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Aolongo do século Vd.C.,olmpério Roma- no do Ocidente sofreu ataques constantes dos “povos barbaros”. Do confronto desses povos invasotes com os romanos desenvolveu-se uma nova estruturagdo da vida social européia, que corresponde ao periodo medieval. Em meio ao esfacelamento do Império Ro- mano, decorrente, em grande parte, das inva- ses germénicas, a Igreja Cat6lica conseguiu ‘mantet-se como institui¢ao social. Consolidou sua organizacao religiosa e difundiu ocristianis- mo, preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana. Apoiada em sua crescente influencia religio- sa, a Igreja passou a exercer importante papel politico na sociedade medieval, Desempenhou, as vezes, a funcao de érgao supranacional, conci- liador das elites dominantes, contornando os problemas das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, vastariquezamate- rial: tornou-se dona de aproximadamente um terco das reas cultivaveis da Europa ocidental, numa época em que a terra era a principal base da riqueza }+Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vas e engnado- ras especulacbes da “filosofa", se- undo a tradigao dos homens, se- gundo os elementos do mundo, e ‘ndo segundo Cristo. S40 Paulo No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influéncia, tracando um quadro intelectual em que a fé crista se tonou o pressuposto (isto €, 0 antecedente necessario) de toda vida espiritual. Em que consistia essa fé? 107 | capitulo 70 pensamento Cistdo:2 atristica © a escolastica ‘Como insttuigo mais rica e Influente da Idade Média, aIgreja Cat6lica ~ou figuras poderosas do clera ~financiou ¢inspicou srancle parte da arte da produgdo cultural desse periodo. Interior da Basilica de San Marco, Ita, Consistia na crenga irrestrita ou na adesto incondicional as verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades expressas nas Sagradas Escrituras (Biblia) e interpretadas segundo a au- toridade da Igreja. De acordo com a doutrina catdlica,a fé re- presentava a fonte mais elevada das verdades reveladas — especialmente aquelas verdades consideradas essenciais ao homem e que dizem respeito a sua salvacao. Nesse sentido, afirmava Santo Ambrosio (340-397, aproximadamente) Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espirito Santo” = Isso significava que toda investigacao filo- sofica ou cientifica nao poderia, de modo al- gum, contrariar as verdades estabelecidas pela fe catdlica. Em outras palavras, 0s filésofos nao precisavam mais se dedicar a busca da verdade, pois ela jé teria sido revelada por Deus aos ho- ‘mens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racio- nalmente as verdades da fe. Nao foram poucos, porém, aqueles que dis- pensaram até mesmo essa comprovacao racional da {€. Foi o caso de religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma paga de pensamento uma porta aberta para opecado, a duvida, o descaminho-e a heresia’. Por outro lado, surgiram pensadores cris- tos que defenderam o conhecimento da filoso- fia grega, percebendo a possibilidade de utiliza- la como instrumento a servico do cristianismo, Conciliado com a fé crista, 0 estudo da filosofia grega permitiria a Igreja enfrentar os descrentes e derrotar os hereges com as armas racionais da argumentagao logica. O objetivo era convencer 0s descrentes, tanto quanto possivel, pela razio, pata depois faz2-losaceitar a imensidao dos mis- térios divinos, somente acessiveis a fe. Nesse contexto, a filosofia medieval pode ser dividida em quatro momentos principais: = o dos padres apostélicos, do inicio do cristianismo (séculos I e Il), entre 0s quais se incluem osapéstolos, quedisseminavarn: -aypalavra de Cristo, sobretudo em telagie~ aetemas morais; Entre estes se’ destaca 2 figura de Sao Paulo pelo volume ¢ valor literario de suas epfstolas (cartas escritas pelos apéstolos); ; = o dos padres apologistas (séculos III € TV), que faziam a apologia do cristianismo contraa filosofia paga. Entre os apologistas destacam-se Origenes, Justino e Tertuliano, este o mais intransigente na defesa da f contra a filosofia grega; * 0 da patristica (de meados do século IV a0 século VIII), no qual se busca uma con- ciliacdo entre a razéo e a fé e se destacam a figura de Santo Agostinho e a influénciada filosofia platonica; * 0 da escolastica (do século IX 2 XV), no qual se buscou uma sistematizacao da fi- losofia crista, sobretudo a partir.da interpre- tagio da filosofia de Aristoteles, ese desta- ca.a figura de Santo Tomas de Aquino. ‘Acaracteristica fundamental dessa filosofia medieval €a énfase nas questées teoldgicas, de: tacando-se temas como: o dogma da Trindade a encarnacao de Deus-filho, a liberdade e a sal vacdo, a relacao entre fé e razao Destacaremos, neste livro, os doisanome tos mais importantes da filosofia medieval — patristica e a escolastica. PATRISTICA Matriz platénica nos argumentos da fé No processo de desenvolvimento do cris nismo, tornou-senecesséiio explicar seus prece tos as autoridades romanas e ao povo em ge ‘A Igreja Catdlica sabia que esses preceitos podiam simplesmente ser impostos pela forg Tinham de ser apresentados de maneira com cente, mediante um trabalho de pregacao e co quista espiritual. Foi assim que os primeiros padres da I ja? se empenharam na elaboracao de divers textos sobre a fé ea revelacao cristas. O conjun esses textos ficou conhecido como patristic por terem sido escritos principalmente por ess grandes padres da Igreja |. Heresia: qualquer ato, palavra ou doutrina contrdrio ao que foi estabelecido pela Igreja, em termos de fe. Na sua origem grega, heresia significava escolha, uma preferéncia por uma doutrina. Herege era a pessoa que escolheu uma determinada heresia, 2. Padres da lgreja; denominacao dada aos primeiros pensadores e escritores da lgreja Catclica, especialmente aqueles que viveram entre os séculos IV e Vill. A palavra padre tem aqui o sentido de “pal”, pois foram eles que formularam os primelros conceitos da fée tradicao catdlca nto ica, ses Uma das principais correntes da filosofia patristica, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos racionais, ou seja, buscou a conciliagdo entre o cristianismo o pensamento pagto. Seu principal expoente foi Agostinho, posteriormente consagrado santo pe- la lgreja Catélica, Compreender para crer,crer para compreender. Santo Agostinho 109| capitulo 7 0 pensamento Crstio:s patistes ea escolstica Pregador em praca publica da dade Média. A Conquista espiritual das populagoes a0 crstianismo nao. dependeu apenas do trabalho dos pregadores Necessitou da formulacio de ‘uma base teérica para estruturar © defender os: principios e dogmas dda doutrina crst, Sermio de 5. Vicente Ferrer (1467-1477) — Bartolomeo degli Er Aureliano Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, provincia romana situada na Africa, € faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia Nessa ultima cidade ocupou o cargo de bispo da Igreja Catélica. ‘Até completar 32 anos, no entanto, Agostinho nao era cristao. Havia tido até entdo uma vida voltada aos prazeres do mundo e, de uma ligagao amorosa ilfcita para a época, nascera-lhe o filho Adeodato. Haviasidotambém professor de Ret6rica em escolas romanas. Em sua formacao intelectual, Agostinho despertou primeiramente para a Filosofia com a leitura de Cicero’. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo maniqueismo, doutrina persa 3, Cicero (106-43 a.C): orador e poltico romano que se insbirou no ecletismo — a busca de um acordo entre os ensinamentos {das escolas platonica, arstotslca, hedonista et afirmava ser 0 universo dominado por dois gzandes principios opostos, o bem e o mal, man- tendo uma incessanté luta entre si Mais tarde, ja insatisfeito com o maniqueis- ‘mo, viajou para Roma e Mil4o, entrando em con- tato com 0 ceticismo e, depois, com o neopla- tonismo, movimento filos6fico do periodo gre- co-romano, desenvelvido por pensadores inspi- rados em Plato, que se espalhou por diversas cidades do Império Romano, sendo marcado [110 por sentimentos religiosos e crengas misticas’. Cresceu e se aprofundou, entéo, em Agostinho uma grande crise existencial, uma inquietagio quase desesperada em busca de sen- tido para a vida. Foi nesse periodo critico que ele se encontrou com Santo Ambrésio, bispo de Milo, sentindo-se extremamente atraido por suas pregacées. Pouco tempo depois, converteu-se ao cristianismo, tornando-se seu grande defensor pelo resto da vida. Representagao de Agostinho pregando em Hipona, de Carle ‘an Loo. O filésofo escrevia e predicava o tempo todo «© em diversos lugares. Também polemizou com aqueles que | contrariavam a ortodoxia da doutrina cris de sua época a supremacia do espirito sobre o corpo, a ma- teria, Para ele, a alma teria sido criada por Deus para reinar sobre 0 corpo, para dirigi-lo a pratica do bem. © homem pecador, entretanto, utilizando- Em sua obra, Agostinho argumenta em fa- vor da superioridade da alma humana, isto ¢, 4 Entre os neoplatonicos, citam-se Plotino (205-270) e Procio 411-485).

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