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oe ee A MAQUINA E O FILME-CARTA” 69 Por entre pedras e rios, planetas e hemisférios Hé poderes e impérios, hé sérios homens e fios Hé beijos que séio macios, hd bocas e palavrées Hi facas e cinturées, hé dor e muito cansago Nada digo e tudo faco, viajo nas amplidées, ‘Mote das amplidées, 28 Ramalho O ensino de cinema é.dos mais paradoxais. Facil seria se tivéssemos um centro organizador de estéticas e discursos ao qual os alunos deveriam se reportar. Felizmente esse centro nio existe. Em alguns debates sobre o papel da universidade, este centro narra- tivo é entregue ao mercado. Evidentemente que esta narrativa nao s6 € triste, no sentido spinozista — ela baixa nossas forcas de agir — como ineficiente, uma vez que trata-se de: 1) duas velocidades distintas: a da produgio de conhecimento e a do mercado; 2) duas naturezas distintas: a de um saber funcionaliz4vel, no caso do mer- cado; e sem fim objetivavel, mas com finalidade da invencao e do conhecimento, no caso da universidade. . Ao assumirmos que o ensino de cinema acontece ain- da assim, sem uma centralidade que Ihe guie, nio nos separamos 32 Originalmente publicado como: Cezar MIGLIORIN, "O ensino de cinema e a experiéncia do filme-carta’. E-Compés (Brasilia), v.17, p. 1-16, 2014. dos paradoxos inerentes as praticas, cujo desafio na relag&o ensi- no-aprendizagem demanda invencdo. Colocado de outra maneira: no hd ensino de cinema que também nio seja em si um processo de emancipagio. A partir dessas ideias gostarfamos de propor dois movi- mentos: um primeiro, pensando o processo mesmo de emancipa- ¢do ea relagio comas artes; e um segundo, descrevendo e analisan- do a opgio do filme-carta como dispositivo pedagdgico. EMANCIPACAO, Falar em emancipaco demanda a urgéncia de um reali- nhamento da nogio para que no a entendamos como um processo que supée dois sujeitos, 0 emancipado e o a emancipar. Emancipar nao é tarefa de um mestre que indica 0 caminho aqueles que nao tem luz. Sem essa divisio, a situagdo de criacdo no ambiente educa- cional demanda do mestre e das propostas colocadas em pritica um gesto de abertura ao que pertence aos alunos e 4 multiplicidade de mundos trazidos por eles. Ou seja, antes de um lugar de hierarquia entre aquele que sabe e 0 que no sabe, a emancipacao demanda um estado de criagdo e montagem entre os diversos atores envolvidos em uma produgio criativo-pedagégica. Jacques Ranciére desenvolveu com precisio e radica- lidade tal pratica emancipatéria em O Mestre Ignorante. Nao cabe aqui repassarmos todo seu argumento, mas retomar um principio que nos € caro para pensar e exercer 0 papel da universidade e do mestre, no privilegiado ambiente educacional, onde ainda é pos- sfvel tensionar as centralidades narrativas e as funcionalidades do conhecimento. O primeiro principio é de uma igualdade que emancipa e que no é um telos. A igualdade nao é algo que se alcangaré no fim de um processo, nem est4 submetida a um projeto e a relagdes de causa e efeito. Nas palavras de Rancitre “A igualdade jamais vem A maquina e 0 filme-carta apés, como resultado a ser atingido. Ela deve ser colocada antes”. Tal princfpio perturbador para aqueles que fazem parte de um sis- tema com hierarquias, notas e a frequente demanda de alunos que, como todos nés, podem, eventualmente, desejar a opressao. Entre- tanto, em um curso em que a criacdo € parte do processo, o dificil desafio da igualdade pode atravessar as praticas, sem que saibamos ao certo o que essa igualdade produz ou como ela se instaura. Sem falar em emancipagio, Gilles Deleuze e Félix Guattari também co- locariam o processo politico que se forja na liberdade dos possiveis de uma producio subjetiva, separada de um telos. Vejamos essa pas- sagem de O anti-édipo sobre os novos campos de possiveis que se efetivam em um acontecimento: A atualizacdo de uma potencialidade revolucionéria explica-se me- nos pelo estado de causalidade pré-consciente, no qual, todavia, ela est4 compreendida, do que pela efetividade de um corte libidinal num momento preciso, esquiza cuja tinica causa € 0 desejo, isto é, a ruptura de causalidade que forga a reescrever a historia no proprio real ¢ produ esse momento estranhamente plurivoco em que tudo & possivel.™ Se o ensino de cinema pode ser atravessado pelo desejo que rompe uma causalidade e uma linha reta do mestre ao estu- dante, esse principio de igualdade demandaria 6 desaparecimen- to do mestre? A descentralizacao total? Entendemos que nao. A igualdade nao é uma igualdade de posigdo do sujeito, mas uma igualdade produtiva, fruto da produgo do coletivo que nao existe sem 0 trabalho e a igualdade de inteligéncias — a possibilidade de um sujeito qualquer fazer parte e diferenga na criagdo. Partir da igualdade nao é, assim, dizer da indiferenca entre professores e alunos, mas partir das possibilidades inventivas do grupo que de- 33 Jacques RANCIERE, 0 mestre ignorante, p. 11 34 Gilles DELEUZE: Félix GUATTARI, 0 anti-Edipo, p. 501 pende de um principio de igualdade de inteligéncias que se atua- lizam nas praticas, se materializa nos filmes, e nio por quaisquer princfpios exteriores. Um primeiro principio da emancipacio esté ligado a ruptura da dicotomia emancipador/emancipado forjando uma igualdade de inteligéncias que desmonta a cena igualitaria como um telos. Tal desmonte é necessério para a irrup¢ao do desejo, que é 0 que efetivamente produz uma cena de criagio néo dominada por qualquer saber que a anteceda, Quando Ranciére vai para o campo das imagens, uma de suas explicitas formas de associar igualdade esté ligada ao modo de os discursos e narrativas se hierarquizarem. Em uma entrevista®, o autor conta que em seu primeiro livro, A noite dos proletérios** no fez uso de expresses como "entio", "porque", "uma vez que", pois no lhe interessava estabelecer dentro do texto relagdes de cau- salidade entre enunciados. Tais relagées de causalidade sé podem se efetivar caso haja uma hierarquia entre esses enunciados. Ou seja, € no modo de composico e montagem de textos que o au- tor vai formular uma ideia de igualdade em que os enunciados de- vem partir de uma equivaléncia entre eles, operando por relagao aproximagao. Nas palavras de Ranciére: “nao é evidentemente um principio formal de fluidez, é um principio de escritura igualitart suprimir a hierarquia entre os discursos que explicam e aqueles que sio explicados”” Asintonia com os cinemas chamados modernos, em que 0 ensaio e os filmes-cartas aparecerdo, é evidente, e pode ser re- sumida pelo que Deleuze chamou de uma crise da imagem-agio. Vejamos essa passagem sobre o cinema de Alfred Hitchcock, perso- nagem central nesta crise: 36 Cl, Jacques RANCIERE. La méthode de (égatité, p. 59-61 36 Ct. Jacques RANCIERE, A noite dos proletérios, 37 Jacques RANCIERE, 0 mestre ignorante, p. 61 72 L..] nos filmes de Hitchcock, uma vez dada (no presente, futuro ow passado), uma ago vai ser literalmente cercada por um conjunto de relagdes que fazem variar o seu tema, a sua natureza, o seu ob- jetivo, ete** Ou seja, a aco, senhora portadora de uma forga causal irreprimivel, é envolta por outras imagens, textos, sons e mesmo aces que impedem seus desdobramentos étimos e fazem variar os fins. Ag&o aqui, para Deleuze, perdeu o privilégio e a hierarquia em relacao aos outros movimentos e objetos do filme. Poderfamos aproximar os autores e formular algo como: é por um principio de igualdade que a imagem-acio entra em crise. O cinema nos ajuda a entender a dimensdo estética da emancipagao e acaba nos ser- vindo como um principio de igualdade para a prépria sala de aula. Uma segunda linha constituinte da emancipacao estd li- gada, entiio, a possibilidade de no interior mesmo dos trabalhos que fazemos com imagens e com a organizacio dos enunciados, nao os submetermos 2 causalidade exterior, As aproximagées, tensdes e poténcias das préprias imagens e do contato entre elas. Se a igualdade est ligada as possibilidades discursivas, sensiveis e visiveis, antes mesmo de haver uma ordenagao dos po- deres ha uma dimensao que é estética que organiza quem pode e quem nao pode fazer parte de tais ordens. Certamente no seria excessivo pensar a sala de aula como um espaco politico. Michel Foucault, Paulo Freire, Frederick Wiseman e tantos outros o fi- zeram. Se assim 0 é, mais do que um espago dado, como parte da disciplina ou apenas como um ambiente que reproduz as modu- lagdes do capitalismo a que somos demandados na sociedade de controle, tragamos um outro caminho. Trata-se de pensar as ce- nas possiveis que retiram da constituigio fisica do espago — a sala de aula, a universidade — qualquer essencialismo politico, como se estivéssemos em um dispositive sem escape. 38 Gilles DELEUZE, A imagem-movimento, p. 223. Quando Jacotot®? encontra seus alunos nos Paises Bai- xos, sem ter com eles uma lingua em comum e, a partir disso, de- senvolve seu princ{pio de igualdade, a igualdade ainda nao estd efetivada, uma vez que nos termos em que estamos trabalhando ela ndo depende de uma intencdo. Entretanto, para que a eman- cipacio se efetive, faz-se necessdrio a criacho de um espago que transcende a relagio mestre-estudante e que atravesse a propria institucionalidade em que eles se encontram: escola, estado, co- munidade, etc. O professor que opta por um espago de emancipa- c4o facilita 0 processo, apesar de isso no se fazer sem percalgos. Felizmente, na universidade publica ainda é possivel estar diante de alunos e dizer: “Eu nao tenho nada a ensinar para vocés”. Mas nao é sé a instituicdo que pode eventualmente resistir a um mestre que s6 traz como garantia a disponibilidade de dedicar seu tempo aos estudantes. Sdo as prprias expectativas dos estudantes que sio confrontadas. Pode ser complexo para muitos ter que lidar com a liberdade e coma evidéncia de que nao hd nada a aprender que nao dependa do desejo individual e coletivo de inventar. Dificil limite para o que acredita-se ser uma pratica emancipatoria que pode ser lida como autoritdria, uma vez que coloca no grupo a responsabili- dade do conhecimento que ali se produz. Nessa terceira linha constituinte da emancipacio, a sala de aula passa a ser 0 espago privilegiado e para tal € essencial a des- naturalizacdio desse espaco como uma cena de divisdes de poderes. Deixemos claro um primeiro ponto do argumento que desenvol- vemos: a emancipacio é uma pratica e nao um estado acabado do sujeito. Nao se emancipa o sujeito, mas se estabelecem praticas que partem da igualdade das inteligéncias e das poténcias sensiveis. E pela possibilidade de uma inteligéncia qualquer participar da trans- formagao de um mundo sensivel que a emancipagiio se efetiva. 39 Ci Jacques RANCIERE, O mestreignorante. MAQUINA As formas nao-metodolégicas de producSo de conheci- mento que abordaremos aqui fazem parte da reflexao de muitos au- tores (Maurice Blanchot, Kenneth White, Michel Serres, Paul Feye- rabend). O que nos interessa entio é pensar uma imbricada relagio entre a sala de aula e os filmes, como se fosse possivel imaginar uma pedagogia-maquina que se materializa nos filmes-maquina. O nome poderia ser outro, uma vez que nossa atengao é voltada para uma dimensio produtiva e criativa que vai da formacdo de um gru- po — interessado em criar junto — aos filmes, e vice-versa. Por que falamos em méquina para entender os arranjos, montagens e invengdes em uma sala de aula atravessada pelo cine- ma? Uma maquina funciona e nela os atores envolvidos nao tém posigdes estveis, mas funcionam por acoplamentos, por associa- gdes momentaneas, ao mesmo tempo em que nio existem isola- damente. Esses atores, tenderiamos a pensar em sujeitos, alunos, professores, mas, pensamos em maquinas para poder absorver um. cardter heterogéneo em suas constituigdes: além de ser um equipa- mento coletivo, a mdquina comporta atores de natureza e dimen- sdes diferentes, Em uma sala de aula, um sotaque que singulariza um modo de fala é parte da mesma maquina que esquece de fazer a chamada ou que coloca no centro da sala uma camera Sony — sen- do a Sony parte da maquina. Do privado ao puiblico, do subjetivo a0 estrutural — uma méquina funciona. Uma maquina funciona em siléncio, nao demanda grandes movimentos e € formada por com- ponentes micro e macro-politicos. A maquina nos permite atuar em miiltiplas velocidades, enquanto temos um sistema de ensino em que o conhecimento é feito por acimulo e passagens de nivel, o que deve ser bastante efi- caz em muito casos. Mas, quando se trata da criacdo em cinema, esse método é apenas parcialmente verdadeiro e com frequéncia fragil. A maquina nao é feita por actimulo ou passagens de etapas, mas pela possibilidade de coabitagio entre experiéncias e conheci- mentos de naturezas distintas que engajam aspectos pertencentes 4 singularidades individuais e macro-estruturas institucionais — im- possibilitando o isolamento de ambas. Oestudante emancipado traz um mundo consigo — ple- no de cédigos — mas é capaz de forjar noves comegos para si, suas pesquisas e criagdes. Trata-se menos da execu¢io de um projeto de conhecimento, do que uma multiplicacio de possibilidades de en- tradas no cinema e na criagiio. E nessa multiplicagdo de entradas que o estudante tem a possibilidade de escorregar entre os cédigos. Diante de histérias e teorias fundamentais — do cinema, das artes, das humanidades, das tecnologias —, 0 pior que pode acontecer é que o conhecimento organizado se torne um fim e ndo um campo de possibilidades. Nesse sentido, podemos falar de um nomadismo ou de um processo a-metodolégico em que o estudante de artes escorrega entre os conhecimentos organizados que a educacio € eficaz em oferecer. A maquina no é um motor ou acelerador dos processos de conhecimento em direg&o ao saber, mas um recorte instavel, conectado a outras mAquinas. Quando Ranciére explica sta opgio em trabalhar com a nogio de cena, que poderia se confundir com a nogio de maqui- na, ele produz um entnciado que merece que o desdobremos: “eu construf a cena como uma pequena maquina onde podem se con- densar o maximo de significados em toro da questo central que &a partilha do sensfvel’.“” Primeiramente, a proximidade da nocio de cena com a ideia de mAquina, que aqui trabalhamos, é curiosa- mente expressa por Ranciére. A cena para Ranciére pressupde uma desierarquizacao dos cédigos colocados em relagdo, uma imanéncia na constituicao dos poderes, uma co-presenca de distintas nature- zas discursivas — do particular ao universal ao mesmo tempo em que é entendida em sua dimensio produtiva: “uma cena é tao cons- trufda quanto identificada” ou seja, trabalha no real. 40 Jacques RANCIERE, A partitha do sensivel, p. 125. 41 Jacques RANCIERE, La méthode de I’égalité, p. 123. A maquina e o filma-carta Se a proximidade entre as nogdes é evidente, a nogio de maquina nos possibilita uma primeira distancia em relagio metdfora teatral, o que nos parece interessante para enfatizar 0 campo social mesmo, ¢ nao algo que pode ser apartado do real ou fruto de uma divisio: atores/espectadores. Mas, seguindo a co- locagao acima, a questo central é a partilha do sensivel. A nogao. de partilha traz uma riqueza evidente, explicitada com o termo francés — partage — algo se divide, algo se compartilha. Uma par- tilha do sensfvel atua no colocar junto e separar, no encontro e no esquadrinhamento. A riqueza da nogiio esta em incorporar 0 compartilhamento no mesmo espaco em que hd a divisio e coa- bitagdo, elementos necessdrios para a dominacio e exercicio do poder, ou das prdaticas policiais, nos termos de Ranciére.‘? Entre- tanto, nos perguntamos: se a nogdo tem a complexidade que ex- pusemos acima, a complexidade acentrada, produtiva e que tema possibilidade de absorver atores de miltiplas naturezas, por que ela deve estar submetida a uma forma de andlise em que 0 esqua- drinhamento é fundamental? Note, a cena politica para Ranciére é Tara é s6 se efetiva quando em uma situacdo de compartilhamento do logos — 0 que € a norma em sala de aula onde sujeitos em dis- tintos lugares se referem aos mesmos objetos a partir dos mesmos signos — se choca com a desigualdade, com os limites de uma pa- lavra de ordem ou uma produgao de hierarquias, instituindo um litigio, explicitando uma desigualdade. A formulacio de Rancigre é rica para nos indicar o principio igualitdrio que rege toda desi- gualdade, mas, para tal, precisard se concentrar nos encontros de divis6es explicitas — aquele que nao tem a fala com aquele que a possui, aquele que no possui o tempo com aquele que o possui. Pois, antes dessa explicitacao da cena dividida, hé a maquina em funcionamento e esta ndo permite a apreensio de cenas tao cla- ramente divididas, uma vez que € constituida por um conjunto de 42 Cf, Jacques RANCIERE, O desentendimento. interrelagdes de miiltiplas naturezas que antecedem uma atuali- zacao, da mesma forma que no se estruturam em torno da lin- guagem ou das relagées discursivas: na mAquina nfo hd centrali- dade do logos, como desejaria Ranciére. E com a complexidade das tensdes entre esses miiltiplos atores que devemos lidar, uma vez que nao hd nenhuma clareza entre fronteiras que marcam espacos de pertencimentos ou de partilhas. No nosso entender a definicio de cena submetida A nogdo de partilha do sensivel obrigatori mente impe uma ordem A cena que a organiza excessivamente. Quando destacamos entdo que a mdquina é 0 modo mesmo de funcionamento de uma turma em processo de criacdo, uma vez que é necessdrio esvaziar as centralidades, aceitar movi- mentos de tamanhos distintos, igualar as inteligéncias, enfatizar a participagdo tecnoldgica nos movimentos subjetivos e permitir acoplamentos tempordrios, nio estamos com isso apenas dando uma grande énfase para os processos em detrimento dos produtos. Tal distingdo em uma pedagogia-maquinica carece de sentido, uma vez que o funcionar de uma mAquina nfo é o caminho para algo, mas a incorporagio das matérias que se atualizam em seu proprio funcionar. Esta pedagogia com o cinema nio visa assim os filmes como objetos fim, mas filmes que podem escapar da maquina e serem vistos como objetos fim — passar na TV, ser apresentado em um festival ou em um canal do Youtube. Os filmes sao um né da prépria mAquina e a ela retornam, uma vez que no ambiente pedagégico, é no retorno — ver junto, pensar e ser afetado pelo que fizemos — que parte importante do conhecimento se efetiva. ENSINO DO CINEMA NO REGIME ESTETICO Se nos distanciamos da nogao de cena de Ranciére, sua reflexo sobre os regimes de imagem no mundo das artes pode nos ajudar a pensar as poténcias e paradoxos do cinema na educacio. Quando ensinamos cinema em uma oficina ou em uma cadeira ligada a realizacio, somos frequentemente colocados no lugar do critico, aquele que deve olhar e avaliar, julgar, tecer comentérios. ne-carta Amaquina eof Mas, 0 que significam essas demandas se o lugar mesmo do critico nesse regime nao & mais o do critico que compara a obra a uma norma que lhe é externa? Como intensificar a independéncia do filme em relagdo, justamente, a regras as quais ele poderia estar submetido? Ranciére nos fala: “a critica nao diz o que a obra deve ser, mas o que a obra é”.? Quando o mestre/critico diz o que a obra é, por um lado a formulagao de Rancire parece dar um excesso de poder ao pro- fessor, ao critico — é ele que diz o que a obra é. Por outro, ele nao pode dizer o que a obra deveria ser, ou seja, ndo h4 uma ordem externa que lhe garanta, nem mesmo o seu lugar de critico/mes- tre. A obra assim nao pode ser mais gue o ponto de encontro entre mundos, um ponto de encontro com o qual podemos retomar a dimensio politica e "dizer o que é uma obra significa construir um mundo sensivel ao qual a obra pertence”. Ha nessa formulagio uma explicita instabilidade da maquina que o cinema coloca em movimento. Uma maquina em que os processos, as materialida- des e as criticas séo constituintes do mundo inventado. A proxi- midade entre o regime estético e a politica, nos termos de Ranciére, é assim explicitada. No limite, poderfamos dizer que a arte, no regime estético, & rara. Se o regime estético retira do critico um lugar estavel de quem comenta a obra a pal de algo que Ilie é exterior — a igre- ja, 0 estado, o rei, o belo, a representacdo —, ele também coloca o estudante em um lugar absolutamente instavel e desafiador, criar nio sé 0 filme, mas as regras para que ele exista, ou como escreveu Comolli, “O imperativo de ‘como filmar’, central no trabalho do ci- neasta, coloca-se como a mais violenta necessidade: nao mais como fazer o filme, mas como fazer para que haja filme”. 43 Jacques RANCIERE, La méthode de ('égalit, p. 120 {traducao nossa), 46 Ibidern, 45 Jean-Louis COMOLLI, Voir et pouvoir - Linnacence perdue, p. 507. TECNOLOGIA E ESCRITURA CINEMATOGRAFICA O ensino do cinema nos coloca a necessaria reflexio so- bre as mdquinas tecnoldgicas e uma relagdio destas com seus com- ponentes sociais e os modos como os processos subjetivos estéo a elas atrelados. Sobre este aspecto, podemos tragar uma linha entre a maquina e a influéncia que os escritos de Gilbert Simondon tive- ram em Deleuze e Guattari. Segundo Simondon, “é o trabalho que dA sentido aos objetos técnicos, nao o objeto técnico que da sentido ao trabalho”** A afirmaciio implica em uma forte politizacdio dos objetos técnicos como atores modulaveis na maquina-cinema. Uma modulagio que é diretamente ligada a perfeicio das mdquinas - quanto mais indeterminacdo, mais perfeicdo. Ainda na introdugao de Do modo de existéncia dos objetos técnicos, Simondon nos lembra da necessidade mesmo da existéncia desses objetos nao estar se- parada dos devires humanos. E é relevante que este seja 0 mesmo. filésofo que dedicou-se a pensar a educagao e a horizontalidade das relagdes no espaco pedagégico, marcando, a seu modo, o fim da era disciplinar. Em um texto de 1954 0 autor coloca: O século XIX teve que construir em algumas décadas uma sociedade de especialistas, adaptados & era da termodinamica, segundo o prin- cfpio de rigide7: gerando um reforgo da estrutura vertical, tornando- -se onipresente e se estendendo mesmo onde antes havia estruturas horizontais. Nés devemos agora fazer em alguns anos uma educagio que transforme as sobrevivéncias das relagdes verticais em relagdes horizontais.” Pois é nessa horizontalidade das relagdes com a tecnolo- gia, também, que as estratégias do filme-carta podem nos ajudar. Es- tratégias que pela invengao refazem as relagées humano/maquina. 46 Gilbert SIMONDON, Du mode d’existence des objets techniques, p. 327 (traducdo nossa} 47 Gilbert SIMONDON, Sur la Technique. p. 237. © 5 < Se a maquina nos fala de uma relacdo entre tecnologias € processos subjetivos, aproximemo-nos da escritura filmica pro- priamente. Em uma conferéncia feita em 1990 e publicada no livro Quiest-ce que lecosophie?, com o titulo A propos des machines, Gua- ttari marca uma distingao entre a nocdo de mAquina e as andlises semioldgicas significantes dizendo que estas tiltimas trabalham dentro de “linearidade que controla a totalidade das linhas de ex- pressio”.* Para falar de maquinas, ele dé o exemplo do cinema: No cinema, por exemplo, nds temos linhas de expresso: a linha so- nora, a linha visual, a linha da cor. Nao podemos falar de sintaxe ou de uma chave que tornaria homogenea as relagdes entre as diferentes linhas. $6 existe um certo paralelismo. A auséncia de linearidade nos processos semiolégicos pode até ser constituinte da imagem cinematogréfica, mas, certa- mente, ha toda uma histéria do cinema em que a construgao dos filmes se faz por essa linearidade e homogeneizacdo das imagens mesmas no interior da obra. A experiéncia-maquinica recoloca os estudantes em contato com as montagens semioldgicas que ope- ram uma producio de sentidos no respeito as poténcias significan- tes entre cada uma das linhas constituintes do cinema e seus aco- plamentos, seus paralelismos. Para isso, o filme-carta, fortemente associado ao ensaio, parte do didlogo entre dimensées subjetivas ¢ objetivas da imagem, da reflexividade intrinseca A carta, deman- dando uma relacao direta dos cineastas com as imagens, além da liberdade de lidar com materiais heterogéneos e incorporar fluxos de imagens e consciéncia. Se o cinema produz uma imagem discrepante em rela- gdo ao mundo filmado em que ela é sempre mais ou menos que a realidade, qualquer adequacio ideal entre filme e realidade é uma 48 Félix GUATTARI, Qu'est-ce que l'ecosophie?, p. 123 (traducao nossa). 49 Ibidem, violéncia. Esse principio, que é da imagem mesmo, nao é uma evi- déncia; somos frequentemente assombrados por proibicdes em re- presentar isso ou aquilo ou por imagens que se colocam no lugar de substitutas do real, Hd uma construgao propriamente pedagdgica no filme-carta que coloca os estudantes imediatamente no desafio de um lugar parcial ante & realidade. Assim como qualquer estilo ou movimento, todo filme é uma forma de olhar e construir o mundo, se isso é uma evidéncia, precisamos de instrumentos para o traba- lho ¢ 0 filme-carta nos acerca de uma multiplicidade de possibi- lidades € decisdes de realizacio que aproximam os estudantes da singularidade da imagem e da necessidade de um ponto de vista, de um recorte e de uma montagem do mundo. Comentando a montagem de Bertold Brecht em seus Jornais de Trabalho (1938-1955), Didi-Huberman coloca de outra forma a dimens%o maquinica constituinte das imagens e da prd- pria historia: [..] o que hé “atris" de um acontecimento factual nao propriamente um “fundo” insondével, uma “raiz”, uma “fonte” obscura de onde a historia tira toda a sua aparéncia, O que hé ‘atrés" é uma “rede de relagdes", a saber, um prolongamento virtual que demanda do obser- vador, simplesmente — mas no hd nada simples nessa tarefa — mul- tiplicar heuristicamente seus pontos de vista.* Tal multiplicagdo de pontos de vista em relagéo a um evento € 0 esforco que também faz Michel Foucault quando nos diz que um enunciado est4 “sempre em déficit” e que “relativamente poucas coisas so ditas”s' Nas abordagens histéricas que forjamos quandoas relacionamos com a criac4o, como 6 0 caso das disciplinas praticas em uma escola de cinema, uma parte fundamental é nado fazer da historia do cinema a raiz ou a génese do que se produz hoje, 50 Georges DIDI-HUBERMAN, Quand les images prennent position, p. 60 (traducao nossa). 51 Michel FOUCAULT, Arqueologia de saber, p. 135. co 83 A maquina eo filme-carte nem, tampouco, uma histéria verborragica, explicita e organizada. O filme-carta racha qualquer unidade histérica autorizando o que poderfamos chamar de um nomadismo histérico que, na dispersio construtiva, traz da histéria do cinema os fragmentos que podem ludicamente trabalhar como atores tao singulares quanto a tecno- logia, os blocos sonoros, os blocos textuais. Na maquinaria histérica s6 ha significagio no movimento e na montagem. As consequén- cias de tal abordagem colocam as producées dos alunos fora de um pertencimento histérico; ao mesmo tempo, passa a fazer parte de qualquer exercicio com um filme-carta, a introducio da histéria do cinema na maquina pedagdgica. Nao obstante, poderiamos convo- cara tradicao do filme-carta uma tradigao que se constitui com fra- gilidade ¢ heterogeneidade, com realizadores como Chris Marker (Lettre de Sibérie, 1957), Jonas Mekas (Correspondance Mekas/JL Gue- rin, 2011), Abbas Kiarostami (Victor Erice / Abbas Kiarostami. Cor- respondances, 2007), Agnés Varda (Ulysees, 1982), Jean-Luc Godard (Letter to Jane, 1972), Chantal Akerman (News from Home, 1977), Eric Pauwels (Lettre d'un Cinéaste a sa Fille, 2000), Robert Kramer (Dear Doc, 1991), David Perlov (Diary, 1973 - 1983). Ou seja, nao se trata de negar a histéria do cinema, mas de desnaturalizar a sua harmonia e fazer com que cada filme faga parte de um devir-hist6rico. Em.suas diferengas, os filmes e realizadores acima, com seus ensaios e filmes-carta, permitem mobilizar elementos centrais nos estudos ¢ no desafio do cinema: atua¢o, 0 off, o campo/fora de campo, o visfvel/nio-visivel articulados pela montagem e pelo quadro; as velocidades — cronoldgicas ou nao-mensuraveis —; a narrativa e as progressGes, o estranhamento ea reflexividade, a sus- pensao, o distanciamento; a relacio com o outro. O filme-carta estabelece ainda uma relacao singular com os meios técnicos. Longe de atender a um padrio, ele é facilmente adaptavel a diferentes tecnologias. Sem a norma técnica, derivamos para a complexidade da mAquina e para a necessidade dos filmes serem analisados a partir das regras internas que eles propdem e nao a partir de um bem fazer, em que facilmente conseguimos or- ganizar as hierarquias entre o que é o bom e o mau roteiro, a boa ¢ a mé fotografia. Assim como uma carta pode ser escrita em um guardanapo, sem com isso perder qualquer valor. Com filme-carta nio ha filme mal acabado, pelo menos nao por caréncias técnicas, © que € libertador. INVENTAR UM ESPECTADOR Quando Jean-Luc Godard é convidado por Michel Picco- lia fazer um filme sobre os cem anos do cinema, a pratica reflexiva do cineasta devolve a pergunta ao organizador das comemoragdes questionando: o que, exatamente, nés comemoramos? "Comemo- 86 ramos a primeira sessio paga", responde Piccoli em 2Xso (1995). Na resposta de Piccoli, os filmes universitarios ou feitos em escolas nio sao cinema; compartilham o dispositive mas ndo tem um puiblico pagante. Certamente que levamos a ldgica de Piccoli bastante lon- &e, entretanto, esse é um dos desafios para o cinema feito em espa- gos educacionais. Como inventar um piiblico? De maneira comple- tamente distinta da nog&o cara ao marketing e A publicidade, nao se trata de pensar um piiblico alvo. Nas artes, o ptiblico ¢ inventado na propria obra, ele no preexiste como um consumidor que deve ser atendido. No caso do filme-carta esse ptiblico é dobrado, tra- zendo novos desafios para os estudantes. Por um lado elege-se um destinatdrio — a mie, o amigo, o mundo — construindo uma rela- 40 dual; aquele que escreve e aquele que recebe a carta. Por outro, / nao ha apenas dois: é de um filme que se trata e este sera visto em grupo, no cinema eventualmente. O filme-carta traz assim um fio estendido que vai do realizador ao destinatdrio mas que ao chegar ao destinatario j4 chega rachado, aberto a uma multiplicidade de destinatarios que o cinema virtualmente possui. Essa linha rachada € parte de uma maquina cinema que opera na fragilidade do gesto da carta, como um cinema menor, e, ao mesmo tempo, na busca do espectador qualquer — poténcia de afetac3o cara as artes. O fil- me-carta possui assim um aspecto relevante nos desafios do ensi- no: sem espectador no ficamos, ele existe, mesmo virtualmente, mesmo que a carta nunca seja aberta. O estudante tem assim um eee 85 A maquina ¢ o filme-carta triplo desafio na relagdo de seu filme com os espectadores: 1) eles precisam inventar um espectador — no modelo; 2) precisam estar & altura desse espectador; 3) precisam estar preparados para 0 es- pectador qualquer, aquele que vai a sala de cinema e que faz rachar a linha reta entre destinatario e remetente. O espectador nao é assim 0 outro dos realizadores, mas uma presenga em todo o processo, No filme-carta essa presenca do espectador é inaliendvel do seu fazer, o que frequentemente traz um engajamento mais intenso dos estudantes com as imagens produzi- das. Nao se trata apenas de um exercicio, mas de uma relagao direta de um sujeito, de um grupo, com um outro. Esses desafios nao ca- bem apenas aos realizadores, mas aos préprios espectadores, coloca- dos para receber ou compartilhar a carta do outro. Singular trabalho 0s filmes-carta demandam de seu puiblico. Um trabalho que 0 co- loca como um espectador qualquer, que pode deixar a sala quando quiser, mas, simultaneamente, como destinatdrio ou espectador de uma correspondéncia que nio Ihe é dirigida - em ambos os casos, € um engajamento com as imagens que o filme convoca. PISTAS PARA FAZER UM FILME-CARTA® » pense em alguém que vocé ama muito e nio vé hd tempos. se nio se lembrar de ninguém, procure num livro. ou, se no houver amor, faca 0 mesmo exercicio e lembre-se de alguém que detesta (é importante estar comovido). 52 Originalmente publicado como: Isaac, PIPANO, “12 etapas e uma licdo para se fazer um filme-carta (em tempos de whatsapp)’: In. Mostra Filmes-carta, por uma estética do encontra. Catélogo, Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2013. p, 28-29, > escreva uma carta para esse alguém. > lembre-se: uma carta exige, necessariamente, a presen- ade um outro, ainda que o outro possa ser vocé mesmo. por isso de algum modo escrever uma carta é a um sé tempo um gesto solitario e solidario. > com a carta escrita, pegue uma camera (leia em voz alta e confira se ha erros gramaticais. caso os encontre, mantenha-os. se no houver, invente alguns: ninguém confia numa carta sem erros, escrita assim tio verda- deiramente sem rasura). nfo se esqueca de assinar antes de fechar o envelope. > agora que sua carta est pronta, leve-a até o lixo mais proximo e rasgue-a. vocé também pode queimé-la se as- sim lhe convier. > pegue uma cimera (ou o celular. peca o de um amigo, diga que nao vai levar quase nada). confira se tem bateria ou pilhas, cartio de meméria ou negativo. por um descuido pequeno desses alguns dos instantes do nosso imagindrio poderiam ter se perdido para sempre (0 que nos faz pensar, necessariamente, na fragilidade do cinema, das imagens e da meméria diante do mundo. esta af a sua salvacao). > lembre-se de tudo o que escreveu naquela carta, Aquela pessoa. 0 modo como selecionou as palavras, o ritmo e a intensidade que conferiu 4 narrativa. lembre- -se de como inventou os cheiros, os passos, os gostos, as memorias. > esqueca o que escreveu. esquega as frases, os perfodos, as virgulas, as aspas, os pontos. v4 esquecendo as formas 87 llme-carta Améquina eo da escrita e de todas as letras, do a ao z, decompondo mentalmente. > uma a uma até o papel voltar a se tornar branco. é im- portante ligar a camera quando o papel estiver branco. > primeira e tinica ligao: néo hd papel em branco. > filme o mundo com a mesma paixo com a qual vocé escreveu aquela carta para aquela pessoa. > aprenda a escrever com a cAmera — esta etapa no se conclui jamais. quando se sentir seguro com essa escrita, encontre outra. busque formas de escrever como quem aprende um novo idioma. olhe para o mundo como se ele fosse um dialeto impronuncidvel. nunca deixe de ver mundo como um dialeto impronuncidvel. © Cerar Migliorin ¢ Isaac Pipano, 2019. © Relicirio Edigoes. ‘A reprodugo parcial deste livro, sem fins lucrativos, para uso privado ou piblico, em meio impresso ou eletronico, estd autorizada previamente desde que a fonte sejacitada. No caso de uma reprodugao integral, solicita-se 0 contato com os editores. Dados Internacionais de Catelogacae na Pubticagao (CIP) de acordo com [SBD Me3ie — Migliorin, Cezar Cinems de brinear / Cezar Migliorin, Isaac Pipeno. - Belo Horizonte, MG : Relicério, 2019, 160.p. 1éem x 23cm. Inctul bibliografia e indice. ISBN: 978-85-84786-79-8 1 Cinema. 2, Ensino de cinema. 3. Educagéo. 4, Cinema na sala de aula, |. Pipano, isaac. I Titulo COD 791.43 2019-1286, cou 791.463 Elaborada por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 para catélogo sistematico: 1. Cinema 791.63 2, Cinema 791.43 CoordenacSe eitoriat Malra Nassif Passos Projet grfico © produgdo editorial Luiz Garcia Capa Lutz Garcia e Cezar Migliorin Revisdo Cristina Parga” RELICARIO EDICOES: www relicarivedicoes.com contato@relicarioedicoes.com miglioria i” e —P\?P aus O cinema aqui nao é um tema. E com ele que se pensa a politica, a educacao, 0 mercado, a ética, a arte. O cinema, com os filmes, textos, exibi¢des, debates, corpos, inventou formas de pensar e criar 0 que conhecemos, é nesse movimento que inserimos esse livro. 0 Cinema de Brincar é uma proposta: com a liberdade e a gravidade da brincadeira se joga, se transforma, se produz imagens e relacdes, se representa e se altera o mundo. A escola, as criancas, a educacao sao centrais em todo o livro, aberturas para pensarmos um cinema-mundo. elicdrio 18H 978-85-66706-79-8 9 8 86798! >

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