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Ta = cay ip Léo Ferreira Leoncy a Controle d pore Ee iaade Estadual As normas de observancia obrigat6ria ea defesa abstrata da Constituigao do Estado-membro 4.131:353(81) ® (CA Saraiva is Controle de Constitucionalidade Estadual As normas de observancia obrigatoria @ a defesa abstrata da Constituigao do Estado-membro ISBN 078-85-020-6078-4 Dados Internacionals de Catalogardo na Publicapdo (CIP) (Cémara Brasileira do Lio, SP, Bras) Looney, Léo Ferreira ‘Controle de constitucionalidade estacual : as, rnormas de obsorvincia obrigatéria o a detesa abstr da Constituicéo do Estado-membro / Léo Ferreira Leoncy. - Seo Paulo : Saraiva, 2007. 1. Brasil -Direte constitucional 2, Leis - Consitucionalidade I. Tul, oe-a6a0 (600.340.1315 (81) Indice para catalogo sistematico: 1. Brasil: Constitucionalidage estadual : Controle das leis: Direito 940.191.5 (81) Data. ecarent da eo: 241-2007 CB Sorcive Ae Marge d S50 Vieni, 1607 — CEP 0113-004 — Bara Funda — Sto Pal SP eras) 9619-334 el (11.317 3268 (ln) — SAC:(11) 3619-310 (Grande PI / 0600557668 {eas icaldades) — Evra sarahajur@edtorecaravacomin ~ Accose win. seraNaluccoms rs hanas GERAIS ua ae Pana, 0 Laos Pine aioe eae Bt same “Terese fap, 186— ata Congce ane suse sae se Faeries eho PEswasUCOMBRAIEAR 6, D0 NORTEALAGORS unlererer im. 22.7—Crtm Run Cr rf a= re Esniastaais mace) a0 CeaRArauinasasino co Fibco prev eho po) ‘Famer Goes 0 oarcaon facie aaerertencae’ Foe tanto sbeo roe cose Secose8 tie? — Satriani Gatco ROE savEnOrEriNTO SANTO rate asec aaa Fis Vesna 96 18—Viet Fajen seco asia egret esrser sr aes ‘blag 30—soorsecparo -‘ROGAANOEDO SUL Fe sesso 10 is Gea farea tebe cna Pegi ano esc e Mi enoteo oS scoNATDorosso Fl conan 700 —Poe Anpe BANGER EEG saan Mia sean un tare Eames rn Fane BEX (361300 So Pade SUMARIO. LSTA DE ABREVIATURAS £ SIOLAS USADAS, vu APRESENTAGAO.. “ xt INTRODUCAO. xvi opie | NORMAS DE OBSERVANCIA OBRIGATORIA PARA OS ESTADOS-MEMEROS Na CONSTITUICAG DE 1988 _ 1 11. Forma federativa de Estado e normas entra. H 1 1.2. Normas consticuclonaisfederas de observancia obrigaéria para os Bstados-membr08 ew ma 10 1.2.1. Forma das normas de observincia cbrigatSria: normas expressas cenormas implicitas 15 1.2.2, Fungoes das normas de observancta cbrigacorla: norms smandatériase normas vedatsras. 6 1.23, Caréter ambivalente das normas de observincia obrigatéria.... 18 1.24, Contetdo das norms de observincia obrigatGria nawevssnnne 19 1.24.L. Prinefpios constitucionaissensiveisun . 0 1.24.2, Normas de preordensgl0 institucionalinwenennnnnne 22 1.243. Normas federaisextenstveisinnennnnnn 2B 1244 Prine(pios constinirinnate ostaheleridee 24 13, A teprodugio das normas constitucionas federas de observaneia obrigat6ria nas Constiuigdes Estaduats: normas de reprodusao. 5 1.4, Normas eonstitucionais federais de excensio proibida aos Bstadosia. 27 1.5, Normas constitucionas federats no cbrigatéras para os Estados sua repeticdo na Constituigdo Estadual: norimas de imitacio, Normas originais de auto-organizagao.. 2 1K Copitule 2 (© MonELO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL NO DIREITO BRASILEIRO... 2,1. Antecedentes do controle de constitucionaldade estadual no direito brasileiro. pa 2.1.1, A Bmends Constitucional n, 16/65 €a Teduas a6 ela bsaraco eta no diteito bnatilei . 2.1.2. A Emenda Constitucionsln. 1/69: adoglo da representagio interventiva no &mbito local ea necessidade de autorizagio constitucional para a eriagSo da aso direta de inconstitucionalidade estadual.. 7 22. Ocontrole abetato de constitucionalidade estadual na Canstieuigio de 1988... 22.1. Sujeltos legitimados ae a 22s, Astabctd egy ia aks oh sentido da vedagio... - 2.2.1.2. Deaneceasidade de cimetria com 0 modelo federal. 2.2.13. Impossibilidade de criagdo de uma agao popular de 222, 223, 224. inconsitucionalidade no Ambit estadual Objeco de controle : 22.2.1. Exclusio das les eatos normativosfederais. 2.2.22. Atos de efeto concreto 2.2.23. Leis em sentido formal. 22.24 Qleantrole da omissia incanstinicional nn Ambito de Estado-membro. arimerro de controle... 2231. AConstigfo Emu ome petnewo dno € exclusive do controle abstrato de normas perante os Tribunais de Tustica 2.2.3.2. As proposigées constitucionais estadunis remissivas 3 Constitugio Federal 2.2.33. O problema da inconsttueionalidade do parinetro de controle... A eficdcia erga omnes das decsbes de mérito no controle abstrato de normas estadival oa a ° um n a al 104 Capita 3 (O conTROLE 0 CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL E 0 PROBLEMA DAS [NORMAS CONSTITUCIONAIS REFETIDAS 350. A reget de neuen cemtcinrnis Ruler na Comat Estadual 3.2, Da competncia para apreciaragdo direta de norma local violadora de norma constttuctonal federal reperida na Constitugao Estadual. 3.21. A ese da ociosidade das normas constitucionaisestaduais repetidoras de normas constitucionais federais de observineia obrigatria para os Extados-membros. 3.2.2. A tese da autonomia dos parimetros de controle independentemente da natuners da norma conetinucianal federal repetida. fi 53, Defi d compertcia pla aa de e.. 3.4, Causa de pedi exclasivamente estadual e a posibilidade de interposigfo de recurso extraordinétio Copitle 4 ‘A FOSSIBILIDADE DE TRAMITACAO SIMULTANEA DE AGOES DIRETAS DE, INGONSTITUGIONALIDADE DE UM MESMO OBJETO FERANTE-O SUPREMO ‘TRIBUNAL FEDERAL E 0 TRIBUNAL DE JUSTICA ESTADUAL... 4.1. Hipsteses em causa 4.1.1. Impossbilidade de impugnagao simulinea de leis ou atos ‘normativos municipals por ago direta de inconstitucionalidad. 4.1.2. Impugnagio simulinca de leis ou ates normativos cxtadusis por ago direta de inconstitucionalidade. 4.1.3. Possbilidade de impugnagio simuledinea de leis ou atos normativos municipais por ago direca de inconsticucionalidade ‘estaduale argicio de descumprimento de preceito fundamental 4.2. Competéncias conflitantes ou simultaneas 43. Ainda o problema da definigo da compettncia pela causa de pedi. 44, Tramitagio simultnes e interferéneia entre 0s processes. 44.1. Declaragio de (in)eonstirucfonalidade pelo Supremo Tribunal Federal em face de norma de observncia obrgatSria. 442. Declaragio de (in)constituctonalidade pela Tribunal de Justiga em face de norma de reprodugio 7 8 9 19 13 126 128 139 139 140 142 13 45 148 150 151 154 XI #9 Dito da cononal p SirneT) Federal em face de norma nfo obrigatria oun 137 444, Dela de (in )ecrstucionldoe plo Taunal de Jaga «em face de notma de imitagzo — ios 16 45 Tras nea «Reza demi da prman pra Tribunal de Justiga.. iss 162 CONCLUSOES. . 169 [REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 15 APRESENTAGAO ‘Acbra Controle de constitucionalidade estadual, de Léo Leoncy, que asérie IDP oferece ao pablico brasileiro, configura bela amostra do tra~ balho de pesquisa jutidica desenvolvido nas Universidades brastleiras. CCuida-se de bem elaborado estudo sobre o dificil e importante tema da Federagio, materializado na conteovérsia sobre acantrale de constitucionalidade estadual, apresentado como dissertagio de Mes- trado perante a Faculdade de Direito da Universidade de Bras Embora se afirme corriqueiramente que a Constituigio de 1988 bbuscou reforcar 0 papel dos Estados e Municfpios na sistemética ver- tical de divisio de poderes, é certo que se multiplicaram os postulados ou principios estabelecidos ou extensiveis. Daf a importéncia desta obra, que busca elucidar quais so as normas da Constituigo Federal de observancia ubrigatstia pelo constitute estadual. Ao lado disso, rio deixa de ser curioso, tal como indicado pelo préprio autor, que hi normas da Constituigao Federal reproduzidas no ambito estadual por mera opcéo politico-juridica. ‘A questio tem importdncia académica e pritica. Em verdade, trata-se de delinear, na primeira parte do trabalho, co nticleo central do assim chamado Direito Constitucional estadual. Hé, portanto, relevancia na prépria questiio da autonomia estadual envolvida na presente investigacio. Léo Leoney repassa as classificagées tradicionais das normas constituctonals federais e as analisa pelos aspectos da necessidade vu rio de sua observancia pelo poder constituinte estadual (normas de observancia obrigatéria e normas nao obrigatérias) ¢ da possibilidade unto de sua reproduco na Constituigao do Estado-membro (normas de reprodugao facultada e normas de reprodugo proibida). XI Esce estudo, realizado apenas como premissa para desenvolvimento ddo.cema proposto— controle de constitucionalidade no direitoestadual — tem relevante significado para a andlise do Estado Federal no Brasil e do Principio Federativo consagrado na Constituigao de 1988. Em face do texto constitucional fortemente analitico, que tratou largamence das chamadas frmulas estabelecidas ou extensivas, n8o Si pequenos os desafios do intérprete na consecucio de um sélido modelo de Estado federal. Muitos autores se mostram desanimados ‘quanto & consisténcia da Federagao brasileira. Léo Leoncy evidencia que, a despeio do deralhismo constitucional, que nao deixou de fora ‘© espago normativo em regra confiado nos Estados-membros, nio ha ratfo para este nilismo federativo a0 enfatizar que parte da “erise de reprodugio” advém da incorporagio voluntéria pelas unidades fede- radas de normas nko obrigatérias. Léo Leoncy nao perdeu de vista que o principio federativo tem valia também na medida em que executa uma sistematica de divisio de poderesno plano vertical. E, nessa perspectiva, esse preceito constitui valioso instrumento de realizagao da democracia, porquanto assegura a existéncia institucional de forgas polfticas antagénicas. Trata-se de um contribute ao pluralismo. A identificagao das normas de observancia obrigat6ria pelos Eseados-membros tem reflexos sobre a prética do controle de consti tucionalidade. Nesse sentido, tem-se assente o cabimento de recurso cextraordinério para 0 Supremo Tribunal Federal, que, como se cbserva, configura interessante mostra de hibridismo institucional, uma vez que acaba por conjugar elementos dos modelos incidental e concentrado em um 36 instituto. Constitui também ponto alto do presente trabalho a anilise percuciente e critica da jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal desenvolvida sob a Constituicao de 1967/69 e sob a Constituigao de 1988. Léo Leoncy rememora com maestria os aspectos relevantes das controvérsias suscitadas pelo tema, revisita questdes j4 contem- pladas pela doutrina ¢ jurisprudéncia ¢ prope adequada arrumagao dogmética. Oleitor vai encontrar um exame consistente sobre a evoluco do controle de constitucionalidade estadual, no Brasil, e um estudo cuida- x dase & pmofimnedn enhre as haces da mndela de cantmle de canrinicin- nalidade estabelecido pela Constituigio de 1988. Questdes relevantes sobre a estrutura do modelo, a legitimagio, o pardimetro de controle, a objero do controle e a tramicagao simulcanea de agdes diretas no ‘imbito do Tribunal de Justiga estadual e do Supremo Tribunal Federal sio analisadas com proficigncia pelo brilhante acad&mico. Cuida-se, como se va, de trabalho que, 2 despeito do valor cientii- co inegével, hd de se revelar de ampla significago na solugo dos sérios problemas quc ainda subsistem em torno da jurisdigao constitucional, especialmente da jurisdigo constitucional estadual Brasilia, 10 de setembro de 2006. Gilmar Ferreira Mendes autor em Direito— Munster/Alemanha Ministro do Supromo Tribunal Federal Prof. da Universidade do Braslia Prof. do Instituto Brasiliense de Direito Publica xv \ INIKODUGAO A Constituigio da Repiblica Tedesativa do Brasil de 1998 €, entre as Constituigdes brasileiras, a que mais inovou matéria de con- trole de constitucionalidade de normas e a que maior importancia deu ao assunto. O modelo de controle por ela adotado recebeu novos contomos em relagZo 20 seu antecedente, ao mesmo tempo que se tomou um sistema de fiscalizago da legitimidade constitucional das leis e atos normativos do Poder Pablico dos mais complexos, cuja riqueoa de deralhes ainda esté longe de ser totalmente investigada pelos doutrinadores pétrios. Além do tradicional recurso extraordindrio (art. 102, Ill, a a 2), a Constituicdo vigente prevé ainda os seguintes instrumentos de controle judicial da constitucionalidade: a) uma ago direta interventiva com vistas a assegurar a obser- vancia de alguns prinefpivs cunscivuciumais, quando viukados pelas unidades fecerativas estaduis e disrital (arts. 34, Vil, e 36, III); b) uma aco direta de inconstitucionalidade de lei ou ato nor- mativo federal ou estadual (art. 102, 1, a); c) uma agao direta de inconstitucionalidade por omissao de medida para tornar efetiva norma constitucional (art. 103, § 2); d) a chamada actin declarardria de cansrimicionalidade de lei ou ato normativo federal, introduzida no ordenamento jurfdico brasileiro pela Emenda Constitucional n. 3, de 1993 (art. 102, Lae ©) a polemica argtigio de descumprimento de preceito funda- mental decorrente da Constivuigao, objeto de disciplina da Lei n, 9.882, de 1999 (art. 102, § 1°). XVI Estes — conforme demonstraria a mera leitura dos dispositivos srencionadus — so instumenes que o consticuinte federal estabe- Jeceu em nome de sua obra; em defesa, portanto, da Constituigao de 1988. Mas além desses instrumentos de “autogarantia” da Constituigio da Replica, previu ainda mecanismos de defesa das Constituigoes estaduais, a serem institufdos pelo préprio constituinte decorrente, quando da edigio dessas Cartas. Tais mecanismos consistem nas seguintes vias a) umaagio direta incerventiva visando assegurar a observincia de prine(pios indicados na ConstituigSo Estadual, quando violados pelas unidades federativas municipais (art. 35, 1V); e b) uma agao direta de inconstitucionalidade de lei vu aww aura tivo estadual ou municipal em face da Constituigao Estadual (are. 125, § 2°), Acerca da primeira vertente de instrumentos, destinados & defesa da obra do constituinte federal, é marcante o grande ntimero de traba- thos doutrinérios que tém surgido nos dltimos anos na tentativa de dar conta dos problemas decorrentes do modelo de controle instaurado. A propésito da segunda vertente, entretanto, a produgao da literatura juridica nacional reduz-se a raras incursdes. Com o propésito de fomentar o debate acerca de um dos ins- trumentos de defesa das Constituigdes estaduais — a ago dircta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, prevista no art. 125, § 2°, da Constituigao de 1988 —, o presente trabalho assumird como problema central identificar as normas da Cons- ttuigdo Federal que so de observancia obrigavéria para os Estados-mem- bros, no tocante @instituicao e a prdtica do controle abstrato de leis e atos normativos estaduais e mumicipais em face da Constiuieao Estadual. Em outras palavras, o que se pretende demonstrar € que algumas normas da Constituigao de 1988 nao sé afetam a maneira como con- trole abstrato estadual seré estruturado formalmente na Constituigo dos Estados-membros, mas também influenciam o mado pelo qual esse controle sera exercido na sua prética institucional. Eis adiante 0 raciocinio desenvolvido para se levar a uma tal demonstracio. XVII Assumiu-se como premissa que a Constitui normas centrais, entendidas como preceitos com validade em todo o territério nacional. A despeito dessa abrangéncia tertorial das normas constitucionais federais, muitas vezes a sua incidéncia determina-se ainda segundo um crtério pessoal de validade. Dat serem encontradas naquela Constituigo normas que, a despeito do seu Ambito nacional de validade, diferem entre si cm razdo dos cntes federativos que a seus termos submetem. Esse fendmeno explica a existéncia, na Carta Federal, de normas de obseruéncia obrigatéria como também de normas ndio obrigatérias para os Estados-membros. ‘OCapitulo 1 deste trabalho destina-se a estabelecera classificago dat normas constitucionaie federaiz de observancia obrigatéria para osEstados-membros, bem como se dedica a diferencid-las das normas que, inscrivas embora no texto constitucional, no apresentam carder compuls6rio para esses entes federativos. Como hipéteses de trabalho, cogitou-se que aquelas normas de observancia obrigatéria, constantes da Constitui¢ao de 1988, con. dicionam os Estados-membros seja na instituiglo, seja na prética do controle abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos estaduais e municipais perante os Tribunais de Justiga. Tal condicio- namento se dé sob uma dessas trés formas: a) Neterminadas normas de ohservincia obrigatéria comdicionam a rdprio modelo de controle abstrato de constitucionalidade a ser adotado pelos Estados-membros. Oque se prevende saber aqui €se o constituinte estadual, aodisci- plinar os instrumentos de defesa da Constituigao do Estado-membro, encontra na Constituigo Federal um modelo de controle previamenre definido ou se, ao contrétio, est livee para criar o seu proprio modelo, disciplinando originariamente os elementos do controle abstrato de nuntias estadual, vais comy sujeivus legitimados, objewo de controle, parimetro normativo e efeitos da decisio. Acessa tarefa € dedicado 0 Capitulo 2 do trabalho. A segunda forma de condicionamento pode ser assim descrita: ) Asnormas constitucionaisfederais de observincia obvigatria pera csEstados-membros, quando reprodusidas pelo constituinte decorrente me- XIX diante processo de simples transplantagdo normativa, determinam o sentido eo alcance da interpretacdo que os Tribunais de Justia podem oferecer as normas equivalentes constantes da Consttuigo Estadual. Tal hipstese € objet o de anslise do Capftulo 3, no qual se apre- sent v prubleuta da vepeigao de niormas constivucionais federals na Constituigao do Estado-membro e a conseqiiente questo de saber qual o Tribunal competente para processar e julgar a ago direta de inconstitucionalidade por contrariedade a essas normas repetidas, se o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal de Justica. Tosa questav vem a debate na aedida em que, & primeira vista, uma vez violada a norma constitucional estadual de repetico, eambém restaria violada, ipso facto, a norma constitucional federal repetida. Dat © interesse em saber sob que pardmetro de controle se hd de questionar a legicimidade do ato inquinado de inconstitucional e, resolvido isso, perante que Tribunal propor a aco direta correspondente. ‘Uma ver definida a competéncia das Cortes locais para o julga- mento das ages diretas em face de normas da Constituigo Estadual que so mera reprodugio de preceitos constitucionais federais de caréter compuls6rio para os Estados-membros, o que estaré em jogo 6 saher se og Tribuinais ce Justiga, a0 apreciarem tais ages, encon- tram-se vinculados a interpretago que o Supremo Tribunal Federal oferece is normas equivalentes constantes da Constituigao Federal, use, 20 contrario, estao totalmente livres para oferecer a sua propria interpretagio. F, por fim, 1ima terceira forma de condicionamenta é posstvel: ©) Quando ramitarem simultaneamente perante o Supremo Tribunal Federal, em face da Consttuigdo Federal, e perante o Tribunal de Justica, em face da Constituigao Hstadual, ages diretas de inconstitucionalidade contra o mesmo objeto, o processamento da ago dreta de inconstitucio- nalidade em curso no Tribunal de Justca serd suspensa sempre que howwer equivaléncia entre o pardmetro de controle estadual de reprodusdo ¢ 0 pardmetro de controle federal compulsério, nequele reproduzido. O Capitulo 4 € dedicado ao problema da tramitagao simultaneade agdes diretas de inconstitucionalidade contraa mesma norma perante ‘0 Supremo Tribunal Federal e 0 Tribunal de Justica lacal Xxx esses casos, a suspensio do processo na Corte estadlual se justifi- caria na medida em que o pronunciamento do Supremo acerca da nor- ma constitucional federal de observancia obrigat6ria reproduzida pelo constituinte estadual seria sempre determinante para o Tribunal de Juctiga em relagio & norma constitucional estadual de reproduglo ‘Ao final dos capttulos, séo apresentadas as principais conclusbes a que se chegou em relagio as hipéteses de trabalho acima descritas, bbem como as referéncias bibliograficas utilizadas na pesquisa, ii Capitulo NORMAS DE OBSERVANCIA OBRICATORIA PARA OS ESTADOS-MEMBROS NA CONSTITUICAO DE 1988 1.1, FORMA FEDERATIVA DE ESTADO E NORMAS CENTRAIS Estado federal representa um modo peculiar de exercicio do poder politico num dado territério.' Nos paises que adotam essa forma de Estad, € possivel encontiar dv apenas uu, was vétivs cexitios auténomos de difusdo desse poder sobre o mesmo espaco territorial, como também é possivel encontrar nao apenas uma, mas diversas es- feras territoriais de validade das normas jurfdicas, o que faz do Estado federal uma comunidade juridica descentralizada.? Para José Afonso da Silva, “o modo de exercicio do poder politico em fun- fo do terrtsrio dé origem ao conceito de forma de Estado” (Cano de dieito constiucional postive, 9. ed, Séo Paulo: Malheiros, 1994, p. 90). Por sua vez, Dalmo de Abreu Dallari faz 0 seguinte acréscimo: “o Estado Federal indica, antes de tudo, uma forma de Estado, ndo de govern” (Elementos de teoria ‘raldo estado, 19. ed, Sto Paulo: Saraiva, 1985, p. 215) Para Hans Kelen, “a centalizaglo ea descentralizagéo, geralmente considera: das como formas de organizacio do Estado referentes & divisto teritorial, de vem ser compreendidas come dois tipos de ordens juridicas. A cliterenga entre um Estado centralizado e um descentralizado deve ser uma diferenca nas suas ‘ordens juridicas. Na verdade, todos os problemas de centralizagdoe descentali 920 [uJ so problemas referees efera Ue valde das roms jurdicas © 1 Tradicionalmente, esse tipo de Estado € composto por um ente central —a Tinian —, que exerce seni daminia em tado o territdria nacional, e por varios entes regionais — os Estados-membros —, cujo poder abrange apenas determinada parcela do territ6rio, formando tds, u exite Cexitial € us vasius exites regionais, uma ordem jucdica descentralizada, cujas normas apresentam esferas tertitoriais de val dade diferentes? Nese sentido, ter esferas territoriais de validade diferentes significa que algumas das normas dessa ordem juridica descentralizada serio vSlidas para todo o territério, quando emanadas do ente central, ‘enquanto outras sero vélidas apenas para uma parte especitica dele, quando editadas por um ente regional! As normas validas para territorio inteiro podem ser chamadas de normas centralise as normas vélides apenas para uma parte dele, normas locais.* ‘As noraas locais, vélidas para uma determinada parcela do territério, formam uma ordem jur(dica parcial, com incidéncia local, dos recs que as criam e aplicam" (Teeria gral do dirito do estado, tradu- she de Luis Carlos Borges, Séo Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 433). Levion Raul Matliady Hors que “v Estey Federal aprescitas wedi do Estado unitério descentralizado, dois grupos de governantes sobre 0 mes- smo teriério: os governantes centrais eos governantes locas Os primeiros #80 of do Extado Federal e os segundas do Eseadoymembra” (A atitonamia do estado-memibro no dit consitucional bras, Belo Horizonte: UFMG, Tese, 1964, p. 26). Para José Afonso da Silva, no Estado federal “o poder se reparte x divide, no espago territorial (divisto espacial de poderes), geran- do uma multiplicidade de organizecdes governamentais, dsteivuidasregio- ralmente” (Curso... cit, p-90). Cf. Hans Kelsen, Teoria geal do dito edo estado, eit., 434 4 Hans Kelsen, Compendia de tora general del eso, 2. ed, tradugto de Luis Recaséns Siches ¢ Jutino de Azcérate, Barcelona: Bosch, 1934, p- 173. Isso io impede, todavia, que o ente central, que comumente exerce seu poder {em todo 0 territério, verha a editar normas validas apenas para uma parcela deste. Fi o que ocorreu, por exemplo, com 2 legislago editada pelo Senado Federal com base na competéncia prevista no art 16, § 1°, do ADCT: “A ompettinia da Clue Leyiletiva dy Diauiwy Tedetal, até que s¢ instal, seri exercida pelo Senado Federal. Hipsteses como essa, todavie, em ger representam uma exce¢0 em modelos federativos. + Tans Kelss Teoria geval do disci edo esa, city p44. constituindo igualmente uma comunidade jurfdica parcial ou local. Por outro lado. as normas centrais. vélidas para o cerrit6rio inceiro, também formam uma ordem juridica parcial, mas com incidéncia nacional, constituindo do mesmo modo uma comunidade juridica parcial ow cenual. ‘As ordens juridicas locais formam, juntamente com a ordem juridica central, uma ordem juridica total, que constitui uma comu- nidade juridica igualmence total. Assim, tanto as comunidades locais como a comunidade central s0 membros, so comunidades parciais dessa comunidade total, que é o Estado federal ou Estado total. Estas idéias, que resumem o pensamento de Hans Kelsen acer- ca do problema da divisio territorial do poder politico, podem ser uraduzidas para o ambito da Constituigao da Repablica Federativa do Brasil de 1988, Na Constituigau Federal brasileiva, a descenualizayao vet tal da ordem juridica apresenta um grau mais acentuado que o modelo acima exposto. [sso porque a organizagio politico-administrativa da Repablica Federativa do Brasil, que & 0 Estado federal ou Estado total, compreende no apenas 2 Unido, ente central, ¢ os Estados-membros, enres reginnais, mas ahrange ainda, eamo aihlivisnes territariaie destes “kkimos, os Municipios, que so entes locais, e como ente regional ‘nico, o Distrito Federal, cuja divisio em Muniefpios € vedada (arts. 1°, 18, 25, 29 32). As normas editadas pelos drgfios de produgdo normativa da Uniao tém incidéncia sobre todo o territério da propria Unido, que & o teritério nacional, e também sobre o territério dos Estados e Mu- nicipios e do Distrito Federal, sendo, portanto, normes centrais. De modo andlogo, as normas editadas pelus dugéos dus Estados-useubies incidem sobre a parte do terrisério da Unidio em que esto localizados sobre o territério do Estado-membro respectivo e dos Municfpios nele encontrados, sendo, assim, normas locais. Por outto lado, as nor- mas editadas pelos Municfpios incidem sobre a parcela do territério da Uniti e do Estado-membro em que estaa lncalizadas e sohre 0 © Hone Keleen, Teoria goral do divaite edo estado, eit, p. 434 6 451 2. préprio territério municipal, constituindo, também, normas locais.O Distrito Federal, por sua ver, edita normas que terdo eficécia apenas sobre a parte do territério da Unido em que esté localizado e sobre 0 seu proprio tertitério, sendo, igualmente, normas locais." As normas emariadas dus étyius de producdo normativa dos Estados, Municipios e Distrito Federal sia narmas locais, porque tém incidéncia na respectiva parte do territrio nacianal em que se loca- lizam esses entes federativos. As normas de cada uma dessas unidades politicas consticuem uma ordem jurfdica local, tendo em vista a sua validade para uma parcela espectfica do territério. Por outro lado, a normas emanadas dos drgfos de produgio normativa da Unio so nnormas centrais, pois tém validade em todo o tertitério nacional Estas normas formam uma ordem juridica central, tendo em conta a sua validade para todo 0 tertitério. 7 Embora estejam relacionados, o conceito de notmas locais nfo corresponde necessariamente ao conceito de iteesse loca. Normas locais, conforme if firmado no texto, slo as normas vélidas apenas para uma parce do tertitS- rio national, considerado na sua integralidade, Sio locais, portanto, porque nao incidem sobre o territrio nacional inteito, mas apenas sobre uma pat- ‘cela deste, £ 0 caso das normas emanadas dos orgaos de prociugio normativa dos Estados-membros, dos Municfpios e do Distrito Federal (e, excepcio- ‘nalmente, da Unido, quando destinadas inci sobre uma pazcela do ter- sitério, conforme iustredo na nota 1). Em todas cain hipsteses, a8 normas assim editadas inciditfo apenas sobre a respectiva parcela do teritério na ional em que os entes federativas correspondentes estiverem localizados, € no no tertt6rio inteiro. Por outro lado. inerese ral esti relacinmade ‘com o prinetpio geral que orienta a reparticlo de competéncias entre as eeatidades componentes do Estado federal brasileiro, Trata-se do prine(pio da predomindncia do interesse, segundo o qual "i Unio eaberio aquelas rmatétias ¢ questées de predominance interesse geral, nacional, 0 passo que aos Estados tocardo as matrias eassuntos de predominant imteresseregonel, 20s Municipios concemem os assuntos de iteresse local” (José Afonso da Silva, Cuaso.., cit P. #18). Ao Distrito Federal, por sua ves, séo atribu- das as competéncias rescrvadas a0s Estados e Muniefpios (ars. 32, § 18, ¢ 147, CF). Desse modo, as normas centras da Unio veiculardo matérias de predominance intereae nacional; os normea locaia doa Estados, matétios de predomninante interesse regional; as normas leeais dos Muniefpios, matéras de interesse local, finalmente, as normas locais do Distrito Federal, tanto matérias de predominante interesse regional como de interesse local ‘Conforme se percebe, a distingao entre normas centrais e nor imas lneais é 1ima distingn haseada no Ambito territorial de validade dessas normas. Nao obstante, tais normas nfo seguem 0 citério territorial como critério nico de validade. E que as normas emanadas da Unio, como deresio as edivadas pelos demais entes federativos, baseiam-se também um critérin peesnal de valider Nesce sentida, aheerva Kelsen que “as sormas de uma ordem juridica, embora tenham [ou possam ter] todas ‘amesma esfera territorial de validade, tendem a diferir quanto &s suas, csferas pessoas de validade” Na opinido de Kelsen, a organizagdo da ordem juridica baseada no status pessoal pode ser necessfria na medida em que os destinatérios da regulacio normativa nio estejam todos situados numa mesma parte do wertitério nacional, mas espalhados por todo este. Em casos tais, afirma esse autor, “a descentralizacao por subdivisao territorial nao permitiria a diferenciacSo desejada da ordem juridica”? [A diferenciago das normas de uma ordem juridiea segundo 0 critério pessoal de validade pode levar a que decerminada matéria ve~ © Teoria gral do divito do estado cit. p. 435-6. Teoria geral do diet edo estado, ci, p. 435-6. Em outras palaveas a edigto «de normas que apresentassem como escopo vincular destinatiriosespecthcos, rio localizados em parte tnica do territdrio, no seria ecient se tats nor mas tivessem incidéncia apenas local, uma ver que, sob ess citcunstincia, referhle destinatdtie uly seria womipltanente alcaunaihs pela eyulay ay propost, por se encontrarer parcialmente fora do campo espacial de ago rnormativa, Por outto lado, a simples edi¢Zo de normas centrais, sem qualquer Aifereneiagto quanta ane desrinararis da reglagi papaera,ratia a inenn- ‘eniente risco de vincularindividuos a quem nao se quisesse destinar a mes- sma diseiplina normativa. Po tal rao, as normas utfdicas em geral trem, de forma expressa ou implicita,o Ambito pessoal de incidéncia de seus ttrnos, na tentativa de evidenciar os seus eftivos destinatétis. E Kelsen quem mencio- na ainda a seguinte hipStese: “A mesma matéria o casamento, por exemplo, pode ser regulada para 0 teritério intero, mas de maneiras diversas para diferentes grupos, distinguidos com base na sua religo, de modo que a lei ‘matrimonial de uma mesma ordem juridica nacional possa ser diferente para catclicos,protestantes e maometanos” (Teoria gral do direito edo estado, cit, 25-6). nnhaa ser regulada por normas vélidas para todasas partes do territ6rio (normas centrais, portanto), mas com regimes juridicos diferenciados para os diversos destinatérios (normas obrigatérias para alguns indi- viduos e ndo obrigatérias para outros, por exemplo). (© mesmo fendmeno pode ocorrer ainda em relag30 acs entes politicos integrantes de uma Federacdo. Porque tais entes podem exer- cer papéis diferenciados na estrutura federativa, é comum que a ordem juridica de um Estado tederal Ihes atribua uma série de competéncias, faculdades, direitos e deveres dispostos de maneira diferenciada ou assimétrica. Por outro lado, também € préprio que a mesma ordem juridica imponha determinados padres normativos em caréter uni- forme, como necessérios & manutencio de um mfnimo de identidade entre as diversas pessoas politicas integrantes do pacto. Por isso, nos pafses que adotam a forma federativa de Estado, & possfvel encontrar uma pluralidade de normas no apenas com esferas territoriais de validade diferentes, mas também com esferas pessoais de validade diversas, ora obrigando um ente tinico, ora obrigando mais de um ente da Federagao, ¢, neste casa, de maneira uniforme ou diferenciada. Conforme seré visto adiante, essa diferenciagao da ordem jurt- dica baseada num critério pessoal de validade pode levar & criagio de (a) regimes juridicos obrigatérios idénticos para as diversas unidades da Federacdo, mas também de (b) regimes juridicos obrigatérios di- ferenciados para os diversos membros, podendo ainda ser criados (c) regimes juridicos especificos destinados de forma exclusiva para um determinado ente federativo, como no caso das matérias cujas normas reguladoras se apresentam obrigatérias apenas para os entes vinculados organicamente & Unio. Deixando de lado a variedade de classificagées de regimes jurfdicos a que a diferenciago da ordem juridica baseada no crité- rio pessoal pode levar — tema a que se voltars oportunamente —, convém, contudo, ilustrar o fenémeno a fim de assentar a validade do critério. Isso seré feito a partir de exemplos extrafdos do préprio ordenamento jurtdico brasiletro. ‘Como exemplo de regime jurdico uniforme e obrigat6rio para as diversas unidades da Federaco, é possivel mencionar aquele instituldo 6 pela Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Esta lei, que es- tebelece normas de finanieas piblicas voltadas para a responsabilidade na gestfo fiscal, tem validade em todo o territério nacional (normas centrais, portanto). Mas, além disso, obriga simultaneamente a Uniai 03 Estados, o Distrito Federal e 0s Municfpios (art. 1°, § 2°). Jao Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, oferece exemplo de regime juridico diferenciado e obrigatério para os diversos entes federativos. Tal decreto-lei, que dispde sobre desapropriages por utilidade pablica, também € um exemplo de lei cujas normas séo ‘vlidas em todo o territério nacional. Em meioa estas normas, porém, ha canto aquelas que estabelecem disciplina uniforme aos diversos en- tesfederativos (art. 2°, caput), como as que estipulam regime jurfdico diferenciado (art. 2*, § 2*)."" Por fir, como exemplo de regime juridico exclusiva, & possivel citar a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Embora renha val dade em todo o territério nacional, tal lei, que dispde sobre o regime juridico de servidores piblicos civis, é obrigatéria apenas para entes vinculados organicamente & Unio (arc. 1°)."? Todas essas observagdes explicam ainda a distingao corrente na douttina constitucional brasileira entre leis nacionais ¢ leis federas. ‘As primeiras incidiriam em todo o territério nacional sem exclusdo de qualquerente federativo, inserindo-se, portanto, na categoria das normas centrais obrigatrias para codas as unidades da Tederagao (Unido, Esta- "Bis oteor do disposttvo: “As disposigoes desta Let Complementar obr Unio, os Estados, o Distrito Federal eos Municipios” " E que depois de atrbuir a todos os entes federativos o poder de desapro- pagao mediante declaragao de utillade publica (art. 2, caput), referido decreto-lei deu tratamento diferenciado ao problema da desapropriacao re ciproca de bens entre os varios entesfederativos, ao dispor que “os bens do dominio dos Estados, Municipios, Distrito Federale Tervisrios poderio ser E por isso que, conforme Raul Machado Horta, “as normas centrais, que pertem da ConstituigSo Federal, nfo podem absorver o terreno da auto-organizaco do Estado-Membro e devem coexistir ‘com as normas constitucionais [estaduais] auténomas de auto-orga- nizagdo”. Nesse sentido, h que se reconhecer também uma gama de compettncias em que o Estado-membro pode agir com autodeter- minago, decidindo autonomamente a disciplina a ser adotada em relagio a uma dada matéria a ser regulada no ambito local Esse fendmeno—o do cardter misto do ordenamento jurtdico estadual — nao escapou a percepgao de Anna Candida da Cunha Ferraz, que, em anélise & Constituigao de 1988, observa: "C contedido da Constinsigho da Estado 6, em parte, ‘conteido obi gatério’, uma ver que decorre de principios e preceitos, expressos ou implicitos, positivos ou negativos que a Lei Maior do Estado federal impde as entidades federadas |... conteddo esse que 0 consticuinte ™ ReconstrugSo. cit p. 66. Diferentemente da idéia kelseniana de normas ‘centrais, segundo a qual tais normas so vidas para todo o tervtsro (cri tério territorial de validade), independentemente de serem obrigatérias para todas ou para alguma(s) entidade(s) federativals)(crtério pessoal de validade), observe-se que para Kaul Machado Horta as normas centris se caracterizam no apenas por terem incidéncia em todo o errtsrio nacional, mas também, ¢ necessariamente, por vincularem a atividade normativa dos Exxados-membros. E com essa resalva que se fas meno ao professor iin. ® Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro... cit, p- 67. » Diretoconsttcionl, cit, p. 7. 13 estadual deve recepcionar ipsis litteris ou ‘adaptat’ dentro dos limites permitidos, sob pena de intervencio ou de inconstinucionalidade Integra ainda a Constituigao estadual contetdo material que pode ser_ taxado de ‘prdprio’ ou ‘autSnomo’, pois resulta do uso discricionério que o constituinte estadual faz dos poderes e competéncias que a CF the outoiga ou sido lhe ved.” Em relagao as normas de observancia obrigatéria—as normas infin ahrigarsrias, que ensejam canterida material autfinama da Cansti- tuigdo Estadual, serio objetode t6pico & parte—, é posstvel reconhecer que, sob certos aspectos, revelam a posigio de subordinago em que se encontram os Escados-membros. E 0 que observa Paulo Bonavides: “A superioridade do Estado federal sobre os Estados federados fica pe- tente naqueles preceitos da Constivuigio Federal que ordinariamente impem limites aos ordenamentos politicos dos Estados-membros, ema rmatéria constitucional, pertinentes & forma de governo, 3s relagSes entre os poderes, 2 ideologia, a competéncia legislativa, solueao dos licgtos na esferajudictaia".* Na Constituigode 1988, os limites autonomia dos Estados-mem- bros se apresentam sob miltiplas formas e fungSes. Vém consagrados (a) ora expressamente (normas expressas), (b) ora implicitamente (normas implicitas); aparecem sob a formulacao (c) ora de um mandamento (nor- ‘mas mandatonas), (4) ora de uma vedacao (normas vedatorias). Por outro lado, ha também uma variedade de normas em que sratouo consritninte federal de estahelecer limires ans Fsraclos. Assim, para se enumerar apenas as categorias mais conhecidas, possivel apontar (a) os princfpios constitucionais sensfveis, (b) as normas de preordenacao insticuctonal, (c) as normas federais extenstvels e (d) 0s prinefpios constitucionais estabelecidos. Todas essas categorias sero objeto de andlise nos tpicos a seguir. ‘Anna Candida da Cunha Ferraz, Unio, estado © muniefpio na nova Constituiglo: enfoque juridico-formal. In: A nova Consttuigao paulis- 12. Sto Paulo: Fundasio Prefeito Faria Lima — CEPAM, Fundogio do Desenvolvimento Administrative — FUNDAP, 1989, p.57 3 Paulo Bonavides, Ciéncia politica, 10. ed., Séo Paulo: Malheitos, 1994, 183-4. 4 1.2.1. Forma das normas de observancia obrigatéria: normas expressas e normas implicitas Asnormas de observancia obrigatéria da Constituigao de 1988 limitam a autonomia organizatéria do poder constituinte estadual. Representam, por conseguinte, um conjunto de “normas limicativas de um dos princfpios fundamentais da ordem consticucional brasileira: a autonomia dos Estados’ Em virtude desse seu cardter restritivo, a maior parte dessas normas limitadoras apresenta-se no texto constitucional sob a forma express, o que posui & vantagett de imptiniit uiaior eotabilidade © seguranga quanto a0s condicionamentos do poder de auto-organizaca0 estadual. Nao obstante, € preciso indagar se a autonomia dos Estados- membros est4 sujeita a preceitos constitucionais implicitos. ‘A questo é pertinente na medida em que, segundo propugnam os doutrinadores, numa Federacdo a regra € a autonomia dos Estados, sendo excecio o estabelecimento de limites. E por ser excego é que essa imposicao de limites & autonomia estadual hé de ser interpretada restritivamente.* Essa interpretacao rescritiva, encretanto, ngo parece autorizar a conclusio a que chegou Manoel Goncalves Ferreira Filho. O emérito professor, aps afirmar que o reconhecimento de prinefpios implicitos limitadores da autonomia estadual € sempre duvidoso por envolver uma carga elevada de subjetivismo, nega que tais prinefpios possam ser invocados como condicionantes daquela autonomia.# 0 Joug Afonso da Silva, Curso. cits 525. » CE Manoel Gongalves Ferreira Filho, Comentarios & Constiuigdo brasileira de 1988, 2. ed., Sio Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 194; ¢ José Afonso da Silva, Chon. its p 525. 2% Comentivis & Consttuipto brasiera de 1988, cit, p. 195. Em outta obra, po- rém, 0 mesmo autor defende que o poder constituinte originétio "Exe pri cipios explicit eimplicitos ¢ mesmo regras acabedas que devem cr por cle [poder constituinte decorrente ou estadul] respeitados. E essa a ligio das Constituigdes brasileras sem excegio” (Curso de dieto consttuconal, 25, fed, Sie Pal: Saraiva, 1999, p. 28). Sore 0 ascunto, ef, Anna Cindida 16 Nesses termos, ni se pode deixar de reconhecer, verdade, que as normas da Constituigao Federal que ectabelecem a chamada repartigdo constitucional de competéncias abrigam, em iltima anélise, limites implicitos aos entes federativos, na medida em que, descreven- do os poderes atribuidos a cada qual, acaba por revelar, tmplicitamente e por exclusio, o que é vedado aos demais. Assim, segundo 0 entendimento de Michel Temer, aos Estados “ica-lhes proibido dispor sobre as competéncias da Unido (arts. 21 22) eas dos Municfpios (art. 30). Nada podem dispor, também, a respeito das competéncias tributérias da Unido e dos Muniefpios. A tais competéncias o Estado nfo tem acesso. E 0 que dispde implicita- mente a Constituigao”.> Contorme se observa, as normas de competéncia, embora nfo sejam o tinico exemplo, revelam regra implicita limitadora da autono- mia estadual, quando excluem do ambito de competéncia do Estado- membro as matérias confiadas aos demais entes federativos.** 1.2.2. Fungdes das normas de observancia obrigatéria: normas mandatérias e normas vedatéries O prinefpio da conformidade constitucional dos aros do Poder Pablico implica, no Ambito de um Estado federal, a subordinago da da Cunha Ferras, que admite a existéncia de limitagdes impli der constituinte decorrente (Poder constisuinte do etado-membro, Revista ros Trihunais, 1979, p. 134) Elements de dreito constzucional, cit, p. 82. [esse mesmo sentido, em relagio as normas definidoras de competéneia, cf Raul Machede Horta, Eador de deta constcional, city p- 35; Paulo Bonavides, Ciencia poltica, cit, p. 184; Tercio Sampaio Ferraz tnios, Princfpios condicionantes do poder constituinte estadual em face da Constiniigda Federal, Rien de Tinta Puilin, San Paulo, n. 92, our er 1989, p. 40; e Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, Interbretapio ¢ aplicabiidade des normas eonsttucionas, S40 Paulo: Saraiva, 1982, p. 108. Reconhecendo a existéncia de normas constitucioneisimplicitas em outras hiipéteses que no a das normas de competéneia, cf. Elival daSilva Ramos, A inconsteucionaldade das leis: ico e sare, Sto Paulo: Saraiva, 1994, p. 138-9, e Marcelo Neves, Teoria da inconstitucimalidade das leis, Sao Paulo: Sarawva, 1988, p. 124-6. 16 ordem jurfdica dos Estados-membros 2os termos da Constituigao Fe- deral, tendo em vista a posig&o hierérquico-normativa superior desta em relago as demais normas do ordenamento juridico do pats, Essa subortdinagao da ordem jurfdica estadual aos limites impostos pela Constituigdo da Repiblica pode dar-se tanto pela proibigio de condutas como pela imposiclo de tarefas aos Estados-membros. Foio que observou, na seguinte passagem, Anna Candida da Cunha Ferraz: *Primeiramente, a Constituigiio Estadual e as leis que dela tiram seu fundamento de validade (o direito interno dos Estados), no podem contrariar as disposig6es da Constituigio Federal: eis uma Inplicagdo de dem negativa para 0 Poder Constituinte Decorrente, ‘ois af se fxa um campo de proibigdes que restringem sua atwapo. Em segundo lugar, a Constituigao Estadual e, por conseguinte, 0 direco incerno excadal, devens rele, a0 espago ceriortal de aplicagao, os preceitos, os fins ¢ o espfrito da Constituigo Federal. ‘Af esté uma segunda implicapdo de ordem positiva: 0 Poder Consti- tuinte Decorrenté dave observer ou atsimilar exis preceitot « Gos ‘A conjugagao dessas implicagées — negativae positiva — consubs- tancia a regra geral que deve nortear o exame das limitagdes do Poder ‘Constituinte Decorente”.” Em relaco & primeira daquelas implicacbes, tem-se as normas vedat6rias ou proibitivas, que, segundo José Afonso da Silva, “profbem explicitamente os Estados de adotar determinados atos ou procedi- mentos” Por autro lado, no que diz respeito & segunda implicasao, est4.se diante das narmas mandarérias om preceptivas, que, segunda ainda o mesmo autor, “consistem em disposi¢des que, de maneira ex- plicita e direta, determinam aos Estados a observincia de prinefpios, de surve que, na sua organizagdv constitucional ¢ nommmtiva, hdv de adoté-los, o que importa confranger sua liberdade organizatéria 20s limites positivamente determinados’.* Damesma forma, Miguel Reale, 20 estabelecera distingao entre normas segundo a natureza ou conteido daquilo que se ordena, falaem normas preceptivas como sendo “as que determinam que se faga alguma > Poder consueumnte do etado-mentbo, ei P. 133. 8 Corso. cit, p. 522. ~ 9 Curso. cits 522, 7 coisa”, e normas proibitivas como “as que negam a alguém a prética de certos aos”, conceitos que, sem divida alguma, coincidem com os de nurtnas inainlatcias © nutiuas vedatcrias, espeutivaniente.” Apesar de. dicotomia exposta ser aceita pela doutrina, cumpre esclarecer que a restrigo da auronomia estadual independe da fung0 (proibitiva ou impositiva) desempenhada pela norma limitadora. Assim, tanto as normas constitucionais de caréter vedatério, como de resto as de caréter mandatorio, “determinam o retraimento da autonomia estadual”.* 1.2.3. Cardter ambivalente das normas de observancia obrigatéri A distingdo entre normas mandatérias e vedatérias apresenta certa fluidez. E que, como observa Hans Kelsen, “toda proibicdo pode ser descrita como uma imposigo”." Por isso, € possivel enquadrar na categoria das normas de observancia obrigatéria tanto aquelas que exercem fungées de imposi¢ao (normas mandat6rias) como as que cumprem fungies de proibicao (normas vedatérias). Esse caréter ambivalente das normas de observancia obrigatéria encontra definigao precisa na seguinte assertiva: “Toda proibicao de uma determinada conduta € a imposiso da omisséo dessa conduta, toda imposicao de uma determinada conduta é prolbicao da omisséo dessa conduta”.® A tal respeito, observa Tercio Sampaio Ferraz Jinior que, do ponto de vista légico, os operadores lingiifsticos obrigatério e proibido sdo comutéveis. Assim, para esse autor, pode-se dizer que uma deter- minada conduta é obrigatéria, como também se pode afirmar que & proibida a omissdo dessa mesma conduta.* © Miguel Reale, Liges preliminares de dito, 24. ed, So Paulo: Seriva, 1998, p. 136. Raul Machado Horta, A wwonornia do esud-merbro.o eity ps 226. © Teoria geral das normas, tradugio de José Florentino Duarte, Porto Alegre: Fabris, 1986, p. 121 8 Hans Kelsen, Teoria geral das normas, cit. p. 121 + Turodugéo ao esto do dreito: tenica,decsio, dominasdo, Sto Paulo: Atlas, 1988, p. 125 18 Nacdogmética constitucional, J. H. Meitelles Teixeira, ao tratar das espécies de inconstitucionalidade, destaca que, “mesmo a vincu- lacdo positiva do legislador ordinario pela Constituig&o (v.g., quando esta lhe ordena agir em certo sentido, ou fazer algo) resolve-se sempre, e-em iiltima andlise, numa vinculagdo negativa, isto é. numa vedagao ou proibigao (no agir de modo diverso) e qualquer lei ordinéria rebelde ‘a esses mandamentos, explicitos ou implicitos, padeceré de um vicio intrfnseco de inconstitucionalidade”.* Comisso, épossivel coneluir que normas mandatérias e normas vedat6rias sio igualmente limitadoras da autonomia dos Estados- membros, pois ambas diminuem o espaco livre de atuacio estadual. Mas enquanto a violagio das primeiras pelos entes estaduais leva a uma omisso inconstitucional (née fazer o que a Constituigao impSe que seja feito), a violagao daquelas outras normas implica uma aco inconstitucional (fazer 0 que a Constituigio protbe).6 1.2.4. Conteédo das normas de observéincia obrigatéria E possivel identificar uma série de classificagSes das normas de cbserviincia obrigatéria segundo o contetido da norma levada em consi- deracio. A propésito das muitas classficacBes, eparaficar apenas naquelas ‘mais adotadas, € notavel a diversidade das nomenclaturas utilizadas. Apesar dessa diversidade terminolégica, é possivel delimitar uma espécie de nuicleo comum acerca dos contomnos gerais das clas- sificagdes oferecidas. Hi, por assim dizer, pontos comuns entre as diversas nomenclaturas, os quais permitem tragar, com um minimo de concordéncia, aquilo que se pode entender como pertinente a cada tipo de norma. Para isso, € preciso reuntit, sob os mesinus pardineuus, aquilo que os autores costumam nomear de forma diferente, embora com idéntica definicao. Tenha-se em mente, por fim, que, qualquer que seja 0 seu © J. Hi. Moitelles Teixeira, Curso de direto constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitéria, 1991, p. 383. A J.J. GomesCanotiho; Vital Moreira, Fundamentos da Constiuigo, Coimbra: Coimbra Bd, 1991, p. 46. 19 contetido, as normas constitucionais federais de observancia obrigatéria para os Estados-membroe “afetam a liberdade criadora do Poder Cons. tituinte Estadual e acentuam o caréter derivado desse poder”? 1.2.4.1. Principios constitucionais sensiveis ‘A Constituigdo Federal estabelece que a Unio no interviré nos Estados, nem no Discrico Federal, exceto para, dentre ourras hipd- teses, assegurar a observancia dos chamados prinefpios constitucionais sensiveis (art. 34, VII). A expressio principios constitucionais sensiveis foi usada pela primeira ver por Pontes de Miranda." A terminologia consagrou-se de uma tal forma no direito constitucional brasileiro que varios autores passaram a fazer uso dela desde ento, havendo entre esses quem reco mhecesse que o consagrado constitucionalista pétrio no explicava porqué de uma tal rerminologia e, mesmo apos esse reconhecimento, ainda assim insistisse em utilizé-la.® Houve diversas renrarivas de estshelecer uma naga camum paraa expressio, sendo constante a idéia de que sensiveis eram aqueles principios constitucionais que, uma vez violados, poderiam ensejar a intervensio da Unio nos Estados-membros ou no Distrito Fedesal. (Os chamados principios sensiveis apresentam, para José Afonso da Silva, duas acepedes: Raul Machado Horta, Estudos de deta eonstiturional, eit. 77. Nin cone titui escopo do presente trabalho enumerar de forma exaustiva as normas constitucionais federais de cbservancia obrigatdria para os Estados-mem- bros. Essa empreitada jé foi em parte desenvolvida, embora sem maiores de- bates, por alguns doutrinadorespitrios que se limitaram a elencar as normas assim consideradas pela juisprucéncia do Supremo Tribunal Federal. A ta- refa a ser aqui executada limita-se a enunciagao da nomenclatura utlizada para fazer referencia a tas normas, uma ver que apenas isso sera necessario para o desenvolvimento das demas partes sistemdticas deste trabalho. © Pontes de Miranda, Comentérios a Constitugdo de 1967 com a emenda n. 1, de 1969, 2. ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, t. 2p. 286, © Eo caso de José Afonso da Silva, Curso... cit. p. 520, nota 6. O Supremo Tribunal Federal rambém faz uso da expresso: IF 114, ADI 430, ADI 1391, ‘ADIMC 216, ADPF 33. 20 2) “o termo sensiveis esté af no sentido daquilo que € facilmente percebido pelos sentidos, daguilo que se faz perceber claramente, evident, visivel, manife; porta, prise xtc sao aqucles clara ¢ indubitavelmente mostrados pela Constituigd0, 0s apontados, ceruamerados"; b) ‘Sao sensiveisem ourvsenido, eomocutssdowda desensiilidade, ‘que, em sendo contrariada, provoca reacio, esta, no caso, € inter” vengiio nos Estados, exatamente para assegurar sua observancia® Ambos os sentidos, entretanto, parecem insuficientes, E que, em relago ao primeiro deles, ndo apenas os princfpios que ensejam a intervengio federal so clara e indubitavelmente mostrados pela Consti- tuigdo.* Por outro lado, em relago ao segundo sentido apresentado, 2 sua insuficiéncia reside no fato de que também outros prinefpios constitucionais, quando violados, provocam reagdo, como quando ensejam a propositura de ago direta de inconstitucionalidade. Desperta curiosidade a terminologia utilizeda por Manoel Gon- salves Ferreira Filho para nomear tais princfpios. Esse autor chega a chamé-los de principios propriamente ditos de limitagdo ou principios em sentido preciso, o que parece sugetir que hé outros princfpios constitu- ® José Afonso da Silva, Curso... city p 520-1. 5 Conforme seré visto nos t6picos seguintes, a Constituigfo Federal em di- versa passagens do seu texro enumera, de forma clara e indubitivel, outros principios limitadores da autonomia estadual. 3 Na verdade, nem mesmo os prinefpios senstveis provecam reago, mas ape- naga romam nossivel. Na pritiea, violado 0 principio sensfvel pela autor dade estadual ou dstrital, a reacio nto é auromética, nem certa ou necessé- ria, ¢ muito menos imediata, pois estaria na dependéncia de fatoresalheios a “vontade” da Constituigo. No caso da intervengio federal, o principal fa- tor sera a propositura da representagio interventiva pelo Procurador-Geral da Repiiblica (art. 36, II, segunda parte, CF). O mesmo se daria com a ago direta de inconstitucionalidade, bem como com os demais intrumentos do controle abstrato de normas, pois, uma ver violado qualquer outto prin- cipio constitucional, o desencadeamento do processo de controle abstrato de constitucionalidade também estaria na dependéncia de outros fatores que nfo apones a ocorréncis da inconsttucionalidade, dentre oF quai, por exemplo, a propositura da ago por Srglo legitimado (art. 103, IX, CF), Em ambos os c2s0s, 0 uso dos instrumentos estaria na depend8ncia do juo discriciondrio dos respectivos titular. aL cionais no propriamente dtos ou em sentido ndo precso.®* Em outra obra, ‘porém, © mesmo autor faz uso da expresso princtbios constitucionais limitativos, 0 que, equivocadamente, sugere que os demais prine‘pios constitucionais obrigatérios nao o sejam.* Raul Machado Horta prefere chama-los simplesmente de princtpios consitucionais, denomina¢o que parece insuficiente na medida em que abarcaria qualquer principio inscrito na Constituigo Federal, e nfo ape- ‘nas os constitucionais sensfveis, que ensejam a intervencio federal ® A despeito da diversidade terminolégica existente entre os vdrios autores, certo é que ce esté diante de principios constitucionais de intervene, uma vez que, sendo violados pelos Estados-membros, ensejam, como nenhum outro, o desencadeamento da chamada in- tervengao federal a cargo da Uniao. A identificago de tis principios nfo demanda maior esforgo in- terpretativo, pois encontram-se enumerados de forma expressa no inciso Vil do art. 34 da Constituigio Federal, motivo pelo qual, lis, também so chamados pela doutrina de princfpios constitucionais enumerados.* 1.2.4.2, Normas de preordenagéo institicional Outra forma de limitagdo da autonomia estadual ocorre me- diante a “revelago antecipada de matéria que vai ser reproduzida ® Comentirios& Consisuigio brasileira de 1988, cit, p. 194-5. +O poder consttuinte, 3. ed., Si0 Paulo: Saraiva, 1999, p. 149 e s. Até pode haver prineipios constitucionais nlo obrigat5rios e que, por isso, nfo sejam limitativos. Os principios senstveis, porém, no so of tinicas obrigatérios para os Estados-membtos e, por iso, nfo so 0s nicosalimitar a autonomia cota, Diteitoconsttucional, ci. p. 344 Cf. ainda, no mesmo sentido que o ator citado, José Luiz de Anaia Mello, Os princpis consttucionas ea sua prote- ‘fo, Sa0 Paulo: Saraiva, 1966. % Nese sentido, Anna Candida da Cunha Ferraz, Poder constituinte do estado- ‘membro, ct. . 158; ¢ Raul Machado Horta, A autonomia do esado-mem- bro. lt, Be 225. Tracase,igualment, de outra nomenclacura equtvoca, tendo em vista que hé outros peineipios constitucionais enumerados, 0s aquais todavia, nfo se enquadram na categoria dos prinefpios constitucio- pais de intervongio. 22 na organizago do Estado-membro”. Essa atitude do constituinte federal, que a doutrina tem denominado preordenagio, revela-se por meio das chamadas normas de preordenagio institucional, que definem antecipadamente, na Constituigto Federal, a estrutura de GrgSos estaduais. ‘As normas de preordenagio dispaem sobre algum dos Poderes do Estado federado, membro desse Poder ou qualquer instituigo estadual,® sendo possivel apontar como exemplo dessa espécie de rnormas as enunciadas nos arts. 27 e 28, parte inicial, da Constituigo da Reptblica. 1.2.4.8. Narmas federnis axtonsiveis ‘Também denominadas regras de extensdo normativa, as normas federais extensiveis consistem no conjunto de preceitos constitucio- nais de organizago da Unio cuja aplicagio a Constituigéo Federal expressamente estende aos Estados-membros.* 7 Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro... itp. 225. Manuel Gonyalves Fereita Filho, Comenuitios & Cunsiigao bras de 1988, cit, p. 195; Raul Machado Horta, Estudos de dieto constcucional cit. p.74-5; também, deste sltimo autor, Pluraidade do federalismo. In: Dieta contemporéneo:extudos am homanagem a Oxcar Dias Cora, coordenagio de Ives Gandra da Silva Martins, Rio de Janeiro: Forense Universiiria, 2001, p. 254-5. % Raul Machado Horta, Estudos de dirsito constitucional, ct, p. 390. Eis a redaglo dos artigos: “Art. 27. O miimero de Deputados & Assembléia Legislatva corresponderé ao triplo da representagio do Estado na Camara dos Depuredec , stingido o nero de trints © cei, send acreccido de tantos ‘quantos forem os Deputados Federais acima de doze” e “Art. 28. A eleiga0 do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, ealiza-se-& no primeira domingo de ouruhro, em primeinn mien, @ no tltimo domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano ante- rior 20 do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerd em primeiro de janciro do ano subsequente [..). © José Afonso da Silva, Curso de dreitoconsttucionalpostvn, 4 ed, Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 131-2; Manoel Gongalves Ferreira Filho, Comentévis & Consituigo brasileira de 1988, cit, p. 196. 23 Praticamente eliminadas do ordenamento constitucional ora vigente, exemplos dessa espécie de norma sio os constantes dos arts. 28 e 75 da Constituigio Federal Por outro lado, & necessério advertir que, apesar de sua escassa quantidade no texto da Constituigao de 1988, muitos dispositivos cons- titucionaisliteralmente voltados apenas & disciplina organizacional da Unio também se consideram aplicaveis aos entes estaduais. Isto porque taispreceitos, embora dispondo para aquele ente central, séo decorréncia ogica e necesséria de outras normas constitucionais federais, estas, sim, expressa e inequivocamente voltadas aos Estados-membros. A identificagao dessas normas de extenso normativa de caréter implcito nao é tarefa simples, nem sequer segura, razlo pela qual a sua descoberta tem sido em grande parte viabilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no exercicio de sua competéncia precfpua de in- terpretar a Constituigo.® 1.2.4.4, Prinefpios constitucionais estabelecidos Também denominados prineipios de subordinasiio normativa, os prinefpios constitucionais estabelecidos cerceiam, como as demais © Eis @ redagio dos artigos: “Art. 28, A cleigio do Governador e do Vice- Governador de Estado, para mandato de quatto anos, realzar-se-4 no pri- rmeiro domingo de outubro [Ja poste ocorrerd em primetro de Janet do ano subseqiiente, observado, quanto ao mais, 0 disposto no art. 77 [o artigo 77 trata da eleigdo do Presidente e do Vice-Presidente da Replica” e “Are. 75. Ae norma esabelecidas nesta 2egbo raferente& fcealizagio contébil financeira e orgamentiriaexercida pelo Congresso Nacional, com o ausiio do Tribunal de Contas da Unito] aplicam-se, no que couber, &organizacio, composicaoe fiscalizacdo dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municipios™ CE. José Afonso da Silva, Curso... cit, p- 520; Ciémerson Merlin Cleve, Temas de direito constiucional, Sio Paulo: Académica, 1993, p. 65-6. © Foio que ocorreu em julgamentos como o da ADI 276, el. Min. Sepilveda Pertence, Ementitio 1896-01, p. 20, de cuja ementa se extrai excerto que muito bem ilustra o que se esti a dizer: “As regras bésicas do process legis- Iativo federal sio de absorglo compulsGria pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito — como ocorre is que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada — ao principio fundamental de independénciae harmo- nia dos poderes, como delineado na Consceuigao da Republica”. normas centrais de observincia obrigat6ria, a autonomia estadual, predizendo 0 conteido do direito constitucional e ordinério a ser editado pelos érgios de produgo normativa do Estado-membro Nesses casos, a Constituigo Federal ordena previamente a atividade do legislador constituinte estadual, ¢ o faz na medida em que estabelece o regime normativo a ser adotado em determinadas ‘matérias,vinculando assim a disciplinaa ser eventualmente positivada nna Carta estadual. Tais principios, nfo enumerados pelo constituinte federal de forma linear, demandam, para sua identificagio, pesquisa por todo o texto constitucional. So exemplos dessa categoria de normas aquelas encontradas nos arts. 37 € 39 da Constituigao da Repiblica 1.3. A REPRODUGAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS FEDERAIS DE OBSERVANCIA OBRIGATORIA NAS. CONSTITUICOES ESTADUAIS: NORMAS DE REPRODUCAO_ No ordenamento federal, ensina Raul Machado Horta, “a pri- mazia da Consticuigo Federal, como centro de normas, confere a0 ordenamento do Estado Federado o cardter de ordenamento derivado, quando recebe e acata as normas origindrias da Constituigio Federal, para projeté-las no proprio ordenamento, mediante atividade de sim- ples recepsio do constituinte estadual”. Em casos tais,o poder constituinte decorrente limita-se a trans- por as normas da Constituigao Federal sobre uma dada matéria, de Manoel Goncalves Ferreira Filho, Comentdros & Constiuigao brasileira de 1988, cit. p. 196 © Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro.. cit. p. 225 ¢ 234. 4 Bis os artigos: “Are. 37. A administeago pablica diets ¢ indireea de qual «quer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municfpios bedecers 20s principios de legalidade, impessoalidade, moralidade, public cidade e efciéncia” & “Arr. 39. A Unifio, ox Estados, o Distrito Federale 0s Municipio insticurdo consetho de politica de administracio e remunera¢a0 de pessoal, integrado por scrvidores designados pelos espectivos Poderes’. © A aumomia do esadesmembro.... it. 9.6223. 25 modo a também torné-las normas consticucionais estaduais, formal ou materialmente idénticas aquelas, dando origem, assim, as chamadas normas constitucionais estaduais de reprodugio ou, simplesmente, rnormas de reprodugito.* Um dos fundamentos da viabilidade dessa transposigaio estd em que, ainda que nfo se transcrevessem essas normas para o texto da Constituicio Estadual, teriam elas validadle em todo o territério do Estado-membro e vinculariam os Poderes Publicos locais, independen- temente de sua absorgo pelo ordenamento constitucional local, visto que se enquadram naquela categoria de normas diretamente aplicaveis aos entes federativos componentes da Federa¢o como um todo. Integradas 20 ordenamento constitucional do Estado-membro, as nonmas de reproduggo “refletem a expansividade do inudelo federal”, € “decorrem do carster compulsério da norma constitucional superior”. Trata-se, no dizer de Ruy Barbosa, “f..| das instituicdes, ou disposigdes que, estabelecidas constitucionalmente no organismo da Unio, sao igualmente indeclindveis na organizagao constitucional dog Estados [...]. O Estado, que na sua Constituigao c nas su reproduzire organizar lealmente essas instituices constitucionais da Unio, terd desrespeitado os seus ‘princfpios constitucionais’ de que cogita a Constituiggo Federal no art. 65¥”.”” leis néo A incluso de normas de idéntico teor no texto constitucional ‘estadual funciona como uma espécie de reforgo para o respeito das CE Raul Machado Horea, A autonomia do estadormembro..s ity pr 192 Raul Machado Horta, A autonomia do etado-memtro..., ct, p- 192-3. ® Ruy Bathosa, Comentfros a Constiuigdo Federal brasileira. Coligidos e orde- nnados por Homero Fires. Arts. 6. (L,9 25. S40 Paulo: Livraria Académica, 1934, v. 5, p. 13. Eis 0 teor do referido artigo: “Art. 63° Cada Estado re- sger-se-é pela Constituigio e pela leis que adorar, respeitads os principio Gonstivucivuais de Uniay”. Eubura voluady & Coustiuigae de 1691, v uv mentério do autor continua valido para a Carta de 1988. Uma ressalva, porém, parece pertinente. E que, embora no trecho transerito a mengio a ‘netinigie continicona da Lina parega tratar de narmas faders extent veis, a citacao deve ser lida no contexto mais abrangente do t6pico, ou sea, como afirmagio da necessidade de observancia, pelos Estados-membros, das rnormas da Constituigdo Federal que thes sio obrigatsrias 26 normas constitucionais federais equivalentes e, por isso, no repre- senta, tal postura, nenhum tipo de violago & obra do constituinte origindrio federal.” 1.4. NORMAS CONSTITUCIONAIS FEDERAIS DE EXTENSAO PROIBIDA AOS ESTADOS Cabe apontar a existéncia de normas constitucionais federais cujo Ambito de incidéncia € restrito, nao se aplicando a disciplina por elas estabelecida &s matérias de teor idéntico que eventualmente sejam tratadas na Constituig&o Estadual. Trata-se de normas de ob- servancia obrigat6ria, de carster implicito e vedatério, cuja peculiar estrutura normativa sugere que 0 seu tratamento seja feito neste t6pico aparcado. Em relagio a tais normas, nfo s6 niio se aplicam aos Estados- membros, como também a estes é vedado que adotem em suas Cons- tituigdes normas de teor formal ou materialmente idéntico. Porque tepresentam, via de regra, exce¢ao a principios constitucionais de observancia obrigatéria para os Estados, a destinagio de tais normas 0s Grgfios eentes da Unifio nfo autoriza aextensibilidade da disciplina oferevida pela Coustituiyav Federal, em cardver excepcional, abe aos organismos e entidades estaduais, E 0 caso, segundo Ruy Barbosa, ‘f... das instituicdes ou dispo- sigdes, que, consegradas em beneficio da Unio, com o carter de pri- vatividade, ou, pela sua propria nacureza e substancia, essencialmente privarivas da Unigo, por isso mesmo no podem ter equivalentes ou andlogas nas Constituigdes dos Estados [.]. Nesse dominio 0 respeito aos Como niio poderia deixar de set, 0 constituinte decorrente no est autori- zad, pelo menos em rese, a transpor para a Constituiglo Estadual normas dda Constituigao Federal sobre materias para as quais 0 Estado-membro, por ‘vedagio constitucional, nlo possui competncia. Cf. a propdsito a ADIMC 685, rel. Min. Célio Borja, Ementério 1660-01, p. 152, em que se suspendew 1 oficécia de norma constitucional eetadual sobre imunidade procezcual de ‘vereadores, tendo em vista ser da Unido a competéncia exclusiva para legis- lar sobre direito penal e processual, conforme preceitua oart. 22,1, da Carta da Repiblica, 27 rincipios consttucionais da Unio, consiste em precisamente se absterem os Estados, nas suas constituig6ese les, de toda e qualquer incurséo num territ6rio reservado irrepartivelmente & autoridade federal”.* E 0 que ocorre com as prerrogativas de carder processual pe- nal de que gora o Presidente da Repiblica (art 86, §§ 3° e 4*, CF), constantes de normas adotadas pelas Constituigdes de virios Estados ¢ jd declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.”> Emm se rauandy de exceyav av priuctpiv republican (ait. 34, VIL, a, CB), que & de observancia obrigatGria para os Estados e que implica a possibilidade de atribuicéo de responsabilidades 20s governantes, tais prerrogativas, conferidas ao Chefe do Poder Executivo Federal, no podem ser extensiveis a Governadores e Prefeitos* Em tal situagio, nfo se trata de proceder a um reforgo para a aplicago de normas centrais no ambito local, com a mera reprodugo de tais dispositivos federais pelo constituinte estadual. Mas ocorre mes- mo uma verdadeira extensao — diga-se de passagem, inconstitucional —de regime restrito a determinadas hipéteses de incidéncia. ‘Comenatros & Constituigto Federal brasileira, cit. p. 13-4 2 Fico teordasdispoxitivas canctinicinnais mencionadas: “Art. 86. Admi- tida a acusagdo contra o Presidente da Replica, por dots tergos da Camara dos Deputados, seré ele submetido a julgamento perante 0 Supremo Tribunal Federal, nas infragbes penais comuns, ou perante 0 Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.[..] § 3® Enquanto nfo sobrevier sentenga condenatéria, nas infragSes comuns, o Presidente da Repiblica nio estard sujeito a prisio. § 4¥ O Presidente da Repablica, ra vigencia de seu mandato, nao pode ser responsabilzado por atos es- tranhos ao exercicio de suas fungGes". CE ADIOZS, relator para o acérdio Min, Celso de Mello, Ementiio 1809- Ol, p. L. CE também, sobre outras maténas, @ ADI 314, rel. Min. Carlos Velloso, Ementétio 2027-1, p. 36, bem como a ADIMC 2599, rel. Min Moreira Alves, Ementério 2095-01, p. 198, da qual se transcreve o seguinte cexceito. Tmprocede a alegagto de que a lei estadual ora aracade, por diser respeito a matériatriburéria, seria da iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Estadual pela aplicacio aos Estados do disposto, no tocante 20 Presidente da Replica, no ariga 61. § 18,1, ‘h, da ConstituigSa, unl seria aplicivel 20s Estados-membros. E improcede porque esse dispostivo diz respeito apenas 8 iniciativa exclusiva do Presidente da Repiblica no to- ceante As leis que versem matéria tributériae orgamentéria dos TerrtSros" 28 Desse modo, tem-se por inconstitucional o pardmetro estadual que adotar normas constitucionais federais de extensio proibida aos Estados-membros. 1.5. NORMAS CONSTITUCIONAIS FEDERAIS NAO OBRIGATORIAS PARA OS ESTADOS E SUA REPETICAO. NA CONSTITUICAQ ESTADUAL: NORMAS DE IMITACAO. NORMAS ORIGINAIS DE AUTO-ORGANIZACAO- O Estado federal seria impensével sem a atribuigo de uma parcela de poder autonomo aos Estados-membros. Por isso, a trans- formacao da Constituigo Federal em Constituico total subverteria 0s prinefpios essenciais do federalismo, 20 negar aos Estados qualquer possibilidade de disciplina normativa auténoma das matérias de in- teresse regional.” Por essa ranfo, nfo se pode considerar que a totalidade das normas constitucionais federais € de observncia obrigatéria para os Estados- membros. Ao lada dessa categoria de normas, que poder projetar-se no ordenamento estadual por meio das chamadas normas de reprodugio, hé que se considerar também a existéncia de um conjunto de disposicées da Constituigao Federal que nao se apresenta como de observancia compuls6ria para os diversos entes federativos estaduais. Fm telagin as matérias disciplinadas em tais normas no abri- gatdrias, o Estado-membro exerce sua autonomia de forma plena, podendo oferecer disciplina normativa destoante daquela encontrada % No mesmo sentido é 0 alerta feito por Adilson Abreu Dallari: “E preciso, Bor conseguinte, entender que nao se pode tomar cada dispositivo islado dda Constiruicto Federal como um modelo obrigatsrio a ser servilmente co- piado pela Constituigéo Estadual, dado que isso se chocariafrontalmente com o principio federativo, que (vale repetit) € bésico cesseucial de wu © Fique perfeitamente claro que, se a Constituigao Estadual nfo pudesse orga- nizar o Poder Pablico diferentemente daquilo que ¢ feito pele Constivuiyan Federal, atendendo as peculiaridades de cada Estado, obedecendo apenas 20s principios da Constituiglo Federal, ela nem mesmo teria rardo de existir” (Poster coneritsinte esradval, ct,» 203) 29 1na Constituigao Federal. Nesses casos, o poder constituinte do Estado- membro cem oportunidade de exercer sua capacidade criadora ao es- tabelecer originariamente a conformacao normativa de determinadas rmatérias relevantes para a auto-organizagio estadual. Ondo-oferecimento de disciplina normativa compulséria pelo constituinte federal em relago a determinadas matérias coloca o 6rgio constituinte estadual em posigao de franca independéncia, na medida em que a regulagao que vier a oferecer a certos institutos nao estar sujeita, naquilo em que essa regulagio for efetivamente auténoma, a qualquer controle externo 20 aparelho institucional estadual. Foi co que observou Kelsen ao apontar que “a criacao de normas locais € independente se os seus conteridos nao forem determinados, de modo algum, por normas centrais”.7* ‘Aatitude inovadora do constituinte decorrente implica, assim, a adogio, pelo Estado-membro, de normas constitucionais estaduais autnomas chamadas normas origina de auto-organizagdo: “As normas originais de auto-organizacao exprimem esforco de criago constitu- cional ¢ represenram a fuga a uma tarefa de simples repradugso an imitagio das normas federais”.”” A despeito disso, € possivel encontrar situagdes em que, embora a Constituig&io Federal nfo discipline determinada matéria de forma vinculativa para os Estados, estes, no exercicio de sua autonomia constitucional e de forma deliberada, acabam por adocar, em suas Constituigées, normas de caréter formal ou materialmente idéntico Aquelas existentes no parémetro constitucional federal, sem que 0 fagam, ressalte-se, por uma imposigo do constituinte federal. Essas normas constitucionais federais nfo obrigatSrias para os Estados-membros, quendo inseridas no ordenamento constitucional desces por um processo de cransplantago, podem ser denominadas normas constitucionais estaduais de imitagao ou, simplesmente, nor- mas de imitagdo.® % Teoria... cits p. 446. 1 Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro.. cit, p. 231 © Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro.. city ps 193, 30 Insertas na Constituigtio Estadual, as normas dessa natureza “exprimem a copia de técnicas ou de institutos, por influéncia da sugestdo exercida pelo modelo superior”. Tal atitude de transplantaco, reveladora em muitos aspectos da falta de criatividade do legislador constituinte estadual, nao signi- fica uma total submissao deste ao pardmetro federal, cujo teor, nesse caso, no precisaria necessariamente ser abservado, Trata-se de uma liberalidade facultada 20 constituinte estadual, que muito bem pode- ria no ter imitado o tratamento normativo dado pela Constituigo Federal a uma determinada matéria. Diz-se, por isso, que as normas de imitago traduzem “a adesfo voluntéria do constituinte [estadual] a uma determinada disposi¢o constitucional [federal)”.® U processo de imitac&o de normas constitucionais federais pelo constituinte estadual decorre, assim, do livre exercicio do poder de autonomia, materializado na capacidade de auto-organizacao do Estado-membro, que transplanta para 0 bojo da Constituigao local normas da Constituigao Federal, &s quais no se encontrava origina- riamente vinculado. Porque resultantes do exercicio de poder aut6nomo, & que as normas constitucionais estaduais de imitacdo, tal como ocorre com as normas originais de auto-organizacao, sio chamadas de normas auto- rnomas, tendo em vista que “decorrem de uma decisio do constituinte cestadual, na érca da auto-organizag&o que lhe reservou a Constituigéo Federal”! Se, como foi visto, na tarefa de transplantago para a Constitui- ‘¢80 do Estado-membro das normas centrais de observancia obrigat6ria constantes da Constituigao da Repiblica, o constituinte estadual ‘exerce atividade passiva, de mera recepeSo, como quer Raul Machado Horta, 0 mesmo nao se pode dizer em relagdo &s normas auténomas de imitag3o. Conforme esclarece o ilustre professor: Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro... cit, p. 193. © Raul Machado Horta, A autonomia do estado-membro..., city p. 193. "Raul Machado Horta, Imunidades parlamentares do deputado estadual, Minas Gerais: Imprensa Oficial, 1967, p. 30-1 31 “No tocante is normas auténomas, nao ocorre vinculacao obrigatéria entre Constituigio Federal e Consttuigio Estadual. Tadavia, hé nor- ‘mas autdnomas que exprimem trabalho de tmitacao ede copia de texto dda Constiuigio Federal, que € assim inscritona Constiuicio Estadual pela atragio exereida por ténica federal mais apropriada na definigo ou disciplina de detetminado institute vonstivucional" De igual modo, se o constituinte estadual nao estava obrigado a oferecer um tratamento simétrica ao encontrado na Constituig#o Federal, rendo-o feito por mera liberalidade, também néo estd cbrigado amanté-lo. Assim, poderé assumir uma disciplina diversa da existente na Constituiggo Federal, em substituig&io daquela originariamente adotada na Constituiglio do Estado-membro, desde que o faga por processo regular de reforma consticucional. ‘A existéncia de normas constitucionais federais passiveis de imitacao pelo constituinte estadual ja havia sido detectada por Ruy Barbosa, que, ao comentar a Constituiggo de 1891, produziu doutrina memorével acerca da matéria, plenamente vélida para a Constituigo fora vigente Tratava-se, na namenclatsira adatada por Riwy Rarhosa, “[.]dasinsituigdes federais, que os Estados podem livrementeimitar ound, nas suas Constituigdes enas suas les.) A taisrespeitos, imi- vando bu ni imino, disposto na Cunscicuigao Federal, os Estados ‘io tocam nos prinefpios constitucionais da Unio, considerados no sentido téenico em que os considera o art. 63° da Constituiglo Brasili- 13 porque a neturesa desta permitiria a reform ou cubsttuigdo dezzea partes do nosso organismo politico, sem quebra de conformidade 8s normas do regime democritico, ds condigées do sistema representatic vo, 3 evighnriae da forma republieana, Se carartesetias dos Gavernn Federal e, nfo sendo, portanto,essenciais na estutura constinucional da Unio, tampouco o poderiam ser na estrutura constitucional ou legislativa dos Estados, As instiuigdes desta primeira categoria io nsiuigdes constitucionais da Unio, por serem instituigées, que a Constituicao da Unido adotou € conserva. Mas nfo exprimem princibios constcucionais da Unio. visto como poderiam ser alteradas, ou substtufdas, sem que a Consti- tuigdo da Unido sofresse madanca orginica, esencial, no seu caréter © Raul Machado Horta, Imunidades parlamentares do deputado estadual, cit., pal. 32. de democratica, no seu caréter de representativa, no seu caréter de republicana, no seu caréter de federativa’. ‘Mais adiante, complementa Ruy: Cada uma dessasdisposigoes representa uma insiuigdo consttucional «da Unto; porque todas elas se acham consagradas na Conscicuigao da ‘Unido, no seu instrumento, escritura ou carta constitucional Mas, como mio pertencem a0 niimero das insttuigSes fimdamentais, das que tecem a estrutura organica da Unizo, das que he presider as fungdes vitais, das que he constituem a substfncia, das que a Unio no poderia renunciar, sem variar de caréter, das que, portanto, for- smem a Constituiglo erzenctal da Unio, — no entram na classe dos seus principio consitucionais,tomadas estas expressdes no significado peculiar, mas Sbvio neste texto, com que as emprega o art. 63° do pacto federal ‘Aos Estados, pois, assiste a liberdade mais ampla, de, nesses pontos, divergirem, como divergido tém, segundo os seus interesses ou opini8es, do modelo que Iheeoferece « Conatituigdo de 24 de Foversiro™® Na jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, € possivel encontrar decis6es que reconhecem na Constituigao de 1988 as chamadas normas centrais ndo obrigatérias para os Estados. E 0 que ecorre, por exemplo, com o disposto no § 4° do art. 57 da Constituigéo Federal, segundo o qual cada uma das Casas do Congresso Nacional “reunir-se-d em sessbes preparavérias, a partir de 1° de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleigo das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondugdo para o mesmo cargo na eeigo imediatamente subseqtiente” (sem destaques no original). Em diversos casos submetidos d apreciago da Corte, discutia-se acerca da aplicabilidade, ou nfo, a Estados e Municipios, da parte nal do dispositivo em causa, cendo como argumento principal, a tese que sustentava essa aplicabilidade, o de que tal norma se incluia entre as de observncia obrigatéria pelos diversos entes da Federagéo. Na decisio de 3 de abril de 1997, 0 Tribunal assentou que: © Comentérios & Consituigdo Federal brasileira, cit. p. 12-3. Ruy Barhoss, Comentéros a Constituigo Federal braslra, cit. p. 156. 33 “A norma do §4* do at. 57 ndo constitu um principio constitucional. Ela é, na verdade, simples rega aplicdvel com, Compeswy Nacivtal, nota proptiy aids, do vegitneny Camara. [J E que es regras que disem respeito & composisdo das Mesas das Assembléias Legislativasnio sio essenciais federagio. [1 ‘A regra, portanto, do 5 4! do art. 57 da Constituigio Federal no re constitu, por isso mesmo, numa norma constitucional de eproducio obrigatoria nas Constiuigbes estaduais. Dir-e-f que aregra inscrta no § 42 do art. $7 da Constinuigto Federal €conveniente e oportuna. Penso quesim. As AssembléiasLegislativas ds Escades-membros eas Cimaras Municipaisdeviam inscrevé-as nos seus regimentos, as ConstituicBes estaduais devia copié-a. A.con- veniéncia, no caso, entretanto, néo gera inconstitucionalidade”.® Depreende-se, portanto, que as normas constitucionais federais nao obrigatorias para os Estados tem como destinatarios os orgaos da Unio e, por isso, nao vinculam os érgdos dos entes federativos locais. A conduta destes em sentido contrério ao disposto em tais normas no representa uma ofensa & Constituigao Federal, uma vez que ndo estavam vinculados, em sua ago, 20 programa nelas estabelecido.® © ADI 793, rel. Min. Carlos Velloso, Ementério 1869-01, p. 61, % A idéia de que uma norma constitucional s6 pode ser violada por aquele 34 Cujo eonduta exave a ela adstrita & enconerada om Hana Kelson: “Como toda norma, también la Constitucién puede ser violada s6lo por aquellos aque deben cumplitla” (;Quién debe ser el defensor de la consttucién’, 2. ed. traducao de Roberto J. Brie, Madrid: Tecnos, 1999. p. 3). Cupitulo 2 O MODELO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL NO DIREITO BRASILEIRO ‘No capftulo antertor, ficou demarcado que a Constituigio Federal é sede de normas centrais, algumas delas com a mesma esfera pessoal de validade e outras com esferas pessoais de validade diferentes. Com base nisso, e considerando critério de classficagio estarem ou ‘no os Estados-membros subordinados por essas normas, foi posstvel afirmar que as normas centrais da Constituicia Federal ora apresentam, a natureza de normas de observéncia obrigat6ria para os Estados, ora apresentam a natureza de normes no obrigat6rias para esses entes federativos. Oque se pretende saberno presente capitulo é se a Constituigio Federal contém normas de observancia obrigatéria condicionantes do priprio modelo de controle abstrato de constitucionalidade a ser adotado pelos Estados-membros. Em outras palavras, 0 que se propie resulver €3€ vou estadual, a0 disciplinar os instrumentos de defesa da Constituigo do Estado-membro, encontra, na Constituigaa Federal, um modelo de controle previamente definido ouse, ao contrério, esté livre para criar © seu proprio modelo, disciplinando originariamente os elementos do controle abstrato de normas estadual, tais como sujeitas legitimados, objeto de controle, pardmetro normativo e efeitos da decisio. 35 A fim de enfrentar essa questo, serio analisados os antece- dentes histéricos do tema que datam de antes da Constituigao de 1988, para s6 entéio proceder-se ao enfrentamento da matéria & luz das referencias posteriores a essa Carta 2.1. ANTECEDENTES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL NO DIREITO BRASILEIRO. O eestégio atual do controle abstrato de normas nos Estados- membros é resultado de um processode evolug%o institucional ocorrido a0 longo dos anos. Se esse controle nem sempre existiu nos moldes em aque hoje € conhecido, nos seus antecedentes, entretanto, & possivel encontrar alguns fatores relevantes que explicam como se chegou 20 modelo ora vigente. 2.1.1. AEmonda Consfitucional n. 16/65 0 @ introdugéio do controle abstrato estadual no direito brasileiro Tal como ocorreu com 0 controle abstrato no ambito federal, 20 lado do qual surgiu, o controle abstrato de normas nos Estados- membros foi introduzido na ordem juridica brasileira tardiamente. Apenas em 1965, com a Emenda Constitucional n. 16 ConstituigSo de 1946, & que se passou a prever essa espécie de controle de cons tucionalidade para o ente federativo estadual.®” " Existente no ordenamento juridico brasileiro desde a Constituigdo de 1934, a chamada agao direta interventiva (ou representacio interventiva) no constitu instrumento representativo de um modelo de controle abstrato de constitucionalidade — apesar do seu importante significado para o de- seavolvimento deste no Direito brasileito —, antes podendo ser enquacra- a como forma de composigio judicial de conflitos federativose, portanto, ‘modalidade conereta de fscalizaglo. Como ago direta de inconstitucio- rralidade (ou representacao de inconstitucionalidade), proposta perante © Supremo Tribunal Federal, 0 ordenamento Juttdico brastletro apenas co- nnheceu instrumento na Reforma do Poder Judicidrio realizada em 1965, no ‘ojo da qual, conforme jé se disse, também foi introdusida a ento chamada representagio de inconstitucionelidade eztaduel. Para conhecer em deta Ihes a evolugio do controle de constitucionalidade brasileiro, cf. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionaidade: aspectos juridicos e politi- es, Sto Paulo: Saraiva, 1990p. 169 es. 36 Referida Emenda, no seu art. 19, acrescentou o inciso XIII a0 art. 124 da Carta entio vigente, dispondo que a lei poderia estabele- cer “proceso, de competéncia originéria do Tribunal de Justis, para declarago de inconstitucionalidade de lei ou ato de Municipio, em conflito cam a Constituigo do Estado”. CConforme se percebe, a declaracio em abstrato da inconstituciona- lidade de lei ou ato normativo do proprio Estado-memibro em face da sua respectiva Constituiglo ficara de fora da esfera de atuaco dos | ribunais de Justiga. Em se tratando de inconstitucionalidade de norma escadual, apenas se admitia aquela modalidade de declaracio em face da Constitui- fo da Repablica e, deforma concentrada, perante o Supremo Tribunal Federal (ar. 101, 1, k, da CF de 1946, com a redagao da EC n. 16/65). A ténica da chamada Reforma do Poder Judiciério, como ficaram conhecidas as modificagées introduzidas pela Emenda Cons- titucional n, 16/65, centrava-se na reducao da sobrecarga de processos do Supremo Tribunal Federal e, principalmente, no fim da entao denominada crise do recurso extraordinério. Como mecanismo de diminuiglo dessa sobrecarga, o préprio Tribunal propés & Comissio encarregada da elaboragao do projeto de emenda da Reforma do Poder Judicidrio acriago de uma representagao de inconstitucionalidade de leis federais e estaduais em face da Canstituigain Federal: “Nos regimes da natureza do nosso, [..] @ tltima palavra quanto & interpretagio constitucional compete ao Supremo Tribunal. Poderio, aim, cor evitados numerocos proce:sor, e houver a possbilidede ‘de um imediato ou antecipado pronunciamento seu sSbre les cuja execugao estea sendo iniciada. ara se zleangar Bs mesultado, podeo ser includ em sia competincia: ) uma representagio de inconstitucionaidade de lei federal, em tese, de exclusiva iniiativa do Procurador-Geral da Replica, &semelhanga do ‘que existe paran diteto estadal (are. R®, pargratnsinico, da CF, Ld A limitaglo da iniciativa, em tais questBes, evitard os abusor,e icaré facultedo ao Supremo Tribunal defnir, desde logo, a controvérsia constitucional sSbre eis novas, com economia paraas pares, formando precedente que orientaré 0 julgamento dos processos congéneres”* ‘SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Reforma Judicidria, Brasilia: Imprensa Nacional, 1965, p. 16-7. 37 Como acolhimento da sugestio, esperava o Tribunal diminuir co miimero de recursos que Ihe fossem propostos, uma vez que teria © censejo de, desde que provocado pelo Procurador-Geral da Repiblica, titular exclusivo da acto, resolver de forma definitiva sobre a legiti- midade constitucional de leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituigdo Federal. A proposta entio oferecida pela Corte foi ultimada pela intro- ducdo de dispositivo que Ihe conferia a competéncia para processar ¢ julgar “a representago contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Pro- curador-Geral da Repiblica” (art. 101, I, k, da CF de 1946, com a redagio da EC n. 16/65). Conforme se percebe, esse dispositivo no contemplava as leis € atos normativos municipais. Ea razio era muito simples. Embora a expos declarasse, estender tal controle as normas municipais seria o mesmo que ensejar a proliferagio de processos originrios em sede de aco direta perante aquela Corte, tendo em vista o expressivo néimero de municfpios existentes & época e a excessiva quantidade de leis e atos normatives municipais que. em conseqdéncia, seriam passiveis de controle. Jo de motivos que acompanhou a proposta de emenda no 0 José Carlos Moreira Alves, comentando por que a inova¢o procedida pela Emenda Constitucional n. 16/65 nao se estendia & declaragao de inconstitucionalidade de leis e atos municipais em face da Consrinigao Federal, assim se pronuncia: “A explicagio € puramente decorrente da finalidade a que visava a Emenda Constitucional n. 16. Ela nfo se deve a nenhum principio absrato, nenhum principio te6rio,cenfo a cate prinefpio pragmético de ndo sera representaglo de inconstitucionalidade de leis municipais, tem face da Constituigio Federal, um meio de reduzir a sobrecarga do Supremo. An contriio, se fosse adotado, seria um meio de sobrecar- regi-lo ainda mais’.” José Carlos Moreira Alves, © problema do controle da constitucionalida- de dos atos normativos federais, estaduais e municipais, Revista Juridica da Procuradora-Ceral do Distrito Federal. Brasilia, 1987-1992, v.36, p15. 38 Nao cbstante, as normas municipais continuavam sujeitas & declaragaia de incanstitucionalidadte mcidenter tamtum, como abjeto do controle difuso promovido por jutzes e tribunais naquelas causas em que essa apreciagao fosse relevante para a resolugio dos casos concretos levados a conhecimento desses orgios yudiciais. Nesse sentido, alias, ‘omagistério de José Carlos Moreira Alves, em comentario formulado na condicao de Ministro do Supremo Tribunal Federal: [ul éde observar-se que essa Emenda que no se esqueceu das les rmunicipais em face das Constituigdes Estaduais a elas no se referiu parao efsita de darem enssja3 representaglo nfo-interventiva, quanda «em conflito com a Consttuigio Federal. Explica-se: no se deu com- peténcia 20 Supremo para julgarrepresentacdes dessa natureza, por se entender, evidentemente, que as questdes municipais, em termos de volume, com relagio a cada municipio, nfo compensaria, para a redo da carga de process do Supremo Tribunal Federal, o aumento de euservigo com possibilidade da agg de inconsttucionalida- de de leis de quase cinco mil municipios ais inconstiucionalicades continuariam a ser declaradasincidenter tant”. Em verdade, o controle de constitucionalidade de normas mu- nicipais em face da Constituigio Federal, na modalidade abstrata, nfo cra expressamente proibido, mas a sua vedago emanava como que uma consequencia logica do sistema constitucional vigente, que, além de restringir esse controle a leis e atos normativos federaise estaduais —o que parecia excluir a aprectagio de leis e atos normativos mu- nicipais—, apenas reservou as normas municipais a possibilidade de softerem controle abstrato em face da Constituigao Estadual, desde que um tal proceseo fosee regulado em lei posterior.” Assim, apesar de nfo ter contemplado as normas municipais ccomo objeto do controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal em face da Constituigio da Repablica, o constituinte reformador ‘optou por submeter essas normas 8 apreciactio abstrata dos Tribunais de Justiga estaduais em face da Constituigo do respective Estado- © RE 97.168, el Min, CanluaPeinow, RTJ, 1031114 CE PRESIDENCIA DA REPUBLICA, Exposigio de Motivos constante da Mensagem presidencial n. 19, de 1965, Didrio do Congresso Nacional, nov. 1965, p- 800 es. 39 membro, Nesse sentido, 0 dispositivo constitucional inserido 20 texto da Carta Federal entio vigente representou a primeira autorizacao expressa para que os Estados contassem com mecanismas de defesa do direito constitucional estadual objetivo. Sobre o assunto, 0 Min. Moreira Alves teceu o seguinte co- mentério: “Note-se que jf, af, se sent a necessidade de autorizagio da Consti- tuigay Federal pasa que a lei pudesse criar a represcntagio no-inter ventivano ambito estadual contra lei ou atode Municipio quando em conflto, apenas, com 2 Constituicao do Estado. A cautelase explicava, tendo em vistaa circunstancia de que 2 declaracao de inconstitucio- nalidade em tese é ato de natureza politica que interfere no ambito dda autonomia legislativa do Municipio, autonomia assegurada pela CConstituigo Federal. Ademais, os Tribunais de Justica Estaduais ‘como disciplinados por essa mesma Constttulgao Federal, sto drgaos cde natureza estritamente judicial, xo por que para adquiricem, ex- cepeionalmente, o cardter de Corte Constitucional Estadual € mister que 9 Constiigio Federal a adesira® ‘A despeito da autorizagdio expressa para que os Estados-membros dispusessem de mecanismos préprios de defesa das suas respectivas Constituigées, na prética 0 controle abstrato de normas no ambito desses entes federados foi inexistente, uma ver que “essa legislacaio ordindria prevista na Emenda nfo foi, todavia, adatada” 2.1.2. AEmenda Constitucional n, 1/69: adoctio da representagio interventiva no émbito local ec necessidade de autorizacdo constitucional para a criagie da age direta de inconstitucionalidade estadual A Constituigao de 1967 foi omissa quanto 20 tema do controle abstrato de normas estadual, nfo trazendo, assim, nenhum dispositive RE9T.169, rel. Min. Cunha Peixoto, RTJ, 103:1113-4. Celso Agricola Barbi, Bvolugio do controle da constitucionalidade das leis sin Brasil, Revita de Direto Prblico, Sto Paulo, a. 1. v. 4, abr./iun. 1968. p, 41. CE Ronald Cardoso Alexandrina, O controle das normas uriicas munici- ais por iniciasiva do Ministerio Palco, Nova Iguagu: Gréfica ¢ Editora Jornal de Hoje, 1973, p. 4. 40 ‘equivalente a0 constante do inciso XIII introduzido ao artigo 124 da Constituigéo de 1946 pela Emenda Constitucional n, 16/65. Apesar disso, a Emenda Constitucional n. 1, de 1969, acres- centou a letra d ao § 3* do art. 15 da Carca de 1967, dispondo, nos rmoldes do modelo federal, que “a intervenso nos Municipios [seria] regulada na Constituigo do Estado, somente podendo ocorrer quando {Jo Tribunal de Justica do Estado [desse] provimento a representa- ¢o formulada pelo Chete do Ministério Pablico local para assegurar 2 observancia dos prinefpios indicados na Constituiglo estadual [.), limitando-se o decreto do Governador a suspender o ato impugnado, se essa medida [bastasse] ao restabelecimento da normalidade”. Por esse dispositivo, percebe-se que a intengao do constituinte refvrmador (Ui a de deixar a cargo do coustivuinte decorrenve a varefa de disciplinar a intervengo dos Estados nos Municfpios.* Nao havia qualquer autorizacdo para que os Estados-membros adotassem em suas Constituicbes 2 modalidade de controle de cons- titucionalidade por via de agao direta ndo interventiva. Desse modo, 0 controle de constitucionalidade no Ambito dos Estados-membros retornava ao texto de 1967/69 no mais na figura da representagao de inconstitucionalidade, nos moldes em que preconizado o instituto na Emenda Consrttuctonal n. 16/65, mas apenas por meto da chamada aco direta interventiva, de cardter concreto, nica modalidade de ago admitida ao constituinte estadual. % Cf. Enrique Ricardo Lewandowski, Presupostas materais¢ formas da. in- tervengio federal no Brasil, Sio Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 86. Apesar da atrbuigio daquela competéncia regulamentar a0 consttuinte estadual, € curioso notar que, apés a edigio do dispositive em comento, for aprovada pelo Congresso Nacional a Lei n. 5.778, de 16-5-1972, que “dispbe sobre 0 processo ¢ julgamento das representagSes de que trata a alinea d do § 3° do art. 15 da Constituigto Federal". Tal le, por sua vez, em scu principal dispositive, fez mera mengio & Lei n. 4.337, de 1° de junho de 1964, editada pela mesma Casa legslativa e dedicada &disciplina da repre- sentacio de inconsttucionalidade para fins de intervencio da Unio nos Farad, com hate na eval a intervengain dex Feralas nos Municipios pans assim, aserregulada, Ck. José Carlos Barbosa Moreira, Comentérios ao Cédigo de Processo Civil. 7. ced Ria de Janeira: Forense, 1998, v.§, p 37-3. al Manteve-se, por outro lado, perante o Supremo Tribunal Fede- ral, a representacSo de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituig&o da Repablica (art. 119, 1,1, da CF/67). A despeito de a Emenda Constitucional n. 1/69 prever a re- presentagio de inconstitucionalidade estadual apenas na modalidade inrervenriva, alguns Estados-membras, soh o argumenta de que 0 constituinte federal havia sido omisso quanto A questio, adotaram cexpressamente na propria Carta local a chamada ago direta no in- terventiva, porém apresentando como objeto a inconstituctonalidade de lei ou ato normative municipal em face da Constituigio Federal. Chegou-se mesmo, em alguns casos, a se adotar férmula de controle semelhante por meio de simples construgo jurisprudencial. Essa questo chegou pela primeira vez ao Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do KE 91.740, em que o relator, Min, Xavier de Albuquerque, assim se pronunciou: “Lad o processo, que sobe a0 Supreme Tribunal Pedetal por forga da interposiglo de recurso extraordinstio,é de representagiodo Procura- dor-Geral da Justiga 20 Tribunal de Justiga do Estado do Rio Grande do Sul, pave cxaune da ago de inconstitacionalidade in uous, de atos legislativos municipais que se dizcolidirem com a Constiuigao da Repibblica e com a Lei Complementar federal n. 25/75. (Ora, tal epresentagio, destinada ®t argiigio, em tes, de inconsitucio- nalidadede lei ou ato normativo municipal, fundada em contrariedade a preceitos da Constituicio Federal tal representacio, repito, nfo est Auorizada pelo nosso sistema consttucional e processval. Ecumprita, como € 6bvio, que estivesse, a vista do caréter excepeional da repre- sentaglo de inconstitucionalidade, que € instrumento singularissimo de controle in absvacto da consttucionalidade das les. Com efeito, o que a Constituigio permite, — gragas a inovagio que a emenda n. 1/69 introduziu no art. 15, § 38 letra d da redacio que The deu — € que o chefe do Ministério Pablico estadual represente ‘a0 Tribunal de Justiga do Estado, para fins de intervengao estadual ‘nos muniefpios, acerca da inconstitucionalidade uz da Consttuigdo estadual, de aros municipais € isso, e somente iso. A angigio de inconstitueionalidade em tese, por contrariedade & ‘ConstituigSo Federal, erta x6 permite em relagio a lei ou atonnorma- tivo federal ou estadual, como se vé do sev art. 119, lsletral Lei ouato ‘normative municipal, que caso colida com a Constituiglo Federal, 96 ppode ser objeto de contencioso constitucional in coneret”.# No mesmo julgamento, o Min. Moreira Alves proferiu 0 se- ulate vows “Com efeito,o controle da inconstitucionalidade das leis em tse, ainda quando deferido — como sucede no Brasil — a0 Poder Judicirio, no é, ao contro do que ocorre com o controle incidentr tantum (aque, por isso mesmo, foi admitido nos Estados Unidos da América do Norte, independentemente de texto constitucional que 0 consa- grasse expressamente), inito @atnibuigao jursdictonal (aplicar a let vlida e vigente ao caso concreto submetido a0 Judicario), mas ato de natureza eminentemente politica, uma vez gue, por ele, se julga, dirctamente ecm sbstato, a vaidade de ato dos outics Podeses de Estado (o Legislativo e o Executivo), em face dos preceitos consti- tucionais a que todos os Poderes devem guardar obedincia. Por isso mesmo, Willoehby (The Supeeme Court ofthe nited Sites pg 36, Baltimore, 1890) faz esta adverténcia: ‘[-d Todo ato do Pode Legislative ¢ presumidamente vido, Sua consricucionalidade somente pale set tevtada e tsi diane da Core em caso concrete. A Corte nunca vai ao encontro da lei, nem antecipa, em juzo sobre sua consttucionalidade, a execugéo aque the dard. A Corte 6 easida para arena politica independen- remente de sua vontade. Bl julga a lei somente porque é obrigada a julgar caso [J Porisea mesmo, controle de constitucionalidade in abetacto (princi palmente em paises em que, como 0 nosso, se admite, sem retricdes, © incidenter tantum) & de natureza excepcional,e s6 se permite nos casos expressamente previstos pela prépria ConstituicZo, como con- sectitio,alés, do prineipio da harmoniaeindependéncia dos Foderes do Extado. Nio hi que se falar, portanto, ness terreno, de omissio da Consttuigio Federal que posa ser preenchida — prineipalmente quando se tata, como no caso, de meto de controle para a preservagao da obedigncia dela — por norma supletiva da Constituigfo Estadual Se nem 0 Supremo Tribunal Federal pode julgar da constitucional- dade, ou nao, em ces, de lei ou ato normetivo municipal dante da Consttuigdo Federal, como admicir-se que as Constituigdes Estaduais, sob o pretexto de omissio daquela, déem esse poder, de natureza, come diss, eminentomente politica, age Tribute de Jastga locnis RE 91.740, rel. Min. Rafael Mayes, RTJ, 93.450-9. , portanto, ao préprio Supremo Tribunal Federal, por via indireta, ‘em grau de recurso extraordinatio? ‘corre, pois, no caso, impossibilidade Juridica que reconhego de offcio".” Conforme se percehe, prerendia-sa, cam base apenas na com- peténcia deferida aos Estados-membros para disciplinar a chamada ago direta interventiva, criar mecanismos de defesa da Constituigao Federal sempre que a violagao a esta partisse de lei ou ato normativo de Municipio. Em defesa dessa atitude das instancias estaduais, susten- tava-se que o constituinte federal havia deixado de fora do controle abstrato, em face da Carta da Repiiblica e perante o Supremo Tribunal Federal, as normas editadas pelos Poderes Pablicos municipais, sendo casa uma lacuna passfvel de colmatagio pelo constituinte decorrente, ou pelos Tribunais de Justica, mediante, neste tltimo caso, construcio jurisprudencial. Sobre esse tema, o Tribunal teve a oportunidade de acentuar, em voto da lavra do Min. Rafael Mayer, que: »~] como resulta claro desse dispositive constitucional, o exercicio da agao direta, pelo Chefe do Ministério Pablico Estadual, dirigida & intervengao no Municipio e dela condicionante, hi de ter como objeto «a inconstivucionalidade da lei municipal, nas sob o esti prima de sua invalidade por contra 2s prinefpios indicados na Constiuig0 Estadual, de observfneia pela oganizagio municipal Se 0 fundamento da inconstitucionalidade desbocda desse quadio © ‘vem a configurar-se com resultante de ofensa & Constituigo Federal, ausentes esto as condigBes para o exerefcio da ago" Desse modo, também sob 0 pélio da Constituigo de 1967, modificada pela Emenda Constitucional n. 1/69, exigia-se autorizacio constitucional expressa para que os Estadas-membros puicessem adorar no seu Smbito a modalidade de aco direta de inconstitucionalidade no interventiva, principalmente quando destinada ao controle da viulagau & Constiuiygu Federal. Conforine apontado em outa oportunidade pelo Min. Moreira Alves, “se aquela Emenda no 5 RE9I.740, rel. Min, Rafael Mayer, RTJ, 93:461-2, * RE92.267, rel, Min, Rafael Maver, RT, 97:431. 4 havia atribuido tal competéncia a0 Supremo Tribunal Federal, isso decorrera do propésito do constituinte federal de excluir do ambito da representaco de inconstitucionalidade as leis municipais, e nfo de lacuna inconsciente, a permitir o seu preenchimento pelos cons- tituintes estaduais em favor dos Tribunais de Justiga"? 2.2, O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL NA CONSTITUICAO DE 1988 A Constituigio de 1988 consubstanciow a possibilidade de os Estados adotarem instrumentos proprios de aferigao da legitimidade de normas locais em face da Constituigao Estadual. E 0 fez a0 estabelecer que “cabe aos Estados a instituicdo de representacdo de inconstitucio- nalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituigdo Estadual, vedada a atribui¢ao da legitimago para agir a um sinico drgao” (art 125, § 22) #9 ‘Com isso, e na medida em que tal possibilidade foi positivada no texto constitucional vigente, a criago de um controle jurisdicio- nal voltado & defesa em abstrato do direito constitucional estadual objetivo deixou de ser uma hipstese polémica — apenas aventada pela doutrina, criada por alguns legisladores constituintes estaduais € aceita por determinados pretérios locais quando da vigencia do ADI347, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 135:13. 5 Sobre o termo representagio, ef. Gilmar Ferreira Mendes, Connole de cons- finwianalidade... cit, p. 183; Themistocles Brando Cavaleanti, Do con- trol da constiucionaidade, Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 111-2; e Celso Agricola Barbi, Evolucao do controle da constitucionalidade.. cit, p. 39- 40. Para Ada Pellegrini Grinover, “J o uso do termo ‘representacio' é tecnicamente ineorreto, pois de ago se trata” (A ago direta de controle da constitucionalidade na Constituiglo paulsta. In: Agdo divta de controle da consttucionalidade de leis muniipais, em tese. Sto Paulo: Centro de Estudos da Frocuradoria-Geral do Estado, 197, p. 33). Na jurisprudéncta do Supremo Tribunal Federal, considera-se a “representacdo” como verdadeira aga di- reta, conforme o voto do Min. Paulo Brossard na RCLMC 337, em que afirmou haver na Constituigfo de 1988 duas hipéteses de “aydo dicta", wit das quais a “representacéo de inconsttucionalidade” perante 0 Tribunal de Justiga, de lei local, em face da Constituigio Estadual (RCLMC 337, el Min. Paula Brossard, RT], 133-559) 4 regime constitucional anterior! —, e passou a ser considerada um dado prévio inquestionavel para o estudo da matéria. ‘Nesse sentido, nao esté mais em questo saber se € facultada aos Estados a adogo de um tal sistema de controle, ou se, 20 contrério, essa adogio thes é vedada. A possibilidade de acolhimento do referido sistema é, atualmente, uma premissa posta fora de divida, porque dogmatizada pelo legislador consticuinte de 1988. A insticuico, pelos Estados, de instrumentos de controle abstrato de normas locais em face do parimetro constitucional estadual é uma hipétese normativa vigente no direito constitucional brasileiro, e, quanto a isto, no hé o que se discutir.*2 Todavia, e sempre tomando essa possibilidade como um dado prévio, ainda esta aberto a questionamento saber como se deve con- figurarjuridicamente a jurisdiglo de defesa do direito constitucional estadual conferida aos Tribunais de Justica, como também de que rmaneira se deve dar o efetivo funcionamento dos instrumentos even- tualmente criados para provocé-la. Dito de outro modo, nfo est em questiio a competéncia dos Estados-membros para criar um sistema proprio de controle constitucional; mas, uma vez criado esse sistema —o que a Constituigao vigente tornou possivel —, cumpre indagar a respeito da sua moldagem institucional, bem como do seu correto funcionamento. De infcio a questiio do funcionamento seré vista em outro capitulo —o que se pretende € saber se 0 constituinte estadual, 20 dis- ciplinar os instrumentos de defesa da Constituigo do Estado-membro, encontra na Constituigéo Federal um modelo de controle previamente definido ou se, 20 contrétio, esté livre para criar 0 seu préprio modelo, disciplinando originariamente os elementos do controle abstrato de 191 Para uum segictn dessa polémica, consultar PROCUR ADORIA-GER AL DOESTADO DE SAO PAULO, Agtio diva de controle da consttucionalida- de de leis municipas, em tese. Sto Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria- Geral do Estado, 1979. "= CE. José Carlos Moreira Alves, A evolucio do controle de constitucionali- dade no Brasil. In: As gorantias do cidadao na justia, coordenacSo de Sélvio de Figueiredo Teixeira, Séo Paulo: Saraiva, 1993, p. 14. 46 normas estadual, cais como sujeitos legitimados, objeto de controle, parametro normativo e efeitos da deciséo.! 2.2.1, Sujeitos legitimados Sob a vigencia da Carta de 1967/69, chegou & apreciagio do Supremo Tribunal Federal a questo relativa a competéncia dos Esta- dos-membros para, no exerc{cio de sua atividade constituinte, adotar mecanismos de controle da legitimidade constitucional de leis e atos normatives locais. Em meio as discussbes que se desenvolveram em torno da ma- téria, deu-se especial relevo &quela referente aos eventuais sujeitos legitimados para a propositura de aco direta de inconstitucionalidade que acaso viesse a ser criada pelo poder constituinte decorrente. Convém reafirmar, todavia, conforme visto alhures, que no regime constitucional entao vigente nuio havia qualquer autorizaiio para que os Estados-membros adotassem modalidade de ago direta de inconstitucionalidade, quer em defesa da ConstituigSo Estadual (quando, por exemplo, violada por leis ou atos normativos estaduais ‘ou municipais), quer em garantia da Constituigao Federal (mesmo quando objeto de afronta de leis ou atos normativos municipais). A Constituigao anterior apenas atribuia aos Estados-membros a possibilidade de instituicem a chamada representaciq interventiva, formulada pelo chefe do Ministério Péblico local com a finalidade de assegurar a observncia, pelos Municipios, das principios indicados na Constitnigso Fstadual (art. 15, § 38, d, da CF de 1967, com a redacso. da ECan. 1, de 1969). Ainda assim, € possivel registrar nesse periodo algumas tentati- vas de se instituir o controle abstrato de normas perante os ‘Iribunais de Justiga,a ser desempenhado pela via de uma ago direta. Por outro lado, também surgiram & época propostas acerca dos sujeitos que 10 sera de taie elemento inepinnn-ce em parte no eritéio wtilissda por Pediro Cruz Villalén, La formacién del sistema europeo de contol de constitucio- nalided (1918-1939), Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1987, p.39es, a deveriam ser legitimados a intentar referida aco perante as Cortes estaduais e, assim, dar infcio 20 corzespondente processo de controle no ambito local. Tal foi 0 caso da Constituiggo do Estado de Sao Paulo, que atribuiu a0 Procurador-Geral do Eetado a competéncia para representar a0 Tribunal de Justiga sobre a inconstitucionalidade de leis ou atos notmativos estaduais ou municipais. Eis a integra dos dispositivos constituctonals escaduals correspondentes: “Arc. 51. [oJ: Pardgrafo tinico. Compete a0 Procurador-Geral do Estado, além de outras atribuiges conferidas por lei, representar 20 Tribunal competente sobre a inconstitucionalidade de leis ou atos estaduaise municipais, por determinagio do Governador ousolcitagio do Prefeito ou Presidente de Camara interessado,respectivamente”;€ "Art. 54. Compete a0 Tribunal de Jusiga: — processare yulgar or ginariamente:[.] e) as representagSes sobre inconstitucionalidade e intervengio em Municipio, nos termos desta Constituigaa”, Naquela oportunidade, houve um amplo debate em tomo desses dispositivos da Constituigo do Estado de Sao Paulo, manifestando- se alguns dontrinadores favoravelmente adagia de um modelo de propositura da aco diverso do existente no plano federal!" Sustentava-se que 0 problema da legitimidade era “exclusi- vamente de politica legisiativa” e que, embora no plano federal a Constituiglo tivesse outorgado a competancia para iniciar o controle exclusivamente a0 Procurador-Geral da Repiiblica, no Ambito estaduel, © 6rg8o do poder constituinte do Estado-membro nao precisava con- feriratribuigao equivalente ao Procurador-Geral de Justica, podendo dispor de mado diverso sem incorrer em vicio de validade.!% " Quera, porém, era # opinifo de Joaé Luis de Anhein Mello, para quem constituinte paulista deveria guardar simetria com 0 modelo federal (De separagao de podees & guanda da Constituigo: as cores consiucinais, Sko Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 201). Consultar ainda, dev mesma autor, Os princiiosconstiucionais ea sua protec cit, p. 35 "© Ada Pellegrini Grinover, A acio direta de controle da constitucionalida- de. cit. p.57. '% Celso Bastos, © controle judicial da constitucionaldade das leis eatos nor- rativos municipais. In: PROCURADORIA.GERAL DO ESTADO DE SAO PAULO, Apts deta de conirle da ennstiucionlidade de lic mumirpaie. A matéria da legitimagao ativa sujeitava-se, assim, na opinigio de parcela significativa da doutrina, & plena discricao do constituinte estadual.' ‘Uma das justficativas oferecidas & época para se atribuir a legi- timidade ativa ao Procurador-Geral do Estado e nao ao Procurador- Geral de Justiga era a de que este tltimo, no plano estadual, gozava de autonomia funcional incompativel com o exercicio do controle abstrato de normas. No bojo da férmula adotada pelo constituinte paulista dizia-se que, se 0 processo de controle, no caso especificamente das leis e atos normativos estaduais, haveria de ser instaurado mediante determina- ¢do do Governador, a legitimidade ativa para a propositura da ago deveria recair sobre Grgio a este subordinado, como era o caso do Procurador-Geral do Estado.!® em tse. Sio Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, 1979, p» 23; cf ainda José Afonso da Silva, Agio direte de declaragao de inconsttucionalidade ‘de let municipal. In: PROCURADORIA-GERAL DOESTADODESAO PAULO, Acie dretade controle daconstitucionaidade de leis mumicinais. em tee. Stio Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria- Geral do Estado, 1979, p. 105 es ® CDalmode AbreuDallari Leimunicipalinconstitucional. In: PROCURA- DORIA-CERAL DO ESTADO DE SAO PAULO. Acio direta de controle da consttucionaldade de les muicipais, em tse. Sio Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, 1979, p. 122; José Frederico Marques, A ‘reforma do poder jdicévio, Sto Paulo: Saraiva, 1979, p. 296; Galeno Lacerda, Constitucionalidade do artigo 51 da Constituigio do Estado de Sio Paulo, Revista da Procuradoria-Geral do Estado de Séo Paulo, Séo Paulo, n. 16, jun 1980, p. 368 *® Hg uma falécia no argumento de que o Procurador-Geral de Justiga nfo po- deria ser titular da representacio de inconstitucionalidade estadual por go- zar de autonomia funcional perante o Govemadar do Estado. Relerbre-se dque no plano federal o Procurador-Geral da Republica exercia duplo mister, fancionando tanto na condiglo de fiscal da ei, como no papel de represen: tante judicial da Unio, situagio na qual se via subordinado ao Presidente da Repsiblica, chefe do Poder Executivo federal. Nem por isso, todavia, det xou-se de reconhecer-Ihe 2 ritulardade do juizo de oportunidade e conve nigncia na propositura da representagiio de inconstitucionalidade perante © Supremo Tribunal Federal, cuando entdo. atuando o chefe do Ministério 49 O oferecimento da agdo direta perante o Tribunal de Justica seria, assim, nos casos de inconstitucionalidade de norma estadual, um ato vinculado A determinago superior do chete do Poder Executivo estadual.! Em uma das representages julgadas pelo Tribunal de Justiga do Estado de Sao Paulo, o Ministério Pablico local suscitou, como questo preliminar de mérito, ailegitimidade do Procurador-Geral do Estado ara a proposttura da agao direta.'"° Essa preliminar, entretanto, foi rejeitada pelo Tribunal de Justica, que considerou valida a disciplina oferecida pelo constituinte estadual.!"! Quando tal questio chegou a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, mediante a interposig&o de recurso extraordinétio pclo Ministério Ptiblico do Estado de Sao Paulo contra decisio do Tribunal de Justiga que rejeitara aquela argiligo, o problema da legi- timidade ativa deixou de ser enfrentado, uma vez que outra questi, preliminar a esta da legitimidade, foi suticiente para o deslinde da controvérsia: tratava-se da questo da impossibilidade jurfdica do pedido, uma ver que a aco direta entio proposta, para aferi¢éo da compatibilidade entre leis ou atos normativos municipais em face de pardimetro constitucional federal, nao estava autorizada pela Consti- Pablico federal como custos constnutionis, ndo se encontrava 8 merc® da vvontade do Presidente. Além do mais, nfo cra obrigado # cncaminhar ‘20 Tribunal as representagdes que Ihe fossem apresentadas por eventuais interessados na propositura daaglo. Foi oquea Corte decidiu.aojulgara RCL 849, rel. Min. Adalicio Nogueira, Tribunal Plena, Sepia de Jurgprudencin, Auditncia de Publicacio de 19.12.1971, p36 " José Afonso da Silva, Aco direta de declaraclo de inconstitucionalidade... cit. p 105s. © Manifestagdo do Ministério Pablico— preliminares de ilegitimidade ativa e de incompeténcia do Tribunal de Justiga. In: PROCURADORIA-GERAL DOFSTADODESAO PAULO, Aptn dita de contol da constiucenalida de de leis municpais, em tese. S20 Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria- Geral do Estado, 1979, p.37 es. 8 Acédio do Tribunal de ustiea da Fstado de Sto Paulo, In: PROCURADO- RIA-GERAL DO ESTADO DE SAO PAULO, Acdo direia de controle da constitucionalidade de leis municipais, em tese. Sto Paulo: Centro de Estudos a Procuradoria-Geral do Estado, 1979, p. 138 ¢. tuicgdo da Repéblica. Ese inexistie autorizago para o Estado-membro ctiar referida aco, falvando ao Tribunal de Justica, por conseguinte, competéncia para o seu julgamento, ndo havia porque se discutir acerca da legitimidade para intenté-la.!!? Esse carter preliminar do debate acerca da possibilidade jurt: dica do pedido em relag&o ao da legitimidade ativa para a ago ficou evidenciado quando do julgamento dos embargos de declaracao no RE 93.088, em que o relator do processo, Min. Soares Muiicz, péde observa: “[.J oacéedo nto se omitiu a respeito da czputa eetabolacica entre © Procurador-Geral do Estado e 0 Procurador-Geral da Justiga do Estado sobre a leitimidade para propor acao direta de inconstitucio- nalidade, Entendeu superada essa controvsia em raxio de o recurso extraordinério exigitdiscussio mais ampla. Efetivamente, declarada 1 inconstitucionalidade dos dispostivos da Constiuigio do Estado de Séo Paulo, que tribuem ao Tribunal de Justiga competéncia para julgar a ago direta n-interventiva de inconstitucionalidade de lei ‘municipal em face da Carta Magna da Repaiblica, por nfo existir esa agdo no ondenamento juridico brasileiro, despiciendo € decidiracerca Usdisputa ene u Prucuador-Geral do Estado ¢ v Procuralor-Oeral da Justiga sobre qual deles teria legitimidade ativa para a propositura da pretensa ago") ‘Nao obstante, essa mesma questo voltou 20 julgamento do Supremo Tribunal Federal no debate que se travou acerca da Cons- rimiggio da Fetada do Acre, que, no parégrafi tinien de seu artigo 52 8 semelhanga do que fizera 0 constituinte paulista, atribuiu a0 Pro- curador-Geral do Estado 2 legitimidade para propor as representagbes de inconsticuctonalidade contra leis ou atos normativos estaduais ou municipais perante o Tribunal de Justica. Eis a {ntegra do referido dispositive: "2 CF, RE 92.169, rel. Min, Cunha Peixoto, RTI, 103:11045. 1) EDRE 93,088, rel. Min, Soares Mufior, Ementitio 1.225-3, . 794. No bojo dda Constituigao de 1988, 0 Tribunal voltou a fxar essa tese: “Se a ago & juridicamente impossvel [tratava-se de acao ditera de inconstitucionalica- de de lei municipal em face da Constituicio Federal], ndo ha necessidade dese perquiri quem pode prop6-la” (ADI 209, rl. Min. Sydney Sanches, Ementério 1922-01, p.2). 51 “An. 52. bo) Pardgrafo nico. Compete ao Procurador-Geral do Estado, além de ou- trae atibuigdeeconferidas por lei repreeantar a0 Tribunal competente sobre a inconsitucionalidadede leis x ats estaduaise municipal, pot determinacao do Governador ou solicitagao da Camara interessada, respectivamente”. Contra esse dispositivo constitucional estadual, e contra dois ‘outros dispositivos de teor anélogo constantes de diplomas normativos estaduais reguladores daquela competéncia, o entio Procurador-Geral da Reptblica propés a Rp 1.405, oportunidade em que o Supremo ‘Tribunal Federal, em consideragio A margem da questo efetivamente decidida (obter dictum), péde pronunciar-se acerca da matéria. Essencialmente, 0 ceme do problema residia em saber se os Extados-membros, ao adotarem mecanismos préprios de defesa da Constituigao Estadual, pela via da acto direta, estavam jungidos & observancia do modelo de defesa da Constituigio Federal, inclusive no concernente & legitimidade ativa. Esta Gltima questo, que no chegou a ser decidida em virtude do prévio acolhimento da tese de que os Estados-membros no possufam competéncia para instituir aqueles mecanismos, foi, entretanto, objeto de andlise espectfica por parte de membro do Tribunal. A necessidade de simetria com 0 modelo federal foi sugerida perante a Corte quando do julgamento da referida Rp 1.405, de cujo voto condutor do acérdao, de relatoria do Min. Moreira Alves, extrai- se 0 seguinte excerto: "Oro, sinda que se admits no & precico enfrentar cosa questio @ ‘que. parecer da Procuradoria-Geral da Reptblica dé solug3o negativa — que os Estados- membros possam, em virtude do poder constituinte decorrente que tém, adotar o controle de constitucionalidade das leis estaduais ou municipais em face de suas Cartas Magnas por meio de representagdo de inconstitucionalidade de ato normativo em tese, mister se faz que o modelo federal seja seguido, inclusive no tocante A tiularidade desse processo, e isso porque nko € cabivel ao Estados- membros o estabelecimento de controles de constitucionalidade diversos dos fixados na Constituigao Federal. ‘A representaglo de inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo fem tese, segundo o sistema constitueional federal (are. 119, I), tem como titular exclusivo 0 Procurador-Geral da Repaiblica que, por se 52. tratar de processo objetivo, em que nio hi representaglo da Unio como parte, age como Chefe do Ministério Pablico Federal, sponte ‘sua ou por susciragio de terceio, sem, no entanto, estar vinculado a determinagdo de quem quer que seja, inclusive do Presidente da Repiiblica ou de Governador de Estado. Por isso —e tendo em vista que, mesmo quando se admita a adosao, no &mbito estadual, desse tipo de controle de constitucionalidade de lei ou ato normative, o modelo federal a propésito se enquadra nos preccitos constitucionais de obzervincia obrigatéria pelos Earados segundo o caput do ar. 13 da Carta Magna Federal (& um dos outros principios que nao os expressos nos incisos desse dispasitivo) —, no podem 2 Constituiao e a legislacto ordindria estaduais arribuir essa competéncia 2 outro Gxgo que nio o Procurador-Geral de Justiga do Estado, que € Chefe do Ministério Publico Estadual, nem estabelecer vineulagéo & determinagfo de qualquer autora”! O entendimento adotado no voto do Ministro relator da re- ferida representacio revela bem a tendéncia que viria a ser adotada pela Corte sobre diversos aspectos subjacentes ao controle abstrato de normas no plano estadual. Em primeiro lugar, do pronunciamenta em questi extrai-se {que a simples outorga do chamado poder constituinte decorrente aos Estados-membros, ou seja, o poder de dar-se e reger-se por uma Cons- tituiggo prépria, no conferia a esses entes federativos a possibilidade de atribuir aos Tribunais de Justiga a competéncia para declarar, em controle abstrato de normas, a inconstitucionalidade de leis eatos nor- mativos dos Poderes Pablicos locais impugnados por ago direta seja em face da Carta estadual, seja em face da Constituigao Federal. Em segundo lugar, ainda que ce aceitasse a competéncia dos Estados para a criaglo de tal controle, esta seria tida como daquelas rmatérias centraisa que fezia alusdo ort, 13 da Constituigao de 1967/69, ‘0 que significava dizer que o disciplinamento oferecido pelo constituinte federal 8 aga direta de inconstitucionalidade e ao processo de controle abstrato de normas perante a Constituigao da Repiiblica se apresentaria ‘como de observancia obrigatéria para os Estados-membros.""5 8 Rp 1.405, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 127:416-1, "5 Comovafirmarao Min. Moreira Alves, omodelo de controle federal constitui- 1a, se fosse 0 cas, um dos outros prine(pios que na os expressas nos incisos 53 Finalmente, mesmo que apenas em tese se reconhecesse a0 ente federativo estadual 0 poder de criar mecanismos de defesa da Constituigdo respectiva, isso faria com que se tomasse o modelo federal de legitimidade ativa como sendo de observancia compulséria para o¢ Estados-membros, que, ao instituir em seu émbito o controle em questo, deveriam atribuir o poder de propositura ao Procurador-Geral de Justica, chefe do Ministério Pablico estadual e, portanto, ocupante do cargo equivalente ao de Procurador-Geral da Republica, titular da ago direta que, no plano federal, era intentada perante o Supremo. (Com isso, o titular da a¢do direta no plano estadual nao poderia agir por determinagZo de terceiros, uma vex que seria 0 titular pleno do jutto de conveniéncia para a instauracio do processo de controle perante o Tribunal de Justiga. Por essas raz6es, em face da omissio do constituinte federal, 0 postulado da legitimacio do Procurador-Geral de Justiga se impunha ‘como uma norma de observncia obrigat6ria para os Estados-membros, que deveriam, portanto, disciplinar a matéria de forma simétrica ao que fizera a consriminte federal. Como se observa, uma tal solugio pressupunha o modelo federal como um modelo central de controle, visto que, inexistindo regras especificas para o modelo estadual, a este seria aplicdvel como parimetro obrigatério o disposto na Constituigao Federal, inclusive quanto 20 disciplinamento da legitimacSo ativa para propor @ aco de inconstitucionalidade perante o Supremo. Se de um lado a solugo aventada no émbito do Supremo Tri- ‘bunal decorria em grande parte do fato de nao haver época disciplina constitucional federal a respeito da ago direta nos Estados-membros, de outro lado ela se depara atualmente, no que concerne ao tema da legitimidade ativa, com a circunsténcia de o modelo de controle abstrato de normas no ambito estadual hoje existente apenas vedar que se confira a legitimacSo para agir a um tinico érg3o, sem impor do aitigo 13, veibis. "Art. 13. Os Estados organicarse-So © segerse-3o pelas Constituigées e leis que adotarem,respeitados, dente outros princbios estabelectos nesta Consiuigto, os seguintes |." (sem destaque no original) (CE Rp 1405, rel Min. Moreira Alves, RTJ, 127-417) 54 explicitamente ao constituinte estadual que tome o modelo federal de proposivura como um modelo obrigatério. Diante dessa constatago, convém indagar (a) qual osentido da regra da Constituigao de 1988 que veda a atribuicao da legitimaczo para agira um tinico érgd0; bem como (b) seo entendimento propalado no émbito do Supremo durante a vigéncia da Constituicio anterior no sentido da equivaléncia entre os legitimados nos planos federal ¢ estadual pode ser adotado para a atual disciplina constitucional do controle abstrato de normas no ambito estaduall e, ainda, (c) se, em caso negativo (inexisténcia do dever de simetria), os Estados esto livres para elencar quaisquer sujeitos para instaurar o controle. Essas as questdes que sero abordadas nos tdpicos a seguir. 2.2.1.1. Atribuigdo da legitimagéo para agir a um énico drgo: sentido da veduge ‘Ao vedaraatribuigao da legitimagio para agir a um tinico érgo, © constituinte de 1988 acabou se afastando da solucao oferecida nos regimes constitucionais anteriores, nos quais 0 monopélio da ago direta de inconstitucionalidade e da ago direta interventiva estava nas mos do chefe du Ministériv Pablico estadual. No primeiro caso (em se tratando de agai direta de inconstitu- cionalidade), a despeito de o inciso XIII do art. 124 da Constituigo de 1946 (acrescentado pela EC n. 16/65) prever um controle abstrato nos Estados sem, entretanto, mencionar a que érgio caberia o direito de propositura da agao correspondente, por certo que, cas se tivesse adotado na prética este controle, a legitimacio ativa seria conferida 20 Procurador-Geral de Justica, chefe do Ministério Pablico estadual. Tal foi a solugo propugnada no julgamento da Rp 1.405, sob 0 regime da Carta de 1967, em simetria com o sistema de controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal entéo implantado, no qual se dispunha ser titular da acdo o Procurador-Geral da Reptblica, chefe do Ministério Pablico federal." 6 CE Rp 1.405, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 127:416-7. Esse prognéstico, todavia, ndo ¢ exato, tendo em vista a falta de pronunciamento espectfico do Tribunal sobre o referido dispositive emendado da Carta de 1946. ‘No segundo caso (em se tratando de acai direta interventiva), 0 préprio constituinte federal derivado, igualando a aco direta interven- tiva estadual com 2 federal jé existente, conferiu a legitimacao para o seu oferecimento exclusivamente ao Procurador-Geral de Justiga.!"? Ecero que, nos modelos consticuctonais ancecedentes, a oucorga de legitimacaio ao Procurador-Geral de Justiga colocava-o na condigao de defensor da Constituigao Estadual, contribuindo, assim, para raciona- lizara instaurago dos processos de controle eservindo como altemnativa A criagdo de uma aco popular de inconstitucionalidade.!"* Nao obstanre, as diversas erfricas que, no plana federal, fre- ram-se ao monopélio da aco pelo Procurador-Geral da Repiiblica!” Jevaram a uma total modificagdo, pelo constituinte de 1988, do modelo de instauragio dos processos de controle abstrato de normas, com evidente repercusséo também no modo de instauragao do processo de controle abstrato perante as Cortes estaduais. ‘Quanto a0 modelo estadual, é posstvel sentir de pronto essa modificagio no art. 125, § 28, da atual Constituigo, que, em sua parte final, veda a atribuicdo da legitimaso para agir a um tinico 6rgzo. Tal vedagao, na medida em que impede a atribuigao do direito de agir a 6rgio tinico, “manifesta claro reptidio a um modelo estritamente limitado de direito de propositura”.1 ‘Ao assim fazer, a Constituigao de 1988 pretendeu abolit 0 monopélio da agao por um legitimado apenas, valendo-se, para isso, 407 Bmenda Constitucional n. 1/69, que acrescentou a letrad ao § 3* do art. 15 da Constituigio de 1967, sobre intervengio dos Estados nos Munictpios. ™ CE. Pedro Cruz Villalén, La formacitn del sistema europe... cit, p.43. A idia de um defensor da Constituicfo, com 0 papel semelhante ao do Ministério Pblico no processo penal, foi preconizada por Hans Kelsen (La gusta cost tusional. Tradugio de Carmelo Geraci. Milano: Giuife, 1981, p. 196). 8 CE. a propésito Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade... cit, p. 241 es. ™ Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdigdo constcucional: o controle abstrato de nor- sas no Brasile na Alemanha, Sko Paulo: Saraiva, 1996, p. 130-1. 56 dda norma expressa de caréter vedat6rio constante da parte final do mencionado dispositivo. 22.1.2, Desnecessidade de simetrio com © modelo federal Cumpre analisara segunda indagagio dentre aquelas que foram acima formuladas. ‘Trota se de saber ze 0 entendimento propalado pelo Supremo Tribunal Federal durante a vigéncia da Constituicéo anterior no sentido da equivaléncia entre os legitimados nos planos federal e estadual pode ser transposto para a atual diseiplina constitucional do controle abstrato de normas no 4mbito dos Estados-membros, no que diz respeito especificamente & questdo da legitimidade ativa, ‘A essa questo, que ja foi apreciada pela Corte na vigéncia da Constituigio de 1988, € possfvel responder de forma negativa. Ao conferir competéncia 20s Estados-membros para que crias- sem a chamada representaco de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da ConsticuigSo Estadual, o legislador constituinte federal vedou aqueles entes a atribuicéo da legitimacao para agir a um tinico drgao (art. 125, § 2°, CF).. ‘Num primeiro exame, esta parece ser a dinica norma a ser obsei- vada pelo consticuinte decorrente no que diz respeito & legitimidade para 2 propositura da apto direra estadual. Com efeito, quando se veda a legitimago a um tinico érgio, exige-se a sua atribuigio pelo menos a dois entes. Este é um sentido inequivoco da norma sob comento." ' E necessivio, todavia, atentar pare eventuais casos defraud, em que o cons- tituinteestadval, a pretexto de cumprira vedagdo constante da pare final do 5 § 28, da Consttuigdo Federal, viese a compor ro de legitimades que, .fustasse o comando constitucional. 0 que ocorera, por exemplo, se a legitimidade ativafoseatribuida ao Govemador e ao Procurador-Geral do Estado, somente. Em razao do vinculo hierarquico existence entre eles eda falta de auronomia funcional do Procurador-Geral do Estado, constantemente su- bordinado as determinagies do respectivo Governador, a atribuigio exclusiva de legitimidade » ambor se tradussia; cm dems andlise, na aribuiglo 9 un deles apenas, no caso o Governador, superior hierdrquico na relagio funcio- nal mantida com aquele, Haveria, por assim dizer, “nico Sxglo”,stuacio que a Consttuiio Federal, expressamente, pré-exehit Ed A Constituigio Federal nfo obriga, portanto, a uma simetria com o modelo por ela disciplinado, no que concemne ao rol dos legi- timados constante do seu art. 103.'* Assim, pode-se muito bem conferir legitimacao aos chefes locais do Poder Executivo (Governador do Estado e Prefeitos Municipais), como se hes negar esta prerrogativa. Igualmente nfo é obrigatério atribuir 0 mesmo poder & Mesa das Casas do Poder Legislativo local (Assembléia Legislativa do Estado e Cémaras Municipais). Enfim, desde que nio se confiraalegitimagio a um dinico Srgio, ampla a posstbilidade de escolha dos sujeitos legitimados, encon- trando-se esta matéria na senda do juto de conveniéneia do poder constituinte estadual.'® E preciso reconhecer entretanto, eonforme sponta}. Gomes Canotilho, que “nas Estados com esquemas organizatério-territoriais no unitarizantes — FederagOes, Confederagdes, Estados Regionals, Estados de Comunidades Autnomas — a justiga constitucional servird para cumprir uma das suas missdes classicas: decidir litigios ong 9s interterritoriais”.""4 Eis a redagio do referido dispositivo, na redaglo da Emenda Consti- tucional n. 45/04 : “Art. 103. Podem propor a aco direta de incons- titucionalidade € a acto declaratéria de constitucionalidade: I — 0 Presidente da Republica; II — a Mesa do Senado Federal; Ill — a Mesa dda Camara dos Deputados; IV — a Mesa de Assembléia Legislativa ou ‘da Camara Legislativa do Distrito Federal; V—o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI —o Procurador-Geral da Repiblica; VII—o ‘Consetho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VII — partido politico com represenitago no Congresso Nacional; IX —confederaso sinnival ou envidade de classe de aubio stacivnal ‘Outra, entretanto, parece ser a posi¢do de Pinto Ferreira, para quem “a le- sgitimacGo ativa no pode ser conferida a um tnico érgio, devendo a a¢30 \iteta de inconstitucionalidade corresponder com simetria ao disposto no art. 103 da Constiuigao Federal” (sem destaque no original) (Comentévios {4 Constiuigdo brasileira, Sdo Paulo: Saraiva, 1989, v. 4, p.544).O constitu- cionalitta pétrio nfo oferece at rasSee desse seu entendimento. J.J. Gomes Canotitho, Jurisdisa0 constitucional e intrangtilidade discur- siva, In: Perspectvas eonstitucionais: nos 20 anos da Consiigio de 1976, ‘Organizagto: Jorge Miranda. Coimbra: Coimbra Ea. 1996, v. 1, p. 881. 58 Nesse sentido, a inclustio das Mesas da Assembléia Legislativa € das Cimaras Municipais, bem como do Governadar do Estado e dos Prefeitos Municipais, no rol dos legitimados para a aco direta estadual, transformaria esta em tipico instrumento federativo, uma vez que permitiria a aferig&o da constitucionalidade das leis ou atos estaduais mediante requerimento de um Prefeito Municipal ou da Mesa de uma Camara Municipal e aferisio da constitucionalidade das leis ‘ou atos municipais por meio de requerimento da Mesa da Assembléia Legislativa ou do Governador do Estado." Naw obscate, a aunpliagdv do rl dus legitinuados aiiv ve presta apenas a transformar 2 aco direta estadual em instrumento federativo. No plano federal, a ampliagiia dos sujeitos legitimados para propor a ago direta em face do Supremo, com a incluso, nesse rol, do Presidente da Republica, das Mesas do Senado Federal e da Camara dos Deputados, do Governador de Estado ou do Distrito Fe- deral e da Mesa de Assembléia Legislativa ou da Camara Legislativa do Distrito Federal, possibilita um maior controle intra-Srgéos,seja na esfera da Unio, seja na dos Estados, funcionando, assim, como uma espécie de controle horizontal entre os diversos seguimentos e grupos de poder.!”* Assim, parece recomendével, para se alcangar o mesmo fim no plano estadual, conferir-se legitimacao aos érgos de direcao dos Poderes Executivo e Legislative locais. E preciso reconhecer, entretanto, que esses argumentos no trans- formam em legitimados necessérios no plano estadual os equivalentes, nese Ambito, dos agentes legitimados do art. 103 da Constituigao Fede- ral. Bo que propugna José A fonso da Silva, para quem “nao é obrigatéri 5 A reopeito, conaultar Giliar Ferrcien Mendes, © Poder Executive © 0 Poder Legislative no controle de constitucionalidade, Revista de Informagéo Legistativa, Brasflia, a 34, n. 134, abr jun. 1997, p. 13; e também Oscar Vilhena Vieira, Supremo Tribunal Federal: jurispmudincia peltia, Sao Panta: Revisca dos Tribunais, 1994, p. 93-4. % Oscar Vilhena Vieira, Supremo Tribxmal Federal: jursprudéncia poltica, cit., p. 93-4, 59 seguir o paralelismo do art. 103 da Constituigdo, mas certamente ali se oferece uma pauta que pode orientar o constituinte estadual”.!”? Essa questo, a da necessidade ou nfo deo constituinte estadual seguir com simetria a pauta do art. 103 da Constituigto da Repiblica, ao definir as sujeitns legitimadas para a propositura da ago direta de inconstitucionalidade estadual, fi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIMC 558, rel. Min. Sepilveda Pertence, ua qual se itupugnava v art. 159 da Constituigao do Estado do Rio de Janeiro, com a seguinte redactio: “Art. 159 — A representacio de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais, em face desta Constituica0, pode ser proposta pelo Governador do Estado, pela Mesa, por Comis- So Permanente ou pelos membros da Assembléia Legisatva, pelo Procurador-Geral da Justiga, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Procurador-Geral da Defensoria Publica, por Prefeito Municipal, por Mesa da Camara de Vereadores, pelo Conselho Seccional da Ordem doe Advogados do Breil, por pari palitice com reprerentaglo na ‘Assembléia Legislativa ou em Camara de Vereadores, «por federag0 sindical ou entidade de classe de ambito estadual”. Na referida agao direta, alegava-se a inconstitucionalidade e pleiteava-se a suspenséo cautelar “da insergfo, no rol da legitimago ativa para a ago direta, das Comissbes permanentes e membros da Assembléia Legislativa, assim como dos Procuradores-Gerais do Estado e da Defensoria Pablica, porque — sustentava-se — sao autoridades ue nfo poderiam dispor dessa prerrogativa, 3 luz do disposta nas arts. 103, 132 e 134 da Constituicao Federal”. © Supremo Tribunal entendeu, ainda que provisoriamente, em sede de cognicao cautelar, que a atrbuig2o da referida legitimacao ativa a Deputados Estaduais e Comissoes da Assembléia Legisiativa, bem como 10s Procuradores-Gerais do Estado e da Defensoria Piblica, guarda con- formidade com o dispasto no art. 125, § 2°, da Constituicéo Federal." O Min. Sepdlveda Pertence, relator do processo, assim se pro- runciou acerca das impugnagSes feitas Curso... elt p. 598. 8 ADIMC 558, rel. Min. Sepilveda Pertence, RTJ, 146:438, " ADIMC 558, rel. Min. Sepilveda Pertence, RTJ, 146434. 60 “9. Bstou, daza venia, em que carece de plausibilidade a argc, aqual, de um lado, trai o mau vezo de redusir o poder constituince estadual 8 imitagdo servil da Constituigfo Federal e, de outro, nfo leva ds con seqiincias devidas as suas premissas, que indusiriam a impugnagio a ‘outros tépicos do mesmo dispositivo. 10. Nlo rocante ao controle direto da constitucionalidads de Ambito cestadual, a Gnica regra federal a preservar é a do art, 125, § 28, CF, que autoriza os Estados a instituir a representagao e lhes veda apenas ‘a atrbuigao de legivimacso para agira um vinicn dingo’ 1. Nao obstante, quigd se pudesse questionar a exclusdo, no Estado, dos correspondents locas das autoridadeseinstfincias que, naalgads federal, foram legiimadas 8 agi direta asim, v. g, a do chefe do Ministerio Publico do Estado. 12. Nio vejo base, entretanto, para impugnar a ampliaglo da inicia- tiva, pelo Estado. a outros érgos pablicos ou entidades: eventuais desbordamentes de sua atuaga0 concreta, em relagdo as suas fnalida- des institucionais, poderto eventualmente ser questionadas & luz do requisito da pertinénciaremtica (STF, ADIn 305, 22-5.91, Brossard) ‘mas nao mibem, em tese, o deferimento da legitimaca0. 13. Indefiro, pois, a cautelar atinente ao art 159: 6 0 meu voto".!* Com ecee julgamento, o Tribunal afastou a pretenea obrigato riedade de o constituinte estadual estabelecer rol de legitimados para a aco direta de inconstitucionalidade estadual de forma simétrica ao disposto no art. 103, da Constituigao da Republica, que passa a ser encarado, assim, como veiculador de norma de observancia nao obrigat6ria para os Estados-membros, e no como regra federal de extensfo normativa, Houve, conforme se observa, significativa mudanga em relac3o a0 entendimento propalado pelo Tribunal no bojo da Conetituigio anterior, que era no sentido de o constituinte decorrente, quando da conformago dos instrumentos de defesa da Constituigo Estadual, ‘guardar simetria com o modelo federal de propositura da agao. Cabe reconhecer, todavia, que, mesmo que se confirme tal encendimento, nfo se pode extrair disso que nao haje limites a serem respeitados pelo constituinte estadual. Nem se pode concluir que tais limites ndio venham a ser externados em pronunciamentos futuros do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria. 0 ADIMC 558. rel. Min, Sepdlveda Pertence. RTI. 146:438,, 61 O pronunciamento do Tribunal, no sentido de aqueles sujeitos legitimados pela Consticuigao Estadual em questo estarem na ampla previsio da parte final do § 2, do art. 125, da Constituigao Federal, ‘nfo representa dbice para que a Corte, em casos futuros que chegarem aseuconhecimento, formule entendimento limitador da competéncia dos Estados-membros quanto ao seu poder de, ao regular os elemen- tos do controle abstrato estadual, defini os legitimados ativos para a propasinira da aga cortespandente Note-se que o pronunciamento do Supremo Tribunal bem poderia ter sido no sentido de afirmar que, em macéria de atribuigo da titularidade da acao, possuem os Estados competéncia plena para regular a matéria, resalvada a proibigdo de atribuir a legitimidade da ago a um tinico érgio. Mas nao o fez. ‘Ao dizer o Tribunal que a atribuicao da legitimidade a determi- nados entes nfo viola a Constituiglo Federal, manteve a possibilidade de, em outros casos, vir a ce pronunciar novamente sobre a matéria em relagio a outros legitimados. 2.2.1.3. Impossibilidade de criagéo de uma aco popular de inconstitucionalidade no émbito estadval Impende, por fim, enfrentar a ultima questao suscitada, Trata-se de identificar qual € 0 alcance da regra que proibe a atribuigo da legitimagao para agir a um Gnico érgio (art. 125, § 2°, CF). Essa é uma questo decisiva para a definicao do modelo de ins- tauragdo dos processos de controle em face dos Tribunais de Justiga. (O que ce quer saber & se 0 Estados: membros estdo livres para clencar quaisquer sujeitos para iniciar o processo de controle ouse, ao contré- rio, encontram algum tipo de limite na Constituigao Federal. Da solugio desse problema dependers, em grande medida, a freqiiéncia com que as Cortes locais serdo chamadas a cumprir o seu papel de garantes da Constitui¢ao do respectiva Estado. D1 Par Hane Keken, “la questine del melo Aintree il gin avant al trbunale costiusionale ha un importancafondamentale: la misra in eu il i bbunale poir adempiereil proprio compito di garante della costituzione dipende principalmente dalla sa soluione” (La gusta cosiale, cit, p. 194). 62 Cabe reconhecer que, sob o aspecto dos sujeitos a que pertence a legitimaco para instauraro processo de controle peranteo Tribunal de Justiga, a legitimidade pode ser universal ou restrita. Hé legicimidade universal “sea legitimidade para a impugnagéo da constitucionalidade for reconhecida a qualquer pessoa (quisque de populo) na forma de ‘ago popular”. Por outro lado, hé legitimidade restrita “quando a legitimidade para a impugnacSio da constituciona- Indade é reconhecida s6 a certas e determinadas entidades ou a certos ¢e determinados cidados que se encontram em determinada relagio ‘com 0 processo”.!> No plano doutringrio, a instituigo de uma ago popular de inconstitucionalidade encontra reservas ponderdveis.* (Os argumentos contrétios & adogio do modelo de legitimidade universal evidenciam os riscos que essa férmula representaria para 0 exercicio eficiente da tarefa de controle e para a estabilidade das relages juridicas disciplinadas pelas normas objeto de impugnacdo perante a Corte estadual." Nesse sentido, € oportuno trazer & colago o posicionamento de Hans Kelsen, que, mesmo apés reconhecer em uma actio popularis ‘a maior garantia de controle, rechaga a idéia de adogio da legitimi- dade universal: “La garanzia maggiore sarebbe certamente quella di autoriseare un'actio pul ltibunale dovrebbe esainare la regolart del at soggett alla sua giurisdizione, in particolare le leggi i regolamenti, sudomanda dichiunque. In questo modo, l'interesse politico alla eliminazione degli ¥2 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucionale toria da constiuigto, 3. ed, Coimbra: Almedina, 199%, p. 856. © J.J. Gomes Canotiho,Dirito constitucionale tora da constiuigd, cit, p. 837. ™ CL.]. J. Gomes Canotilho, Dirt consttucionale ora da consituico, cit p. 831; ¢ Hans Kelsen, La giustiziacostixecionale, cit. p. 194. "5 No caso dos Tribunais de Jusica, poderia haver um comprometimento no apenas do exercicio de sua competéncia como garantes da Constituicio Estadual, mas também do proprio exercicio da jurisdiglo ordindria, com evidente prejuizo do seu dever de prestarjustica em tempo raaoével art. 5°, XXXV e LXXVIII, CF). 63 anti iregolari vertebbe senza dubbio soddisfarto nel modo pit pieno.. Non & tuttavia possibile raccomandare questa soluzione perch? essa comportarcbbe un pericolo troppo clevato di azioni temeraric ed il rischio di un incollerabile intasamento dei ruc". Resta saber se essa posic&o conta com respaldo normativo. No plano da Constituigo de 1988, cumpre indagar se a utili- zaio do termo “érgtio” tem alguma implicago para a definigdo dos sujeitos legitimados para instaurar o procedimento de controle perante o Tribunal de Justiga. Nese sentido, é possivel apelar para a seguinte interpretaco literal do texto: a propria expressfo usada no discurso constitucional parece excluir a atribuigao do poder de propositura ao cidadao. O quese veda éa “atribuicio da legitimidade para agir a um dinico rg” (Sre%0, endo cidadao), o que & primeira vista exclui a possibilidade de também 0 cidadao ser autor de representacio de inconstitucionalidade.” E necessério observar, entretanto, que 0 termo “6rgio” nio aparece no texto constitucional em sentido técnico. Caso contrétio, alguns equivalentes dos sujeitos legitimados no plano federal para a ago direta perante o Supremo no poderiam constar do rol estabele- cido pelo constituinte estadual, seja pelo fato de nao se enquadrarem tecnicamente no conceito de orgzo, seja em razao de nao apresentarem natureza prépria dos Srgfos estatais.* Fesas ahservages acaham por que parece nfo ter sido intengio do legislador constituinte federal wrorizar a enrendiment de La luni costnconale cit p. 195. "Ao instituir a ago popular o legisladar constituinte federal, para definir a parce legttma para propor o remeédio consticucional, refertu-se expressa- mente a “qualquer cidadao” (art. 5*, LXXIII, CF), 0 que no ocorreu com 1 disciplina da atribuiglo da legitimagio para agir na representagio de in- constitucionalidade ertadual, na qual, conforme jf mencionado, valew 22 da palavra “rglo”. 58 No diteito administrativo, por exemplo, o conccito de “6xgo” esté vincu- lado 8 idsia de entidade esta. CE « propésizo Celzo AntSnio Bandeira de Mello, para quem “Srgios slo entidades abstratas que sintetizam os virios circulos de atribuigdes do Estado” (Cuaso de direito adminisratvo, 10. ed. ‘iio Paulo: Malheiros, 1998. p. 85). 64 conferir aos Estados-membros 0 poder para criar uma auténtica a¢a0 popular de inconstitucionalidade mediante a attibuigdo de legitimi- dade universal." E que a difusdo da legitimidade a qualquer do povo banalizaria um processo cujo carter eminentemente polftica sugere a criagio de um elenco restrito de érgaos legitimados (Iegitimidade restrita).!® ‘Além disso, a opelo pela férmula da restri¢éo da legitimidade possui © efeito de inibir a inflagdo dos processos de controle que uma ago popular poderia ocasionar.'#! ‘Nesse sentido, € possivel sustentar que a parte final do § Z¥ do art. 125 da Constituiggo da Republica veicula verdadeira norma vedatéria implicita, visto que a competéncia por ela atribufda ao constituinte decorrente nfo implica, mas, a0 contrario, exclui o po- der de instituir uma ago popular de inconstitucionalidade no plano estadual.'? Desde que se reconheca que o modelo de legitimidade restrita deva ser adotada nas Constituigdes estaduais, outro problema a ser enfrentado associa-se & questio da introversio ou extroversio da 1 Sobte a rejeigdo, na asembleia nacional consttuinte, da proposta de intro- dducdo de uma aco popular de inconsticucionalidade, cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jursdigto costcucional.., city p. 27-8 € 78, "© No sentido aqui defendidos Clemerson Merlin Clave, A fisclizagdo abstrae ta da consitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed., Sto Paulo: Revista dos Tbunais, 2000, p.397 e s Eta enido eoncratio: José Afonso da Silva, na ‘opinido de quem “élicito & Constituigdo estadual estende essa legitima- {Gio 20s cidadios estaduais e, no referente a leis atos municipais, x6 03 do Municipio interessado” (Curs..., eit, p. 538) Ch. J.J Gomes Canotilho, Divito consituconale teoria da consttuig, cit, p87. Ene entendimento nao impede, todavia, que os entes legtimados para a ‘ago direta estadual encaminhem ao Tribunal de Justiga questo que qual- ‘quer cidadéo thes fzer chegar a conhecimento. Em tal caso, no se estaria iante de uma ago popular de inconstitucionalidade propriamente, moe ce mero exereicio do dizeito de peticfo (art. 58, XXXIV, a, CF), conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal na ADIMC 1.247, rl. Min. Celso de Mello, Ementétio 1799-01, p. 29-30. 65 legitimidade ativa para instaurar os processos de controle abstrato de rnormas no ambito estadual. Num modelo de introversio, apenas os 6rgiios dos Poderes Pi- blicos estao legitimados a instaurar processo de controle abstrato de normas perante @ Corte constttucional. Por outro lado, num modelo de extroversio, também podem fazer parte do rol de legitimados para a ago entidades representativas de caréter privado, tais como sindicatos, associagdes de classe, partidos politicos, dentre outros." Um modelo de introversio foi o adotado nas Constituigdes Federais anteriores & de 1988, inclusive, conforme visto, em relaso ao controle abstrato estadual, na linha do entendimento propalado na jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal ‘Adotando perspectiva diversa, a Constituigo em vigor rompeu © monopélio da aco direta de inconstitucionalidade pelo Procura- dor Geral da Repiiblica no plane federal e pelo Procurador Geral de Justiga no plano estadual. Todavia, enquanto no primeiro caso essa ruptura velo acom- panhada da adogao expressa de um modelo de extroversdo quanto a legitimidade ativa (art. 103, CF), no segundo caso um tal avango into foi feito de moda explicita, restando apenas a possibilidade de 6s diversos constituintes estaduais adotarem, porque no proibido, 0 seu proprio modelo de extroverséo. Convém ressaltar, por outro lado, conforme entendimento consolidado na jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, que evens exageras clo consriruinre estacial nessa maréria poder ser cortigidos pelo Tribunal de Justia, por meio da exigéncia do requisito da pertinéncia temética.!* 8 J.J, Gomes Canotitho, Jurisdigdo constitucionale intranqtilidade discursi- Yay Gi ps 800 © ™ Foi o decidido, especficamente para o controle de constitucionalidade es- tadual, na ADIMC 556, rel. Min. Sepélveda Pertence, RTJ, 146:438. A pettingnvia eindtive entsiote na demonstiayau de yue a prevensau deducida pelo requerente guarda relagio de pertinéncia direta com es seus objetivos insttucionais. A propésito, cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jrsdigo consttu- ional... cit, p. 135 es 2.2.2. Objeto de controle Outro importante elemento do controle abstrato de normas & © objeto de controle. Consiste na lei ou ato normativo passiveis de impugnago por ago direta de inconstitucionalidade e, assim, sujeitos av conuule do Tribunal Ue Justiva. Nos termos doart. 125, § 28, da Constituigdo Federal, podem ser objeto do controle abstrato de normas no &mbito dos Estados-membros leis ou atos normativos estaduais ou municipais. Desse modo, subme- tem-se ao controle abstrato a) emendas a Constituigo Estadual, b) lei ogdnica municipal, c) lei complementar estadual ou municipal, 4) lei ordinaria estadual ou municipal, e) medida provis6ria estadual, £) decreto legislativo estadual ou municipal, g) resolugo de érgéo legislativo estadual ou municipal, h) resolugao de érgio judiciério estadual, além de outros atos normativos estaduais ou municipais, de qualquer autoridade da Administragio Publica, direta ou indireta, ‘questionados em face da Constituigao do respectivo Estado." ' Ck, José Afonso da Silva, O controle de constitucionalidade das leis no Brasil. In: La jurisdiceidn consttucional en Iberoarérice. Coordenado por G. Garcia Delauunle eF Festa: Segalo, Maid: Dykinoun, 1997, p- 397. As leis ¢ atos sujeitos ao controle abstrato coincidem com aqueles apontados pela doutrina como fazendo parte do processo leislativo estadual e munici pal CF a propsira José Afonea da Silva, Cuneo. cit, p. $33. Ete autor, ‘que na edigao anterior a da obra aqui citada n&o via proibigao para que Estados e Municfpios adotassem a medida provis6ria como modalidade do respectivo process legslatvo, passou a considerar vedado esse acolhimen- to no plano local. A propésto, cf. ADIMC 812, rel. Min. Moreira Alves, Ementétio 1703-L, p. 37, em que o Supremo Tribunal Federal pela primeira ver apreciou a matéria. Ness julgamento, a Core indeferiu pedido de sus pensio liminar da eicdcia de medica proviséria editada pelo Governador do Estado de Tocantins, e 0 fez sob o argumento de que a atual Constituigio nao traz, como faria anterior, qualquer probigio de os Estados adotarem 0 institu, alm de no haver indfcio de que o instrument atende a peculas

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