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Revista Critica de Cigncias Sociais n.° 7/8 Dezembro 1981 AFONSO DE BARROS ( MODALIDADES DE PEQUENA AGRICULTURA (**) 1, INTRODUCAO Pequena agricultura é, obviamente, uma expressiio ambi- gua. Recobre realidades diversas, de maior ou menor contras- te, carece de contetido conceptual definido e nem sequer reves- te contorno dimensional preciso. Mas justamente por nao ser univoca, ganha 0 estatuto de nocio apropriada a servir de ponto de partida a um debate que tem por concreto tema a questo das modalidades de agricultura. Discutir as modalidades de pequena agricultura exige, no entanto, que previamente se procure delimitar 0 que, em Por- tugal, ¢'susceptivel de ser designado por esta nocéio, porquanto este aspecto condiciona, como ¢ manifesto, toda a andlise subsequente. Proponho-me iniciar por aqui o contributo que me foi pedido para abertura do debate. Seguidamente, avancarei al- guns elementos acerca da heterogeneidade da pequena agricul- tura no nosso pais. Por ultimo, procurarei sugerir um quadro de referéncia que possa servir & determinacio das modalidades de pequena agricaltura e de suporte &retlexio sobre perspe= tivas de evolugio desta mesma agricultura. () Contro de Estudos de Eeonomla Agriria do Instituto Gul- enkan do Citncia'¢ Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da impresa, (Este estudo insere-se num projecto de investigagdo sobre Estruturas agrérias, Sociedade rural e desenvolvimento, que vem sendo conduzide no Centro de Bstudos de Economia Agraria do Instituto Gul- benklan de Cléneia sob minha direcgto cientifica, 112 Afonso de Barros 2, DELIMITACAO DA PEQUENA AGRICULTURA © que faz com que uma exploragio agricola seja tida por pequena? O qualificativo pequeno prende-se exclusivamente com a dimensio da exploracao agricola? Quando se fala de agricultura esté-se a referir unicamente uma realidade econ6- mica? Estas e outras quest6es que se poderiam colocar tornam. compreensivel que haja que principiar por discutir os critérios pertinentes para delimitar a pequena agricultura. 2d. Critérios de delimitacao 211. 0 critério da dimensdo: pequena agricultura ¢ média agricultura © primeiro critério a que logicamente importa recorrer €0 da dimensao. Quando se fala de pequena agricultura esté-se a referenciar, com efeito, uma realidade definida antes de mais pelo atributo da dimensio. Mas que dimenstio? Onde situar a linha de clivagem que separa esta classe de agricultura de outra ou outras? A com- plexidade do problema repousa em boa medida precisamente na determinacao do contraponto a estabelecer. Pequena ag cultura versus grande agricultura, apenas? Ou devese consi derar interposto entre as duas um estrato de tipo médio? Atentando na especificidade das nossas estruturas agrarias, marcadas pela forte diversidade de situagdes, mesmo quando vistas pela simples éptica dimensional, pareceme que nao poderemos deixar de responder pela positiva A segunda ques. to. Omitir o escaldo médio significaria, na verdade, esquema- tizar abusivamente o quadro de situacdes existentes. Abusiva ¢ enganadoramente, porquanto se estaria a empolar 0 contraste ou a assimetria que, a par da heterogeneidade, caracterizam as estruturas agrarias portuguesas. E escusado ser4 sublinhar que bem diverso é o panorama caso a pequena agricultura se contraponha & grande ou caso entre ambas se interponha uma agricultura de dimensdo média. Acresce que a dimensio cons- titui eritério que, mau grado a sua evidente limitagao, de modo algum pode ser ignorado na diferenciacao da agricul- tura, Questdes como a reprodugio da empresa, 0 recurso a trabalho assalariado, a dimensao do agregado familiar, a comercializacdo da producdio— todas elas de decisiva impor- tancia para sectorizar as exploracdes agricolas — achamse estreitamente relacionadas com a dimensao destas, sobretudo quando vista em termos econémicos e nao apenas fisicos. Modalidades de Pequena Agricultura 113 Dito isto, importa discutir o procedimento adequado para dimensionar a agricultura. Habitualmente, recorre-se & varia- vel superficie, Todos estio conscientes, todavia, das pesadas Timitagoes deste critério. E bem sabido que de modo algum permite determinar com satisfatorio rigor a dimensao rela- tiva dos diversos estratos de agricultura e muito menos possi- bilita as comparagées inter-regionais. Conforme adiante ficara demonstrado, a produgio por hectare cultivado diverge apre- ciavelmente da pequena para a grande agricultura e de regito para regido, do litoral para o interior, do Norte para o Sul. Como meio de superar estas limitagGes, ir-se-a recorrer ao Pro- duio Agricola Bruto, o qual constitui indicador apto a dimen- sionar as exploragées agricolas de acordo com o seu real peso econémico. 24.2 O eritério das formas de produgao: pequena agricultura, agricultura familiar e agricultura camponesa Com frequéncia, a pequena agricultnra surge conotada com uma forma especitica de organizacéo da actividade agri- cola: a agricultura familiar. Mais: associase a agricultura de pequena dimensio nao sé A exploragao agricola baseada no trabalho da familia como se esiende a imagem por forma a recobrir um tipo de organizacio econémica inserido num quadro social especifico: a sociedade rural. Pequena agricul- tura assume o significado de agricultura camponesa. E incontestavel deparar-se aprecivel_correspondéncia entre a agricultura de reduzida dimensio e a organizacio cam- ponesa. Para além de alicercada nesta larga faixa de corres- pondéncia, a equiparacio estabelecida tem o mérito de ultra- Passar um impreciso critério de indole estratificada, substi tuindo-o por outro de maior rigor e mais ampla riqueza con- ceptual. Aponta-se, por um lado, o campo das relagdes sociais de producdo corréspondente a um dado tipo de agricultura; recorta-se, por outro lado, a natureza do agente social que Ihe da vida. Sai-se, em suma, do acanhado terreno da estratifica- io para o fértil dominio dos modos e formas de producao. Acontece, no entanto, que se abandona irremediavelmente, ‘enquanto espaco analitico, a pequena agricultuza, nogdo vaga e imprecisa, & certo, mas por isso mesmo dotada de indis- cutivel potencialidade para servir de ponto de partida & tenta- tiva de desvendar uma realidade tao multifacetada e complexa como ¢ a da agricultura deste Pais. ‘A acelerada transformagdo da actividade agricola ¢ da sociedade rural, sob o impulso ¢ 0 comando de um modelo de desenvolvimento concentrado de dominancia urbano-indus- 114 Afonso de Barros trial, conduz a que se venha reduzindo a coincidéncia entre pequena agricultura e agricultura familiar e camponesa. A um lado, ganham espago na pequena agricultura, embora espago porventura instavel e transitério, formas de produgao que nada autoriza a qualificar de familiares, como € 0 caso das que recorrem principal ou exclusivamente a for¢a de trabalho assa- Jariada, ou a qualificar de camponesas, como € 0 caso de exploragoes agricolas inseridas no tecido urbano; a outro lado, amplia-se a dimensio econémica, por virtude da capitalizagao fe mecanizacio, de exploracdes familiares que assim vio pas- sando para escaldes médios ¢ por vezes até grandes ¢ cujo caracter camponés se vai diluindo ou desaparecendo sem que, porém, seja posta em causa a sua natureza familiar. O mundo da pequena agricultura perde progressivamente identidade formal e material e passa a ser quadro de mudanca e de contrastes. O que importa é, por conseguinte, descortinar a diversidade de situacdes que nesse mundo se recorta, situa es que, para além da identidade dimensional, cada vez me- nos tém de comum. Por isso mesmo se recusa, como ponto de partida para determinar as modalidades de pequena agricul- tura, a sobreposicao da agricultura camponesa a pequena agricultura e se entende por prefer-vel nao aceitar sequer a equiparagio desta & agricultura familiar. Escusado sera subli nhar que tal opcao nao equivale a reconhecer que a pequena agricultura nfo continue coincidindo em larga medida com a de tipo familiar e mesmo camponesa, 2.2, Delimitagdo e quantificagao da pequena agricultura em Portugal (*) Referiram-se as limitagdes da variével superficie para dimensionar correctamente as exploracées agricolas e apon- tou-se a necessidade de a substituir por outra virtualmente capaz de superar tais limitagdes, na ocorréncla 0 Produto Agricola Bruto. Nao significa isto, contudo, que pura e sim: plesmente se arrede qualquer tentativa de délimitacéo na base da superficie, Fazé-lo implicaria que se ficasse sem conhecer 0 controlo sobre aquilo que representa a condicio basica e im- prescindivel da actividade agricola, isto é, a terra. ()_Reporta-se esta operactio a situacko em 1968-70, época a que sfo relativas as informardes estatisticas existentes. De entio para 4, significativas alteragoes certamente se registaram. Blas nfo terfo sido, todavia, de tal envergadura que tenham invalidado 0 panorama estrutural que se iré apresentar. Modatidades de Pequena Agricultura 115 © recurso a este indicador, como ponto de partida da delimitacdo da pequena agricultura, tem ainda a vantagem de permitir detectar a extensiio do enviesamento que a tradicional perspectiva da superficie introduz na determinacéo do peso desta classe de agricultura, 221. A pequena agricultura segundo a dimensio fisica das ‘exploragdes agricolas Na perspectiva da superficie das exploracdes agricolas, onde situar a linha de clivagem que separa a pequena da mé- dia agricultura? Trata-se naturalmente de questao muito discutivel. Olhando as classes de area adoptadas para efeitos de publicaco pelo Inquérito de 1968 e tendo em atencao a realidade estrutural da nossa agricultura, afigura-se-me como justificavel fixar esta linha nos 4 ha, a exemplo do que fizeram outros autores (*). Justificdvel na’ medida em que, por um lado, abaixo deste limiar localiza-se alargadissimo nuimero de exploracdes agricolas, quase 80%, o que implica que, caso 0 elevassemos para 20 ha, incluirfamos na pequena agricultura a_quase totalidade das exploragdes agricolas, concretamente 979%, e que, por outro lado, tem a segura vantagem de eliminar situagdes que o rigor inequivocamente obriga a qualificar de médias, ‘No quadro n2 1 apresentase 0 panorama das explora: ‘ges agricolas, estratificadas em pequenas, médias e grandes (). Com nitidez revela este quadro 0 enorme peso numérico da pequena agricultura conjugado com a reduzidissima expres- so da area que controla, o que de pronto designa a escassez da respectiva dimensio fisica. Com efeito, mais de trés quartos das exploracdes agr‘colas apenas detém 15% da érea © apre- sentam uma superficie média deveras exigua: apenas 1,2 ha, (© Eugenio de Castro Caldas A agrieultura portuguesa no Uimiar da reforma agréria, Ociras, CEBA/IGC, 1978, pgs. 111 e segs. fe Manuel Villaverde Cabral — Agrarian Structures and Recent Rurai Stouvements im Portugal, «The Journal of Peasant Studies», Julho de 1aTe, pgs. 488-438. “Sy Olimite de 50 ha, adoptado para separar a média da grande agriculture, @ tanto ou mais discutivel do que o limite proposto, para Gividir a pequena da media. Abdicando de aqui o justificar, cingir~ “e-ei a referir haver 0 mesino sido igualmente perfilliado pelos auto- ret acabados de citar. 116 Afonso de Barros QUADRO ne 1 Exploragées agricolas com terra por grandes classes de drea (pequena, média e grande agricultura) “Classes —===SsNuimero ‘Area ‘Area ‘avelnay Usidades —% cs) = aed Pequena 628620=«777-—=s«sTHRSTG SO Médiat 90 =sm1a_tesamd 398 Grime 9am 3a ants ‘Total aosa03 = 10004074187 1000 Fonte: INE— Inquérito és Exploragdes Agricolas, 1968 Como é bem conhecido, os valores médios que se acabam de apresentar para o Continente escondem uma situagio de vincada diversidade regional. Imp6e-se, assim, que procuremos regionalizar, ainda que a grandes tracos, a pequena agricul- tura. Para o efeito, adoptar-se como base de referéncia trés tinicos espacos regionais determinados em func%o da homoge- neidade que, para os fins em causa, revestem: 0 Norte ¢ 0 Centro litorais (distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro, Coimbra e Leiria); 0 Norte e Centro interiores (distritos de Braganga, Vila Real, Viseu e Guarda); e o Alentejo (distri- tos de Portalegre, Evora, Setiibal e Beja) (*). Vejamos como se distribui a pequena agricultura por cada um destes trés espagos, por um Iado, e 0 peso que assume no interior de cada um deles, por outro lado. Para tanto, aten- tese no Quadro n° 2, onde se indicam em percentagem os respectivos valores segundo esta dupla perspectiva. Com vista a uma melhor definicdo do panorama existente, adicionam-se 0 valores relativos a média agricultura. Se olharmos A drea que a pequena agricultura ocupa dentro de cada um dos referidos espacos (coluna a), de ime- () Por considerar ficam, por um lado, of distritos de Castelo Branco e Santarém, caracterizados por uma dualidade de situasSes que impede a sua insergao global em qualquer destes espagos, e por outro lado, os distritos de Lisboa e Faro, cuja vineada especificidade igual- mente obsta a esta mesma insercéo, ut ‘Modatidades de Pequena Agricultura (eunqo> wo) yess op Te}o} OB oyseIEs WE (4) (eur wo) oB:sar ep TeIOY oe OESEIOL wT (e) 8961 ‘sojooNBy seosoiojszg sp opsgnbuy— ANI !ewod C'00r 88 O'oor 6'86 O'0OT e'ee O'OT z'Tz O'00r e'FT C'OOT LLL symouu0 eu — ee — ree — cee un — ee — Penang, OUI eer oy 6te CUT OT eet vee 9 ez Te s'ec ofswary owe Lea eve £36 O' Bea eee Toe gee er OZ T'69 seuou9qut ozjuag 9 YON FILE G93 O'S 856 Get FTF OFZ OTT SHH o'er HIS cea ‘SteIOIM OND 9 ION O28 O20 OOOO OM @ & % % % % % % wry a vory ox vary oN saga, ‘ipa 9 weno, pain puanbog aioyfuodns » opundas vanynoui8o vppiu vp 9 duanbad vp opSorpoucrox z et ONavND 118 Afonso de Barros diato sobressai decrescer esta significativamente do litoral para 0 interior e abruptamente do Norte para o Sul, decréscimo que, como é légico, nao é to acentuado se adoptarmos como perspectiva a distribuicao desta area pelos mesmos trés espa- Gos regionais (coluna b). 222. A pequena agricultura segundo a dimensao econdmica das exploragdes agricolas Afirmouse atrés que a producio por unidade de super- ficie diverge apreciavelmente. Com facilidade se compreende que assim aconteca. Ela depende, com efeito, nao sé de ele- mentos naturais (solo e clima) como da capacidade dos meios de produgio utilizados e da quantidade e qualidade do traba- Iho, entre outros factores. Se olharmos a relacdo entre 0 PAB e a Superficie Culti vada das exploragdes agricolas, verificaremos que os respec- tivos valores decrescem da pequena para a grande agricultura ¢, em termos regionais, do litoral para o interior e do Norte para o Sul. 0 Quadro n. 3 6 perfeitamente elucidativo a este respeito (*). QUADRO n2 3 Produto Agricola Bruto por unidade de Superficie Cultivada das exploragées agricolas na pequena, na média e na grande agricultura (1000 escuidos/ha) Classes de Continente NorteeCentro NorteeCentro Alentejo Area (ha) Itorals interlores Poquena (> 4) 12,5 163 92 a Média (450) 6,3 103 58 35 Grande (> 50) 3 538 35 25 Total 568 128 58 28 ©) 3 dados que a partir daqui se passam a utilizar foram obtides na primeira fase do project de investigaclo de inicio referido, havendo sido extraidos na sua grande maioria do estudo em que se ‘materlalizou tal fase: Francisco Cabral Cordovil — Bstrutura das explo- ‘ragdes agricolas. 0 Produto Agricola Bruto como instrumento de and- lise e determinaedo. Ensaio para 1968-70. Oviras, Centro de Estudos de Economia Agréria do Instituto Gulbenikian de Ciencia, 1079. B de assinalar que os valores do PAB, reportados a 1970, correspondem a Guantias monetérias cujo valor real se acha profundamente alterado. Modatidades de Pequena Agricultura 119 Demonstrada a inadequacdo do critério superficie para dimensionar correctamente as exploragdes agcicolas, ensaie- mos a delimitagéo da pequena agricultura pelo recurso ao cri- tério PAB. Como ja se deixou antever, as surpresas irdo ser grandes, ‘A exemplo do que se fez anteriormente, vamos estratifi- car as exploragdes agricolas em pequenas, médias grandes. Para tanto, adoptaram-se como escaldes 05 30.000 esc. de PAB € 08 200.000 (nao se esqueca que estamos a utilizar valores de 1970), os quais correspondem, em termos médios do Continen- te, precisamente aos 4 aos 50 ha. 0 Quadro n.° 4 revela que a expresso da pequena agri- cultura, como alids também a da média, é bem maior do que faria supor a sua dimensao fisica. Na verdade, mantendo-se sensivelmente identica a respectiva expresso nurnérica (74,5% contra 77,7%), quase duplica a dimensao deste estrato ao pas- sar-se do critério da superficie para o da dimensdo econdmica (27,3% contra 14,9%). Quer isto dizer que se esta perante rea- idade cujo contributo para a producdo agricola de modo algum € desprezével, mau grado a incontroversa exiguidade, mesmo quando medida economicamente, das exploracoes agr colas que a formam. Quer isto dizer, também, que a pequena agricultura consegue niveis de rendibilidade’ da terra clara- mente superiores aos atingidos pela grande mesmo a média agricultura. Retomando os valores inscritos no Quadro n° 3, constata-se, com efeito, que a rendibilidade da pequena agri cultura é duas vezes superior & da média e quatro vezes & da grande, para o Continente. Poder-se-ia pensar que esta situacao decorre da circunstancia da primeira ser predominante em regides dotadas de melhores condigdes naturais. Se atender- mos, no entanto, aos ratios que se obtém em cada um dos espacos re; , torna-se evidente que sé muito parcialmente assim acontece, j4 que a superioridade da pequena agricultura em relacio & média é de 1,6 no Norte ¢ Centro litorais, de 1,7, no Norte e Centro interiores e de 2, no Alentejo, e, em relacao a grande, de 3,1, 2,6 ¢ 2,8, respectivamente. Dispondo de’ um indicador que permite proceder com seguranca a comparacées inter-regionais, examinemos o lugar ea distribuicéo da pequena e da média agricultura segundo os trés espacos geograficos retidos. 0 quadro n° 5 oferece-nos imagem paralela & consiante do Quadro n2 2. Podemos, assim, confrontar as fisionomias que se obtém segundo cada um dos critérios. aspecto de maior interesse que ressalta consiste sem divida na similitude estrutural dos dois espacos Norte ¢ Cen- tro, similitude que a éptica da area esconde ¢ a do PAB revela. 120 Afonso de Barros QUADRO n? 4 Exploragées agricolas por grandes classes de PAB (pequena, média e grande agricultura) Game ‘Nimero Pa PABIESp PAB Unites * 1009 ex ‘ove 1000 o ® ° 0 30 602558 30200 195134 +de200 = 10110 ‘Total 808 803 1234730 M8 1d 11472135430 58,3, 7923778 29,7 783.8 26679386 1000 33,0 ‘Mas se tanto no litoral como no interior, a pequena agricultura ocupa posigao relativa semelhante, é de assinalar que, na pers- pectiva da distribuicdo regional, o litoral assume lugar clara- mente destacado, nele se achando radicadas quase metade da totalidade das exploracdes agricolas de pequena dimensao e nele se formando também quase metade do PAB correspon- dente a este estrato de agricultura. 3. HETEROGENEIDADE DA PEQUENA AGRICULTURA Ensaiada a delimitacdo da pequena agricultura — o que, apesar do esforco de sintese feito, ocupou mais espaco do que se desejaria —, € a altura de introduzir a questo das modali- dades por que cla se reparte. Para tanto, comecar-se-a por proceder a breve abordagem da diversidade que no seu interior podemos detectar quantificadamente pelo recurso aos elemen- tos informativos disponiveis. Tem esta operacdo a vantagem de designar que se esta perante realidade que, apesar de cor- responder maioritariamente a uma agricultura de tipo fami- liar, conhece no nosso Pais assinalavel heterogeneidade. Circunscrever-me-ei a quatro tinicas perspectivas analiti- cas: a da dimensio, a do tipo de forca de trabalho utilizada, a da actividade do agregado doméstico e a da comercializacao do produto. rt Modatidades de Pequena Agricultura ‘oyesys9 op poor ov ov Caos ep [eio} ov OF @ O'OOr £0 GOT LBs Coot O's O'OOr ZH O'oor eZ oOOr et eyour3005 Ti — ¥en — on — Ooo — su — oun — riorang si vor e cho ee Bor su wee cL ee Len ofsiwory Foc O06 oe ess Let aioe woz eet Toe ie eye OT sesoqssyur onusg 9 91208 Ger O16 LOF Fos ORE OF LoF OFT Toh Loe Wor BL seo} oxueD @ e150N OOOO OOOO MOM @® % % % 2% % % a ava «Xk 0 @Vd oN ve oN ate Soi 9 euonboe, pant vuanbog d¥d © opunfas vinynouso vipa up a vuenbad vp ovsvijouoroy § oN Ovayno 122 Afonso de Barros 3.1. Estratificagéo dimensional: micro-agricultura e pequena agricultura Adoptou-se como linha de demarcacio da pequena agri cultura 0s 30.000 esc. de PAB, limite sem diivida modesto e que recorta uma agricultura irrecusavelmente pequena. Mas se pro- cedermos a desagregacio deste estrato, surgir-nos-4 acantonada nos escalées mais baixos a grande maioria das exploracdes agricolas que o integram, consoante 0 demonstra 0 Quadro n 6, o que revela com impressionante nitidez a importdncia que assume uma agricultura que melhor do que pequena se deve qualificar de micro. QUADRO ne 6 Pequenas exploracées agricolas por classes de PAB Classes Nimero PAB de % PAB Unidades (a) (b)__—*1000 ese. (a) (b) 0-10 285117 a7 -HA_—«1 TOT 2988 1020 1973908 HA 279492038105 2-90 120051 «199 49 BIT OR © 36.7105 ‘Total 602558 1000 © 74,5 7293473 1000278 (a) Em relaeZo ao total do estrato de 0— 30 (b) Em relagdo ao total do Continente 32. Sectorizacdo segundo o tipo de forea de trabalho utiliza- da: agricultura familiar, semi-familiar e patronal Ao contrério do que com frequéncia se pensa, a pequena agricultura néo é equiparével, no seu conjunto, & agricultura familiar. Parte ndo negligencidvel das exploracdes agricolas que nela se enquadram utilizam, secundéria ou predominante- mente, forca de trabalho assalariado. Ao lado de uma agricul- tura familiar, sem diivida maioritaria, deparamos com uma faixa de exploragdes agricolas que, embora funcionem sobre- tudo na base do trabalho familiar, recorrem a trabalho assala- riado — sector que designarei por semifamiliar — e ainda com uma outra faixa, mais estreita, de indole patronal, jé que a forca de trabalho utilizada € principal ou exclusivamente de tipo assalariado, O Quadro n2 7 da conta dessa situacio. Modatidades de Pequena Agricultura 123 QUADRO n! 7 Reparticéo da pequena agricultura por tipos de exploragdo agricolas ‘Numero ‘Tipos % Unidades (a) (b) 1000 es we Famillares 307437 06,0 82,2 4.439000 49,8 Semi-familiares 182813 2,0 652.1868 982 29.0 Patronais, 72309 120 59,5 975.992 87 Total 602559 1000 — 7289473 (a) Em relagiio ao total da pequena agricultura (b) Em relagio ao total do tipo de exploracio agricola Surpreende 0 elevado mimero de exploracdes agricolas de tao exigua dimensao que recorrem, acessoria, predominante ou até exclusivamente, a trabalho assalariado, E mais surpre- ende ainda se tivermos presente que esta dimensio é, em média, de 14 contos na pequena agricultura semi-familiar e de 13,5 contos na patronal e se a isto aliarmos o facto de o rendi- mento anual médio obtido pelo trabalho assalariado na ag cultura equivaler, em 1970, a 16 contos para um homem e a7 contos para uma mulher. Tornando-se deste modo dbvio que estas exploragoes agricolas nao podem constituir a base de sobrevivéncia dos respectivos titulares, impoe-se concluir que as mesmas correspondem, na sua larga maioria, a situacdes de pluriactividade ¢/ou plurirendimento ou, quando assim nao aconteca, representa franjas residuais sem qualquer perspec: tiva de continuidade. Muitas delas, alias, sto certamenie o pro- duto da desagregacao de economias familiares que, amputadas dos seus elementos mais vilidos pelo éxodo rural, se vém coa- gidas ao recurso a jornaleiros para assegurar a continuidade do cultivo da terra, com vista a extrairem desta com que pro- ver, ainda que parcialmente e a mero nivel de subsisténcia, 20 seu sustento, Claro que esta situacio de incapacidade para servir de Yinica fonte de sobrevivéncia do agregado doméstico nao & apenas relativa & pequena agricultura semi-familiar ¢ patro- nal, Embora nao sendo tio flagrantemente insustentavel 0 caso loragées agricolas desta dimensdéo que apenas utilizam trabalho familiar, porquanto, claro estd, isto dispensa os seus titulares de afectarem parte do rendimento ao pagamento de 124 Afonso de Barros forga de trabalho alheia, ¢ incontroverso que muitos deles por forma alguma conseguirao sobreviver apenas da agricultura, ja que o produto médio por exploragao se situa no baixissimo nivel dos 11 contos. Aqui também, por conseguinte o fend- meno da pluriactividade e/ou do plurirendimento tera signifi. cativa expresso, E 0 que iremos ver seguidamente. 33. Sectorizagto segundo a actividade do agregado familiar: agricultura a tempo parcial e agricultura a tempo integral Mais importante do que a conjugagao da agricultura com outras actividades, como factor indispensdvel & andlise da pequena agricultura, sera muito provavelmente a diversifica- 40 de fontes de rendimento dos titulares destas exploracoes agricolas alheias ao exercicio de uma actividade. Pensoes, reformas, rendimentos de propriedades representam fontes de receita susceptiveis de em boa medida explicar a sobrevivéncia de agricultores com exploragGes agricolas 120 exfguas. Neste caso, mas apontando muitas vezes ja nfo para situacdes resi- duais, estéo também as remessas dos emigrantes. ‘Lamentavelmente, as nossas estatisticas apenas nos facul tam, e muito parcialmente, informacao relativa a pluriactivida- de, Permite-nos esta distinguir, dentro da agricultura familiar, 0s casos em que 0 agregado doméstico se ocupa unicamente na exploracdo agricola daqueles em que se ocupa também, a titulo principal ou acess6rio, noutras actividades. Vamos sintetizar esta informacio recortando dentro da pequena agricultura familiar dois sectores, que sero designados por agricultura a tempo parcial (que agrega as exploragées agricolas qu: Inquérito denomina complementares e as que o mesmo designa por ndo-auténomas) e por agricultura a tempo integral (que compreende as exploragdes agricolas denominadas aut6no- mas). Conforme se pode ver no Quadro n2 8, € muito seme- Ihante 0 peso dos dois sectores, prevalecendo, porém, o da agricultura a tempo parcial. Nao nos faculta o Inquérito dados que possibilitem reali- zar idéntica operacao para a agricultura semifamiliar e para a agricultura patronal. Logicamente, impdese, no entanto, concluir que sendo idéntica a dimensio econdmica e destinan: do-se parte aprecidvel do produto obtido ao pagamento de salarios, seré inevitavel que a pluriactividade ou, pelo menos, © plurirendimento atinjam proporedes de bem mais significa: tivo relevo nestes dois tipos de pequena agricultura, com dbvio destaque para o segundo. Constatase, pois, a amplitude que o fenémeno da pluriac- tividade assume na pequena agricultura, amplitude esta que Modatidades de Pequena Agricultura 125 QUADRO n? 8 Reparticao das pequenas exploragdes agrcolas familiares segundo a ocupacdo do agregado doméstico ‘Nimero PAB % Unidades 1000 ese. ¢qy ® (yy Sectores % w@ ” Atompo parcial 212101 534 352 2098508 472288 ‘A tempo integral 185335 46,6 2842511 528 321 ‘Total 397.437 100,0 4439 099 1000 60,9 (a) Em relaefo ao total das exploracies agricolas tami (b) Em relagio a0 total das pequenas exploragées agricolas, tudo leva a crer ter conhecido apreciével aumento de 1968 para c&. Assim sendo, é legitimo concluir estarse perante varidvel de decisiva importancia no funcionamento e na trans- formagio deste vasto estrato de agricultura. 34, Sectorizacio segundo a comercializacdo do produto: agri- cultura de quto-consumo ¢ agricultura mercantil A questiio do destino da producio pode ser visualizada por dois Angulos com base na informacio dispontvel: a) repar- tigao do mimero de exploragées consoante destinem & venda ou ao auto-consumo mais de metade da producao; b) reparti- do do produto agricola segundo a proporeao em que é comer Cializado, De acordo com o primeiro tipo de informacio, extraido directamente do Inquérito, apura-se que representam 29% as exploracdes agricolas que comercializam mais de me- tade do produto. De acordo com o segundo, obtido por métodos indirectos, fica-se a saber que o produto correspondente & produgao comercializada representa 53% do PAB total. Como é compreensfvel, as fracces comercializadas cres- cem da pequena para a grande agricultura. Assim, enquanto apenas 18% das exploracdes até 4 ha destinam ao mercado mais de metade da producao, este valor sobe para 506 nas exploracées de 4 a 50 ha e atinge 84% nas de mais de 50 ha. Se encararmos a questo segundo a éptica do PAB e néo da area, desenha-se o seguinte panorama: a pequena agricultura comer- cializa 29% do produto que obtém; a média agricultura 41%; a grande 80%. A conclusio que se extrai é, por conseguinte, que a pequena agricultura tem débil contacto com o mercado 4126 Afonso de Barros a juzante, achando-se predominantemente voltada para o auto- -consumo, 0 mesmo nao acontecendo, em contrapartida, com a média agricultura, na qual a produgdo para 0 mercado jé atinge valores aprecidveis, 4, MODALIDADES DE PEQUENA AGRICULTURA © percurso até aqui seguido propicia alguns elementos relativos & questéo das modalidades de pequena agricultura. Apuraram-se, na verdade, diversas perspectivas segundo as quais esta pode ser encarada. De acordo com a dimensio, teriamos uma micro-agricultura, uma pequena agricultura e, se aceitarmos alargar esia nogdo, uma media agricultura; con- soante o tipo de forca de trabalho utilizada, seria legitimo distinguir a agricultura patronal, a semi-familiar e a familiar; na Optica da actividade do agregado doméstico, definir-se-ia a agricultura a tempo integral e a agricultura a tempo parcial; segundo o contexto social de insercao ¢ o tipo de agricultor, importaria reter a agricultura camponesa e a agricultura em- presarial capitalizada; de acordo com o destino da produgao, recortar-seia a agricultura mercantilizada (a pequena produ: 0 mercantil) e a agricultura de auto-consumo. Poderiamos multiplicar os desdobramentos. Se olhasse- mos aos meios de producio, surgiria uma agricultura mecani- zada, tendo por contraponto uma agricultura de subsisténcia, se atentdssemos nos sistemas culturais, desenharse-ia uma agricultura polivalente face a uma agricultura especializada E assim sucessivamente, Com semelhante esforgo, mais nfo far.amos, porém, do que evidenciar ainda mais a heterogenei- dade que atravessa a pequena agricultura, abdicando de entrar propriamente na questdo das suas modalidades. O tratamento desta exige, com efeito, que se discutam e se identifiquem os critérios aptos a definir um quadro coerente de referéncia que sirva de suporte ao estudo e andlise das caracteristicas dos sistemas de organizacao e de funcionamento, do lugar e das perspectivas de evolucao da pequena agricultura na concreta formacio social em que se acha inserida. Afigura-se-me serem dois os critérios basicos a utilizar. Sabendo-se que a agricultura constitui um sector dominado, sujeito ao comando da sociedade urbano industrial e submeti do ao proceso de acumulagao do capital, o primeiro critério ha-de forcosamente ser definido em funcao dos modos como se processa a articulagdo entre a pequena agricultura e a socie- dade envolvente, Mas se ficassemos por este iinico critério, pese embora o seu carcter fundamental e prioritério, estaria- mos remetidos a uma abordagem unilateral, tendo apenas por Modalidades de Pequena Agricultura 127 campo de visualidade os efeitos estruturantes que o desenvol- vimento do modo de produgao capitalista exerce sobre a pe quena agricultura e a sociedade rural. Os camponeses, os pequenos agricultores, seriam perspectivados como simples objecto, Ora, ¢ facto que, por mais intenso que seja o dominio que sobre cles incide, jamais perdem a capacidade de agir, de reagir, de influenciar’a sua propria situacao e destino, Perma- hecem como sujeitos. Sujeitos dominados e condicionados, mas sujeitos. indispensavel, pois, que se olhe & organizagio interna das pequenas exploracoes agricolas, que se tenha em atengio a sua especificidade, légicas de funcionamento, e tec- nologias adoptadas, que se atente na margem de manobra de que dispdem para definirem e executarem as suas estratégias, que se encare 0 contexto local e regional em que se integram. Este o segundo nivel em que é necessdrio situar a andlise, este (© segundo tipo de critério a que ¢ imprescindivel recorrer. 41, Modalidades definiveis em fungdo da articulagao da pequena agricultura com a sociedade envolvente Atentando na especificidade do desenvolvimento do capi talismo em Portugal, julgo que séo de considerar dois modos principais de enquadramento da pequena agricultura no pro- cesso de acumulacao do capital, o mesmo é dizer de subordina- gio da sociedade rural & sociedade urbano-industrial. Dois modos de natureza claramente diversa, em parte contradité- rios, em parte complementares. Um tem por eixo o mercado, outro a forca de trabalho. Dois modos que designam fungdes diversas & pequena agricultura e aprofundam no seu interior, por vias distintas, diversidades e mudangas. Al. O mercado. Da agricultura camponesa de subsisténcia a pequena produgao mercantil A pequena producdo mercantil, quando levada as suas iiltimas consequéncias, representa a plena integracao da peque- na agricultura no modo de producéo capitalista, concretizada segundo modalidade que preserva a forma de producao fami- liar mas desarticula a economia camponesa e muda a natureza da sociedade rural. Convertida em pequena producao mercan- til, a exploracio agricola perde o cardcter de unidade econé- mica que visa basicamente a alimentacao do agregado domés- tico e transforma-se em empresa destinada fundamentalmente a abastecer o consumo urbano. Quebra-se a unidade de produ- G0 e de consumo que caracterizava a economia camponesa. A agricultura especializada passa a prevalecer sobre a polivalente. 128 Afonso de Barros Entre os dois extremos absolutos (¢ tedricos, claro esta) deste processo depara-se vasta e complexa gama de situacoes Ponto essencial do percurso que vai de um a outro extremo situa-se no momento em que o pequeno agricultor deixa de ter a alternativa de, consoante a conjuntura (precos, facilidades de escoamento, necessidades do agregado familiar, etc.), incre- mentar a produgio destinada ao e colocada no mercado ou, pelo contrario, acrescer a retida para o consumo da familia, © mesmo é dizer em que a estratégia de organizacao da produ. Go centrada no auto-consumo cede irremediavelmente lugar a uma estratégia de domindncia mercantil. Com frequéncia, 0 momento em que a op¢tio deixa de ser possivel € determinado pelo nivel de implicacdo mercantil a montante, Vendo'se confrontado com a necessidade de obter no mercado maquinas ou outros inputs de origem industrial a fim de responder a intensificacao que the é exigida ou, pura e sim- plesmente, de compensar a perda de unidades de trabalho transferidas para outros sectores econémicos, o agricultor é inevitavelmente empurrado a elevar a venda de produto como meio de realizar no mercado as somas de dinheiro de que, para tanto, carece. 0 acréscimo de implicacao mercantil a montante pode ainda ter por origem alteragoes no plano do consumo nao produtivo provocadas pela difusao de padrdes urbanos no seio da sociedade rural, sendo, todavia, semelhantes os efeitos dai resultantes no desencadeamento e afirmagio de estratégias produtivas mercantis. Sublinhe-se, porém, que a implica¢ao mercantil a montan- te pode nao implicar a ruptura com a estratégia de auto-con- sumo. Para tanto, basta que o agricultor disponha de recursos monetdrios exteriores & exploracdo agricola. E é aqui que a pluriactividade e/ou o plurirendimento se vém cruzar com 0 fenémeno da mereantilizacdo. 412. 0 trabalho. Da agricultura auténoma a agricultura complementar A acumulacio do capital no quadro de um modelo de desenvolvimento de privilégio urbano-industrial implica, obvia- mente, que a agricultura se mercantilize, ou seja, que se torne compradora de produtos industriais e, sobretudo, que produza com que alimentar a crescente populac&o ligada a indtistria ou aos servicos. Mas mais do que isto e previamente a isto é con- digdo fundamental da implementagio deste modelo de desen- volvimento que a forca de trabalho se transfira da agricultura para a indistria, do campo para a cidade, Modatidades de Pequena Agricultura 129 Quando os dois processos correm em paralelo, verifica-se © reciproco reforco dos dois fenomenos. A saida de forca de trabalho da agricultura combinada com as solicitagdes a0 aumento da producao e da comercializacao impulsionam a capitalizagdo das exploragdes agricolas, fomentam a especiali- zacdo, obrigam A colocagéo de produto no mercado. Por sua vez, a mecanizacdo e a especializagio tornam excedentarios novos contingentes de forca de trabalho. Mas pode acontecer que, como se referiu, 0 desvio de forca de trabalho para a induistria e servigos nao quebre a ligagao desta com a agricul- tura, Para que a questo possa ser compreendida em toda a sua latitude, é necessdrio que se tome por referéncia a familia € nao os seus elementos isoladamente. Fora dos casos de saida de elementos do agregado para os polos urbanos, em que é mais frequente o corte com a actividade agricola e o abandono irreversivel da sociedade rural, verifica-se a tendéncia para assim nao acontecer. Distin- gamos duas situacdes: exerc.cio de outra actividade sem abandono da residéncia do agregado familiar, o que acontece no caso de essa actividade se achar radicada no local desta ou suficientemente préxima para permitir a ida e volta (migrades pendulares), por um lado; emigrag3o para o estrangeiro, por outro lado. No primeiro caso, diversificase a actividade no seio do agregado familiar, assim como as suas fontes de rendimento, sem que se dé 0 abandono da actividade agricola e da sociedade rural; no segundo caso, dé-se a saida da agricultura e da socie- dade rural, mas esta assume, pelo menos no plano das intengdes do emigrante, caracter provisério, 0 que faz com que sejam mantidos lacos, muitas vezes econémicos, com a comunidade de origem. A pluriactividade e o plurirendimento esto na origem de situagdes em que a pequena agricultura se vé inserida no pro- cesso de acumulacdo do capital pela via da producdo e repro- ducao de forga de trabalho mas nao do abastecimento da cidade em produtos alimentares. A possibilidade de assegurar a ins ao mercantil a montante com recursos exteriores 2 exploracao agricola garante ao agricultor autonomia suficiente para man- ter em aberto a alternativa venda ou auto-consumo. Mas, olhada na perspectiva da subsisténcia e da actividade da famf- lia, a agricultura perde a natureza de actividade auténoma para se interligar com outras em posicao crescentemente comple- mentar, acesséria, subordinada. 380 Afonso de Barros 42. Modalidades definiveis em funcao das caracteristicas ¢ logicas de juncionamento internas & pequena agricultura Ao analisar as modalidades em que se vai decompondo a pequena agricultura & medida que ¢ integrada no processo de acumulagao de capital, preocupei-me em referenciar aspec- tos internos a esta pequena agricultura que de algum modo evidenciassem elementos de resposta aos vectores dominantes projectados da sociedade envolvente. Interessa, contudo, com: plementar esta segunda perspectiva, ainda que em termos for osamente breves. Abordar-sedo trés aspectos fundamentais. 42.1. Caracteristicas internas @ exploracdo agricola e ao agregado familiar Duas questées merecem particular destaque quando se olha as caracter-sticas internas da pequena agricultura. Res- peita a primeira as relacdes sociais de producao. Segundo estas, definem-se trés modalidades, ja identificadas: a agricul- tura familiar, a semi-familiar e a patronal. Concerne a segunda 2 composigao e natureza do agregado doméstico, aspectos que em larga medida condicionam a reprodugao da exploracao agricola, assim como comportamentos de imobilismo ou ‘de mudanca, Esquematizando, dir-se-a que num extremo esta a familia dispondo de elementos activos e jovens ¢ no outro a mflia envelhecida, contando apenas com o marido e mulher jem idade de reforma, A primeira, que tem capacidade para fazer funcionar a exploragiio agricola na base do exclusive trabalho familiar, abrem-se possibilidades de a reproduzir e de transformar, mas, em contrapartida, poe-sethe a alternativa de trocar, parcial ou totalmente, a agricultura por outras activie dades. A segunda apenas Ihe assiste a opgio de manter a explo- racdo agricola, ainda que eventualmente custa do trabalho assalariado, ou de a abandonar, passando a subsistir de refor- mas, auxflios familiares e eventuais magros rendimentos. Olhando esta mesma questo segundo outro prisma, duas situagdes claramente distintas se recortam: a das familias em que os membros do agregado se distribuem por situacdes sécio-profissionais diferenciadas, e logo é diversa a origem dos respectivos rendimentos ¢ a propria identificactio social da familia, e a das fam lias que vivem homogeneamente centradas sobre a exploracio agricola Eo que ser referenciado j4 a seguir. Modatidades de Pequena Agricultura 131 42.2. Funcao da exploragao agricola na economia familiar Os comportamentos ¢ estratégias dos titulares de peque- nas exploragdes agricolas dependem inevitavelmente da fungao destas na economia familiar. a) a exploracao agricola representa a base de sobreviven- cia do agregado familiar; ) a exploragao agricola tem mero papel complementar na economia familiar; ©) a exploragao agricola nao reveste directa finalidade econémnica. 54 foram avancados elementos relativos & determinagio de modalidades designaveis segundo as duas primeiras situa- ses, Limitemo-nos, portanto, 2 tltima, Configura ela uma Pequena agricultura de tempos livres, hidica, de recreio, que se desenvolve em espacos urbanos, ou, acompanhando o inci- piente movimento de re-ruralizacdo, vai adquirindo alguma expressiio em meio rurais sobretudo dos paises mais avan- gados. 42.3. Contexto local e regional Até aqui perspectivou-se os aspectos internos & pequena agricultura do angulo da exploracao agricola e do agregado familiar. A determinacao das modalidades definiveis em fun- sdo da propria pequena agricultura e no apenas do dom.nio que sobre ela projecta a sociedade urbano-industrial exige que se va mais além. As exploragdes agricolas ¢ os agregados fami- liares nao existem em abstracto nem funcionam ou se movi- mentam jsoladamente, Pelo contrério, acham-se inscridos numa rede de relagdes sociais concretas,’ com contornos locais regionais precisos, que os condiciona multifacetadamente, assim como se situam perante condicdes histéricas e geo-eco- logicas distintas que igualmente influenciam o seu funciona. mento. ‘Assim sendo, importa considerar aspectos tao fundamen- tais como as estruturas de poder (entendido este em sentido global e nao somente em termos politico-administrativos) local e regional, os instrumentos de enquadramento institucio- nal, nomeadamente os de natureza econémica localizados a montante e/ou a juzante da producao agricola (cooperativas de transformacao, redes de escoamento dos produtos, etc.), 08 sistemas de agricultura dominantes, e muitos outros se pode- riam referir de indiscutivel significado. Em suma, quando se 182 Afonso de Barros pretenda compreender a pequena agricultura em toda a sua heterogeneidade ¢ as linhas diferenciadas segundo as quais evolui_e se transforma, é indispensvel situar as exploracdes agricolas no concreto e preciso quadro social em que se inte- gram, é imperioso, designadamence, compreender a especifici- dade'da sociedade rural e a diversidade das comunidades rurais, Sem recorrer a este nivel de anilise, no & impossfvel apercebermos verdadeiramente as caracteristicas e légicas de funcionamento internas A pequena agricultura, nem, tio-pou- co as mediacoes existentes entre esta e a sociedade envolven- te. Mas, se os aspectos relativos a0 enquadramento local e regional tém esta dupla dimensio, € sobretudo quanto & pri- meira que eles no podem ser esquecidos ou subalternizados. 5. MODALIDADES DE PEQUENA AGRICULTURA EM PORTUGAL, A finalizar, ensaiar-se-a, com base na conjusacio dos elementos de anilise carreados, breve abordasem das modali- dades de pequena agricultura que maior significado assumem em Portugal. Cingir-me-ci a provor um sintético e esquematico auadro de referéncia, construido em tovno da preocupacio de fixar as grandes linhas de clivagem detectaveis no seio de reali dade tao complexa ¢ heterogénea como é este estrato de aari- cultura, Linhas de clivagem aue, aliés, nao pretendem repre- sentar divisé-ias que em absoluto senaram realidades em tudo diferentes, mas que tdo-s6 pretendem diferenciar sectores defin ‘veis'sesundo o predomfnio de elementos que thes confe- rem esnecificidade suficientemente vincada, Nesta ordem de ideias, afigura-se-me legitimo apontar para as trés seguintes modalidades principais: a) a agricultura complementar ‘b) a agricultura mercantil c) a agricultura residual a) A primeira, a agricultura complementar, que jé consti- tufa modalidade com razodvel expressiio no final da década de 60, tera conhecido logicamente aprecidivel expansio ao longo dos anos 70. Ela representa, com efeito, o principal eixo de subordinagio da pequena agricultura ao processo de acumula. do do capital no quadro do modelo de desenvolvimento depen- dente e de comando urbano-industrial que vem sendo praticado no Pais, ao mesmo tempo que, e contraditoriamente, constitui — assinale-se — meio privilegiado de resisténcia da sociedade rural e do campesinato a liquidagio pura e simples. 0 rural Modalidades de Pequena Agricultura 133 transforma-se na subordinacao ao urbano, a agricultura muda ao impacte da industrializacao — mas permanece. Correspondendo, como alids se afimou, a uma situacao de pluriactividade ¢/ou de plurirendimento, a sua expansao surge como 0 reverso da emigracao e do éxodo agricola, Dai que tenda a avolumar-se no espago regional onde estes dois fenémenos incidem conjuntamente, ou seja, o Nore e o Centro litorais. Pelo menos no seu aspecto de agricultura a tempo parcial (pluriactividade), a tendéncia para orientar a producao segundo uma estratégia de auto-consumo, ou melhor, para Jogar na alternativa venda/auto-consumo sera predominante. A comercializagao, sem deixar de existir © até, muitas veres, assumir peso significativo, ndo acarreta assim’a plena subordinacéo & légica mercantile a submissio sem defesa as foreas que actuam no mercado ou através do mercado. Deste modo, esti-se perante circunstincia que amplia a diferenca entre esta modalidade ¢ a que iremos abordar em seguida. b) A agricultura mercantil encontra fraca expressio no que se pode entender, em terrenos dimensionais propriamente por pequena agricultura. Alargando a nocio por forma a com- preender também estratos de média dimensio, j4 0 fenémeno de dependéncia face ao mercado cresce significativamente. Em Principio mais modernizada e dindmica, esta modalidade de agricultura sofre, porém, de fragilidade bem maior do que a precedente. Sujeita as flutuagdes de precos, confrontada com ‘a necessidade de intensificacao e de capitalizagao, subordina- da & extraccio de valor na esfera da circulagio, a pequena produc&o mercantil vé-se inserida num proceso que nao do- mina ¢ a que muitas vezes no consegue adaptarse. A pequena produgio agricola mercantil ndo pode ser entendida como modalidade de todo isenta de manifestagées do fendmeno da complementaridade e mesmo onde o aspecto residual nao se Tecorte como ameaca potencial ou realidade em curso. O que a define, diferenciando.a das outras modalidades, é o facto de a imbrincacao no mercado ser j4 suficientemente forte para The imprimir um funcionamento irreversfvel segundo a légica dominante de produc&o para venda e nao para auto-consumo. Mas esta Idgica, longe de ser uniforme, diversifica-se consoante as culturas praticadas, os canais de escoamento da producao, as alternativas de substituicdio de culturas, as tecnologias utili zadas, para sé referir alguns dos factores mais significativos. Assim é que, por exemplo, a pequena agricultura mercantil de sequeiro do Alentejo, centrada nos cereais praganosos, diverge apreciavelmente da’ pequena producto leiteira do Centro Litoral. 184 Afonso de Barros ¢) Se atentarmos no interior do Pais, deparamos com vastas zonas sangradas pelo éxodo rural e cortadas do processo de industrializagao onde sobrevive uma populacao envelhecida acusta de pensdes de reforma e de uma agricultura pobre e em decadéncia, Recorta-se, assim, uma altima modalidade de pequena agricultura definida pelo seu cardcter residual. Sector ainda numeroso e fulero de subsisténcia de muitas das comu- nidades rurais, o seu progressive aniquilamento acompanha ¢ acelera o crescente atraso do interior face ao litoral, da socie- dade rural face a sociedade urbano-industrial Sublinhe-se, porém, que com o qualificativo residual se pretende mais evi- denciar a natureza problematica de reproducao destas explo- races agricolas do que propriamente afirmar a sua completa inviabilidade, O futuro que as espera depende, entre outros aspectos, da evolugao do fenémeno emigratério, onde 0 proble- ma do regresso comeca a mudar-lhe a configuracao, ¢, claro esi4, da evoluedio de politicas de reordenamento territorial e de recolocacao do papel e fungées da agricultura no processo de desenvolvimento. 8. CONCLUSAO Com esta esquematizada proposta de determinagio das modalidades fundamentais de pequena agricultura em Portus gal, encerro a tentativa de contribuir para 0 arranque de um debate colectivo sobre o tema. Seja-me permitido, ao terminar, fazer apelo & multiplicacao de pesquisas empiricas, sobretudo de incidéncia local e regional, que, aprofundando’a multipli- cidade de aspectos imanentes ao que constitui sector essencial da agricultura portuguesa, ampliem o reduzidissimo conheci- mento que existe acerca dos contornos, légicas de funciona- mento, dinamicas de transformacio, potencialidades e funcoes no desenvolvimento econémico e social da numerosa agricul- tura de pequena dimensao. S6 por esta via é, na verdade, pos sivel vir a dispor-se de dados informativos e de elementos ana- liticos susceptiveis de nos permitir ir alm da deficientissima ¢ insuficient{ssima informacdo proporcionada pelas estatisticas existentes e alcanear a compreensio profunda do movimento e destino da actividade agricola e da sociedade rural. Movimen- to que, como o proprio tema das modalidades indica, evolui segundo caminhos distintos; destino que ultrapassa 9 sorte dos pequenos agricultores e se prende irrecusavelmente com © concreto modelo futuro da sociedade portuguesa.

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