You are on page 1of 164
JOSE CARLOS AVELLAR A PONTE CLANDESTINA_- Garcia cPaalicies Sanjinés/ Alea / bea TEORIAS DE CINEMA NA Cinema (/wengio seme futuro?) na Amé- I rica Latina (pais do futuro). Epico e didati- co, Antropdtage c dialético. Reflexao e refle- so, Verdade ¢ imaginagio, Pasién y razon. Bitte a realidade ¢ a negagdo da realidade. Pore a fome eo sonhe, Entre a idéia na ca- hega ea climera na mao. Entre a poesia ¢ a politica, Junto al pueblo, Com forga igual a ' da vida, No comego dos anos sessenta um grupo © ie ovens realizacores brasileiros, bolivianos, i dyjentiios, enbanos, mexicanos, chilenos, Herder rexpeito religioso pelo cinema e, seit pudlir lidenga para entrar no sagrado uni- VOTE, PeyAram nas cimeras para pensar a iain A PONTE CLANDESTINA i oxpwriénela de ver e fazer filmes na América Latina efou pensar a América Latina na ex- periéticla de fazer filmes. 4 Birri Ponsaro filme como expressao que come- Glauber ' 44 quando © realizador contempla a realida- Sol. dle conio un espectador — contemplar entra- 0 anas ‘ fi Ya Una clerta actividad, no constituye una Garcia Espinosa iple apropriacién pasiva. Sanjinés 4f latino-americano como especta- Alea fue este sujeito que expectaba ne tradicional, este no-participan- AAP AREY LM protagonista vive, un Ja histéria del film y de la histé- 0 cinema come uma ponte OF ¢ a realidace, e o cineasta Particular: niio é um enge- itor de pontes, um econo- Omlsta, um construtor de heiro: los ingenieros son ar- ~ Gn sobre el abismo, los os de un afective puente Teorias de Cinema na América Latina nbém em ensaios, no- cartas, debates, me- i, ¢ textos para jor- mdores latino-ame- trinta ou quaren- jentalmente criti- Este trabalbo contow com o apoio de bolsa da FuNpagao VirAg José Carlos Avellar A PONTE CLANDESTINA | Birri | Glauber Solanas Garcia Espinosa Sanjinés | Alea Teorias de Cinema na América Latina | edUsp editorall34 EDITORA 34 - ASSOCIADA A EDITORA NOVA FRONTEIRA Distribuicao pela Eclirora Nova Fronteira $.A. R. Bambina, 25 CEP 22215-050 Tel. (021) 337-8770 Rio de Janeiro - RJ Direitos reservados © 34 Literatura $/C Ltda. f Edusp - Editora da Universidade de $40 Paulo, 1995 A ponte clandestina © José Carlos Avellar, 1995 A POTOCOPA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO E ILEGAL, E CONFIGURA UMA APROPRIACAG INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUATS E PATRIMONIAIS DO AUTOR, Imagem da capa: Desenho de Fernando Birri (cortesia do attor) Capa, projeto grfico e editoragao eletrdnica: Bracher & Malta Produgdo Grafica Revisao: Leny Cordeira 1° Ediglo - 1995 34 Literatura SIC Ltda. R. Jardim Botanico, 635 s.603 CEP 22470-050 Rio de Janeiro - RJ ‘Tel. (021) 239-5346 Fax (021) 294-7707 Edusp - Editora da Universidade de $40 Paulo Avy. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6° andar Ed. da Antiga Reitoria Cidade Universitaria CEP 05508-900 Sao Paulo - SP Tel. (011) 813-8837 / 818-4153 Pax (011) 211-6988 CIP - Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Avellae, José Carlos ASHP A poate clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Gotino, Garcia Espinosa, Sanjinés, Alea» Teorins de cinema na Ansérica Latina / Jose Carlos Avellar. — Rio de Janeiro [Sip Pauls: Ed, JJ Edusp, 1995 320 p. ISBN #5854902 1, Cinema - América Latina - Histéria cerities 1. Titulo. CBD - 791.4200 95-0597 CDU - 741.43 (sé) A PONTE CLANDESTINA Birri Glauber Solanas Gareia Espinosa Sanjinés Alea Teorias de Cinema na América Latina 7 Napoledo a cavalo 41 La misma fuerza de la vida Fernando Birri ¢ o laboratério ambulante de poéticas cinematograficas ae A arte antes da vida Glauber Rocha: a estetica da fome ¢ a estética do sonho 115 La descolonizacion del gusto Fernando Solanas, Octavio Getino ¢ hacia un tercer cine 174 A cara sem trés orelhas Julio Gareia Espinosa y el cine imperfecto 219 El ciclista vietnamita Jorge Sanjinés y el cine junto al pueblo 267 A paisagem ¢ a negacio da paisagem Tomas Gutiérrez Alea: la dialéctica del espectador mat é t NAPOLEAO A CAVALO Glauber comecou a escrever América nuestra logo depois de Deus ¢ o diabo na terra do sol (1964). Julio Garcia Espinosa anotou Instrucciones para hacer un film en un pais subdesarrollado depois de realizar Tercer Mundo, tercera guerra mundial (1970). Tomas Gutiérrez Alea escreveu uma adaptagao de A temmpestade de Shakespeare depois de realtzar Hasta cierto punto (1983). Geraldo Sarno decdicou-se ao Apocalipse de Solentinante de Cortazar logo depois de Deus é um fogo (1987). Dois principais motiyos fazem destes quatro projetos nao filmados um bom ponte de partida para o exame das teorias de cinema produzidas entre nas: Através deles podemos tentar perceber a teoria como um texto nho ao reteiro. Como modo de sonhar formas que ainda nao existem além de pensar experiéneias ja vividas; como modo de gerar imagens; de fazer cinema; de ver um filme nao realizado mas ja pressentido; de sugeriz mode- los de dramaturgias cinematograficas da mesma forma que um roteiro su- gere um filme. Através deles podemos perceber 0 roteiro nao s6. como anotagao uti- litaria sem vida propria que desaparece quando o filme fica pronto, mas como expressao independente. Como instante de reflexao que prepara os momentos em que o trabalho do filme é dominado pelo sentimento — a filmagem, a montagem, a projegao. Como instante parecido com aquele outro em que, depois da emogio na tela, recomegamos a trabalhar o filme com a razdo, © cinema realizado nas teorias é um roteiro ainda nao transforma- do em filme. O cinema pensado nestes roteiros nao filmados se transformou em filmes do mesmo ou de outros diretores. © que em princ{pio se propée anotagao ligeira, pessoal, instantanea, esquemdatica, para desaparecer e nunca mais ser lida depois de realizado 0 filme, se apresenta algumas vezes como escrita especialmente saborosa de ler. Eo que em principio se propée texto mesmo, como o que exige a pre- ciséo da palavra para se expressar, sc mostra algumas vezes escrita nado or- ganizada: comeca a ser pensada num ensaio, é ampliada numa entrevista, é corrigida num debate, prossegue num depoimento, toma um desvio num A Ponce Clandestina 7 outro ensaio, reaparece numa conversa informal, vai se rearrumar adian- te, Uma primeira frase parece um esbogo, anotacao que precede a idéia, pensamento bem naquele instante em que comega a ser pensado, rabisco para o que passou pela cabeca mas ainda nao ganhou forma nao se perea. Uma segunda, expressdo clara e em boa ordem do que ja foi pensado por inteiro, Uma terceira, a transcrigao de uma fala construida mais pela emo- cio que pela razdo, coisa que se diz sem pensar. E a que vem depois, ¢ a seguinte, e outra mais, todas reunidas, o discurso acabado parece idéia que mal comegou a ser pensada e se fragmento. A fragmentagao se deve 4 montagem de trechos escritos com outros falados numa entrevista ou debate, a descontinuidade do trabalho de re- flexdo. A descontinuidade é talvez a marca principal de toda a atividade cinematografica na América Latina. Ou a um modo de pensar que se dei- xou fragmentar no enfrentamento de nossas realidades, a se quebrar en- tre a necessidade de pensar a agao e a urgéncia de agir. Este enfrentamen- to levaria a um conflito entre a raz4o (que analisa o subdesenvolvimento) € 0 sentimento {a indignacao que resulta da andlise), e este conflito a um discurso feito de dois dialetos superpostos: um que se assemelha a uma lin- gua ja organizada, outro que parece fala automatica ou expresso de uma cultura ainda sem escrita; um que se serve da palavra quase assim como nds nos servimos dela no dia-a-dia, outro que procura transformaé-la numa imagem (assim como faziam os poetas fururistas ¢ os formalistas russos). Um bom exemplo so os textos de Glauber, os que trazem frases inteiras em maitisculas e os que se utilizam das letras Y, Ke Zem lugar del, Ce S (com freqiiéncia acrescentadas a mao sobre o texto datilografado} para desenhar a palavra diferentemente, para grafar também o que a voz, a dicedo ea imagem da pessoa que fala acrescentam a palayra, O texto, aqui, pretende mais que ser apenas um texto: se fragmenta para revelar a ima- gem que existe dentro dele. [Que pretendo com o texto?, pergunta-se Glawber no poema Letra fera, E responde: nao me de texto nao te de texto nao te con texto nao te pro texto detexto tetexto contexto protexto proxeneta!]! Seguira linha de pensamento significa percorrer'tm texto na aparen- cia partido, indisciplinado, imperfeito, que muda de tom a todo instante. # José Carlos Avellar © subdesenvolyimento é mesmo uma forga autodevoradora que dilacera as possibilidades dos individuos e paralisa a criatividade, O cinema que comegamos a fazer na metade dos anos 50 partiu exatamente da desconti- muidade, instrumento arrancado de dentro do subdesenvolvimento, para voltar-se contra cla, para transformar em agao 0 que se impde como im- possibilidade de invengao livre. Os filmes parecem inconclusos. As teorias criadas em torno deles também. Uma coisa e outra tém um idéntico tom de roteiro, primeiro pedaco de uma imagem que esta nascendo naquele exato instante, ou esboco imperfeito de uma imagem que sO vai nascer adiante. As palavras parecem imagens, 0s roteiros teoria, as teorias roteiros. Uma coisa ocupa o lugar da outra. O texto que pensa o cinema como um todo de quando em quando se mantém inconcluso como as anotagoes que guardam a idéia de um filme. E o texto que pensa um nico filme se organiza com o rigor de uma teoria — em lugar do roteiro de um traba- lho a ser feito, uma reflexao sobre o cinema que o diretor ja vit inteiro em sua imaginagao. © que parece inacabado, ¢ é mesmo assim, mais parte que todo, na yerdade se prapoe projeto cuja finalizagao supGe a partici- pagda de tadas. Na primeira pagina do original, metade do titule datilografado esta rabiscado, Glauber escrevera América nuestra (A terra ent transe). Depois, entre as correedes € acréscimos feitos a mao, riscou o pedago do titulo que estava entre parenteses. Na tiltima pagina duas datas acrescentadas a mao indicam que esta primeira versao de América nuestra foi escrita entre janeiro de 1965 e abril de 1966, entre Roma eo Rio de Janeiro. Quase ao mesmo tempo Glauber desdobrou esta idéia num outro roteiro, que comegou a anotar ainda em Roma entre fevereire ¢ marco de 1965, Terra ent iranse. Um personagem comum esta no centro dos dois filmes entao sonhados: um poeta dividido entre o jomalismo e a politica, entre a poesia ¢ a luta armada. Ele se cha- ma Juan Morales no primeiro, Paulo Martins no segunda. Um ponto de partida comum para este sonho duplo: Deus eo diabo na terra do sol. “Senti a necessidade de prosseguir a estéria de Manuel e Rosa correndo para um mar libertador. Este mar banhava uma noya ter- ra, esta terra estava em crise, dividida, estragalhada — era uma terra pos- suida pelas paixdes politicas ¢ atormentada pelos problemas sociais”, de luz tropical e “mau gosto operistico nas mansoes miliondrias”; um “pais ou ilha interior” onde os partidos “ofereciam ideologias fechadas, os ca pitalistas estavam As portas da faléncia, os escritores mudas, 0 povo es- quecido de sua propria condigao”.2 O filme que Glauber comega a filmar ainda em 1966, Terra em transe, éna realidade uma fusao dos dois roteitos. A Ponte Clandestina 3 Do primeiro, toma a idéia de situar a agdo num pais imaginario, Eldo- rado, “uma tentativa de sintetizar o chamado terceiro mundo subdesenvolvi- do e discutir alguns de seus problemas mais importantes”. E toma também duas ou trés cenas, trechos do didlogo ¢ alguns personagens — Diaz (que entao se chamava Manuele nao Porfirio), Julio Fuentes, Silvia e Jeronimo. Do segundo, que deveria se passar no Brasil, entre o mar do Rio ¢ o sertio do Nordeste, toma alguns personagens— Paulo, Sara, Alvaro e Vieira (que entao se chamava Silveira) —, duas ou trés cenas e trechos do didlogo. Terminado Terra em transe, Glauber retoma a idéia de América nues- ira, como conta em depoimento a revista Fatos & Fotos em abril de 1967, pouco antes de seguir para o Festival de Cannes: “Para realizar o proxi- mo filme (que ja esta escrito), enfrentarei a mesma batalha. Sem fazer con- cessGes, sem me render a imposicdes de produtores sem sensibilidade”. Depois de Cannes o roteiro é retrabalhado, “em junho de 1967, em Paris, retomando uma versio de 1966, escrita no Rio”.4 Dois meses mais tarde a nova versao estava pronta — “ahora tengo una idea desarrollada sobre la pelicula”. Acertada a venda de Deus eo diabo e de Terra em transe para os Fstados Unidos, “con ello tendré mas o menos unos 30 mil dolares para poder comenzar”, pensa em uma co-produ¢ao: “Es un film muy ambicio- so, donde quiero demostrar el proceso de destruccién y de liberacién de América Latina, desde la destruccién de los Incas por los conquistadores, la influencia de la iglesia, la aparicion de los latifundios y la explotaciGn; el chantaje de la politica civil, hasta las guerrillas como camino de libe- racién, Debe ser una pelicula épica y violenta”, filmada “en Pert, Chile, Argentina e Uruguay”, diz em carta a Alfredo Guevara, entao diretor do Instituto Cubano del Arte y Industria Cinematograficos, para perguntar sobre a possibilidade de participacao do [CAIC — “me gustaria saber cudles son las posibilidades de que usted pueda colaborar conmigo”. Na carta diz como pensa a produc¢ao: O negativo, 30 mil metros, viria do Uruguai, a revelacdo seria feita em laboratorio argentino, “cl doblaje, el montaje y el sonido en el ICAIC. Haria esto en secreto. Después la cinta seria lanzada como pelicula uru- guaya, pues URUGUAY NO TIENE CENSURA, jesta es la gran ventaja!”. E diz como pensa a realizagaio: “Perdéneme la pretensién, pero trato de hacer una estructura épica al estilo de Octwbre, con mucha fuerza poetica y emocion revolucionaria. Creo que una cinta politica debe ser también un estimulo cultural y artistico. Y para nosotros, latinos, que somos colo- nizados cultural y econémicamente, nuestro cine debe ser revolucionario desde el punto de vista politico y poético, o sea, tenemos que presentar IDEAS NUEVAS CON UN LENGUAJE NUEVO, America nuestra no pre- tende ser una cinta DIDACTICA, pero si una MANIFESTACION, UNA PELICULA DE AGITACION, UN DISCURSO VIOLENTO y también una 10 José Carlos Avellar prueba de que en el terreno de la cultura el hombre latino, libre de la ex- plotacién colonialista, es eapaz de crear”.* Mais tres meses, novembro de 1967, e nova carta a Alfredo Guevara: “[ecidi dedicarle abiertamente la pelicula a la memoria del Che. La pelicula sera una Historia Practica Ideoldgica Revolucionaria de América Latina, Comenzaré con un documental sobre los indios, la decadencia his- torica impuesta por la civilizacién, explicara los fenémenos de las revelu- ciones de Bolivar, la contradicién de la revolucién Mexicana, el fenémeno del imperialismo y las dictaduras, la verdadera revoluci6n cubana y las contradicciones actuales para el desarrollo y la vietoria de las guerrillas. Todos los fenémenos de la lucha, como la tecnologia americana, la evo- lucién de la iglesia, el conflicto entre el romanticismo, coraje, estrategia comunista tradicional, En fin todos estos temas se tacarén en la cinta. Ya te dije que la estructura se parecera, por ejemplo, a la de Octubre, es decir, con documentos y personajes. Pero los personajes histéricos, de Bolivar a Che, se conservaran a la distancia legendaria necesaria y solo abordaré las contradiceiones entre los personajes menores”. E conclui:“haré una cinta radical, violenta, divulgando abiertamente (y justificando) la creacion de diferentes Vietnams”.° Uma outra vez Glauber se desvia do projeto. No ano sepuinte estu- da “a quase climinagao da montagem quando existe uma agao verbal e psicolégica constante dentro da mesma tomada” em © cancer (1968) e, “preocupado com o cinema popular”, faz O dragdo da maldade contra o santo guerreiro (1969). Vem comeste ultimo a Cannes, ¢ depois do festi- val, junho de 1969, de noveem Paris, volta a pensar em America nuestra. Preenche um caderno com anotagoes: “Temo que nao possa fazer este filme, mas pelo menos vou escrevé- lo, As varias versoes ficardo guardadas na medida do possivel, o que po- dera permitir uma andlise mais profunda de todo o filme”. Imagens: um “travelling do presidente dangando tango”. Brasilia “nao da pra esta cena e entao me lembro do Palacio do Governo no Maranhao”. Rostos para o elenco: Geraldo del Rey, Alfredo Alcon, Silvia Pinal, Francisco Rabal, Armendariz. Idéias para a encenagao: “a inocéncia de Lumiére, a cenografia de Méliés, a dialética de Eisenstein, a irreveréncia de Buiiuel, ¢ alguma coisa de Straub, o misticismo de Kazan + cinema americano, Bresson, 0 porra- louquismo do cinema e a paixdo de Glauber Rocha”. é Lembra que a versdo escrita dois anos antes “era narrativa, roma- nesca e bastante influenciada pelas memo6rias revolucionarias de Che Gue- vara e pelo livro de Regis Debray”. A estrutura “ainda nao fora encontra- da”. “O conflito ideolégico prejudicava o desenvolvimento”, nao permi- tia que o filme explodisse. A Ponte Clandestina Ti “Arnaldo Carrilho me disse uma vez diante das ruinas de Pompeia (era um domingo entre janeiro e marco de 1965) que Simén Bolivar subiu no Vestivio ¢ de 1a meditou sobre a América Latina: dai partiu para sua agao politica. Verdade ou mentira, quero partir do vulcdo.” Acha que “Asneértca deve ser um filme que multiplique Eisenstein por ele mesmo”. Acha que é preciso refazer tudo. E se desvia de novo para filmar, na Africa, Der leone bave sept cabecas (1969/70), e na Espanha, Cabezas cortadas (1970).° E ainda uma vez, terminados estes filmes, a idéia de “hacer una pe- licula sobre la politica latinoamericana” retorna como “la dimension mas popular de Terra enz transe”, e como um filme a ser feito em Cuba por- que “este seria el lugar donde mi acto politico de cineasta contra la dicta- dura en Brasil tendria mas significado”.’ Retrabalha a idéia, desenvolve novas seqiiéncias e acrescenta ao material escrito uma série de desenhos, um quase story board. A vontade que surgiu em 1965, pouco depois da Estética da forme, reaparece em 1971, pouco depois da Estética do sonbo, pouco antes de novo desvio, para fazer Historia do Brasil (1972/74) com Marcos Medeiros. [Para que este relato dos seguidos envolvimentos e dis- tanciamentos de América nuestra nao dé a sensagao de uma per- manente indecisao, inseguranga ou incoeréncia de Glauber: o roteiro nao filmado funciona todo este tempo como um texto teorico, como uma reflexao que impulsiona a pratica. Muitas vezes apanhado, trabalhado e deixado para aciante — mais por falta de condigdes de produgao que por um desejo de retrabalhar © projeto —, este roteiro nio filmado é que estimula Glauber a filmar. E como se ali estivesse o essencial: na historia do poeta de Eldorado que sai da poesia para a politica, que faz politica como poesia ou poesia como politica. Depois de Dens eo dia- bo o cinema de Glauber se eneontra marcado pelo desejo de filmar Antérica nuestra, como se os filmes acabados fossem uma preparacio para chegar a esse outro que niio se concluiu, fos- sem tentativas de uma dramaturgia revoluciondaria (“desde el punto de vista politico y poético”) que s6 se realizaria por in- teiro na historia de Juan Morales, o poeta que da a vida pela poesia — ou que se realizou por inteiro nesta agao deixada em aberto, neste gesto que parou no ar. A questao se.encontrava no centro das discussGes cinematograficas bem neste espaga de tempo em que Glauber tenta filmar a historia de Juan Morales: entre 65, a Estétics da fome, e 71, a Estética do sonbo. Poesia H ? pergunta-se Cine Crbano no n° 68: “ya que parece José Carlos Avellar imposible orcenar el caos social ¢va el cineasta brasilefo ins- raurar el orden poético?” Sim, responde Glauber no n° 71/72, “cuando instauramos el orden poético avanzdbamos todavia mas en la creacién de un nuevo lenguaje cinematografico latino- americano, No adoptamos set camtino para buir de la censura. No somos cretinos ni conciliadores. No somos partidarios de simplificaciones cinematograficas en nombre de una falsa poli- tizacién”. E, depois de dizer que nao se sente culpado por ser cineasta, diz que “el cine no hace la revolucién. El cine es uno de los instrumentos revolucionarios y para ello debe crear un lenguaje latinoamericano, libertario y revelador. Debe ser épi- co, didactico, materialista y magico. Para mi la revolucion sig- nifiea la vida y la plenitud de la existencia es la liberacion men- tal: esto transforma la fantasia del inconsciente en nuevas rea- lidades revolucionarias. Los artistas revolucionarios son tan necesarios al nuevo mondo como los ingenieros”.*] Planos aéreos dos Andes. (Entre os desenhos mais tarde acrescentados ao texto, a boca de um vulcao. O filme sairia dai.) Depois, desertos, mares, a Amaz6nia, imagens de fundo para os cre- ditos iniciais. Antérica nuestra comega apresentando Eldorado. Sobre es- tas imagens a informagaio de que o pais foi descoberto e colonizado por portugueses ¢ espanhdis ¢ tornou-se independente no século XIX. Em se- guida um conjunto de “planos rapidos, expressivos — um canhao dispa- ra; avides no ar; movimentos de tanques; deslocamento de tropas”. E en- tao o letreiro que da inicio 4 hist6ria propriamente dita: “Depois da tiltima revolugao, Manuel Diaz, lider civil, assume a pre- sidéncia”. Varias das 77 seqiiéncias que compGem a narrativa possuem um Le- treiro que apresenta ou comenta a agao. A festa de posse introduz um dos protagonistas da historia, Manuel Diaz, que “tem os olhos incendiados de misticismo, de fanatismo”, que “fecha os olhos olhando para o céu como agradecendo a Deus o fato deter cheg.a- doao poder”, Um general discursa “através da televisio, que éo instrumento moderno” para anunciar o ato institucional que fecha a universidade, bane os radicais de esquerda, “reata os lagos de amizade com nossos fraternos irmaos do Norte”, proibe eleigdes e proclama o novo presidente. Depois, a banda de musica na rua, o desfile em carro aberto, o carnaval popular, a cruz no palanque,o coral religioso, a missa celebrada por um cardeal,a hostia, a faixa presidencial, o povo emsiléncio. A fala de Manuel Diaz € semelhante ao sermao da montanha de Porfirio Diaz em Terra ent transe: “O que eu A Ponte Clandestina 13 nao passo explicar aos meus inimigos sao as razOes que me levatam a aban- donar 0 exercicioda solidao pelo exercicio piiblico. Mas também nem Cristo pode explicar, a nao ser coma propria vida.” Qutra festa, e mais um protagonista, Julio Fuentes, “playboy de qua- renta anos aproximadamente, cabelos brancos e compridos, ligeiramente homossexual, fala entrecortada de termos ingleses”. Um “funeral das es- perangas”, “uma verdadeira orgia” onde “o capital que tudo domina la- menta a perda do poder”, a festa redine “a esséncia dos que foram depas- tos: radicais histéricos, aventureiros, estudantes e sacerdotes inclusive — representados pelos protétipos, embora os proréctipos desmintam o esque- matismo. & desta dialética de uma estrutura esquematica versus o anti- esquematismo dos personagens que vivera o drama.” Também nesta festa 0 personagem principal, “Juan Morales, 0 poc- ta. Este representa a dualidade intelectual latina entre o romantismo ¢ 0 racionalismo; o retardamento romantico e a impossibilidade racional o levam a um troca-passo continuo, cujo resultado é um neo-surrealismo. Eis a tonica estilistica da fabula.” + [Neo-surrealismo: a palavra, especialmente se lida em por- tenbol, especialmente se vista como imagem, representa com exatiddo o cinema que Glauber sonhou para a América Lati- na; neo-sur-realismo, neo-sul-realismo, neo surrealismo do sul.] Mais tarde Juan nos leva ao quarto protagonista, Bolivar, o lider guerrilheiro. No comego cantado por um menino como um santo guertel- ro de “olhos duros, testa de urso, cabelos grandes, barba de Deus, sozi- nho com a metralhadora anunciando o dia da libertagio”, Bolivar s6.apa- rece quando a histéria ja esta pela metade, na floresta, “debrugado sobre um mapa, metralhadora ao lado, moreno, indio, com barba de dois dias, elegante, seguro, firme, em siléncio”. Ao lado de Juan trés coadjuvantes: Amor, a namorada que ele dei- xou na montanha e que mais tarde se reunira aos guerrilheiros de Bolivar; Silvia, a namorada que ele deixou na cidade ¢ que mais tarde se tornara amante de Diaz; e Alto, que se opoe a Diaz mas, contririo 4 luta armada, defende a tomada do poder pela conscientizagao, pelo voto, pelas eleigdes diretas, pela agitacdo através da imprensa. A histéria: Diaz no poder, Juan abandona o jornal ea televisdo de Julio Fuentes (O poeta parte para a montanba e mar para amar e meditar, diz um le- treiro.) Volta a poesia, volta a sua aldeia natal, reencontra Amor, reencontra séria do campo, passa pela violéncia dos soldados contra os campo- Mm José Carlos Avellar Uma carta-convite para “uma guerra pela imprensa, uma campanha de esclarecimento popular”, traz Juan de novo paraa cidade (novo letrei- ro: Juan volta a Eldorado para conspirar contra Diaz). Ena cidade, ac lado de Julio, Silvia ¢ Alto, Juan trama uma alianga entre um militar reforma- do, o General Lyra, ¢ unia niultinacional, a First Company, para forgar eleiges ¢ derrubar Diaz, e propde apoio aos guerrilheiros. Alto recusa (“Bolivar é um bandoleiro, um aventureiro, levara Diaz.a radicalizagao”), insiste no velho general e pede a colaboragao de Juan (“vocé ¢ um anar- quista mas pode ainda prestar algum servigo a Eldorado”). No encontro com o General Lyra se definem as contradigdes que alimentam a luta contra a ditadura: Julio quer “um desenvolvimento capitalista sadio”. Alto, um acordo. com ogenerale a “conscientizagao das massas populares pela imprensa para que 0 povo chegue ao poder”, © general (no jardim, paleto de pijama, bu- qué de flores na mao, um grande cachorro manso ao lado) defende a de- mocracia mas nao acredita no povo, “uns birbaros que ninguém consegue educar”. Juan defende o apoio a guerrilha para “virar tudo de cabega para baixo”. A conversa antecipa o conflito que explode no final entre o projeto burgués, o dos partidos de esquerda, o da esquerda armada ¢ o do poeta. © que o roteiro anota em seguida serviu de base para o trecho em que Paulo Martins rompe com Porfirio Diaz em Terra em transe: 0 documentario na televisao € 0 reencontro entre o poeta e o ditador, onde, antecipa o le- treiro, Diaz, ferido em sua honra, pensa em vinganga, mas antes tenta se reconciliar com Juan, O que esté no filme terminado reprodiz ate mesmo os didlogos eshogados no primeiro tratamento do roteiro nao filmado. Mas aconclusio do episédio é diferente em America muestra: a discussao entre Juan e Diaz termina com uma troca de titos “no estilo de capa-e-espada,. O mocinho foge do castelo, De noite, nas ruas de Eldorado. A perseguigao. Carros da policia. Tiroteio”. O poeta, ferido, escapa para as montanhas. Na cidade Manuel Diaz reprime a oposigao, prende Alto, acaba com a liberdade de imprensa, pressiona Julio Fuentes (que cede e passa a de- fender o ditador) ¢ faz o discurso mais tarde emprestado ao Porfirio Diaz na conclusio de Terra em transe: “Aprenderao! Dominarei esta terra, bo- tarei estas histéricas tradigdes em ordem! Pela forga, pelo amor da forga, pela harmonia universal dos infernos chegaremos a uma civilizagdo”. Na montanha, Juan se encontra com Bolivar ¢ recebe “uma casa na clareira, uma arma carregada e uma oferta de morte”. No letreiro que apresenta as acGes seguintes uma palawra s6: “A re- yolugao”. Imagens dos enfrentamentos entre guerrilheiros ¢ soldados ¢ da ami- zade entre guerrilheiros ¢ camponeses; Bolivar, Juan, Amor ea luta armada. Comentando as agées, novos cantos do menino que aparecera antes para A Ponte Clandestina 15 anunciar o guerreiro sozinho com a metralhadora: “Sao trinta, logo ses- senta, os guerreiros da montanha”, diz o primeiro, “Sao cem, logo duzen- tos”, diz o canto seguinte. “Sao mil, logo um milhao”, prossegue a anun- ciagao quando a guerrilha invade a capital. Enquanto Julio tira Alto da prisao, Diaz tenta uma resisténcia ja impossivel. Alto se adianta aos guer~ rilheiros, mata Diaz e monta um governo provisério. A guerrilha vitorio- sa, Julio tenta “um entendimento nacional”, reunir os generais, a First Company, a igreja, os partidos de esquerda, a burguesta, 08 guerrilheiros de Bolivar ¢ 0 governo provisério formado por Alto. O trecho final do roteiro, doze seqiiéncias, treze paginas datilogra- fadas, se passa todo dentro do palacio do governe onde Julio, Alto, Juan e Bolivar, padres, militares — e a certa altura também © representante da Firse Company, Mr. Morgan — discutem a quem entregar o poder. Com Bolivar indiferente 4s discussdes (“deixe que eles se mordam come cas”), Alto manda fuzilar Julio (*negocista corrupto” que “mudou mil vezes de posi¢io”) e também os generais contrarios 4 posse de Bolivar (“os cons- piradores esto por todos os lados”). Em nome do governo provisdrio exige ainda, “antes de dar posse a Bolivar, o sangue do intelectual pequeno-bur- gués Juan Morales”. Juan concorda em ser fuzilado, Bolivar assume o poder eda janela do palacio fala ao povo: “de onde, se nado do proprio sofrimento, poderemos extrair os principios de nossa vida?” No meio do discurso “dois planos intercalados, violentos e rapidos: o marine avanga até primeiro plano, boca aberta, feroz, em camera lenta. O camponés salta, feroz, em camera lenta, beca aberta, com um machado ou faca na mao. Estas duas brutais ¢ lentas imagens, embora em corte rapido, se cruzam para fechar | o filme sob a voz inflamada de Bolivar”. Grande para uma sinopse, pequeno para sugerir 0 filme que se en- contrava na cabega de Glauber, o resumo acima pode ser melhor compre- endido se a leitura se complementa com a lembranga de imagens de Terra om transe e do Dragao da maldade, que contam historias proximas dessa, ede Der leone have sept cabezas, que tem um tom operistico préximo do ( que se propae aqui. i ‘ 5 a y O texto que prepara um filme é um género (literario?) especial. E os roteiros de Glauber, textos mais especiais ainda. Nem elaborados como os textos que ele escreveu para se mostrarem de fato como textos, nem ela- tl borados como um roteiro tradicional, Quase sempre o roteiro é palavra que sugere uma imagem a ser aplicada sobre o que esta escrito como lente i de aumento e torna possivel seguir a idéia anotada em letra mitida. Em Glauber o roteiro é um mecanismo mais complicado: é o primeiro impul- de um processo de criagdo que comega de novo na filmagem ¢ de novo José Carlos Avellar ha montagem. Nao é propriamente o texto que orienta a filmagem ¢ a mon- agem, mas, bem ao contrario, o que desorienta, desafia, descontrola, Cada fase do processo de invengao parece mais ou menos autGnoma, como se o filme estivesse comegando ali, naquele instante, e sendo desatiado pelo ins- {ante anterior. As trés fases independentes se ligam por sentimentos afins, io trés diferentes formas de expressar a idéia que estava na origem do pro- jeto. Mais do que qualquer outro roteiro de Glauber, América nuestra — primeira tratamento, nem sequer terminado enquanto roteiro, escrita quase jutomatica, registro de uma idéia que chegava 4 cabecga naquele instante em que ia sendo anotada — depende mesmo do encontro da imagem que da o justo tom de leitura, o verdadeiro significado da palavra. Por isso o resume longo, tentativa de sugerir os conflitos que este roteiro poderia pro- vocar no instante de filmagem. Algumas observag6es (“a ténica estilistica da fabula: nos corpos a expressao transida do subdesenvolvimento”) sao um convite para ver a histéria através de “um estilo explosive, birbaro, radical, antinaturalista, polémico, pottico”. Os poemas de Juan Morales (o roteiro prevé: eles seriam recitados, co- mo os de Paulo Martins em Terra ent transe, ou cantados, como.os de Antao ¢ Coirana no Dragao da Maldade) mais os versos do menino que anuncia Holivar antes dele entrar em cena preparam uma leitura poética da agao. [Alguns poemas do Juan Morales de América nuestra fo- ram aproveitados em Terra en transe como yersos de Paulo Martins. Exemplo: Nao anuncio cantos de paz / nem mre tnte- vessam as flores do estilo. | Como por dia mil notictas amargas i que definem o mundo em que vivo. Qu: Nao me causam os crepisculos | a mesma dor da adolescéncia. | Devolvo tranqiii- lo 4 paisagem | os vomitos da experiéncia, Um terceiro pocma, cantado pelos guerrilheiros, lembra o didlogo entre Ant6nio das Mortes e o Professor pouco antes da batalha com o bando de Mata Vaca no final do Dragdo da maldade contra o santo guer- reiro: Bolivar can as armas | Juan com as palavras | a pare cont paixao | pelas selvas adiantam | os passos da liberdade ! paraa proximia estacao.| Em particular, uma leitura poética da conclusao do filme. O instante em que Juan comanda o préprio fuzilamento para garantir a continuidade do que comegou com a guerrilha de Bolivar nao é uma agao igual a uma “qualquer que podemos ver do lado de fora de uma sala de projecdo. O ges- se passa numa realidade-outra que pensa o real: é uma imagem poctica. A Ponte Clanclestina 17 Duas conversas entre Juan e Bolivar encaminham o didlogo que se da antes do fuzilamento. A primeira, a guerrilha ainda na montanha. Juan diz que nao sabe _ se teria coragem “ndo para morrer, mas coragem para matar”. Bolivar responde que, crianca, chorava quando um passaro ferido morria; que na universidade, diante do assassinato de seus colegas pela policia, se pergun- fava se 0 sangue €ra mesmo necessirio; mas que ao fugir da prisdo sua compreensao foi maior que a dor: foi obrigado a matar um guarda por- que sua liberdade para lutar pela liberdade de outros era mais importante que a vida daquele guarda. A segunda, a guerrilha ja na cidade, no palacio do governo. Depois do fuzilamento de Julio Fuentes, depois de um comentario de Bolivar (“nao podemos parar diante de dramas individuais”), Juan, confessa que s6 se in- teressa por dramas individuais e se despede do guerrilheiro: “Eu sou fraco, eu.amo o homem que compée a massa, eu sabia disto mas nao queria acre- ditar...Bolivar, yocé esta livre de minha sombra. Demito-me da junta...” Um breve encontro com Silvia (Juan diz o que Paulo dird a Sara em Terra em transe: que “é preciso vencer, vencer a intolerancia, o egoismo, vencer a morte mesmo que seja com minha vida”; ¢ que sua morte é “o triunfo da beleza e da justica”). E entao o discurso em que o poeta se condena a morte. Alto pede o fuzilamento. Bolivar se opée a condenagao, comega a defender o amigo mas ¢ interrompido pelo préprio Juan: “Bolivar, companheiro! Nao abra sua boca de homem honrado para fazer minha defesa. Suas maos manejaram as armas como se elas fossem objetos sagrados. Sua boca fez os discursos que incendiaram os coracées dos oprimidos, O povo de Eldorado espera um novo discurso, quer ouvir © seu destino, o seu futuro, Por isto, Simén Bolivar, poupe sua lingua e sua inteligéncia: nao as use para me defender”. “Hai uma perplexidade na sala”. Juan se volta entao para Alto ¢ para a8 outros conselheiros: “Senhores do Conselho, que combateram Bolivar quando ele solita- riamente lutava, Senhores que induziram homens nao tao honrados mas certamente ousados, como Julio Fuentes, a participar deste combate, ¢ que também me levaram a assim proceder: Nao sois somente vos os detentores da verdade e da consciéncia humanas. Em todas as revolucdes ha os Gene- rais, o§ Poetas eos Politicos. Ha também os crapulase os moralistas; os herdis de todas as horas ¢ os tiranos dos tiltimos momentos. Vés defendeis uma causa pela qual milhdes de homens morreram e continuam morrendo em todas as partes do mundo. Mas vos esqueceis de que esta causa ainda nao tem todas as suasleis definidas e que a esséncia desta causa repousamas suas proprias contradigGes: ¢ s4o estas contradig6es que a movem. Eu passo ser 18 José Carlos Avellar uma destas contradigdes superadas. Admito mesmo a minha morte. Ma- tem-me mas nao pensem que sobre uma sangrenta intolerancia se pode cons- truir um verdadeira humanismo. Por isto matem-me, mas secretamente, como se mata um bandido. Nao matem em piiblico um poeta porque eu, pocta desta revolugéo, faria o povo chorar a minha morte. E esta revolugao tri- unfou nao para as lagrimas mas para a alegria do povo”, Muda de tom, e conclui: “Matem-me porque eu duvidarei sempre da verdade”. Depois do discurso, o fuzilamento: F “Dois guardas se aproximam e levam Juan. Bolivar o olha e vai se dirigindo para a janela. O pove danga nas pragas. Um carnaval. Monta- eem de carnavais ¢ delirios festivos da América. Plano fixe. Um pelotao de fuzilamento dispara em Juan, Close fixo de Bolivar.” Depois do fuzilamente, a conclusdo: O discurso onde Bolivar fala dos que morreram “com 08 olhos vol- tados para a manha que nascera desta noite”. Um plano no patio vazto do paldcio do governo: “Amor anda para 0 corpo morto de Juan eo aca~ ricia”, Novo trecho do discurso de Bolivar, sobrea fome como a tragédia maior, 0 “povo vizinho da morte passiva pela fome”, o desejo de viver tempos de paz ea disposigao de retomar a luta pata a defesa de Eldorado. E, cortando o discurso, as imagens do marine e do camponés. No final de 67, pensando a morte de Paulo Martinsem Terra.em transe, ¢ o tratamento sonore desta cena onde “o ruido das metralhadoras se 80- brep6e a misica”, Glauber afirmou: “Musica e metralhadoras, e em segui- da ruidos de guerra. Nao é uma cangao ao estilo realisno socialista, nao € o sentimento da revolucao, é algo mais duro ¢ mais grave. Fiquei feliz em ter colocado isto no filme, porque um més mais tarde, quando lia comuni- cagiio do Che na Tricontinental, ele dizia: Poco importa o lugar onde ele contrarei a morte. Que ela seja bem-vinda desde que nosso apelo seja ou- vido, e que no repicar das metralhadoras outros homens se levantem para entoar cantos finebres e langar novos gritos de guerra ede vitoria,” B pros- segue: “Alias s6 pela morte Paulo Martins poderia se salvar: se escolhe a revolugao, ou seja, s¢ ele se torna um revolucionirio, tera escolhide tam- bém a morte, ¢ esta escolha é que lhe da possibilidade de vitéria. Ele deve portanto se preparar para 2 morte. Trata-se de uma deciséo para a qual devemos romper com todas asamarras. Nao estou pronto para isso. E uma contingéncia tragica que todo homem do Terceiro Mundo deve enfrentar, Pode ser encarada, se quiserem, como uma posi¢do neo-romantica, mas muito diddtica também. O que Guevara valoriza é que a guerrilha nao ¢ uma aven- tura romantica, mas uma epopéia didatica.” '° Na contradicao entre sua construgao pottica eo fuzilamento do poeta (“a esséncia desta causa repousa nas suas proprias contradigées”) Amért- A Ponte Clandestina te ¢a tuestra traduz uma questao longamente examinada nas discussdes so- bre cinema na América Latina: a morte do poeta, Besta pottico e ndo a morte da poesia, como uma livre escolha e nao como uma condenagao, O que morre em Juan Morales é um certo modo de pensar a arte. Um ritual de passagem semelhante ao que Glauber realizaria mais tarde com Di Ca- valeanti, A morte de Juan é um modo de “tirar a cultura da cultura, de sua casca” defendida “pelos que ainda vivem recolhidos em um clitismo mental que lhes parece inseparavel de toda poesia” — para usar as pala- vras de Cortazar mais adiante apanhadas por Geraldo Sarno. O titulo aparece na montagem de depoimentos de Julio Garcia Espinosa incluida no terceiro volume da coletinea Flojas de Cine: Instrucciones para hacer un film en un pais subdesarrollado. Discutia-se nama mesa-redonda como construir uma cultura capaz de superar 0 subdesenvolyimento. Tal- Yer por isso, no meio da conversa, a lembranea do projeto, Julio vinha dizendo: “Tercer Mundo y América Latina, hay que estar cla ro, admitimos estos términos como una convencién. Es decir, ycuales son el primero y el segundo mundes? Es un poco rara esanomenclatura. Y efectivamente, cuando noso- tros hablamos ce América Latina no hablamos porque vamosa simpatizar primero con un oligarca latinoamericano que con un obrero francés”,!! E mais: “Ahora, es cierto que en medio de todo, nosotros podemos hablar de que hay un enfrentamiento del mundo colonial y el mundo no coloni- al, Es un enfrentamiento decisive para un cambio en la humanidad y ese enfrentamiento descansa en este mundo colonial y neocolonial, De ahi que em nuestro caso concrero de Latinoamérica piense yo que existe un margen de posibilidad de hablar de una cultura latinoamericana, una cultura latino- americana que no puede al mismo tiempo hacer abstraceién de una Optica clasista de la cultura, de la realidad, de la histéria, de todo. Entonces nos planteamos hacer esta operacion descolonizadora, desalienadora, en una palabra. Y planteamos hacerla nosotros, que estamos alienados; es decir, que la dificultad consiste un poco en cémo hacer una funcion desalienadora poralienados. Y no digo simplemente porque seamos la pequena burguesia, creo que toda nuestra sociedad esta alienada, lo mismo la clase obrera que los campesinos, que todo el mando. Entances es muy simpatico que a veces nos planteamos esa posibilidad haciendo abstraccion de que estamos ali- enados. ¢Gomo hacerla?” E ainda: “2Que quiere decir esto? Que para salir de la alienacién hay que pagar una cuota de alienacién. ;Como plantear entonces este problema de la 20 José Carlos Avellar identidad cultural, sabiendo que la identidad cultural hay que buscarla dentro de este marco? Esto es bastante complicado. Podemos ver que existe una herencia que hay que mirar con espiritu critico, porque hay muchas cosas latinoamericanas que no nos interesan que sigan, porque en defini- tiva son bastante reaccionarias, aun a nivel de nuestros costumbres. 51 vamos en busca de una identidad, pienso que no se puede ir si no es a tra~ ves de todo este contexto, es decir, de un contexto que va de la necesidad de plantearse la realidad con una vision de lucha de clases y al mismo tiempo de una realidad que ticne un punto comin a pesar de esa lucha de clases. Es que hay varias preguntas que estan interrelacionadas. Porque zqueé cosa seria partir de esa identidad cultural de este rescate de una identidad cul- tural? :Cémo perseguimos un objetivo de cultura popular?” Faz entao a referencia a ideia de um filme com instrugoes para fazer um filme, projeto pensado nado como uma tentativa de responder as ques- toes formuladas acima, mas sim como um meio de amplia-las. E idéia guardada quase sé como idéia, roteiro para alimentar um comportamen- to diante do cinema e nao propriamente para gerar um filme. Diz: “Tengo un proyecto del que voy a decir un capitulo pues como no lo haré ya jamas me queda el consuelo de a cada rato contarlo”. E prossegue: “La pelicula Ivstrcciones para hacer un film en un pais subdesar- rollado tiene muchos capitulos y uno es la fotogenia, donde se explica que es la fotogenia. Entonces el problema que tiene la gente con la fotopenia: es que si, soy bonito o no, no soy bontto, Yo tomo un tratado aleman de fotografia donde se explica lo que es la cara perfecta: tiene de largo el equi- valente a tres orejas, el perfil debe tener un angulo recto que vaya desde el lébulo infertor de la oreja ala base de la nariz y después en angulo recto a la frente. Siesta para fuera, malo; siesta para adentro, peor: pensamicntos muy lisos. Y se explica como toda la iluminacién y todo el maquillaje en el cine estiin en funcién de acercarse lo mas posible a esa cara perfecta. Si tiene la nariz un poco ancha, un poco de tres cuartos de ilaminacién, y asi, Entonces, mientras da toda la explicacion uno se da cuenta de pronto que todos los defectos de esa cara perfecta son todos los rasgos nuestros, de los asidticos, de los negros, de los indios, Es facil disimular un defecto pequeiio, pero quitarse un rasgo... a menos que acudania la cirurgia plis- tica... Y se hace un reeuento: suponiendo un precio médico de cien déla- res por la cirurgia plastica, sormnos tres mil y pico de millones de subdesar- rollados en el mundo, la cifra es extraordinaria. Entonces el capitulo de la pelicula llega a la conclusion de que es mas facil que se borren la cara de los otros. Es una operacién en que trato de que nosotros nos sintamos re- afirmados siendo como somos; somos asi y tenemos que asumirlo y si se es feo, que le vamos a hacer”. A Ponte Clandestina 21 [“Hay que romper del todo con el cine de los trajes recién planchados, de las mujeres bien peinadas”, e buscar “un desalino provecado”, reclamava Fernando Birri contra o cinema argen- tino das anos 50.'* E Nelson Pereira dos Santos, comentando os filmes feitos neste mesmo periodo pela Companhia Cinema- tografica Vera Cruz, de Sao Paulo, observava que o “tipo dos atores era americanizado, as mocinhas maquiladas 4 america- na, montes de atores com os cabelos tingidos em tons mais cla- tos, o tipo de comportamento tao pouco nosso, artificial para nds, mesmo que fosse — eu acho que era — natural em filmes americanos. Etc. O prdprio uso da lingua portuguesa no cine- ma paulista nao fazia sentido, era totalmente falso; havia um preconceito de botar nos filmes a lingua falada corrente, erra- da, que € a nossa mesmo. A gente fala errado 4 beca, eu falo errado, vocé fala errado, ¢ nds dois temos instrugio superior... Mas, se é assim que a gente fala, porque é que ta errado2?”3 B ainda, também sobre o cinema que fizemos até os anos 50, Octa- vio Getino observa que além de climinar “todo el modismo de lenguaje local”, todas as “formas de comunicacién de la realidad inmediata” este cinema fez da maquiagem “un recurso de prio- ritaria importancia. Era necesario esconder los rasgos mestizos no suficientemente coincidentes con los modelos del star-systerm, para hacer creer al espectador que estaba frente a un actor occi- dental y blanco, y no ante uno proveniente del espacio nacio- nal, salvo que se intentase introducir algiin matiz exdtieo.” My Instriicdo niimero um: mostrar-nos assim como somos. Tornar vi vel ndéo é tudo, mas € preciso partir dai: encontrar um truque eficaz para mostrar o homem invisivel da América Latina. “En esa pelicula que nunca haré, hay tambien un capitulo que se llama El traco y es sobre como se hacen los trucos en el cine. Me ha llegado a la mente un truco que impesioné mucho de nino, que es el del hombre inyi- sible. Yo me planteaba como hacer visible el hombre invisible del subde- sarrollo, Y cualquier cosa que nosotros hagamos, en buena ley, es impor- tante dentro del marco que estamos hablando, porque hay que hacer visible este continente, hay que hacer, de alguna manera que se vea”. Tornar vi- sivel, denunciar, testemunhar, nao é tudo. “De una manera mas obvia se me evidencié esto en Tercer mundo, tercera guerra mundial, donde inclu- sive de una manera explicita uno pone que no basta con la denuncia. La pelicula, en un momento dado, pone los nombres de las fabricas que hacen el napalm en Estados Unidos, con su direccién y todo, pero constantemente sale un letrero que dice: la denuncia no es suficiente. Porque la denuncia a2: José Carlos Avellar es para denunciar esta situaciGn a quien efectivamente no esta participan- doen la lucha para que tome conciencia del asunto. Entonces decimos: no vs suficiente la denuncia. Es como un ceclamo a los propios cineastas a hacer un cine que no se limite a la denuncta, que no se limite al testimonio, que frate en verdad de dar mas lucidez al que esta luchando, que lo pueda uti- lizar mas alla de la denuncia, porque él no saca nada con denunciarse a si mismo, puesto que él es el que esté en el asunto.” Instrucciones para hacer un film en tun pats subdesarrollado conti- Nua a pensar 0 que se esbogou no instante em que o cinema documentdrio ¢ o neo-realismo italiano chegaram aos nossos olhos falando quase a mes~ ma lingua que tentavamos inventar para “ponerse frente a la realidad con una camara y documentarla”, como recomendava Fernando Birri. Para “hacer off nuestra voz y ver nuestra imagen dondequiera que las circuns- tancias sean propicias, tratando de ocnpar un lugar cada vez mas signifi- cative”, como observou mais adiante Tomas Gutiérrez Alea ao propor Caliban como uma imagem da cara perfeita do colonizado, ¢ Ariel como imagem do poeta do subdesenyolyimento a caminho da escolha feita por Juan Morales. “Desde el principio nos vieron segin el alcance de su fantasia y segiin cuadraba a sus intereses”, lembrou Alea em marco de 1989 num semindrio na Italia, ao apresentar sua idéia de uma adaptagao cinematografica de A ternpestade de Shakespeare,’ “No habian pasado muchos dias desde que Colén pisé por primera vez tierra de lo que denominarian oportunamente Nuevo Mundo cuando anota en su diario que lejos de alli habia hombres de un ojo y otros con hocicos de perros, que comian hombres, Despues vuelve a hablar de gente que tenia un ojo en la frente y otros que se llamaban cani- bales a quicnes mostraban tener gran miedo. Laalusién esa los caribes, ha- bitantes de la isla de Haiti, que Colén llama Isla de Quarives. Y este caribe mal llamado canibal llegara a ser Caliban en la fantasia del bardo inglés.” Alea lembra que vem desta parte do mundo que “hace quinientos aiios llamaron Nuevo y mas recientemente jerarquizaron como Tercero, siempre en relacion con el Viejo Primer Merado, que es el que se ha sentido con derecho, por ser el mas viejo y el primero en nivel de desarrollo, de nombrar todas las cosas”. Diz que vem desta parte del mundo “que nosotros he- mos denominado Nuestra America, la que esta al sur del Rio Grande” para falar “de un film que no he filmado”, uma versio latino-americana de A tempestade que utiliza “el proprio texto de Shakespeare, pero manipula- do convenientemente para cambiar su significado, para invertir sus valo- res”. Ao original se somam apenas dois dialogos entre Caliban ¢ Ariel ¢ uma cena em que este dltimo, para divertir Prospero, convoca “no los A Ponte Clandestina 23 be griega”, mas “espiritus y deidades de la mito- Oo roreiro foi escrito com a colaboragio do critico inglés Michael Chanan apoiado “en las reflexiones que sobre este tema ha hecho el poe- ta cubano Roberto Fernandez Retamar"!® ¢ em dois textos escritos wad 0 final dos anos $0 0 final dos 60: a de Aimé Cesaire, da Martinica sii adaptagio da pega onde Caliban é um escrayo negro, code Edward Brath waite, de Barbados, um poema dedicado a Caliban em seu livro ietgads Simbolo nuestro pues aunque de fuera — de la otra orilla — nos viene el nombre junto con el desprecio, de la misma manera que Propero enseid el lenguaje a Caliban y este lo utilizé para maldecirlo, asi nosotros utiliza- mos el mismo nombre para oponer nuestra imagen a la que han Heeee as de nosotros los mismos que ven a Caliban como un monstruo”. ; oO personagem €apresentado por Prospero como “pequeno monstruo rojo y horrible”, “criarura atrasada”, “esclavo impostor, a quien pueden conmover los latigazos, no la bondad”, “esclavo aborecits ince abrigara un buen sentimiento, siendo inclinado a todo mal” Deen de inmund icia”, “cachorro sarnoso” “salvaje”, “objeto de tinieblas” “un diablo por su nacimiento, sobre cuya naturaleza nada puede obrar la etuencion” Ou seja, conelui Alea, Caliban na pega ¢ 0 colonizado. La imagen que de él nos ofrece el genio de Shakespeare no es otra que la que tiene el colonizador del colonizado, Caliban encarna el Pind esclavizado, oprimido, saqueado, esquilmado y denigrado. Y para que los saqueadores puedan mantener su cabeza erguida y su aeipeacis ipl tienen que representar a ese mundo como un mundo corrupto, salvaje inracional, violento, cruel, impotente, incapaz de otra cosa que a ae s, vircomo esclavo aes¢ otro mundo que se erige como el verdadero, el limpio el sabio, el justo, el elegido — por Dios seguramente — para feet los He nos del universo. Es decir, cl mundo enearnado por Prospero” Meee de imundicies, Caliban s6 se mantém vivo porque escravo de erect “Asi este le advierte a su hija Miranda: No podemos pasarnos sin él: nos face el fuego, sale a buscarnos lefia y nos presta Servicios utiles”. eee a Presta também o outro escravo de Prospero, Ariel. “Tanto Galan eoms Aricl son esclavas de Prospero, pero mientras Caliban tiene que realizar los trabajos mas duros, Ariel se ocupa de las cosas del espiritu. FOuien # Ariel, entonces? Ariel es el espiritu alado, sin ataduras, que a su capa- cidad ereadora y su fantasia al servicio de Prospero. Es facil aa en dal intelectual, El intelectual al servicio de la clase dominante. En pied version cuando el intelectual cobra conciencia del lugar que cen y del sentido en que avanza la historia, tiene la posibilidad de elegir entre se- Se a Caliban en la rebelion que este inexora- 24 José Carlos Avellar No confronto dos dois escravos uma outra questio longamente de- batida nos rextos que se voltaram para pensar o cinema em particular ou a arte de um modo geral na América Latina: a responsabilidade do artis- ta. A relagio entre o trabalhador intelectual, Ariel, “que aparece encara- mado en un arbol sobre el pantane”, eo trabalhador comum, Caliban, cas- tigado pelo colonizador, preso na lama. gado pela colonizador, preso na lama. Diz Ariel: “Yo no creo en la violencia. Debes ganar el respecto de los otros con acciones respetables”. Contesta Caliban: *;Entonces qué, Ariel? Oye, oye bien: la violencia no es algo en que ti puedes creer o dejar de creer, La violencia es un fuego que te quema por dentro, la rabia que el tirano enciende en nuestra sangre con sus amenazas, sus insultos y su opre- sion. {No la sientes ardiendo dentro de ti? Prospero siempre te esta pro- metiendo la libertad, pero siempre es mafana”. Ariel, “angelical, bienintencionado”, insiste: “la rebelidn es ir por el camino equivocado”, é a tempestade “soplando en el arbol equivocado”; para derrotar Prdspero é preciso “aprender su magia, su ciencia, su arte”, ¢ sonhar com um futuro “en el que estaremos todos unidos: Prospero, tui y yo, dando cada uno lo mejor de si y trabajando juntos”. Caliban protes- ta de nove: “;A dénde crees que te va a llevar todo ese aprendizaje? ¢Piensas convertirte en un profesor? Lo primero que hay que entender de Praspe- ro: él no siente nada por la gente como nosotros”. E quando Ariel garante que “el mago esta atormentado y en sus suerios solo ve una salida a sus problemas: perdonar a todos de una vez”, Caliban reage comvraiva: “;Qué quiere decir con eso que me va a perdonar? Caliban no quiere su perdon. No es el perdén que yo pido”. ‘A discussio termina em aberto. Perseguido pelos cachorros de Pros- pero, Ariel “se encarama en un arbol que se inclina sobre el pantano”, O galho da arvore em que ele “se agarra no es suficientemente resistente y se parte. Ariel cae junto a Caliban en el pantano”. A camera entao “retroce- de lentamente, Sucesivos alejamientos y disolvencias nos llevan a ver la isla desde el mar”, Ariel, o intelectual, softe “la misma suerte de Caliban, se ve forzado a unirse a él. Quizas Ariel hubiera podido huir a tiempo, pero es justo pensar que, una vez que ha tomado conciencia de su situacion y de la de los otros, una vez que ha sentido la injusticia en si mismo y en los otros explotados, tratara de encontrar soluciones idealistas, pacificas, re- formistas, impraticables, que poco a poco lo iran acercando a la realidad. mas cruda, En esas circunstancias, tratando de tenderle una mano a las que estén en el pantano, es previsible que al final se vea atrapado en una situacidén que lo obliga a unirse a Caliban”. [‘Estamos todos sujando as maos nos pantanos de nosso solo e no vacuo terrivel de nosso cérebro. Todo espectador é bw oy A Ponte Clanclestina um covarde ou um traidor” — gritou Frantz Fanon num livro, Os condenados da terra (1961), repetiu Fernando Solanas num filme, La hora de los hornos (1 968)] A imagem que encerra este filme nao filmado trabalha para a emo- Gade © que as teorias encaminharam para a razao: “la solucién definitiva sélo puede venir de la unién de Ariel y Caliban, una reunién que sea ca- paz de producir un cambio radical en las estruccuras sociales”. Mais adiante, quando Geraldo Sarno se volta para o Julio Cortazar da Nicaragua tar vidlentamente dilce, é como se estivesse partindo do ultimo plano de A tempestade de Alea e realizando o movimento inverso: sucessivas aproxi- magées ¢ fusdes para se aproximar de Ariel e Caliban no Pantano, “O que fazer além do que fazemos, como incrementar nossa Partici- pagao no terreno geopolitico a partir do nosso setor particular de traba- lhadores intelectuais, como inventar e aplicar novas modalidades de con- tato que diminuam cada vez mais o enorme hiata que separa 0 escritor daqueles que ainda nao podem ser seus leitores?”!7 A pergunta, proposta por Julio Cortazar num semindrio sobre cul- tura latino-americana na Espanha, deu a resposta para a construgao do roteiro de Apocalipse de Solentiname, que Geraldo Sarno trabalhou com a calaboragio de Orlando Senna e Eric Nepomuceno.'® Na pergunta esta a histGria que o filme quer contar. Quer dizer, a histéria desse filme nao filmado é mesmo a do relato que abre Nicardgua tao violentamente doce —aviagem clandestina de Cortazar a Nicaragua em abril de 1976. O modo de sentir e de compreender 0 que se passa, 0 ponto de vista da camera, é que vem deste outro texto, da comunicagao escrita para o seminario na Espanha, onde, depois da pergunta, Cortazar anota: “Par poucodotados que sejamos muites de NOs no terreno pratico — e acho que somos maioria e que nao cabe envergonhar-se, dado que nossa pratica é outra —, a ninguém pode escapar a importéncia desta etapa em que as aniilises teéricas parecem ter sido suficientemente espotadas ¢ abrem caminho as formas de acao, as intervencées diretas. Como engenheiros da criagao literdria, como projetistas e arquitetos da palavra, tivemos tempo de sobra para imaginar e caleular 0 arco das pontes cada yen mais impres- cindiveis entre o produto intelectual e seus destinatarios; agora éo momenta de construir essas pontes na realidade ¢ pOr-se a andar nesse espaco a fim de que ele se converta em senda, em comunicagao tangivel, em literatura de vivéncias para nés ¢ em vivéncia da literarura para nossos povos,”!? O projeto comegou a tomar corpo quando Sarno esteve na Nicara- gua para o documentario Dens é sm fogo, e mistura documentario e fic- 26 José Carlos Avellar cao, Em parte pela experiéneia do diretor.2” Em parte porque, diz Cortazar, “tratando-se da Nicaragua, a fronteira entre ficgdo e realidade nao esta . z oT a. a fronteira nao se encentra muito clara. Cortazar fala de uma experiéncia vivida mas nao como quem escreve wim fragmento a biografico. Monta uma ficgio, faz de si proprio um onal ic sua fiecao, Conta o que se passou em Paris quando ainda esta an u pa vindo de Costa Rica, antes da viagem de volta para a Europa. Nao docu- menta: representa o que sentiu.2? Tudo ¢ verdade, mas a articulagao dos fragmentos de realidade selecionadas para relatar o que se passou ae pe uma ficcdo, tal como num filme, mesmo quando se trata de um do cumentario, o enquadramento, a luz sobre a cena, osom sobre aluzea relagdo entre os planos narram uma outra coisa que corre simultanea, em paralelo ¢ com freqiténcia na frente das situagées vividas pelas pessoas diante da camera. O texto se refere a imagens ¢ desenha imagens com palavras; salta de uma situagao para outra dentro de uma mesma frase tal ae fil me pula de um plano para outro; é uma conversa tao cinematografica que parece até ter sido eserita para ser filmada, A adaptagao, por lest, nao se afasta do original, Acrescenta apenas, nas entrelinhas, nos espagos inten- cionalmente deixados em aberto, informagdes apanhadas em outros rela- tos de Cortazar e na histéria recente da Nicaragua. aa Este filme, que s6 existe como texto, na realidade j4 meio se encon- trava no texto que o inspirou. No comego, enquante conta sua Goa a Sao José da Costa Rica — o calor que fazia, “o jeito mais para ele dos tices”, a “conferéncia de imprensa com o mesmo de sempre”, a du- cha no hotel Europa, a saida para caminhar por Sao José, a mao de Ernesto Cardenal agarrando-o pelo paleté, ¢ aquele abrago no poeta, o convite ¢ a partida para Solentiname — no comego, os ae oe ai dos jd revelam a questao que de verdade importa. O leitor percebe aide modo difuso @ que aparece bem definido no final. No relato temas nae so os fatos fotografados pela prosa de Cortazar, mas também © que 0 texto revela através de seu modo de se estruturar. ’ pee O “mesmo de sempre” na conferéncia de imprensa da o primeiro sinal: “Por que vocé nao vive na sua patria, o que aconteceu que Paeee era tao diferente do teu conto, vocé acha que o eseritor deve ser compro- metido? A esta altura ja sei que me fardo a ultima entrevista nas portas do inferno e certamente as perguntas serao as mesmias, e se por acaso € chez $40 Pedro as coisas nao vio mudar: nao lhe parece que 1a ee wore escrevia de forma excessivamente hermetica para o povo?” a A referéncia ao filme que Michelangelo Antonioni realizou em 1966 a partir de Las babas del diablo, embora ligeira, ¢ fundamental: ‘zy — A Ponte Clandestina Cortizar, tal como se narra em Apocalipse de Solentiname, vive uma experiéncia semelhante 4 do fordgrafo de Blote-1p: 36 nas fotos que re- vela em Paris, a imagem ampliada, os diapositivos projetados na parede, descobre a realidade pintada nos quadros dos camponeses de Solentiname que fotografou. © filme de Antonioni [“el trance mas bello a colores de la cinematografia moderna, clasica, brillante y vacia”, escreveu Glauber depois de vé-lo em Cannes*"] discute o olhar. O Cortazar de Solentiname também. Discute como um determinado Instrumental sensivel, a arte, a fotografia coma exemplo, pode tornar visivel o que nao percebemos a olho nu. O que 0 eseritor vé quando olha os quadros pintados pelos campo- neses de Solentiname é “a visio primeira do mundo, o olhar limpo de quem descreve o que 0 cerca como um canto de louvor: Yaquinhas ands em prados de papoulas, a cabana de agticar de onde as pessoas vao sain- do como formigas, 0 cavalo de olhos verdes contra um fundo de canavi- al, o batizado em uma igreja que nao cré na perspectiva e sobe ou cai sobre si mesma”. A arte antes da vida. As pinturas, em Solentiname, sao 0 bem- estar que veda obra de arte, © por isso 0 escritor néo consegue desviar os olhos da “mae com duas criangas nos joelhos, uma de branco e ourra de vermelho, sob um céu to cheio de estrelas que a tinica nuvem ficava meio humilhada em um angulo, apertando-se contra um canto da mol- dura do quadro, ja saindo da tela de medo”. Vé as pinturas, nao vé mais nada. Decide fotografa-las, todas, transformar-se num “ladrao de qua- dros, contrabandista de imagens” 2° Em casa 0 queele vé nas fotografias é outra coisa: “o carro preto com 0S quatro caras apontando para a calcada onde alguém corria com uma camisa branea e um ténis, duas mulheres querendo refugiar-se atras de um caminhao estacionado, alguém olhando de frente, uma expressao horrori- zada, um carro que voava em pedacos em pleno centro de uma cidade que podlia ser Buenos Aires ou $40 Paulo”, As fotos das pinturas, em Paris, sio omal-estar que vem da realidade, escritor descobre oque fotografou sem saber que fotografava: o jovem ali, “em um segundo plano clarissimo, um rosto largo e liso como que cheio de incrédula SUrpresa enquanto seu cor- pose inclinava para a frente, o buraco nitido no meio da testa, a pistola do oficial mareando ainda a trajetoria da bala, os outros dos dois lados com as metralhadoras, um fundo confuso de casas e de arvores” 26 Uma outra referéncia ligeira, que define a fotografia nao sé como meio sensivel capaz de tornar visivel o que nao aparece aos olhos mas também como expressao quase dotada de vontade propria e capaz de alterar © que aparece aos olhos, prepara este momento em que Cortazar descobre em Paris o apocalipse em Solentiname. 28 José Carlos Avellar Eo trecho em que se fala de “fotos de recordagiio com uma eos clmaras que deixam sair simplesmente um papelzinho crane alt 4 pouco e maravilhosamente e polaroid se vai enchendo de ieee lntinas, primeiro ectoplasmas inquictantes ¢ pouco a pouco ae : on cvabelo crespo, o sorriso de Ernesto com sua fita ieee ca ee, me Maria e dom José sob o fundo da varanda. A todos isso | = parcels oe to normal porque, claro, estavam habiruados a usar essa ee 2 oe nao, para mim, sair do nada, do quadradinho celeste do oa e oe © esses sorrisos de despedida me enchia de assombro e eu lhes 2 ; ue lembro de ter perguntado a Osear o que aconteceria se alguma vez ¢ ae de uma foto de familia o papelzinha celeste do nada comegasse a ef i cher com Napoleao a cavalo, e a gargalhada de dom José Coronel q nl? escutava tudo como sempre, 0 jipe, vamos ja para o lago”. Depois da viagem, em casa, a vontade de ver as foros va oa antes das outras, “por deformagao profissional a arte antes : a vi a fs descoberta de “pedagos de corpos e correrias de mulheres cue one i uma ladeira boliviana ou guatemalteca”, fol como Bee ange in! = celestes do nada se enchessem de Napoledes a cavalo: eu sh Ws oe pidamente que teriam se equivecado na ética, que me oe ado - i de outro cliente, mas entao a missa, as criangas brincando no prado, 0 ct ls a Augean dos jornalistas ao escritor argentino porpir a ne Europa, mais aquela que com toda certeza Iria se repetir eee a ‘ mi preparam também 0 final do relato. A patria, o comprometimento, as ma hermética para o povo, questées que a realidade propoe wee ie explicam a surpresa ¢ 0 sofrimento diance da América Palinaen ae anes fotos de Solentiname. “A arte antes da vida, e por que nao, se aa se bém é vida, se tudo é a mesma coisa”. A arte como uma ponte entre a : alidade-outra em que se daa ficgao ¢ aquela em que vivemos, ene Sa nos permite ver e compreender ali, na realidade-outra, o que os olhos n sabem ver na outta realidade em que vivemos. | — wt eee “A ponte, como imagem e como realidade, é quase ta v pel o homem. Um poema foi sempre uma ponte, como uma ea ase novela ou uma pintura”. O que ha de novo éa preocupagaoc de ae a ta ponte um caminho popular, “¢ a nogao de uma ponte ae e ed um lugar habitado por essas novelas, por essas pinturas € ae : nee se estenda até a outra margem onde nada disso chegou one a ne deiramente”, a margem em que se encontra o povo trabal val ” a we num “continente de culturas escamoteadas, de culturas ne as, ad turas aculruradas, de culturas ridiculamente minoritirias ¢ elitistas, de » 2 turas para homens cultos”. 29 A Ponte Clandestina [A verdadeira América Latina “existe en la clandestinidad, vive, alienta y crece espiritualmente en el anonimate de un pue- blo vigoroso y creador”, observa Jorge Sanjinés|*" “Como podemos os intelectuais tirar a cultura da cultura, de sua casca, que definem os diciondrios ¢ defendem os que ainda vivem recolhidos em um elitismo mental que |hes parece inseparavel de toda poesia, de toda cria- gao? Os eseritores, os artistas, todos nds, com hossas etiquetas, temas sido incapazes até hoje de tomar de assalto esses redutos onde a verdadeira cultura poderia abrir caminho até os lugares mais longinquos ¢ mais despossuidos. Talvez as tnicas excegGes dignas no terreno artistico sejam o cinema eo teatro, dado que na América Latina se desenvolvem com um tom cada vez mais revolucionario; é bom dizer que seuexemplo tem um alto valor nesta hora em que nos perguntamos, sempre um pouco desconcertados, pelas formas possiveis de nossa atividade inrelectual.”3! Ha um pouco do Juan Morales de América muestra neste escritor que sai do hotel Europa para Solentiname. Ha um pouco de Glauber neste Cor- “azar que vive uma experiéncia semelhante a do fotégrafo Thomas, de Blow- up. Ha um pouco do Ariel que termina ao lado de Caliban em A termpesta- de de Alea neste intelectual quase soterrado na realidade que descobre nas fotografias. Foram por certo estas coisas, percebidas conscientemente ou nao, pouco importa, que levaram a idéia de filmar o que jd era meio filme em Apocalipse de Solentiname. A crénica fotografa as questées vividas pelo cinema latino-americano. O filme ndo terminado é quase uma cronica da viagem clandestina do trabalhador intelectual aré a América nuestra. Entre a ficgdo e a realidade com o olho mais esticado para a ficgdo, talvez seja possivel dizer que tudo comecou como a viagem de Cortazar a Solentiname: 0 moderno cinema latino-americano foi agarrado de surpresa pela mao do poeta ao sair do Hotel Europa para um passeio; e agarrado de novo quando ao reyelar as imagens o subdesenvolvimento (BLOW-UP!) explodiu na tela. Poderiamos dizer que numa certa medida nossa experién- cia real nasceu da pratica de fazer filmes, que fomos mais ou menos inge- nuamente descobrindo no cinema fragmentos de realidade que nem sabi- amos ter filmado. No papelzinho celeste do nada, Napoledo a cavalo. Mas com o olho mais esticado para a realidade é facil descobrir que tudo co- megou de uma vontade consciente de descobrir e criticar uma coisa e ou- tra, de conhecer ¢ reinventar a realidade-outra do cinema e a outra reali- dade em que vivemos. Poderiamos dizer que nossa experiéncia cinemato- grafica nasceu da pratica politica, do desejo de denunciar econdenat o sub- desenvolvimento, de destrui-lo com armas tiradas de dentro de suas pré- prias entranhas, 30 José Carlos Avellar Talvez nao seja possivel (certamente nao é fundamental) determinar se ao caminhar em diregdo 4 realidade encontramos 0 cinema ou se, ao contrario, avangando em diregao ao cinema encontramos a realidade. oO que os filmes ¢ as teorias criadas ao mesmo tempo sugerem é que um en- contro nao se daria sem 0 outro, que inventamos “un cine de investigacion que para nosotros, sus autores protagomistas”, Rngiana também como um instrumento capaz de “clarificar nuestras ideas”.’ Uma boa parte do que inventamos nesta nao muito clara fronteira entre ficcao ¢ realidade esta nas teorias que sonharam a arte nee uma ponte, “Los ingenieros son artistas de la comunicacion sh el abismo; los artistas son ingenieros de un afectiva puente mental. a Uma ponte poética. “En el campo especifico de nuestro quehacer la é ae 4 in.734 intuicién poética esta en la raiz.” Poética e politica. “O cinema deve procurar a verdade; a poesia vem 35 rs ee ponte pottica, politica ¢ latino-americana. “A nogao de Ame- rica Latina supera a nogiio de nacionalismos. Existe um problema comum: a miséria, Existe um objetivo comum: a libertagao econdmica, politica ¢ cultwral/de fazer um cinema latino. Um cinema empenhado, didatico, ¢pi- co, revoluciondrie. Um cinema sem fronteiras, de lingua ¢ problemas co- muns.”26 “Toda aquella pelicula que de una 0 otra manera se plantee el problema y el gran tema de la identidad con el propio ser nacional. Y cuando hablo de una identidad nacional me refiero no solamente a la de la patria chica, sino a la identidad macional de la patria grande, a la consi- derada no solamente en nuestras especificas naciones, sino en la gran nacton que sofiamos unitaria y que es el conjunto de naciones de América Lati La Patria Grande.”*7 : Arte imperfeita, espago impreciso entre o teatro ¢ a pintura, entre a literatura e a musica, entre a escultura em movimento e o sonho jswdiseer do, entre a realidade ¢ a imaginagao, o cinema de um certo mode tem e5- timulado a diseussao em toro da identidade. Em parte porque a grande industria tem usado o filme pata combater a construcao de livres € dife- rentes identidades, para afastar o espectador do contato criativo com a realidade em volta dele, Em parte maior porque o cinema, como um todo, passou longo tempo 4 procura de sua esséncia, do seu especitico, aré des- cobrir que sua identidade ¢ mesmo esta forma aberta ¢ em movimento que tem algo de parecido com o jeito em transe da América Latina. [O cinema: espaco ideal para nos pensarmos porque so- mos como um filme? Porque somos imagem em movimento, inacabada, incompleta, esbogada, diferente daquela outra aca- 31 A Ponte Clandestina bada, completa, quadro fixo mais pintura que filme, das cultu- ras do velho mundo?] 3 Metade dos anos 50: o modo de pensar a experiéncia de ver e fazer filmes recuperava um dado esquecido 1a atras, o pedago de registro obje- tivo da realidade que existe na fotografia em movimento, ¢ negava © pe- dago de imagem livremente inventada, subjetiva, que também faz parte dela. Quando na América Latina comecamos a construir uma ponte para ligar a realidade da arte a do espectador —caminho diferente do construido com os habituais cuidados de engenharia porque aberto também (nossa identidade?) para que nele passe Napoleao a cavalo —, o cinema ainda nao abandonara de tode a busca de sua especificidade. Mas j4 comegava a perguntar timidamente se nao era ele proprio a esséncia da arte do século oimpulso criador presente no desenho e na pintura, no teatro e na The tura, na miisica e na arquitetura, na danca e na escultura. © cinema ja existia antes do cinema? Surgiu no tinal do século XEX como uma técnica vazia, invengao sem futuro, aparelho para fotografar o movimento, e sain depois A procura de idéias e sentimentos para expressar? Ja existia desde o comego do século na vontade de tirar a pintura do estudio para registrar a nuvem que desliza no céu, de anotar o acaso que passa diante dos olhos, na vontade de interpretar os sonhas, na vontade de pensar a maquina? Surgiu como modo de sentir e viver a vida — idéia antes da técnica necessdria para se expressar — para sair depois em busca do invento que lhe permitisse ganhar forma? © que faz do cinema o cinema? O primeiro plano? a fotogenia? a montagem? © plano seqiiéncia? Ele € uma arte porque torna visivel o ros- to do homem? porque é¢ mudo? porque ¢ pure? porque tem som? porque é impure? porque registra o ceal através da objetiva da cdmera? porque manipula e altera o real através da iluminagdo e do enquadramento? por- que é uma usina de sonhos? porque é todo emagao? porque figura o nos- so modo de pensar? porque joga livremente com o espago ¢ com o tem- po? porque é feito pon um autor? porque é criacdo coletiva? porque ¢ a soma de todas as artes? © cinema, afinal, representa ou reapresenta o mundo? ‘ Reapresenta, sugeriam as formas de narragao dos anes 50. A rela- cao entre as condigées materiais — cdmeras silenciosas, lentes mais lumi- nosas e com maior angulo de visdo, negativos e microfones mais sensiveis — eas vontades das pessoas depois da Segunda Guerra Mundial — ver, saber, ir ao fundo das questées, se opor a expresso manipuladora que en- cobrira a realidade ¢ permitira a ascensio do fascismo —, a relagao entre 32 José Carlos Avellar ma coisa e outra conduzia naturalmente a imagens mais longas e aber- tas. A pesada aparelhagem de estiidio para filmar com som, em corese gran- des formatos e 0 material leve para filmar reportagens apontavam numa s6 direcao; construir a cena num tinico plane. As novas lentes e negatives propiciavam a incorparagao de um pouco de teatro ao cinema feito em es- uidios — a movimentacio solea dos intérpretes diante da camera parada como © espectador na platéia ou se deslocando suave e lentamente sobre trilhos. A extrema agilidade das cdmeras leves propiciavam incorporar a ficcdo feita em cendrios naturais métodos de trabalho dos documentarios __ a livre movimentagao do cinegrafista e do técnico do som ao lado das pessoas, dentro da cena, no meio dos acontecimentos. © plano seqiténcia, a cena nao montada, parecia neste momento se nao o especifico pelo me- nos a solugo natural para o que se imaginava ser a vocagao natural do cinema, o realismo. Nascia a sensagio de que na agao em continuidade ¢ no espaco em profundidade o espectador podia enfim encontrar no filme uma experiéncia visual idéntica a que vivia em seu cotidiano: ele passava a sentir a imagem registrada pela camera como um trago direto, como uma escrita da realidade, Era come se as coisas estivessem efetivamente ali, ou afetivamente reconstituidas no esttidio mas ali, presentes, vivas. *Sinem- bargo, la realidad mas inmediata, la que se manifiesta a nuestro alrededor constantemente, que nos golpea dia a dia, la realidad en brut, es la que ofrece la mas rica materia para el cine” —observou Tomas Gutiérrez Alea trazendo para o Festival de Havana de 1982 algumas lembrangas dos anos 50, quando ele, em Roma, via de perto o neo-realismo, “La dramaturgia cinematogrdfica se ha de nutrir principalmente de esa esfera de la realidad si quiere mantener su originalidad y su freseura”.”* Reapresentar a realidade. O modo de escrever um roteiro, construir um cendrio e de jogar atores e luzes dentro dele preparava a filmagem como a anotacao de uma coisa concreta, o fragmento de realidade diante da cimera, ou virtual, a cena pro-filme ou pré-filme, mundo de ficgao criado a4 imagem e semelhanga do real para tornar possivel 0 filme. A montagem era evitada. Nao a fase do trabalho onde se ordena e se ajusta o material filmado, mas a forma de composigao nascida da relagao entre as condi- Ges materiais da década de 20 —cimeraa manivela, filmes pouco sensi~ veis, imagem sem som — eas vontades das pessoas: estabelecer articula- cOes entre fragmentos nao necessariamente contidos num mesmo espago para melhor sentir ¢ compreender a realidade que nao se revelava por in- teiro em qualquer dos fragmentos mas sim no conflito entre eles. A mon- tagem pensa, representa o mundo, e por isso, nos anos 50, quando © que se queria era vera vida como ela é, a montagem era tida como uma mani- pulacéo. Uma manipulagio que impedia o espectador de agir livremente diante da cena, ¢ afastava o filme de sua esséncia, a reapresentagio do A Ponte Clandestina 33 mundo. Uma manipulagao que empurrava para a reflexao, para a subjeti- vidade, para a abstragao, o que parecia ter sido feito para a agdo, para a objetividade, para o sentimento,. Deum lado o neo-realismo, Zavattini. De outro a montagem, Eisen- stein. Glauber, final dos anos 50, mal comecava a botar a mao na cime- ra, andava com esta questao na cabeea. E viu num filme mexicano, Raices, de Benito Alazraki, a sugestao de uma sintese destas duas tendéncias. Num texto de 1958, significativamente selecionado anos mais tarde para abrir Revolugao do Cinema Novo, Glauber diz que a linguagem cinematogra- fica latina-americana poderia se inventar a partir de uma fusao do que os olhos europeus viam como propostas antagénicas, Zavattini ¢ Eisenstein. Para facilitar a fusio, o olhar de Bufiuel, Deste modo, em O sécelo do ci- nema Glauber abre o capitulo dedicado ao neo-realismo com um ensaio sobre Eisenstein e um outro sobre Bufiuel. A receita para a sintese Zavattini / Eisenstein: rasgar o olho ao meio como Bufivel.2? “Sua obra éa linguagem por exceléncia do homem oprimido. Bunuel, no absurdo quadro da realidade do Terceiro Mundo, é a consciéneid pos- sivel: diante da opressio, do policialesco, do obscurantismo e da hipocri- sia institucionalizada, ele representa a moral libertaria, abertura de cami- nho, constante processo de rebeldia clarificadora”, afirma Glauber. O herdéi de seus filmes é “um fanatico latino organicamente faminto: o comporta- mento de um faminto é tio absurdo que seu registro real cria o 2e0-sur- realismio”. Seu cinema “é a mise-en-scérte que sain do enquadramento, quebrou o ritmo gramatical, estrangulou a emogao, fugiu do espetaculo”, e, “pré-consciéneia do homem latino, é revolucionario na medida em que liberta pela imaginagao o que é proibido pela razao” 4° “E] ojo trepanado por Bunuel, ¢l ojo del perro ancaluz, sigue siendo la fuente mas rica que tenemos”, acrescentaria mais tarde Paul Leduc.*! Nossa ponte sai deste debate que mobilizava o cinema nos anos 50. As formas de composig¢ao que surgem na América Latina da relacio entre as vontades das pessoas — pensar o cinema como modo de agir na reali- dade, agir no cinema como modo de pensar a realidade —e as quase inexis- tentes condigées materiais propGem uma representacao obtida através da montagem de reapresentagdes: retinem numa imagem 56 o desejo de nos revelar através de um documento informado pela experiéneia neo-realista — as coisas estao ali, por que manipuld-las? — e o desejo de nos revelar através de uma ficgao informada pela montagem — as coisas estito ali ma- ‘nipuladas, por que n@o desmontd-las? Ver a vealidade é negar que ela re- nha que ser assim como é: para ter a mesma forga da vida, alerta Birri, o cinema precisa negar o que testemunha; para ser até mais forte que a vida, sugere Glauber, o cinema deve ser como o sonho, irromper na realidade como uma maquina ¢estranha e tremendamente liberadora. 34 José Carlos Avellar [Convém anotar aqui, letra pequenina, idéia nado acaba- da: talvez tenha sido esta a ultima hora e vez em que pensamos o cinema, Entre o final dos anos 50 ¢ o final dos anos 80, aqui, na América Latina. Um certo modo de pensar a imagem e o som em movimento que vem desde o invento do cinematograto, uma certa busca de identificar o filme num espago entre o retratar e o remontar o mundo, veio até aqui. Agora estamos, talvez, di- ante de uma outra coisa que mal comeca a ser pensada. Teoria em transe: os textos latino-americanos agem bem na fronteira entre 0 cinema € 6 qué comega a $e mostrar nas imagens digi- tais, simulacées obtidas com maquinas que quase ja nem pre- cisam de uma lente aberta para qualquer paisagem, pessoa ou objeto para produzir uma perfeita ilusio de realidade. Uma le- genda no pé da imagem da televisao americana, durante a guerra do Golfo, advertia “this is not a videogame”. Uma legenda no pé da propaganda na televisao brasileira onde uma escova de dentes perde a cor em poucos segundos adverte: o que vemos ¢ uma dramatizagao. Pensar o cinema entre a realidade ¢ o so- nho, entre a razfo e o delirio, parece ter sido uma exigéncia natural deste instante em que comegavamos a pressentir a mu- danga: a realidade reduzida a um videogame, uma dramatiza- ¢ao com mais forca que a vida. A televisdo, a fita de video ¢ o computador impéem um outro modo de uso do cinema, me- nos pelas interferéncias que fizeram e continuam a fazer na pro- dugdo e na circulagao de filmes do que pela revolugio que es- tio fazendo no modo de ver, pensar e manipular a imagem. Assim como a idéia do cinema passou pela pintura, pelo dese- nho ¢ pela literatura antes de se coneretizar com o invento do cinematégrafo, as novas teenologias da imagem foram inven- tadas para coneretizar uma vontade que ja $e encontrava ex- pressa em teorias como as que estudamos aqui, tearias que so- nham com filmes capazes de negar que o imediato diante dos olhos tenha que ser assim como é, capazes de mostrar a reali- dade tal como ela ¢ y al testimoniar como es esta realidad, nega- la; denunciar, criticar, desmontar a realidade para nao se tor- nar ciimplice dela.| A Ponte Clandestina 35 NOTAS | Glauber Rocha, Letra fera em Poernas eskolbidos, selegio ¢ introdugan de Pe- dro Maciel, Alhambra, Rio de Janeiro, 1989, 96 paginas. 2 Unna aventura perigosa, Fatos & Fotos, Rio de Janeiro, abril de 1967. [Os ori- ginais do primeiro tratamento de Terra em transe se encontram nos arquivos do Tem- po Glauber e foram reproduzidos em Roteyros do Terceiro Munda, edigao organizada por Orlando Senna, Alhambra/Embrafilme, Rio de Janeiro, 1985, 466 paginas. Os ori- ginais da primeira versio de América muestra — 43 paginas datilogeafadas no verso de uma folha de correspondéncia de uma empresa transportadora, a Transnil, ¢ corrigidas a mao pelo autor — se encontram nos arquivos da Cinemateca do Museu de Arte Mo- derna do Rio de Janeiro, As versdes seguintes, ¢ 05 varios desenhos ¢ anotagoes soltas, estiio nos arquives do Tempo Glauber.] 2 America muestra 6%, “narrativa livre” escrita para atender a uma “necessidade de criticar” a estrutura de projeto. Revoligao do Cinema Novo, Alhambra/Embrafilme, Rio de Janeiro, 1981, 476 paginas. O livro reproduz apenas parte das anotagoes regis- tradas nos cadernos onde Glauber, entre 1969 € 1971, reelabora o projeto original, escrevendo novas cenas ¢ completanda o texto com desenhos. Os originais se encon- tam no Tempo Glauber no Rio de Janeiro. 4 Carta a Alfredo Guevara, datada de Paris, 1° de agosto de 1967. Cine Cubano, n’ 101, Havana, 1982. 5 Carta a Alfredo Guevara, Paris, 3 de novembro de 1967, Cine Cubano, n° Che Guevara morrera um més antes. Dois anos depois, perguntade sobre o projeto de um filme em torno do Che, Glauber responde que “seguramente algan realizador hard un dia un gran filme sobre el Che”, mas que um verdadeiro filme sobre ele so poderia ser feito mais tarde, “de aqui a diez afios, cuando todo el proceso que ha originado pueda ser comprendido y analizado dentro de una perspectiva mucho mas profunda”, Lem- bra que numa entrevista para revista francesa Positif disse que “tal vez pudiera hacer un film sobre un personaje que tuviera algunas de sus caracteristicas, pero es0 fue una idea emocional y ahora realmente no me interesa porque se que cualquier film que so- bre él se hiciera seria una especulacion comercial o una tentativa de promocién artisti- caen nombre de la politica”. Glawber; el transe de Ansérica Latina, entrevista a Federico de Cardenas ¢ René Capriles, feita no Rio, em abril de 1969, publicada em Hablemos de cite n° 47, Lima, maio/junho de 1969. * América nwestra 69, em Revoleggo do Cinema Novo. 7 Em carta a Alfredo Guevara, Roma, 9 de setembro de 1971, Glauber se refere a Marcos Medeiros ¢ ao “proyecto de hacer una pelicula sobre la situactén politica en Brasil” com a participagio do ICAIC, *En mas de una ocasién me conyido a partici- par, pero yo le expliqué francamente que pese a considérar importante su proyecto, tenia ini idea cuye tema trataba dela situacién politica en América Latina”, © projeto sobre a politica brasileira deveria estar sendo pensado como um filme militante, a julgar por uma observacio nesta mesma carta: Glauber diz ter explicado a Medeiros que: “en mi caso particular la actividad politica macia de mi vision cinemarografica y no dela simple instrumentalizacién diddctica de mi trabajo o de una posible comercializacian™ (C. Cxbano, n° 101), Um ano mais tarde, 1972, depois de uma provavel mudanga na linha do projeto e de mais um adiamento na idéia de América smestra, Glauber chega a Cuba “a convite de Alfredo Guevara, entao presidente do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematograficos para realizar a edigao ¢ a montagem de seu decumentario sobre a historia do Brasil”, conta Jaime Sarusky na entrevista gravada naquele momento ¢ 36 José Carlos Avellar divulgada em 1985 (A altima entrevista de Glauber ent Cuba, Folba de $. Paulo, 530 Paulo, 14 de dezembro de 19385). 8 “;Como aveptar tanto y solamente la realizacion de un cine culturalmente va- Jido, cuando la culeura propiamente nos es negada en todos los niveles de comunicacion formacion? ¢Come aceptar que ¢l cineasta de hoy en dia hace cine y no otra cosa, ido gerrilleros-cineastas victnamitas mucren al tratar de filmar una batalla?” — wntase @ texto Fragmentos para el moniaje de vn articelo audio-viswal, de Pietro Domenico, publicado em Cine Cubano n° 68. E pergunta ainda: ;Como afirmar que la obligacién de un cineasta es hacer cine [por extension {no es lo mismo que dijo un go- nila irmar que la obligacion de un estudiante era estudiar?) mientras La tortura y el ascsinato politico de revoluciondrios resultan parte de nuestro cotidiano?” E conelui 1 verdad, lo atemorizante — en términos de una posible politica cultural — es que el cineasta brasilefio se coloque en la siguiente posiciGn: ya que parece imposible ordenar cl cavs social, instauremos al orden poético”. No mimero 71/72 Cire Cubano publica Una carta de Glauber Rocha a Alfredo Guevara: “Una orden poetico para avanzar mas en la creacién de un nuevo lenguaje latincamericano. Un lenguaje que exprese las nece- sidades revolucionarias de una eivilizacién colonizada, El arte revolucionirio tiene que s@F mejor que el arte reaccionario a todos los niveles, Para ello tendremos que negar la razén colonizadora'y superar cl moralismo dogmsttico que hace mezquinos a los héroes”. ® Glauber Rocha, entrevista a Piero Arlorio e Michel Ciment, Positif, n° 91, Pa- ris, janeiro de 1968. 10 [strucciones para hacer wr fale ev 6m pratis subdesarrollado, Octubre n° 2/3, México, janeiro de 1975. O depoimento, parte de uma mesa-redonda que conto ainda com a participagao de Carlos Alvarez e Miguel Littin, foi selecionado & montado por Armando Lazo ¢ ineluido em Hojas de cite, Testimonios y documentos del mrevo cine Jatinoamericanto, Volumen Ll, Edigio da Secretaria de Educacién Pablica, Universidad Auténoma Metropolitana e Fundacion Mexicana de Cineastas, México, 1988, 598 pa- ginas. [Em outubro de 1992 Julio Garcia Espinosa retoma esta idéia para realiza-la em video com os alunos da Escuela Internacional de Cine y T'V de San Antdnio de los Batios. “FJ film —eontow em carta ao critico Denis De La Roca — ya nose Hama Instricctones para hacer wn film en sm pats subdesarroflade. Su nuevo titulo es El plano, Comienza justamente con una escena donde una joven, en medio del campo, sirve para mostrar los distineos planos que hay en elcine: plano general, plano medio, primer plano, ete, En medic de esa explicacion brota, de los ojos de la joven, una lagrima, La pelicula viene a ser la historia de esa lagrima. Y come la historia se desarrolla en una escuela de cine {obvia- mente la de San Antonio) ¥ tiene como personajes principales a an profesor de cine ya sus alumnos, la pelicula es contada también con los ejercictos que hacen estos alumnos”.) 1 Com relagio 4 expressio Terceiro Mundo, “sabemos cuando y cdmo surgia”, anota Roberta Fernandez Retamar em Casi veiie afies despues, ensato publicado na revista Nuevo Vexio Critico, n? 9/10, 1992, editada pelo Department of Spanish and Portuguese da Stanford University. “Su creador, el demdgrafo francés Alfred Sauvy, me confesé en La Habana, en 1971, que él la empleé por primera vee en un ar! iculo que publicara en 1952 enel semanario France Observatenr, Segin me explicd, él establecio alli un paralelo con los estamentos de la Francia del XVI: el Primer Mundo equivalia para éla la nobleza, y correspondia a los paises capitalistas desarrollados; el Segundo Mundo, el alto clero, Jo encarnaba la Union Soviérica del ain vive Stalin (borresco referre) acompafiada por el resto de los paises del entonces llamado campo socialista europea: yel Tercer Mundo, elrercer estado, eran los paises pobres, que ya empezaban a nombrarse subdesarrollados, muchos de los cuales eran habian sido hasta hacia rela’ A Ponte Clandestina colonias, ¥ en conjunte albergavan (siguen albergando) a la gran mayoria'de los habi- tantes del planeta”. [Retamar conta mais longamente sua conversa com Alfred Sauvy em Elinventor de Tercer Mundo, Casa de las Americas, n° 70, janeiroffeveretro de 1972.) 12 Fernando Birri sobre Los imundados. Antologia del Gine Latinoamericano. Se- mana de Cine de Valladolid, 1991, 254 paginas. 13 Nelson Pereira dos Santos, depoimento a Maria Rita Galvao em Burguesia € cinema: o caso Vera Cruz, Civilizagao Brasileira/Embrafilme, Rio de Janeiro, 1991, 284 paginas, 14 Qeravio Getino, Méliés; entre la maquina y la fantasia, eonferéncia na abertu- ra da exposigao organizada pela filmoteca da Universidad Nacional Autonoma de Me- xico, em 1983. Incluida em Notas sobre cine argentino y latinoamrericane, Edimedios, México, DF, 1984, 162 paginas. 1S Tomas Gutiérrez Alea, El verdadero rostro de Caliban, comunicagao apresen- tada em mareo de 1989 na Conferéncia Internacional Alta Cultura / Cultura Popular realizada em Bellagio, Lago de Como, Italia, sob o patrocinio da Fundacao Rockefeller. Cine Crbano, n° 126, Havana, 1989, 16 Alea se refere ao ensaio Califas, de Roberto Fernandez Retamar, Casade las Americas n° 68, La Habana, setembro/outubro de 1971. Retamar yoltou ao tema em Caliban vevisicado, Revista de Critica Literara Latinoamericana n°? 24, Lima, 1986. E também no seminario Por wna redefinicisn dela imagen de América Latina en visperas de 1992, realizado em novembro de 1990 na Unive assari, Italia. Os trabalhos apresentados neste semindrio foram reunidos na revista Nuevo Texto Gritieo 9/10, 1992, edigio da Stanford University. [Para continuar de olhe no cinema: quase ao mesmo tempo em que Retamar discute Caliban como uma representagao dos “mestizos que habita- mos estas misma islas donde vivié Caliban”, no comego dos anos 70, um filme de Jo- aquim Pedro de Andrade ¢ outro de Nelson Pereira dos Santos discutem a antropolagia como uma representacgao das relagdes sociais € do gesto cultural capaz d transformar estas relagdes. Joaquim Pedro partin da literatura brasileira do final da década de 20, Foi buscar no Mavtifesto Antropofagico de Oswald de Andrade ("Sd a antropotagia nos une, Socialmente. Eeonomicamente. Filosoficamente”} ¢ no romance de Mario de An- drade o ponte de partida para o seu Macnnainia (1969), “histéria de um brasileiro co- mido pelo Brasil”, de acordo o texto que escreveu para a divulgagao do filme: “Todo consumo € tedutivel, em tltima andlise, ao canibalismo. As relagGes entre as pessoas, as relagdies Sociuis, politicas ¢ cconémicas, sto ainda bastante antropofigicas. Quem pode come 0 outro, per interpasto produte ou diretamente, como nas relagGes stxuais, A an tropofagia se institucionaliza ¢ se disfarca. Os novos herdis, a procura da conseiéncia coletiva, partem para devorar quem nos devara, mas sao fracos ainda. Mais nume- rosamente, enquanto isso, o Brasil devora os brasileiros”, Nelson partiu da antropolo- tia para tentarem Cora era gostoso mex francés (1971) “compreender arealidade do Brasil de forma mais generosa”, mais aberta, “sem um esqueminha preparado, sem uma equagao onde pudéssemos encaixar uma realicade rica, controversa”, Partiu da antro- pologia para contar como os tupinambas aptisionam um francés, aprendem com cle técnica do cultivo eo uso dos canhées, realizam seu casamento com uma jovem india & depois rratam de devora-lo numa geande festa antropofagica. “OQ indio eomia o inimi go para adquirir seus poderes, nfo para alimentar-se fisicamente. Era alge ritual, Quanto mais poderoso era o inimige, mais saboroso ele era”. Na tela, a questo que entio to- dos discatiamos — o chaque de culturas, a tensa0 colonizador / colonizado, deserivol- vidos f subdesenvolvidos — numa historia que nem parece se ocupar detais problemas, que fala s6 de canibalismo para propor “um processo de descolanizagao que vem de José Carlos Avellar dentro, muito mais ne campo da emogao que no campo de uma pesquisa distanciada”, disse o diretor no folheto de divulgagao para olangamento do filme ena entrevista Agora, o cinema antropojago, Visdo, S40 Paulo, 17 de janeiro de 1972.) 7 Julio Cortazar, O escritor e sta atividade na Anrérica Latina, comunicagao apresentada no semindrio sobre politica cultural ¢ democraciama America Latina, rea- lizado na Universidad Internacional Menéndez Pelayo, Sitges, Espanha, em setembro de 1982, Em Nicandgua tao violemtamente doce. 18 Apocalipse de Solentiname € o primeiro dos 15 relatos que compoem Nicara- gua tao violentamente doce de Julio Cortazar, Editorial Nueva Nicaragua, Managua, 1983, traduzide para o portugués por Emir Sader e langado pela Editora Brasiliense, Jio Paulo, 1987, 128 paginas. 19 Cortdzar, O escritor ¢ sua attuidade. 20 Entre os quase trinta filmes realizados por Geraldo Sarno entre 1964 ¢ 1987, apenas dois siio de ficgao, © ptca-pare amarelo (1973), adaptagao de um livre para crian- gas de Montecito Lobato, e Coronel Deliniro Gonveia (1978), inspirado na vida de Delmiro Gouveia. Todos o8 demais sao documentarios. 4! Cortazar, Nicaragra, # nova. 22 data no final de Apocalipse de Soleatinanze indica que o texto foi escrito em abril de 1976 entre Sao José ¢ Havana, antes da viagem de volta para a Europa, A rea- co diante das fotos em Pans aparece portanto como fivgio inserida no relato para melhor traduzir o verdadeiro sentiment do escritor, Adiante, no segundo texto da coleranga Nicardgua tao tiolentantente doce, ele se refere assim A visita clandestina a Solentiname: “do isto jd foi contade por mim em outro lugar, ainda que talvez alguns leitores te- nham pensado que se tratava de uma ficgao, Comego a crer que tratando-se da Nicara- gua a fronteira entre ficgito realidade nao esta muito clara no que me toca”. 23 Cortdzar, Apocalipse de Solentiname. 44 Glauber Rocha, carta a Alfredo Guevara, sem data, com uma andlise do Festi- val de Cannes de 1967. Cine Cubano, n® 101, Havana, 1982. 25 Cortazar, Apocalipse de Solentiname. 26 Tdem. Idem. #4 Idem. 29 Cortizar, O escritor ¢ sua atividade. 4 Jorge S: és, comunicacao lida no seminario L" influence di cinema soviétique maveet sur le cinéma mondial durante o XXXII Congreso da Fédération International des Archives du Film, FLAF, em Varna, Bulgaria, maio de 1977. Parcialmente reprodu: como titulo Antecedentes bistdricos del cine social ew Bolivia no volume Teoria y practica de un cine junto al pueblo, Siglo Veintiuno Editores, Mexico, 256 paginas, 1979. 3. Cortazar, O escritor e sua atividade, Fernando Solanas, Argentina: ef grupo cine liberacion, entrevista a Alfredo: Roffe em setembro de 1968. Cite al dia, n” 7, Caracas, marco de 1969. 33 Glauber Rocha, cartaa Alfredo Guevara, Santiago de Chile, maio de 1971. Cine Cubano, n° 71/72, ¢ no liveo Glauber Rocha, de Augusto M Torres edigao do Festi- val de Huelva, dezembro de 1981, 92 paginas. M Fernando Birri, La metifora viva, comunicagao apresentada no. seminario Cine e Pmaginacion Pottica, no Tercer Festival el Nucvo Cine Latinoamericano Fiavana, 1981, Parcialmente reproduzida em Cine Cubano n° 102, Havana, 1982, com o titulo Oenpar of lenguaje. 35 Nelson Pereira dos Santos, recordando uma frase de Cesare Zavattini que cos- A Ponte Clandestina 39 tumava citar nos anos $0, depoimento a Maria Rita Galvao, Burgiesia e cinema: 0 caso Vera Cruz, Civilizagdo Brasileira / Embrafilme, Rio de Janeiro, 1981, 284 paginas. 36 Glauber Rocha, Teoria ¢ pratica do cinema latino-americaito, originalmente publicade em Avanti, Roma, 15 de outubro de 1967, com o titulo de L’estetica della jame contra letica del profitto. Com o titulo original, no volume Tl Cinema Nowe Bra- sifiano, X1 Mostra internazionale del Nuove Cinema de Pesaro, setembro de 1975, ¢ em Revoligao do Cinenta Novo. + Fernando Birri, Organizar los suwetos con obstinate rigore, entrevista a Rigoberto Lopez durante o Primer Festival del Nuevo Cine Latinoamericano, Havana, dezembro de 1979, Cine Cubano, Havana, 1980, 38 Tomas Gutiérrez Alea, Dratraturgia (cinematograjica) y realidad, comunica- eo apresentada no Sentindrio de Dramaturgia Cinematografica realizado durante o IW Festival del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana, em dezembro de 1982. Publica- doem Cine Cebara n” 105, 1983, 3 Glauber Rocha, Rafces mexicanas de Benito Alazraki. Mapa, n° 3, Salvador, agosto de 1958. Incluido em Revolweio do Crema Nowa. A colerinea © sécilo do e- nenta — Alhambra/Embrafilme, 1983 — se divide em tres bloces, Hollywood, Neo-re- alisma ¢ Nouvelle vague. 4° Glauber Rocha, Os 12 nrandamentos de Nosso Senor Buituel, A moral de wa novo Cristo ¢ El, textos escritos em 1960, 1962 ¢ 1967, originalmente publicados no Diario de Noticias, Salvador, ¢ nas revistas Senbor e Manchere, Rio de Janeiro. Revis= tos ¢ modificados pelo autor, em 1975, ¢ publicadas em O sécila do cinema, Alhambra! Embrafilme, 1983, 4! Paul Leduc, Carninar por ef continente, comunicagio apresentada no semina- rio Dramaturgia Cinematografica realizado durante o LV Festival del Nuevo Cine Lati- namericano de Havana,em dezembro de 1982, Publicado em Cite Cubano n” 105, 1983, 40 José Carlos Avellar LA MISMA FUERZA DE LA VIDA ; Fernando Birri eo laboratério ambulante de poeticas cinematograficas “Primeiro a Brevisima teoria del documental social en Latinoamérica, reflexdo inspirada na experiéncia de seis anos de trabalho na Escuela Do- cumental de Santa Fe, criada na Universidad Nacional del Litoral em 1956 depois de um pequeno seminario de cinema no Instituto de Sociologia. Em setembro de 1962, ao apresentar um programa de filmes da escola, Fer- nando Birri se refere a idéias que “se clarificaron durante la experiencia” e, “poniéndolas en orden y sintetizandolas”, diz: “E] subdesarrollo es un dato de hecho para Latinoamérica, Argenti- na incluida. Es un dato econémico, estadistico. Palabra no inventada por la izquierda, organizaciones “oficiales” internacionales (ONU) y de Amé- rica Latina (OEA, CEPAL, ALALC) la usan habitualmente en sus planes e informes. No han podido menos de usarla. Sus causas son también conocidas: colonialismo, de afuera y de adentro. Elcine de estos paises participa de las caracteristicas generales de esa superestructura, de esa sociedad, y la expresa, con todas sus deformaciones. Da una imagen falsa de esa sociedade, de ese pueblo, escamotea el pueblo: #0 da una imagen de ese pucblo, De ahi que darla sea un primer paso positivo: funcién del documental. 2Cémo da esa imagen, el cine documental? La da como la realidad es y no puede darla de otra manera. (Esta es la funcién revolucionaria del documental social en Latino- américa) ¥ al testimoniar como es esta realidad — esta subrealidad, esta infe- licidad — la miega. Reniega de ella. La denuncia, la enjuicia, la critica, la desmonta. Porque muestra las cosas como son, irrefutablemente, y no como querriames que fucran. (O como nos quieren hacer creer — de buena 0 mala fe — que son) brio a esta funcién de “negacién”, el documental cumple otra de afirmacién de los valores positives de esa sociedad: de los valores del pueblo. Sus reservas de fuerzas, sus trabajos, sus alegrias, sus luchas, sus suefios, Consecuencia— y motivacion — del documental social: cono- cimiento, conciencia, toma de conciencia de la realidad. Problematizacion. Cambio: de la subvida a Ia vida. A Ponte Clandestina Conclusion: ponerse frente a la realidad con una camara y documentarla, documentar el subdesarrollo, El cine que se haga cémplice de ese subdesarrollo, es subcine”.! Antes da Brevisima teoria, quatro filmes. Trés curtos, La primera fundacidn de Buenos Aires (1959) Buenos dias Buenos Aires (1959) e Tire die, “encuesta social” (sobre crian¢as que “acuden para pedir una moneda al tren —jtire diel... tire die, digaaa... — que, a paso de hombre, avanza por un puente de dos kilometros de lar- go”) realizada com os alunos do Instituto de Cinematografia, com uma primeira versio em 1958, ¢ a definitiva em 19602 Um “largo metraje argumental de base documental”, Los iaundados (1962), adaptagao de um conto de Mateo Booz (sobre a gente pabre arran- cada de suas casas na beira do rio a cada nova enchente) demonstracdo da “caducidad en el cine contemporaneo de los limites entre lo que se entiende tradicionalmente por argumental y documenta!”. Os alunos da Universidad trabalharam também neste projeto que comegoua nascer em 1953, quando Birri ainda na Italia, “bajo un cielo de estrellas cordiales pero ajenas”, pensava em sua terra natal e se “refugiaba en algunas lecturas”. Para organizar a produgao ele criou uma empresa, PAN, Productora América Nuestra — 0 nome € “un juego de palabras porque pan es lo que se come, pero estambién la totalidad de un concepto, de manera que significaba la reafirmacion de un sentido americanista que ha estado siempre presente en nuestra obra”.4 Antes dos filmes, forodocurmentales. Imagem fixa. Cinema parado. “Lo que hice fue transportar — no de uma manera mecdanica sino de manera razonada y sensibilizada, en funcién del medio — una experiencia que s¢ habia intentado en Italia pero que después se habia frustrado, ;Qué eran los fotodocumentales? Sencillamente se trataba de salir con una camarita fotografica, con un grabador cualquiera, a encontrarse con la realidad del propio ambiente: a conversar, a forografiar rostros, personas, lugares, ani- males, plantas, pero sobre todo problemas del propio habitat.” A idéia surgiu no seminario organizado no Instituto de Sociologia, encontro de quatro dias com uma parte tedrica ¢ os fotodecumentarias como pratica. Participaram do semindrio “ciento € treinta y cinco muchachos y chicas, entre ellos jGvenes escritores, plasticos y misicos de la ciudad, socios de los cineclubs, integrantes de los tearros independientes, pero, sobre todo, estudiantes secundarios y universitarios, assistentes sociales, maestros”.* A proposta dos fotodocumentales foi aceita com entusiasma, estas “personas que asisten al curso se desparraman por la ciudad y los alrededores en bus- ¢a de nuevos temas para la posibilidad de un futurocine nacional”. Tire dté, antes de filme foi um fotodocumentario. Los isndados também. Como con- seqliéncia deste primeiro semindrio o Instituto de Sociologia da universi- dade decide criar um Instituto de Cinema. “Es importante notar que lo que, 42 José Carlos Avellar con el andar del tiempo, va a autonomizarse con el nombre de Escuela Do- cumental de Santa Fe no nace como institute de cine sino como una expe- rimentacién en el interior de un instituto de sociologia”.° Antes da brentsima teoria, antes dos filmes, antes dos foradocumen- tarios, o neo-realismo italiano. Quer dizer, nao se tratava “de repetir, de copiar sin mas ni mas una acertada experiencia italiana, pero si de saber, de probarnos a nosotros mismos hasta donde era posible una asimilacion de toda esa experiencia vital con lacual ha tonificado el arte cinematografico la actitud neo realista (que, nome cansaré de repetir, antes que un estilo cinematografico es una actitud moral). En otras palabras, no se trataba de hacer cine neo realista en la Argen- tina, pero sf de hacer entender — y sobre todo hacer sentir — hasta que ¢s necesario que el arte cinematografico, en virtud de sus propos medios expre- sivos, se afiance en la realidad de la imagenes que caen bajo nuestros ojos, hajo nuestros objetivos, y hasta qué punto ese realismo, la realidad de esas imagenes NO PUEDE DEJAR DE SER la realidad de nuestra misma region, de nuestra misma nacién, de los temas y prablemas que por ser regionales son también nacionales y en todos los casos urgentemente humanos,”* Antes do neo realismo, “lo americano”: “La poética de Neruda, la plastica de Siqueiros, Orozco, Rivera, la novelistica de Icaza, la muisica de Villa Lobos, me afirmaron en la seguridad de que la biisqueda de la autenticidad solo puede darse por opesicion a lo establecido”.” Eantes de lo americano, do cinema, do neo realismo, dos fotodacumen- tales, da teoria, antes de tudo, a poesia. “Mis verdaderas raices son la poesia”. *Yo no ‘naci’ director de cine sino que llegué a él a wavés de rechazos y atracciones”. “Naci escribiendo poesia (a los 7 0 8 afios era del tipo “Vino Horacio Pierré — un primo mio — y la vaca dijo mu”)” ¢ vendo “mucho cine”. A revelagao de que como cinema “era possible hacer algo que realmente tuviera el mismo nivel de la poesia, de la novela, de la obra teatral, la misma fuerza de la vida, se da conel descubrimiento del neo realismo que artistica y expressivamente representaba todo lo contrario de lo que hasta ese momento habia sido el cine hollywoodiano™. “El momento de mi decision vocacional coincide con la explosion del neo realismo italiano de la postguerra. Ladri di biciclette de de Sica y Zavattini, Roma, citta aperta de Rosellini, La terra trema de Visconti eran todas de finales de los cuarenta”.* E assim, quando se de- cide pelo cinema, parte paraa Italia, em 1950, pata o Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. Estudante, ¢ logo depois de se formar, ainda na Itélia, faz “algunas experiencias en la practica: filmar algunos documen- tales, rrabajar haciendo stage (aprendiz) con de Sica y Zavattini en I! teito y luego también en un film de Carlo Lizzani, entre otros”. Seis anos de- A Ponte Clandestina 43 pois, de novo na Argentina, “se da cuenta desde el primer momento” que com a industria cinematografica baseada em Buenos Aires “va a ser muy dificil pactar, que va a ser muy dificil poder hacer lo que yo entiendo que hay que hacer para crear un nuevo cine argentino”. Vai a Santa Fe, sua_ cidade natal, “para tratar de ver se alli, a partir de cero”, seria possivel | fazer cinema, Partir do zero nao deve ser entendido “como presuncion a desconocimiento de todo lo existente, sino como necesidad de un cierto tipo de aporte, la Gnica posibilidad que entonces yo encontraba de dar algo al cine nacional. En ese sentido, no es casual que el Instituto haya nacide en una Universidad, como tampoco es casual que el grupo propulsor fuera heterogéneo, casi una avalancha humana, y estuviera mas cerca de la sangre que de la tinta, mas cerca de la vida que del celuloide”.? “Lo que yo queria era descubrir el rostro de la Argentina invisible — invisible no porque no se la veia, sino porque no se la queria ver”, “La btisqueda de fondo es la biasqueda de una identidad nacional. Lo que se esta tratando de buscar es una identidad nacional que ha sido enajenada, perdida, alienada por toda una forma de penetracion cultural, por una hegemonta de tipo imperialista en términos no solamente de superestructura y de infraestructura econémica y politica sino también de infraestructura y superstructura cultural”. O pri- meiro passo de um cinema que se prope como “una cinematografia na- cional tiene que ser el de documentar esa realidad, Tiene que empezar por ver lo que tiene frente a sus ojos, escuchar lo que tiene al lado desu oreja”.? O primeiro exemplo vem “de la actitud neo realista (que, no me cansaré de repetir, antes que un estilo cinematografico es una actitud moral)”. “Vasco Pratolini, en una conversacion de hace algunos aiios, me senalaba un hecho: la generaci6n anterior a la suya se caracterizé ponque sus miembros (Pi- randello, popejemplo) bajaron de la torre de marfil (la de D’Anunnzio, por ejemplo) para situarse a ras de la gente, a la altura de los demas, frente a los demas; en cambio, su propia generacién se distinguia porque sus integran- tes no deseaban estar frente a los demas, sino buttati nella mischia, mezclados con los demas, Esta actitud humana de Pratolinies la clave de la actitud neo realista en la que me he formado”. Mas, convém repetir, apesar de “for- mado en la escuela neo realista, no aspiraria a ser un neo realista argenti- no, sino un realista argentino”. © cinema nasceu de “una vinculacion directa con la realidad”. Desta mesma vinculagaio deve nascer o cinema latino-americano, insiste Birri no instante em que comega a fazer scu primeira longa-metragem. “Lumiere le roba cosas a la realidad: filma a su hijo comiendo puré oa las obreros que salen de su fabrica. Luego, se pasara del noticioso, come captacion del fend- meno objetivo, ala elaboracién que trata de hallar un sentido, una causalidad. Este proceso hace que el cine sea de pronto noticioso, documental, crénica, historia, y que no pueda dejar de ser ninguna de estas cosas, alin en sus 44 José Carlos Avellar postulaciones mas abstractas”. 4 realidade “puede darse en distintas ins- tancias, o crecimientos, frente al cine”, mas no primeiro instante “neccsi- tamos documentales, crénicas, historias. Nome interesa hacer una defensa estética de la realidad o del realismo, Lo que me interesa es que el ile sirva para algo y que ese algo sea ayudar a construir nuestra realidad. “intetizando: no invencidn sino sélo descubrimiento de la realidad (en elave eritica, con amor nacional)” !2 Anos mais tarde acrescentaria: “Es distinto el concepto de un creador que inventa una realidad, al concepto de un cineasta que se pone frente ala realidad y trata de sincro- nizarse con ella, que trata de entenderla, analizarla, enjuiciarla, criticarla, expresarla y traducirla en un hecho, en un film, En este segundo caso la vigeneia de la obra va a ser corroborada solamente pot el tiempo y el espacio, es decir, por la historia y la geografia. El Nuevo Cine Latinoamericano, justamente en este clesarrollo que hemos visto durante los uiltimos veinte afios, y enesta expansion que ha sufrido a través de toda la patria grande latina- americana ha, de alguna manera, dado razén a quienes en aquel momento nog situamos frence a la realidad tratando de ser portaveces de ella. NG paca inventarla, sino para reinventarle; para intepretarla y transformarla. [Descobrira realidade: “Tomar consciéncia do subdesen- yolvimento”, observa Antonio Candido, “motiva o documen- tirio e, com o sentimente de urgéncia, o empenho politico. *@ texto se refere 4 literatura latino-americana, No comego eita um livro de Mario Vieira de Mello, Desenvolvimento e cultzra, publicade em 1963, que assinala uma alteragao mareada de perspectivas; “até mais ou menos 1930 predominava entre nos a nogio de pais ovo, que ainda nao pudera realizar-se mas que atribufa a si mesmo grandes possibilidades de progresso futu- ro, Sem ter havido modificagao essencial na distincia que nos separa dos paises ricos, o que predomina agora €a nogao de pats suebdesenvalvido. Conforme a primeira perspectiva, salien- ta-se a pujanga virtual e, pois, a grandeza ainda nao realizada. Conforme a segunda, destaca-se a pobreza atual, a atrofias o que falta endo o que sobra”. Depois Prossegue: “Ora, dada esta ligacdo causal terra bela-patria grande, nao € dificil ver a reper- cussio que traria a consciéncia de subdesenvolyimento como mudanca de perspectiva, que impos a realidade dos solos po: bres, das técnicas areaicas, da miséria pasmosa das populagoes, da sua incultura paralisante. A visdo que resulta € pessimista A Ponte Clandestina 46 quanto ao presente e problematica quanto ao futuro, eo tinico resto de milenarismo da fase anterior talvez seja a confianga com que se admite que a remogao do imperialismo trara, por si s6, a explosio do progresso, Mas, em geral, nao se trata mais de um ponto de vista passivo. Desprovido de euforia, ele éagdnico ¢ leva a decisao de hutar, pois o traumatismo causado na cons- ciéncia pela verificagdo de quanto o atraso é catastrofico susci- ta reformulagoes politicas. O precedente gigantismo de base naturista aparece entao na sua esséncia verdadeira — como construgao ideoldgica transformada em ilusao compensadora, Dai a disposigao de combate que se alastra pelo continente, tornando a idéia de subdesenvolvimento uma for¢a propulso- ra, que di novo cunho ao tradicional empenho politico dos nossos intelectuais”. Candido lembra em seguida que a Améri- ca Latina “é 0 Gnico conjunto de paises subdesenvalyidos que falam idiomas europeus” para discutir a influéncia da cultura dos paises desenvolvidos, e em especial a interferéncia macica exercida através dos “materinis ja elaborados da cultura mas= sificada, provenientes dos paises desenvolvidos. Por este meio, tais paises podem nao apenas difundir normalmente os seu valo- res, mas atuar anormalmente através deles para orientar a api- niao ea sensibilidacle das populacdes subdesenvolvidas no sen- tido dos seus interesses politicos. E sornal, por exemplo, que aimagem do herdi de far-zest se difunda, porque, independente dos juizos de valor, é um dos tragos da cultura norte-america- ha incorporado a sensibilidade média do mundo”. Mas, ao mes- mo tempo, salienta, “é anormal que tais imagens sirvam de veiculo para inculcar nos puiblicos dos paises subdesenvolvidos atitudes e idéias que os identifiquem aos interesses politicos ¢ econémicos dos seus paises de origem”. No instante em que se publica este ensaio, 1973, assinala o autor, a questao se apresen- ta matizada. “Com efeito, quanto mais se imbui da realidade tragica do subdesenvalvimento, mais o homem livre que pensa se imbui da inspirac4o revolicionaria — isto é, o desejo de rejei- tar 6 jugo econémico e politico do imperialismo e de promo- vera modificagao das estruturas internas, que alimentam a situa- ao de subdesenvolvimento. No entanto, encara com mais ob- jetividade ¢ serenidade o problema das influéncias, vendo-as co- mo vineulagao normal no plano da cultura”. Comenta: “Quem luta contra obstaculos reais, fica mais sereno e reconhece a fa- lacia dos obstaculos ficticios.” E prossegue: neste quadro “um estsigio fundamental na superacao da dependéncia é a capaci- José Carlos Avellar dade de produzir obras de primeira ordem, influenciadas, nao por modelos estrangeiros imediatos, mas por exemplos nacionais anteriores”. Antonio Candido fala de literatura latino-ameri- cana, mas sua analise se aplica com perfeigao ao cinema, etal- vez seja possivel tomar por empréstime uma expressao que ele usa para caracterizar 0 que s¢ passava entio na literatura: Sit- per-regionalista (“deste super-regionalismo é tributane, no Bra- “sil, a obra revolucionaria de Guimaraes Rosa, solidamente plan tada no que se poderia chamar de universalidade da regiao”). Tomar a expressao como meio de definir cinema que come- camos.a fazer na metade dos anos 50. Pensar o cinema latino- americano, naquele instante em que ele “al testimoniar como es esta realidad, esta subrealidad, esta infelicidad, la niga”, como um cinema swper-regionalista, onde “a conseiéncia dilace- rada do subdesenvolvimento opera uma explosao do tipo de fa- turalismo que se bascia na referencia a uma visdio empirica do mundo”, que dé lugar “ao reconhecimento da realidade do pals e sua incorporaciio ao temario, que da lugar ao comune ¢, com © sentimento de urgéncia, ao empenho politico.” | Compreender a realidace “mas como concepto politico que filoséfi- co”: a realidade “poco y mal compreendida del area de los paises subde- sarrollados de Latinoamérica, o si s¢ prefiere el eufemismo de la OBA: de los paises en vias del desarrollo de Latinoamérica, para cuya compreension — o mas bien incompreensién — se han aplicado siempre los esquemas interpretativos de los colonialistas extranjeros o de sus stibditos locales, deformados segiin la mentalidad de aquéllos”. s {Qué cine necesitan los pueblos subdesarrollados de Latinoaméric PU neine que los deere cine que les dé conciencia, toma de conciencias que los esclarezca; que for- talezca la conciencia revalucionaria de aquellos que ya la tienen; que los fervorice; que inquiete, preocupe, asuste, debilite, a los que tienem mala conciencia, conciencia reaccionaria; que defina perfiles nacionales, latino: americanos; que sea auténtico; que sea antioligarquico y antiburgués en él orden nacional y anticolonial y antimperialista en el orden internacional; quesea propuebloy contra antipueblo; que ayudea emerger del subdesarrallo al desarrollo, del subest6mago al estomago, de la subcultura a la cultura, de la subfelicidad a la felicidad, de la subvida a la vida.” 1° : ; Foi esta a vontade que animou a realizagao de Tire die: Apoiado “declaradamente en principios hoy todavia tan validos como los enunete: dos por ejemplo por Grierson y Zavattini, cada HiG a RIH EM DET nk prop6s “utilizar el cine al servicio de la Universidad y la Universidad g servicio de la educacién popular”, de uma “toma de conciencia cada vex 47 A Ponte Clandestina is responsable”. Para “ayudar a la formacion de esa conciencia social” mostrar “uno entre tantos problemas” para uma populagio “en su mayor parte indiferente o en el mejor de los casos enganada o desengafiada como la nuestra”. Este mostrar “que si bien cs solo un primer paso no puede dejar de ser dado para proseguir avanzando en la solucion de dijo problema” através da “critica social latente que en él se ejercita”. Tire die ‘ solucién, no quiere darla, porque entiende que cualquiera que diera seria parcial, exeluyente, limitada: quiere en cambio que el puiblico la dé, cada uno de los espectadores, ustedes, buscando y encontrando dentro de ustedes mismos la que crean mas justa. Y llevandola inmediatamente fuera de ustedes mismas, a la practica, conmovidos pero licidos.”!” Vinte anos depois: em Havana, ao lembrar a estréia do filme, Birri cita um outro fragmento do texto que leu naquela ocasiao: “La industria cine- matografica argentina ha alcanzado una técnica fotografica y sonora casi perfecta. Las imperfecciones de fotografia y de sonido de Tire die se deben a los medios no profesionales con los cuales se ha trabajado forzados por las circunstancias, las cuales al obligar a una accion y a una opcién han hecho que se prefiriera un contenido a una técnica, un sentido imperfecto a una perfeccién sin sentido” —e coment si que esta planteado en sus origenes la problematica de un cine imperfecto,”!® Na Franga, ao recordar seu primeiro contato com Tire die (num dia de 1958, “en la Asociacién de Cronistas, a las tres 0 cuatro de la tarde”), Fernando Solanas disse que o filme explodiu na tela como “la verdad en esa absoluta ficcion en que viviamos”. “La propuesta de un cine documental en esa Argentina de ficciones era... salir a redescubrir la realidad, que era la gran ficcién. Viviamos en un universo de ficciones”, e o cinema documen- tirio proposte por Birri era como “ir a un encuentro al revés de la poesia y del suefio: hacerlos realidad, hacer realidad ¢l concepto, el compromiso, descubrir la realidad”.!? ‘no da [Pensar a realidade, lembremos as palavras do poeta portu- gues Fernando Pessoa, ¢ ser imperfeito: “© espelho reflete cer- to; nao erra porque nao pensa. Pensar é essencialmente errar”.| Uma outra idéia se acrescenta aquela primeira de que o cinema deveria nascer de uma vinculacdo direta com a realidade: ele deveria ser imperfei- to, ercado, ou pelo menos mais preocupado com as coisas que queria di- zer que com a técnica a ser empregada para dizer estas coisas. “Les yoy a contar mi propia picara historia con palabras que a lo mejor no serdén muy floreadas, hasta imperfectas, pero sinceras, eso si”, diz Dolorcito Gaitan falando diretamente para o espectador, para se apresentar ao lado da fami- lia, a mulher, Dona Optima, e seus filhos no prologe de Los imerdados. 48 José Carlos Avellar *Es fundamentalmente una pelicula de apoyatura documental. Pero al mismo tiempo se propone, por supuesto, contar una historia, Cuando consigue unir los dos objetivos se logra un fresco auténtico”. O estilo pro- curado é “un lenguaje de tipo primitive, ingenuo. En todo caso ha sido un desalifio proyocado, He querido, ante todo, que Los inundados sea un film gastado por la mano del hombre, que responda alo que es mi concepeién poética de la vida. En esto debe verse, abiertamente, una intencién polémica. Creo que hay que romper del todo con el cine de los trajes recién planchados, de las mujeres bien peinadas. En sintesis, el film tiene, en mi opinion, un trabajo formal importante, lo que ocurre es que esta al servicio del contenido. He querido que fuera el propio tema, la problematica dela obra, la que me dictara — me impusiera — la forma.”7" Vineular-se 4 realidade, apoiar-se no documental, buscar novos es- quemas interpretativos, abrir-se mais ao contetido que 4 forma: “Si ésta no es una solucian global ni defimitiva, es, por lo menos, un principio de solucion en las actuales contingencias, valida para la produccién independiente de los pafses cinematograficamente desarrollados y, mas, de los subdesarrollados”. Esta maneira de “imaginary hacer un film, con los medios no que se quiere sino que se puede, va a condicionar, a su vez, una forma de lenguaje, en el mejorde los casos un estilo, fruto de causas econ6- micas y culturales concurrentes. Las limitaciones técnicas de toda indole, para nosotros, cinematografistas latinoamericanos, deben transformarse en nuevas soluciones expresivas, si no queremos correr el riesgo de quedar paralizados por ellas."*! “Personalmente, me interesa un cine realista, nacional y popular. Aunque esto pueda parecer un slogan de decepcion, no tiene, como con- cepto, nada que ver con la politica 0, mejor, tiene que ver con una politica que hubiéramos querido que fuera. De cualquier forma, un cine que res- ponda a estas instancias es anterior a un programa publico, que puede ser coexistente y, a veces, hasta posterior.”*# O que nasce com Birri em Santa Fe, nasce ao mesmo tempo no Rio com Nelson Percira dos Santos; a mesma vontade de se manter vinculado 4 realidade, o mesmo entusiasmo diante do neo-realismo italiano — que Nelson conheceu mais de perto numa breve viagem a Paris em 1949. “No pés-guerra estavamossaindo de uma ditadura, quando sé se podia ver praticamente cinema americano. Era dificilimo ver um filme de outra origem. Quando terminou a guerra veio de repente aquele impacto: neo- realismo, Rosselini... a juventude toda ficou muito entusiasmada pelo que viu do cinema italiano. Do ponto de vista da producao, o trabalho deles era uma grande li¢ao para quem pretendia fazer cinema num pais como o nos- so, do mais tarde chamado Terceiro Mundo. O povo é o ator, nao ha estre- A Ponte Clandestina ~ 49 las. Nao ha necessidade de muita grana. Nao se precisa de estidios, Onegocio era ir para a rua ¢ filmar. Essa foi a grande ligao do neo-realismo”.”4 Em Paris, através do pintor Carlos Scliar (“ele fez um programa com todos os filmes que eu deveria ver na Cinemateca”™) e de Rodolfo Nanni (futuro diretor de O saci, 1951, onde Nelson iria estrear como assisten- te), conhece também Joris Ivens e suas idéias de um cinema que deve “pro- curar expressar, com toda simplicidade, a vida profunda do povo, suas lu- ras, seus desejos, seus sucessos, sua imensa sede de verdade”; um cinema onde “uma técnica primitiva faz menos mal que a glorificagao da técni- ca”, porque “uma técnica nasce para exprimir uma mancira de pensar, de ser, e necessariamente ela nao é a melhor para todos os artistas. 24 De volta ao Brasil, diante da Vera Cruz, do projeto de uma grande indistria montada com técnicos importados para garantir um cinema de técnica “comparavel a qualquer filme estrangeiro” surge “uma vaga consciéncia de que aquele tipo de cinema ia contra a diregao do process de evolugao do cinema no mundo”.2) Aiicomega a oposicao ao filme feito no estiidio e 4 forma tecnica- mente perfeita. Comega a discussio do conteido no cinema brasileiro, € ocaminho que levaria a Rio, 40 graus (1954) € Rio, Zona Norte (1937). “Cinema brasileiro na verdade sera aquele que reproduzir na tela a vida, as hist6rias, as lutas, as aspiragdes de nossa gente, do litoral ou do interior, no arduo esforgo de marchar para o progresso, em meio a todo 0 atraso ¢ a toda a exploragio impostos pelas forcas da reagao”, escreve co- mentando o filme Caigara.® E logo, em comunicagao enviada ao Primeiro Congresso Paulista de Cinema Brasileiro — titulo: O problema do conteri- do no cinema brasileiro —, fala contra a tendéncia a deixar de lado a dis- cussao do contetdo, como questao “puramente de ordem cultural ¢ estéti- ca”, para se dedicar ao estudo dos “empecilhos e dificuldades do nosso ci- nema”, que sc verificariam apenas no plano econémico e financeiro”. Esta maneira unilateral de enfrentar o problema traz como consequéncia “orisco de subordinarmos os valores humanos aos interesses do lucro. Os filmes nao sao como as outras mercadorias. O cinema esta intimamente ligado, como arte, as experiéncias humanas, a cultura do nosso pove”. Precisamos, por isso, “relacionar o problema do contetide com os demais problemas do cinema brasileiro” pois na verdade “ao espectador interessa a historia, muito mais que a técnica”, interessa um/assunto que, “narrado com forga e vigor, comealor, Ihe dé o reflexo de suas experiéncias humanas”. O problema ¢ duplo: trata-se de “encontrar uma linguagem original, adaptada a nossa ins- piracao artistica e 4 nossa cultura, e participar, com nossos limites, da des- coberta e da transformagao do Brasil pelo seu povo”.*’ Anos mais tarde acres- centou; “ndoera cinema simplesmente o que nés querfamas, era cinema bra- sileito”; e “aparato de produgao, corregao gramatical de linguagem, bons ~ Wenicos, equipamento, etc., tudo isso nfo era essencial para se eriar um José Carlos Avellar cinema brasileiro, ou pelo menos nao era condigao sine qua nan, enquanto que relacionar-se com a nossa realidade era”. Naquele instante uma coisa era clara: “o cinema existente nao expressava a nossa realidade, nao tinha representatividade cultural”. A literatura dos anos 30 “havia dado expres- sao estética aos problemas do poyo. Queriamos fazer a mesma coisa com o cinema, Isto s6 seria possivel criando uma forma propria de expressao, nao usando uma preexistente, como fazia a Vera Cruz.7?8 “Minha geragao estava profundamente ligada aos problemas do pais, preocupada em estudar o Brasil, ler os autores brasileiros, os sociclogos, e buscando uma participagao politica muito acentuada, participagio esta no sentido de transformar essa realidade”.*? A posigdo engajada “levava a procurar uma responsabilidade do intelectual perante a sociedade, seu dever para comela”..” “Esta sintese entre fazer cinemac discutir nossa realidade foi encontrada no modelo italiano, no neo-realismo, Um modelo que inspirou na época outros paises em desenvolyimento, como a India, varios paises da Africa, da América Latina, ¢ o Canada inclusive. Isto significava nao contar com a intermediacao do capital para se fazer um cinema nacional: o autor ea rea- lidade, o povo comoartista... ¢ todos aqueles principios do neo-realismo” 3! “Tinhamos uma sélida fonte teGrica, no que diz respeito especifica- mente ao cinema, que era Zavattini”. “A gente néo se apoiava propria: mente no sistema de idéias dele, eram mais frases, Tinha uma que eu dizia o tempo todo: o cizema deve procurar a verdade; a poesia vern depot. Achayamos Zavattini muito bom, mas diziamos que ele tinha uma visio apolitica da realidade; nao bastava denunciar os fates, como ele fazia, era preciso também apontar salugdes”.*? O desejo de transformar a realidade, e nao apenas denunciar os fa- tos, levou Nelson a buscar o equilibrio entre duas posigGes extremas, o neo- realismo eo surrealismo: “Na minha histéria como homem de cinema existem duas grandes figuras marcantes: Rosselini ¢ Buftuel, Rossclini me formou, Buiiuel é o que cu gostaria de ser” Birri buscou equilibrio semelhante entre uma atmostera neo-realista eum estilo antinatural: “fundamentalmente, sin embargo, creo que puede citarse dos puntos de arranque. Uno es Milagro en Milan de Zavatrini-De Sica. El otro deriva de la concepcion brechtiana sobre el espectaculo dra- matico, segtin el cual/es preciso establecer una distancia, un margen de objetividad, entre el espectador y la obra. Aspiroa que el espectador se yuelque hacia mi pelicula en un acto de adhesién, de comunicacion, pero no enuna actitud hipnética. Quiero dejarle, y estoes esencial, un margen de independencia, de autonomia reflexiva”.>* A Ponte Clandestina om O que pegou Birri em Santa Fee Nelson no Rio pegou tambem, nes- te mesmo instante, metade dos anos 50, um grupo de criticas em Belo Horizonte. Reunidos em torno da Revista de Cinema, que comega a cit- cular em abril de 1954, eles propSem uma revise do método critico a partir de Rosselini, o cinema “primeiro uma questao de ética e s6 depois uma questo de estética”, e de Zavattini, ocinema “fora do espetaculo ede todas as ‘ficgdes’ que o espetaculo exige”. O debate toma conta dos cez primei- ros ntimeros da revista. Comega com um texto de Cyro Siqueira, segue com a reprodugao de trechos de entrevistas de Zavactini, se amplia com Alex Viany, Salviano Cavalcanti de Paiva e Fritz Teixeira Salles, ¢ novos textos de Siqueira, outras citagdes de Zavattini, de Rosselini, de Guido Aristarco, de Umberto Barbaro e de Luigi Chiarini. Os novos caminhos abertos ao cinema depois da guerra exigem uma revisio do método critico, alerta Cyro Siqueira no primeiro numero da Revista de Cinema. Alex Viany concorda logo em seguida: a revisao “tor- na-se indispensével em vista dos avangos mecanicos do cinema (alteragao no tamanho das telas, processos de cor, estereocinema, estereofonia, cine- mascope, etc.)” e em vista “das experiéncias cinestéticas de realizadores novos & antigos” que, desrespeitando “regrinhas aparentemente ja estabe- lecidas, penetram por caminhos diferentes dos usuais”’. Desprezam “as normas estéticas do cinema, substituidas pelas pesquisas em diregao a re- alidade devidamente mostrada sem artificios”*. Partem do principio de que “a arte nao deve ser privilégio de uns poucos (a pretensa “clite”) em detrimento da maioria (a “plebe”)?.47 Primeiro, citagdes de Zavattini: “A mais importante caracteristica, ¢ a mais importante inovagao do chamado neatealismo, é ter compreendido que a necessidade de uma “his- téria” era apenas uma maneira inconsciente de mascarar uma derrota humana ¢ que a forma de imaginacao que ela envolvia era simplesmente uma técnica de superposigao de esquemas mortos sobre fatos sociais vi- vos. © neo-realismo se deu conta, em suma, de que a realidade é extrema- mente rica, basta saber olhar para ela. E de que © papel do artista nao é levar as pessoas a se emocionar ou a se indignar com situagées metafori- cas, mas levd-las a refletir (e, se quisermos, também a se emocionar e a se indignar) sobre coisas reais, exatamente como elas sao”. “Gostaria de ter chegzado a esse resultado muito antes. Mas s6 fiz esta descoberta no final da guerra. Foi uma descoberta moral. Eu vi finalmen- te © que se encontrava diante de mim, e compreendi que fugir da realida- de significava trair a realidade”. “Neo-realismo significa também eliminar o aparato técnico profissi- onal do cinema, incluidos af os roteiristas. Manuais, formulas, gramaticas nao tém mais aplicacio alguma, Nao existem mais termos técnicos: cada 52 José Carlos Avellar um tem o seu jeito pessoal de fazer um roteiro de filmagem. O neo-realis- mo quebra com todas as regras, rejeita todos os canones que, de fato, exis- temsé para codificar as limitagGes. A realidade quebra todas as regras, como podemos descobrir se saimos a passeio com uma camera para descobritla”. “Antes, se alguém pensava num filme, digamos, a respeito de uma greve, era imediaramente forgado a inventar um enredo. E a greve se trans- formava apenas no backgrourd do filme. Hoje, nossa atitude seria a de uma “revelacao”: nds desereveriamos a greve em Si, tentariamos extrair 0 maior nimero possivel de valores humanos, morais, sociais, econGmicos e poéticos da nudez do fato documental”. “A tarefa do artista é levar o homem a pensar nas coisas reais que ele faz. O neo-realismo, tal como 0 entendo, exige que cada individuo seja o ator de si proprio. Usar um homem para representar um outro exige que a histéria seja previamente pensada, Devernos nos esforgar para mostrar coisas reais, nao fabulas. Fiz uma tentativa deste género com Caterina Rigoglioso, mas no tiltimo momento tudo falhou. O produtor achou que Caterina nao servia para representar Caterina no cinema. Mas nao era éla mesma a Caterina2?”2* Diante do neo-realismo, que aponta para “um retorno 4s fontes do documentario, para o filme puro, 0 antiespetaculo”, conclui Siqueira, a critica tem que “rever seus processos”. Perguntar-se se 0 cinema nao de- veria ser assim como sugere Chiarini (“o espetaculo é uma evasao da rea- lidade”. “O roteiro deve ser eliminado da construgao cinematografica”) citando o exemplo de La terra trema, onde pessoas de verdade vivem o seu cotidiano diante da camera, com os didlogos escritos por Visconti no instante da filmagem com a participagio direta ¢ criativa dos proprios in- térpretes.*? *O filme deve ser tao auténtico ao ponto de nao ser redigido previamente”, reitera Fritz Teixeira. “Deve nascer com a filmagem para emergir dos proprios fatos, da vibrago mesma da vida que palpita em torno do cineasta, Zavattini foi explicito nesse sentido. Por conseguinte, a for- ma é inteiramente condicionada pelo contetide de onde parte e se desen- volve a idéia e o plano arquitetonico do filme. Portanto, ¢ 0 conteido que conduz o artista 4 sua forma” “No realismo esta a solugao do cinema, da arte do filme como de qualquer outra arte”, prossegue Salviano, “A natureza da obra dramitica, da arte narrativa, nao esta nem poderia estar na técnica de sua construgdo, nos procedimentos formais separados dos legitimos problemas da vida. Os filmes devem ser feitos com realismo; a critica deve analisar com realismo: ¢is a solugao, Abaixo, pois, os que acre- ditam apenas nas categorias formais, em um cinema escolastico, artistico- especulative, académico no pior sentido, desligado da yida!”*! Basta passar os olhos pelo debate em torno da revisao do método eritico para reconhecer um bom ntimero de frases que aparecem adiante A Ponte Clandestina 53 nas varias conversas sobre o cinema latino-americano. Mas nao convem imaginar a revista como um ponto de partida para a difusdo destas idéias entre nés: cla é principalmente um produto destas idéias, um exemplo de como o debate se encontrava aberto, de como as idéias do neo-realismo tiveram aceita¢ao entre nos. E ainda, convém insistir neste ponto, sem dii- vida os filmes do neo-realismo italiano, ¢ as discussGes que eles origina- ram, se encontram mesmo na base do cinema que surge (ec nao 56 na América Latina) a partir dos anos 50. Mas entre nos é bastante provavel que o neo-realismo tenha sido apanhado assim como sugere Nelson Pe- reira dos Santos: “a gente nao se apoiava propriamente no sistema de idéias dele, eram mais frases”, as frases que serviam as condicgoes de pro- ducio do momento ¢ ao ideal ainda nao bem definido de um cinema politizado, nao limitado a dentincia dos fatos, empenhado em apontar solugdes. Birri, Nelson, a critica em Belo Horizonte, tudo aconteceu quase 20 MesMo tempo e€, exageremos um pouce, aconteceu quieto no seu can- to, Nao foi propriamente a amplitude ou o rigor do debate que espalhou entre nés a idéia de um cinema inventado a partir da realidade, O deba- te, uma frase apanhada aqui, outra acola, veio em apoio a um desejo en- tao apenas esbogado: um cinema com forga igual a da coisa viva para dar uma imagem da vida como ela é&. Da nossa vida como ela é. Glauber conta que no final dos anos 50, entre filmes curtos e os textos em jornais, en- tre a Bahia e o Rio, passa em Belo Horizonte para procurar os criticos da Revista de Cinerza: eles tinham “revelado.o neo-realismo e a nouvelle vague, aprofundado a louvagao a Hollywood, reescrito a Cahters du Cinéma e descoberto o cinema brasileiro”. Por isso a idéia de propor “aqueles intelectuais o langamento do Cinema Novo; mas sou conside- rado visionarip; ¢ expulso de Belo Horizonte you ao Rio e levo o projeto a Nelson Pereira dos Santos, que estava filmando Rio, zona norte”. [Tudo isto que comecou com Birri em Santa Fe, ¢ ao mes- mo tempo com Nelson no Rio, ¢ que passou pela Revista de Cinema em Belo Horizonte, que partiu de uma troca de olha- res com o neo-realismo italiano — seguido de um dialogo com Eisenstein e Bufiuel —, eudo isto comegou de verdade bem an- tes dos anos 50: Na década de 20, no México, a pintura (como falamos de imagens em movimento, vejamos o movimento das imagens) viveu estas questées apanhadas pelo cinema anos mais tarde. Ampliou o debate. Colocou o problema contra a pare- de: trocou o quadro fechado numa moldura por um espago aberto, publico, maior ainda que a tela de cinema. As imagens dos filmes neo-realistas ¢ os textos de Eisenstein muito prova- yelmente serviram mesmo foi para esclarecer, analisar, confir- 54 José Carlos Avellar A Ponte Clandestina mar sentimentos, dtvidas, certezas, que se encontravam ja nos olhos de todos os que se surpreenderam um dia com as imagens de Orozco, Siqueiros, Rivera. Nos murais eles resolveram pro- blemas de enquadramento, iluminagéo, montagem € constru- cao dramitica que os filmes (ec nao apenas os latino-america- nos) sG viriam a resolver bem mais tarde. Em ensaios, manifes- tos, entreyistas, discutiram as relagbes entre a arte ¢ a politica quase assim como o cinema passou a diseutir no comego dos anos 60, Por exemplo: “Socializar el arte”; “destruir el indivi- dualismo burgués”; “repudiar la pintura de caballece y cualquier otro arte salide de los cireulos ultraintelectuales y aristocrati- cos”; “producir solamente obras monumentales que fueran del dominio piblico”; “materializar un arte valioso para el pueblo en lugar de ser una expresiGn de placer individual”; “producir belleza que sugiera la lucha e impulse a ella” —defende o Mani- festo do Sindicate de Pintores y Escultores Mexicanos escrito por David Alfaro Siqueiros e divulgado em 1922, ponto de parti- da para a pintura mural. “A nosotros nos toco llevar la pintu- ra ala calle, al muro, meterla en la vida nacional, y hemos trata- do de interpretar a México como es”, explica Orozco. Uma pintura que nao tenha “como héroes centrales de ella a los dio- ses, los reyes, jefes de Estado, generales heroicos, etcttera”, su- blinha Diego Rivera. O yerdadeiro “héroe del arte monumen- tal es la masa, es decir, el hombre del campo, de las fabricas, de las ciudades, el pueblo”. Uma pintura que nasceu “precisa- mente del contacto directo de los pintores con el pueblo, mas bien dicho: de que los pintores, todos los que la han hecho, eran parte personal de ese pueblo y actores directos en su accion revolucionaria; aunque algunos no hubieran tomado parte con las armas en la mano, vivieron el tiempo de la revolucién, y la reaccidn directa de esa vida suya constituy6 la médula de esa pintura” que tenta nos muros “plastificar en una sola com- posicién homogeénea y dialéctica la trayectoria en el tiempo de todo un pueblo, desde el pasado semimitico hasta el futuro cien- tificamente previsible y real”.4* Na pintura de entao a preacu- pagio que explode uma vez mais, com forga idéntica ou mai- or, no cinema dos anos 60: a busca de uma identidade latino- americana. Orozco, nos muros e nas suas notas biograficas, propGe o mesmo que especialmente Glauber, Solanas ¢ Sanjinés discutem em seus filmes e teorias. Uma imagem se discute e prossegue na outra: “No sabemos atin quiénes somos, como los enfermos de amnesia. Nos clasificamos continuamente en indios, criollas y mestizos, atendiendo séloa la mezcla de sangres, como se se tratara de caballos de carrera, y de esa clasificacion han surgido partidos saturados de odio que se hacen una guerra a muerte, indigenistas ¢ hispanistas. Por este caminho habra muy Pronto otros partidos formados por la inmigracidn. No sé si en la Argentina haya uno italianista y en el Brasil anden ala grefa el germanista con el portugalista y el japonesisca”."5 Partir em busea de nossa identidade significa colocar a arte ao lado do trabalhador comum, acrescenta Rivera: “Los trabajadores no quieren hacer esclayos de esos senores que se llaman dizque los intelectuales; pero exigen que esos sefiores se sientan iguales al trabajador y no superiores a él, porque el que tiene mas co- nocimiento tiene mas obligaciones porque puede comprender todavia mejor de qué lado esta la Justicia, y sino lo comprende no tiene ninguna disculpa y el trabajador tiene derecho de aca- bar con él sin mas averiguaciones; porque el que se ha podido instruir con el dinero que el pueblo paga y no comprende que la Justicia esta de parte del pueblo, es un criminal que no necesita de juez y un enemigo al que no se le debe dar cuartel”,4¢ O problema, complementa Orozco, “puede plantearse en otra for- ma: es el artista el que crea una obra que va a ser impuesta a la colectividad “por la razén o la fuerza”, como dicen los chile- nos, o es la colectividad la que tiene que imponer al artista su gusto y sus preferencias”, O problema se apresenta quando se parte em busca de uma arte politica, militante, uma “pintura de combate para incitar a los oprimides a la lucha por su libe- racion. Este punto es todavia demasiado oscuro para saber de un modo preciso lo que significa. ;Cuando una pintura o una escultura es capaz realmente de provecar en el que la contem- pla procesos mentales que se traduzcan en acciones revoluciona- tias? ¢Cuando es realmente subyersiva? Es verdad que la iglesia catélica ha usado de las artes en general y muy especialmente de las plasticas para avivar la fe y la devocion. El creyente rea- cctona siempre a la vista de un Crucificado o de una Dolorosa; pero es el caso que en los templos protestantes y en las mezquitas no hay imagenes y también se nota el mismo avivamiento. En caso de haber una influencia revolucionaria decisiva de las ar- tes sobre el espectador, debe estar condicionada Por circuns- tancias todavia desconocidas y otras puramente ocasionales”. O certo € que “pintar en muros publicos es, obviamente, una gran responsabilidad para el artista, Porque cuando una nacion le otorga su confianza, el pintor aprenderd, pues se desenvolvera José Carlos Avellar y, al fin, cobrara dignidad artistica. Nada le proporciona mas valiosa experiencia © mayor disciplina que la oportunidad de pintar murales bajo tales condiciones”.*7 Na metade dos anos 50, de olho no neo-realismo italiano, o cinema latino-america- no apanha através de um olhar enviesado quest6es vividas aqui mesmo um pouco antes, E repete, hasta cierto punto, a discus- sao viva que se den coma pintura mural mexicana: nossa iden- tidade seria talvez inconclusa, a procura e ndo necessariamen- te 0 encontro, toda possibilidade, aberta, em movimento, ain- da nao cristalizada. Depois de se perguntar “Quem somos, que cinema ¢ 0 nosso?” Glauber da nao uma resposta, mas uma seric de caminhos cruzados para pensar a questio: “Nossa origina- lidade é nossa fome”. “As rafzes (ndias e negras do povo lati- no-americano devem ser compreendidas como a unica forga desenvolvida deste continente”. Possuimos “recursos culturales gcandes”, acrescenta Sanjines, “y debemos expresar nuestra lucha buscando nuestra propia identidad, una personalidad muy ligada ideologicamente a la cultura popular”, porque, continua Glauber, “um pais subdesenvolvido nao tem necessariamente obrigagao de ter uma arte subdesenvolvida”. Nossa cultura, en- quanto enfrenta o subdesenvolvimento, lembra Solanas, “en tanto impulsa hacia la emancipacion, seguira siendo, hasta que esto se concrete, una cultura de subversién y por ende llevara consigo un arte, una ciencia y un cine de subversion”. Inserido no processo cultural, o cinema, diz Glauber “devera ser, em Ultima instancia, a linguagem de uma civiligagaéo. Mas que ci- vilizagao? Terra em transe, o Brasil é um pais indianista/ufanista, romantico/abolicionista, simbolista/naturalista, realista/parna- siano, republicano/positivista, anarco/antropofagico, nacional popular/reformista, concretista/subdesenvolvido, revoluciona- ria conformista, tropical estruturalista, etc. etc.”"] “La historia no se repite”. Numa entrevista durante o Primer Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana, em dezembro de 1979, para destacara necessidade de manter a imagem em movimento em movimento perma- nente, e assim evitar o erro de “repetir modelos que de alguna manera han cumplido su ciclo historico”, Birri reitera; “el presente es el presente, y esto que puede parecer una obviedad' lo es menos si nosotros en este presente continuamos repitiendo formulas, modelos, arquetipos validos para mo- mentos histéricos precedentes”.? A Ponte Clandestina Algo no gue ele diz parece pensar o cinema que estavamos fazendo naquele momento; algo parece sonhar o que fazer (ou a atitude a adotar diante do que fazer) a partir daquele momento em que o novo cinema la- tino-americano realizava seu primeiro festival. Quando diz que a histéria nao se repete, que el presente es el presen- te, quando sugere que é preciso inventar novas formas, Birri parece estar pensando no filme que acabara de apresentar [agosto/setembro de 1979) na XXXVI Mostra Internazionale del Cinema de Veneza, Org, “fundamen- talmente una experiencia” feita na Italia mas longe do neo-realismo ado- tado com entusiasmo no comego dos anos 50, “Mi experiencia parte de Por un cine nacional, realista y popular y llega a Por 1% cine cdsmico, delirante y lumpen. En todo este arco no hay una negacidn sino una enor- me expansién”. Org nao pretende “negar, ni mucho menos renegar, todo lo que he hecho. Creo simplemente expandirlo, darle una dimension que anteriormente no tenia porque mi vivencia actual no es, obviamente, la de un hombre de hace veinte afias atras”, De novo na Italia, mas agora “mas que nunca un cuerpo extrafio”, pois sua permanencia neste novo periodo. “ha sido marcada por el no haberme integrado, el haber e fe gi do (por- que es una eleccién) el no integrarme. El haberme as umido, sin disfrazarme, por lo que soy, dolorosamente: un desarraigo, con todo lo que ésto impli- ca. Pero el haberme asumido también en este desarraigo la condicién del latinoamericano que soy y que no puedo dejar de ser”. Org expressa esta “deliberada automarginalizacién”. “Es una pelicula hecha por un latino- americano en Italia”, participa das dificuldades e contradigdes “enfrenta- das por muchos cineastas latinoamericanos que se han visto obligados, por los tragicos hechos histéricos de nuestra gran patria durante los tltimos afios, a proseguir su trabajo cinematografico en el exilio”.*" Ao mesmo tempo, a0. chamar a aten¢ao para a desintegragao la fora eo perigo de repetir aqui dentro modelos validos no passado, Birri parece estar pensando numa outra possivel experiéncia formal dentro do impulso documental que se encontra na base do novo cinema da América Latina. Uma experiéncia que expresse uma deliberada integragao; “lo que debemos exigirnos son nuevas saluciones, pasos siempre mas adelante, mas avan- zados en el analisis y compreensién de los problemas de nuestra realidad y pasos siempre mas avanzados en las formulaciones expresivas de esta realidad”. Assim como estamos “experimentando con la realidad”, neces- sitamos experimentar no cinema “con sus propios recursos”. E fundamental buscar transmitir nossos noves “temas y problemas con nuevas maneras, con nuevos lenguajes, con experimentaciones de lenguaje que de alguna forma traduzcan esta nueva vision critica y creativa”.*! O que muito provavelmente se encontrava na cabega de Birriem 1975 era um cinema vizinho daquele que Glauber sugeriu em 1971 com sua Es- 58 José Carlos Avellar tética do sonho: um cinema que “quiere colocarse en relacion con el espec- tador a nivel de experiencia, de busqueda de lenguaje y de significado, no enun plano racional, sino en un plano visceral, masala de la razon. Se dirige al subconsciente del espectador, al consciente individual y colectivo” 3* O que importa é “no frenar jamas tu imaginacién”, colocar-se “sin temor frente a lo imaginario, porque el imaginario es el fururo, es la uto- pia, es la liberacién y en ese sentido creo que no debe haber censura y mucho menos autocensura para lo imaginario”.** Org, explica o diretor, resulta deste colocar-se sem medo diante do imagindrio: o titulo “es una palavra inventada, pero al mismo tiempo es la rai de tantas palabras cuantas ta puedas hacer derivar deesta raiz y cualquier palabra que tti hagas derivar de esta raiz me funciona bien como titulo de esta pelicula, que por otra parte yo hago llamar deno-pelicula. La hago llamar de no-film, porque en definitiva Org es una fabrica ideolégica, es un film poema, no un cine de poesia en cl sentido en que Pasolini llamabaa sus films, que eran magistrales, pero no en ese sentido de cine de poesia, sino film poema, que ¢s un concepto diverso porque es el cine que se asume asi mismo como poema, no para hablar de poesia sino para hacer poesia.” O ponto de partida é “un antigo euento hindi perteneciente al ciclo Las veinticinco historias del Vetala (genio que devora caddveres) narra- das por el genio al Rey Wikramaditya y titulado El dilema de la lavandera”. A partir dele Thomas Mann escreveu Die vertauschien Képfe lAs cabecas trocadas em 1936. O filme-poema de Birri situa seus trés personagens, Zohommm, sua mulher Shuick e seu amigo Grrr num futuro impreciso, “a]aunos afios después de la explosion del hongo atomico”. Depois de in- terrogar “una vieja sibila electronica sobre su mujer y el amigo”, confir- madas suas suspeitas, Zohommm se mata cortando a cabega. Grrr, ao descobrir 0 amigo morto também se degola. Vendo Shuick desperada com os dois suicidios, “la sibila le concede devolver la vida a los dos amigos”. Mas quando eles voltam a vida “las dos cabezas han sido cambiadas por equivocacién (20 no?). Nace una disputa entre los dos cuerpos con las cabezas cambiadas para decidir con quién ira ahora la mujer: zel hombre es su cabeza o su sexo?”5* © resumo da histéria diz muito pouce, porque © filme “es imposible de contar, Hay que verlo y escucharlo”.2° Iniciado em 1967, Org s6 ficou pronto onze anos depois, em 1978. “No es que yo haya trabajado diez aflos premeditadamente”, explica Birri. O tempo empregado para fazer esta “collage, una pelicula de montaje fun- damentalmente”, parece ter sido um periodo de reflexéo, uma etapa de “desmontaje”. “Pasé un dia por Roma Julio Garcia Espinosa y me dijo: Chico, cémo es que estdés empleando tanto tiempo para hacer esa pelted, entonces yo a Julio, que es mi hermano, le dije: Pero no Julio, no es que esté empleando tanto tiempo para hacer esta pelicula, sino para deshacerla”, para A Ponte Clandestina 59 chegar a uma forma desintegrada capaz de expressar a desintegragao, O resultado deste experimento é um filme que pretende ser como uma man- cha de Rorschach. “Me explico un poca mejor. Tii sabes que en sicologia se realiza una experiencia que se llama las manchas de Rorschach, que son unas goticas de tinta en una hoja, cierras la hoja por la mitada, pegas las dos mitades, abres y aparece una mancha, en esa mancha algunas personas identifican distintas cosas. Uno les pregunta squad ve usted aquiz, entonces hay quien dice: una mariposa, hay quien dice, con la misma mancha: un mucciélago, y hay quien dice: una mancha. La pelicula esun poco con respecto al espectador, o queria aspirar a que fuera, una mancha de Rorschach, o sea, que el espectador viendo la pelicula terminara de completarla dentro de simismo, y sobre todo, mas que ver la pelicula, se viera a si mismo reflejado en la pelicula. Es decir, que ella fuera un estimulo y, por qué no, una pro- yocacién para poner al espectador activamente frente a si mismo.”°? Na apresentacao na Mostra de Veneza, 0 projeto (“uma operagao impossivel, mas que por isso mesmo ¢ preciso tentar”) ¢ detalhado em longo comunicado aos diretores do festival, Carlo Lizzani e Enzo Unga cons- trugaéo “un container de energia”, espécie de “labirinto, escadaria do Po- temkin, percurso inicidtico, portao magico, camera escura, caverna de Plato”, ambiente especial para a projecao deste nao-filme. E, além da ambiéneia particular, o Manifesto do Cosmunismo, ou comunismo cos- mice, ¢ uma selegao de notas do diario de trabalho.** “OQ olho tem meméria curta”, diz uma das notas. “O olho olha sempre ho presente (c nisto se parece com o cinema que mostra sempre no pre- sente}; se olho a ponta de meu nariz ja esqueci (ou estou comecando a esquecer) o fio de cabelo que vi um instante atras na minha testa. E por isso que s6 uth cinema de golpes rapidos, um cinema que mostre uma imagem ao olho antes que o olho — nao o cérebro, ndo o cértex cerebral —tenha tempo de esquecer o que acabou de yer pode gerar esta associa- cio do olho (livre de significagées) pois, contrariamente 4 meméria do cé- rebro (educado-deseducado, determinado, deformado pelas superestruturas logicas, unilateralmente racionais), esta memGria do olho (ao contrario da memoria prosaica do cérebro) é uma s6, uma memoria poética. Uma lin guagem como um toboga, de um cinema que nao quer falar ao cérebro mas as entranhas, um cinema que quer imobilizar, paralisar, reter, suspender, destruic (antibrechtianamente) os mecanismos logicos e racionais do pen- samento (destrui-los, ndo reforma-los), Fazer terra arrasada e partir de novo do zero primordial, ancestral, do primeiro olho que viu a primeira luz”. Noutros termos, “trata-se de excitar a capacidade perceptiva do olho (ace- lerando esta capacidade) até inibir os mecanismos da memoria analit (os encadeamentos, as associagGes, as relagdes estabelecidas pela memd- ria légica) substituida por uma livre associagdo, espontanea, resposta in- 60 José Carlos Avellar controlada, impossivel de controlar, que obriga o olho a responder sem ter que olhar uma segunda vez, quase sem poder sequer olhar uma primeira vez”. Ou ainda, como diz uma outra nota, “nfo a aplicagao mas a recu- peracda, releitura, da escrita automatica, surrealista, transformada em mon= tagem automdtica (ou montagem espontanea, antiautoritaria, casual). A experiéneia sensorial (a resposta sensorial) ¢ mais universal, mais comum, que a resposta intelectual,”*” “Cosmunismo, cosmico ¢ magico, para entranhas pensantes”, diz 0 manifesta: *_., por um cinema cOsmico, delirante e ltimpen, ainda inteiramente a discutir quanto aos métodos e tempos de filmagem ¢ montagem (mas toda a operacdo é a demonstragao da materializagao da Utopia), loucura e rigor de maos dadas pois nao ha revolugio duravel sem revolugao da linguagem: cinema a partir do zero para experimentar Org como um nao-filme, ou noutras palavras,como uma experiéneia com cada espectador (para os loucos somente) ainda inteiramente a discutir quanto aos métodos e tempos de fil- magem e montagem para testar um cinema para mutantes, um cinema to- tal Org-experimento, como experiéncia/esperanga de comunicagao.” Escrito como um circulo, “ou espiral, ou uma descida em toboga, com yoltas em torno de si mesmo, com repeti¢6es”, como se mais importante que tudo Fosse “montar um ritmo, uma pulsagao, um moto-continuo”, o manifesto insiste em alguns pontos: um ndéo-filme para um ptiblico; nao para a massa, mas “para uma reuniao de individuos espectadores”; um “filmunculus, um poema artesanal, contra-industria, herdeiro dos mostra- dores ambulantes de lanternas magicas, um filme mancha de Rorschach, comunismo sensual césmico, delirante ¢ limpen, imaginagao solta, lou- cura e rigor e maos dadas”.°° Nao uma simples *expansién de la imaginacion en abstracto, si ode laimaginacién revolucionaria”, que, “suelta, liberada, desencadenada”. é complementada “con una medida de extremo rigor, con lo que otro viejo, mucho mas viejo y obviamente mucho mis ilustre, Leonardo, lla maba obsti- nato rigore”. “Creo que frente a nuestro trabajo tenemos que colocarnos enuna actitud vital, con una actitud de enorme carga poetica, con una actitud de energia poetica, haciendo jugar estos dos elementos: lo imaginario y el rigor, entendiendo por rigor todo lo que de alguna manera nos lleva ano ser aproximativos, a no manejar con imprecision los elementos expresivos de nuestro artesanato, que son la base de nuestro arte, haciendo que todo lo que en nosotros es exaltacidn creadora se encauce a través de formas meditadas, a través de una reflexion conciente”. “Todo lo que es subconciente creador se encauza a través de lo que es una reflexion conciente adquiriendo rigurosa forma.”*! A Ponte Giandestina

You might also like