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Revista Internacional d'Humanttats 18. jan-abr 2009 ‘CEMOrOe-Fevsp / Univ, Autonoma de Barcelona Imaginario Japonés — Provérbios e Animais Chie Hirose MSc. Antropologia - Univ. Hiroshima Resumo: Presentes em todas as culturas, os provérbios © expresses idiomaticas, frequentemente expressam-se com metiforas do comportamento animal. O artigo apresenta uma amostra de expresses japonesas nesse sentido. Ao final, uma consideragdo especial sobre algo tipico do repertério nipsnico: 0 mushi Palavras—chave: Provérbios japoneses. Animais e Expressdes Idiomsticas. Mushi Abstract: In every culture, there are proverbs and idioms envolving animals and animal behaviour. This paper presents a sample of proverbs and idioms with this reference, especially some expressions dedicated to musi Keywords: Japanese proverbs, Animals and Idioms. Mushi A recente publicagao no Brasil do livro de Ari Riboldi, O Bode Expiatério!, convida-nos a fazer exploragao semelhante nos provérbios e expresses japonesas?, E do interesse do antropélogo, do socidlogo e do filésofo 0 que se diz dos animais, porque, evidentemente, as fabulas e provérbios nao se referem a animais, mas a0 homem. J Horicio advertia “De te fabula narratur” (Satirae 1.1.69), ajuntando © significativo “Quid rides?” — Por que ris? A fébula fala de vocé... Para 0 caso da fibula, Ibn Al-Mugafiz’, autor da versio drabe do classico Kalila e Dimna, em meados do século VIII, dizia em seu preficio: Este é 0 livro de Kalila e Dimna, feito pelos sébios da india. Sua apresentagio, em forma de parabolas e didlogos, deve-se ao fato de que cles consideravam tais géneros como 0 apice da eloquéncia literdria, Assim, os mais belos ditos foram reproduzidos por meio da fala dos passéros e das feras. O primeiro objetivo desses sibios foi o de poder tratar de assuntos politicos com liberdade, sem 0 temor de serem condenados pelos governantes...3 " Riboldi, A. © Bode Expaidrio ~ orig de palevras, expresses e ditades populares com nomes de anima, Porio Alese, Age, 2007. £"Seguiremos princpalmente as seginies obras: Goshi, M_& Garson, J. Animal Idioms (ed. bil), Tokyo, N. York, London, Kodansha, 1996, A dissenapio de mestrado de Tomimats, Maria Fusako Os proverbios Japoneses ~ consideragdes sobre o Iroha-Garuta, Sdo Paulo, DLO-FFLCEUSP, 2003 Macmillan ed. Nit-Tyw-i-Gengobunta Jiten, Tokyo: Ed. Macmillan Language House, 2000, Murayama, Makoto. Kotowaca. Kanyouku, Omashir fier, Tokyo: Ed. Saera shobou,1986. Nagacka, Shoten Ditsuyou Kotowaca Showisho, Tokyo: Ed.Nagaoka Shoten, 1981 (Id) 1992 > Apud Nas, HT “Sobre Kaila e Dina”, Revista de Estudos Arabes, CEAr FFLCH-USP, N. 4, 1994 pp. 910. 6 Esse cariter indireto, eufemistico, esta presente também em provérbios, como nos sugere 0 agudo provérbio (ou, conforme a interpretagdo, meta-provérbio) érabe: “Bate no cdo, tua noiva entender”; no qual “bater no cao” pode ser entendido também. ‘como apresentar as verdades em enunciados proverbiais... Assim, também nos provérbios e expressies, é frequentemente ao homem que nos referimos. Como quando dizemos: “macaco velho”, “raposa politica”, “Fulano roeu a corda”, “burro de carga”, “o técnico foi contratado como boi de piranha” ete. Em outras situagdes, simplesmente a referéncia aos animais & esclarecedora € boa metéfora para a vida econémica, politica etc.: “a vaca foi para o brejo”, “a hora da ‘nga beber égua”, “nem que a vaca tussa”. Evidentemente, a cultura nipénica, com suas especificidades, nao exceydo ¢ © refinado senso japonés de observacdo da natureza, oferece-nos um bom termo de comparagao neste campo, tanto no que diz respeito 4s coincidéncias quanto nas divergéncias. Falando da tradigdo oriental ¢ arabe € do papel das fibulas ¢ provérbios, € como estudiosa e colecionadora de fibulas de diversos paises, nao resisto a tentagao de apresentar - em Anexo - a meta-fébula de nosso Malba Tahan, uma fibula sobre a fabula, Apresentaremos, a soguir, uma pequena amostra de provérbios ¢ expressdes Japonesas, somente a titulo de sugestio para outras pesquisas. Em um primeiro ‘momento, trabalharemos com provérbios contemplados na citada dissertagdo de ‘Tomimatsu. Ao final, destacaremos a sugestiva presenga do mushi em expresses da lingua japonesa. Para expressar que “desgraga nunca vem s6”, 0 japonés di Naku tsura-o hachi-gasasu O marimbondo ferroa 0 rosto choréi. Curiosamente, o marimbondo parece preferir quem jé esta chorando... Para indicar que € pela natureza que se age (“o lobo perde pelo mas nio perde 0 vezo” ou o recolhido por Guimardes Rosa “sapo no pula por boniteza, pula or precisdo”), 0 provérbio é: Suzume hyaku-made odori wasurezu Um pardal néio esquece a danga até os cem anos. 2 Para expressar ages nfo s6 imiteis, mas que alimentam 0 que se quer combater (“querer matar a sede com agua salgada” ou, digamos, “levar mangueira quando o problema é enchente” ou “querer apagar fogo com dlcoo!”), japonés evoca © sapo: Kaerueno tsura-ni mizu Agua na cara do sapo “O sapo é muito popular em todo arquipélago japonés; seu coaxar anuncia 0 verao. Ei de senso comum dos moradores deste arquipélago que, s¢ se jogar agua na cara do sapo, no se vai afeté-lo em nada, uma vez que ele vive na gua. Dai a metéfora do esforgo imitil” (pg. 118) © japonés tem um equivalente ao popularissimo provérbio espanhol: “Por si _fueramos pocos, parié la abuela” Ashimoto-kara tori-ga tatsu A ave revoa de perto do pé “Acontece o inesperado.” “Trata-se do surgimento de fatos inesperados, que se originam de um lugar muito préximo.” (pg.132) Kusai mono-niwa hae-ga takaru As moscas enxameiam-se nas coisas fétidas Muma-no mimi-ni kaze Vento no ouvido do cavalo, “Asno nao conhece misica. “Este provérbio € a versio japonesa do chinés {GF-3L (cavalo, orelha, leste, vento). vento do leste sopra na primavera em toda a extensio do Leste Asiatico. Para o homem, a chegada da primavera é festejada, mas para 0 cavalo, nada significa. Portanto é metafora da imperceptibilidade”. (pg.124) Cio / Gato Como era de esperar, cio e gato sio dois importantes animais na simbologia da cultura japonesa. Entre outras alusdes (p. ex.: co amigo e companheiro / gato arisco, selvagem), como nos provérbios “conjugados” Inu wa mikka kaeba sannen on 0 wasurenu Cuide de um céto por trés dias e ele néo esqueceré a bondade por trés anos. Neko wa sannen no on wo mikka de wasurente Cuide de um gato por irés anos e ele esqueceré a bondade em 1rés dias. 68 A lealdade do cio permite 0 provérbio de contraste. Kai inu ni te 0 kamareru Ter a mao mordida pelo cio da prépria casa. Em outra interpretago, 0 cachorro remete-nos a figura do plebeu; o gato, a0 aristocrata. Ademais, Tomimatsu afirma: “os comportamentos contrastantes desses animais, 0 cachorro agitado, circulando pelas ruas; ¢ 0 gato, recolhido no seu abrigo, parecem simbolizar os espiritos contrastantes entre a tranquilidade de Kyoto (gato) € 0 dinamismo de Edo (cachorro)” (p. 219). Naturalmente, trata-se aqui da representagdo leste-oeste do Japio, no final do periodo Edo (meados do séc, XIX). Inu mo arukeba b6 ni ataru Cachorro que perambula encontra um pedago de pau. Outros provérbios sobre 0 cao. Para indicar 0 dbvio: Inu ga nishi mukya o wa higashi Quando 0 cdo vira para oeste, 0 rabo fica para lest. Alguns nos sto familiares: Shippo o maku Meter o rabo entre as pernas (submeter-se). Shippo o furu Abanar 0 rabo (adular). De duas pessoas que nao se dio bem, em vez do nosso cao ¢ gato, diz-se: Ken-en (inu to saro) nonaka Como cao e macaco Inu mo kwanai Nem 0 cachorro come (nao se meter em situagGes altamente explosivas, como “briga de marido e mulher”, ou tolas “essa nem o cachorro engole”) Ao contririo do cdo, o gato nio tem solicitude pelo préximo. Assim quando alguém esti muito ocupado ¢ necessitado de ajuda: Neko-no te-mo karitai Quer ajuda até do gato. ‘Mimar exageradamente uma pessoa € dar-the carinho como se fosse gato Neko kawaigari suru Aquele carinho do gato. De quem tem lingua sensivel a comidas quentes, diz-se Nekojita Lingua de gato. © ronronar do gato significa voz insinuante, meliflua, Nekonadegoe Ronronar. Quando alguém se comporta de modo muito diferente em um ambiente novo: Karite kita neko Gato emprestado Outros animais Sarw-mo ki-kara otiru Macaco também cai da drvore ‘Mesmo um especialista pode errar. Yabu-wo tsutsuite hebi-wo dasu Cutuque 0 arbusto ¢ uma cobra dele saird. Quem procura, acha, Hebi ga ka wo nondayou E-como se a cobra engolisse 0 pernilongo Algo insignificante, insatisfatério, “no da nem pro cheiro” UVogokoro areba mizugokoro ari Se hd 0 coragio do peixe, hé 0 coracdo da dgua Refere-se a entidades relativas: uma s6 existe porque a outra existe. O mushi ‘Uma presenga interessante em diversas expresses ¢ a do mushi. O Japao, por ser um arquipélago, com quatro estacdes nitidamente distintas, tem pequenos animais como parte de sua paisagem. Desse fato, decorre a palavra mushi, de dificil traducao, Mushi sio, por exemplo, vagalume, cigarra, caracol etc., aproximando-se de nossos “bichinhos” e, por vezes, ligado a estagdes. Muitas expresses esto ligadas a mushi ¢, por vezes, é-Ihe atribuido parte importante na conduta humana, como substituto do temperamento, interesse etc. Desloca-se, assim, a responsabilidade da ago: ndo é propriamente a pessoa, mas um mushi que habita nela, o agente Show-no mushi-wo korshite, dai-no mushi tasukeru ‘Matar um mushi pequeno para salvar um mushi grande 65 De uma crianga chorona, diz-se: Naki-mushi Mushi que chora (cla traz dentro de si um bichinho do choro) Do covarde diz-se: Yowa-mushi Mushi fraco Para enfatizar 0 fato de que uma pessoa — subitamente ou no — se dedica intensamente a uma atividade, diz-se: Hon no mushi Mushi do livro Shigoto no mushi Mushi do trabalho (devotado totalmente ao trabalho) Gei no mushi Mushi da arte (dedicado para arte) (em portugués ha a expressio: “foi picado pela mosca...” ~ da politica, dos concursos, do video-game, da vaidade etc.) mushi ‘Uma pessoa apegada e que nao desgruda de outra: Mushi ga tsuku Grudou 0 mushi Em relago a uma pessoa que nfo nos cai bem: Mushi no sukanai yatsu Meu mushi no gosta dele (Meu santo ndo combina com o dele) Desde 0 Japao antigo, também a tristeza ou depressdo tem sido atribuidas a0 Fusagi no mushi mushi se fechou Quando a pessoa esté de mau humor: Mushi no idokoro ga warui O mushi esté mal alojado ‘Um palpite ou insight, que vém sutilmente, & comparado a: Mishi no shirase Aviso de mushi ‘A presenga do mushi em tantas expressdes da lingua, habitando as entranhas de cada ser humano ¢ influenciando sua vida, constitui uma forma especial da significativa presenga dos animis no quotidiano japonés. ANEXO Uma fabula sobre a fabula Allah Hu Akbar! Allah Hu Akbar! Deus criow a mulher e junto com ela criow a fantasia. Foi assim que uma vez.a Verdade desejou conhecer um palicio por dentro e escolheu 0 mais suntuoso de todos, onde vivia o grande sultao Haroun Al-Raschid, Vestiu seu corpo apenas com um veu transparente € pouco depois chegou a porta do magnifico paldcio. Assim que o guarda apareceu ¢ viu aquela bela mulher sem nenhuma roupa, ficou desconcertado ¢ perguntou quem ela era. E a Verdade respondeu com firmeza: - Bu sou a Verdade e desejo encontrar-me com seu senhor, o sultéo Haroun Al-Raschid. © guarda entrou ¢ foi falar com o grdo-vizir. Inclinando-se diante dele, disse: - Senhor, lé fora est uma mulher pedindo para falar com nosso sultdo, mas ela 86 traz um véu completamente transparente cobrindo seu corpo. - Quem é essa mulher? - perguntou o grao-vizir com viva curiosidade. - Ela disse que se chama Verdade, senhor - respondeu o guarda. O grio-vizir arregalou os olhos e quase gaguejou: - O qué? A Verdade em nosso palécio? De jeito nenhum, isso eu no posso permitir. Imagine o que ia ser de mim e de todos aqui sc a Verdade aparecesse diante de nds? Estariamos todos perdidos, sem excegio. Pode mandar essa mulher embora, imediatamente. © guarda voltou e transmitiu 4 Verdade a resposta do seu superior. A Verdade teve que ir embora, muito triste. Acontece que... Deus criou a mulher e junto com ela criou a teimosia, A Verdade ndo se dew por vencida e foi procurar roupas para vestir. Cobriu-se dos pés a cabeca com peles grosseiras, deixando apenas 0 rosto de fora e foi direto, é claro, para o palécio do sultio Haroun Al-Raschid. Quando © chefe da guarda abriu a porta e encontrou aquela mulher tio horrivelmente vestida, perguntou seu nome eo que ela queria. Com vor severa ela respondeu: ~ Sou a Acusagdio e exijo uma audiéncia com o grande senhor deste palicio. Li se foi o guarda falar com o grio-vizir e, ajoelhando-se diante dele, disse: - Senhor, uma estranha mulher envolvida em vestes malcheirosas deseja falar com nosso sultao, - Como é que ela se chama? - perguntou o grio-vizir. - Onome dela Acusagao, Exceléncia grio-vizir comegou a tremer, morto de medo: o - Nem pensar. J4 imaginou o que seria de mim, de todos aqui, se a Acusagio centrasse nesse paldcio? Estariamos todos perdidos, sem excegao. Mande essa mulher ‘embora imediatamente. Outra vez a Verdade virou as costas e se foi tristemente pelo caminho. Ainda dessa vez ela nao se deu por vencida. E isso porque... Deus criow a mulher e junto com ela criou o capricho. A Verdade buscou pelo mundo as vestes mais lindas que péde encontrar: veludos ¢ brocados, bordados com fios de todas as cores do arco-iris. Enfeitou-se com magnificos colares de pedras preciosas, anéis, brincos e pulseiras do mais fino ouro € perfumou-se com esséncia de rosas. Cobriu 0 rosto com um véu bordado de fios de seda dourados e prateados e voltou, é claro, ao palicio do sulto Haroun Al-Raschit. Quando o chefe da guarda viu aquela mulher deslumbrante como a Lua, perguntou quem ela era. E ela respondeu, com voz doce e melodiosa - Eu sou a Fabula e gostaria muito de encontrar-me, se possivel, com o sultio deste palécio. © chefe da guarda foi correndo falar com o grio-vizir, até esqueceu de ajoethar-se diante dele ¢ foi logo dizendo: - Senhor, esta li fora uma mulher to linda, mas to linda, que mais parece ‘uma rainha. Ela deseja falar com nosso sultio. Os olhos do grio-vizir brilharam: - Como é que ela se chama? - Se entendi bem, senhor, 0 nome dela é Fabula. - 0 qué? - disse o gréo-vizir, completamente encantado, — A Fébula quer entrar em nosso palicio? Mas que grande noticia! Para que ela seja recebida como merece, ordeno que com escravas a esperem com presentes magnificos, flores perfumadas, dangas e misicas festivas. As portas do grande palicio de Bagdé se abriram graciosamente, e por elas finalmente a bela andarilha foi convidada a passar. Foi desse modo que a Verdade, vestida de Fabula, conseguiu conhecer um ‘grande palicio e encontrar-se com Haroun Al-Raschid, o' mais fabuloso sultdo de todos os tempos. (MACHADO, Regina (compilado por). O violino cigano e outros contos de mulheres Fortes. Sao Paulo: Companhia das letras, 2004)

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