis operaria. Se tudo fosse reduzido & base econémica, argumenta Gruppi, nfo haveria luger para a iniciati- va politica e, portanto, para a hegemonia operdria num contexto Tevolucionario democritico-burgués. A base capitalista corres- ponderia, por forga da necessidade, uma superestrutura capita- fista, como decorréncia natural. A compreensio leninista de he- gemonia remete, de imediato, & problematica do fato cultural ¢ Moral em politica. Com a mesma aguda perspicicia, nosso autor xiv rbact crallsmo anterior, funda a alividade hutane sores idade também objetiva, tema esse que Lénin desenvol- yeu madura ¢ o1 almente na questéo da hegemonia, A inovacdo leninista, que Gramsci soube interpretar mais do que qualquer outro tedrico posterior, se constituita no cora- do da matéria da sua démarche, refletida lapidarmente na sua Conceituacio da sociologia como disciplina auxiliar da ciéncia politica. A sociologia do cotidiano, das instituigdes, do sistema de crengas e dos valores vistos de per se ndo produziria mais do que uma visdo fragmentada do real, sem qualquer coeréncia. Sua cientificidade dependeria da percepgao destes como fendmenos vinculados a produgdo de uma concep¢ao do mundo, de uma he- gemonia moral e intelectual, dos meios de “diregdo social", par- (es, portanto, constitutivas do poder. Essa é a fundamentagdo para uma sociologia marxista, ainda por se fazer, dado que o novo patamar fixado por Gramsci, apesar de sempre reverencia- do, decididamente no parece estar bem compreendido, do que nko se salvam nem os gteRos © muito menos 05 to N08, ivro extradindrio que ora apresentamos, criat - so, lo cepa a nos devolveraintensa complenidade erigutse Sa ‘obra gramsciana, e nem se pretende a isso. Porém, ndo se pode mais, nesse pais contraditério em que, juntos, os conservadores ‘essa esquerda bem educada do marxismo retérico fizeram de Grannsi~ ese duro, ese lenllsta— im pensacot quese manso¢ liberal, ler ¢ interpreter seus trabalhos sem recorrer 20 magisteal rote de Gruppi. Se se trata de discutir sobre a posse do pensa- mento gramsciano ~ assim como os marxistas legais desejaram fazer de Marx um economista burgués na Rissia czarista - na pretensdo de transforma-lo no apdlogo da ideologia consensua- lista dos liberais, depois de Gruppi s6 vai se enganar quem qui- ser, Ou quiser apenas enganar a outrem, q xv a NOTAS | Lukées, G.,"Carta sobre o stalinismo", in Temas ns 1, Ed. Grialbo,S. Pau- fo, 1977 2 Idem. 3 Gramsci, Aw in Seritd Glovantl, Ed. Einaudi, Tari, 4 Gramsci, Ax Magulavel e o Estado moderne, Ed. CWvilizagto Brasileira, Rio, 1968, p. 73. 5 Idem. p73. 6 Ibidem, p. 74. 17 Idem, p. 73. 8 Marx, K-c Engels, F., "Carta a Konrad Schmidt” (de F. Engels), in Obras - losifcas. Ed, Grijalbo, 8, Paulo, 1977 9 Ver Vianna, Luiz Werteck, Liberalismo esindicato no Bras, “tntrodugio", Rio, 1976, onde desenvolvo essa argumentaglo. 10 Ver Althusser, “Idedlogie et apparels idtologiques ¢'Etat ~ Notes pour une recherche” - in La Pensée,n.° 151, junho 1970. 11 Sobre ertien a Althusser quanto ao ponto ver Vianna, Luiz Werneck, © que vale pode, mimeo, Cebrap, 1974 ¢ Limoeiro, M., Ideologta e desenvolvimento: ‘Brasil JKJQ , Ed. Paze Terra, Rio, 1977, euj introduedo consist na melhor ‘apreciaglo da obra do pensador francts jé publicada entre nés. XVI ADVERTENCIA ‘S4o publicadas neste volume nove ligdes que pronuncici no Instituto Gramsci, entre outubro e dezembro de 1970. Ao corrigir © texto, mantive o cardter origindrio da exposig&io, na convicgfo de que isso pudesse tornar a leitura mais acessivel. LG. XVIL SUMARIO 1, 0 CONCEITO DE HEGEMONIA EM GRAMSCI 1 Esclarecimentos preliminares 1 Lénin € a nogdo de hegemonia 6 Il, PRESSUPOSTOS DO CONCEITO DE HEGEMONIA EM LENIN 15 Ill, A INICIATIVA DO SUJEITO REVOLUCIONARIO: 0 PARTIDO 33 IV. GRAMSCI E A REVOLUGAO DE OUTUBRO 49 Analisar 0 movimento real St ‘A quest3o meridional 38 V. OS CADERNOS DO CARCERE 65 AS classes subalternas 67 Marxismo ¢ hegemonia n Maquiavel ¢ 0 moderno Principe B © materialismo vulgar 6 O bloco histérico B Os intelectuais 80 VI. A HEGEMONIA NA HISTORIA DA ITALIA 83 A literatura nacional-popular 85 Hegemonia € marxismo 89 A cultura das classes subalternas a1 Gramsci sobre Croce 93 VI. A CRITICA A CROCE E A BUKHARIN 101 ‘A hegemonia de Croce 103 O historicismo 105 Croce e Hegel Mt A critica a Bukhérin 114 VIII. A RELACAO ENTRE SER E PENSAMENTO n7 Gramsci ¢ a filosofia de Lénin 122 Ainda sobre 0 historicismo 125 IX, FILOSOFIA, HISTORIA, POLITICA 31 Guerra de posico € guerra de movimento 138 xix 1, 0 CONCEITO DE HEGEMONIA EM GRAMSCI Esclarecimentos preliminares Antonio Gramsci, sem nenhuma dtivida, foi o tebrico marxista ‘que mais insistiu sobre o conceito de hegemonia; '¢ 0 fez recla- mando-se particularmente de Lénin, Alids, diria mesmo que, se se quer ver o ponto de contato mais constante, mais enraizado, de Gramsci com Lénin, esse me parece ser 0 conceito de hegemo- nia, A hegemonia € 0 ponto de confluéncia de Gramsci com Lé- ain, Ha uma passagem onde Gramsci escreve: “Tudo ¢ politica, inclusive a filosofia ou as filosofias; ea tinica flosofia ¢ a histéria em ato, ou seja, a prépria vida, E nesse sentido que se pode inter- pretar a tese da proletariado alemdo como herdeiro da filosofia clissica alemd e que se pode afirmar que a teorizagdo ¢ a realiza- cdo da hegemonia por Ilitch foi também um grande evento me- {aflsico”. ? (O termo metafisica € aqui usado nao em seu sentido préprio, mas para indicar 0 ponto mais alto da filosofia.) Essa afirmagio de Gramsci, ou seja, sobre 0 valor filoséfico da teorizagiio ¢ da realizado da hegemonia do proletariado, re- pousa sobre algumas teses, contidas precisamente na passagem em questo, Repousa sobre a afirmacio da identidade entre his- téria ¢ filosofia (a filosofia ¢ hist6ria em ato). Tratavse de uma 1.0 termo hegemania deriva do grego egtestal, que significa “onduzir", ga”, “ser ides”; ou também do verbo eghemonevo, que significa “ser “preceder", “conduzir", edo qual deriva “estar & frente", "comand senbor”. Por eghemonla, o antigo grogo entendia a direqlo suprema do extreito, ‘Trata-se, portanto, dour terme miltr, Hegeménico ora ochefe miltar,o guine também o comandante do extrcito. Ne época das gusrras do Peloponeto, falou- se do cidade hegeménica para indice a cidade que dirgin a alanca den cidades am luta entre Gram ff materia starco ¢ la flowfa dt Benedetto Croce, Roma, Ede tor Riunit, 1971, p, 32.[ HA edo brasileira: Concepeto dialtica da hixBri, Rio de Jeneiro, Bd. Clvlizagto Brasleita, 1966] tese rica de multiplas implicagdes (inclusive discutiveis, como tentarei mostrar em ligBes posteriores), mas que cito aqui para sublinkar como Gramsci articula, em estreita conexdo, teoria € pratiea, teoria e aclo politica. Portanto, pode-se compreender 0 que Gramsci tem em vista quando sc refere a tese de Engels, con- tida no conhecido escrito Ludwig Feuerback e o fim da fllosofia classica alemé, onde se diz precisamente que 0 proletariado ale- mio € 0 herdeiro da filosofia cléssica alemé, sendo tal porque realiza na pratica as teses da filosofia, resolve e supera na pratica aquelas contradicdes filoséficas que, no plane do pensamento especulativo, ndo podem ser resolvidas, podendo sé-lo apenas numa nova sociedade, numa sociedade comunista. Aqui a supe- racdo das contradigdes de classe & também a superacdo das con- tradicdes filoséficas, que so, no nivel da ideologia, a expresso de contradigSes sociais ndo soliveis por via especulativa, mas tao-somente por via revoluciondria. Essa é a tese de Engels, é tese de Marx e € a tese sobre a qual Gramsci insiste. O proletaria- do é herdeiro da filosofia cléssica alema porque traduz em re dade social 0 que é ainda especulativo naquela filosofia; nega, no sentido dialético do termo, e, portanto, supera a filosofia especu- lativa na medida em que a realiza; e a realiza na inversdo da pré- xis, na inversdo revolucionéria da estrutura de uma sociedade di- vidida em classes antagénicas. ‘Também essa tese de Engels ¢ plena de implicagées filosofi- cas, sobre as quais ndo me deterei agora. Gostana, ao contrario, de sublinhar mais uma vez essa unidade entre teoria e pratica, essa unidade que faz da politica a real filosofia, na medida cm ‘que a politica ~ que ¢ ao mesmo tempo tcoria e pratica~ ¢ aquela ‘que nio apenas interpreta o mundo, mas que transforma o mun- do com a aco, segundo a undécima tese de Marx sobre Feuer- ‘bach: “os fildsofos até agora interpretaram 0 mundo, mas se tra- ta de transformé-lo”, e, portant, de passar da filosofia especu- lativa & politica, & a¢do revolucionéria, E essa conexdo de teoria e pratica que permite a Gramsci afirmar que a teoria a realizacdo da hegemonia do proletariado (e com esse termo, referindo-se a Lénin, indica a ditadura do roletariado) ttm um grande valor filos6fico, ja que a hegemo- nia do proletariado representa a transformagio, a construgio de uma nove sociedade, de uma nova estrutura econdmice, de uma nova organizagao politica e também de uma nova orientagdo ideoldgica e cultural. Como tal, ela no tem conseqiléncias ape~ nas no nivel material da economia ou no nivel da politica, mas no nivel da moral, do conhecimento, da “filosofia”. Portanto, a revolugdo é entendida por Gramsci - ¢ ele continuamente o repe- te~ como reforma intelectual e moral. Trata-se de ver 0 que tem em comum este conceito gramsciano, o de reforma intelectual ¢ 2 moral, com o conceito de revolug&o cultural do qual fala Lénin, sobretudo a propésito do mundo rural russo, nos ditimos anos da sua vida. Creio que tenha em comum tudo, ¢ que contenha também algo mais. Aqui quero apenas recordar que, quando Gramsci fala de reforma intelectual e moral, liga-se a uma orien- tagdo politico-cultural italiana da época, liga-se a Salvemini, a Gobetti, aos que consideravam ter sido uma desventura para a Itdlia ndo ter conhecido algo comparavel & Reforma protestante, uma “reforma” que envolvesse profundamente os costumes ¢ criasse uma nova relaclo entre cultura ¢ sociedade, entre inte- lectuais e povo, mas de ter comhecido, em troca, a Contra- Reforma. Ao exemplo da reforma protestante Gramsci acrescen- ta 0 da Revolugdo Francesa, o de uma revolugao que, ao contré- rio do Risorgimento italiano, conseguiu envolver os estratos mais profundos da sociedade, as grandes massas camponesas, ¢, desse modo, operar profundamente nao apenas na estrutura eco- ndmica, social ¢ politica, mas também na orientago cultural ¢ ideoldgica da sociedade francesa. Decerto, esse modo de falar da reforma intelectual e moral pressupde um certo julgamento sobre Renascimento italiano, considerado como movimento essencialmente de eipula, como movimento que aprofunda a distancia entre intelectuais e povo. Gramsci se inspira no julgamento de De Sanctis sobre o Renas- cimento, bem cama naquele de Toffanin acerca do cardter con- servador e restaurador do Humanismo, pelo qual ele ¢ influen- ciado em proporgao maior que a justa. Iss0 nos diz que 0 concei- to de hegemonia ¢ apresentado por Gramsci em toda sua ampli- tude, isto é como algo que opera no apenas sobre a estrutura ‘econdmica ¢ sobre a organizacao politica da sociedade, mas tam- bém sobre 0 modo de pensar, sobre as orientagdes ideolgicas € inclusive sobre 0 modo de conhecer. Em outro ponto, diz Gramsci: “A proposiglo contida na In- trodugdo 4 critica da economia palttica trata-se na realidade do Preficio de Marx ao seu escrito Coniribuigdo ¢ critica da econo- ‘mia polltica, de 1859}, segundo a qual os homens tomam cons- citncia dos conflites de estrutura no terreno das ideologias, deve ser considerada como uma afirmacdo de valor gnosiologico, &, cognoscitivo, € n&o puramente psicoldgico e moral”.’ Vocts certamente se recordam dessa passagem famosissime, na qual Marx afirma precisamente quo a base econdmica, a estrutura, 3A. Gramsci, op eft. p46. determina uma complexa superestrutura politica, moral, ideol6- gica, que € condicionada por essa base econdmica da sociedade, isto 6, pelas relagdes de produsio e de troca. Para Gramsci, essa uma afirmac&o de cardter gnosiolégico, no sentido de que indi- a 0 processo através do qual se formam as idéias, as concepgdes do mundo. Disso decorre - afirma Gramsci - que o principio tebrico- pritico da hegemonia tem também um alcance gnosioldgico ¢, “portanto, deve-se buscar nesse campo a contribuigdo tedrica maxima de Ilitch &filosofia da préxis. Ilitch teria feito com que a filosofia progredisse enquanto filosofia, na medida em que fez progredir a doutrina ¢ a pratica politica". Se, da mudanga da estrutura, deriva uma mudanga do modo de pensar e da con: ciéncia, a hegemonia do proletariado (¢ aqui se entende como tal a ditadura do proletariado), que transforma a sociedade, trans- forma também o modo de pensar. E, portant, a teoria e a reali- zacdo na pratica da hegemonia do proletariado sio um grande evento filoséfico. A contribuigdo de Lénin a filosofia néo reside apenas em ter teorizado a ditadura do proletariado, mas em tla realizado nos fatos. Trata-se do valor filoséfico do agir, do transformar a sociedade. A filosofia ndo mais procede simples- mente através de conceitos, de uma espécie de partenogénese dos prOprios conceitos, mas a partir da estrutura econdmica, das transformagdes ocorridas nas relagdes de produco, numa conti- nua relago dialética entre base econdmica, estrutura social © consciéncia dos homens. Gramsci acrescenta que a realizagdo de um aparato hege- ménico, isto é, de um aparato de direcdo - pode-se dizer, do apa- rato do Estado -, enquanto eria um novo terreno ideolégico de- termina uma reforma das consciéncias, novos métodos de conhe- cimento, sendo assim um evento filoséfico. Ecclaro 0 ponto de vista no qual Gramsci se coloca. Ha uma relagdo estrutura-superestrutura ideolégica. A estrutura deter- mina & superestrutura ¢ disso deriva a estreita conexdo entre politica e filosofia. A filosofia esté na politica. Momento maxi- mo da politica & a revolugo, a criagdo de um novo Estado, de um novo poder e de uma nova sociedade. E por isso que Grams- ci diz que a maxima contribuigo de Lénin & filosofia esté na di- tadura do proletariado, est na obra de transformacdo revolu- 4 Wbidem, ciondria, Essa estreita identidade de politica e filosofia faz com que o momento culminante da filosofia seja a politica transfor- madora, ¢ que 0 filésofo seja 0 homem politico como transfor- mador. fo caso de Lénin, dirigente da ditadura do proletariado, como tebrico © como pratico, Essa afirmagdo é ligada ao julga- mento de Gramsci sobre a obra filoséfica de Lénin (ele conhecia no méximo Materialismo e empirioertuicismo © tinha reservas substanciais sobre esse escrito). O julgamento segundo o qual Lénin vale como filésofo sobretudo na sua obra de politico deri- vva certamente dessa reserva em relagdo & obra filoséfica de Lé- nin, mas é também um julaamento mais geral, ou seja, um julga- mento precisamente sobre o valor filos6fico da politica. Daqui deriva, para Gramsci, a centralidade ¢ o valor essen- cial da nogo de hegemonia em Lénin. que entende Gramsci quando fala de hegemonia, referin- do-se a Lénin? Gramsci entende a ditadura do proletariado, Isso resulta evidente das passagens citadas. Gramsci fala de principio tedrico-pratico, de teorizagao ¢ realizagdo da hegemonia, ou se- ja, da Revoluco de Outubro ¢ da ditadura do proletariado. Isso se torna explicito num texto de 1926, no qual ele diz: "Os comu- nistas turineses se haviam colocado concretamente a questo da hegemonia do proletariado, ou seja, da base social da ditadura proletiria ¢ do Estado proletario”;* vé-se aqui uma estreita co- nexdo entre hegemonia do proletariado e ditadura do proletaria- do. A ditadura do proletariado € a forma politica na qual se ex- pressa 0 processo de conquista ¢ de realizago da hegemoni Com efeito, escreve ele ainda, “o proletariado pode se tornar classe dirigente ¢ dominante na medida em que consegue criar tum sistema de aliancas de classe que Ihe permita mobilizar con- tra o capitalismo eo Estado burgués a maioria da populacdo tra~ balhadora”.* A hegemonia é capacidade de directo, de conquis- tar aliangas, capacidade de fornecer uma base social ao Estado proletério. Nesse sentido, pode-se dizer que « hegemonia do pro- Ietariado realiza-se na sociedade civil, enquanto a ditadura do proletariado ¢ a forma estatal assumida pela hegemonia. S.A. Gramsci, La questions meriionale, Roma, Eaitori Riuniti, 1966, p. 13. 6 Ibtdem. 5 Lénin ea nogéo de hegemonia Gramsci, portanto, refere-se ditadura do proletariado. Em Lénin encontramos a nocdo de hegemonia, em sua substAnci ainda que ndo com o uso desse termo, em todas as paginas por ele dedicadas & ditadura do proletariado, Com efeito, deve-se sublinhar que, para Lénin, a ditadura do proletariado ¢a diregio de um determinado tipo de aliangas. Sobre isso, Lénin insiste sempre e muito, Mas, quando fala da ditadura do proletariado, Lénin jamais usa o termo hegemonia. Usa o termo cléssico de Marx © se compreende a razo disso: ele esté empenhado numa polémica direta, numa aspera luta contra os reformistas, contra (0 social-democratas que negam o conceito marxiano de ditadu- ra do proletariado. Por conseguinte, ele reafirma com todo 0 vi- gor no apenas a teoria, mas também o termo cléssico usado por Marx. © termo “hegemonia”, em troca, é usado por Lénin repeti- das vezes, numa situacdo hist6rica inteiramente diversa, em face da revolugdo russa de 1905. A revolugo de 1905 aparece & so- cial-democracia russa (com excegio de uma posigdo particular, a de Trotski, segundo o qual a revolugio de 1905 se apresentava ‘como revolugiio democratica mas s6 podia se afirmar como re- volugdo proletéria) como uma revolugdo de cardter democriti co-burgués. Mas se delineiam duas posigdes: a posigio da dit ta, dos mencheviques, e aquela dos bolcheviques. A direita con- sidera que, tratando-se de uma revolugdo democratico-burguesa, a diregdo da mesma cabe & burguesia liberal e democratica; que 0 proletariado deve certamente apoiar a revolugdo, mas deve evi- tar transformar-se em seu protagonista assumir responsabilida- des de diregio numa revolug&o que nfo éa sua. A posi¢do de Lé- nin € oposta: diante dessa revolugdo democratico-burguesa, cabe 20 proletariado sua direcdo ¢ cabe ao proletariado tornar-se pro- tagonista da mesma. Essa posigdo dos bolcheviques deriva de tum juzo histérico concreto sobre a burguesia russa ¢ sobre 0 modo através do qual ela se fora formando. Ou seja: a burguesia russa, o capitalismo russo se formara a partir da desagregagto da comunidade camponesa (a abtchina) e, por isso, o capitalismo russo era, para falarmos sumariamente, muito ligado as camadas feudais e a0 czarismo, Em suma, a burguesia russa era uma bur- guesia débil, que nfo tinha a capacidade de se afirmar de modo ‘auténomo e de pér-se A cabeca da revolucio; ndo tinha a capaci- dade de conduzir a sua revolugto a solugbes democratices conse: lentes; terminaria por parar no meio de caminho, no compro- 6 misso com 0 czarismo ¢ com as camadas feudais. Enquanto a lute do proletariado pela liberdade politica ¢ uma luta revolucio- néria, pensava Lénin, a lute da burguesia é em troca uma luta oportunista, j4 que tem por objetivo a esmola, a diviséo do po- der com a autocracia ¢ com a classe dos proprietérios rurais, A tese de Lénin ¢ que, a depender da forea politico-social que dirija 1 revolugio, 2 revoluclo burguesa terd duas possivels conclusdes: ‘uo capitalismo se desenvolverd gragas a uma revolucéo guiada pela burguesia, dominada pelo compromisso, ¢, portanto, nas condicdes mais dificeis para a classe operdria; ou a revolugdo burguesa se desenvolverd sob a dirego do proletariado, que, po- rém, s6 poderé dirigi-la arrastando consigo a grande massa dos camponeses, Também nesse caso a revolugéo democrética aju- dard, sem nenhuma divida, o desenvolvimento do capitalismo, s trabalhadores continuardo certamente oprimidos pelo capita- lismo, mas 0 desenvolvimento do capitalismo se processaré em condigdes menos desfavoraveis para o proletariado ¢ esse ultimo poderd desfrutar de posigdes mais avangadas para manter ¢ im- pulsionar suas conquistas; encontrar-se-4 em condigdes mais fa- vordveis para desenvolver, na democracia, a luta pelo socialis- mo. Escreve Lénin, em seu famoso Duas tdticas da sociak democracia: “Aa objesdes anarquistas, segundo as quais nés re- tardaremos a revolucdo socialista 20 nos batermos agora pela re- volugo democrética, respondemos: ndo, nao a retardaremos, ‘mas daremos 0 primeiro passo para ela com o tinico meio possi- vel e através do nico caminho seguro, precisamente através do caminho da repiiblica democrética, Quem deseja caminhar para © socialismo por uma via que néo seja a democracia politica che- gard inevitavelmente a conclusdes absurdas ¢ reacionérias, tanto do ponto de vista econdmico quanto do ponto de vista politi co”." O caminho da revolugdo demoerdtica, naquela especifica situagdo russa, ndo é a via mais longa, e sim aquela mais breve e segura para o socialismo; ndo diminui o ritmo da marcha para 0 socialismo, mas a prepara ¢, nos limites do possivel, a acelera, Disso resulta a colocacao de Lénin sobre a relagdo do proletaria. do com a revolugdo democritico-burguesa. Ele diz: “Os neo- iskristas ( corrente de direita no Partido Operdrio Social- Democrata Russo] compreendem de modo radicalmente errado 7 Vil. Lenin, Opere complete, Roma, Editori Rjunit, 1960, vol. IX, p. 22. 1 «9 sentido e 0 significado da categoria ‘revolugdo burguesa’. Em seus raciocinios, surge constantemente a idéia de que a revolugéo burguesa € uma revolugdo que pode gerar somente 0 que ¢ van- tajoso para a burguesia. Nada é mais errado que uma tal idéia, A revolugio burguesa é uma revolucdo que nao sai dos quadros do regime econdmico ¢ social burgués, ou seja, do capitalismo. A revolugio burguesa expressa a necessidade de desenvolvimento do capitalismo; nao apenas ela nao destréi as bases do capitali ‘mo como, ao contrario, as amplia ¢ aprofunda. Essa revolugéo ‘expressa, portanto, 0s interesses ndo apenas da classe operdria, mas também de toda a burguesia. Dado que, em regime capita- lista, 0 dominio da burguesia sobre o proletariado ¢ incvitAvel, pode-se dizer com pleno direito que a revolugdo burguesa ex- pressa nao tanto os interesses do proletariado quanto aqueles da burguesia. Mas € absolutamente absurda a idéia de que a revolu- ‘edo burguesa ndo expresse de nenhum modo os interesses do proletariado, Essa idéia absurda se reduz, ou & velha teoria po- pulista, que afirma ser a revolugdo burguesa contraria aos inte- resses do proletariado € que, por conseguinte, nao temos necessi dade das liberdades politicas burguesas; ou se reduz a0 anarqui ‘mo, que condena qualquer participacdo do proletariado na revo- lucdo burguesa, na politica burguesa, no parlamento burgués. No campo teérico, essa idéia esquece os principios elementares do marxismo acerca da inevitabilidade do desenvolvimento do capitalismo sobre a base da produgdo mercantil. © marxismo en- sina que uma sociedade baseada sobre a produgao mercantil ¢ que efetua trocas com as nagées civilizadas deve ela mesma, num determinado estigio do seu desenvolvimento, ingressar no cami- ho do capitalismo.O marxismo rompeu definitivamente com as fantasias dos populistas e dos anarquistas, segundo as quais, por exemplo, a Russia poderia evitar 0 desenvolvimento capitalist escapar do capitalismo, etc.” * Temos aqui uma afirmagdo histé- ica precisamente toda a coloca- rnaquela fase da historia russa, o desenvolvimento mo & um fato progressista, e no reaciondrio, O de- senvolvimento capitalista ¢ necessdrio para quebrar os vinculos da sociedade feudal e, portanto, para desenvolver o proleteri 2 condicdo para que se crie a possibilidade da revolugdo proletaria ¢ do socialismo. Mas, dizele, a revolugdo democrdtica rica muito importante, que ex ho de Léni 8 Uokdem, p41. 8 écertamente mais vantajosa para a burguesia, mesmo se é vanta- josa também para o proletariado. Ele observa, porém, que a re- volugio democrética, ainda que nos limites burgueses, pr mente porque dé a0 proletariado as liberdades politicas, pr mente porque permite ao proletariado desenvolver suas préprias lutas, é também aquela que, em um certo ponto, faz com que as ‘grandes massas entendam que a democracia continua a ser, para 5 trabalhadores, limitada ¢ formal enquanto persistir a proprie- dade privada dos meios de produsao. E 0 proprio desenvol mento da democracia que pde em discussio a propriedade priva- da dos meios de produgdo, como obstaculo a uma afirmacdo real da democracia, a uma sua afirmagdo que, para as massas popu lares, no possua apenas um cardter form Temos aqui, assim, o modo de raciocinio dialético de Lenin: apés ter afirmado que, por um lado, a revolugio democriitico- burguesa € mais vantajosa para a burguesia embora seja também vantajosa para o proletariado, logo em seguida, por outro lado, diz que ela na realidade é mais vantajosa para o proletariado do ‘que para a burguesia, j& que a burguesia & obrigada a temer 0 de- senvolvimento de sua prépria revolucio, ¢ obrigada a temer um desenvolvimento de si mesma que ponha em perigo 0 poder ¢ a propriedade privada, O proletariado, em troca, retira de tal re- volucdo a nica possibilidade de avangar para o socialismo. E. Lénin afirma: “A revolucdo burguesa, portanto, apresenta para © proletariado as maiores vantagens; a revolugdo burguesa € ab- solutamente necesséria no interesse do proletariado. Quanto mais for completa e decisiva, quanto mais for conseqiente, tanto mais 0 sucesso do proletariado na sua luta contra a burguesia e tem favor do socialismo estard assegurado”. Temos aqui a relacdo democracia-socialismo: 0 desenvolvi- mento da democracia, inclusive nos limites burgueses, aparece como condicdo de luta e de passagem ao socialismo. “Essa con- clusdo podera parecer nova, estranha ¢ paradoxal tdo-somente queles que ignoram o 4-bé-cé do socialismo cientifico; ¢ dessa conclusio deriva, entre outras coisas, a tese segundo a qual a re~ volucio burguesa, num certo sentido, & mais vantajosa para 0 proletariado do que para a burguesia. Vejamos em que sentido preciso esta afirmacio é incontestavel: é vantajoso para a bur- guesia apoiar-se contra o proletariade em alguns residuos do 9 Ibidem, p42. pasado, como, por exemplo, nia monarquia, no exército perma- nente, etc; ¢ vantajoso para a burguesia que a revolugdo burgue- sa ndo destrua de modo muito radical todos os residuos do pas- sado, mas que deixe subsistir alguns deles; em outras palavras {que a revolucdo nao seja inteiramente conseqiente ¢ néo se reali- ze até as diltimas instancias; no seja resoluta e implacavel [ esses motivos reaparecerdo na andlise que Gramsci fard do Risorgi- mento italiand). Os social-democratas expressam freqdentemen- te tais idéias de modo bastante diverso, dizendo que a burguesia trai a si mesma, trai a causa da liberdade e ¢ incapaz de um de- ‘mocratismo conseqllente. Para a burguesia, é mais vantajoso que as necessérias transformagdes no caminho da democracia reali- zem-se de modo mais gradual, mais lento, mais prudente, de modo menos resoluto, mediante reformas, © no por meio de uma revolugdo; que, com tais reformas, proceda-se do modo mais cauteloso possivel em face de respeitaveis instituigdes do feudalismo, como, por exemplo, a monarquia; que essas trans- formagées contribuam 0 menos possivel para desenvolver a ago revolucionaria, a iniciativa e a energia da plebe, ou seja, dos camponeses e, sobretudo, dos operarios...” (Lénin se refere &s reformas concedidas ‘pelo alto”, tendo em vista desviar © desenvolvimenta conseqilente da revolucio, Nao fala aqui das reformas que o proletariado propée como ele- mento integrante da sua luta revoluciondria.) Ha em Lénin a afirmagio de que existem diferentes tipos de democracia até mesmo no Ambito burgués, e que tem grandes conseqliéncias para 0 proletariado o tipo de democracia burgue- sa que se realiza efetivamente. Essa realizagdo depende, em me- dida substancial, da presenga do proletariado, do papel que o proletariado assume no proceso da revoluglo democritico- burguesa, Disso resulta outras afirmagdes de Lénin: “A pro- pria situagdo da burguesia como classe gera inevitavelmente, na sociedade capitalista, a sua inconseqlléncia na revolucée demo- critica. O proletariado, como classe, pela sua prépria situagio, & obrigado a ser consequlentemente democratico. A burguesia olha para tras, temendo 0 progresso democrdtico, que ameaga aumen- tar a forca do proletariado; o proletariado nada tem a perder a ndo ser suas cadeias, mas tem um mundo inteiro a gankar com a democracia. Portanto, quanto mais a revolugao burguesa é con- 10 sidem. pp. 43 € 38 10 seqiiente em suas transformacdes democraticas, tanto menos se limita aquilo que € stil apenas & burguesia; quanto mais a revo- lucdio burguesa é conseqiiente, tanto mais assegura vantagens 20 proletariado € aos camponeses na revolugio democratica. O marxismo ensina ao proletariado nao que se afaste da revolugdo burguesa, ndo que lhe seja indiferente, nfo que abandone sua di- reco & burguesia; mas, ao contririo, que dela participe do modo mais enérgico, que lute do modo mais resoluto por uma demo- cracia proletiria conseqiiente, por levar a cabo a revolugdo...” #* Disso resulta ¢ necessidade da hegemonia, isto é, da capaci- dade dirigente do proletariado na fese da revolucdo democréti- co-burguesa. Hé aqui uma diferenca de significado entre Grams- sie Lenin, porque Gramsci - quando fala de hegemonia - refere- se por vezes & cupacidade dirigente, enquanto outras vezes pre- tende referir-se simultaneamente & diregdo © & dominagto. L& nin, a0 contrério, entende por hegemonia sobretudo a funcdo di- rigente. O termo “hegemonia” aparece em Lénin, pela primeira vez, num escrito de janeiro de 1905, no infcio da revoluc&o.-Diz le: "Segundo 0 ponto de vista proletario, a hegemonia pertence a quem se bate com maior energia, a quem se aproveita de toda ocasidio para golpear o inimigo; pertence Aquele a cujas palavras correspondem 0s fatos © que, portanto, é 0 lider ideoldgico da democracia, criticando-lhe qualquer inconseqléncia." * Capta- se claramente o elemento da decisio, da conseqiléncia na agdo revolucionaria, como condigio indispensdvel & hegemonia. Sublinho também que aqui se afirma que, &s palavras, devem corresponder 0s fatos. Ou seja: deve existir aquela unidade de teoria e agdo sobre a qual Lénin insiste, como também o faz Gramsci. Sem essa unidade de teoria ¢ ago, a hegemonia ¢ im- possivel, porqué ela s6 se dé com a plena consciéncia teérica ¢ cultural da prépria ago; com aquela consciéncia que é 0 ‘inico modo de tornar possivel a coeréncia da ado, de emprestar-Ihe uma perspectiva, superando a imediaticidade empirica. Portanto, temos aqui a hegemonia entendida no apenas como direedo politica, mas também como direfo moral, cultu- ral, ideolégica, 11 idem, 9. 42, 12 Vil. Lénin, Opere complete, ed. et. 1961, vol. VII, p66. 130 termo ideologia nio assume em Lenin 0 sentido negativo, de falsa consctn- cia, que possui em Marx e Engels, indicando antes a consciéncia de classe, ‘Ademais, em Duas téticas da soctal-democracia, hé um pon- to iluminador para a compreensio da nogdo leniniana de hege- ‘monia: a direita da social-democracia expressa 0 temor de que, se os camponeses entrarem em massa na luta revolucionéria, a burguesia se espantaré ¢, em conseqténcia, retirar-se-é da luta revolucionaria, com 0 que essa perdera em amplitude, A ampli- tude da luta revoluciondria ¢ dada, para a direita da social- democracia, pela presenga da burguesia. Consiste nisso 0 rebo- quismo da direita do partido operério russo em relagio a bur- in, as coisas se manifestam de modo contrario: ‘quanto mais a classe operdria arrasta consigo os camponeses, tanto mais se ampliam substancialmente ~ sobretudo numa so ciedade tipicamente camponesa, como a russa ~ as bases sociais da revolucao. Por isso, ele diz; “Se nos deixassemos guiar, ainda que s6 parcialmente, ainda que s6 por um instante, pela idéia de que & nossa participacdo possa obrigar a burguesia a abandonar a revolugéo, chegarlamos com isso a ceder completamente a he- gemonia da revolugio as classes burguesas.” Toda a colocagao que encontramos em Lénin quanto a rela- go entre revolugdo democratica ¢ revolucdo proletéria ¢ resulta~ do niio de uma teorizacia ahetrata, mas algo ligado a um preciso julgamento histérico sobre a Rissia ¢ sobre o desenvolvimento do capitalismo na Russia, sobre o cardter que a revolugéo demo- crético-burguesa assume naquele pals. Veja-se, por exemplo, a discussdo sobre a participagdo ou no dos social-democratas zum governo democrético-burgues ao lado de forgas burguesas. ‘A direita social-democrata é contréria a tal hipdtese: a social- ‘democracia no deve assumir a responsabilidade de dirigir a re- volugdo e, além do mais, em colaboracdo com forcas democrt co-burguesas. Lénin tem opinido oposta: pode ser possivel, util ¢ necessdria a participagio de social-democratas no governo junto com forcas democratico-burguesas, a depender de certas condi- (qBes programaticas, da autonomia da social-democracia, do controle do partido sobre a atuaco dos ministros social- democratas, com o objetivo de consolidar os resultados da revo- lugdo ¢ melhor defendé-los. Ou sej “por baixo”, mas também “pelo alto" “pelo alto” quando & possivel. Lenin diz que a tese segundo a 14 VA. Lani, Opere complete, 2 cit, vol. IX, p. 84 qual devesse atuar apenas “por baixo” é uma tese anarquista. Ele mostra como ji Engels a considerava dosse modo © a recusava. A direita social-democrata se apbia na autoridade de Piekhinov, ‘o qual afirma que ~ durante a revolugdo de 1848 na Alemanha ~ Marx jamais disse que os comunistas deviam participar no go- verno ao lado de forcas democrético-burguesas. Lénin, em res- posta, pratica uma andlise concreta das situagdes histéricas: da situagio da Alemanha em 1848 e da situagdo histérica conereta da Riissia em 1905. E desenvolve as seguintes observagdes: Marx se refere a uma situacdo na qual a revolucdo burguesa chegou 20 seu apogeu ¢ foi derrotada: refere-se a uma situagdo na qual a classe operdria esté pouco organizada, situada a reboque da bur- guesia e nfio desfrutou de autonomia nem politica nem organiza- tiva, Portanto, para Marx, a tarefa principal consiste em con- quistar a autonomia politica do proletariado, em dar-lhe uma onganizagio independente. Por isso, ele nfo podia de modo al- ‘gum colocar a questo da participacdo no governo. A situagio russa, ao contratio, € diferente: a revolugdo rTussa esté em ascen~ ‘so (ele escreve em 1905) ¢ 0 proletariado & a parte mais ativa na uta revoluciondria. O proletariado ja tem uma organizagao sua, ainda que débil: a social-democracia russa. Portanto, coloca-se 0 problema de fazer avancar a revolugdo e de consolidar seus re- Sultados, 0 que pode tornar possivel, em determinada situaco, inclusive a participagdo no governo. Ele diz: “O Avante! 0 jor- nal dos bolcheviques) fundamentou sua afirmagdo [ favorével a uma eventual participacdo no governg) mediante a andlise da si- tuagdo real"; " e, para Lénin, ¢ esse 0 método correto, Ele sem- pre repete que “a andlise concreta da situagdo concreta é a alma viva, a esséncia do marxismo”. Nao hé marxismo fora dessa ca- pacidade de captar a concreticidade histérica. Lénin observa: “Marx nio conhecia essa nossa situagio € nfo podia se referir a ela; portanto, nossa andlise nfo pode ser nem ratificada nem desmentida téo-somente por meio das cita- des de Marx; mas Plekhanov no diz uma s6 palavra sobre as condigdes coneretas”, Ndo basta citar Marx; € preciso analis as diferencas entre aquela situagio e a nossa situagio especifica, para ver os elementos novos que deverios introduzir na coloca- Glo de Marx. E é precisamente isso que Plekhanov no faz, Ele 15 Vil. Lenin, Opere compete, ed. cit, vol. VIM, p. 384. Yo thidem, pp. 354 © ado diz sequet uma palavra sobre a condigéo concreta; ora, ¢ pre ccisamente dela que se deve falar. Marx nada nos diz, nem contra nem a favor; por isso, temos de usar nossa cabeca. Com efeito, Lénin fala da necessidade de um desenvolvimento autonomo do marxismo a Russia, tendo em vista a originalidade da situagdo russa; teage com vivacidade contra os que afirmam que 08 s0- cial-democratas russos devem se apoiar na autoridade de Marx para enfrentar os problemas da Russia, Ele responde: no, nds usamos os métodos do marxismo para compreender a situagdo russa, mas ndo nos prendemos necessariamente as formulagdes de Marx, que so ligadas a outras situagdes histéricas, A preocu- pagio de Lénin, portanto, & analisar a situago concreta, é deter- minar a especificidade histérica. Il, PRESSUPOSTOS DO CONCEITO DE HEGEMONIA EM LENIN ‘Devemos agora examinar quais so a base ¢ os pressupostos do conceito de hegemonia em Lénin. Ou seja: que anilise da s0- ciedade russa ¢ do desenvolvimento do capitalismo na Russia 0 coneeito de hegemonia Ihe permite fundamentar, ndo de modo abstrato, mas na investigaglo concreta da especificidade histori- ca da Russia Lénin ingressa no movimento operério antes da constitui- ‘glo do Partido Operirio Social-Democrata Russo, em torno de 1892-1893. Tinha ento pouco mais de vinte anos ¢ naquele mo- mento, em plena luta contra os populistas (narodniki), Plekh&- nov era a figura mais autorizada entre os marxistas russos. A po- siglo dos populistas, ainda que de modo muito esquemitico sumétio, pode ser assim definida: ndo existe na Russia um espa go adequado para um desenvolvimento efetivo do capitalismo. Com efeito, predomina na Russia a economia agricola; ¢ a utili- zagho da propriedade rural ¢ condicionada, por um lado, pela grande propriedade fundidria dos nobres e, por outro, pela obt= 3 pela comunidade camponesa, na qual predomina a propriedade comum dos camponeses sobre a terra e uma espé- cie de relativa autarquia econdmica da aldeia. Tendo em vista os limites que a propriedade comum coloca & propriedade privada da terra, ela impede, por um lado, o desenvolvimento do capi lismo e, por outro, serve de base para a passagem direta da ex- ploragio coletiva ao socialismo. Na conicepcdo dos populistas, obtchina, a comunidade rural, facilitaré na Russia a passagem a0 jsmo, sem que essa deva se processar através do capitalis- ‘mo. O capitalismo seria, portanto, para os populistas, um desvio do desenvolvimento natural da Ruissia ¢, como tal, deve ser com- batido e rechagado. Sdo os camponeses 08 protagonistas da transformacdo social; cabe aos intelectuais, & intelligentsia, escla- 15 recé-los sobre sua func histérica, indo “até © povo” ~ enten- dendo-se por ““povo”, na Rissia de entdo, essencialmente os ‘camponeses (disso decorre 0 termo “‘populistas"). Lénin se assocta a polémica contra os populistas ¢ destaca o método com 0 qual Plekhanov os combate, um método que ele considera correto do ponto de vista marxista. Com efeito, Plekhanov nao afirma que — conforme as leis gerais de desenvol- vimento da sociedade, tal como so descritas em O capital de Marx ~ 0 capitalismo deva necessariamente desenvolver-se na Riissia; se PlekhAnov raciocinasse desse modo, diz Lénin, dar- nos-ia uma interpretagdo e uma aplicagdo dogmaticas do mar- xismo. O marxismo se tornaria uma espécie de filosofia da hist6- ria, que deduz os desenvolvimentos histéricos por via concep- tual, de modo abstrato, ao invés de investigar como as coisas se processam realmente. Ao contrério, Plekhanov emprega corre- tamente 0 método do marxismo, j4 que investiga concretamente, 1a situagdo russa, se 0 capitalismo se desenvolve ou nao. A res- posta documentada de Plekhanov é: sim, 0 capitalismo se desen- volve; ¢ essa resposta éa mesma de Lénin: de fato, o capitalismo se desenvolve. O marxismo, portanto, é usado néo pare delinear uma espécie de filosofia da histéris, que preveja todos os desen- volvimentos presentes e futuros, mas sim ~ como diz Lénin clara~ mente - enquanto método para investigar a realidade de um pro- cesso real especifico. Lénin comega a formular uma primeira resposta num traba- Iho de 1893, o primeiro de seus eseritos que nos chegou &s miios; cle tinha, nessa época, vinte € trés anos. O trabalho se intitula A fazenda camponesa no sul da Riissia; trata-se de um texto onde a ‘maturidade tedrica de Lénin jé se revela plenamente ¢ onde 0 dominio do método do marxismo é completo, Lénin afirma que ‘a comunidade rural est se desagregando, que os camponeses mais ricos adquirem como propriedade privada lotes de terreno ‘nas propriedades dos senhores feudais. Assim, por um lado, acu- mula-se a riqueza nas maos dos camponeses ricos, que vio ad- Quirindo mais lotes; por outro lado, uma série de familias campo- nnesas perdem a terra, deixando de ser proprietarias. Formam-se desse modo os assalariados ¢ os trabalhadores agricolas que so pagos com salério em moeda. Pela primeira vez, portanto, a moeda ingressa de maneira significativa na economia rural rus- 5a, que até entdo era uma economia natural. Sendo assim, nfo se pode dizer o que dizem os populistas, ou seja, que o empobreci- mento e a desagregacdo da comunidade camponesa torna im- 16 possivel o desenvolvimento do capitalismo na Rassia, jé que a verdade ¢ precisamente o inverso: é a prépris desagregagio da comunidade rural ¢ a criagio dos assalariados que incrementa a circulacao monetaria, que fornece a primeira base para o merca- do capitalista. Trata-se de um conceito que Lénin desenvolverd ¢ documentaré, de modo amplo e orgénico, em seu livro O desen- volvimento do capitalisme na Rissia, publicado cm 1998, Deve-se observar como 0s primeiras trabalhos de Lénin sito de andlise econdmico-estatistica, de documentagdo sobre a espe- cificidade russa. O desenvolvimento do capitalismo na Rissia for nnece o quadro geral ndo apenas da desagregacio da comunidade rural, mas do modo pelo qual o artesanato camponés comega a trabalhar nao mais para satisfazer as necessidades da familia ou para a troca in natura entre camponeses, porém tendo agora ein vista os mercadores que encomendam os trabalhos a domicilio € adquirem os produtos para vendé-los; desse modo, o artesanato se liga, através da agricultura que vai ingressando jé ma fase mer- cantil, com a industria manofatureira, enquanto essa indistria, ppor sua vez, liga-se ulteriormente com a moderna industria me- efnica que nasce nas cidades. Por conseguinte, o mercado capi- talista na Russia se forma no campo. Esse € 0 modo russo, ¢ apenas russo ~ observa Lénin -, pelo qual se desenvolve 0 capitalismo. f isso 0 que distingue o desen- volvimento do capitalismo na Riissia do desenvolvimento do ca- pitalismo na Inglaterra, na Alemanha, na Franca, ete; € 8 espe- cificidade histérica da Russia. Nessa situagdo, o capitalismo & na Riissia um fato progres- sista, ainda que seja opressivo para as massas trabalhadorai operarias ¢ camponesas, ja que libera as forgas produtivas, quebra os vinculos feudais que impedem seu desenvolvimento, forma o proletariado. Esse desenvolvimento das forgas produti- ‘vas, embora sob forma capitalista, esta na base da revolucdo de- mocrético-burguesa que constitui na Russia o terreno mais avangado para a luta do proletariado ¢ para o desenvolvimento dessa luta no sentido do socialismo. Diante dessa situagao, a luta do proletariado deve explicitar-se no terreno politico, naquele terreno politico que é circunscrito, definido, indicado pela con- creta situagdo russa, Lénin escreve: “A luta da classe operdria russa pela prOpria emancipacdo é uma luta politica, e seu primei- ro objetivo a conquista da liberdade politica, Por conseguinte, © Partido Operdrio Social-Democrata Russo, sem separar-se do movimento operdrio, apoiaré qualquer movimento social dirigi- a do contra 0 poder absoluto do governo autoeritica, contra a classe da nobreza agratia privilegiada e contra todos os vestigios da serviddo da gleba ¢ da divisio em castas, que limitam a liber- dade de concorréncia”. A liberdade de concorréncia é conside- rada um fato progressista diante do mundo feudal russo; existe, portanto, uma zelagdo entre 2 emancipagdo social dos trabalha- dores e a luta politica, a libertagao politica deles. A luta politica é luta contra um determinado tipo de Estado; ¢ ago sobre o Es- tado, mesmo quando 0 Estado ¢ um Estado czarista, E tanto € assim que Lénin escreve: “O que quer dizer que a luta da classe operdria é uma luta politica? Quer dizer que a classe operdria nfo pode lutar pela propria emancipacdo se néo consegue exer- cer uma influéncia sobre as questdes do Estado, sobre a direcko do Estado, sobre a promulgago das leis"? Estamos nos anos noventa do século pasado; estamos diante do Estado czarist Mas, mesmo nesse caso, a aco politica incide sobre o comporta- mento do Estado ¢ inclusive sobre a emanagao das leis. Com essa breve mengio & andlise que Lénin nos fornece do desenvolvimento do capitalismo na Russia, quero dizer que 0 cconceito de hegemonia do proletariado & para ele concretamente fundado sobre a investigagdo da especificidade hist6rica russa ¢ sobre a definigfo das tarefas politicas do proletariado, Mas, en- tre 0 inicio dessa investigagéo de Lénin sobre 0 modo pelo qual se desenvolve o capitalismo na Russia (o escrito de 1893 20 qual me referi) ¢ 0 tratamento mais maduro do mesmo tema (O deser volvimente do capitalismo na Rissia, de 1898), coloca-se um mo- mento de generalizacio tebrica da maior importéncia. Trata-se do escrito O que sao os amigos do poxo e como lutam contra os social- democratas, que & de 1894, Deter-me-ei apenas sobre um aspecto desse trabalho, ou seja, precisamente sobre a nogio de formacdo econémico-social £ uma nogdo que se encontra em Marx; e, para um estudo ‘mais aprofundado da mesma, envio ao ensaio de Emio Sereni De Marx a Lénin: a categoria da formacio econémico-social » Sereni observa como Marx passou do conceito de “forma de sociedade”, forma social, que & 0 termo usado na-Ideologia 1 ¥. 1, Lénin, Opere complete, ed, cit, vol. I, p. 86. 2 Bidem, p. [07. 3 No caderno de Crlttea marxstaintitulado Lénin, tebrico e dirgente revciucton nérto, de 1970, 18 calema, de 1845, para aquele mais complexo de “‘formacdo so- cial”, chegando também ao uso da expresso “formagdo econé- mica da sociedade”. Entre “forma da sociedade” e “formagao da sociedade”, hé uma diferenga que deve ser sublinhada: forma uma expresséc que indica uma realidade estatica, estabelecida, enquanto formacdo indica um proceso, um desenvolvimento. Marx aperfeicoa o proprio pensamento precisamente no sentido de indicar 0 processo, ¢ néo 0 momento estético. A nogdo de for- ‘magao econémico-social se encontra no famoso Prefécto a Con- tribuiedo & crltica da economia politica, de 1859. (© que entende Marx por formagéo social? Marx entende uma fase do desenvolvimento da sociedade que se distingue das demais pela estrutura econdmica predominante em tal fase, ou seja, pelas relagdes de producdo ede troca que caracterizam essa fase do desenvolvimento. Teremos assim uma formagio econd- mico-social feudal, caracterizada por relages de producdo ¢ de troca de tipo feudal; teremos uma formago econdmico-social capitalista, caracterizada por aquelas leis que caracterizam tal sociedade, pela predominancia das relagdes de producto © de troca ou pela forma de propriedade capitalista dos meios de pro- duc&o. Recordo rapidamente esse celebérrimo Preficto-de 1859; “Na producao social de sua existéncia, os homens entram em re- lagdes determinadas, necessérias, independentemente da sua vontade, em relagdes de produgo que correspondem a um de- terminado grau de desenvolvimento das forgas produtivas mate- riais”. Os homens entram nessas relagdes de produgéo ou formas de propriedade gracas a uma lei objetiva do desenvolvimento econ6mico, que € independente de sua vontade e de suas opcdes subjetivas, jé que € ligada ao desenvolvimento das forgas produ- tivas, Essa relagdo de producdo ~ diz Marx é a estrutura, a base real, sobre a qual se eleva a superestrutura politica, estatal, ideo- légica. E, por isso, afirma Marx: “Nao é a consciéncia dos ho- mens que determina seu modo de ser, mas sim o ser social dos homens” - a condigdo social na qual eles vivem ~ “que determi- nna sua conscitncia, Portanto, 0 modo de pensar, a consciencia, € uma superestrutura dessa base econdmica, ‘Nas relagdes de producéo, geradas pelo desenvolvimento das forcas produtivas, tem lugar 0 desenvolvimento das préprias forgas produtivas.” Ou seja: as relagdes de produgdo capitalistas incrementam o de- senvolvimento das forgas produtivas do capitalismo: o proleta- riado, as méquings, as fontes de energia, etc. Mas hé um ponto ‘no qual as forcas produtivas, desenvolvidus a partir déssas rela- 19 des de produgdo, passam a se por em conflito com tais relagbes de produgio. Nesse ponto, determina-se uma crise econd: social ¢ politica. A sociedade entra num periode de perturbacao revolucionaria. Por conseguinte, Marx indica em todo sistema econémico dois elementos: as forcas produtivas (trabalhadores, maquinas, Fontes de energia, matérias-primas) ¢, em seguida, as relagoes de produeo, ou seja, do angulo juridico, as relagdes de proprieda- de. Esses dois elementos so intimamente relacionados, mas en- tram em contradigdo: quando isso ocorre, tem lugar a crise revo- lucionéria, 0 abalo da base econdmica, ao qual corresponde um abalo andlogo da superestrutura politica, estatal, ideol6gica Portanto, a visio de Marx ¢ dindmica ¢ dialética, de desenvolvi- mento da sociedade através dessa contradigdo entre forcas pro- dutivas e relagdes de producdo, Essa contradi¢ao contém em si a mediag&o entre os dois elementos que a compéem, isto & a possi bilidade de superar a propria contradicdo. Na sociedade capita- lista, 0 mediador & o proletariado, principal forca produtiva. De fato, € 0 proletariado que tora possivel a superagio da contra- digo que se determina na sociedade capitalista entre forgas produtivas e relagdes de producdo, com o objetivo de conduair « uma nova sociedade comunista. Desse modo, o elemento dind- ico por exceléncia est nas forgas produtivas; as forgas produ- tivas so 0 elemento do progress, do desenvolvimento. Voltando a Lénin, vemos que em outro dos seus escritos, imediatamente posterior a Quem so 0s amigos do povo, isto & em Sobre o ramantismo econdmico, ele observa que os populistas = como jé havia feito 0 economista Sismondi - no compreen- dem a fungo progressista das forcas produtivas. Eles estao dis- postos a considerar as maquinas um fato positivo, mas até 0 ponto em que o desenvolvimento tecnolégico nao determine o desenvolvimento capitalista. Nao compreendem, observa Lenin, como as duas coisas sao inseparaveis e como, na situacdo russa, (© desenvolvimento das forgas produtivas se traduz necessaria- mente em desenvolvimento do capitalismo. De modo que, recu- sando 0 capitalismo, recusam 40 mesmo tempo o desenvolvi mento das forgas produtivas. Sismondi, em sua eritica ao capita- lismo, confunde relacdes de producio e forcas produtivas e, con- denando junto com as relagdes de producao capitalistas também (0 desenvolvimento das forcas produtivas, cai numa posigdo ro- méntica, sonhando com uma sociedade de tipo pré-capitalista, Na realidade, sua ideologia é reacionéria. 20 ‘A argumentagao é muito atual, porque faz pensar em Mar- cuse, Marcuse apresenta uina face revolucionéria quando critica, de modo eficaz ¢ bastante penetrante, o atual desenvolvimento do capitalismo; mas apresenta, em seguida, uma face reacioné- ria, quando envolve, na critica a0 capitalismo, o desenvolvimen- to das forcas produtivas, o mundo industrial em geral e, portan- to, termina por deixar de lado a consciéncia da func historica, revolucionaria, do proletariado. Por conseguinte, as relagdes de produgio, 0 tipo de proprie- dade caracterizam uma determinada formago econémico- social, As relagées de produgao capitalistas caracterizam a for- magdo econémico-social capitalista, Com efeito, no Prefécio de 1859, Marx conclui com a seguinte passagem: “Em grandes li- nnhas, 08 modos de produgio asidtico, antigo, feudal e burgués moderno podem ser designados como épocas que maream 0 pro- cesso de formagio econdmica da sociedade”. H uma correspon- déncia entre modo ou relagdo de produciio ¢ formagao econbmi- co-social da sociedade: 0 que caracteriza a formacio econémico- social da sociedade € 0 modo de producdo que predomina na fase em questio e caracteriza toda a vida social, explica todos os vvinculos sociais e permite compreender todos os momentos da vida da sociedade. Em seu ensaio publicade em Critica marvitta, Sereni abser- va que na II Internacional, ¢ particularmente em Kautsky Plekhénov, o conceito de formacao econdmico-social desaparece ‘ese anula naquele de relagdes ou modos de produgio, que slo © elemento caracterizador da formacao ccondmico-social, mas nio slo coisa idéntica & formagao econdmico-social, jé que com essa Gitima pretendemos designar todo o conjunto da sociedade. Pretendemos designar modos de producdo do passado, nao pre- dominantes, mas que ainda subsistem. Pretendemos indicar a es- trutura e a superestrutura; a base econdmica, as relagées sociais, politicas, a vida cultural, etc, Enquanto na II Internacional 0 coneeito de formagdo econdmico-social entra em eclipse, ou mesmo desapazece, Lénin 0 retoma de modo pleno. Alids, ele funda 0 carater cientifico do marxismo precisamente sobre 0 fato de que esse determinou ¢ definiu a nogdo de formaco eco- nOmico-social. A sociclogia positivista, que Lénin tinha diante de si, buscara explicar as leis gerais da sociedade do mesino modo como se determinam e definem as leis da natureza, mas rnilo conseguira absolutamente determinar essa nogao de forma- géo econémico-social. Tinha a pretensio de ter encontrado a chave de toda a histéria social, de toda a historia mundial, ¢, na a realidade, permanecera no genérico € terminara por construit uma metafisica da sociedade, uma filosofia da historia ¢ nao uma sociologia cientifica. Marx ¢ Lénin, ao contrdrio, pensam que a sociedade nao se desenvolve como uma totalidade sem dis- tingdes, mas como algo que conhece ¢ortes precisos, determina dos pelas relagbes de producdo, por fuses econdmico-sociais di- ferentes, condicionadas pela emergéncia de diferentes relagdes de produgaoe de troca. O mérito cientifico de Marx diz Lénin, con- siste em nos ter dado a chave para entender esta determinada formagdo econdmico-social, ou seja, a formacdo econémico- social capitalista, Lénin escreve textualmente: “Marx fala de uma 36 formacdo econdmico-social, da formacdo econémico- social capitalista; ou seja, afirma ter examinado a lei de desen- volvimento dessa formagao e de nenhuma outra”.‘ E de obser- var: Marx nos dé a lei da sociedade capitalista e Lénin sublinha (que se trata de uma lei de desenvolvimento, ou sej © cariter dindmico das leis dessa sociedade. Lénin cita aquela passagem do prefacio de Marx Q capital, onde se afirma: “Meu onto de vista concebe 0 desenvolvimento da formag&o econé- mica da sociedade como processo de histéria natural”. Chamo a atengao para o termo processo, que indica precisamente um de- senvolvimento; ¢ lembro aquela passagem dos Grundrisse onde Marx afirma: “O capitalismo no é tanto uma estrutura quanto tum processo”. Ele, apesar de ter determinado a estrutura do ca- pitalismo, tende porém a sublinhar o cardter dinimico de fazer- se, de desenvolver-se. Marx, portanto, fala de estrutura capitalista; refere-se — se quisermos utilizar, ainda que impropriamente, a terminologia do moderno estruturalismo ~ a um momento sincrénico, de contem- poraneidade; mas, na realidade, vé sempre a estrutura em seu de- senvolvimento, enxerga-a através da diacronia, da diversidade dos tempos, Na verdade, para Marx, a distingdo entre diacréni- co ¢ sinerdnico ¢ impossivel. Dou um exemplo para methor me explicar. Marx fala, em O capital, da reproducao simples do capital, ou seja, da reprodugdo daquele capital que ¢ consumido. Fala em seguida da reproducdo ‘ampliada, na qual se produz uma quantidade de capital maior do ‘que aquela que é consumida. Mas Marx adverte que a reprodu- do simples é apenas uma hipétese tedrica; na verdade, a repro- terminade diregio, na qual essa culminagdo torna-se norma de agio coletiva, isto 6, torna-se histéria concreta e completa, inte- gral”. A verdadeira filosofia de uma época deve ser vista, por- tanto, no modo de agir e no modo de sentir das grandes massas. O bloco histérico Vemos assim, mais uma vez, a sociedade que se apresenta ‘como totalidade como uma totalidade que deve ser abordada em todos os seus niveis. £, mais uma vez, 0 conceito de bloco his- t6rico, A hegemonia tende a construir um bloce historico, ou se ja, a realizar uma unidade de foreas sociais ¢ politicas diferentes; ~ tende a conservé-las juntas através da concep¢do do mundo que cla tracoue difundiu. “A estrutura e as superestruturas - diz ele ~formam um bloco histérico.” " A luta pela hegemonia deve envolver todos os niveis da sociedade: 2 base econémica, a su perestcutura politica ¢ a superestrutura ideolégica. Numa passagem de 1! risorgimento, Gramsci nos dé uma vi- so dindmica do processo segundo o qual se formam e se dissol- vem as hegemonias, quando diz: “A supremacia de um grupo so- cial se manifesta de dois modos, como dominaglo e como dire- fo intelectual e moral. Um grupo social é dominante dos gru- pos adversérios, que tende a liquidar ou a submeter inclusive com a forca armada, ¢€ dirigente dos grupos afins ¢ aliados. Um ‘rupo social pode, ¢ mesmo deve, ser dirigente j antes de con- 13 bidem, p. 38 8 quistar 0 poder governamental. £ essa uma das condiedes princi- pais para a propria conquista do poder. Depols, quando exeres o poder, e mesmo quando o mantém fortemente sob controle, tor- Pe-se dominante, mas deve continuar a ser também dirigente". * ‘Aqui, 20 lado da noglo de hegemonia, ¢ introducida a de supre- smacia. A supremacia ¢ dominio € diregdo, Pode-se dizer que & Jomfnio ¢ hegemonia, A hegemonia avanga com a afirmacio da capacidade de diregio politica, ideoldgica e moral daquela que, até tal momento, era uma classe subalterna, ‘A supremacia entra em erise quando, embora se mantenha a dominacdo, desaparece a capacidade dirigente; quando a classe ue detém 0 poder politico nao sabe mais verdadeiramente diri- fit, resolver 08 problemas da coletividade; quando a concepsio fo mundo que ela conseguira afirmar passa a ser techagada. A Classe social até entdo subalterna torna-se dirigente, por sua vez, {quando sabe indicar de modo concreto a solucdo para os proble- thas, quando tem uma concepcie do mundo que conquista no- ‘vos aderentes, que unifica 0 alinhamento que se forma em torno dela, fessa a concepgao gramsciana da conquista da hegemonie. Marx apresentava a crise revolucionéria, essencielment ‘como contradigao entre as relagdes de produgio ¢ 0 desenvolvi mento das forcas produtivas. Marx vé a crise revolucionaria, portanto, como scudo essencialmente uma crise da estrutura fcondmica, Conservando firmemente o ensinamento de Marx, Gramsci dirige a sua atengdo para um outro momento da crise revolucionaria da sociedade; e o faz tanto mais quanto quer combater as visdes vulgarmente deterministas do marxismo ofientar a atengio do movimento operdrio em diregéo de um» momento até entio negligenciado, o momento ideol6gico, cultu- ral, moral, Em Gramsei, a crise revoluciondria é vista sobretudo 4 nivel da superestrutura; é lida a nivel da hegemonia e 6 conce- bida como crise de hegemonia. Essa crise envolve, porém, toda sociedade, todo 0 bloco histerico; e ndo se deve esquecer que, para Gramsci, 0 bloco histérico ¢ formado pela estrutura c pela Superestrutura, Eu diria, portanto, que a crise revolucionéria é vista por Gramsci na totalidade do processo social. Mars fizera ‘sua anatomia, indicando suas bases fundamentais. Era esse 0 primeiro passo indispensével para fundamentar a explicagdo dos movimentos sociais ¢ revolucionérios de modo cientifico, critico, nao idealista e nao subjetivista. Mas, detorminada a anatomia, ¢ 14 Fide, p. 7. necessdrio partir dela para ver a totalidade da sociedade. Chega- se, entdo, a nocdo de hegemonia ¢ de bloco histérico Para Gramsci, 0 conceito de hegemonia ¢ assim uma chave de leitura hist6rica, de andlise dos processos. Tivemos ocasiio de vé-lo em A questdo meridional, quando analisamos 0 papel que atribui aos intelectuais enquanto cimento de um bloco politico. (0 coneeito de bloco histérico € mais amplo que 0 conceito de bloco politico. O bloco histérico, de fato, pode compreender vé~ rios ¢ diferentes blocos politicos.) Os intelectuais tema dos intelectusis retorna amplamente nos Cadernos. Gramsci, aqui, esboga as linhas de uma pesquisa sobre os inte- lectuais italianos e sobre 0 processo de sua formagao. E mais que compreensivel o destaque que ele constantemente dé ao proble- ma dos intelectuais; deriva diretamente do destaque que tem para ele o problema da hegemonia. De fato, uma hegemonia se constrdi quando tem os seus quadros, os seus elaboradores. Os intelectuais si0 0s quadros da classe econémica e politicamente

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