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3 O crescimento da liberdade religiosa co declinio da religiao tradicional: a Proposito do Censo de 2010" ANTONIO FLAvio Prerucct Liberdade religiosa como livre concorréncia Nunca houve tanta liberdade teligiosa no Brasil como agora. Nunca antes as religides foram tdo livres para aqui aportar ou aparecer, apare- cer no sentido de surgir repentinamente, comecar a manifestar-se, ocor- rer subitamente, exibir-se, mostrar-se publicamente, fazer-se notan set divulgado. Nunca os profissionais religiosos se sentiram tao livres e vontade como agora para lutar entre si por todos os meios e a toda hora a fim de assegurar a reprodugdo ampliada de sua fé. Tudo se passa como se para eles o tempo nao pudesse mais parar. Eles s6 pensam nisto: suas igrejas precisam crescer. Nessa urgéncia, o que lhes importa acima de tudo é converter — “Ou converter ou converter!” —, cientes que esto de que para angariar fiéis uma religido precisa... subtrair figis. Converter é ipso facto “infidelizar”. E 0 jogo de soma zero de uma tabulagio do Censo Demografico s6 faz trazer A tona, sem véus, o imperativo missionario de desfalcar a religiao adverséria, predar, pilhar, extrair uma da outra os figis “infidelizaveis” 10 “Modernidade religiosa& brasileira” (PIE- * Texto extraido do manuscrito que deu origem 20 arti : RUCCI, 2006), editadoe atualizado de acordo com os dados do Censo de 2010 por Reginaldo Prandi. Digitalizada com CamScanner de que elas necessitam (cada vez mais sofregamente, a0 fue Parece) pars) vingar, crescer e aparecer, e aparecer para crescer. E, no caso dos Censoy brasileiros, nao custa alertar o leitor de que as coletas do IBGE tram somente as adesées a uma s6 religiio por vez, nao as miiltiplas, disse, resultando um quadro mais afim ao pluralismo religioso, regime que implica idealmente filiagdes religiosas exclusivas, do que a0 sincretism, religioso, essa “mixofilia” que combina, ¢ quanto, com 0 catolicisme tradicional. Cabe pontuar desde logo que o estoque de “infidelizandos” visa. do em primeira mao, e com mio certeira, é sempre o daquela religigg outrora monopolista e ainda amplamente majoritaria. Faz sentido, Isso corre em praticamente todos os pajfses, fendmeno portanto mundial ¢ globalizado. No caso do Brasil, o estoque de fiéis “infidelizaveis” visado prima facie pelas religides de conversio é o catolicismo; 86 podia ser. Do mesmo modo que na f{ndia sé podia ser o hinduismo, na Suécia o lute- ranismo, na Franga o catolicismo. Nenhum desdouro, por conseguinte, para 0 catolicismo brasileiro. O catolicismo em declinio indisfargdvel é 0 trago mais forte ¢ ter- minante a marcar 0 panorama atual do campo religioso brasileiro, im- primindo nele as linhas nervosas de uma destradicionalizacao cultural inédita em suas dimensées, marchas, ritmos e teores de reflexividade, P6s-tradicional sem sombra de diivida, hoje a esfera religiosa brasileira mostra-se extremamente vivaz e dindmica, agitada mesmo, animada que est por profissionais mobilizados e ativistas motivados, todos aparente-. mente incansdveis — é incrivel isso —¢ eles se multiplicam e se espalhame se superam na obra missiondria de competir para converter (e converter Para competir), sem outra regularidade que a certeza de que a mudanga » é inevitavel e 0 tempo voa. Para o catolicismo, em particular, certeza mesmo € a do declinio demografico Progressivo, fatidico. Cujo anda- mento entretanto se acelera. E embora quanto ao leque de itens cons- tantes da pauta de oferta religiosa na praga o cenario nao seja assim tio diversificado como se apregoa, produz-se nessa mobilidade incessante um efeito achamalotado que, caveat emptor, pode muito bem envolvet ° observador mais sério na quimera de uma biodiversidade religiosa de tropical exuberancia. j De todo modo, impacta o socidlogo (e em grande medida o estimula 0 fato de que em matéria de religiao se esteja vivendo hoje no Brasil um Digitalizada com CamScanner regime concorrencial cada vez m controle da religizo dominante. evidentemente imperfeita, a assis impede que a todo instante oc © aflorar inestancavel de um e inesperado, agilizando-se nesse gua (cada vez mais franca e vi sem trégua) entre religiosidade: cantos do mundo ou aqui me: para a outra, ‘ais desregulado pelo Estado e fora do Muito embora essa concorréncia seja imetria no porte dos contendores nao enario se diferencie ¢ se pluralize com ‘mpreendedorismo religioso inteiramente destampatério uma competigao sem tré- sivel em sua presenga midiatica também 's € espiritualidades provindas de todos os ‘smo nascidas, “aparecidas” de uma hora brotando improvisamente dos rizomaticos desvaos e reen- trncias de nossa identidade cultural imaginada, essa mesma identidade que ora se torna evanescente.e cuja inconstancia caleidoscépica vamos assumindo cada vez mais reflexivamente. Religides por aqui as vezes aparecem prontas, inteiras, 4s vezes fraturadas, como um dia apareceu fraturada a “Aparecida”, mais tarde proclamada pelo papa “a padro- cira universal do Brasil” € que hoje em dia aparece também, e cada vez mais, como rejeitada publicamente pelos evangélicos, que agora sio muito mais numerosos do que entao e muito mais presentes na esfera politica. E a Mae Aparecida, por isso mesmo, parece que de fato est4 deixando de ser o que era para ser sempre-j4, a mie santissima de todos os brasileiros. O fato é que, aberto e imediatamente mundializado, reina hoje um regime bastante desregulado de livre concorréncia entre as mais diferentes formas de expressio religiosa, assim como entre as mais diver- sas formas de organizagao do empreendimento religioso: igrejas, seitas, denominagées, cultos, ordens, federagdes, comunidades, congregagies, centros, casas, redes... além dos movimentos de renovagio e avivamento que sacodem por dentro cada uma das religides. No Brasil desse comego de século, com efeito, tudo anda muito movimentado e sorridente para 0s lados da religido, tudo muito agitado em matéria de fé ¢ devogio. Nao foi a sociologia nascente que na pena de Durkheim associou se- manticamente religiio com efervescéncia? Pois é, a coisa por aqui anda mesmo efervescente. : : : ipirico-causais, essa liberdade toda ~ e feliz~ Em termos histéricos em ; erdade toda - mente a liberdade religiosa carrega consigo a boa sina sociolégica de s6 i form oder concretizar-se sob a ci ‘ Epindido que s6 vale a pena se for voluntério, plural e proliferante E $ af 1 ' ao ne “ eons, ndo € sendo a conclusio l6gica (diretae trivial) da separagio a de um associativismo incrementado e 51 Digitalizada com CamScanner sblica de 1889 © logo inserita entre Estado ¢ Igreja operada pela Repiblica de 188) Y sti Eis, poi a ini na Constituigio de 1891. Eis, pois, 0 dado fu cee errant separacao Estado/Igreja. Separagao que em ingles damente, por sinal - disestablishment. famental e fundador: a ha algum tempo jaicos. Bato-me Pessoas livres (re)querem Estados z ), 2001, 2005, 2011) por este snl sien soi is assdssemos POUCO a POUCO a 0 do desiderato: cae del eaer eens oxalé os cientistas sociais ¢ historiadore sero 1 ideia de “secularizaga s crucial de todos, incorporar, majoritaria ¢ rotineiramente, a I ! jal, se nado 0 mai Estado” como um componente cruc n jo da qual toda mo- da conceituacao histérico-social de uma secularizagao sim ve nem pode abrir mio. Quando falo cificamente a seculari- Gio da dernizagao que se preze nio dey propositivamente em secularizagio, refiro-me esp 1 zagio do Estado com seu ordenamento juridico, nao a secular vida. Ao invés de ficarmos a nos agastar girando em torno de uma con- efetividade trovérsia insoltivel a respeito da extensio maior ou menor, da ou nao da secularizagao enquanto secularizacao da vida das pessoas, ou mesmo da secularizagao cultural, creio que s6 teremos a ganhar, seja no plano teérico, seja no pratico, se voltarmos a pensar que a seculariza- cdo que importa em primeiro lugar - a secularizago que nos concerne imediatamente, quer enquanto estudiosos, quer principalmente enquan- to cidadaos sujeitos de direitos, empenhados em preservar ¢ ampliar as liberdades civis e politicas de cada um ¢ de todos “sob 0 dominio da lei” num “Estado democratico de Direito”, interessados Ppraticamente, Portanto, € nao s6 teoricamente, na observancia universalizada de leis revisdveis porque nao mais divinamente reveladas -, a , a secularizacao que importa antes de tudo, repito, é a secularizagdo do Estado como ordem juridica, Noutras palavras, a | ! Nou laicizagao constitucional disto que a conhe- cida definigao de Kelsen denomina de Estado formal (KELSEN, 1984, 377ss.). Mesmo porque a secularizagio da ord tsord- I lem juridica [Rechtsord- mung] de um Estado € menos enganosa como fato empirico observavel. cae mais acessivel 4 mensuragio ¢ comparagdo (GIUMBELLL. 2002) lo awe 4 secularizagao dispersa das ordens de vida [1 ebensordnungen| 4: ae oss 7 ” re oe ee Principal ¢ prinzipiell, da modernidade reli ‘sestablishment, portal da |i , » Portal da liberdade de relipia eee religiao. Sem ele, ee uk Porventura ocorrer de modernidade religiosa aqui o 16 mode ees um Preniincio, oxalé um aniincio, naw sla propeishgaiid ‘odetnidade religiosa propriamente dita, Nesse sentido gem ae 4 ~ Nesse sentido, apreende-se a 52 Digitalizada com CamScanner separacdo Estado/Ierej. geri ao Bre}a como cravando 0 elo liltimo d o = ie uma ai cone canal he ae 4 Pretensio tedrica de imputé-la ger : ene a é -la gene ica da modernidade religiosa enquanto a lidade re. pluralidade re- ligiosa ativada. A hipé i: ig : hipotese encaixa-se feito uma h ‘lei Tambo eas cs lava no caso brasileiro. a Nossa modernidade religiosa, sua a. le la Fr is bases juridico-politicas de um proc ngamento, digamos assim, das ; €sso civilizatério é i para os dois lados, Estado e teligiao eens ae = ~ €xatamente como na fami - ciagao de Cavour, “libera Chiesa in libero Stato” aed Pouco a pouco e meio que aos trancos, saltos de nossa vida republicana nem sempre democratica, foi ganhando progressiva nitidez e vigéncia crescente ao longo de todo 0 século XX. _Parece que 6 agora, transcorrido o século XX, nds estamos conse- guindo tomar consciéncia de que ele foi de fato, século de crescente secularizagio, ~, € que entre nds so Por entre os percalcos e sobres- para os brasileiros, um mas antes de tudo de secularizacao do Estado, com o estabelecimento progressivo de limites a competéncia do poder ptiblico em matéria de religio, a paulatina desregulagao juridico- -estatal da vida religiosa, vale dizer, a diminuigao dos controles legais e governamentais sobre as confissdes religiosas, a aboligio de toda e qual- quer reserva de mercado religioso, em poucas palavras, a liberalizacio geral da economia das crencas religiosas. E bem verdade que no Brasil, assim como em tantos outros paises até mesmo da Europa, ainda ha muito que secularizar nesse sentido estrito, ainda resta muito entulho monopolistico a retirar, o que nao quer dizer que para nés nao valha © principio subjacente a essa nova proposta tedrica, segundo o qual a secularizagao constitucional do Estado corporifica, como fato hist6rico concreto e dado empirico bruto, a condigéo primordial e sine qua non a que cabe imputar causalmente essa configuragao tardomoderna que nossa diversidade religiosa pés-colonial assume a cada dia que Passat a forma de um mercado concorrencial desregulado, a livre concorréncia entre um niimero crescente de empresas religiosas igualmente livres. Secularizacao no plano juridico-estatal, vitalidade religiosa no plano Soa sha alias mos a olho nu, basta uma vis- Toda essa efervescéncia religiosa que vem< ae Itado da liberdade ampla de que atu- ta d’olhos, nada mais € que © Fresu! : jonai: ivistas de toda almente gozam em nossa Republica os profissionais ¢ ativist 53 Digitalizada com CamScanner nalquer Contissio religiosa, Un dia “nagao catolte § coisas py © qualgue agit demroranany bastante a fiear assim como est or dhividas de que no decorrer de nossy 0, ¢ assim 10 claras, ofa nio se pode t navy faty ¢ que jd no se pod o re ; ko sculo XIX, 0 Bra husainia repubhicana, inieiada na iltima década do ae N Brasif : * co proces rico-religioso”, gradual, mas cons. pason por “um longo processo historice tantes quase imperceptivel ent seus avangos paulatinos, mas muito bem antes 4 progressiva demissio do nrareado nto tragado da trajetéria percorrida ¢ precedéne; estamenty evlesidstico eatolico, a destituigio das regalia anos como relig monopolisticas a cle reservadas por quatrocentos — octal, do porto colonial até o final do Segundo Império. Contra a inereia do uso multissecular desse cachimbo politico-religioso, os cento f pores aos que a gozamios de Republica tém sido de desregulagio religiosa crescente, de desmontagem lenta, mas progressiva, de uma gi- gantesca reserva de mercado religioso que ainda hoje estrebucha, Minho-me de bom grado com os que acham que ajuda bastante con. siderar a dinamizagaio recente da concorrénci: entre os diferentes pro- dutores ¢ vendedores religiosos como consequéncia histérica em linha direta no sentido logico da desregulagio republicana da esfera religiosa, Con a possibilidade assim aberta de ativagio acrescida de seus agen- tes num mercado religioso desmonopolizado, foram sendo alcangados Pouco a pouco niveis mais exigentes de pluralismo religioso, de demar- cago mais nitida da diferenga religiosa e, por que nao, de conflitividade mais altos de envolvimento refle- \ivo dos proprios agentes religiosos com a ideia mesma de competigao religiosa legitima, “natur: multidirecional por conta dos niveis Ps e com isso, com a tor de que ela nio pede muito mais do que a din la de consciéncia ~amizagao racionalizada da am ou cada vez mais copiam uns ada administram empre de olho muitos adversérios. Resulta que esses empreendedores religiosos aparecem ~ assim eles se apresentam na vida cotidiana - como © pescogo numa inadiivel oportunidades, por mais eficdcia e suce: dores ¢ na fide idos. Ne ‘ostais ¢ altamente contagiosa. E toda uma termina por granje, oterta dos bens de salvagdo que eles eri dos outros, ¢ cuja distribuigio rec na resposta dos se mergulhade disputa por recursos € So na atragdo de novos consumi- métier, vale apontar desde j4, heopentecostais, mas nao sé. A febre é positividade de imagem Proativa que Or sranjear mais prestigio ¢ lepitimidade social para as religi- sou religiosidades que ender seu peixe™ tém-se esmerado os pente melhor souberem “y, S4 Digitalizada com CamScanner liberdade religiosa hoje em dia se pratica em chave de livre concorréncia todos 0s profissionais religiosos responsive) 4 hoy gido tradicional que um dia foi oficial, Logo. Desde seus mais remotos inici a grande reli- Digitalizada com CamScanner confissio que nie a catélica, estarfio sempre fazendo ~ pelo avesso ~ uma sociologia do declinio do catolicismo. £ inevitdvel. Desde que me conhego por sociGlogo ~e de safda fui ser socidlogo da religio no velho Cebrap da Rua Bahia, em Sio Paulo, casa em que ingressei como pesquisador-jinior em 1971 ~ € exatamente isso que tem sido feito e dito, sem rodeios nem exclamagoes, pela sociologia brasileira da religiao, calgada tanto em dados censitatios quanto em microteorias sociolégicas do mais amplo consenso entre 0s pares, aquelas que os criticos pés-modernos chamaram de “gran- des narrativas”. Assim que comecei a praticar sociologia, especializando- -me ja entéo em sociologia da religiio, 0 que aprendi de meus mestres ¢ colegas no Cebrap foi que o exame dos censos brasileiros de 1940, 1950 ¢ 1960 — a despeito das limitagées inerentes ao tipo de informagao que um censo demogréfico costuma apresentar, como por exemplo a impossibili- dade de resposta miltipla 4 pergunta “Qual é sua religiio?”, o que de cara exclui de registro os sincretismos todos e as duplas filiagdes - “revela(va) a tendéncia geral a um declinio moderado, mas constante, de adeptos da Igreja Catdlica” (CAMARGO, 1973: 24); e os protestantes, liderados pe- los pentecostais, mas também os espititas todos ¢ (vale notar!) os que se declaravam sem religiao, eram apontados como os principais “beneficia- rios desse processo de transigio religiosa” (p. 24). Quarenta anos depois, com exceco da umbanda, que para surpresa geral também est4 encolhendo em mimero de adeptos, as tendéncias re- gistradas no inicio dos anos de 1970 pela equipe do Cebrap liderada por Candido Procépio Ferreira de Camargo sao confirmadas mais wma vex pelo Censo Demografico de 2010. More of the same, portanto: 0 catolicis- mo em declinio, os pentecostais ¢ os sem-religiao em ascensao. A diferenca agora é que essas tendéncias se desenham de forma bem mais carrega- da, e o declinio do catolicismo aparece em aceleracéo. Mais um capitulo, apenas mais provocante, dessa interminvel novela censitaria que j4 dura mais de setenta anos, porém nao ainda o capitulo decisivo, ainda nao. Para frustragio de todos os que esperavam lances mais emocionantes, o pais ainda nao chegou a mostrar uma cara religiosa inteiramente nova. A grande mutacao cultural alardeada ainda nao se consumou, embora con- tinue objetivamente prometida pela sequéncia dos dados, pela constancia das tendéncias, pelas projegdes mais conservadoras. Por enquanto, o que 0 Censo diz & que o Brasil continua mudan- do nos conteidos de sua cultura, continua se destradicionalizando em 57 Digitalizada com CamScanner — Ve ul ermos religiosos, mas avanga a primeira década do novo seculo, nad, t , ma : década di nada, com 123 milhdes de catélicos declarados em 190 milhées de h, is”, ntados a bitantes. “E catdlico que nio acaba mais”, somos te Pensay iori ae re dado do Cvs de 2000, oq 2 ando se pu OM; 8 i pene es do Rio de Janeiro € ee abaixo dos 50% da populagio, ali j4 no eram a sisiele Mat ee usta majoritérios no resto do pais. Em 2012, com a divulgagao s esulta. dos censitérios de 2010, viu-se que a situagio se manteve, embora em uma meia diizia de outras unidades da Federacao os catélicos estejam préximos da linha demarcatéria da maioria relativa. Mas o Censo de 2010 trouxe também sua novidade acachapante: embora se mantendo como maioria em termos relativos, porcentuais, pela primeira vez na longa histéria de seu declinio, 0 catolicismo perdeu segu idores em ntime- ros absolutos. Os catdlicos declarados, que eram 125 milhdes em 2000, cairam para 123 milhdes em 2010. Dois milhdes de assentos vagaram nos bancos das paréquias catélicas do pais. Tem lugar sobrando, isso é totalmente novo, marca desse Censo de 2010. Enquanto 0 neopentecos- talismo triunfante festeja sua hora de construir catedrais, 0 catolicismo, como vem acontecendo em paises da Europa, j4 pode pensar em descon. sagrar igrejas para reaproveitar espacos ociosos. Pés-tradicionalizacao religiosa acelerada Do ponto de vista da composicao religiosa da populacdo de nosso pais, tudo leva a crer que vivemos tempos decisivos de inflexio cultural, Do especifico ponto de vista de uma demografia religiosa, 0 inicio do século XXI ver bater como um momento de despedicla, Hora do adens mais uma! —em que nos afastamos um pouco mais, agora mais acelera. damente e muito mais inapelavelmente, de um certo Brasil tradicional, vale dizer, do que ainda resta de Brasil tradicional no campo dae religides €M nosso territério, campo esse que nao faz tanto tempo costumavamos supor em grande medida tributa nalismos teéricos e Praticos, para nao tout court enquanto transmissao, t Barantia de permanéncia de toda e qualquer imagem de mundo recebi a é ida. Nao por acaso a reza catélica do Gléria ao Pai » muito rezada ainda, conclui em palavras desejantes: BS c Digitalizada com CamScanner “assim como era no principio, a , AZOra e sem A séculos, amém”, mas isso de « Pre, por todos os séculos dos ee “como no principio” esta E nao € somente a Igreja Cais Principio” esta acabando. ‘Breja Catélica a perder ad i a Perder adeptos para os dois maiores grupos em expansio, o do: F 7 eneao, 'S pentecostais e o dos sem-religido. Ao todo sao trés as religides que. Fi oe que, comumente classificadas em sociologia como tradicionais, mesmo que cad: : j i ‘ada qual seja tradicional a seu modo e medida, hoje mostram sérios sinais d, eaten ee a ‘ais de cansaco, mais que isso, de exaus- ae ae lade de reprodugio ampliada m primeiro i i ry ai ugar, como vimos, o catolicismo, esse que um dia se nsou triunfalmente = 3 } ve ae nos haver cunhado, em cultura e civilizagao, caté- fe do e de hal vez por todas, selando-nos o destino confessional lesde a prime is bli - primeira sinh atélicos de bergo e de colo. Do bergo eucaristi- co, representado na mitificada “primeira missa” (ISAIA, 2003: 250ss.) celebrada por Frei Henrique de Coimbra em Porto Seguro no dia 26 de abril de 1500, ao colo mariano, tornado trono em 1930, abertura da Era Vargas, com a proclamagao de Nossa Senhora Aparecida a “padroeira universal do Brasil” (DELLA CAVA, 1975: 14-15). Em segundo lugar o luteranismo, essa primeirissima dentre as for- magées do antigo protestantismo a se enraizar em solo brasileiro e que aqui desembarcou, para aqui ficar, com as primeiras levas de coloniza- ao alema no inicio do Primeiro Império, instalando-se, etnicamente au- tocentrado e espontaneamente segregado, meio-livre, meio-emparedado, num circundante Brasil oficialmente catélico. Ninguém fala muito nisso, sabe-se ld por que, mas o luteranismo, “tipo-ideal-em-carne-e-0sso” do chamado “protestantismo de imigragao”, também se mostra numerica- mente minguante neste Brasil. Seu decréscimo € notavel até como sinto- ma de um processo de destradicionalizagao que prolifera. 1 e Por fim, a umbanda é infelizmente também declinante. Digo infe- ignificagao cultural que essa formagao religio- aos olhos de toda uma elite lizmente por conta da si sa adquiriu em nossa historia republicana, de toda uma elit deixou embalar na crenca de um “Brasil brasileiro it jue se = . aa pce de uma identidade brasileira e empenhou-se na enunciagao normativa i seals in moldada em forma sincrética para fazer jus 4 nossa constitui¢ao cultu- ral mestiga. Celebrada em prosa € verso, em miisica € letra (PRANDI, 2008), como “a” religido brasileira por exceléncia, primeira ¢ jnica, misturada mas genuina, também a umbanda se apresenta, para espanto : : do numérica. geral dos menos informados, em gradual retragao 59 Digitalizada com CamScanner ara quem se interessa pela namica do campo religioso de un q i pela dini jo campo * i Zo retardataria apoiada na precariedade de y, | ‘do re an | balanga, mas nao cajy lesenvolvimento econdmico capitalista estil¢ a desenvolvim + 40 o impede de assolar por dentry || 2 no entanto nao o impede de a r0G estilo (ou falta) an de um processo cada vez mais agodad, € |, as estatisticas reveladas pelo Censo & | a io, além de inteirg, periférico em moderniza¢: pais com a vertigem estonteant de destradicionalizagao cultural 2010, na comparagio com as dos censos an ee mente coerentes com a teorizagao sociolégica ma anteriores, anonica, cloquentey or si mesmas. a ee . As curvas demograficas das diferentes religides que essas ee i es, desenha desenham, tanto as ascendentes quanto as declinantes, sen a com nimeros s6lidos a rota sem volta de uma destradicionalizagao cultural que mergulha definitivamente o Brasil nas teias liquescentes, ave Bau. man!, de um pds-tradicional sem rumo (BAUMAN, 2001), vivido tam. bém em religido aqui por essas plagas. ® REFERENCIAS BAUMAN, Z. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CAMARGO, C.PF. et al. Catdlicos, brotestantes, espiritas. Petrépolis; Vozes, 1973. DELLA CAVA, R. “Igreja e Estado no Brasil do século XX: sete mo- nografias recentes sobre o catolicismo brasileiro, 1919-1964”, Estudos Cebrap, n. 12, abr.unJ1975, p. 5-52, GIUMBELLI, E. O fim da religi@o - Dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na Franga. Sao Paulo: Attar, 2002. ISAIA, A.C. “A hierarquia catélica brasileira e 0 passado Portugués”, In: SZESZ, C.M. et al. (orgs.). Portugal-Brasil no século XX: sociedade, cultura e ideologia. 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