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O GRIXA DO DESTINO IFA O ORIXA DO DESTINO O Jogo do Opén e do Opéla 1 PREFACIO ABORUBOYE? Com entusiasmo, prazerosamente, a pedido do autor, estamos introdu- zindoestaobrasingular. que ¢ {ruto de incansaveisestudos. pesquisasde campo econclusdes de longos e persistentes anos de investigacdes. Aparentemente foranea, suas conclusdes. demonstra-nos sélidos conhe- cimentosno campo da Antropologia. da Htnologiae, principalmente, de Psico- logia Interdimensional. Sim, Psicologia Interdimensional.a Ciéncia Analogica que interpretae interpenetra, segundo a Lei dos Ciclos ¢ Ritmos Césmicos.o sentido oculto, Cabalistico dos Oraculos. Esteopusculo — [1 —O Orixa do Destino —-disserta,explicae resgata, analogicamente, cientificamente o pensamento mistico afticano relative aos oraculos, muito especialmente sobre os matematicos c fildsoficos —Opele-Ifa eOponifa. Todo discurso pode ser expresso ou enfocado sob 0 aspecto cdsmico, holistico. de sintese. ou de analise. analitico, objetivo. relativoadeterminado povo ouraca, num determinado espago de tempo. Este tratado. expresso nesta magnifica obra. se direciona, se move e se desdobranos aspectos analiticos. O Autor— Mestre Itaoman—no firme proposito de ressaltar a Tradigdo Oral Yorubana, expressa nos varios optisculosjé escritos por autores nacionais cestrangeiros, teve de fragmentar. analisar em pormenores o mistério de If. E, pois. um estudo. essencialmente cientifico, e que buscou preservar,e mesmo resgatar, o pensamento Africano tio mal compreendido, ¢ nao raras vezes, vilipendiado. Outros autores. especialmente Bascon ¢ | lerskovitz. exaustivamente tentaram demonstrar a sistematica oracular do grupo étnico Yoruba, mas esbarraram na falta de vivéneia inicitica, a visio desde dentro. Portante. por mais fidedignos que fossem seus estudos. atinham-se simplesmente. embora Kees SENTRA PRA oat Ls > " ae a ee Ni a AN NN ae ah ot ot aspectos da logistica, da visa al lad 10 critica, pragmatica sacerdotal de 14. 6 Mestre Itaoman Com o Mestre Maoman — Irmiio de Fé Iniciado sob os auspicios da Augusta Raiz de Guiné — estes escolhas foram sabrepujados. ¢ outros conceitos, frutos de seu vivencial ¢ de seu poder intuitive —atavico, foram desvelados e analisados 4 luzdarazao. No que concerne a dialética, ao discurso atricano sobre a arte de interpenetrar o destino dos seres. esta obra. além de completa, étinica. Emborasetorizado c restrito ao espago-tempo, temos plenaconsciéncia que este Conhecimento, o da Arte Oracular— Opele Ifa e Oponifa — niio & exclusive aos irmaosatricanos. E um conhecimento césmico. que acreditamos remontarem todasuareal purezaa Raga Vermelha. a primeira humanidade. Esta ressalva so enobrece e engrandece o trabalho do Autor. que ¢ plenamente cOnscio desta verdade. Nesta sua obra. Mestre Itaoman professae encarna o verdadeiro Baba- tundé (0 pai retorna), desvelando 0 arcano de como, segundo a [radi Yorubana., interpenetraro émago do destino, o qual ¢ expresso, com macstria em If Orixa do Destino. Obra impar e de escol. a qual resgata definitivamente a arte oracular expressana Teogonia de Ifa, segundo oconceito Yoruba. Adeptos ou estudiosos dos Cultos A fro-brasileiros, e mesmo os interes- sados nas artes oraculares, aqui encontrar’o 0 substrato devido as suas conclusdes, Penetremosnas paginas olertadas por Babatundé (Mestre |iaoman) elas nos oferecemaantologia do Orixa.do Oraculo dos Deuses—de lfa—"A Voz Harmoniesado Verbo™. E.como diriam os Sacerdotes de If, os Verdadeiros Babalawés, diante do Mistério dos Mistérios. -ABORUBOYE? ABOYE BOSE MOJUBAORUNGAN IFAT’OSO BERE FUN AGO... MO JUBABARE EEPA BABA ODU! F. Rivas Neto— IFAT?OSO Mestre Arapiaga (Mestre de Iniciagdo da O.I.C.D.) AGRADECIMENTOS Primeiramente. agradeco a Deus por ter-me concedido a compreensaa, a perseverancaee até a obstinagao necessarias para suportar o esforge mental, moral, espiritual ¢ fisico, a que me impus por tantos anos de estudos. priticas, pesquisas etrabalhosenvolvidos naconsecugao do manuserito do qual este livro éo resultado: Ko Si Oba Kan Afi Olérw Nao ha outro Senhor, senio Deus!!! Depois, agradeco aos que me ensinaram sobre o Orixd Orunmila Ha: Ogbéda, Awon Babaliwo Ogjubona mi!!! Saudagées aos meus Babalawo Mestres de Ensino!!! Antecipadamente, agradeco a todos aqueles que vierem a polemizar-me por este livro: sera sinal de que cumpri minha fungdo, tirando-os de seus marasmos espirituais. Carinhosamente, agradego 4 minha esposa, Maria Lucia, por seu amor e seus cuidados materiais para comigo, para com minhas filhas c netes, por mais de trés décadas, o que me possibilitou a dedicacao 4 pesquisa e aos estudos. Ainda, agradego as minhas filhas carnais. Claudia e Andréa, por seu amor e apoio, especialmente i Andréa, pelo "empurrao" inicial para que eu deixasse de "tropecar" em meus escriipulos iniciaticos e informaticos para comegar a trans- formar, conscientemente, um manuserito (esoterismo) em um livro (exaterisma) sem depender de ninguém Genericamente, agradego aos amigos informatas Carlos Teixeira e Antonio Brandao e, também, em especifico, a um amigo muito nove ¢ querido, Eduardo Henrique Sanches Allemand, por terem ensinado a reencarnagao de um velhissi- mo Babatundeé uma novissima forma de magia moderna: a informatica, sem a qual i Rahinty : pees 2 RESIS Min eof oe cagatine on ee Oa rehearsal ve gE AER ETN, PO Og AEE TOT ETERNAL RESIS ogee ree SE SOROLIOS Com todos aprendi. a cada dia, sempre um pouco mais sobre Deus, sobre a Vida, sobre o Mestrado, sobre meu Semelhante e. finalmente, sobre mim mesmo. Sobretudo, agradeco a todos os que adquirirem um exemplar deste livro, pois, assim, estardio ajudando a divulgagao do milenar “Jogo do Ifa”, permitindo. desta forma, a methor compreensao do vindouro TOMO II— O JOGO DO IE: que complementaré os conhecimentos aqui transmitidos. A todos, Adupé, OL. ou seja. Oh!, Muito Obrigado!!! Ivan Horacio Costa (Mestre [taoman) (Mestre de Iniciagdo do T.U.O.) Babatundé Oberefiin Si Ok'Gjimidé E ‘LARECIMENTOS As palavras de origem Yoruba seraio sempre grafadas com inicial maiiiscu- la, sendo 0 seu significado explicado no proprio texto que lhes seguir ou ne Glossario. No idioma Yoruba, a forma plural dos substantivas ¢ feita pela anteposigao do prefixo awon. significando “muitos”. O uso constante de “Awon” ficaria dificil e cansativo: desta forma, como tantos outros autores, optei por usar a forma singular do substantivo, ficando o sentido de plural a ser dado pelo proprio contexto da narrativa. Como a acentuagao das palavras de origem Yoruba varia de autor para autor, pais muitas obras etnograficas foram escritas e publicadas antes da existéncia das regras formuladas pelo Instituto Internacional de Linguas e Civilizacao Africanas, c, como, além disso, no Brasil. a prontincia de tais palavras também varia entre “Terreiros” até da mesma regiio geografica, finalmente resolv i utilizar-me daquela proniineia que mais me pareceu cor- reta ao ouvi-la ser empregada, sempre depois de comparada Aquela usada em compéndios de consagrados socidlogos e etndlogos que escreveram em lingua portuguesa. Vambém, dando razao a Roger Bastide (1961). quando diz que”... ay pala- vray muitas ve=es se apresentem modificadas ér forca de serem prommcia- das por gente que delas ndo conpreendia mats o sentido...” ative-me qua- se sempre a palavras isoladas e¢ com significado bem estrito no contexto em que foram inseridas. Quando da transcricao dos textos dos Odi Meji em Yoruba, por terem eles origens diversas, resolvi abster-me de acentud- los, jd que muitas vezes as respectivas acentuagdes ram conflitantes. O termo OLORUN, que designa o Ser Divino Maximo do credo Yoruba, seré sempre grafado cm letras maitisculas, para ressaltar as caracteristicas especiais que O identiticam com 0 conceito universal de Deus. separando- O nitidamente dos demais Orixa, ou seja, das demais Divindades do Pan- tedo Yoruba, tal como era o seu verdadeiro conceito milenar em Africa. Ivan Horacio Costa (Mestre Itaoman) PRECE INICIAL IFA JIG, ORUNMILA 6! xr OJU KIO RI EMI DAADAA! “Acorda Ifa, oh Orunmila!” “Fixe seus olhes em mim ¢ olhe-me bem!” Prece de protegiio ao Orixa Orunmila Iff, recitada pelos Ba- balawo no inicio de qualquer Adivinhagdo e que eu sempre re- citei como minha prece pessoal. cada vez que empunhei a pena para compilar este manuscrito. Mestre Itaoman Babatundé Obereftin Si Ok'djumidé INDICE PE ES BEN RIN AE ee et ARN SUA A EE CAPITULO I— A CRENCA NOS ORIXA i1- ILU ULKUMY ..... 1.2- ORIXA ORUNMILA . 1.3- IMOLE EXU . 14- BABA LI AWO CAPITULO II—O APOGEU DO SISTEMA IFA IFA .. IKIN IFA IVE YERI OSUN OPON IFA OMO ODU OPELE IFA Bre ETO AWON ODU NINU IFA . ONA IFA ... ESE ITAN IF/ Din 'n Wt oS sa NVM HP oo CAPITULO I] — O DECLINIO DO SISTEMA IFA 3.1- A SOBREVIVENCIA EM AFRICA ....... 3.2- O ESQUECIMENTO NO BRASIL 3.3- A MENSAGEM DO BABATUNDE. CAPITULO TV — GLOSSARIO CAPITULO V — BIBLIOGRAFIA . CAPITULO I A CRENCA NOS ORIXA 1.1—ILU ULKUMY 1.2 — ORIXA ORUNMILA 13—IMOLE E£xU 1.4— BABA LI AWO IFA-00 ix DO Destino 7 1.1— ILU ULKUMY IGI, SLOJU KIO RI ODI RE “Igi, abra seus olhos e veja o seu inimigo” Letra dos Canticos dos Festivais Anuais de Ifa! IFA - O Orixa po Destivo 19 1.1 —ILU ULKUMY A consulta aos \extos histéricos e antropologicos especializados demons- ua claramente que, desde o periodo Neolitico, na regido geografica africana com- preendida entre a confluéncia dos rios Benue-Niger ¢ o Lago Chade, floresceu. uma civilizagao agro-pastoril que viria a servir de base estavel as futuras migragdes de poves que, a partir dela, desenvolveriam uma nova unidade cultural ¢ lin- gliistica. Esta cultura-base dos tempos pré-histéricos recebeu o nome de “Cultura de Nok”, por influéneia da localidade arqueolégica de Nok, perto da cidade de Jos, na Provineia de Zaria (Nigeria atual), ede onde o arquedlogo B. Page desen- terrou milhares de peas de ceramica, como as “cabecas em terracota”, esculpidas com tal realismo que sio consideradas precursoras das maravilhosas esculturas das cidades de Ilé If6 ¢ Benin. Essa regia privilegiada cristalizou-se como area civilizacional irradiante e como mercado de trocas desde a mais remota antigiiidade. L'la era conectada A Bacia Mediterranea e as Tervas do Alto Nilo por rotas terrestres, cuja utilizagao perde-se na Noite dos Tempos ¢ que foram redescobertas e rastreadas em suas diregses gerais por achados arqueoldgicos de valizamentos em pedra com repre- seilagoes rupesires pre-historicas de carro¢oes de transporte por tragao animal. Entre outras, trés eram as rotas principai 1) A Rota Leste-Oeste, vinda das Terras do Alto Nilo e do Méroe, por Atba- ta, atravessando as regides sub-saarianas do Darfur edo Kanem, até alean- gar as nascentes do rio Kebbi, afluente do rio Niger: 2) — A Rota Central Norte-Sul, vinda do sul da regia da Fezania, atravessando © Deserto de Saara, ainda nao inclementemente inospito, até a regifio do Lago Chade e vindo para a regio do médio Rio Niger: 3)— A Rota Costeira Norte-Sul, paralela 4 Costa Oeste africana, vinda do sul do Marrovos (Sidjilmasa), passando pela regio do Alto Senegal até 0 rio Ni- ger. Sobre esta regido relata-nos Joseph K: —“E erbo (1972): Nok, camadas sucessivas de vestigios denotam uma longa ocupagao dos locais e um dominio ja antigo da técnica do ferro. A descoberta de enxadas indica uma importante atividade agricola. Outros vestigios assinalam a pratica da criacto degado ¢ um gosto pronunciado por adornos ... Em Daima (Nigéria do Norte), outros vestigios do ferro so datados de 450 a.C. até 95 d.C...” 29 Mestre [taoman Assim, temos as provas de que, j4 muito antes de 450 a.C., essa regiao era um foco autéctone civilizador, uma vez que tais vestigios de metalurgia de ferro acham-se misturados a vestigios mais antigos da metalurgia do bronze ¢ aindaa vestigios de industria litica até do periodo da Pedra Lascada. Esta regiaio, com sua comprovada antigiiidade, reunia as condigdes ideais que atrairiam povos imigrantes, que, guiados pelos Reis-ferreiros das ancestrais lendas afticanas, ai se estabeleceriam, criando os primeiros nicleos politicamente estruturados ¢ dai partiriam para povoar e conquistar extensas areas a oeste, su- doeste e sudeste do Continente A fricano Muito pouco se sabe dos primeiros tempos pré-historicos dessa regio, ceto pelas lendas desses Reis-ferreiros, as quais se confundem com 3 posterio- res lendas do aparecimento do Grixe Ogdim Asiwajt ou “a Divindade Ogiim, aque- Ja que toma a diaiuteira” ¢ que se confundem. também, com o desenvolyimento de uma nova forma de aglutinagao politica — a de cidades. no inicio do HI séouln d C4 petavam onncalidadas biata, tados — as quais, eal il Den i, ga A Be eo Do século IT até o século XV, estabelece-se um imenso hiato histérico no conhecimento ocidental deste periodo. s6 preenchido, em parte, por obras etno- grificas ¢ antropoldgicas como as de Joseph Ki-Zerbo e Cheik Anta Diop, soci- Glogos africanos que se socorrem dos antigos textos de viajantes arabes, como Al Masudi (séc. X), Ibn Hawkal (séc. X), Al Bakri (sé. X1), Abul Feda (sec. XIV) e¢ Mahmud Kati (séc. XVI), que descreveram as regides, os povos € suas histé- rias em obras que se tornaram classicos histéricos, como o Tarik Es Soudan (Al Bakri) ¢ o Tarik EI Fettach (Mahmud Kati), obras que sao pouquissimo difundi- das nos meios ocidentais, pouco interessados em medir o real progresso mate- rial e cultural dos povos africanos, que foram desestruturados pelo processo de escravizagao e colonizag3o imposto por esses mesmos ocidentais. A Historia Ocidental s6 reata seus clos com a circunvizinhanea dessa re- gido a partir de 1452, portanto. meio século antes da “descoberta” do Brasil, quan- do os portugueses iniciaram a construgao do Forte de Arquim, nas praias da Gui- né Africana, entrando em contato com povos de raga negra islamizados, a quem, por analogia com suas experiéncias passadas na Europa, chamaram de“Mouros”. Mas as relag6es iniciais de comércio logo degencraram em escravismo, pois dores da época relatam que: Ge cine ar a See an ae ee histor “... desde o meado do século XV, 0 Forte de Arquim, na Guiné, dava por ano Setecentos a oitocentos escravos™. Em 1471, os comerciantes negreiros portugueses, Santarém e Escobar, am- pliaram rapidamente o trafico de escrayos ¢ j4 em 1483 El Rey D. Joao || man- dou construir, num promontorio deste litoral. um outro forte que estava destina- do a scr o grande empério do trafego negreiro internacional: o Forte Jorge da IFA - O OrixA Do Destino 2 Mina. Os proventos portugueses foram de tal ordem que toda essa regiao costei- ra africana tornou-se mundialmente conhecida pelo nome de “Costa dos Escra- vos” ¢ todos os escravos que dai passaram a ser embarcados, independentemente de suas origens étnicas ou regionais, foram rotulados como “Negros Mina”. Mas. enganam-se os que pensam que esses proventos eram obtidos em ba- talhas renhidas ¢ corajosas pelas trapas portuguesas, derrotando Nagées Negras, 408 gritos de “Viva Sao Jorge e OSes Neatinaran Rey”. Nao ! Na maior parte das vezes, os portu- eee. yaa erat: ah a ae a DE QUEHOS POVORUOS litorneos pacificos e desproteyidos, até obterem maiores facilidades, através das pseudoconversdes dos Reines de Manicongo ¢ Angola. O grosso do “ouro negro” era obtido pela troca de produtos agricolas ¢ co- merciais, tais como sal, tabaco, cachaga e alyodao, em imparcial e mesquinho co- méreio com poderosos reinos rivais que se localizavam para o interior, tais como os reinos de Monomotapa, Manicongo, Ghana Velho, Mali, os quais 08 curopeus ainda ndo se atreviam a atacar. Mas os portugueses logo foram sup lantados, neste nefando comércio, pe- los ingleses ¢ holandeses, acompanhados logo apds pelos franceses, todos eles associando-se ou dominando esses reinos rivais. quer por assessoria armamen- tista militar, quer através de intrigas palacianas ou, ainda, por pseudocs religiosa de regentes titeres. Iwersao A partir das bases costeiras iniciais, alguns aventureiros europeus come- garam a explorar os territ6rios interioranos que ainda estavam fora,do alcance da artilharia europcia, especialmente aqueles territorios que eram alvos da cobiga de seus aliados nativos. Desta forma, foi somente no século XVII que os viajantes curopeus informaram aos seus cartégrafos das suas visitas a uma regio denomi- nada por Iti Ulkumy, Terra dos Ulkumy, situada por eles naquela mesma regio africana a que anteriormente nos referimos, entre 0 Rio Volta e a confluéncia dos Rio Benue-Niger, indo ainda do Oceano Atléntico ao Lago Chade, logicamente uma regiao maior do que aquela que inicialmente citamos como Nok, pois Fepresen-ta quase 2.000 anos de expansdo territorial. cultural ¢ religiosa dos pri- meiros Reis-ferreiros. Eé, sobretudo, pelo seu fortissimo contetido mitico que o inicio da formagao dessas cidades-estados Ulkumy confunde-se com as lendas misticas dos Orixd/ Divindades, mormente: 1. As de Odtiduwd, Orunmild e Goni para a cidade do M6 If 2. As de Oxzim para a regitio de ljéxa e Ijébu: 3. As de Hai para II 11 e Kétu: 22 Mestre Itaoman 4. As de Oranmiyan e Xango para a regiaio da cidade de Oyo: 5. As de Ogim para a regiaio de Ekiti, Ir e Ondé: 6. As de Yemoja paraa regiao de Egb: Ss Din. poe ae estes Orixd fundadores initicos de Dinastias, precedéncia esta que mais faz re-cuar 0 tempo do aparecimento da civilizagao nesta area, Divindades anteriores que tam- bém foram assimiladas ao Pantedo Divino Ulkumy, tais como Oxumaré, Nand Burtikti e Obaliaiyé. pois ja faziam parte da civilizac3o anterior a Idade do Ferro e dos lendarios Reis-ferreiros, tanto que muitos de seus rituais eram realizados, até bem poucas décadas atras, sem o emprego de instrumentos de ferro. Conso- ante a esses fatores, também Léo Frobenius (1913) expressou a opiniao de que: “...a religido dos Yoruba, tal qual se nos apresenta, sé gradativamente se tor- nou homogénca”. Se eA ae a Send Pac etapa E, assim, sem dividas, foi a religido dos Orixa, emanada da Cidade Santa que representou o “cimento” espiritual ¢ cultural que agrupou, Ientamen- te, as cidades-estados Ulkumy que, j4 no século IV, comecaram a se constituir em federacdes de cidades vizinhas e, depois, numa grande confederagado de cidades-estados de regides diversas, cujos habitantes falavam dialetos regionais de uma mesma lingua e partilhavam da mesma cultura c costumes, além da mes- ma e Unica religiao. Era da Cidade Santa de Ilé Ifé que, nos primeiros tempos, emanava todo 0 poder teocratico e era para ela também que regressavam os “restos mortais” ¢ as insignias reais de todos os A/afin, Oba e Oni, ou seja, dos Reis de [lt Ulkumy por eles expandido e que reinaram sobre Ow6, Savé, Popo, Benin, Kétu, Ovo, hébu, Héxa, Onisthisa e outros reinos menores. Mesmo quando as entidades espirituais Ulkumy — os Orixa — mudaram de denominagao em algum desses reinos, como para Vodun no Daomé, foram sempre a Liturgia ¢ a Ritualistica emanadas da cidade de Ilé 1fé que mantiveram © vinculo reciproco entre essas cidades-estados ¢ a ancestralidade Ulkumy, mes- mo com acréscimos ou supressdes causados por regionalismos ocasionais. E, as- sim, uma das causas do aniquilamento tinal da Cidade Santa de Ilé If foi, como adiante veremos, justamente essa sua referéncia centralizadora de retorno a ori- gem mitica e mistica. Apesar de cada cidade de origem Ulkumy ser, teoricamente, independente das demais, todas elas obedeciam a este comando teocratico c confederativo maior que controlava extensas regides geogrificas, sendo que varias dessas cidades mai- ores tinham mais de 100.000 (cem mil) habitantes a época dos primeiros conta- tos com viajantes islamicos ¢, muito mais, posteriormente, quando do advento dos primeiros viajantes europeus. IFA - O Orixa vo Destino 23 Sieur de la Croix (1688), viajante francés do século XVII, publicou em Li- ao, Franga, um relato de sua estada entre os Ulkumy, onde descreveu a cidade de Benin, aquela época! Eis apenas uma pequenissima sintese dessa descricdo: “Era uma cidade com planta retangular, murada e cercada de um fosso pro- fundo ... Havia trinta grandes ruas muito direitas, com 26 “pés” de largura, com uma infinidade de ruas transversais ... As casas estavam perto umas das outras c alinhadas em boa ordem ... Estes povos niio ficdm atrés dos holande- ses em limpeza ... Lavam e esfregain (Zo bem as suas casas, que elas se eneon- tram polidas ¢ brilhantes ... Estes pretos sia muito mais eivilizados que ou- tros desta Costa. Sfio gente que tem boas leis ¢ uma policia bem organizada, gente que vive em boa harmonia e que acumula de atengécs os estrangeiros que vém comerciar ao seu pais”. Nessa mesma época, outro viajante, Olfert Dapper (1686), embora nao te- nha vivido entre eles e deles tenha conhecido apenas sua fama entre seus conquis- tacos, assim nos fala: “Este territorio, entre Ardres (Allada) e Benin situa-se. Os individuos deste pais sio guerreiros temiveis, invadindo varias vezes Allada com um exército de varias centenas de milhares de cavaleiros”. Mas a influéncia sociocultural desses ferozes guerreiros era também pro- porcional a sua beligerdncia, tanto que o proprio Dapper acrescenta: “4. €€ curioso que 0 povo de Ardres (Allada) fale o Ulkumy de preferéncia a sua prépria lingua”. Ese a influ€ncia Ulkumy era desta ordem, nao cra somente pelo poder das armas, mas também pela possibilidade dos vencidos inte grarem-se na Confedera- go e absorverem, assim, os beneficios de uma cultura social, comercial ¢ espiri- tual superior a sua. Porque ja 4 esta época (sec. XVIN), os Ulkumy eram, além de conquistado- tes, civilizadores de extensas regides geograficas, implantando um sistema de go- verno com base na municipalidade, com um regente local —o Baalé — que gover- nava por um periodo de 14 anos, coadjuvado por um Conselho de Chefes de Clas Familiares que desempenhavam as fungoes de “guarda dos costumes”, policia mu- nicipal, coletoria de impostos, tribunal regional e controle aduaneiro das portas dé muralhas citadinas e, com freqiiéncia, cram os Baba li Awo (Sacerdotes do Orixé Orunmila) que exerciam também estas fungdes. Tinham, pois, uma classe sacerdotal influente, respcitada ¢ atuante nos negocios do Estado. Nessas cidades funcionavam mercados locais, regionais ¢ algumas delas eram cidades notadamente mercantilistas a nivel internacional, com profissdes € manufaturas, tais como: construtores, armadores, teceldes, oleiros, vidreiros, enta~ 24 Mestre Itaoman Ihadores, escultores, fundidores e ourives. organizando-se em Corporacdes de Oficio, muitas das quais trabalhavam sob regime de monopolio real, escoando e trocando seus produtos manufaturados ou “in natura” através daquelas trés rotas comerciais anteriormente citadas para a regiao de Nok, pois que, até o fim do sé- culo XVII, pouquissimo ou nenhum comércio havia pela Costa do Oceano Atlan- tico, onde so se praticou pirataria ou ligeiro escambo. Tinham um sistema monetirio citadino que usava 0 Ow6/Bizio como moe- da corrente, mas usavam também barras de ferro e bronze, bem como barras de sal gema para 0 comércio regional interno; pepitas de ouro e mesmo ouro em pd s6 eram usados para 0s seus negécios internacionais, com os mercados estrangei- ros da Bacia do Meditetraneo ¢ do Oceano Indico. Tudo isso esta primeiramente registrado nos livros de descricdes de via- gens dos viajantes isl4micos, especialmente nos daqueles que, cerca do século X ao século XI (901/1100 d.C.), viajavam e comerciavam livremente por todo 0 territé-rio Ulkumy, aprendendo a lingua ca histéria deste povo, inclusive 14 resi- dindo em bairros especificos, sem nem sequer pensar em conquisté-lo, como mais tarde o fizeram Mas, para o Ocidente, viajantes europeus como Sieur De La Croix, Olfert Dapper e Jean Barbot foram os primeiros informantes dos cartografos europeus no século XVII e, portanto, todos os mapas cartograficos contemporaneos de 1656 a 1730 sao unanimes em chamar de “Pais dos Ulkumy — IIa Ulkumy” — aesta regio que vai da Curva do Rio Niger a do Rio Benue ¢ do Oceano Atlantico ao Lago Chade. Todo este periody, que vai dos tempos lendarios até 0 fim do século XVII, corresponde ao periodo de hegemonia da Cidade Santa de Ilé [fé, onde se havia consolidado uma aristocracia religiosa, tendo o Oni/Rei como Sumo Sacerdote (nominal) e de certa forma controlado ritualmente pelos Awoni Baba li Awo/ Sacerdotes do Orix4 Orunmila para os Assuntos Reais, os quais eram recru- tados somente entre os membros das 16 familias aristocratas fundadoras de [1é If€ c, assim, a sua Sociedade Secreta—a Ogboni — manteve, por um largo pe- riodo de tempo, um real poder acima do poder real dos Reis. Toda essa cultura de extremo vigor, beleza e qualidade. da qual sé pudemos dar aqui uma palida idégia, comegou a ruir com a chegada dos primeiros aventureiros europeus nos meados do século XVII e acentuou-se com o recrudescimento do trafico negreiro com os holandeses, franceses e ingleses municiando com armas de fogo, as vezes de excelente qualidade, aos lados contrarios para, qualquer que fosse o resultado das contendas, continuar recolhendo o “Ouro Negro” para as suas incipientes feitorias coloniais nas Américas ena Asia. IPA - 0 Oxixé vo Destino 25 Esse novo periodo de acentuados conilitos iria corresponder ao da hege- monia da Pederagdo da cidade de Oy6. a qual j ja havia passado a encarnar 0 po- der temporal da Confederacav de poyos de lingua e religiio Ulkumy, devido a uma simples regra basica imposta aos generais de seus exércitos: um Kakanfo/ General devia antes se suicidar do que regressar 4 cidade de Oy6 apds uma der- rota. [ assim expandiu-se a Confederagao Ulkumy. com a conquista de uma re- gido aps outra, mas com a conseqiente absorgéo ou criagdo de cidades em cada regiao conguistada. Desta forma, paralela 4 hegemonia religiosa e cultural da ci- dade de 11é 16. foi-se desenvolvendo uma hegemonia militar e politica da cidade de Oyé e, muito posteriormente, a da cidade de Benin. Os governantes dessas cidades, os Alafin em Oyé, os Oba em Benin e os Oni em [fé, a exemplo de seus colegas europeus, acabaram por se tornar déspo- tas absolutistas, mas, mesmo nessa condic¢do. nao estavam livres de tim poder mai- eve acima € contro- aos quais podiam or, de ordem teocratica, que por mais de um milénio Ihes ¢: lou seus excessos: 0 poder dos Sacerdotes do Orixa Ortunmi “convidar” um governante intoleravel a “retira Sobre este ponto. relata-nos Joseph Ki-Zerbo (1972): se". “A gente de Oyé tinha, de resto, um terrivel meio de controle sobre o Oni (Rei). Quando este tornava-se culpado de exagio ou de crime escandaloso, obri- gavam-no a andar com uma cabaea vazia ou entio com ovos de papagaios, Era o primeiro dos Oyé-Mesi o encarregade de levar ao Rei esta terrivel mongao de censura. Dirigia-se, aliis, a ele em termos carregados de humor negro: ‘as nossas sessoes de Adivinhacdo”, dizia-Ihe ele, “revelam-nos que seu destino é mau e que seu Orun (seu outro Ser ecleste) ja ndo tolera que conti- nue aqui na Terra. Pedimos-Ihe, pois, que va dormir”. E 0 Soberano devia envenenar-se a seguir”. Lé-se, assim, a prova do muitas vezes insuspeitado poder da Sociedade Se- creta cos Baba 11 Awo a Ogboni — pois ao que Joseph Ki-Zerbo aqui se refe- s nossas sessdes de adivinhagio” eram, na verdade, o Da IfA Fun. ou seja, a “Criagaio de Ifa para” da Divinacdo Sagrada de Ifa, desde esta época. correspondente a ascensdo da hegemonia da cidade- estado de Oy6, desaparece dos mapas cartograficos o nome de Ulkumy e desde o Mapa de Snelgrave (1734) aparecem neles os termos de Ayé e/ou Eye para desi- gnar aos Federados de Oyd, independentemente do termo Ulkumy, Mas, paralclamente, apesar da hegemonia da cidade de Oy6, um outro povo, o Fon, embora participasse do contexto cultural e religioso dos Ulkumy, iniciou um processo de independéncia politica, com 0 Oba Aho fundando 0 reino do Da- omé em 1670 ¢ atacando as regides circunvizinhas, notadamente a regiao Ulku- my do Kétu. re como “ 26 Mestre Itaoman Um dos sucessores do Oba Aho, o Oba Agadja (1708-1732), a falta de mais guerreiros, criou um Corpo de Exército composta por ferozes Amazonas (as Mu- lheres do Leopard) e, com elas como elemento decisivo em batalha, em 1724 ataca o reinv costeiro de Allada. fazendo mais de 8.000 prisioneiros. Tal ato fez com que a Federacao de Oyo reazisse em socorro de Allada, reyido que era sua vassala deste antes de 1686, como ja vimos pelas noticias de Olfert Dapper. Em 1726, Francisco Pereira Mendes, comandante portugués do Forte de Ajuda, menciona em seus relatérios, enviados 4 Bahia, os alaques de represalia dos Ay6 contra os territérios de Adagja, Oba do Daomé, que havia atacado Alla- da em 1724 Mas, mesmo sob ataque. o Oba Agadja, partiu para a conquista da cidade costeira de Glehue, do povo Hwedah, chamada de djucla pelos portugueses, Ju- dah pelos franceses ¢ Whydah pelos ingleses, 0 que fez em 1727, conquistando assim uma saida para o mar e habilitando-se ao trafico negreiro internacional. Comegou, destarte, a “exportacaio” dos primeiros escravos de origem Ulku- my. provavelmente da regido do Reino de Kétu, capturados em batalhas pelos Daomeanos e que possivelmente foram os primeiros a serem exportados para Cu- ba, como o demonstra o nome pelo qual ld ficaram conhecidos, o de Lucumi, nome este muito proximo do verdadeiro: Ulkumy. Mas, mesmo tendo-se iniciado o seu desmembramento pela progressiva nerda de estadnc uacanlan ae eee eee ten AE CET CaO 8 Cn .de Ketu, a Confederagao Ulkumy ainda perdurou unida, como demonstra o relato- tio do mesmo comandante portugués. Francisco Pereira Mendes, em 1728: “Trés reis do interior, poderosissimos inimigos do Daomé, chamados Ayo Bra- bo, Acambé ¢ Ahcomi, dando-se ay mios 0 cercaram.” Ou seja, a Confederagdo Ulkumy (Aheomi), comandada pelos Oy6 (Ay6 Brabo), mobilizou-se ¢ cercou o Reino de Daomé. A seguir, estes Alafin, Oba e Oni. reis da ainda politicamente unida Con- federacao, invadem o recente Reino do Daomé e esias lutas perduram até 1743, quando foi celebrado um tratado de paz, mantendo o Daomé suas posigdes conquistadas, mas pagando um tributo em armas de fogo, muni¢des e escravos, no mais a Confederacdo, mas sim aos Eyé6e, ou seja, 4 agora poderosa Federa- cio de Oy6, pois é somente o Alatin de Oyé que, em 1764, vem socorrer os Da- omeanos contra os povos Ashanti, vencendo-os na batalha de Atakpamé (atual Togo), bem a oeste da recém-fundada Abomey, capital do Daomé, salvando as- sim 0s seus futuros conquistadores. Tudo isto vem provar que os escravos levados para Cuba e para o Brasil provinham de nagdes ferozmente guerreiras, mas ao mesmo tempo portadoras de civilizagao propria, com terriveis e eficientes exércitos sim, mas com leis, costu- IFA - O Orixi po Destino 27 mes, religido, artes, comércio internacional eniio simples “similes” de “macacos trepados em arvores”, como se difundia nas Colénias a que foram aportados, na tentativa de justificarem o trafico negreiro que motivava is préprias guerras intestinas. Mas, como € da propria natureza humana, sejam os humanos braneos. vermelhos, amarclos ou negros, com a virtual anexagdo temporaria do Reino do Daomé a Federacéio de Oyé, a nagfio Ulkumy tomou gosto pelos lueros faceis do trifico negreiro, capaz de Ihe fornecer as temidas, mas cobigadas, armas de Fogo. Ja com a queda de Allada e Hwedah ante os Daomeanos, os habitantes so- breviventes dessas cidades refugiaram-se junto as eidades costeiras menores da Confederagiio Ulkumy, mormente em Badagri, Adjé Popo, Ek6, Onin, e, com 0 produto da captura de Daomeanos invasores, iniciaram-se em grandes entrepos- tos de escravos, algumas tornando-se internacionalmente conhecidas como Porto Novo ¢ Lagos (Onin) E. assim, estabeleceram-se dois grandes polos de exportagao de escraves, em substituigao ao Forte de Sao Jorge da Mina: pelo porto Daomeano de Glehue (antiga Ajuda) eram exportados os Lueumi (Ulkumy de Kétu, 1léxa ¢ Oyo); pe- los portos de Badagri, Porto Novo ¢ Lagos eram exportados os Géges (Daomea- nos) ¢ os Malés (Peules, Pulbas e Haussas Islamizados) e que, no Brasil, com sorte, viraram “Negros de Ganho™, “Mucamas de Sinha” e“Negrinhos da Casa Gran- de” ¢, sem sorte, simplesmente “Pecas” para as minas. No Brasil, os Ulkumy ou Lucumi, como ficaram conhecidos em Cuba, ti- veram a designagao geral de NAgés, por motivos que, a seguir, veremos. Em 1777, Olivier Montaguérre, novo comandante francés do antigo forte portugués de Ajuda, agora Forte Sao Luis de Gregory, reclamava de suas perdas 4 Companhia das Indias: “Qs ‘Aiaux’ (Oyd) fornecem escravos em Porto Novo, Badagri, Epé e aqui (Ut dah), mas quase nao houve eseravos fornecidos pelos Dahomets”. A situagao tornou-se grave para os traficantes franceses que resolveram in- tervir a favor de seus fornecedores Daomeanos fornecendo-lhes mais armas de fogo de excelente qualidade, munigGes e instrutores militares de seu uso, 0 que langou os Daomeanos em uma campanha de guerrilhas-relampago contra os Ul- kumy. E, jem 1780, o mesmo Olivier Montaguérre podia dizer: “Ei Hardre, vulgarmente chamada de ‘Portenauve’, pode-se conseguir Na- g6s, os negros preferidos”. Cito anos depois, em 1788, um novo comandante francés, Gourg, relata: “Qs Dahomets destruiram completamente um territério de Nagds!!!” 28 Testre Ttaoman EF, novamente. um ano depois. em 1789: “O Rei do Dahomet invadiu profundamente as (erras N&g6s”. FE Gassim que os termos “Nagé™ e ~Andgé” aparecem pela primeira vez has correspondéncias internacionais para designar os escravos fornecidos pelos Daomeanos e que foram. sem ditvida. capturados a Confederagao de [lt Ulkumy, especialmente entre os Reinos de Kétu. Iéxa ¢ parte do Ov6 3 Mas, como o aparecimento deste termo “N 16" fez-se ainda paralelamen- te. ao uso dos tradieionais termos “Ay6” e“Eyée", pode-se presumira feroz. res tncia que os “Dahomets” de Gourg eneontraram por parte dos Ulkumy. Porque’ US DPAOMedhOs Passaram a denominar os scus ben ee inimigos Ulkumy pela designagao de Nagés c Anagonu, ou ~Gente dos A Hlistéria nos ensina: “Vae Victis” “Ai dos Veneido Paul Mercier, em sua obra. “Notice sur peuplement Youruba au Dahomey- Togo”, Ed. Nimero 3. Porto Novo, 1950, é bastante preciso: “Os Fon do Daomé dito o nome de 6” ou “Anagénu” a seus adversa os do Leste e encontra-se uma ct gia para este nome: ele significaria, em Fonghé, “Rebutalho” ou “Lixo”, termo de desprezo dirigido ao inimigo”. Pessoalmente, nao estou bem certo disso, pois que, diversos autores, entre eles Juana E. dos Santos (1976), dizem que “Anagénu” era também o termo que 0s Daomeanos aplicavam as suas préprias Sacerdotisas que euidavam dos seus Vodun, os quais eram a versio Daomeana dos Orixa Ulkumy, que também sobreviveram em Cuba e, especialmente, com mais pureza, no Brasil, em Sao Luis do Maranhao. no espaco de resisténcia sociocultural-religiosa dos Daomeanos, denominado por Terreiro da “Casa dos Minas”. Ora, come veremos mais adiante, nenhum povo chama de “lixo” as suas proprias sacerdotisas! Mas este termo — Naa6 —. por uso e costume, realmente passou a ser usado pejorativamente em relacdo aos Ulkumy e aparece a partir das correspondéncias enviadas da Africa, entre 1780 ¢ 1815, no recrudesvimento da luta entre os Daomeanos ca Federagao de Oyd, instigada pelos franceses por um lado ¢ pelos ingleses, portugueses e até brasileiros por outro. O auge deste conflito deu-se em 1821, quando o Rei Daomcano Guezo (1818-1858), cognominado 0 “Biifalo” por sua agressividade, infligiu pesada der rota 4 Federagao Oy6. na batalha de Paw: ingan, chegando as portzs da cidade de Oy6, mas recuiando em seguida. devido a um acordo firmado com uma nova potén- cia guerreira que vinha se formando lentamente ao norte ¢ nordeste dos territori- os da Confederagao Ulkumy: os Haussas Islamizados que, no Brasil, ficaram conhecidos como "Malé" ou "Mussurumim". IFA- 0 Orixi vo Distivo 29 Pois que, desde o século X1-d.C..a difusao da religi vos de raga negra seguiu © mesmo itincrario que as ondas migratérias sucessivas dos povos Sudaneses: do Leste para 0 Oeste Afrieano! A principio. foi através do comércio com os Arabes e de suas compensa- gdes, que muitos povos negros absorveram a religiao do Profeta Maomé. entre- tanto mantendo muito de suas antigas do [slamica entre os po- engas reliviosas Posteriarmente. muitos homens santos islamicos, pregadores itinerantes eonhecides por Marabu, rcalizaram verdadeiras conversdes de varios monarcas hegros, como os dos Reinos de Gana, Gao e Mali. E.aysim, com o passar do tempo, em todas as grandes cidades af icanas destas regides. criaram-se grandes bairros especificamente islamicos que aportaram a elas a cultura arabe, sobretudo coma adogao do sistema de scrita alfabética que estes povos nao dispunham. Esse lamicos muito ajudaram a posterior conquista do poder politico, as vezes, até sem muito derramamento de sangue. bairro: Mahmud Kati. em sua obra Tarik El Fettach. ese im desereve a cidade de Gana: fa no século XVI de nossa era.a “E uma grande cidade que compreende duas aglomeracdes. Uma, situad: planicie, é mugulmana, habitada por mereadores sultos ¢ sdibios de renoime. Contam-se af doze mesquitas, com pessoal todo ele assalariado. A cidade real e animista estaya situada a seis milhas da primeira aglomeracao e era rodeada de Basques Sagrados.” na Abicos-bérberes, juriscon- a descrigao, os indicios do choque cultural e religioso que um iglomeracées bios de renom: entre as duas Kati separando, de um lado. os °s os “animistas” Ulkumy! Assim também ocorreu com a regidio Extremo-Oeste ¢ Norte da Confede- ragéo Ulkumy, onde desde os tempos lenddrios dos Reis-ferreiros, fundaram: fortalezas para asscgurar a posse do territorio recém-conquistado. Essas fortale- zas foram a orivem de cidacdes Ulkumy como Daura, Kano. Gobir, Katsina e Zaria, que ja sao citadas pelos autores-vi :adistingao feita por Mahmud * muculmanos e, de outro lado, jantes drabes do século XII. No século XIV, sob 0 reinado de Yadji (1349-1385). foi oficialmente introduzida a religiao [slamica na regiao da cidade de Kano. Pouco depois. Zaria, era ocupada pelo Emir Kanadjedji (1390-1410) ¢ satclizou outras eidades a leste do Rio Niger. Em breve. 0 poder politico ¢ religioso em toda a do por trés emirados mugulmanus — Warré capitais nas cidades de K permaneccram quietos, crescendo em eiviliza vido foi encampa- , Sokhoto e Gandd — com bases. ano. Soketd ¢ Zana, mas que. por largo periodo de tempo, . ativo comercio e poder. Mas, nos fins do seculo XVIII, esses Emirados lancaram-se em Guerra San- ta contra seus vizinhos ¢ 9 governador da Provincia Ulkumy de Ilorin, tendo sido 30 Mestre Itaoman derrotado frente aos Hauissas Islamicos. recebeu ordens da Federacao de Oyo pe ee ee ee I DELS Tae Ne ra Di aca a cen ot eB EM gos Haussfs, convertendo-se formalmente ao Islamismo e derrotando as tropas leais ao Alafin Arongangan, seu tio. Porém, em 1807, quando Afonja pretendeu livrar-se de tao incdmodos aliados, foi por eles deposto e queimado vive, como um exemplo do que estava por acontecer aos Eyde. Em breve, a Provincia Leste de Oyé — Ilorin —tomou-se 6 mais novo Emi- rado Islémico Negro ¢ aliou-se aos Daomeanos, dividindo com eles a condugdo da guerra ¢ a divisao antecipada dos territérios a serem ocupados. E, assim, o que restava da Confederagio Ulkumy viu-se atacada e desmembrada em duas frentes de batalha, mas, mesmo assim. continuau guerreando ferozmente até que. em 1827, o novo Emir de Ilorin riscou a velha cidade de Oyo dos mapas: Com a queda de Oyé, as cidades de Ogbomosho, Koyi, Ow6 e [jébu tam- bém foram aniquiladas pelos Islamitas e suas populagées sobreviventes procura- ram reftigio na Cidade Santa de Ifé, que, absorvendo-as, transformou-se em um imenso campo de refugiados. Para aliviar esta situacao, fundaram-se duas novas cidades: Ibadan e Modakeké. Tornando-se insustentayel a existéncia dos refugi- ados na cidade de Modakcké. estourou uma revolta que a destruiu que estendeu a destruigdo a Cidade Santa de Ifé. A cidade de Idaban existe até hoje. Assim, da antiga Confederagio Ulkumy, transformadas os Kétu e os Oyé em Nagés ou “Lixo”, os Ifé ¢ os Ijéxa transformados em Yarba c/ou Yarriba, designacao que os Haussds deram aos seus inimigos derrotados, a qual foi adota- da posteriormente pelos ingleses sob a forma Yeruba e que em lingua portugue- sa veio a dar o termo Joruba, so restou a Federagao da Cidade de Benin, por es- tar situada bem longe destas duas frentes de hatalha Entretanto, também a Federagdo de Benin sofreu com a guerra sem tréguas dos Daomeanos e Haussas contra a Confederagao. Instalou-se nela um profundo esgotamento politico, religioso ¢ cultural, convivendo seus governantes com uma série de intrigas palacianas desde o reinado do Oba Nossa (1795-1815), que, como muitos outros subseqiientes, foi assassinado em um motim palaciano. Oba Nossa mostrouse preocupado com o destino de seus compatriotas na escravidao e, em 1807. enviou ao Brasil uma embaixada tendo a frente o Oba de Onin (Lagos) que era seu vassalo. A vinda desta embaixada muito preocupou ao Conde da Ponte, 0 entao governador da Bahia, que se assustou com uma possivel rebelido dos “... Nag6s, tio numerosos nesta cidade” Essa visita oficial de um monarea negro ao Brasil vem provar que, embora 08 Kétu ja houvessem sucumbido ¢ os Ay6 comegassem a ser esmagados, a Fede- ragdo de Benin ainda sustentava 0 poder da antiga Confederagao dos Ulkumy. E, de fato, por ironia do destino, o sucessor do Oba Nossa, em 4 de dezembro de 1824, foi o primeiro soberano independente a reconhecer a Independéncia do Brasil. IFA - O Orixi vo Di 31 Eo Benin continuou aresistir impavidamente aos Daomeanos e aos Haus- sas, como o Gltimo baluarte dos Ulkumy até mesmo quando, em 1861. 0s ingleses, a pretexto de acabar com 0 trafico negreiro, intervieram diretamente no conflito ocupando a cidade de Lagos (Onin) e destronando Kosoko, o tiltimo Oba de La- gos, isolando desta forma a propria cidade de Benin, que era interiorana. Somente apis 29 anos, em 1890, veio um alivio da pressio Daomeana sobre © Benin, quando o general francés, Dodds, tomou a ferro ¢ fogo a capital Daomeana, Abomey. destronando o ultimo rei Daomeano, o Oba Behar lgica conclusao da Franga de que seus antigos aliados (o prineipe-presidente da Franga, Luis Napoleao Bonaparte, havia firmado um tratado d o Oba Guezo) no lhe servian) para mais nada, uma vez que se extinguia 0 trafico negreiro. Por mais sete anos, a Federagao de Benin ainda resistiu aos Haussas Isla- mitas até que, em 1897, também numa légica conclusio, compreendeu o rumo dos novos tempos e preferiu ~optar™ por transformar-se em um Protetorado Bri- tanico e, assim, colocou frente a frente o Ledo Britaénico e as Verdes Bandeiras de Allah, numa jogada politica desesperada que, em 1904. resultou na conquista das cidades Islamicas de Kano, Sokot6 c Zana pelos ingleses, evidentemente apoi- ados por intimeras “tropas nativas” de Benin que. desta forma, acabou por triun- far sobre os seus arquiinimigos, os Haussds. Assim, no minimo, desde 1724 (queda da cidade vassala de Allada) até 1897, portanto por cerca de 173 anos, a Confederagaio Ulkuniy guerreou ferozmen- te, primeiro em uma e depois em duas frentes de combate, perdendo seus cida- daos em campos de batalha ou entao capturados ¢ eseravizados em Cuba, Ha Antilhas Francesas, sul dos EUA, Brasil e, isto, sem se falar nos que foram envi- ados as metropoles européias. Nao ha como estimar a perda populacional especifica dos Ulkumy, mas, para um calculo geral sobre a perda populacional africana, B.E. Worth, em sua obra “History of West Indies”, cita que segundo estimativas do padre jesuita Monens: “No minimo, pode-se estimar que foram reduzidos a escravidao 10 milhdes de pretos ¢, sem evagerar, tem que se contar por cada um destes pretos, cinco outres abatidos em Africa ou que morreram no caminho ou no mar.” E se isto ndo pode ser considerado como o resultado de uma guerra inter- racial, entdo eu no mais sci o que possa ter sido. Mas a mortandade nao parou de ocorrer em 1897 com a rendigao dos Ulkumy de Benin aos ingleses, pois que entao tocou a vez dos Malés de serem massacrados. j4 nao por causa da escravi- dao ou pela simples diferenga de cor da pele, mas sim por causa de novos terrilo- TE a UE SNGe Te th HUN We0m tee ems Sh RUn/mne ames Sey psPAaiea erang rem ten Gretc) AAG EERE Oooh OT 32 Mestre [taoman tanto. hé menos de cem anos (93). brancos ¢ negros continuavam sc matando em Africa e cem anos na Historia mais que milenar de um poyo nao é tempo sufici- ente para que se cicatrizem suas feridas, dai as revoltas raciais que ainda se ob- servam nos USA ena Africa do Sul. ¢, bem vistas as coisas. a que esta latente no Brasil atual. A E foi desta forma que, quase no raiar do nosso atual século XX, extinguiu- se uma eivilizagdo autdctone de homens suerreiros. empreendedares, religiosos © artistas que comegara muito antes do século III d.C e que. apenas por serem os seus integrantes homens de raga negra. nao tém a sua histéria cnsinada em nossas escolas, apesar de fazerem parte integrante da Verdadeira “raga brasileira” ¢ do muito que o “brage escravo™ do negro fez na construgio de nossu patria e na defesa de nossa soberania contra os franceses. os holandeses, os porlugueses os latinos, E foi apenas a partirde 1926, com a publicagdio do livro de viagens dos Ca- pitaes Hugh Clapperton c Denham — “Travels in N.E.C, Afvica” —. publicado em Londres, que o termo Yarba e/ou Yarriba aparece em compeéndios crudi- tos para substituir o termo Eyéo e/ou | ye. Na realidade, Clapperton cita os dois termos: “Soubemos que estamos agora no distrito de F drabes e pelos povos Haussis.” éo, chamado Yarriba pelos Estranhamente, nunea sc procurou saber o real significado dos termos Yar- ba e/ou Yarriba, usados pelos Haussas islamitas para desiznar seus inimigos Ulku- my e que foi adotado pela adiinistragao inglesa em contraste com o terme Nago adotado pela administragao francesa, quando aquela resolveu “proteger” toda re- gidio da atual Nigéria, adotando a denominagao Yoruba para cla. eamo um sim- bolo da “reconciliagio” (sic) dos mais diversos poves, desestabilizados por sen- timentos conflitantes gerados por quase 300 anos de guerras ininterruptas, que aba- laram a confianga entre os préprios Confederados Ulkumy, fazende com que a grande e real perdedora fosse sempre a raca negra Assim, até na Renascenga que esta cultura religiosa negra experimentou no Brasil, a marca desses conflitos ficou indelevelmente impressa no bojo de suas manifestagdes. com os prdprios descendentes dos Ulkumy separando-se em “Na- gdes”, como sejam as de Kétu, ijéxa, Nagd, Oy ¢ Hé que inspiraram a forma- ¢ao de outras, como as de povos que nada tinham a haver com cles, como as de Angola, Congo, Banto e. até. dos “Caboclos”. algumas levemente antagénicas e outras radicalmente adversas entre si, embora todas clas, de alguma forma, tenham adotado posteriormente parte da ritualistica ¢ liturgia dos Orixa Ulkumy. E nem nos, brasileiros, somos assim tao isentos de culpa, pois. sim, brasi- leiros em grande niimero participaram deste nefando comércio negreito, sendo os proprietarios e operadores de frotas de navios que. com suaves e santificados IFA - O Orix4 vo Desiino 33 names, tais como: “Nossa Senhora da Piedade”, “Santo Anténio e Almas’ Senhora da Ajuda”, “Bom Jesus do Bom Sucesso”, “Santo André dos Pobres” ¢ “Nossa Senhora Mae de Deus e Mae dos Homens”, praticaram 0 trafico negreiro internacional. E nao posso esquivar-me de citar a nefanda criatura que foi o brasileiro Félix de Souza, o maior dos traficantes independentes estabelecidos em Africa, justa- mente no feroz Daomé. Tendo ele se tornado tao rico que cra eredor do Oba Adon- donzan, do Daomé, foi por este atirado 4 masmorra. Mas, mesmo do calabouco, a influéncia de Félix de Souza era tanta que cle estabeleceu um “pacto de san- gue” com o provavel sucessor de Adondonzan, o seu sobrinho principe Guezo (1818-1858), apoiando-o com muito ouro, homens ¢ armas de fogo. Escolheu bem © seu ciimplice: destronado ¢ morto o Oba Adondonzan. Félix de Souza tornou- se o Chacha de Uidah, ou scja, o “Primeiro dos Brances”, no maior entreposto de escravos do mundo, a cidade de Ajuda, porto de saida para os Nagés captu- rados pelos Daomeanos Félix de Souza, que era branco. gerou numerosa prole mesti¢a africana que manteve 0 titulo de Chacha ¢ 0 monopélio do trdfico negreiro em poder da fa- milia Souza até a quarta geragdo, até que o 5° Chacha Souza, J.F. de Souza, teve os seus bens confiscados e foi levado a pristio, De tal nefando personagem, te- mos 0 testemunho histérico do entao principe de Joinville, citado por Ki-Zerbo (1972), que assim o descreveu em 1843: “Velhote de pequena estatura, de olhar vivo e feicdes expressivas, é pai de oi- tenta filhos do sexo masculino. Nao foram contadas as filhas.” E também nao serve como de ulpa para esta feroz escravidio o fato de que os africanos, até antes dos arabes e dos curopeus, jd conhecerem a escravi- dao intertribal. E verdade. mas a “serviddo” africana era de outro tipo que a es- cravidio nos moldes que os europeus praticaram sobre os africanos, na realida- ae, fal servidao era ligada a algun lipo de inforttinio pessoa! (dividas, fome ou captura em batalha). tale qual os curopcus a conheceram em sua Alta [dade Média. Mas. em geral. mesmo 0 caso mais grave do capturado em batalha era rapidamtente integrado 4 comunidade, tinha direitos civicos e até direito de pro- priedade, porque existiam miiltiplos proeessos para se aleanear a liberdade, alguns dos quais 6 dependiam da habilidade ¢ iniciativa do proprio servo, como, por exemplo, a valentia em combate ¢ 0 casamento com uma mulher livre. Ese levarmos em conta que 0 senhor” africano tratava seu servo pelo ape- lative de Nuana/Fitho, incluindo-se ai todo 0 possivel cinismo no uso deste ter- mo, mesmo assim ver-se-d que a feroz escravidao que pesou sobre 0 africano no Brasil, onde a média de vida dos escravos, nas minas, chegou a taxa de quatro. 34 Mestre Itaoman anos, fica claro que tal tipo de escravidao nunca foi usual em Africa, Pelo me- nos, em nenhuma obra etnografica arabe se encontram descrigdes, como as que se [Gem em uma “instrugao” curopéia. datada de 1769, sobre a captura ¢ trifico de escravos africanos pelos curopcus * “Nada de velhos com a pele enrugada, testiculos caidos ou encarquilhados. Nada de grandes negros escanzelados, peito estreito, olhos esgazeados, ar imbe- cil. Nem mamilos espetados, nem seios flacidos.” A “regra de ouro” era: “Rapazes sem barba ¢ raparigas de seios firmes.” E também nao serve de justificativa para esta escravidio o fato de terem 0s monareas negros praticado sacrifjcios humanos rituais. Como muitos outros povos, como os astecas, as fenicios, os hebreus e os primeiros gregos, também os Ulkumy praticaram sacrificios rituais humanos, sobretudo nos seus tempos qua- se pré-historicos, em fungio de varias Divindades, mas os proprios Esé Itan [fa/ Versos dos Contos de [ft contam como o Orixa Orunmila, no Odi Oturapon Onird. ordenou aos seus fiéis para que substituissem os sacrificios humanos por caprinos, tal e qual Jeova também determinou a Abrado que substituisse seu fi- Iho primogénito por um cordeiro. E 0 comprovados sacrificios humanos. nao tio rituais, de que se tem no- ticia no periodo pré-colonialista, em Africa, especialmente nas excquias de alguns de seus monarcas, foram excessos crucis de seguidores ¢ familiares dos mesmos, ensandecidos por reflexos de 200 anos de guerras sanguinarias ¢ nao um produto An avindanine ealiniasan tanta aie até nde avril in datenfinnnta nannairs henctlaten OREN 4) | eae amc ee ee en mee ee = oR a Dg ee ae Félix de Souza, ocorrido no Daomé, mesmo sendo ele branco ¢ presumidamente “cristao”, foram “regadas” a sangue humano. Também & mera falsidade a alegacao de que 0 negro aceitava o cativeiro por nao conhecer melhor forma de vida em sua terra natal. Quem assim afirmava era por desconhecer um minimo da histéria sociocultural dos povos afticanos, co- mo jé vimos. Na verdade, mesmo o negro eseravizado nunea perdeu a conscién- cia, mesmo subjacente, do que havia sido o scu rincdo natal, 0 seu It Aiyé/Ter- ra da Vida, mesmo que com as guerras |4 em curso nfo pudesse ser mais cha- mado de Odfrf/Feliz. Ao menos, no caso dos Ulkumy e de sua religiao, existem registros de animado trafego comercial maritimo entre a Bahia e Lagos, como o xemplifica 0 caso menos doloroso de descendentes de brasileiros negros em Africa, tal como o cita também Ki-Zerbo (1972): ie eee IFA - O Onixd vo Destino Dy “Joao da Rocha, de Lagos, fazendo a ligagao entre esta cidade e a Bahia, no Brasil, levava para além-mar estatuetas ¢ objctos dc culto exigidos pelos ritu- ais dos deuses Yoruba no Brasil. Trazia dali produtos ¢ condimentos ame- ricanos pedidos pelos afro-brasileiros para a sua cozinha. A tal ponto fez for- tuna que Rocha se tornou, em Lagos, um nome comum com significado de riquissimo.” Desses sentimentos de apego do es mo que ele fos: da-nos uma nitida amosira, com a seguinte referéncia: “O culto dos defuntos, tao ca ivem, m racteristico da religifio dos africanos, para quem s existem mais fortes do que neste mundo, tomou neste ficadu eomoyente ¢ até sublime: acreditava-se que os mor- ro tirano, iam fazer em sentido inyerso Os mortos nao contexto um tos, agora libertados do kitego do a infernal travessia do Atlantico. Vagando sem entraves pai bléia venerada dos antep 0 ‘continente bem amado’, iam juntar-se a assem- dos, I4 longe, do outro Lido da ‘grande Agua, no é°. Desta nostalgia patética, é testemunha a seguinte melodia: pais da G “Deus de Angola, Deus de Angola! Tu ensinaras trés palavras de oracgao, trés Padre-nossos ¢ trés Ave-marias, ravizado a sua terra de origem, mes- c africano em segunda ou terecira geragdo, Joseph Ki-Zerbo (1972) Seemed ie Ja voltar um dia a Guiné!”, E.na letra desta singela melodia-oracao, ouve-se 0 eco de um auténtico mo- vimento religioso que viriaa fundir os Deuses Inkice de Angola com as oragdes catolicas (esquecidas que estavam as frmulas rituais em lingua africana), a que depois se sobreporia a Ritualistica dos “Orixd Nagas”, somados as lembrangas dos descendentes dos Tupis-Guaranis. dando origem a.um outro tipo de conceito religioso que, embora com profundo embasamento africano, iria refletir todas as esperangas dos diversos poves aqui exilados, massacrados ou espoliados de seus direitos; a Umbanda, esta sim, um verdadeiro sinevetismo inter-religioso. E, nesse processo de sincretismo religioso, é sintomatica a revolta e decep- cdo dos escravizados, visivel na mudanga de caracteristicas especificas dos Orixd Ulkumy aqui novamente cultuados. Ja nao se invocavam, dos seiscentos Imolé/ Divindades, aqueles que eram simbolo da fecundidade ou da prosperidade agri- cola, mas sim aqueles Orixa da Luta, da Justica e da Execuciio: avultaram-se, as- sim, os Orixa Ogiim, Xangé e o Imolé Ext no Brasil. ‘ Esse mesmo processo de transformagao atingiu também o Orixé Orunmild gue aqui chegou com os Anagénu, mas que em pouco tempo silenciou-se ante o Iwa/Destino tio tragico de seus figis e — quem sabe? — talvez tenha também 36 Mestre Itaoman rezado “trés Padre-nossos ¢ trés Ave-marias” para poder voliara It Aiyé / Terra da Vida, a Africa Odara/Feliz. tte £ de se notar que aqui também aportou a verso Daomeana dos Orixa Yo- ruba, os Vodun. De fato, uma tia do rei do Daomé, 0 Oba Guezo (1818-1858). ‘portanto também ela da familia real do Daomé, foi desterrada pelo rei anteces- sor, 0 Oba Adondonzan (1797-1818), sendo transportada por navios franceses, com seus familiares, servidores e bens materiais, tendo desembarcado no Brasil, na cidade de Sao Luis do Maranhao, nao como eseravos. mas tia qualidade de re~ s politicos livres Daomeano puro que aqui vingou, a "Casa dos Minas”. um pedago do Daomeé que abrigou os Vodun Lissa e Mahu, © Casal Celeste: Heviosso (Xango). 0 Vodun da Trovoada e do Raio; Sakbata (Obaltiaiyé). 0 Vodun da Medicina ¢ Dangbé (Oxtimaré), 0 Vodun da Serpente Sagrada que une a Terra ao Céu , . Mas, talvez cansados de tants vuicrras. 0s Voduin da Casa dos Minas nio PIOCEBEAM SUCKTC Ar COM, OS*AILS POT A Sibert Fant Peitiee! we caeae territorio brasileiro, restringiu-se a partes do Maranhiio. do Amazonas e do Piaui. Mas, ao contrario, os Ulkumy-Ay6-Nagos-Yariba, enfim, os doutamente chamados Yoruba no Brasil, chegaram aqui em “tal namero ecm relative pou- co espaco de tempo”. como bem remareou R. Bastide (1953), que puderam re- estruturar e impor a sua cultura, a sua religiao. a sua ritualistica ¢ a sua lingua aos outros negros ja aclimatados na Bahia, Recife e, mais tarde, Rio de Janeiro. F. portanto, nao é sem fundamento que muitos de seus descendentes se classifica vam como nobres pertencentes a Casas Reais A lricanas, sendo, por isso. muitas vezes, ridicularizados por “autoridades” de todos os tipos, soberbas ¢ arrogarites. F cssa supremacia cultural e reliyiosa cristalizou-se na implantagaio do Candomblé, instituicao que niio existia como tal em Aftica ¢ cujo nome nem se- quer 6 de origem Ulkumy-nagé, mas ¢ Banto, ¢ que refletiu a necessidade de reorganizacao da Liturgia e da Ritualistica africana face A nova realidade da es cravidao, reincorporando os Cultos dos Orixé Patrilineares, dos Orixd Regionais © até dos interterritoriais aos Cultos dos Orix4 de mais viva lembranga entre os fiéis sobreviventes, cuja nova ordem de grandeza e/ou precedéncia cristalizou-se no Xiré/Ordem de Precedéncia cm que sao saudados os “Orixds” que ainda so cultuados, “a moda africana”, no Brasil. E essa coragem er manter a sua religiao, essa tenacidade em seguir uma ritualistica onerosa sob condigdes econdmicas ¢ financeiras adversas, essa habili- dade em nao reviver os conflitos africanos do passado, mas transporta-los para. o terreno poético das lendas dos Orixé, mesmo deturpando-as, sao incontestavel- mente superiores & falta de perspicdcia da atuagaio de seus governantes em Afri- IFA - 0 Orixa vo Destino 37 ca, os quails sustentaram uma guerra tempestuosa em que ndo podia haver ga- nhadores, uma vez: que os lados contendores apenas forneciam seu “capital hu- mano” a colonizagao das Américas, recebendo em troca, como pagamento de seu sangue, produtos ¢ mer i produzidos por estes mesmos “bracos , ! \ i stes mes COs escravos eque poder lam ser produzidos pacificamente em Africa: aleodao, cachaga, fumo. milho, ferramentas metilicas e, além delas, armas de fogo > sup E isso me é incompreensivel, mesmo no caso de arm: i de fogo, uma vez que os africanos conheciam muito bem a metalurgia do ferro e suas téenicas de fundigao do oe (material dos primeiros arcabuzes ¢ canhdes) eram melhores que as européias, a exemplo dos maravilhosas “hustac” de tamanhs antucnt Soe bronze de Ilé Ifé e sobretuda de Benin, admirados até hoje internacionalmente, nada impedindo que cles fundissem e fabricassem armas de fogo. como o fizeram japoneses nos meados do século XVI. os quais, tendo reeebido dos portugueses arcabuzes quebrados como um presente exdtico, em menos de vinte anos jétinham esquadrGes de “fuzileiros” em scus exércitos, impedindo a esses mesmos portu- Bueses ¢ aos espanhdis, ingleses ¢ holandeses de desemibarcarem, sem licenga, no Japao. Isto nos faz pensar que somente o édio racial, com profundas raizes car- micas ¢, mesmo assim. ser\ indo a algum designio divino que nos & inescrutavel € incompreensivel, poderia explicar a terrivel tormenta histérica que a escravi- dao levou a Africa por mais de trezentos anos e que ainda faz sentir seus efeitos colaterais no apartheid, nos guetos e nas favelas. Nina Rodrigues (1932), em sua obra “Os Africanos no Brasil”, conta-nos como este ddio inter-racial ainda perdurou no Brasil. no periodo critico da guer- rana Africa, entre 1800 ¢ 1836. quando ocorreram na Bahia varias insurreigées de eseravos de origens diversas. em que, cada lado, Géges/Daomeanos, Nagés/ Yoruba ¢ Malés/Haussas faziam abortar os levantes programados pelos que con- sideravam seus eiernos inimigos. delatando-se mutuamente. conseguindo assim salvar ao seu verdadciro inimigo comum, os “senhores brancos *, os quais, em de- terminados momentos, na Bahia, nao ultrapassavam 03 $% da populacdo local. Mas, como os fatos historicos acabaram por demonstrar, foi a Nagao Ulku- my ou Nag6 ou. ainda, loruba. que acabou por prevalecer sobre os seus inimigos, com a instituigo do Candomblé. que inspirou a reorganizagao de todas as outras variadas reminiscéncias religiosas africanas no Brasil, gerando os Candomblés Banto, Angola ¢ Congo e, até, reunindo a essas reminiscéneias religiosas africanas aquelas outras dos indigenas bras ileiros, gerando o Candomblé dos Cabloc de a ritualistica indigena recobriu nidade. e, em grande parte, com © manto da aftica- 38 Mestre Itaoman Portanto. ao contrario do que muitos pensadores brancos pensam e propa- gam, o Candomble nao é somente uma desestruturagdo da sociedade teligiosa afri- cana, ocorrida no Brasil Colonial. Subjacente a isso, por ser um verdadeiro “sis- tema ético onde imperam a hierarquia c a educacao”. como bem afirmou R. Bastide (1972), o Candomblé é um exemplo da fortissima selidariedade humana que estruturou, na desgraga. a esperanga imorredoura de liherdade ¢ identidade de todas aquelas ragas dizimadas ou escravizadas pelo colonialismo europen. Mas, apesar da existéncia de uma boa linhagem de Baba li Awo no passa- do, a supremacia do culto principal dos Imolé Ulkumy, 0 Orixdé Orunmild, entrou em declinio ¢ desapareceu publicamente dos Candomblés, sendo o Da Ht Fun ti Opén eo Dapélé ti Opélé substituidos pelo “sacudir” dos Ow6 Mi Jogo dos 16 Buzios, mais proprio das “Filhas de Oxum”, algumas delas marayi- Ihosas “Méaes-de-Santo” que, dizimados 05 homens. tomaram a sia sobrevivén- cia do Culto dos Orixa no Brasil a qualquer custo, muitas vezes. a custa de si prd- prias. Mas, talvez o presente trabalho possa estimular a curiosidade de muitos atuais “Filhos-de-Santo” sobre a realidade de sua heranga cultural. fazendo-vs pro- curar conhecer 0 que ela tinha de mais valioso e importante: 0 respeito que o Ulku- my tinha por si proprio e por seus ancestrais. Por isso mesmo, para que nao se continue a repetir. a nivel religioso no Bra- sil, os erros do passado em Af ndinlégun/ a. onde a ambigdo, arrogdneia ¢ a prepoténeia dos poderosos levaram a destruicdo ¢ A escravizagao de todo um povo artista e religioso, empreendedor e guerreiro, pelo simples fato de nao terem sabido reco- nhecer o seu verdadeiro inimigo, mesmo sendo hoje da raga branea ¢ Ela Ninw Tfé/Estrangeiro na Cidade Santa. respeitosamente atrevo-me a invocar Igi, o Ser Espiritual Deslocado, que todos nds somos em nossa cegucira espiritual: “IG SLOJU KIO RE ODI RE” “Igi, abra seus olhos € veja o seu inimigo provavelmente, veremos a nds proprios 1.2 — ORIXA ORUNMILA “[fa, eu pergunto: Quem € capaz de levar alguém ao Infinito ¢ estar sempre acompanhando esta pessoa?” Esséncia exemplificativa do Odi Ogundé Meji que nos faz. depreender que os Yoruba tinham uma perfeita nogio da Espiritualidade. em termos de seu alcance e sua finalidade. TFA - 0 Onixd vo Destino 41 1.2— ORIXA ORUNMILA O povo Yoruba tinha uma bela. firme e complexa visto de seu proprio mun- do, na qual o Mundo Natural estava em estreita relacdo com o Mundo Sobrenatu- ral, considerados complementares entre sie essa visto precisa aqui ser explanada para a melhor compreensao da Divinagao Sagrada de 114 e do proprio conceito das multiplas Divindades do Pantedo Yoruba que. no Brasil, ficaram conhecidas pelo titulo generico de “Orixa” Citei os seres sobrenaturais que os Yoruba acreditavam e ainda acreditam existir, como Divindades de um Panteda, pensando nas palavras do erudito pes- quisador ¢ etnégrafo eurapeu, Léo Frobenius (1913), 0 qual estudando a religiao dos Yorubé, principalmente a época em que a mesma ainda nao havia as do conceitos religiosos siasmo: ‘imila- alienigenas de origens Islamicas ¢ cristis, disse com entu- “A religiio dos Yoruba encontrava-se num estiigio requintado de evolugaio, podendo medir-se pela religiao grega, quer pelo numero de cpisédios, quer pela riqueza de personagens, quer pela profundidade das instituicées.” Claro esta que Frobenius cra um erudito de larga visto para a sua época e, sem ter preconceitos raciais ou religiosos, admirou-se perante a estruturacdo da religidio Yoruba, ainda que nela nao tivesse obrigucao de crer, E essa atitude positiva de Frobenius ¢ muito importante porque, como 0 Cre- do Yoruba jamais foi escrito diretamente por seus proprios teblogos. quando se est de fora do contexto Iniciatico de cada Terreiro, fica-se ao sabor de interpretagdes diversas para este mesmo Credo, dadas por religiosos, sociéloyos ¢ eindgrafos de origens raciais. tempos ¢ correntes ientificas as mais diversas. E € assim que temos que escolher entre os seus erros ¢ acertos, usando-os como degraus para alcangar a verdade relativa a cada um, uma ver que, como 6 disse Beatriz Gois Dantas, muitas vezes os préprios Ve ciros atuais agem “repro- Cuzingo em inias gerais o discurso des brancos dominantes sobre a reli- giao dos dominados” —e citando Bourdieu (1974), especialmente quanto a0 Credo Yoruba: “O que me parece é que a “pureza” Nayo, assim como a etnicidade, seria uma categoria nativa utilizada pelos Terreiros para marear as suas diferencas € expressar suas rivalidades, que se acentuam na medida em que as diferentes formas religiosas se organizam como agéneias num mereado concorrencial de bens simbélicos.” O que poucos outros autores se atrevem a fazer piiblico € que da mesma for ma acima descrita parecem agir muitos etnégrafos que, ao estudarem tais cultos, 42 Mestre Itaoman levam também em consideragao os seus “mercados de trabalho” particulares e com- param o |hes é dado “ver” nesses cultos, nao com aquilo que poderia ter s Africa, mas sim com aquilo que cles “gostariam” que tivesse sido. Mas, fora do dmbito Iniciatico destes cultos, nos quais 0 tinico pardmetro possivel € o da fé pessoal. para rever a verdadeira historia temos que recorrer aos historiadores e seus registros. mas, é-nos licito, também, compard-los com aquilo que aprendemos com nossos “Pais” e “Maes” de Terreiro. E vice-versa! Assim, o que transcreverei a seguir é aquilo que compreendo como a minha verdade, subjetiva ¢ relativa talvez, mas alicercada em minha fé mais profunda Porém, para nao repetir 0 erro que possa estar imputando aos outros, escorei os alicerces de minha {6 com as vigas sécio-etnograticas mais fortes ¢ dircitas que pu- de encontrar durante longos anos de convivéncias, estudos e praticas, até nao me sendo estranhas as muitas divergéncias entre etndlogos ¢ socidlogos de escolas di- versas, tais como Sainuel “Ajayi” Crowther (1852), IJ. Bowem (1858), Pe. Noel Baudin (1884), Jean Hess (1896/1898), Frobenius (1912). Samuel Johnson (1921), Pierre Verger (1957) ¢ Juana Ui. dos Santos (1976) e que nunca perguntaram aos “Pais” e “Maes-de-Santo” de “Nagoes” A fricanas, também div ersas, s¢ eles cram “estruturalistas” ou “colonialistas” E prefiro até, muitas vezes, apoiar-me nas experiéncias dos “mais velhos” do que na dos “mais doutos”, pois que se atualmente para muitos o sistema religi- 080 praticado em Africa pode se lhes afigurar como um “objeto de estudos”, para As Navas ane os ~ ido em ant vee Bee ea eh eae Wl ne Le IN GSELCN TED Brasil, a sua religiao era ndo sé viva e atuante, mas também fruto de sua convi- véncia mais que milenar com a Natureza ou, melhor dizendo, talvez que o seu modo de viver e partilhar da Natureza fosse fruto de sua ardvica convivéncia com as suas Divindades. Isto porque, para os Yoruba, a Existéncia transcorria em dois grandes planos: 1 —o Aiyé ou Mundo Natural; 2—o Orun ou Mundo Sobrenatural: Mas esses dois grandes planos de Existéncia nao eram assim tio distintos : as Divindades ja haviam “vivido” sobre a Terra no Odé Aiyé/Lugar das Divin- dades sobre a Terra. quando aqui vieram reger a criagao do mundo material Alem disso, a tradicdo religiosa Yoruba afirmava que tudo 0 que existiu, existe ou exis- tird no Aiyé/Mundo Natural ou Vida, foi plasmado no Orun/Mundo Sobrenatural ou Além e ai tem 0 seu exato Duplo. Desta forma, os Yoruba denominavam todos 08 Seres existentes por um sé outro termo: 3— Ara/Corpo. Estes Ard podiam ser. conforme as s\ 3.1— Ara Orun ou Corpos do Além; s qualidades: IFA - O Orixa vo De 3.2— Ara Aiyé ou Corpos da Vida ; Os Ard Orun (3.1) dividiam-se em duas categorias principais: : 3.1.1 — Os Imolé/Divindades, as quais estavam associadas a estrutura do Cos- mo e da Natureza Terrestre; 3.1.2 — Os Onilé/Senhores da Terra ou, ainda melhor, os Anes frais, aqueles entes falecidos que por suas ages passadas foram semidivinizados por sendo que, embora estivessem no Orun, nao eram Di- seus descendentes. vindades ¢ estavam ligados a estrutura da Sociedade. xian: Os Esé itan [f4/Versos dos Contos de Ifa. que se constituem na Escritura Sagrada jamais escrita dos Yoruba. mas que fizeram parte da meméria atavica dese povo por quase dois mil anos, falam com freqiicncia cin 600 (seis icentos) Imol@/ Divindades (3.1.1), classificando-os em 400 (quatrocentos) Iran Imolé ou Jranmolé e em 200 (duzentos) [gba Imolé ou Ighamolé: “Awon Irinwé irimmolé Oa Kotan; Ati Awon Igbamolé Oju Kosi. “Os Quatrocentos Imole do lado Diretto eas Duzentas [mole Go lado Esquerdo.” Isto significa que os Imolé podiam ser ¢ cram considerados como divididos em Divindades Geradores ([rinw6) ¢ Divindades Gestantes (Igba), mas todos os pesquisadores eruditos ¢ os religiosos africans também estao de acordo em con- siderar ldgica a tradigao de que estes 600 Imolé eram um numero mistico com fun- ¢dio de emprestar grandeza av conceito de Divindade, o que importava em dizer-se que eles, os [molé, eram em uma grande quantidade desconhecida No que todos também concordam ¢ que iam graduacdes de ordem, di- gamos, funcional, nesse grandioso conceito de Divindade. as quais se situavam no Méséésan Orun/Nove Além, ou, melhor dizendo. os Nove Planos de Existéncia do Além do Credo Yoruba. Estes Méséésan Orun, os quais seria fastidioso tentar aqui definir, tinham a Nlé/Terra, ou seja. este Mundo Natural como cixo central ¢ ras de acdo e, portanto, como “ponto de passagem ¢ de retorno” para que todos 0s Ara por ela, a 11é/Terra. intercambiassem os seus planos de existéncias diferenci- zomum de suas esfe- adas. Mas, para isso, necessitavam de um meio, quer cles fossem seus sacerdotes ou os seus Omodé/ ilhos-de-Santo ou, preferencialmente, seus lugares sagrados ¢ devocionais, tal como era o caso dos Origi/Monticulo-Sagrado do Orixé Orunmila na Cidade Santa de Ilé If. Dai a Terra ser invocada e chamada a testemunhar em todos os tipos de pactos, particularmente nas Iniciagdes ¢ em relacdo a guarda de segredos. Ki Mle Jééri, ou seja, “que a Terra testemunhe”™, era a mais ritual das formulas empregadas em juramentos solenes ¢ dai que todo 0 “Assentamento” de um Orixd devesse ser bascado na Ota/Pedra que ihe era propria. “assentada”, consagrada e 4d Mestre Itaoman “alimentada” permanentemente por seus figis, pois como bem diz Roger Bastide (1953): © ; “sa forga do O1 est na pedra..™ © que equivale a dizer-se: na‘Terra! Mas, apesar de existirem Nove Planos de Existéncia no Além. nenhum de- les equivalia a0 Céu ou ao Inferno dos eatélivos, poi desenvolveram nentum conceito desse tipo ¢ muito n 1é Bxti como uma es biamente os Yoruba nao 9s consicleravam ao Imo- pécie de “diabo”, como adiante se vera. Assim, nenhum Yoruba, mesmo em cati veiro, aceitava a idéia de uma tao een eet Cama SCY owe Wicd Teas Ree ee penne. CL ESth a Le EMC DATE CECT A. nao poder tornar-se em um Agba Egun/Grande Ancestral, mereccdor de ser cultuado no 1Ié Igbiilé/Casa dos Antepassados, ¢ assim ter a oportunidade de vir a ser, novamente, um Ayérunb6/Retornado do Além, ou, melhor ainda, um Babatundé/Pai que retornou, nominativos esies muito usados em familias de estir- pe antiqitissima. Pois que, 0 Credo Yorubé considerava.a Reencarnacao como uma certeza ciclica ¢ sem fim, dentro de uma mesma finhagem humana, pela qual se perpetuia- vad conjunedo dos Ancestrais com os scus descendentes vivos ¢ aqueles ainda por renascer. Dai a imposi¢ao de que o Babaldwo devia ter s linhagem patrilinear ou, no minimo, de uma con cor 1a iniciagao através de sua ia masculina, Dai também de- er uma das principais fungdes da Divinaglo Sagrada de Ifa. qual seja, a da ob- tengo do Kpoli/Destino Pessoal, quando se determinava “se” equal” Alma An- cestral podia estar reencarnada em uma crianga recém-nascida, mormente se ela fosse Omo Bibi/Bem Nascida em uma das 16 familias aristocraticas fundadoras de Ilé Ifé, a Cidade Santa dos Yoruba. Portanto, como dissemos anteriormente, Aiyé/Terra e Orun/Além estavam indissoluyelmente interligados nas mentes Yoruba ¢ todos os Méséésiin Orun/ Nove Além podiam se intercambiar nesta It Aiyé/Terra da Vida. Assim sendo, no mais alto dos Méséésén Orun, denominado de AjaPorun Teto do Além. portanto, no apice do poder espiritual. esta OLORUN, o Deus Str premo, justamente Aquele (O) + que tem (Li) + 0 Além (Orun). Como Deus Su- premo, [neriado e Criador, OLORUN nao tinha sacerdécio particularizado. Mas, apesar disso, Ele nao 6 assim tio remoto ou indiferente aos assuntos humanos, Pelo contrario, Ele esta sempre muito proxino deles: as preces e os apelos sinceros do coragao humano O aleangam ¢ Ele os responde através do Orixa Orunmilé ¢ sua Divinagao Sagrada de Ifa. Entretanto. nenhuma Oferenda ou Sacrificio Lhe podia ou pode ser entregue diretamente e Ele somente os receberia através de seu Mensageiro Divino, o Tmolé Exa Osijé IFA - 0 Orixd vo Destino 45 Dai o distanciamento de OLORUN de todos os outros Imolé, os quais nao tém condigdes de suportar-Lhe o esplendor, pois Ele ¢ também o Ala Aba BiAché, o Supremo Guardiado dos Poderes da Existéncia, da Realizagio eda Esséneia de tudo aquilo que foi, € ou sera, sendo, portanto. 0 Dispensador dos trés Pode- res que tornam possiveis e regulam todaa Existéncia nos Nove Planos de Exist@n- ciano Aléme na Terra da Vida: o twa, o Poder da Existéncia: o Axé, o Poder da Realizagao que dina: - o Aba. o Poder da Esséneia que da prop jiza a Existéneia: ‘o.a0 Axé A seguir, no segundo lugar na Hierarquia do Panteio Yoruba, criado por OLORUN de Seu proprio Halito, vem Orixanla. de Ovi Na = Grande, o Grande Orixé. Ao mesmotempo, OLORUN criot a Igbamolé Lyangba/Mae-que- recebe, a quem delegou os poderes paraa gestagae de todas as condigées para que a Vida existisse na Terra Em terceiro lugar. surpreendentemente para aqueles que dele t8m uma vi- so deformada pelo prisma do raci mo sociocultural-religioso, também foi cria- do diretamente por OLORUN, da Eeripé~ Lama, mistura de Agua c Terra, mas também vivificada por Seu HaAlito,o Imolé Ext Agb§, o Exti Ancestral, a Divin- dade da Dinamizacao, da Transformacao ¢ da Restituigao, quer no Orun, quer no Aiyé. Por isso, ele é uma Divindade importantissima ¢, embora, nao possa ser citada corretamente como um Orixé. ou seja, uma Divindade da Brancura, a sua qualidade de Terceiro Criado diretamente por OLORUN 0 torna seguramente um Imolé, ou seja, uma Divindade a ser respeitada como tal. além de ser © primeiro Ara Orun/Corpo do Além. ou seja.a primeira Individualidade Espiritual a ser criada diretamente da Materia Combinada: Agua, Verra ¢ Ar. Em seguida, houve a criacao de todos os Awon Imolé/Muitas Divindades, ou seja, as muitas Divindades do Lado Direito e as muitas Divindades do Lado Es: querdo, as quais viriam gerar em conjunto muitas outras Divindades consideradas como Omodé Okiinrin/Descendente-Masculina e Omadé Obirin/Deseendente- Feminino do relacionamento dos irinmolé com as Igbamolé, ressalvando-se que, aqui, direita ¢ esquerda nada tém a ver com o dicotémico conceito de Bem e Mal do Maniqueismo ocidental. Antes, correlacionam-se: — Os da Direiia, com o Poder Gerador Masculino e com a Primeira Classe de Poder, o lwa/Poder-da-Existéncia, expressado materialmente pela cor Funfun/ Branca. Conheceram-se 50 (cingiienta) deles que eram considerados nao gerados mas geradores, sendo que eram estes os que realmente mereciam o nominativo de Orixa/Divindade da Brancura. 46 Mestre Itaoman EE — As da Esquerda tém a ver com o Poder Gestante Feminino ¢ com a Terceira Classe de Poder, o Aba/Poder-da-Esséncia, expressado materialmente pela cor Duduw/Preta. Conheciam-se muitas delas que eram consideradas nao geradas mas gestantes, sendo conhecidas pelo nominativo Ebora — Edese notar que estes Iriinmolé e |ghamolé geraram entre si os demais Imolé do Pantedo Yoruba c estes “filhos” e “filhas” assim gerados pertenciam a Se- gunda Classe de Poderes 0 Axé/Pi rialmente pela cor Pupo/Vermelha, ou entio, por mitltiplas combinagses das trés cores-simbolos: Funfun, Dudu ¢ Pupo. Estes novos Imolé Gerados classificavam-se a Direita ou a Esquerda, con- forme os seus designativos: A— Os Omodé Okinrin, da Direita, apesar de ndo pertencerem exclusivamente ao Funfun/Brancura, eram denominados de Orixa Omodé Okimrin, ou seja, Orixa Descendente Masculino; As Omodé Obirin, da Esquerda, também apesar de no pertencerem exclusi- vamente ao Dudu/Preto, eram tratadas por ly ‘mi, ou seja, Senhora (lya) Minha (Mi), ou, ainda, Minha Mie. pois iya pode traduzir-se igualmente por estes dois termos na lingua portuguesa, 0 que gerou muitas confusées posteriores entre Gestantes e Geradas. Toda essa classificagao era muito importante quando dos rituais de “feitu- ra” de um fiel e/ou do “Assentamento”™ de um Imolé num lugar devocional mas, no Brasil, apés a perda de valores iniciatorios causada pela escravidio ea conseqiiente reuniao de todos os Imolé num s6 espago fisico —o do Candomblé — 0 apelativo de “Orixa” firmou-se para designar a todos os Imolé indistimamente , quer fos- sem da Direita ou da Esquerda, ou, quer fossem “Pais”, “Maes” ou “Filhos”, ,en- quanto 0 termo Ebora muitas vezes passou a ser confundido e assimilado como um designativo de “Feiticeira”. E de se notar, ainda, uma outra grande confusao ocorrida no Brasil, qual seja, a do conceito do Eleda Mi/Meu Criador, confundindo-se este conceito com outro, o de Oltiwaré/Meu Senhor no Mundo. Muito embora, pelo Credo Yoruba, fosse perante OLORUN que cada Ard Orun devesse “ ‘ajoclhar-se” para pedir o seu novo destino antes de reencarnar-se, sendo, pois, assim, OLORUN o seu verdadeiro Fledé/Criador, ao renascer como Ara Aiyé para cumprir este destino adrede solicitado, 0 nove Ser Vivente estaria ligado a algum irinmolé ou Igbémolé, que Ihe “emprestaria” algumas qualidades de sua matéria primordial a qual este novo Ser deveria ser devotado ou por ele/ela “possuido” no transe meditinico. Essa Divindade, depois de detectada ¢ confirmada pelos processos da Divi- nao Sagrada, era considerada como a “possuidora” da Ori Int/Cabcga-Inter- IFA - O Orix4 vo Destino 47 na, ou seja, da nova Personalidade Individual Terrestre daguele Ard Orun encar- nado, ou seja, o seu Olawaré, portanto, e no méximo, 0 seu Oba Mi/Meu Senhor ou lya Mi/Minha Senhora. No Brasil, ofuscado pelo conceito catélico de Deus Pai, embora tivesse 0 mesmo significado em Africa, OLORUN perdeu esta sua carateristica de Eleda Mi para a Divindade detectada ou manifestante no novo Ara Aiyé/Ser Vivente. E,apos algumas geracdes de escravizades, ou, quigé, gragas a alguns confuusos informan- tes, 0 Eleda Mi tem sido registrado até como “uma espécie de Anjo de Guarda”. O principal irinmolé Orixé Funfun é a Grande Divindade da Brancura, 0 Orixa Nl4/Grande Orixd, também conhecido por um outro de seus titulos Obatalaé — de Oba (Senhor) + Ti (Tem) + Ala (Veste Branca) e que ¢ 0 Parceiro Gerador do Casal Divino que, por beneplacito e ordem de OLORUN, gerou e re- geu toda a Criagdv. No Brasil, este Orixa ficou mais conhecide pela contragaio do termo OrixAnla, posteriormente criando-se a nova fonética *Oxala”, sob a qual € muitas vezes confundido com OLORUN e, outras vezes. sincrético com as carac- teristicas esotéricas de Jesus, 0 Cristo. A principal lgbamolé Ebora Dudu é a grande Divindade do Preto, a Igbé molé/Iyangba Odidua que é a Pareeira Gestante do Casal Divino. mas que esta praticamente esquecida no Brasil, como tantos outros Imolé, tais como Oranfé, Agbona, Erikiran, Erinlé, Oliwa, Oké, Agbala, Ikire, Hho, Ija, Olisfon, Ete- ko, Oliorogho, Olfiwonfin, Oxadgiysn c tantos outros mais, Entretanto, a lyangba Odidua esta sempre presente nos “assentamentos™ dos Terreiros tradicionai: mo que muitos de seus “filhos” nio perecham isso, através da Igbit Odii/Caba dos Odi, pega importantissima ¢ sacratissima em todos os “assentamentos”, re- presentando tanto o Universo Criador quanto o Universo Criado. ‘A [gba Odi representa a jungaio do Casal Divino e pode ser uma espécie de cuia ou vasilhame duplo, onde a parte superior representa a Divindade Masculina a parte inferior representa a Divindade Feminina, abrigando no seu interior os elementos materiais capazes de representar ¢ emanar as qualidades das trés clas- ses do Poder da Criagao: 0 Iwa/Branco, o AxéiVermelho e 0 Aba/Preto, represen- tando assim, também, tudo o que simplesmente existe. E dessa dupla Criacdo, como conseqiiéncia da existéncia de Vida na Terra, apareceu a outra classe de criaturas Ard Orun do Pantedo Yoruba: os Onilé (3.1.2), de Oni/Senhores + Ilé/Terra, ou seja, os Senhores da Terra. Com a criagdo das condigdes de Vida no Aiyé/Terra, 05 Art Orun/Corpos do Além, que tiveram as suas Ori Orun/Cabega-no-Além eriadas por OLORUN, puderam tornar-se em Ard Aiyé/Corpos-da- Vida, ¢ sobre a Yerra existir para con- sumar o seu Iwa/Destino com a propria Ori InivCabeca-Interna, para no scu OPojé/ Dia-Mareado retornar ao Orun/Além para acrescentar a Ori Orun do seu Ara Orun, ou seja, a sua “matriz” primordial, todos os méritos ou deméritos de suas 48 Mestre Iaoman agbes praticadas na Lu Aiyé/Terra cla Vida, adquirindo, apos a primeira desencar- nagao, a qualidade de Ara Orun (que ja era) Onilé (que agora passard a ser). Os Onilé (3.1.2) nao cram Div indades “stritu sensu”. eram, antes e sobretu- do, as individualidades espirituais que tiveram aexperiéncia, boa ou ma, da Vida sobre a Terra, a “bordo” de um corpo humano Isto significava que os Egun/Mortos eram totalmente diferentes dos Orix: Portanto, mesmo aqueles Faun estando no Orun como Onilé nao podiam ser cul- tuados como Divindades, mas mereciam um culto a parte. Os Onilé (3.1.2) dividiam-se em tés classes: 4.1 — Os Baba Agb4 Egun ou os Pais Ancestrais Falecidos . que por seus mé- Titos terrestres foram semidivinizados por suas descendéncias, metecende em Africa eno Brasil culto organizado no Ile [ebalé/Casa-dos-Mortos dos Terreiros gun/Terreiro-ags-pés-dos-Antepassados, especificamen- te préprios, como os que ainda existem na Ihade Itaparica, Bahia, tao an- tigos ¢ importantes quanto os outros Terreiros-I’és6-6 ix4/Terreiros- aos-pés-dos-6rixa. 4.2 — Nessa mesma classe. devemos ainda ineluir os i's, ou seja, os Ancestr: Especiais, tais como os Baba Egun eas iya Agba, ou “Pais” ¢ “Maes” falecidos que haviam sido Babaliwo ¢ ly4lorind ou seus afins, os quais sio venerados nos [é-ibo-alei, também a Casa dos Mortos dos Terreiros- Pésé-rixa 4.3 — Os Egiingiin ou as Matrizes dos simples mortais: Nesta tiltima categoria, a do Egangdn, talvez, som muita propriedade, pu- déssemos eneaixar os Abflei/Criancas que nascem para morrere os Ara Orun dos Suicidas que devem vagar entre Aiyé eos Méséésan Or un até desintegrarem- Seno Nada, muitas vezes referidos como Ajagun/Elementos Destrutivos que transi- tam pelos Ona Burdiki, os Maus Caminhos Os Onilé nao sendo. pois, Divindades “stritu senst a tutela de dois grandes Imolé/Divindades, a saber: — O irammolé Obaltiaiyé, de Oba — Senhor + Ili = Terra + Aiyé= Vida, ou Seja, 0 Senhor da Terra da Vida, portanto, com o poder delegado pela Ebo- ra Ikti/a Morte: — A lya-mi Oya Igbalé, a Divindade também conhecida como a ly Méséésan fambem estavam sob EMI OCHROFA GOS NOV dar o termo Lyan: fem. cua contragao deste nome. io Brasil. veioa 2ja. a Senhora dos Nove Além, lugar onde iam si- tuar-se os Onilé apés as suas passagens terrenas. podendo, portanto, contro- lar também os Egun. os Abikive os Ajégun. Também os Onilé apresentam o seu lado de Eterno Masculino ¢ Eterno Fe= minino, sendo os Ancestrais mascuilinos denominados por Baba/Pai ou Senhor e as Ancestrais femininas por lya/Mae ou Senhora. IFA - O Orixi po Destino 49 O Pai mais ancestral é denominado por Baba Olukétin Olori Egun/Senhor do Lado Direito Chefe da Cabeca dos Mortos; a Mae mais ancestral é conheci- da por lya Agb& Nl&/Mae Ancestral Maior Compreendido tudo isso, podemos agora falar sobre o Orixd Orunmila fA. Primeiramente, o Orixa Orunmila ¢um a Ard Orun/Corpo do Além, ou seja, um obrenatural: b— E também um Imolé/Divindade ou um Ser Sobrenatural Divino: Além disso, ¢ um Iranmolé Oj KOtan/Olho Direito, ou seja, um Ser So- brenatural Divino Masculino do Lado Direit d E, além disso, ¢ um dos 50 Orixé Funfim, ou seja. um Orixa Nao Gerado mas Gerador do Poder da Brancura i Sua qualificacao completa seria, pois: — Ard Orun Imolé iranmolé Oja Kétan Orixa Funfun Orunmild If — E qual ¢ a sua fungao no Panteao Divino Yoruba?? Como vimos anteriormente, OLORUN distancia-s Aba L’Aché, 0 Supremo Orixd da Exi aquilo que foi, dos Imolé por sero Ala téncia, da Realizacdo e da Esséncia de tudo ou sera. Podemos. pois, identifica-Lo com o conceito universal de Deus Supremo e, como tal, Ele nao tinha culto nem sacerdécio particularizado. Mas, apesar disso, Ele ndo é tao remoto ou indiferente aos Ara Aiyé que, em ultima anilise, sao as formas materiais de Suas préprias criages espirituais, através da ago de Obatald ¢ Odiidua: as preces e oragées sinceras O alcangam e Ele as responde através do Orinda Orunmild. Porque é perante OLLORUN que cada Ori Orun se “ajoelha”, no Orun, para pedir livremente a escolha do Iwa de seu future Ort Inti de seu Ard Aive. Se assim aprouvera OLORUN, essa Individualidade Espiritual recebe Dele 6 beneplacito que a habilitard a tentar realizar ou bem consumar o Iwa que Lhe vali Tia 26 x POE n rrn nett bese hers es Re SR CEVA EY TURD ALA Oy Orunmilé o controlador do novo Iwa solicitado, Mas, exceto quanto ao seu Ol’ 9j6 para voltar ao Orun, este Iwa nao € assim tao fixo ou inalteravel. Erros c acertos de conduta de um mortal podem afasta-lo ou aproxima-lo daquele objetivo adrede ¢ livremente eseolhido perante OLORUN antes de nascer ¢/ou renascer Além disso, outros Imolé podem interceder a favor ou contra um mortal, conforme a conduta deste perante os deveres que tenha assumido com esses outros Imolé ou também com os Onild, pois nao podemos nos permitir esquecer que Orixa ¢ Ebora, sem falar nos Babae Lya Agba, eram de carter nitidamente Patrilineares ¢ Matrilineares de Clas Familiares especificos e, portanto, também traziam deveres sociais ¢ espirituais aos seus deseendentes na Terra Também a Vida Terrena, para ser bem usuftuida em sua plenitude, exige contradotes ou Oferendas de Restituigdo dos clementos, materiais ou astrais, con- 50 Mestre Itaoman sumidos ou utilizados pelo Ser Vivente, sem falar especificamente no Axé, forga sutil magica que dinamiza esta existéncia. Mas, no Credo Yoruba, existia o fato inexoravel de que cada um, ao nas- cer, se esquece do que sua Ori Orun escolheu para realizar nesta Hu Aiyé. Assim sendo, 0 Ori Inti do Ard Aiyé Yorubé nao sabia como deveria se portar em relagao ao seu destino ¢ até mesmo qual fosse ele ¢, portanto. quais seriam os contra-dotes de restituigao que ele deveria ofertar a OLORUN, aos Imolé e aos Onilé para bem consumar este scu destino. Era quando, as vezes, atdnito ou. cm desespero, o Ard Aiyé Yoruba orava sinceramente ao Orixa Orunmila: “Tf, eu pergunto: Quem é capaz de levar alguém até o Infinit E estar sempre acompanhando esta pesso: Asta era uma formula ritual de pedir indiretamente que OLORUN ouvis as suas preces ¢ as respondesse através de Orixd Orunmild Eé assim que aparece a fungaodo Aré Orun Imolé lrinmolé Oju Kétin Orixa Funfun Orunmili no Pantedo Divino Yoruba: ele é 0 Arauto dos Designios Ab- solutes do Ala Abi L’Aché OLORUN, nao s6 para os Ard Aiyé. como para to- dos os Ara Orun, pois o Orixa Orunmila é um dos dois Imolé que podem fivre- mente apresentar-se a presenga de OLORUN e suportar-Lhe © Esplendor! O ou- tro € o Imolé Exie, por isso mesmo este também esta indissoluvelmente ligado a Divinagao Sagrada de Ifa. Sim, existe um terceiro Imolé que também péde estar presente, pelo menos por uma vez, perante OLORUN, mas que esta completamente esquecido das figis no Brasil: o Imolé Osétuy E diziam os Babalawo ancestrais de Ilé 11é, a Cidade Santa dos Yoruba, que o nominativo Orunmila é derivado de um nome mais antigo, qual seja. Ela —e que derivaria do verbo La = Abrir. A Orunmilé significaria “latu sensu”: Orun = Além + Emf— Eu + seja, “Aquele que pode abrir o Além™! fungdes e, também, com outras lendas que explicam o nome de Orunmila como sendo uma contragao do titulo OLORUN mo Ela, sendo OLORUN = Deus + Afo =Reconhecer + Eid = Abrir, ou seja, “O Senhor reconhece Aquele que pode abrir o Além”. E06 Orixd Orunmila comunica aos mortais os designios de OLORUN, dos outros Imolé ¢ Oni onhos, sories. beneficios, mas também por inquietagées. infortiinios, pesadelos ¢ doencas que acabam por levar 0 fiel ao Babalawo em busca da palavra final do Orixé Ormmila: a Profecia! im, &-nos licito dizer que 6 nominative Mla = Abrir, ou ste significado condizia com as suas através de intuigdes, premoni¢ IFA - 0 Orixi Do Destino 51 E era entiio que o Orixa Orunmila, o Arauto Divino, assumia a sua forma de Patrono dos meios de Divinagdo, a sua forma Ifa, ¢, assim, respondia através dos instrumentos divinatérios sagrados do Opén/Tabuleiro e do Opélé/Corren- te, que cram consultados pelos Babaliwo/Pai do Segredo, os quais, inspirados por Orunmilé, guiados por Ifa, ajudados e vigiados pelo Imolé Exii, baseavam-se No que estava “registrado” no Ori Orun daquele consulente e aconselhavam-no, ins- trufam-no, orientavam-no, prescrevendo as Oferendas, os ritos, os comportamen- tos sociais e até, através de ditados populares, davam o conselho amigo para que aquele fiel do Orixa Orunmilé pudesse obrar para bem consumar o seu Iwa/Destino, mas sem se esquecer de recomendar-Ihe de Pa fixit/Acalmar Ext, porque ele 60 Osijé/Mensageiro Divino c o L?Onan/Senhor dos Caminhos, quer dos Ona Rere/ Bons Caminhos, quer dos Ona Burtikit/Maus Caminhos, que ele abre ou fecha os Ard Aiyé, conforme 0 comportamento ritualistico de cada um. Como o Orixa Orunmild recebeu de OLORUN o poder de falar pelos ou- tros Imolé € Onilé, também estes. através da Divinacaa §: prada da TPS madam on Lees licitar aos fiéis para que Ihes oferecam alguma Oferenda especial, para assim evi- tar que se agrave um mau destino ou, ao contrario, para garantir a correta consu- magao do mesmo, porque também podia prejudicar a um Iwao fato de se desres- peitar um Ew6/Tabu de seu Oba Mi ou sua ly Mi ou, entdo, sofrer-se a agiio de terceiros que, contra ele, praticassem Ajé/Feitico, Mas 08 Sacrificios Rituais da Divinagdo Sagrada de Ifi, conhecidos como Adimi, palavra cujo sentido € justamente “Abrigar-se”, no scriam nunca dirigi- dos @ esses Imolé e Onilé protetores, mas sim oferecidos a OLORUN que, entre- tanto, $6 os receberia através do Imolé Ext, devendo a Oferenda ser, salvo instru- ges em contrario, contida nos préprias Versos dos Contos de [fa, depositada no sacrario do Imolé Ext; dai a necessidade de Pa Exti/Acalmar Exu, Entretanto, o Imolé Ext obedece irrestritamente ao Orixa Orunmild, de quem respeita a espada que um dia o picou em mil pedagos, submetcndo-o desta forma & fungao de Restituidor e Dinamizador do Axé, tornando-o também em Fiscal e Exe- eutor Divino de OLORUN, tendo como uma de suas fungdes primordiais dili- genciar para que aqueles que realizam as Oferendas prescritas alcancem os seus objetivos e para que aqueles que assim nao o fazem, depois de alertados por infor- tdnios leves, sejam mais severamente incomodados ou até mesmo punidos, © é também por isso que desde a mais remota antigitidade o nominativo Ifa € interpretado como “Aquele que raspa”, porque ele Fa/raspa as aflicdes, os in- fortiinios © as doengas dos figis que preceituam as Oferendas Rituais, no mesmo momento cm que os Babaliiwo “raspam” o Pé Branco Consagrado do Tabuleiro de Ifa para Tefé/A pertar [ff das Ona Ifi/Trilhas de Ifa, ou scja, os Signos Gra~ ficos dos Odii/Fundamentos da Tradicio, lestre Itaoman E, pois, a Divinagao Sagrada 1 do Orixa Orunmila que, baseando-se no que esti registrada nos respeetivos Ori Orun de cada um. oferece ao Ser Indivi- dual todo um roteiro de comportamento mistico-religieso, mas também social & cultural baseado em precedentes miticos € histéricos de seus Ancestrais, desta forma lidando com medicina natural ¢ psicossomatica; com o sobrenatural ¢ o pst- quico-drama das dan¢as ¢ cantos; dando exemplos histéricos: de compor amento pessoal apropriados para entrentar as situagdes penosas ou dificeis que se podi- am encontrar dentro do contento sociacultural-religioso Yorubé que, ressalvados o Tempo ea Distancia, sao surpreendentemente Universais. como Universais sto as ayGes € reagies basicas da Humanidade. ditadas que sio pelas necessidades vi- Ba id Ne Mo 4 A denominagao de [fa, também dada a Orunmila, estava sempre em rela- $40 com 0 uso do Opin iXi/Tabuleiro de fi ¢ 0 sou dispositivo complementar 0 Opblé Ifé/Rosario de [féi, que cram manipulados pelos Babalawo. pois este ter mo, além de significar “Pai que detém os segredos”, significa também “Senhor que usa 0 Tabuleiro™, pois Awa significa nao so Segredo. mas tambem Pravo ou Tabuleiro, Esse sistema de Divinagao Sagrada importaya em se ter. como no caso de outras Divindades: hierarquia sacerdotal, contraria religiosa de figis ¢ acdlitos: ri- tuais e Oferendas especilicas: templos, aposentos ¢ lugares sagrados: objetos por- tadores e transmissores de Axé especificos como colares, insignias, cajado, Ota. ervas, cdnticos, dangas. tambores ¢ festivais anuais publicos gue nao serao aqui pormenorizados. pois fazem parte da ritualistica iniciante das Nagoes A frieanas, as quais aqui preservaremos sempre que isto nao for impeditive pars preensao da grandeva e pureza deste sistema de Divinacao Sagrada. Mas este digdéo milenar de capacidade, honestidade ¢ obediéncia as ree jas de Orunmilé Ifa no trato com os figis ¢ seus anseias ¢ que por isso mesmo acabou por conferir 4 sua Ox6gboni/Sociedade Detentora do Poder. ¢ que era seereta, um poder que 0s cultos de outros Imole nao possuiam. ou seja. o poder de vida e mor= te sobre os Oni/Reis que fossem culpados de abuso escorchante do poder ou qual- quer outro crime de carater péblico ¢ escandalose. Mas, a meu ver, o sucesso da Div inagdo Sagrada de If residia no fato de fornecer um alivio imenso aos seus consulentes, no justo momento ein que eles de- viam tomar as decisdes mais graves e diliceis, como bem remarcou Bascon (1969): acom- istema possuia algo mais que os outros Cullos: uma rigida tra. as sau ~“Uma vez oferecido o sacrificio, a questo fiea nas mios da Divindade.”- F era justamente para colocar os seus problemas existenciais nas maos di- vinas mais apropriadas que o fiel Ulkumy-Négd-Yoruba, aliviado e agradecido, orava: Ifa.eu pergunto: Quem é capaz de levar alguém ao Infinito ¢ estar sempre acompanhando esta pessoa?” ix DO Destino 33 1.3— IMOLE Ext i aqui esta meu sacrificio! Por favor, diga a OLORUN que aceite este sacrificio calivie meu sofrimento!” Férmula ritual com que os figs Yoruba ofereciam 0 Ebo destinado ao Imolé Ext, IFA - 0 Orixi no Destino 35 1.3 — IMOLE ExU Como se leu inicialmente no item 1,1, a Confederagaio Yorubé comecou a formar-se nos meados do IV século depois da Era Crist, portanto, ha mais ou me- nos 1.500 anos, com a fusao politica de cidades-estados, muito mais antigas, numa nova Confederagio. Embora a capital politica desta Confederagao tenha sido, primeiramente, a cidade de Oyé e, posteriormente, a cidade de Benin, a mais antiga e importante cidade-estado era ade Ilé Ifé, cidade to santa para os Yoruba quanto foram Jeru- salém para os Hebreus, Roma para os Catélicos e Meca para os Islamitas. Foi a partir de Ié Ifé que a rcligido dos Orixa difundiu-se por larga parte do sudoeste africano e, através do trifivo negreiro, aportou no Caribe ¢ no Brasil, no final do século XVIIL, onde teve sua sobrevivéncia e renascenca, especialmente na. Bahia ¢ no Rio de Janeiro. Mas, embora a tiltima capital Yorubé, Benin, tenha capitulado ante os in- gleses apenas em 1897, tornando-se um Protetorado Britanico, desde pelo menos os meados do século XIV a religiio dos Orixd sofreu a influéncia do Islamismo, culminando esta influéneia no inicio do século XVIL com aconversao politicamen- te forgada do governador da provincia Yoruba de Ilorin, Oba Afonja, a religido do profeta Maomeé, Posteriormente, é evidente que sob a condigao de Protetorado Bri- tanico, ainda sofreu a influéncia do Cristianismo, sob suas varias formas, forgada ou mediante aculturagio. Assim sendo, s6 nos reportaremos aqui aos conceitos ancestrais jd esta- belecidos sobre o Imolé Exit ha milénio antes de tais acontecimentos ¢, sobretudo, em sua ligagdo mais direta com 0 culto do Orixa Orunmilé [fae ao seu Sistemade Divinagao Sagrada. Desta forma, temosa dizer que uma das Divindades ancestrais que mais es- candalizou, confundiu e exasperou aos primeiros missionarios Islamitas e, depois. aos catequistas eristios europeus, foi o Imolé Exé, sobretudo porque estes prim 10S missiondrios ¢ catequistas, reagindo aos estimulos de seus préprios subconsci- entes ¢ de seus tabus sécio-religioso-culturais, superestimaram um dos atributos deste Imolé, ou seja, a natural atividade sexual, sem a qual nao hd procriagao ani- mal ou humana. E, na repressio a este atributo ea sua representagao falica, esqueceram-se das outras atividades divinas desse Imolé. - Por isso mesmo, comegaremos aqui por enumerar alguns dos atributos e ti- tulos que essa Divindade, tao cara a uma sociedade guerreira, agricola e pastoril, tinha antes do advento de sua “conversdo” forgada em “diabo”, em nome de uma 56 Mestre Itaoman pretensa superioridade cultural ¢ racial que levou a Africa mais de trezentos anos de guerras, sangue, suor e ligrimas. Por isso mesmo, a cle nos $6 referiremos aqui por seu titulo ancestral Ulkumy de Imolé, para bem diferenci¢-lo da idéia de Sata, Caipora ou “Exd de Tronqueira”, que a perda de valores iniciatérios africanos, causada sobretudo pela escravidao, permitiu insinuar-se até na mente de muitos daqueles que se dizem “Babalads”, quanto mais na mente de seus mais simples se- guidores atuais. Assim, com 0 devido respeito, saudamos ao Imol8 Ext: “Mo Ju Iba, Ext Oba Baba Exa! Iba Bsé, x6!” F pedimos-lhe Ag6/Licenga para citar 0 seu Orixirixi, ou seja, os seus Contos Imemoriais onde se fala dos seus dezesseis atributos livadbs a If ¢ 0 por- qué desses titulos tao negligenciados hoje em dia. Bis aqui seus dezesseis titulos ¢ correspondentes atributos: 1 Exé Yangi o Ext da Laterita Vermelha 2 Exu Agba o Ext Ancestral 3 sxtt [gba Ket o Bxti da Terceira Cabaga 4 Exit Ok6t6 o Exti do Caracol 5 Ext Oba Baba Exit o Rei ¢ Pai de Todos os Sixt 6 Ext Odara 0 Senhor da Felicidade i Ext Osijé o Mensageiro Divino 8 Ext Eléra 0 Senhor do Carrego Ritual 9 Ext Eni Gbarijo 0 Boca Coletiva dos Orixa 10 Ext Elégbara o Senhor do Poder Magico (1 Bxd Baré o Senhor do Corpo 2 Exo L’Onan o Senhor dos Caminhos 13 Ext OrObé o Senhor da Faca 14 Ext El'Ebo © Senhor das Oferendas 15 Ext Alafia © Senhor da Satisfagao Pessoal 16 i Odiisé: o Vigia dos Odi Imolé Ex Yangi éasua miltipla forma mais importante e que the confere a qualidade de Imolé ou Divindade, pois nos ritos da criagao. segundo o Credo Yoruba, conforme Juana FE. dos Santos (1976): -*O ar eas Aguas moveram-se conjuntamente ¢ uma parte deles mesmos trans- formou-se em lama, Dessa lama originou-se uma bolha ou monticulo, a pri- meira matéria dotada de forma, um rochedo avermelhado ¢ lamacento. Olérun admirou esta forma e soprou sobre o montfculo, insuflou-Ihe Seu Ha- lito c Ihe deu vida. Esta forma. a primeira dotada de exist8ncia um rochedo de Laterita, era Ex Yangi.”- IFA - 0 Orixi vo D: INO 57 Des: 1 foi criado dirctamente por OLORUN, mas nao da propria e primordial matéria divina, da qual Ble fer Obatala e Odiduwa, mas sim daquela matéria que daria forma a toda existéncia genérica subseqiiente, ou seja,a Eertpé/Lama, da qual seria criada tambem toda a humanidade que um dia Ebora Ikii/a Morte devolvera a essa mesma Lama. Ent&o, Imolé Ext Yangi é o primeiroa ser criado na Existéncia Genérica e osimbolo por exceléncia do Elemento Criado. Por isso ele 6 chamado também de Imolé fxi Agba/Exti Ancestral. Assim, os seus assentamentos ou sacrarios mais antigos ¢ tradicionais cram um simples pedago de Laterita vermelha enfiado no so- lo, na Orita Meta/Encruzilhada de Trés Caminhos. Algumas vezes, a Laterita vermelha estaria cercada por 7, 14 ou 21 hastes de ferro, mas deste metal bem en- ferrujado, que € 0 “esqueleto” do metal novo. Como os mitos da criag’o. segundo os Yoruba, demonstram que Imolé Exa foi criado logo apds Orixanld ¢ Odtiduwa por OLORUN, ele é, portanto, o Igba Keta: literalmente, a Tereeira Cabaga ou 0 Terceiro Criado, sendo simbolo da exisféncia diferenciada ¢, em conseqiiéncia, o elemento dinamico que leva 4 pro- pulsaio, a mobilizacao. a transformagao ¢ ao crescimento. Nesta variante multipla, ele é0 principio dinémico que partivipa forgosamente de tudo o que Vira a existir. E assim processou-se a Criagao, segundo o Credo Yoruba. Os Orixirixi Ext continuam contando como Imolé Exu logo descontrolou- se e comecou a devorar todaa existéncia, sendo obrigado por Orunmilé, apos uma longa perseguigao, a vomitar tudo de volta: entretanto, melhor, em maior quanti- dade ¢ mais perfeito do que quando o ingerira. BK, tendo sido picado em milhares de pedagos pela espada de Orunmild, transformou-se no Mais Um ou o Um mul- tiplicado pelo Infinito, no Ext Oké6t6/Caracol, cuja estrutura dssea espiralada parte de um ponto tnico, abrindo-se para o Infinito ¢ no qual os Y orubd conceitu- avam o crescimento ea multiplic: Desta forma, Imolé Ext: Yangi também multiplicou-se “ad infinitum” e, tendo se tornado jd no simbolo da restituigao ¢ da recomposigao, tornou-se ele proprio no Oba Baba Ext/Rei ¢ 0 Pai de todas os outros Imolé Ext que dele foram “cor- ea nana camara aaamnanham ac Imalé atadac ac mariaic forma, fica claro que Imolé aa! ee Rae ate! an cae Ready cok A meee wae e RRs ml | ey By kal Os Es¢ itan [f4/Versos dos Contos de ff, contam-nos a razao da deno- minacao de outras variantes multiplas de Imolé P Numa explanacao livre dos versos desses Contos, no que se refere ao Imolé Osétuwa, podemos ler que quando os Imolé vieram a Terra para coadjuvar Ori- xdnlae Odiiduwé a reger a criagdio, OLORUN ensinou-lhes tudo quanto precisavam saber para quea vida na Terra fosse Odara/Feliz. 58 Mestre Itaoman Mas, apesar de os Imolé fazerem tudo o quanto fora prescrito por OLORUN, sobrevieram na Terra todos os tipos de deseragas, mormente uma terrivel e pro- longada seca Os Lmolé reuniram-se e chegaram a conclusio de que os fatos desastrosos estavam além da sua compreensao ¢ que deveriam mandar alguém, sAbio ¢ ins- truido, & presenga de OLORUN, para que Este Ihes mandasse a solucao dos pro- blemas que afligiam a Terra, sob o risco de seu total desaparecimento Grunmila, o Orixé da Divinagao Sagrada, partiu nessa misao e data daf o fato de que Orunmild passou a ser um dos dois Imolé que podiam apresentar-se perante OLORUN e suportar-Ihe 0 esplendor. Ao lhe ser permitido facear OLO- RUN, Orunmila ouviu Dele que a razao para todas as desgracas que assolavam a Terra estava no fato de que cles, 05 Imolé, nao haviam convidado para morar no Odé Aiyé. ou seja, o lugar da moradia dos Imolé na Terra, ao Ser que se cons- tituia no décimo sétimo dentre eles, Quando assim o fizessem, tudo vollaria a fru- tificar! E foi assim que Orunmila tomou-se 0 Arauto de OLORUN para a ligagaio dos dois mundos, 0 Orune o Aiyé, retornando ao Odé Aiyé e, junto com os outros quinze Imolé, comegau a procurar pelo “déeimo sétimo”, 0 qual deveria ser convi- dado a morar com eles. Depois de muitas tentativas infrutiferas, decidiram que uma poderosa Ajé, a Ebora Oxiim, deveria conceber um filho de Oxd/Senhor do Po- der Maxico, filho esse que receberia, ainda no yentre matemno, 0 Axé/Forca Ma- gica, de todos os Imolé por imposic¢do conjuma de suas indos, para que se trans- formasse assim no mensageiro por exceléncia das Oferendas dos Imolé e se aca- bassem as desgragas que assolavam a Terra. Assim foi gerado um filho do “feitigo” com o “poder magico”, o qual rece- beu o nome de Osétuwa; e este nove Orixa Gerado passou a tentar cumpriro seu A Oe SSS CIrO, mas sem obler absolutamente nenhum sucesso! Até queum dia, em afligao, lembrou-se de procurar 0 quase desconhccido tmolé Ex Odara/ Exit da Felicidade, para pedir-Ihe consethos ¢ ajuda E assim Osétuwa dirigiu-se ao Imolé Ext Odard e pediu-lhe a ajuda para levar as Oferendas dos Imolé a OLORUN. B Imolé Ext Odard respondeu a Osétuwa: ~“Como???: Jamais pensei que yoc? viesse me avisar antes de partir! Por este seu gesto, hoje o Orun Ihe abrira as portas.7- E, entio, Osétuwa e Bxu puseram-se a caminho © partiram em dire¢do aos portdes do Orun. Quando la chegaram as portas ja se encontravam abertas!” IFA - O Orixi po Destino 59 OsétuwA, entio, pdde entregar as Oferendas dos Imolé a OLORUN e Este. aceitando-as por virem através de Imolé Exi, deu a Osétuwa “todas as coisas ne- cessarias A sobrevivéncia do Mundo”. Osétuwa voltou ao Aiyé e tudo frutificou novamente! Tao gratos Ihe ficaram os Imolé que o cobriram de presentes € o celebraram como 0 tinico dentre eles que conseguira levar as Oferendas ao Orun. Mas Osé- tuwa, com humildade. pegou todos os presentes que recebera e: deu todos a Ext Od Quando os dew a Exa, 0 mesmo disse: -*Como??? Ha tanto tempo ele entregava os sacrificios € nao houve ninguém para retribuir-lhe a gentileza! Voce, Osétuwaz Todos os saerificios que ele am sobre a Terra, se no os entregarem primeiro a voc’ para que yocé os possa trazer a mim, farei com que as Oferendas ndo sejam aceitas!”- E foi assim que Osctuwa tornou-se um poderoso Akin Ox6/Manipulador do Poder, duplamente por seu nascimento e pela confirmacao de Imolé Ext Oda- r4, por ter mostrada a todos os Imolé que Imolé Exit cra realmente o Osijé/Men- xi sageiro Divino ¢ que também tinha o poder de aceitar ou recusar os sacrificios Se herp) wasabi beetinlBach hgh ert Teapot bn teri cn italiana ar Al elem boeing rt” Nadiad ar Eno Brasil, nos Terreiros-I’és¢-drixa, quem € que se lembra, ainda, do Imolé (era uma Divindade) Orixé Pupo (era “fillio” de Divindades) Osétuwa? A partir de ent&o, os sciscentos Imolé decidiram dar ao Imolé Ext um pe- daco de suas proprias bocas para que ele pudesse falar por todos quando fosse a OLORUN, pois era patente que ele era o segundo Imolé que podia apresentar-se perante Ele. Imolé Ext, muito sabiamente, uniu todos esses pedagos em sua pro- pria boca e assim tornou-se o Ent Gbarijo/Boca Coletiva de todos os Imolé. Desde entio, como retribuicao de Imolé Exti aos outros Imolé, cada um desses possui ao seu lado o seu Ok6t6/Caracol, o Mais Um, a quem ambos delegam os seus poderes. Desta forma, por delegagao espontanea de todos os Imolé, Ext tor- nou-se o Elégbara/Senhor do Poder Magico. E como toda a Criagdo € também regida pelos Imolé, todo o Ser criado no Aiyé, assim como possuio seu Olori, ou seja, o seu Orixa ou sua Ebora, que é o Senhor ou Senhora de sua cabega, também tem que ter 0 seu Bara/Senhor do seu Corpo, pois Bara vem de Oba= Senhor + Ara= Corpo. Isto explica muitas coisas que sao atribuidas nos cultos afro-brasileiros a molé Exa, pois que ele é responsavel pela natural atividade sexual, que ¢ um atri- 60 Mestre Itaoman buto do corpo, pois sem ela nao ha procriagdo, que é multiplicagiio abundancia. quer seja vegetal, animal ou humana. E para isso. Imolé ExG, sendo o Elégbard ¢ 0 Bara, recebeu de OLORUN 0 instrumentos simbolos de sua acdc dinamizadora ¢ frutificativa: — 0 Adé Iran, a Cabaga arredondada de longo pescogo, 0 recipieute de poder magico que contém inesgotivel Axé, bastando ser apontadaa um objetivo para emanar ¢ propagar esse poder magico: — © Phallus, procriador e todas as suas formas transferidas, como as pequenas cabagas arredondadas ¢ o seu penteado-gorro tradicional, de ponta alonwada ecaida, terminada em forma de glande peniana humana. Dai sero Pénis humano, em eregdo, uma de suas mais populares ¢ ances- tais representagacs, feitas em pedra, como as da focalidade de Tondediru, ou, mais simplemente, modeladas em batro 4 beira dos caminhos. I: este foi um dos aspec- tos de Imolé Exit que mais escandalizou os missiondrios eurapeus, que nao se de- ram conta de que estavam imergindo numa sociedade viril ¢ guerreira, agricola e pastoril, na qual o ato de procria n nein semnre colicite do nao é uma ofensa 4 Divindade, mas antes uma.

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