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Nei Valente BRANDING SENSORIAL Uma introducgao 1° edicgéo Brasilia - DF Edigao do Autor julho de 2013 Branding Sensorial: uma introdugéo Nei Valente Edigao do Autor, 1* edigao, 2013 Projeto Griifico/Capa Nei Valente Revisio Paula Alves Monteiro Edmundo Brandao Dantas Bruno Borges Gallo Soares Valente, Nei Branding Sensorial: Uma Introdugdo / Nei Studart Correa Valente — Brasilia: Edigio do Autor, 2013. 252 p. ISBN 978-85-917046-1-3 1. Branding 2. Marketing Sensorial 3. Marketing 4. Identidade Corporativa 5. Gestdio de Marca 6, Comunicagao I. Nei Studart Correa Valente II. Titulo CDD 650 CDU 658.82 ©2013 por Nei Studart Correa Valente Agradecimentos Aos meus pais, Astrid e Walter, por terem me dado toda a estrutura de que precisei nos meus estudos até aqui e, mais importante, por terem me preparado para enfrentar as dificuldades da vida. Sao eles os grandes responsdveis pelos valores que tenho hoje. Aos meus irmaos, que foram fundamentais nos momentos dificeis e continuam me ajudando, cada um a sua maneira. Leon, que me mostrou os varios caminhos da profissao que escolhi, sendo um exemplo a ser seguido. Dudu, que me deu muitas vezes suporte emocional, conselhos maduros e me proporcionou uma base no tempo em que moramos juntos. Marcela e Marcelo, sendo grandes incentivadores, conselheiros e verdadeiros companheiros em projetos de vida. Pablo, sendo um exemplo de cidad&o a ser seguido, sempre me inspirando a ser uma pessoa melhor. Ao Fred Gallo, meu sécio na Kula BrandLab, que vem sendo coautor da minha carreira e grande amigo. Foi um grande incentivador deste projeto, colaborou com livros, opinides, discussdes empolgantes sobre o tema, além de uma grande ajuda na revisio. Certamente o projeto nao teria sido realizado por completo sem ele. A Laila, que, além de ajudar na revisdo, indicou autores fundamentais para o desenvolvimento do projeto. Ao Akira, Renan e Elias, que, por meio da Rodoferré, produtora audiovisual, abrem meus olhos para outras formas de se fazer comunicagao e sao, sem dtvida, responsdveis pelo meu interesse em tentar trilhar caminhos diferentes em minha carreira. Ao Lucas Sueco, grande amigo e colocatério. Foi paciente com minha bagunga e temperamento, além de ter me dado suporte na época mais intensa da elaboracao deste projeto. Aos Juanitos e amigos de curso, que fizeram o meu tempo na universidade ser muito mais do que um periodo de estudos. Por fim, aos professores da Universidade de Brasilia, que me passaram um pouco do vasto conhecimento que possuem. Em especial ao Edmundo, que, mesmo sabendo das dificuldades do meu trabalho, topou me orientar e se envolveu até o tiltimo momento. Agradego também ao Wagner Rizzo, por ter me dado varios conselhos ao longo dos wltimos anos na universidade, a Gabriela Freitas, que aceitou compor a banca e buscou ser flexivel para que o trabalho pudesse ser finalizado por completo. A Fernanda Martineli, que, apesar do pouco contato, se mostrou como um modelo a ser seguido pelo seu entusiasmo e paixdo pelo que faz, apresentando alguns dos pensamentos de grande importancia deste estudo. Sumario Prefacio Introdugio A marca O processo de significacaio Uma experiéncia multissensorial Visio Logos que mudam A forma do produto ou da embalagem Trago ou estilo Cor Movimento Vestuario Audigao Identidade Sonora Logo Sonora O Som do Produto Sonorizagao de ambientes Tato Percepgao tatil do produto e da embalagem O tato no mercado de alimentos A textura em materiais promocionais O peso e a percepgao do produto Temperatura como estratégia de Branding O significado da dor 14 21 37 63 77 82 86 93 98 103 130 139 142 144 148 162 169 170 172 173 176 Olfato O cheiro do produto Aromatizagio de ambientes Publicidade aromatica Paladar Associando uma marca a um sabor Misturando sabores no mercado de alimentos Publicidade comestivel Consideragées Finais Referéncias Sites Consultados 181 204 206 210 214 226 229 230 234 238 244 BRANDING SENSORIAL Prefacio — Vocé tem mesmo certeza de que quer fazer isso? Essa foi minha primeira reagéo quando o Nei me procurou querendo que eu o orientasse em seu projeto de graduacaio em Publicidade e Propaganda. Isso porque esse projeto consistia na elaboragao de um livro a respeito de um assunto ainda pouco explorado na drea do marketing e, portanto, extremamente ousado e dificil, especialmente para um aluno de graduacio: o Branding sensorial, ou seja, como os cinco sentidos poderiam ajudar na construg&o de marcas. Tentei fazé-lo desistir da ideia, de todas as maneiras, mas ele tinha todos os argumentos possiveis e imagindveis para me fazer crer que daria conta da empreitada. Foi impossivel nao aceitar, embora tenha imposto uma condi¢ao: “se o trabalho nao ficar bom, nao mando vocé para a banca”. Ele topou. A medida que o trabalho vinha sendo desenvolvido, pude perceber que Nei estava bastante seguro a respeito do que estava fazendo: leu compulsivamente, pesquisou, buscou informagées em diversas dreas da Ciéncia, consultou especialistas. Notei que seu material, a cada dia, tomava forma mais consistente, e que 0 contetido que ele produzia se consolidava mais e mais. Sua proposta de um livro que tratava de assunto tao complexo, mas de maneira simples e com linguagem dirigida especificamente para alunos de graduagao, comecava a dar sinais de que seria vidvel. E foi. O livro, portanto, est4 pronto e é a primeira incurso (e contribuigéo) desse jovem publicitério no (para 0) mundo intrincado da teoria de Branding, ainda tao pouco explorada em NEI VALENTE seu aspecto sensorial. Trata-se de um livro, como sempre frisou seu autor, muito simples, de leitura muito facil e acessivel, mas que aborda aspectos importantes para que seus colegas, os publicitarios de sua geragéo, bem como os especialistas em marketing de modo geral, descubram a associagaio dos cinco sentidos na construgao de marcas. Trata-se, portanto, de um livro inovador em sua simplicidade, mas que, seguramente, pode ser visto como o embriado para futuros estudos académicos nessa drea. O autor traz muitos exemplos, ousando enveredar-se pelos campos da Historia, da Mtisica, da Psicologia, da Antropologia, da Sociologia e da Cultura em geral para justificar certos pontos, mas sem aquela densidade que torna quase ilegiveis, ininteligiveis e prolixos os textos académicos. Some-se a isso, sua preocupagdo em sempre relacionar cada uma das dreas da Ciéncia ao foco de seu trabalho, que é o Branding sensorial. Sem contar que Nei vivenciou, em algumas viagens que fez por certas partes do mundo, experiéncias que também contribufram para 0 contetido e que relata quando trata dos assuntos que aborda no livro. Esses meninos séo mesmo muito ousados. Mas, quando querem, dao conta do recado. Acho que meu orientando deu. Espero que leiam, gostem e se sintam provocados para aprofundarem as pesquisas a respeito do tema que o Nei, tao obstinadamente, abragou. Edmundo Brando Dantas Professor da Faculdade de Comunicagao da Universidade de Brasilia - Departamento de Audiovisuais e Publicidade BRANDING SENSORIAL Introdugao O desenvolvimento tecnolégico atual permitiu 0 acesso a uma quantidade de informagao nunca antes experimentada. Por meio de matérias de jornais, revistas, videos de internet, redes sociais, livros, cinema, outdoors e programas de televisio, é possivel receber uma carga humanamente impossivel de ser completamente absorvida, que fazem que a mente desenvolva alguns filtros. Grande parte dessa informagio é fornecida em uma esfera visual ou, em alguns casos, sonora. O desenvolvimento das tecnologias permitiu que a informacado fosse muito mais acumulada nesses dois sentidos que em qualquer outro. Consequentemente, também os sistemas de branding se desenvolveram mais em ambito visual. Nas grades das faculdades de comunicagio, administragio e design ainda € raro encontrar aulas destinadas a outros sentidos, que busquem a construgao da identidade de uma marca. Em boa parte dos livros utilizados neste estudo e na propria legislag&o brasileira, a marca ainda é limitada a um sinal grafico, comumente chamado de logo. Mesmo no caso de autores mais modernos, que enxergam a marca nao como uma logo, mas como uma grande rede de associagdes, a expressividade dessas associacées ainda esta muito ligada a visio. NEI VALENTE Mas nao € apenas por meio da visio que o mundo é compreendido. O ser humano interpreta 0 ambiente usando estimulos visuais, sonoros, olfativos, gustativos e tateis, sendo que cada sentido expressa a realidade de acordo com a sua natureza. Em qualquer um dos sentidos, os estimulos podem vir carregados de uma alta gama de significados, mesmo que nem sempre de maneiras racionais. Apesar disso, a negligéncia com a percepgio sensorial em uma perspectiva mais holistica persiste, principalmente no que tange ao mundo das marcas. Foi justamente essa negligéncia que motivou o direcionamento dos esforgos deste trabalho aos cinco sentidos. Excelentes trabalhos como o de Martin Lindstrom colocaram, mais do que nunca, o branding sensorial em evidéncia na Ultima década, mas muito ainda hd para ser feito. Diferentemente da visdo, os outros sentidos ainda contam com pouquissimos profissionais que dedicam suas atividades a construgdo de marcas, assim como pouquissimas empresas oferecem um espago para esse tipo de profissional. Sendo os outros sentidos ainda téo pouco ligados a marcas, foi preciso neste trabalho pesquisar além das prateleiras de comunicagao, design e administragao. A partir de estudos da semiética, antropologia e psicologia, foi construida uma base te6rica para a compreensao inicial de signos fora da esfera visual, que depois puderam ser transpostos para alguns elementos eficientes na construgao da rede de significados de uma marca. Importante dizer que este trabalho nao busca apresentar definigdes concretas ou categorizagdes engessadas relacionadas 10 BRANDING SENSORIAL ao assunto. Busca, na verdade, ser apenas mais um passo na construgao de um caminho ainda tio obscuro e confuso. Busca uma organizagao de pensamentos sobre 0 assunto, que convide o leitor a também fazer parte da construgdo desse caminho. Com essa finalidade, foi feita a opgao por uma divisio em introdugao, consideragées finais e mais oito capitulos, sendo que os trés primeiros constroem uma base comum a todos os sentidos, e os cinco tltimos tratam de cada sentido de maneira individualizada, para que algumas especificidades de cada um pudessem ser contempladas. O primeiro capitulo aborda o conceito de marca utilizado no decorrer do trabalho. Explica a forte ligag&o das marcas com 0 visual, que tem relagdo com o proprio nascimento das marcas em tempos antigos. A intengiio é ligar marcas nado somente a um sinal gréfico, mas a uma rede de associagées, que pode ser significada a partir de estimulos de qualquer natureza. O segundo capitulo aborda os processos de significacéo pelo ser humano. Tenta mostrar aos leitores o significado que as marcas podem ter e como elas podem recebé-lo, a partir do modelo de transferéncia de significado de Grant McCracken, que se apresenta como de grande utilidade para se entender que um mundo cultural pode significar os bens, assim como os bens podem significar os individuos. O significado, para 0 autor, nao é estatico e esté em movimento constante. O conceito parece importantissimo para que se justifique a apresentagdo dos sentidos em varias culturas e para que se entenda como diferentes culturas podem significar estimulos de maneiras diferentes. Clifford Geertz enxerga a cultura como uma rede de significados, © que indica que culturas diferentes tém rede de significados "1 NEI VALENTE diferentes. E também no segundo capitulo que se mostra uma visio simplificada da linguistica de Saussure e da semiologia de Barthes, que tem nomenclaturas utilizadas no decorrer de todo o trabalho. O terceiro capitulo mostra quais as vantagens de se utilizarem os estimulos em conjunto e o que justifica a construgaio de modelos de branding que extrapolem o visual, além de abordar alguns aspectos da percep¢do humana de maneira geral. A partir da base construida pelos trés primeiros capitulos, foi possivel seguir para a abordagem individual de cada um dos sentidos, procurando, na medida do possivel, contemplar o funcionamento fisiolégico, psicolégico e social de cada um deles. Pelo seu papel predominante na percepg4o humana e nos conhecimentos de marca vistos até entéo, a visio é o primeiro sentido a ser abordado. Sabe-se que, mesmo em conjunto com outros sentidos, a visio apresenta grande influéncia na percep¢aio do contexto geral. A intengdo é, porém, desconstruir a associagao do papel da visio a somente uma logo, apresentando outros sistemas possiveis. A audigao, como o segundo sentido mais utilizado nas estratégias de branding atuais, é também desconstrufda. A propria musica, com papel tdéo importante na sociedade ocidental, é contraposta a experiéncias de outras culturas que fazem repensar concepgées do dmbito sonoro que muitas vezes sao tidas como inatas. Evidenciado como o sentido que mais conota a proximidade e intimidade, 0 tato se apresenta como de grande utilidade nas estratégias de branding. Além de gerar uma BRANDING SENSORIAL proximidade tnica entre marca e consumidor, tem grande influéncia na percepgio da qualidade de um produto pelo consumidor. O olfato aparece como uma grande ponte entre o mundo e as emogées. A comparacio de experiéncias olfativas ocidentais com a de outras culturas faz que se perceba a grande negligéncia com que 0 olfato tem sido tratado ao longo da histéria recente da cultura ocidental. Ao longo do capitulo, alguns cases interessantes ajudam a materializar algumas possibilidades de significagao para aromas. Por fim, o paladar é apresentado a partir de seu funcionamento fisiol6gico e da hist6ria da alimentagdo, intrinsecamente ligada a hist6ria da humanidade. NEI VALENTE A marca Fora do contexto do marketing, € comum o uso da palavra marca em referéncia a um sinal que distingue uma coisa de outra. Uma pagina especifica de um livro pode ser marcada para que se possa distingui-la das demais, assim como se utiliza o marca-texto para dar destaque a um trecho importante de um texto. Porém, a palavra nao é usada apenas em referéncia a sinais visuais. Thriller, de Michael Jackson, foi uma musica que marcou €poca. O perfume Chanel N°5 tem um cheiro marcante. O primeiro beijo de uma pessoa deixa marcas. Aromas, momentos, sons, sinais visuais, texturas, pessoas, sabores ou qualquer outro tipo de estimulo podem ser marcantes e, para isso, basta que possuam caracteristicas que os tornem diferentes de outros. No mundo das empresas, € comum que uma marca seja associada a um sinal grafico. Esse é 0 caso da definigaéo do termo pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi), érgaio responsdvel pelo registro de marcas no Brasil. Para o INPI (2013), “marca € todo sinal distintivo, visualmente perceptivel, que identifica e distingue produtos e servigos, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificagées técnicas”’. Para deixar a definicdo ainda mais fechada, o Inpi diz em seu site que “a lei marcéria " Disponivel em: . Acesso em: 30/6/2013, as 23h. 14 BRANDING SENSORIAL brasileira nao protege os sinais sonoros, gustativos e olfativos”. De acordo com a legislagdo brasileira, as marcas, entéo, podem se apresentar de quatro formas: nominativa, que diz respeito a sinal constituido por palavras, combinacées de letras e/ou algarismos; figurativa, que tem sinal constituido por desenho, imagem ou “forma fantasiosa em geral”; mista, que mistura elementos das marcas nominativas e figurativas; e tridimensional, quando o sinal se baseia em uma “forma plastica distintiva e necessariamente incomum do produto”. Mas nao € sé o Inpi que tem uma visio restrita do termo. Mesmo com a grande evolugao das marcas nos tltimos anos, nao € raro que estiidios de design e departamentos de marketing definam marca como um simbolo grafico, ou, quando muito, sistemas visuais. Talvez por nao enxergarem a marca em toda sua esfera, deem tanta importéncia a manuais de identidade visual em detrimento de outros fatores tio ou mais importantes para a construgao de um significado na cabega do publico de interesse. O grande foco no visual é completamente compreensivel quando se analisa a hist6ria das marcas. No livro Marks of Excellence, Per Mollerup (1998 apud RODRIGUES, 2011) mostra que, em tempos antigos, sinais eram usados para identificar: quem é ou quem disse algo; quem possui algo; e quem fez algo. No Egito Antigo, por exemplo, tijolos eram marcados com sinais para que se facilitasse a identificagéo. J. B. Pinho (1996) afirma que, na Roma Antiga, por grande parte da populagio ser analfabeta, comerciantes identificavam a si e suas mercadorias com pinturas. A figura da pata traseira de um boi era usada para identificar agougues, enquanto lati: reconhecidos pela figura de uma vaca. NEI VALENTE Durante a Idade Média na Europa, mercadores e artesios passaram a marcar produtos como forma de controlar a qualidade e quantidade da produgdo. Por volta do século XI, os centros comerci: de fabric: enfraquecendo a relagdo entre consumo e produgao. Pinho afirma que as marcas foram de grande utilidade para que o consumidor pudesse ter uma relativa garantia de qualidade e que o vinculo com o produtor fosse mantido. is ficaram mais distantes dos locai As marcas continuaram evoluindo e sendo usadas, cada vez mais, como elementos de diferenciagdo e nao apenas de identificagaéo. Em 1862, a cerveja Guiness utilizava pela primeira vez 0 rétulo contendo sua famosa harpa’. A harpa seria entdo registrada em 1876, o que faz que seja uma das mais antigas marcas de comércio. Foi também em 1862 que se passou o pertinente caso narrado por Mark Batey em O Significado da Marca (2010). Naquele ano, Dofia Amalia Lucia Victoria Moreau visitou a pequena destilaria comprada por seu marido, Dom Facundo, em Santiago de Cuba. Nas armagées do teto habitavam morcegos, que, para os nativos do pais, possufam grande significado. Segundo a crenga dos tainos, povo pré-colombiano que habitava 0 local, os morcegos traziam boa sorte, satide e unidade familiar. Além de conhecer a crenga local, Dofia Amalia sabia que os indices de analfabetismo eram altos naquela época e sugeriu que © marido utilizasse 0 morcego como um sinal gréfico para facilitar a identificagao da bebida pelo seu ptiblico, assim como fizeram os romanos. A diferenga, porém, é que nao se tratava de ? Disponivel em: . Acesso em: 20/6/2013, as 16h. 16 BRANDING SENSORIAL um sinal grafico genérico e usado apenas como forma de comunicar 0 contetido da garrafa, mas sim um simbolo de crengas que carregava uma ampla gama de significados, que foram associados ao produto. Assim nasceu a marca do rum Bacardi, que, apesar de ter tido seu conceito traduzido em um sinal visual, jd representava muito mais que a definigaio de marca dada pelo Inpi. Apesar de sua origem grdfica, a marca evoluiu nos Ultimos anos para sistemas bem mais complexos que os seus usos originais, como aponta Batey (2010). O autor apresenta diversas definigdes de marca a partir de diferentes pontos de vista, mas, em todas elas, passa por dois pontos que considera fundamental para um maior entendimento. O primeiro é que a marca existe na cabega dos consumidores. O que existe nas prateleiras de varejo é 0 produto. O segundo ponto é que um consumidor compra um produto pelo que ele faz, mas escolhe uma marca pelo que ela significa. A empresa pode, sim, criar um plano para uma marca, mas é na mente do consumidor que ela ganhard significado. Para a empresa, € uma promessa, enquanto, do ponto de vista do consumidor, a marca é “uma série de associagGes, percepgdes e expectativas que existem em sua cabeca” (BATEY, 2010, p. 28), e essas associagées sio criadas a partir das experiéncias do consumidor com ela. Por possuirem uma rede de associagdes, as marcas adquirem um significado muito além das funcionalidades do produto. Isso possibilita que uma moto Harley Davidson seja associada a liberdade; ou a Kopenhagen, 8 sofisticagaio e nao apenas ao chocolate. McCracken (2010) afirma que o consumidor de hoje faz suas escolhas pelos seus significados simbélicos e nio NEI VALENTE apenas pelos ganhos utilitarios. Isso faz que as marcas sejam nao sé um modo de identificar um produto, mas também um importante ativo das empresas. Para mostrar o valor comercial que as marcas podem ter, Batey (2010) conta o caso da montadora de carros de luxo Jaguar. Quando a Ford comprou a empresa, apenas 16% do valor do negécio era referente aos ativos fisicos, ou seja, deduz-se que a maior parte do valor total era composto pela marca. Sendo a marca um bem tao valioso, logo se criou a necessidade de um sistema de avaliagdo que pudesse estimar 0 seu valor. Um dos sistemas de avaliagao mais famosos hoje é o da consultoria de marcas Interbrand, que langa anualmente o ranking das marcas mais valiosas do mundo. Explicando de maneira simplificada, a Interbrand analisa: os resultados financeiros da empresa que podem ser atribuidos 4 marca; o papel da marca na escolha do consumidor; e a pontuagao de forga da marca, que é a capacidade que uma marca tem de manter demanda e ganhos a longo prazo. Para se chegar 4 pontuagao de forga da marca, foram definidos dez fatores, dos quais quatro sao fatores internos a empresa e seis so externos. Os fatores internos dizem respeito 4 relacéio da empresa com si prépria e sio divididos em: clareza, sobre 0 que a empresa representa; compromisso interno com a marca; protegio, em dimensdes, como protegao legal, ingredientes, escala ou expansdo geogrdafica; e capacidade de resposta a mudancas, desafios e oportunidades de mercado. Os seis fatores externos, medidos a partir da relagdo da empresa com o ptiblico, so: autenticidade, no sentido de ser baseada em uma verdade; relevancia para satisfazer necessidades e desejos dos clientes; diferenciagio; consisténcia nos pontos de contato; presenga; e entendimento das suas qualidades e caracteristicas 18 BRANDING SENSORIAL pelo ptiblico. O sistema de avaliagaio da Interbrand é sé um entre muitos e, mesmo que o simbolismo da marca e suas associagdes estejam inseridos na maioria desses fatores, 0 que acontece é a tentativa de racionalizagdo de atributos que varias vezes sio emocionais. Ainda assim, 0 modelo apresenta uma maneira de se medir algo tao dificil, servindo para ajudar a enxergar a marca como um importante ativo da empresa e para indicar alguns fatores que podem fazer uma marca mais valiosa e, por consequéncia, mais lucrativa para as empresas, que € um dos objetivos finais do branding. Tybout e Calkins (2006, p. 42) definem branding como uma “combinagio holistica de intengdes de profissionais de marketing, interpretagdes de consumidores e numerosas associagGes de redes socioculturais”. Branding nao se limita a publicidade, ao design ou a um plano de marketing. E uma unido de disciplinas que busca trabalhar a marca em seu mais amplo significado. E a busca pela criagdo da rede de associages e percepgées por parte do consumidor e de todo o ptiblico de interesse. E, cada vez mais, 0 uso dos cinco sentidos aparece como uma solugao para trabalhar a marca com maior amplitude. David Ogilvy (apud BATEY, 2010) dizia que “todo anincio € um investimento na imagem da marca”, agora, é€ possivel dizer que todo estimulo é um investimento na imagem da marca. Batey define imagem da marca como uma “descrigio das associagGes, crencas e sensagdes que os consumidores tém a respeito de certa marca” (BATEY, 2010, p. 19). Apesar de o termo ter uma origem claramente visual, é importante ressaltar que abrange todos os sentidos humanos. Por razGes didaticas, 0 NEI VALENTE termo imagem da marca ser4 mantido. E é tomando essa imagem como ponto central, buscando crid-la, gerenci4-la e fortalecé-la, que os pr6ximos capitulos serdio desenvolvidos. 20 BRANDING SENSORIAL O processo de significagao Para que seja possivel entender como os estimulos sensoriais podem ajudar na construgao ou manutenciio da imagem de uma marca, € preciso entender como se dé o processo de significagéo do mundo pelo ser humano. Importante notar que a utilizagao do termo “ser humano”, no lugar de consumidor, nao é por acaso. O antropélogo Grant McCracken (1990 apud BATEY, 2010) aponta que os modelos tradicionais de comportamento do consumidor sugerem que este seja o que chama de homo economicus, que guia o seu agir apenas por motivagées econémicas. Porém, os beneficios econédmicos e os ganhos utilitérios nao so suficientes para explicar 0 comportamento do consumidor atual, que, como bem lembra o préprio McCracken, fazem suas escolhas também pelos significados simbélicos. O comportamento do que se chama de consumidor, nao é, em esséncia, diferente do comportamento humano. E se Arjun Appadurai (2008) dizia que a mercadoria nao é um tipo de coisa, mas sim uma fase na vida de algumas coisas, pode-se dizer que 0 consumidor nao é um tipo de individuo, mas apenas uma fase na vida deste. Nido se buscam mercadorias em seu limitado sentido utilitério, assim como 0 consumidor nfo se comporta de acordo com modelos que o enquadram como um _ individuo extremamente racional focado apenas nos valores e beneficios econdmicos de bens de consumo e servicos. O processo de percepco do mundo pelas pessoas nao difere do processo de 21 NEI VALENTE percepgao dos consumidores. Portanto, se “nossos érgaos sensoriais, ou seja, nossos cinco sentidos, sio meios através dos quais se estabelece a ponte entre 0 que est no mundo Ié fora, e 0 mundo, que na falta de um nome melhor, chamamos de mundo interior” (SANTAELLA, Liicia, 1998, p. 22) e é assim que se entende a natureza, as pessoas e a arte, também é por meio dos cinco sentidos que as marcas serao entendidas. Outro ponto que merece atengdo € 0 fato de as marcas estarem na cabeca do consumidor. As empresas podem criar sistemas de identidade visual, sonora, olfativa, gustativa e tatil, mas, até que estes sistemas entrem em contato com o consumidor, nao possuem significado algum (HOLT, 2004). O significado é incluido nesses sistemas a partir do momento em que comparamos, mesmo que inconscientemente, as informagGes sensoriais, emocionais e cognitivas com as experiéncias passadas armazenadas em nosso cérebro. Se a marca é, como mencionado no primeiro capitulo, um conjunto de associagdes, percepgdes e expectativas (BATEY, 2010), ela s6 pode existir na cabega dos consumidores. E assim que so interpretadas as marcas e é assim que é interpretado todo o mundo. O cérebro de cada individuo é diferente por conta das experiéncias acumuladas. O mundo de cada individuo é diferente por conta dos cérebros diferentes. Embora o mundo seja real, nossa percepgao da realidade é apenas uma representagiéo. A percepgao é sempre subjetiva e “toda percepgiio adiciona algo ao percebido” (SANTAELLA, 1998, p. 22). Carl Gustav Jung (2008, p. 47) também reforga a subjetividade da percepgaio humana. Cada palavra tem um sentido ligeiramente diferente para cada pessoa, mesmo para os de um mesmo nivel cultural. O motivo dessas variagdes € que uma nogio 22 BRANDING SENSORIAL geral é recebida num contexto individual, particular e, portanto, também compreendida e aplicada de um modo individual, particular. As diferengas de sentido sdo naturalmente maiores quando as pessoas tém experiéncias sociais, politicas, _religiosas._ ou psicolégicas de niveis diferentes. (JUNG, 2008, p. 47) Em Proust foi um neurocientista, Jonah Lehrer (2010) mostra a relagdo entre neurociéncia e arte e como, em alguns momentos, a arte antecipou os conhecimentos cientificos. Esse é © caso de Paul Cézanne, pintor pés-impressionista francés que viveu entre 1839 e 1906. A psicologia de seu tempo ainda enxergava os sentidos como meios de refletir perfeitamente o mundo exterior, mas Cézanne jd expressava em seu trabalho a subjetividade da visio. Em pinturas sem linhas delimitadoras e com pinceladas marcadas, deixava ao observador a fungdo de completé-las em sua mente. Acreditava que o olho no era o suficiente para a visio e que a captacdo de luz era apenas o primeiro passo. Para o processo ficar completo, seria necessdria uma interpretacéio do observador. Cézanne queria dar ao cérebro apenas 0 necessdrio para que a imagem fosse interpretada e, com o passar do tempo, deixava cada vez mais espagos sem tinta em suas telas, 0 que chamava de non finito. As obras estavam cada vez mais inacabadas, a espera de um observador que completasse seus espagos em branco. Lehrer também conta a hist6ria de Dr. P., um paciente do famoso neurologista Oliver Sacks, que, por causa de uma leso no cértex, néo recebia em seus olhos quantidade necessdria de informagio do cérebro. Dr. P via o mundo como uma pintura de Cézanne, com borrdes de luz e formas pouco definidas. Assim seria percebido o mundo exterior se nao fosse uma interpretagdo do cérebro humano. 23 NEI VALENTE No inicio do século 20, os psicdlogos da Gestalt, que quer dizer, em alemao, dar forma, moldar, comegaram a apresentar estudos que mostravam que Cézanne estava certo. Descobriram que, de fato, muito do mundo que se enxerga como real vem de dentro, e nao de fora como se pensava. A imagem, para os psicélogos da Gestalt, € formada por forgas internas e externas. “As forgas externas sendo os agentes luminosos bombardeando a retina e as forgas internas constituindo a tendéncia de organizar, de estruturar, da melhor forma possivel, esses estimulos exteriores” (GOMES FILHO, 2009, pg. 25). Para os Gestaltistas, 0 todo € maior e diferente do individual e percebe-se o todo no lugar de partes isoladas justamente por essas forgas internas. E por causa dessas maneiras de organizar os estimulos que se consegue enxergar um filme como uma representacdo de movimento continuo e nado como varias imagens separadas. Apesar de ser varias vezes ligada ao processo visual, a Gestalt apresenta principios para varios aspectos de nossa percepgao. E também por causa da prioridade ao todo, que uma sequéncia de sons organizados € percebida como miisica e nao como uma porgio de notas isoladas (JOURDAIN, 1998). A Gestalt mostra que, na percepcao de algo, as criagdes da mente so unificadas aos estimulos exteriores, as forgas exteriores e internas, sem muitas vezes fazer distingdes entre os dois. Os mesmos neurénios, por exemplo, respondem ao se ver ou ao simplesmente se imaginar uma paisagem (LEHRER, 2010). Philip Kotler e Kevin Lane Keller (2006) afirmam que, para o marketing, a percepgio do consumidor tem mais importancia do que a realidade em si, j4 que € a percepgao que 24 BRANDING SENSORIAL influencia seu comportamento. Mostram, ainda, que as pessoas podem ter percepgées diversas do mesmo objeto por causa de trés, processos: atengio seletiva, distorgao seletiva e retengdo seletiva. A atengio seletiva diz respeito ao processo de filtragem do excesso de estimulos que sao recebidos. Nao é possivel dar atencdo a tudo e uma selegao é feita de acordo com alguns critérios. E mais provavel, por exemplo, que se dé mais atengao a estimulos ligados a uma necessidade atual do consumidor. Uma pessoa que pretende comprar um carro estar4 mais ligada aos aniincios de carros. H4 também uma tendéncia a percepciio de estimulos que se desviem mais dos estimulos padrées. A distorgéo seletiva se refere a tendéncia de transformar informagées em significados pessoais, de distorcer a realidade de acordo com o nosso pré-conhecimento do mundo. Por fim, a retengao seletiva relaciona-se com o modo como se retém algumas informagdes e se esquece de outras. Lembra-se mais facilmente dos pontos positivos de um produto preferido do que os pontos positivos de um produto concorrente. E para a Mensagem nao ser esquecida que os profissionais de marketing trabalham com a repeticaio e inovacdo em sua comunicaciio. Entio, € fundamental que qualquer profissional de branding entenda que o mundo é€ construido na mente dos consumidores a partir do que é chamado de forgas internas. S6 assim compreende-se que o valor nao é uma propriedade inerente aos objetos, mas sim um julgamento feito por sujeitos (SIMMEL, 1907 apud APPADURAI, 2008). Por mais que se possam propor valor e significados para nosso produto, no fim das contas, 0 consumidor o define a partir de sua propria percepgdo. E fundamental, entdo, que se conhega a rede de associagdes do publico de interesse, pois, se a interpretagao é feita a partir do que 25 NEI VALENTE jd existe em sua mente, as marcas precisam emitir estimulos que o facam sentido e saber que sentido é esse. Mas, se 0 processo de percepcao e significacdo € tao subjetivo e acontece na mente de cada individuo, como se podem atingir grupos soci conseguir ao menos se comunicar? is? Como Apesar de as experiéncias individuais influenciarem muito 0 processo de percepgao, existem redes de significados compartilhadas entre os individuos. O antropélogo americano Clifford Geertz (2008) enxergava a cultura a partir de uma perspectiva semitica, definindo-a como uma teia de significados na qual um grupo est4 inserido. E essa teia de significados compartilhados que permite o mituo entendimento e que explica como algumas coisas possuem significados diferentes em outras culturas. Se a cultura é mudada, muda-se a teia. Um gesto especifico pode ser interpretado como cortés no Brasil, mas extremamente rude em tribos da Papua-Nova Guiné, assim como uma marca que se utiliza do odor de uma fruta que existe apenas na Bahia pode transmitir seu conceito localmente, mas possuir um significado totalmente diferente em outros lugares do mundo. E por causa da cultura, entdo, que habitos, gestos, miusicas e, é€ claro, marcas, servem como formas de comunicacio entre individuos. Com 0 avango das tecnologias de comunicagio e transporte, vé-se uma grande expansao das teias de significado, ja que, por causa de um mundo globalizado, as culturas convergem em varios pontos. Uma marca pode, entio, possuir significados semelhantes, mas nao necessariamente iguais, em varias culturas. E importante também lembrar que os significados nao estio engessados. Mesmo dentro de uma mesma cultura, objetos podem apresentar significados variados quando se muda 0 contexto. Para cada objeto, existe um grau diferente do que Robert E. Kleine e 26 BRANDING SENSORIAL Jerome B. Kernan (1988) chamaram de sensibilidade contextual. Um ovo, por exemplo, tem um_ significado diferente durante a Pascoa. Sidney J. Levy leva em conta o lado social e individual para a atribuigdo do significado de marcas: “Considera-se que as coisas que as pessoas compram tenham um significado pessoal e social, além de suas fungdes. Ignorar ou menosprezar o simbolismo dos bens de consumo nfo interfere na importancia desse fato" (LEVY, 1959, p. 117 apud BATEY, 2010). Por causa de seu significado simbdlico, 0 consumo se apresenta como importante forma de autodefinig&o e uma ponte de comunicagaio entre os individuos (BATEY, 2010). Quando se usa uma sacola ecolégica de supermercado ou se dirige uma BMW, gera-se, de certa forma, uma categorizaciio e uma construgio de uma identidade que ser também percebida pelos outros. Além de ajudar nas tarefas de autodefinigfo e autocategorizagio, o consumo também é€ Util para o processo chamado de autocompleigao simbélica (WICKLUND; GOLLWITZER, 1982 apud BATEY, 2010), em que individuos, ao perceberem nao possuir algumas caracteristicas, tentam preencher a lacuna usando simbolos materiais. Batey vé como perigoso 0 processo de autocompleigéio por meio do consumo, a medida que individuos buscam construir sua identidade completamente por meio dos bens. Mesmo que estes possam ser de grande utilidade para a autodefinig4o, séo apenas uma fonte, ndo sendo mais importantes do que as relagGes entre pessoas. McCracken (2010) propde, com o seu modelo de transferéncia de significado, que o significado pode estar em trés lugares diferentes: o mundo culturalmente construfdo, os bens de 27 NEI VALENTE consumo e o consumidor individual. Porém, o significado nao é estdtico em nenhuma dessas esferas e pode se mover entre as trés. Define entio, de maneira simplificada, duas fases de transferéncia: uma do mundo culturalmente constituido para os bens de consumo e outra dos bens de consumo para o consumidor individual. A sociedade significa 0 bem e o bem significa o individuo. Importante lembrar que, muito do processo de significago se dé pela comparagdo com experiéncias pessoais, fazendo que o processo de transferéncia nao seja entéo de mao linica. O individuo possui também a capacidade de significar os bens, mas 0 modelo de McCracken dé uma boa diregéio de como criar associag6es para uma marca a partir da cultura, que Geertz, como ja dito, definira como uma teia de significados compartilhados. Antincios de revista e comerciais de TV so maneiras de se realizar a transferéncia do mundo culturalmente construido para os bens. Utilizam-se, na publicidade, objetos e situagdes que possuem os mesmos significados que o anunciante deseja transferir para o produto. Se o ptiblico-alvo consegue decodificar 0s significados, o processo de transferéncia do mundo para o bem est4 completo (BATEY, 2010). Se a percepgdo de mundo se dé por meio dos cinco sentidos, o processo de transferéncia também pode ocorrer por meio de estratégias de branding focadas em estimulos sensoriais. Um cheiro na embalagem, uma musica no ponto de venda e uma sensagio tatil no produto, também seraio capazes de evocar significados e realizar o processo de transferéncia. Sobre a outra fase de transferéncia, Batey (2010, p. 180)expde que “o significado € transferido do bem de consumo 28 BRANDING SENSORIAL para o individuo por meio do consumo direto, do uso e pelo processo de ritual pessoal e interagio social”. Rituais se apresentam no contexto como padrdes de comportamento que permitem que o individuo afirme, atribua, evoque ou reja significados do bem. Troca de presentes e customizacio do objeto, sao exemplos de rituais que ressignificam os bens, j4 que, ao trocar presentes, os envolvidos transferem um pouco de si para o outro e ao customizarem, transferem um pouco de si para o bem (McCRACKEN, 2010). De maneira simplificada, é ao se usar, por exemplo, uma camisa com um sinal gréfico de uma marca que jd tenha passado pela fase de transferéncia do mundo culturalmente construido para ela, que se realiza a transferéncia do bem ou, no caso, da marca, para o individuo. Se as marcas possuem significado, o seu significado € transferido para os individuos, 4 medida que estes entram em contato com elas. Para que se possa entender o processo de significagao, também € essencial que se passe por alguns conceitos da semiética. Semidtica tem origem na palavra grega semeion, que quer dizer signo. Pode-se dizer que semidtica é a ciéncia dos signos, a ciéncia, de modo mais simples, de todas as linguagens. Diferentemente da linguistica, a semidtica nao é limitada a linguagem verbal, j4 que para seus estudiosos “também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens, grdficos, sinais, setas, nimeros, luzes...Através de objetos, sons musicais, gestos, expressées, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar” (SANTAELLA, 2007, p. 10). A semitica parte do pressuposto de que qualquer atividade ou prética social se apresenta como pratica significante, ou seja, produz linguagem, produz sentido. Como ciéncia, teve seus primeiros trabalhos desenvolvidos simultaneamente na Europa Ocidental, nos Estados 29 NEI VALENTE Unidos e na Unido Soviética, entre o final do século 19 ¢ 0 inicio do século 20. As trés abordagens apresentam diferengas e este trabalho limita-se as duas primeiras. Tradicionalmente, chamava- se de semidtica a abordagem americana e de semiologia a abordagem europeia, porém, alguns autores europeus passaram a também usar o termo semistica. A abordagem americana teve inicio com os trabalhos de Charles Sanders Peirce, que desenvolveu seus estudos a partir da fenomenologia, ou seja, 0 estudo e a anilise dos fenémenos. Segundo Santaella (2007), entende-se por fenémeno qualquer coisa que se apresente 4 mente, seja externa, como um rugido de um leo, um cheiro de um produto ou um raio de luz, seja interna, como uma lembranga, uma expectativa ou um desejo. Apdés andlises dos fendmenos, Peirce propés uma categorizagdo dos signos. Os signos foram definidos como “uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele s6 pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (SANTAELLA, 2007, p. 58). Nao é, portanto, o objeto em si, apenas uma representaciéo. Uma representacdo, importante dizer, limitada, j4 que a representagao sempre se dard de maneira parcial. Uma fotografia de um ledo, 0 som do rugido de um ledo, pegadas, ou a propria palavra “ledo” so apenas formas parciais de representar o lefio e nao representam 0 animal por inteiro. Cada tipo de signo representa 0 objeto de maneira limitada de acordo com a sua natureza, sendo que objeto, nesse caso, nao se limita a uma coisa material, podendo ser, por exemplo, algo fruto da imaginacio. (SANTAELLA, 1998) Em seu complexo sistema de categorizagdo, Peirce 30 BRANDING SENSORIAL dividiu os signos de maneira que poderiam se apresentar logicamente em 59.049 tipos. Porém, por questées didéticas, 0 foco ser nos trés tipos que relacionam o signo com o seu objeto: o icone, o indice e o simbolo. O fcone apresenta caracteri: semelhantes ao objeto que representa. O desenho de um cachorro, por exemplo, seria um fcone, contanto que estivesse representando um cachorro. Ja o indice, é usado para indicar algo, podendo estar ligado de maneira fisica ou causal ao objeto. Rastros de cobra indicam que uma cobra passou por ali e a fumaga é um indice de fogo. Por fim, o simbolo é caracterizado pela sua arbitrariedade. O simbolo nao possui relagao natural com © objeto que representa. Apenas o representa por convencgao. A cruz e o som de erro do Windows sao exemplos de simbolos. Os signos, porém, podem estar simultaneamente em mais de uma categoria. Ao mesmo tempo em que representa como fcone um objeto, pode representar como simbolo um outro conceito. icas Ja a abordagem europeia teve como um de seus precursores Ferdinand de Saussure, com o seu Curso de Linguistica Geral. Saussure (2006) acreditava que os signos eram divididos em duas faces: 0 significado, referente ao conceito e & ideia; e o significante, referente, a um lado material, muito ligado a.uma imagem aciistica. Seus estudos, mais focados na linguagem verbal, expandiram-se ao entrarem em contato com outros autores. Roland Barthes (2001), por exemplo, abre espaco para outros sistemas de significagéio, como a culin imprensa e varios outros. Para Barthes (2001, p. 95), “qualquer sistema de significacéo comporta um plano de expressio e um plano de contetido e que a significagdo coincide com a relagio entre os dois planos”. Na abordagem europeia, 0 som de uma sirene se apresenta como o significante, e o significado pode ser a , a moda, a 31 NEI VALENTE indicagdo de um acidente ou uma policia por perto. Assim como a grafia de uma palavra é um significante e seu conceito ou a sua defini¢ao so seu significado. Uma marca se apresenta, ao mesmo tempo, como significante e significado. E significante, 4 medida que, agregada a um produto, evoca uma série de associagdes na mente do consumidor. E significado, enquanto se apresenta como um conceito para diversos estimulos no papel de significantes, como uma marca gréfica, uma assinatura sonora e um cheiro no ponto de venda. Barthes (2001) mostra também a existéncia de duas ordens de significagaéo. Na denotagao, existe uma relagdo basica entre o significante e o significado na primeira ordem. Enquanto na segunda, a relacao é de significagao, o signo (significante + significado) da primeira ordem, é usado como um significante para um segundo significado. Batey (2010) dé 0 exemplo da rosa. Na ordem denotativa, a palavra rosa evoca uma imagem mental de uma rosa. A palavra é o significante, enquanto a imagem mental, ou seja, 0 conceito de rosa, € o significado. Na ordem conotativa, o signo da primeira ordem (palavra rosa + conceito mental de rosa) serve de significante para um segundo significado, que no caso poderia ser o amor. Para simplificar: “A denotagio € 0 significado literal, a definigdo. A conotagio é aquilo que é entendido, por exemplo, de uma palavra, além de seu significado literal. O significado conotativo € mais varidvel, figurado e subjetivo” (BATEY, 2010, p. 142). O significado conotativo € menos concreto e ébvio e inclui, além das associacées pessoais e sociais, os sentimentos que o significante evoca no individuo. Enquanto o som do canto de um passarinho pode denotar ao conceito mental do animal, ele conota, dependendo do contexto, a sensag4o de liberdade. No branding, 32 BRANDING SENSORIAL varias vezes, utiliza-se da conotagdo para se criarem associagdes na mente do consumidor e se provocarem emogées. Existem varios outros modelos para explicar nossos sistemas de significagio, inclusive com nomenclaturas semelhantes, mas conceitos diferentes. Barthes (2001) mostra, por exemplo, que, para Peirce, niio existe no simbolo uma relagao entre 0 modo de representacgéo e seu conceito, enquanto, para alguns outros estudiosos, existe. Para que esse trabalho cumpra seus objetivos, basta entender que existe uma relacao entre os estimulos internos ou externos e o significado que lhes atribuimos. E também importante lembrar que o significado, a partir do estimulo, pode se dar de varias maneiras, nio sendo um significado engessado e concreto. A divisio do signo em significante e significado é, portanto, suficiente, valendo ressaltar que o significante pode se apresentar materialmente ou nado. Este estudo focaré, porém, nos estimulos tdteis, visuais, sonoros, olfativos e gustativos para exercerem o papel de significante. A metéfora € outro conceito importante para entender como se podem atribuir significados a marcas. O cavalo da Ferrari, 0 touro da Lamborghini e 0 ledo da Peugeot sao exemplos de como marcas usam animais metaforicamente para transferir significados para seus carros. Os animais, no caso, podem indicar forga, poténcia, virilidade e velocidade. A metdfora, como bem lembra Douwe Draaisma (2005), ja era vista como forma de transferéncia de significado desde tempos antigos, em filésofos como Aristételes. O prdéprio verbo grego metapherein significa transferir. Em Filosofia da Retérica, 1. A. Richards (2011) propde que a metdfora seja composta por dois termos: 0 termo-t6pico, que recebe 0 novo significado pela 33 NEI VALENTE metdfora; e 0 termo-vefculo, que é 0 termo que transfere o significado. Em “Joao é uma lesma”, Jofio € o termo-topico, que recebe o significado, enquanto lesma é o termo-vefculo, que traz um significado de um outro contexto e o transfere. Nesse caso, 0 termo-vefculo traz a caracteristica da lentidio da lesma e a transfere para Joio. A metdfora diz entao que Joao é um rapaz lento. O termo-veiculo é um intruso, pertence originalmente a outro contexto (DRAAISMA, 2005). Apesar de a metdfora ser mais comumente estudada pela linguistica, dando atengio a linguagem verbal, podem-se utilizar estimulos nos cinco sentidos para express6es metaféricas. O som de um trovao e a imagem de um deserto sao estimulos que estao carregados de significados e que podem os transferir quando em outros contextos. O deserto, por exemplo, pode ser usado para representar metaforicamente a solidao. Por tiltimo, vale ressaltar que a comunica¢ao nao depende da intengéo do emissor dos estimulos. Um individuo interpreta tudo o que chega até ele e, visto que o significado pode se dar por meio de estimulos em qualquer um dos sentidos, é prudente que as marcas nao negligenciem o que emitem fora da esfera da visio e audicéio. Os seres humanos tém um impulso basico de buscar significado (BATEY, 2010). A histéria de Gertrude Stein, narrada por Lehrer (2010), é de grande utilidade para ilustrar essa incontrolavel busca por significados. Stein foi uma escritora estadunidense, que viveu entre 1874 e 1946, famosa por suas tentativas de escrita automdtica. A autora tinha a intengdo de mostrar como funcionava a linguagem instintiva que, segundo ela, continuava seguindo uma estrutura gramatical que estaria enraizada em nossos cérebros. Considerava que a escrita nao poderia, por ser uma atividade complexa, se dar de maneira 34 BRANDING SENSORIAL automatica. Para tentar mostrar apenas essa graméatica interna, escrevia palavras aleatérias, como na obra modernista Tender Buttons, que tem um trecho que diz: “O cuidado com que ha uma justica incrivel e semelhanga, tudo isso faz um aspargo magn{ffico” (apud LEHRER, 2010, p. 220). A surpresa, porém, é que, mesmo com palavras aparentemente sem sentido, as pessoas interpretavam seus textos, mesmo que de maneiras absurdas. As palavras conseguiam ser interpretadas por causa do simbolismo de seus sons e por causa das estruturas internas de linguagem. Em um experimento em que um computador gerava, aleatoriamente, nomes para cereais de café da manha e maquina de lavar, ficou evidente que as palavras, mesmo que nao possuam um significado 4 primeira vista, sao significadas por individuos. Nomes como Whumies e Quax eram mais associados a cereais, enquanto Dehax era normalmente ligado a detergentes para maquina de lavar (PETERSON; ROSS, 1972 apud BATEY, 2010). Stein tentou, com seus textos, separar 0 significante do significado, retirando qualquer sentido da palavra. Porém, fracassou, j4 que os sentidos das palavras insistiam em existir de acordo com 0 contexto que as cercava, por mais absurdo que pudesse ser. Ao fim de sua vida, admitiu sua derrota, percebendo que o significante, por mais que ela tentasse, nao ficaria sem um significado (LEHRER, 2010). Portanto, é importante saber que as marcas estiéo comunicando coisas que talvez nado estejam de acordo com os valores da marca. Os consumidores encontram, mesmo que inconscientemente, sentido para a miisica nos pontos de venda, para o cheiro do produto e para a textura das embalagens. E conveniente, entdo, que todos os tipos de estimulos sensoriais sejam tratados como forma de comunicagaio 35 NEI VALENTE de marca, assim como sio tratados os visuais e, em alguns casos, Os sonoros. 36 BRANDING SENSORIAL Uma experiéncia multissensorial Estima-se que um consumidor médio receba cerca de 5 mil mensagens de marca por dia (LINDSTROM, 2012). O nimero certamente aumenta se 0 consumidor vai a lugares como supermercados e shoppings, com marcas por toda parte. Nao se pode esperar uma diminuigio dessas mensagens, visto que, apenas em 2005, mais de 156 mil novos produtos foram langados em todo o mundo (LINDSTROM, 2009). A tarefa de qualquer profissional de branding seria, aparentemente, muito mais facil se a disputa pela atengfio do consumidor se desse apenas com todas essas marcas, mas, como ja visto, as pessoas ndo possuem processos de percepgao diferentes para marcas e para o resto do mundo. Além da disputa com essas cinco mil mensagens, disputa- se com todos os videos do YouTube, com os filmes langados no cinema, a enorme quantidade de jornais e revistas nas bancas, videogames, midias sociais, e-mails e qualquer outro tipo de informagao. Ao consumidor sé resta filtrar e absorver apenas uma pequena parte dessa sobrecarga de estimulos que o atinge. Cabe as empresas desenvolver estratégias que facam que suas mensagens passem = por_— esse rigoroso _filtro. Martin Lindstrom (2012) e Kevin Roberts (2005) apostam no uso dos cinco sentidos como uma dessas estratégias. O excesso de informagio é mais comumente ligado a 37 NEI VALENTE estimulos na esfera da visdo e, em alguns casos, da audigao. Isso nao é uma grande surpresa, j4 que 75% da percep¢do humana se d4 por meio da visio. A orientagdo no espago, importantissima para a sobrevivéncia, é fruto de um processo majoritariamente visual. Em segundo lugar, existe a audigdo, responsdvel por mais 20% da percepgaéo humana, enquanto os outros 5% sao divididos em olfato, tato e paladar (SANTAELLA, 1998). Os dados fazem contestar se realmente vale a pena investir nos outros sentidos como forma de comunicagaéo de marca, mas é importante frisar que 75% da percepgdo é dividida entre uma quantidade enorme de estimulos visuais e que, nem sempre, a visdo ird se apresentar como a melhor solugao para atrair a atengao do consumidor. Santaella (1998) acredita que a predomin4ncia tao grande de um sentido sobre os outros se deve muito a fatores tecnoldgicos. Criaram-se, ao longo da hist6ria humana, poderosas extensdes do sentido visual, como radares, fotografia, telescépio, microscépio, produgao de imagens em computadores, desenvolvimento das artes grdficas e hologramas. Isso, para a autora, faz que se alimente a tendéncia a especializagdo do sentido da visio. Se a audigio também aparece de alguma forma, com papel de destaque, os motivos séo os mesmos. Criam-se dispositivos de gravagio de voz, instrumentos musicais, alarmes sonoros e players demp3. De fato, a tecnologia disponivel de cada época altera bastante a percepgdo. Muito da inovacio estilistica dos quadros impressionistas dependiam do desenvolvimento dos pigmentos disponiveis na época. O violeta cobalto, muitas vezes usado por Monet para pintar 0 céu e 0 oceano, foi inventado poucos anos antes por quimicos industriais. O pintor viu, entéo, um grande potencial no novo pigmento para descrever 0s efeitos da luz, uma 38 BRANDING SENSORIAL das bases do impressionismo (LEHRER, 2010). Uma nova cor para retratar o mundo traz consigo uma nova maneira de perceber © mundo. Assim como o advento da fotografia alterou a retratagdo do mundo pelos artistas, e a fotografia digital alterou a telagéo com a propria fotografia. A tecnologia traz novas representagdes do mundo, o que leva a uma nova maneira de perceber 0 mundo. Pode-se ir ainda mais longe e pensar no desenvolvimento da perspectiva linear na Itdlia Renascentista. Antes disso, os pintores retratavam a profundidade espacial por meio da sobreposig&o de elementos e da diminuig&o dos objetos que deveriam estar mais distantes. JA existia uma nogado de profundidade, mas houve uma grande revolugao quando descobriram como criar uma iluséo de profundidade a partir da geometria euclideana. Se antes procuravam se concentrar em outros elementos da representacdo em suas pinturas, a partir desse momento, a perspectiva havia se tornado uma obsessio para varios pintores (OURDAIN, 1998). Processos semelhantes ocorreram com o som. A maneira de se ouvir mtisica que existe hoje é certamente muito diferente daquela ao longo da histéria. Ja houve um tempo em que nao havia qualquer dispositivo capaz de armazenar 0 som e, por isso, as pessoas dependiam de mtisica ao vivo, o que, por consequéncia, gerava uma sociedade muito menos habituada a escutar musica do que a atual. Como a interpretagao do mundo é baseada em experiéncias anteriores e as experiéncias musicais eram reduzidas, consequentemente as interpretagdes musicais também o eram. A igreja jé chegou a proibir, por exemplo, que o intervalo entre as notas Dé e Fa fosse utilizado em uma misica. O motivo é que, pelas bases da misica ocidental, o intervalo era muito incomum, o que fazia que o publico nao fosse acostumado 39 NEI VALENTE a ouvi-lo e o percebesse com grande desconforto. A prdpria notagio musical trouxe consigo grandes revolugées na miisica, j4 que, a partir daf, a mtisica poderia ser, de certa forma, registrada e espalhada. Mesmo as tecnologias mais bdsicas, com as quais j4 se € tio habituado que as pessoas nem julgam cotidianamente como tecnologias, j4 causaram grandes revolugdes na percepcio humana. A escala de misica tradicional, formada pelas notas Dé, Ré, Mi, Fd, Sol, Ld, Si e seus sustenidos e bemois, é apenas uma convengao que se utiliza na musica ocidental. Em outras culturas, podem-se encontrar escalas com notas totalmente diferentes, gerando, por consequéncia, mtisicas diferentes desde um de seus elementos mais bdsicos: as notas (JOURDAIN, 1998). O advento dos computadores e a expansao da internet permitiram um fluxo de informagées nunca antes imaginado. Pode-se, de casa, ter acesso a muito mais conhecimento do que em uma ida as mais grandiosas bibliotecas de tempos antigos. A internet trouxe uma grande praticidade e comodidade, com webstores, bancos on-line e inimeros outros servigos. Mas é inegdvel que os computadores pouco fizeram pelas experiéncias sensoriais (BATEY, 2010). Se, comprando pela internet, se ganha em praticidade, perde-se no tato, no olfato e no paladar. Mesmo na esfera da audigdo, um dos sentidos privilegiados pela tecnologia, existem algumas perdas. Esse é 0 caso das miisicas disponiveis para download que, na maioria das vezes, possuem menor qualidade sonora em relagéio as gravagées de antigos discos de vinil, devido aos processos de compressiio de arquivos. As experiéncias sensoriais foram o preco pago pela praticidade no acesso a informagao. Tecnologias como essas se desenvolveram de formas e 40 BRANDING SENSORIAL velocidades diferentes para cada um dos sentidos. Mas qual o motivo ento, j4 que a percepgao do mundo ocorre por meio dos cinco sentidos e podem-se extrair significados de estimulos em todos eles, para que se tenha dado tanta prioridade a vi audigéo no desenvolvimento tecnolégico? Santaella (1998) afirma que isso se deve ao fato de o olho e o ouvido terem uma conexio mais direta com o lado racional, servindo como érgaos codificadores e decodificadores das informagdes emitidas e recebidas. Os 6rgaos responsdveis pelos outros sentidos sao, nas palavras da autora, “mais vagos e difusos, mais sensoriais, no significado estrito da palavra, e nao especializados como érgdos de codificagao e decodificagao devem ser” (SANTAELLA, 1998, p. 13). Os sistemas de significagio para a visio e audigaio desenvolveram-se muito mais do que para os outros sentidos. A propria linguagem verbal, de grande importéncia para a transmissao do conhecimento humano, é limitada, muitas vezes, a visdo e a audicao, escrita ou oral. Mas, isso nao quer dizer que os outros sentidos nao possam ser eficientes na transmisséo de mensagens. O tato, por exemplo, se apresenta como solugio para uma linguagem racional capaz de transmitir grande quantidade de conhecimentos, incluindo cientificos, por meio do Braile, sistema utilizado pelos deficientes visuais. Além disso, os aspectos racionais no so os tnicos interesses dos consumidores e, muito provavelmente, nao serao os mais importantes na hora de suas decisdes. O que conta muitos pontos a favor do uso dos cinco sentidos. joea Para Humberto Maturana (2002), esta errado aquele que diz que a diferenciagdo do ser humano em relagéo as outras espécies se dé pelo racional, afirmando que, na verdade, o humano se constitui a partir do entrelagamento do emocional com a NEI VALENTE o racional. Acredita que “nao ha agao humana sem uma emogao que a estabelega como tal e a torne possivel como ato” (MATURANA, 2002, p. 22). Mesmo a linguagem verbal como & conhecida hoje, to ligada ao racional, tem origens emocionais. O autor explica que, para o desenvolvimento da linguagem faz-se necessério um processo de interagio recorrente entre os individuos, faz-se necessério um processo social que, para 0 autor, se d4 por meio da emogio. Sem a emogio, essas interagdes sao apenas encontros casuais. Maturana vai ainda mais além quando diz que, para que exista qualquer sistema racional, deve- se partir de premissas fundamentais aceitas a priori, sendo que essas premissas partem do lado emocional. E dificil, porém, aceitar a emogao como o fundamento do agir humano e de toda a racionalidade, j4 que, como bem lembra Maturana (2002, p. 52), pertence-se a uma cultura “que da ao racional uma validade transcendente, e ao que provém de nossas emogGes, um cardter arbitrério”. Completa dizendo que a emogio nado se coloca como um limitador da validade de nossa racionalidade, mas apenas como uma condigéo. Sendo a emocao o fundamento de todo o agir, potencial lingufstico e racional da visio e da audio em relagdo aos outros sentidos, néo mais se apresenta como uma grande barreira para que se tenham experiéncias sensoriais mais holisticas. Ea emogao que diz ao cérebro ao que se dedicar, ao que se deve dar atengdo. Sem emogiio, no hd conexdo com o estimulo (JOURDAIN, 1998) e é por isso que a emogio € tao importante para as marcas. Em O Erro de Descartes, 0 neurocientista Anténio Damésio (1996) conta o curioso caso de Elliot, um de seus pacientes. Por causa de um tumor, Elliot teve uma parte do seu cérebro, associada as emogées, danificada. O 42 BRANDING SENSORIAL paciente mantinha varias outras habilidades e sua inteligéncia racional, se € que pode ser chamada assim, mantinha-se intacta, mas nio sentia mais nada ao contar o caso de sua tragédia, ao ver fotos de acidentes, ao olhar para sua pintura favorita ou escutar miuisicas que fizeram parte de sua vida. Conseguia raciocinar sobre diversas possibilidades em determinadas situagdes, mas, por ter o seu lado emocional comprometido, nao conseguia tomar uma decisio a partir dessas possibilidades. Por nao conseguir se dedicar a uma tarefa e por nado vencer a indecisaéo entre as indimeras possibilidades, Elliott no conseguia manter empregos. Por causa da falta de emogdo, teve 0 seu processo de decisdo danificado. A emogao, como visto, é o fundamento do nosso agir, € o que define a que atividade um individuo deve se dedicar. Por mais que o racional leve a diversas conclusées e apresente diversas possibilidades, é 0 emocional que indica qual deve ser a decisaio tomada. Sabendo da importancia da emogio, é relevante que se saiba como acontece 0 seu processo, ou seja, como alguém se emociona. A teoria da discrepdncia (IZARD; KAGAN; ZAJONC, 1988) trata a emogao como uma reacio a uma experiéncia que ndo se esperava, como uma reagdo a discrepancia entre expectativas e 0 que de fato acontece. Se, em uma tarde com fome, se vai até a geladeira esperando encontrar apenas um pedacgo de bolo e encontram-se dois, provavelmente certa felicidade sera causada. Por outro lado, se nenhum é encontrado, pode ser que se fique com raiva. A propria origem da palavra emogdo, derivada do latim exmovere (afastar-se) 0 que leva a ideia de discrepancia. Nao h4 uma emogdo neutra. Se hé um afastamento da expectativa, de forma a nao satisfazé-la, gera-se uma emogao negativa, mas, se a experiéncia supera a expectativa, 43 NEI VALENTE ocorre uma emogdo positiva. Levando em consideragdo que a maioria das previsées € a respeito de coisas de pequena importancia e que o afastamento das expectativas nao € grande, tem-se uma predominancia de emogdes menos intensas durante a vida cotidiana. Porém, vivenciando-se pequenas frustragdes seguidamente, pode-se ficar irritado, assim como, no caso de varias pequenas experiéncias positivas, pode-se ficar feliz (JOURDAIN, 1998). O jeito como se ouve uma mtisica pode servir como um relevante exemplo para explicar 0 processo da emogao. Quando se escuta uma miisica, tenta-se antecipar o que est4 por vir com base nos trechos jé ouvidos da propria mtsica, com base nos trechos que se sabe, quando jd existe um conhecimento anterior da miisica, com base no conhecimento do estilo musical e da escala da cultura e em qualquer informagao adicional que se possa ter a respeito da pega musical, como um texto lido sobre a pega ou um gesto brusco de um dos mtisicos (LEVITIN, 2011). O cérebro humano, como no caso de toda a percepgao de mundo, busca continuamente prever 0 som com base no que ja esta acumulado. E basicamente a partir do cumprimento ou nao das expectativas criadas sobre as préximas notas de uma mtisica, que se sente ou nao prazer. A miisica somente emociona quando se brinca com a expectativa gerada. E por isso que é normal que um compositor forneca um padrao no inicio da misica, gerando uma expectativa a respeito da peca, e segura a resolugio desse padrao, o cumprimento das expectativas, até o final, quando a previsdo é finalmente satisfeita. O prazer na miisica se dé, entdo, por meio de um jogo de cumprimento ou nao de expectativas. Se for muito Obvia, a miisica se torna monotona, mas se for tao complexa a ponto de nado conseguir se estabelecer nenhum padrao de 44 BRANDING SENSORIAL previsao, pode gerar sensag6es desagradaveis (LEVITIN, 2011). Neste ponto j4 se deve saber que: se € assim para a percepgdéo do mundo, ser4 assim para a percepgdo das marcas. Uma vez que a emogio € 0 guia para o que se deve dar atengio, e a surpresa é um fator determinante para a emocao, 0 uso de estimulos de marcas diferentes dos convencionais aparece como uma conveniente solugio. Em um mundo saturado de informacées visuais, um odor, por exemplo, pode ser 0 caminho para atrair a atencéo do consumidor. Se todos os concorrentes possuem um bom sistema de identidade visual, a surpresa pode vir de uma envolvente assinatura sonora. O exmovere, ou afastar- se, € a raiz. da emogio. E também relevante para a continuidade deste trabalho, que se passe, ao menos superficialmente, pela localizagao da emogao e da razdo na anatomia do cérebro. Paul MacLean (1990) propde um modelo trino de cérebro. Segundo o modelo, o cérebro € composto por trés camadas que correspondem a diferentes estdgios da evolugéo humana. De maneira bdsica, as principais caracteristicas de cada camada serio abordadas. O cérebro réptil, ou primitivo, é 0 mais antigo, sendo responsdvel pelos instintos. Na segunda camada, o cérebro mamifero, localiza-se o sistema limbico, que veio de uma evolugdo mais tardia e é 0 respons4vel por todas as emogdes e por uma considerdvel parte da memoria. Por ultimo, hd o neocértex, ou novo cérebro, que é o responsdvel pelo lado racional. Quando recebidos pelo rgio sensorial correspondente, os estimulos sao centralizados em uma regiaio do cérebro chamada télamo e depois redistribufdos para que possam ser interpretados. O olfato e o paladar, porém, possuem uma caracteristica diferente dos demais, tendo parte de seus estimulos 45 NEI VALENTE encaminhados diretamente ao sistema limbico, responsdvel pelas memérias e emogdes (SCHIFFMAN, 2005). Isso da ao olfato uma capacidade tinica de evocar emogGes e despertar lembrangas de maneira muito mais imediata que os demais sentidos. O que também o torna, como bem lembra Lindstrom (2012), extremamente Util para que marcas criem conexdes mais fortes com os seus consumidores. Fortemente relacionado ao sistema limbico, o processo da meméria € de suma importancia para os profissionais de branding. No passado, os cientistas pensavam na meméria como apenas um processo de armazenamento de experiéncias, sendo o cérebro um grande depésito do que jé foi vivido. Antecipando-se a ciéncia, o escritor francés Marcel Proust, que viveu entre 1871 e 1922, jd expressava, em sua obra Em busca do tempo perdido, alguns pensamentos sobre 0 processo da meméria tal qual se conhece hoje (LEHRER, 2010). No primeiro volume, No caminho de Swann, o narrador, j4 adulto, conta sua infancia na ficticia cidade de Combray a partir de memérias despertadas ao saborear um biscoito madeleine mergulhado em cha. O sabor e 0 cheiro de um simples biscoito fazem que o narrador retome toda sua infancia, com uma rede de associagées que no mais eram despertadas pela vista do biscoito. A imagem, como diz o proprio narrador, j4 estava associada a tantos outros momentos mais recentes em que viu o biscoito nas prateleiras de confeitarias, mas nao 0 comeu. Proust j4 sabia da capacidade especial do olfato e do paladar para trazerem a tona lembrangas do passado. Os dois sentidos conectam-se diretamente ao sistema limbico. Mais especificamente, possuem conexdo direta com o hipocampo, o centro da memoria de longo prazo no cérebro humano (LEHRER, 2010). 46 BRANDING SENSORIAL O processo pelo qual passou o narrador é conhecido como ancoragem (CAYUELA et al., 2011). A Ancora, no caso 0 gosto e o aroma da madeleine molhada no cha, é um estimulo externo que serve como catalisador para despertar lembrangas e sentimentos. Apesar da habilidade especial do olfato e do paladar, a Ancora pode ser um estimulo de qualquer natureza. Como a primeira misica que uma pessoa dangou com seu companheiro, uma foto Polaroid que ele tem de sua familia, uma carta escrita por alguém especial ou até mesmo o ingresso da festa a que ele foi ontem. Sao estimulos que levam a um determinado estado mental, porque, algum dia na vida, foram relacionados a uma experiéncia especifica. Os estimulos sensoriais podem nao sé servir de ancora para as marcas, como, melhor ainda, podem fazer que as marcas sejam uma Ancora para o seu ptiblico. Com mais sentidos, a marca possui mais possibilidades de ligar um estimulo a um momento especifico e ligar esse momento a marca, tornando-se a madeleine do consumidor. Quem nao revive momentos ao sentir um sabor parecido com o dos pirulitos Zorro, rever um antigo 4lbum de figurinhas da Panini ou escutar 0 classico jingle Pipoca com Guarané, criado pela DM9 para o Guarand Antarctica? E nao se deve limitar a ancoragem somente a coisas antigas. Desde que se ligue a um momento ou sentimento, qualquer estimulo pode ser uma Ancora, seja para retomar uma experiéncia da semana passada ou de dez anos atrés. Proust sabia, também, que o cérebro no era um simples depésito de experiéncias, como pensavam os cientistas da época. No lugar de simplesmente recuperar a meméria, 0 cérebro a recria a cada vez que se lembra de algo com base em pequenos estimulos armazenados. Nao se tem um espago especial para memoria do proprio aniversério de 18 anos. O que se tem é uma 47 NEI VALENTE porgéo de estimulos e emogées armazenadas que voltam a se associar quando se lembra de algo. A meméria, como bem sabia Proust, é falsa (LEHRER, 2010) e a realidade, nunca aconteceu de fato como recriada pela mente. Proust sabia que a sua infancia em Combray nao havia sido a mesma de que se lembrava. E por recriarem-se lembrangas, no lugar de simplesmente resgatd-las, que as memérias daquela viagem de fim de ano em familia parecem bem melhores do que realmente foram na época. E também por causa desse processo de recriagaio que, as vezes, lembra-se perfeitamente de momentos que na realidade foram bem diferentes. A memoria é fantasiosa e, por isso, prega pegas. Para evidenciar a maleabilidade da memoria, Levitin (2011) narra uma experiéncia realizada na Universidade de Washington por Elizabeth Loftus. A experiéncia procurava verificar a preciso de depoimentos de testemunhas judiciais e, para isso, os participantes assistiam a um video de dois carros em movimento que mal se raspavam. Os participantes, separados em dois grupos, eram depois submetidos a uma pequena entrevista. Ao primeiro grupo perguntava-se: “Em que velocidade estavam os carros quando se rasparam?”, enquanto, para o segundo o grupo, a pergunta era: “Em que velocidade estavam os carros quando colidiram?”. A simples substituigio da palavra rasparam por colidiram gerava diferengas enormes nas respostas dos participantes quanto a velocidade. Alguns dias depois, os participantes eram novamente reunidos e uma nova pergunta, agora a mesma para os dois grupos, era feita: “Havia muito vidro estilhagado?”. Mesmo nao havendo no video nenhum vidro estilhagado, os participantes que responderam 4 pergunta que continha a palavra colidiram tinham uma tendéncia maior a responder que havia estilhagos de vidro. As associagées que 48 BRANDING SENSORIAL traziam o verbo colidir misturavam-se com as associagdes do video e, assim, a memoria era reconstruida de forma diferente para os que receberam a pergunta com o verbo raspar. A recriagéio das lembrangas também é evidente quando se contam sonhos a alguém. Apesar de frequentemente lembrar-se apenas de fragmentos de imagem, completa-se 0 sonho na hora de contar a alguém, de maneira que faga sentido (LEVITIN, 2011). Se alguém sonha com um carro azul em uma ladeira de pedras portuguesas e, no préximo fragmento de imagem, ele jé esté em uma praia, ao contar o sonho, esse alguém completaré com um percurso da ladeira até a praia. Preenchem-se as memérias de maneira que fagam sentido. Por isso, a imagem de um carro associada ao verbo colidir tem mais vidros quebrados do que uma imagem associada ao verbo raspar. Se a percepgdo do presente, como visto anteriormente, possui um alto grau de subjetividade, a do passado possui ainda mais. Relevante frisar que, nao fosse a maleabilidade da memoria, haveria grandes dificuldades na percepgio do mundo. © cérebro entende o mundo dividindo as percepgdes em categorias e reconstréi as experiéncias passadas a partir da meméria_ categdrica (JOURDAIN, 1998). Sem essa categorizacao, um gato preto nao teria qualquer relagéo com um gato branco, sendo, para nés, cada um de uma espécie diferente. Caso cada imagem se ligasse a um conceito especifico no cérebro em vez de reconstruir a lembranca a partir de uma rede de associag6es, nao seria possivel que se reconhecessem objetos conhecidos em posigées diferentes e nem mesmo se reconheceria um carro sem rodas e portas como um carro. A maleabilidade e a categorizacio da memoria sao fundamentais para o entendimento 49 NEI VALENTE do mundo. E também por causa dessa categorizagdo que se consegue reconhecer a marca do Google mesmo quando alterada por meio de seus famosos Doodles, que sdo as versdes modificadas da logo da empresa que aparecem no site em datas comemorativas. A simples manutengao de alguns elementos é 0 suficiente para se associar um estimulo a experiéncias passadas, conceitos e emogées. Lindstrom (2012) afirma que quanto mais pontos de contato sensoriais, maior seré o ntimero de memorias ativadas na mente do consumidor. Um ponto de contato é definido como toda e qualquer interagéo que um consumidor tem com uma marca (BATEY, 2010). Cada um dos sentidos evoca uma série de associagdes que, entrelagadas, se tornam mais poderosas se forem, de alguma forma, relacionadas. Quanto maior o nimero de memérias sensoriais, maior sera a ligagdo do consumidor e da marca. A expansio dos pontos de contato aparece, entio, como uma importante estratégia para varios casos. Quando se usa mais de um sentido, tem-se uma espécie de efeito domin6. Por causa da maneira como as informagGes se organizam no cérebro, um estimulo em um sentido vai ativando o outro por sua rede de associagdes, que ativa outro, que ativa outro e assim sucessivamente (LINDSTROM, 2012). Evoca-se, entdo, uma grande rede de memérias e emogées. Batey (2010, p. 125), no mesmo caminho de Lindstrom, afirma que “marcas que conseguem alavancar varios pontos de contato com seus consumidores deixam um perfil mais forte e mais vivo em suas mentes”. Os principios da Gestalt mostram-se tteis nao apenas para a percepgdo de cada um dos sentidos, mas também para a 50 BRANDING SENSORIAL percepcao de diferentes sentidos unidos (BATEY, 2010). Para os psicélogos da Gestalt, a soma do todo é maior e diferente das partes isoladas. O cérebro organiza e relaciona os estimulos de diferentes sentidos em um tinico contexto significativo. Se os diferentes sentidos forem usados de maneira coerente, uma marca poderd emitir diversos estimulos diferentes que contribuam para uma mesma imagem de marca. Embora, como afirmado anteriormente, cada sentido represente a realidade apenas parcialmente, de acordo com a sua natureza, juntos poderao abranger mais lados de um significado maior. Dois experimentos dos quais Lindstrom (2009) participou com sua parceira, Dra. Calvert, mostram como os sentidos ficam mais fortes quando unidos. No primeiro experimento, foram abordadas quatro categorias diferentes de produto: telefones, softwares, companhias aéreas e imagens diversas da cidade de Londres. Para cada uma dessas categorias, foram escolhidos sons a elas associados. Para telefone, por exemplo, escolheram o toque da Nokia, enquanto para a categoria softwares, o escolhido foi o som de inicializagéo do Windows. Aos participantes, foram apresentadas dez imagens em cada uma das categorias e, como referéncia para o estudo, também foram apresentadas imagens que nao estavam relacionadas a nenhuma e, portanto, a nenhum som caracteristico. Em um segundo estégio, foram apresentadas as melodias e, finalmente, imagens e melodias ao mesmo tempo. Pedia-se que os participantes assinalassem a preferéncia, em uma escala de um a nove, de imagens, sons ou combinagées e, a0 mesmo tempo, os cérebros eram escaneados com um potente aparelho. Os resultados mostraram que a tendéncia é que as 51 NEI VALENTE combinagées de imagens e sons tivessem mais aceitabilidade que um dos dois separados. Na maioria dos casos em que se apresentavam os sentidos combinados, percebia-se uma maior atividade cerebral em regiGes que mostravam que os voluntérios estavam gostando do que viam e ouviam, prestando mais atengao e que provavelmente se lembrariam mais da marca. Viu-se ainda, que a experiéncia era mais agraddvel quando os sons e as imagens apresentados simultaneamente eram, de alguma forma, relacionados. O resultado era mais positivo ao se relacionar, por exemplo, a imagem de um computador e 0 som de inicializacéio do Windows. Um sinal grafico relacionado a uma assinatura sonora tem, portanto, maior forga. O outro experimento diz respeito a relagdo entre visio e olfato. Foram apresentadas a 20 participantes imagens e fragrancias relacionadas a quatro marcas: Coca-Cola, xampu para bebés Johnson & Johnson, sabonete Dove e uma rede de lanchonetes chamada Pete's. Também em uma escala de nove pontos que ia do muito desagrad4vel ao muito agradavel, os participantes poderiam classificar cada imagem, aroma ou combinagio. Apés a andlise dos dados, percebeu-se que, em geral, os participantes consideravam as imagens tio agradéveis quanto as fragrincias. O olfato e a visio, nessa situagiio, eram igualmente sedutores. O nivel de agradabilidade subia quando eram apresentadas fragrancias e imagens simultaneamente, mas, como no experimento anterior, possufam mais poder quando estavam relacionados. Uma fotografia de um sabonete Dove, por exemplo, com uma fragrancia de dleo que se relacionava a rede de lanchonetes, quando combinadas, apresentavam uma queda na percepgdo de agradabilidade, j4 que a imagem e o cheiro nao possuiam relagao na mente dos participantes. Uma imagem de um 52

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