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Roberto DaMatta RELATIVIZANDO Uma introdugao & Antropologia Social sociedad, Ao passe que o antrop6logo socal rem o sistema so- cial (ota sociedade), e, observando-o e entendendo por mefo de entrevstas e conversas as mativagdes que o sustentam, es pera poder chegar aos seus valores eideologas. H, pos, entre (08 especalistas que nfo pereebem bem essa pecularidade da existincia humana uma tendéncla a reduzir 0 universo social cexclusivamente & cultura ou a sistemas de agbes observéveis. Assim, of arquedlogos (e 0s historiadores da sociedade e da cultura) eendem a enxergar tudo numa perspectva diacrnica, ‘como se & Sociedade ao fosse realmente bisica com suas de- rerminagées funcional-estututas. Jd os antropélogos socials, ‘que observam sistemas de agbes concretas de prticas viv das por um dado grupo num certo perfodo de tempo, rendem ‘a minimiear o papel dos objetos materais que o grupo cristae lien em sua trajtéria, objetos que conetetizam sua histria © (© modo pelo qual ele pode se perpetuar enquanto coetvida- de, Dat, como estamos vendo, a importéncia dos dois conce tos que, tudo indica, exprimem aspectos fundamentais da vida social das coletividades humanas e nos ajudam a perceber sua cespecificidade, 7. Digressdo: A fabula das trés ragas, ou ‘© problema do racismo a brasileira ‘Termin esta pare com uma digressio para revelar ao letor| ‘como a perspectva socioldgia encontra resistencias no cenério| social braileio, De fato, ela tem sido sistematicamente relegs «daa um plano secundiro, dado que slo as doutrinas determi- nists que sempre Ihe tomam a frente. Destas, vale destacar © nosso rcismo condo na “fabul das tes ragas” que, do final do século passado até o¢nosios dis, floresceu tanto no campo ent dito (das chamadas teria centifcas), quanto no campo popu lax Mas a nosso pendor para determinismos no se exgota nis, pols logo depois do “racismo” abracamos o determinismo dado plas teorias postvistas de Augusto Comte, teorias bisicas para muitos movimentossociais abragados por nossa elites, enquan- to que modemamente assstimos ao surgimento do marasmno ‘vulgar como a moldura pela qual se pode orientar muito da vida socal politica e cultural do pas. Estamos, pois, novamente as voles com um outro determinismo, agora fundado numa def nigdo abrangente do “econémico”e das “forgas produtivas’, © temos outra vez a possbilidade de totalizar © mundo e a vida social num tempo que nio é o da vontade e consciéneia dos agentes histéreos, mas em forgase energias que se nutrem em ‘outrasesferas,incontroladas pela vontade e desejos humanos. ‘Num certo sentido, retomamos a um comego, recusando a ds cussio aberta e generosa de nossa realidade enquanta um fet sociale histérco espeetic, [Nesta digress, pois, apresentoo caso do “racismo & bra- sileira” como prova desta difculdade de pensar socilmente ‘© Brasil e ainda como uma tentatva de expecular sobre as ra- ‘Bes que motivam as relagées profundas entre credos cientif- os suposcamente eruditos e dvorciados da realidede social ¢ as ideologiasvazadas na experinca conereta do dia. a dia. Ob- serv, entlo, nesta pare, como o nosto sistema hierarquizado estéplenamente de acordo com os determinismos que acabam por apresentar o todo como algo coneret,fornecendo um lugar para cada coisa e colocando, complementarmente, cada cosa em seu lugar Mas & preciso comecar do comego. Eo comego aqui € a perspectiva de senso comum reatva ‘mente & Antropologia. Tomando tal posiglo como ponto de pa ‘ida, assinalo minha conviegio segundo a qual é sempre menor do que supomos a famosa distinca que deve separa as torias erudite (ou cientifcas) da ideologia e valores difundidos pelo corpo social, ideias que, como sabemos, formam a que podemos sdenominar de “ideologia abrangente” porque esti dissemina- das por todas as camadas, permeando os seus espacos sociais. Por tudo isso, gostara de comecarrememorando uma experi. a social corviqueira para o profissional de Ancropologia (Quando alguém descobre que somos “antropéloges" ~ € os amigos, observ, dizem iso pronunciando a palavra como se cla fosse uma formula, posto que é na malora das vezes, desconhe- cide, supondo uma atvidade misteroes~ a primeira pergunta sempre drigda ao nosto trabalho com oso, cxnios,cimulos esqueletos fésseis. Outraindagagéo frequente pode igualmen- te surge no conjunto de perguntas sobre as “ragas formadoras do Bras", com todas aquelas indagagSes jé conhecidas desde ‘tempo da eseola primévia, mas que misteriosamente persi- tem no nosso cenério ideol6gic, perguntas que dzem respeltoa uma confirmagdo cientifica da “preguig do indio", “melancoia, do negro” e a “cupides” eéstupider do brancolusitano, degre- dado e degradado. Tas seriam ainda hoje os fatores responsé- vel, nesta visio tio ertinea quanto popular, pelo nosso atraso ‘conémico-scial, por nossa inigéneia cultural e da nossa ne- cxssdade de autortarsmo politico, fator coretvo basco neste _unlverso socal que, entreguea si mesmo, s6 poderla degenerar- se, Ouvindo tais opines tantas vezes, eu sempre me pergun- to se 0 racismo do famoso conde de Gobineau esté realmente A.resposta de que somos antrop6logos soias (ou cultura) que estamos interessados no estudo da vide socal dos gru os humans ou, como &0 meu caso, em indios de verdade, faz 0 interlocutor calarse ou entio provoca o entero do assnto como eomentirio de que 0 indios esto sendo destruidos e per- endo suas teras. Masa esa altura temos uma conversa si aproximando o leigo de certs problemas politics e econémi- ens atuals, questes das quas ele desea ardentementefugir 0 aque conduz i decepeio final de que o antropélogo socal é mais lum desses especaliscas em problemas contemporineos. Nio & aquele senhor grisalho e de roupas ciqui que com seus éculos finos e capacete de explorador, descobre esqueletos datados de trés mil anos ances de Cristo em algum lugar do mundo, ro- ‘vavelmente no Antigo Egit. Do mesmo modo, ele no é tam- bhém o sagaz contador de casos, capaz de alinhavarhisoretas de negros escraves, lendas de indios idealizados ou episddios histéricos de damas, duques e principes portugueses, na nossa sracioa Aula das tts raga. Disto tudo, fica a imagem do antropdlogo social como um redidor de crinios, um confirmador de tworas sobre as racas hhumanas ou um arquedlogo clssico, romanticamente perdido nas misteriosas discusses das erencasinicéticasepipcias, arena privilgiada onde se encontram todas as nossaserencas na reen- ‘arnagio, no Carma indiano enas cures mégicss. Tagos que se ligam 2s nossas mesas do alto espstismo kardecisea aos terrei- ros pocirentos de Umbanda e As teoras“cientifcas” da Prapsi- cologa, E tudo isso, como sabemos bem, faz parte do mundo ideoldgico brasileiro dominante, generalizado e abrangent, (Ou sea, nos nossos valores, o lugar do antropélogo 6 sem pre junto & Biologia (medindo eaveiras ou diseutindo ragas) fu com a Arqueologia Pré-Histirica, perdido na madrugada ‘dos tempos. Ora estamos na Histria do Brasil vst, a meu ver, pelo seu prisma mais reaionério: como uma “histéria de ra ‘98” e nfo de homens; ora estamos fora do mundo conhecido: ro Antigo Egito, na velha Grécia ou junto com os homens das ‘eavernas. Em todo 0 caso, observe novamente, sempre com © conhecimento social sendo reduzido a algo natural como “ra- «2s, "miscigenagio"e tragosbiologicamente dados de que tis “raga seriam portadoras. Na methor das ipéteses, estaiamos tratando da pré-histéria, ou sea: de um tempo situado antes do ‘mundo social, no seu limlar: Um tempo que marca justamente © ‘surgimento da sociedade, da cultura eda histria. Essa é, numa ‘penada, a pesico onde somos sempre colocados. © fato social (¢ideolégico) fundamental, que precisa set Aiseutido e denuneiado, ¢ que, na conseincia social brasileira, ‘oantropélogo surge na sua versio acabada de cientista natural ‘Como tl, tem suas unidades de estado bem determinadas: 50 asraras Eo fio que deve conduziro seu pensamento: 60 plano de evolugo destasragas. Tem também o dominio no qual se fazo drama brasileiro: é 0 modo pelo qual tals “ragas” entram em relaglo para erat um povo ambguo no seu carter, Nesta Visio de mundo e de ciéncia nada hd que os homens e os gru os aos quai pertengam possam realizar concretamente. Tudo € uma questio de “tempo bioldgico", nunca de tempo sociale historicamente determinado. Assim, o “rempo biol6gico" tem suas razBes que o tempo dos homens concretas ehistércos des- ‘onhece, de nada valendo qualquer rebelito contra ele, Como ‘um cientista natural desumanizado o antropélogo socal fica, nesta postura, preso e suelto ao estudo das coisas dads, Jax ‘mais daquilo que é realizado pelo homem em sociedade, Sua “estria", assim, sempre correo risco de ser ordenadamente pessimistae indistargadamente elitist, embora surja mascara ‘da em tantos livros como um grito de libertagdo. De fato, no 6 uma narrativa de possbilidades e altermativas, atiude que sempre faz nascer o otimicmo, mas de derrotasefechamentos, num universo onde a vontade eo espaco para a esperana sio muito reduzidos Mas nem sempre oantrop6logo surge na conseiénca popular ‘como cientsta natural preocupaco com medidas de osss e com Diologia do homem como espécie animal. Ele tambémn surge ‘como uma espécie de economist, produzindo um diseurse onde conceitosbésicos como “modo de produgéo",“sobre-rabalho", “unidade produtva” etc. slo relevance, num conjunto quase sempre mais preocupado com a forma do que com a substincia mesma destas relagdes que 0s conceltos implicam diretamente (Questéestais como: de que modo se desenvolve o capitalismo no Brasil; como se io concretamente as relagbes de produgto fe trabalho entre nés; como todo ext eifiia& percebido pelos ‘que nele esto envolvidos e multas outras so raramente real: sadas, Responder a essas questées seria fundamental para per- ceber auilo que Marx denominou de “éer” das relagBes sodas; ‘ou seja: os valores e as motivagbes que ~ como cultura e ideolo- sia~ emolduram e dio sentido as propriasrelagbes sociais e de produgio. Deste modo, quando deixamos de pereeber quando as idelaspassam a ser atoves em certas suagbes soci, sia porque atuam para desencadeara ago, se par impedir certas condutas, deixamos de penetrar no mundo social propriamen- te dito e, assim fazendo, corremos o isco de eair na postura teérico formal e, com ela, no plano abstrato das determinagbes. Sejam as de earéter bioldgico, sejam as de caréter econémico ‘que hoje tender a subsdeuir estas determinagBes mals anigas, omnecendo o quadro que permite encontrar novamente mato talidade abrangentee superior que tudo submetee explica, en- ‘quanto esconde as posibilidades de resgatar o humano dentro do socal, jé que ele jamais pode ser contido em “lis”, "emu: las, egras” ou determinagées, a menos que o jogo das frgas sociais assim o deseje. © ponto estas reflexses & fundamental ceterei que retomilo mais adiante, sob pena de ser acusado de superfcialdade ou ignordncia. Agora, parém, é preciso prosse: sguir na especulacio do sentido psicoldgico da nossa fébula das née ragas ede suas implicagbes para uma antropologia brasil que se deseja realmente libertadora ‘Tomemos esse plano como ponto focal de nossas indaga Bes. Essa fabula é importante porque, entre outas coisas, ela permite juntar as pontas do popular e do elaborado (ou erudl to), essas duas pontas de nossa cultura. Ela também permite specular, por outro lado, sobre as relagées entre ovivido (que 6 frequentemente o que chamamos de popular eo que nele etd contido)e o concebido (o erudito ox cientiico ~ aquilo que mpoe a distncia eas intermediagbes) impressionante também observar a profundidade hist lea desta fabula das tds raga. Que of ues elementos socials branco, nego e indigena~ tenham sido importantes entre née 6bvi0, consttuindo-e sua afrmativa ou descoberta quase que ‘uma banalidade empires claro que foram! Mas hi uma die- tlnca sgnificativa entre a presenca empitia dos elementos € seu uso como recursos ideoldgicos na construcéo da idenidade social, como foi o caso brasileiro. Mas, devo lembra,ndo foo «caso norte-americano, mexicano e de muitos outros paises da ‘América do Sule Central, onde sabemos bem.~ branco colonia dor, indo e negro formavam elementos visiveisempiricamente. “Mas em muitas outas sociedades, como, por exemplo, nos Es tados Unidos, orecorte social da realidade empiricamente dada folinteiramente diverso, com negroseindis sendosituados nos polos inferiores de uma espécie de linha social perpendicular, a ‘qual sempre situava os brancos acima. Naquele pais, como tem ‘demonstradosistematicamente muitos espeiaisas, nfo hé et cals entre elementos étnieos: ou voo® ¢ Indio ou negro ou N80 410 sistema nio admite gradagées que possam pr em riseo aqueles que temo pleno ditto igualdade. Em outras palavras, nos Estados Unidos no temos um “riingulo de rags” eme p rece sumamente importante considera como esse eitngulo fol ‘mantido como um dado fundamental na compreensio do Brasil pelos braileros. E mas, como essa trlangulagio étnica, pela ‘qual se arma geometrcamente a fibula das tésracas, tomou- se uma ideologia dominance, abrangente, capaz de permear a iso do povo, dos intelectual, dos poltcose dos académicos de esquerda ede dceta, uns e outros grtendo pela mesticagem € se utlizando do “branco”, do “negro” e do “Indio” como as unidades basicas através das quais se realiza a exploragio ou a redengio das masses, (0 que parece ter ocorido no caso brasileiro foi uma jungéo ideoldgica bsica entre um sistema hierarquizado real, concreto ehistoricamente dado e a sua lgitimacio ideoldgiea num plano muito profundo. Observe que as hierarquias soiais do “antigo regime”, isto ¢, 0 regime anterior & Revolugio Francesa eram ideologicamente fundadas nas leis de Deus e da lgreja. Era 0 faxo de Deus ter amado uma pirdmide social com os nobres lt em cima e com o Imperador eo Papa legtimando seus poderes no plano temporal e espirtual que respondia is questBes neste sistema. No caso brasileiro, a justicative fundada na Igre ‘num Catolicismo formalist, que chegou aqui com acolonizagio portuguesa foto que deu dirito&explorapio da terra ea escra ‘zag de indiose negros. No nosso caso, tal legitimagoestava fundada numa poderosajungio de interessesreligiosos, polit cos €comerciais, numa ligadura que era 20 mesmo tempo mo- 1, econémica, politics e social e que tendia a mexer-se como uma totalldade. Nao temos eompanhias paticulares explorando ‘terra com oolho apenas na atividade produtiva e com lis in- ‘ividualizadas, semiindependentes da Coroa, como aconteceu nos Estados Unidos. Mas, ao conttirio, era a Coroa portuguesa ‘que legitimada pela religto, pela politica e pelos seus interes- 2s eoondmicos, explorava soberanamente © nosso teriério ‘om sua gente, fauna e flora. 0 jogo politico estava submeido ‘a0 comercial mas até um certo ponto, pois no fundo era bisico ‘que o Rei ivesce todo o controle moral sobre ot empreendimen- tos colonias etal “controle moral” era © motor que impulsiona- va a consciénca da clonizagéo portugues, estando motivado pela religio e pela politica ivilizaéria Em outras palavras, as atividades comercsis logo dominavam o mundo colonial poreu- aguds e estavam por tris de sua arrancada colonizadora, mas 0 suport consciente deste empreendimento era a fé eo império. Era na religiio que Portugal encontrava a moldura através da ‘qual podiajustifcar 0 seu movimento expansionist ‘This favores, que podem ser lidos com o vagar que merecem 1a obra de Raymundo Faoro (1975) e de Vitorino Magathies Godinko (1971), entre outros, fortaleceram aqui o sistema vi gente em Portugal, realizando um perfeto transplant de Meo logias de clasificagio social, scniasjuridicas e adminstratvas dde modo a tomar a colénia exatamente igual em estuturs & ‘Merrépole. Deste modo, em que pese as especulagies sobre nos «2 formagio socal (ingida, como destjam os nosso ideslogos, pelo sangue negro e indigena),o fato socal riticoe sociaimen- te significaivo € que era Portugal quem nos dominava, abran aiae toxalizava. Em outs palavras, a Colénia brasileira nunca {ei um campo para experiénciassocais ou politicas inovadoras, ‘onde se pudessem implementarafundodiferenea radicais ein dividualidades. Muito pelo contrévio, apesar das diferencas re sionals, de clima, de desenvolvimento econdmico e experéncia, politics, todo 0 nosso territirio foi sempre fortemente centrali- ado e governado por meio de decretos ¢ leis univesalizantes, dlitadas na sede do Governo. Nosso modo de expressio como sociedade, como uma totalidade socalmentesignficativa edi- ferenciads, sempre foi por meio de leis altamente generalize rs, dentro do formalismo juridico que é a pedra de toque das sociedades hierarquizadas modernas. Em outras palavras,onos so sistema colonial estavafundado numa “hierarquia moderna”, sistema culos pés eram 0 comércio mundial, os bragos eram as leis e uma administagio colonial baseada numa larga experitn- cia mundial, o corpo era uma sociedade ideologieamente muito bem estruturada interamente, com seus “estados sociais",e 4 cabeca era Rel. Ali, valé a pena abrit um paréntesis para ‘mostrar como as hierarguas socias se davam em Portugl,so- bretudo porque temos uma imagem de Portugal como um pals Imagindro, arasedo, onde nio existe uma sociedade. Na rea- lidade, porém, a sociedade portuguesa & época da eolonizagto 4o Brasil é um todo social altamentehierarquizado, com muitas camadas ou “estadoe”socaisdiferenciados e complementares ‘Tio hierarquizada que até as formas nominais de tatamento, {sto 6, o modo de uma pessoa se dirgi a outra, estavam regu: Jadas em lei desde 1597 e foram reguladas novamente em let de 1739. Como nos diz Magalhées Godinho, ‘proibia-se ni sé dar o tratamento, como mesmo acelt-o, 3s pessoas a que nfo era devido". Ou sea, a igualdade est rigorosamenteproibida. E continua Godino: “o alvard de 29 de janeiro de 1739 reserva a Bxceléncia aos Grandes, tanto edesiésticos eomo secular, 20 Senado de Lisboa e 2s damas do Paco; a Senhora pertence 20s bispse cdnegos, aos viscondes ebarées, aos genti-homens de (cimara e moos fidalgos do Pago, abaixo, hi s6 direito a ssa Mere” (Godinho, 1971: 73). Tais formas de tratamento alta- mente reguladas do-nos uma ideia dos “estados"sociais de um corpo social altamente complexo, sociedade onde “as pessoas inscrevem-se imediatamente em categorias que as distinguem pelo nome, pela forma de tratamento, plo taj e pelas penas 22 que estio sueitas’ (ef Godinho, 1971: 74). E continua nos- s0 Autor, agora especficando as divsGes internas de Portugal: “na Crénica de D. Joo 1 enumeram-se quatro extados do rei no: prelados, idalgos,lerados, cidadis —abaixo dos cidados, ‘ou povo no sent pattico (homens bons), a grande mases, sem representagao em corte. O Rei, quando se dirge as cate sgorias socaisjuridieas, eserve por orem: juzes aficiis ( a categoria dos letrados), fidalgos,cavaleiros, escudeitos, ho- mens bons e, por derradeiro, 0 povo” (Goditho, 1971: 74.75). Do mesmo modo, hé uma ordem rigida de aparecimento nos rtuais ou cerimoniais, onde em primero lugar surgem of pre- lados (que emokduram e cotalizam a festividade legtimando a ‘ocasido perante a ordem Divina), depots os “grandes senhores Ge titulo” que sto seguidos de outros fdalgos que, por sua vex, antecedem os cidadfos e 0 povo em timo lugar A cada uma Aessas categoriassocais correspondem direitos e deveres bem smareados, inclusive direitos de teem punigéo diferencia para seus crimes. Nesta Sociedade, eujo modelo nos ¢ familia, nin- sguém é mesmo igual perante ale!” ‘Temos em Portugal uma sociedade complexa, ou melhor, ‘complicada, Sua economia ¢ mercanilistee porcanto moderna. [stava fundada mum mercado e em teocas comerciais. Mas toda cla eracontrolada porleis edecrets qu rigidamente impediam ue © "econdmico” se estabelecesse como atvidede dominant No itzer de Godinho, tinhamos em Portugal um Estado merean- til-com uma economia modema operando em escala mundial, "tert aae mesmo pon emboiprtinda de out dems cs an pana a exresto rai Meck ae om quem el endo Fm ‘nes Garza, mano«hy,R:Ros, 6 e197. Nee cone ‘le cdr qu Purp oa mo em tl da esa re ‘Ese mous como pov una tao de Gena rr or Wis Mar ‘ts ance monumental Hide pte basi. convince ‘et em pat“ eros pum, d Gear, porta pr Too 0 ‘ong ft por agra maura ent, argo sb eon en ‘ag dene Esoa quate rq Lbs mal coon eat Go que prunes Eines de oi." ( Maris, 19761 vl) ‘mas sem as suas instituigSesconcomitantes: uma burguesiaco- ‘mercial com individualidade einteresies prépris (Godino, 1971: 98), Aecontsiio, em Portugal havia um sistema onde im perava 6 mercantilismo, mas sem uma mentalidade burguess, {ato 6, sem ma classe comercial com ideissigualitéras, indivi _sualistas.esereditando no poder defnidor total. do.mercado ¢ do dinheizo. Temos, pos, uma sociedade singular neste Portugal ‘modern. Um sistema onde as hierarquias tradicionals sto man- ‘das, todo sempre prevalece (na forma da Coros, do Catolici- ‘mo, da lgejae do Rel) sobre as partes, e& 0 préprio Rei que 6 principal capitalist. Se o Rel no controla totalmente o comér- cio, ele ~ por outro lado ~ também nio deixa que 0 grupo que ‘tem nesta atividade sua principal meta desenvolva um plano de valores a ela adequado, Deste modo, o comerciante portgués em ver de operar numa classe socal horizontalizada, com forte consciéneia de sua indivdualidade (consciéncia de classe, no sentido elissco que Marx empresta a este termo) e interesses viedvs o Rei ea nobreza dona da tera ede outros priviégios ‘wadicionas, funciona como uma eategoria social. Como uma ex ‘mada complementar aos nobrese ao Rei, integrada nas hierar ‘quias sociais do sistem. Temos, pois, em Portugal c, diriamos, também no Bras), a figura impar do aristocrata-comerciante ‘01 fdalgo-burgués, personagem de um drama socal e politico ambiguo, cujo sistema de vida sempre esteve fundado nos ideais

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