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Subsidios para 0 estudo dos leprosos no Portugal medievo. A gafaria de Santarém nos séculos XIU-XV Introdugao _Um vasto conjunto de transformagGes percorreu, como se sabe, a Europa do século XI e seguintes. Fruto de uma nova dindmica econémica e de algumas inovagies tecnolégicas, fez-se sentir primeito, no Norte de Itélia, Flandres, re- ties de Franga e Inglaterra, alastrando depois a zonas periféricas, como a Pe- hinsulaTbérica, Nao eabe aqui analisar este processo, que viria a repercutir-se em todos os niveis da sociedade, abalando o modo de vida tradicional, inverten- doa relagdo cidade-campo, obrigando, em summa, os agentes sociais a um esfor- 60 de adaptagio aos novos condicionalismos'. Na Ansia de disciplinar interesses contradit6rios, forjavam-se esquemas de Tepresentagfio da sociedade que, apontando para uma hierarquizagao funcional, Marginalizavam quantos no cabiam em grupos a que fora atribuida uma fun- do positive’, entre eles contavam-se 0s leprosos, considerados, pela sua doenga Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho realizado 10 Ambito do seminério A pobreza caantbnetnna ede Medios pientado pela Prot: Doutora Maria ose Pome "Tavares, inserido na apustencia na dade Média Orit a da Faculdade de Ciencias Socials © FOTO, a Uni- veridade Nova de Lisboa. Publicado incialments et soa idos medievais, n° & Porto, 1987, PP. 8-170, sob o titulo: “Subsfdios para 0 ‘eatudo dos gafos de Santarém (séculos XIII-XV). Entre muitas outras obras, abordando processo evolutivo curopr™ ‘ocidental nos séculos XI 2 XIM, jase, por exemplor Jacques Le Goff, La Civilisation, de TOccident médiéval, 2. ed. core, Paris, 1982, pp. 170-333: Guy Fourquin, Histéria econdmice ldo Ocidente medieval, Lis- boa, 198t, pp, 139°300; Robert Fosser, Histoire sociale de [Qoesdett ‘médiéval, Patis, 1973, Pp. 113-277; para Portugal, pode consultarse a recente or ‘de José Mattoso, Identificacao de tim pais, Ensaio sobre as origens de Portal 7096-1325, 5. ed, revista e actualizads, vol. It - omposigdo, Lisboa, 1995, pp. 15-65 pp. 79-144. geben) és ordens ou oimagindrio do feudalismo, Lisboa, 1982, sobretudo 0s leprosos no Portugal medievo ¢ a Gafaria de Santaréim_ 321 MANUEL SILVIO ALVES CONDE incurdvel, desfigurante e contagiosa, simbolos vivos da impureza, arredar de uma sociedade que se queria pura’, A pressio da existéncia de um mimero erescente de pobres nos me banos e o espirito cristo de entreajuda, despertado pelo clero, levaram a Pusesse de pé uma vasta obra fraternal, de que a criagio e estruturas dk mento aos leprosos € um aspecto particular. A fundagdo de leprosarias coneil; va o ideal de uma comunidade perfeita com as preocupagées cristis de catidade fratema: a cristandade medieval mantinha-se pura e misericordiosa, ctiandy comunidades de gafos devidamente cerradas, e alimentando-as‘, Pelos fins do século XIII e inicios do seguinte, a lepra entrou em regres. Sto por toda a Europa, mantendo-se embora alguns focos mais duradouros Permanece hipotética a explicagio deste volta-face. Na sequéncia, muitas gata. tias desapareceram, outras entraram em dificuldades. O processo de rufna das instituiges de benemeréncia nos finais da Idade Média parece, alis, ter sido geral e abrangido muitos daqueles organismos. Em Portugal, € verificével pelo menos desde a primeira metade do século XV, pare- que importa, 10S up. ue se le acoth. * Jacques Le Goff, ob. cit, p. 290, € José Mattoso, "Sociedade cristi ¢ marginalidade na Idade Média, A Gafaria da Senhora do Monte", Portugal medieval. Novas interpretagaes, Lisboa, 1995, p. 129. * Para a caracterizagdo do conceito de pobre, na Idade Média, cf. Michel Mollat, “Pauvres et assistés au Moyen Age", in A Pobreza e a assisténcia aos pobres na Peninsula Ibérica durante a Idade Média. Actas das 1.*s Jornadas luso-espankolas de Histéria medieval, vol. 1, Lisboa, 1973, pp. 1421; id., Les Pauvres au Moyen Age. Ewde sociale, Patis, 1978, pp. 9-21; Maria José Pi- menta Ferro Tavares, “Para o estudo do pobre em Portugal na dade Média», Revista de histéria econémica ¢ social, n.° 11 (1983), pp. 29-54; A. H. de Oliveira Marques, “O povo nos séculos XIV e XV. Contribuigdo para o seu estudo estrutural”, in 1383-1385 ea crise geral dos séculos XIVIXY, Jornadas de historia medieval, Lisboa, 1985, p. 18; e bibliogralia ai citada, ‘Sobre o papel da Igreja na organizagao da benemeréncia medieval, cf. Michel Mollat, ob. cit, pp. 53-72, ¢, relativamente a Portugal, cf. Fortunato de Almeida, Histéria de Portugal, 1 Desde os tempos preistoricos até 4 aclamagéo de D. Jodo I (1385), Coimbra, 1922, pp. 460-468, € LIL - Institwigdes Politicas e Sociais de 1385 a 1580, Coimbra, 1925, pp. 609-615; id., Histdria da Igreja em Portugal, 2.* ed., vol. I, Porto, 1967, pp. 237-240 Sobre a fundagdo das leprosarias, cf. Michel Foucault, Vigiar e punir, 2." ed., Petr6polis. 1983, pp. 175-176: "O exilio do leproso e a prisio da peste nao trazem consigo o mesmo sonho politico, Um é 0 de uma comunidade pura, 0 outro, o de uma sociedade disciplinar. Para este autor, © leproso permanece, na Europa oitocentista, como habitante simbélico do espago de exclusto, cuja populacio real era, de facto, constitufda por mendigos, vagabundos, loucos e violentos. * Frangoise Bériac, "La peur de la lépre”, L'Histoire, n.° 74 (1984), p. 57; id., Histoire des lé- prewx au Moyen Age. Une société d’exclus, Patis, 1988, p. 169. Estamos gratos 20 Professor Jacques Hers por nos ter indicado esta tiltima obra, aquando da sua publicacéo. Enire os focos de lepra mais persistentes, sublinhe-se a Escandinévia. Em Portugal, como adiante se verd, constata-se um desinteresse generalizado pela lepra desde a eclosio da Peste Ne- fa de Santarém LE Sa 322 Os Ieprosos no Portugal medievo ¢ a Gi aN HoRIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL ever mais & delapidagiio dos seus recursos pelos responsdveis do que canto enn 0S ‘mesmos*. Kg souencia de varios governantes que precederam, © nosso rei D. sonnel desde QUE acedeu ao trono, pds em execugio um. vasto programa de gs centralizadoras, abrangendo quase todos os sectores da vida do reino’. as trabalho preliminar & reforma que pretendia levar a bom termo no sector eesienci, ‘uma das primeiras diligéncias daquele rei foi mandar proceder & eaboragdo de tombos dos bens de hospitais, capelas, albergarias, confrarias, ga- farias e rendas dos concelhos, que reconhecia andarem diminujfdos e transviados dos fins a que 0s seus instituidores os tinham destinado, Alguns desses tombos chegaram aos nossos dias, legando-nos preciosas informagdes sobre os estabele- cimentos de assist@ncia a que se reportam’. Entre eles conta-se 0 conjunto relativo a Santarém, infelizmente incom- pkto, de que faz parte o "Tombo da casa de sam lazaro da uilla de Santarem’, fone principal deste nosso trabalho”, * Cf, Maria José Lagos Trindade, "Notas sobre a intervengio régia na administragio das insti- tuigfes de assist&neia nos finais da [dade Média", Estudos de histdria medieval e outros, Lisboa. 1981, pp. 191-203, ¢ Iria Gongalves, “As confrarias medievais da regido de Alcanena”, Boletim do Centro de estudos histéricos e etnolégicos, WV, Ferteira do Zézere, 1989, p. 16 ¢ notas 10-11 io cabe aqui a apreciagéo das reformas manuelinas. Sobre estas, pode verse A. H. de Oli- veira Marques, Histdria de Portugal desde os tempos mais antigos ao governo do Sr. Palma Car- las, vol. 1, Das origens as revoludes liberais, 4. e4., Lisboa, 1974, pp. 295-296. ¢ Jorge Bor- 25 de Macedo, "Absolutismo", in Diciondrio de Histdria de Portugal, dit. por Joel Serrio, vol. |, Lisboa, 1963, pp. 8-14. ; a 0 mais antigo tombo que se conhece, deste conjunto, data de 1498, 0 “Tombo das Cuptlsn © hostis de Guimaries", que se encontra no Arquivo Nacional da Torre do Tomb » Nicleo Antigo, ne 272, O estudo deste c6dice, na parte relativa 2 confraria de S. Domge vn Guimaraes, fol realizado por José Marques, "A confraria de S. Domingos ds Gxsmaries i Revista da Faculdade de Letras ~ Historia, 1 série, vol. 1, Port, 1984, pp. S795. a Existem outros tombos, cujas preciosas informagoes se mantém quase VAD DT ican, davia, excepgdes: Isafas da Rosa Pereira, "O hospital do Espirito Sanio ewe it sing Do tempo ¢ da histéria, WW (1971), pp. 53-95: Iria Gongalves, “As Confrarias Wetinyt (7 oa de Alcanena”, cit id, "Formas medievais de assisténcia num meio rural XC Sy ag do mundo medieval, Lisboa, 1988, pp. 33-68 Manuela Santos Silva. Ane Es udos ‘dade Média. Estudo comparativo de algumas insttuigSes de beneficEcia OY TN ital @ medievais, no &, Porto, 1987,_ pp. 171-242; Maria Isabel N. Miguéns- Gafaria do Santo Espirito de Sintra, Cascais, fai *ALN.T.T., Micleo Antigo, n.° 274, fis. 161-1820 ean aaa coer Foi elaborado durante a provedoria de Crist6vlo Lopes. tend [mre ae o bacharel Jodo Vasques, corregedor e sobrejuz da Casa do Civel. FASS A Ta soy adie Churunte a sua redacgl (realizada pelo notério Jodo Dias), © tomb? reegiio do licenciado Diogo Pires, do Desembaryo Résio Bees coe ‘Come nos demais casos, fizeram-se tres exemplares, do mesmo Wt eT a cspia, emos oexistemte no A. NT. T: No. Arguvo da Miseicordia de San feita em 1780, do exemplar que pertenceu & Gafaria (L-* 970) ees es ce: Seauerns eae tei d bryico x0 de todos ox cUron en i Cre espace posigio gia que esteve na sua origem, segue-se a relagao deal (0s teprosos no Portugal medievo € a Gafaria de Santarém 323 MANUEL SILVIO ALVES CONDE 1. A lepra e a assisténcia aos leprosos no Portugal medieva} 1.1. A lepra no Ocidente medieval De origem oriental", a lepra era doenga muito temid, nhecida no Portugal medievo pela designago hoje corrente ¢ Por outras, como gafeira, morfeia, gangrena seca, mal de Sio Lazaro, figado, elefancia dos ara bes". Porém, sob a denominacéo comum de lepra ou gafeira, abrangiam-se di- Versas outras enfermidades, como "eczemas e varias dermatoses complicadas", ¢ varias afeccdes venéreas”. A lepra € uma doenga polimorfa Habitualmente distinguem-se duas for- mas extremas, a lepromatosa e a tuberculdide. Entre estas formas polares existe uma vasta gama de sindromas"*, A primeira forma, a mais espectacular, porque mutilante, e contagiosa, Surge nos individuos desprovidos de resisténcia imunitdria ao bacilo de Hansen e evolui gravemente. Em geral, ocorte com menor frequéncia que a forma tuberculide, pouco ou nada contagiosa, que pode associar @ anestesia de placas despigmentadas @ diversas paralisias. tivos rendimentos, 0 compromisso do século XIII ¢ um curto Protocolo final, desprovide de ele mentos de datagio. Na auséncia desta, as indicagées disponiveis apontam para um dos primeios anos do século XVI. Os redactores dos tombos da regido de Alcanena, datados de 1502, foram 0: mesmos Jodo Dias ¢ Diogo Pires (cf. Iria Goncalves. “As Confrarias medievais da regio de oe pena’ cit pp. 78, 86-87 © 96). Dado que este ultimo ascons fungoes durante a elaboragio do ‘Tombo da Casa de Sao Lazaro de Santarém (cf. A. N. T. » Nicleo Antigo, n° 274, fl. 182v), te ‘mos de considerat ser este anterior aos tombos de Aleanena, "” Cf. Francoise Bériac, “La peur de la lepre”, cit., p. 57, " O bacilo—da mesma familia do bacito de Koch—transmite-se directamente ou através & objectos de uso corrente ¢ dissemina-se sobretudo pela mucosidade nasal, saliva, lesdes cutines ou mucosas. Cf. ibidem, p. 58, ri FCF. Angelo Ribeiro, "Assistencia’, in Historia de Portugal, dir. por Damiso Peres, v0! IV, Barcelos, 1932, p. 545. " Fernando da Silva Correia, Origem ¢ formagéo das misericérdias portuguesas, Lisboa. 1944, p. 186; Frangoise Bériac, ob. cit, p. 51-56. 0 Primeiro destes autores inclui a as as doengas geralmente associadas a lepra. Ei, Porém, controversa a presenga desta enfermidade ef contexto europeu antes do século XVI Mt Para 08 aspectos do foro patolégico, seguimos de erto Francoise Bériac, ob. cit, PP. 13-16, id., “La peur de la Iépre”, ci PP. 56-61, € Armando Tavares de Sousa, Curso de hist6r da Medicina. Das origens aos fins do século XVI, Lisboa, 1981, pp. 239-241 324 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém leva) 4 Wade ida pelo era eo. S, coma dos fra. n-se di. adas”, ¢ las for- S existe lagiosa, Hansen pouco adas a de ele- meiros am 0S po. nite , et pp sri HORIZONTES pO PORTUGAL MEDIEVAL cuja apresentagio pode ser acompanhada por reac: ants 25 afeeG05 ; ebris jsoladas ou perfodos mats ‘ou menos longos de febre, se verificaram 1s y portal medievo"- ‘ y ficientemente estudada a introdugio e difusdio desta doen- etd ainda insu , em ‘Europa Ocidental, sendo por Isso problemiticas as teses apresentadas ant 2 sua cronologia™. e acordo com Jean-Louis Goglin, a lepra teria su xf propagando-se mais ncentuadamente a partir do século XII e até a0 xiv”. Na opinitio de Frangoise Bériac, a lepra difundira-se por todo o Império gomano, a partir dos focos do Médio ‘Oriente. A conjungiio de fontes escritas e nateril dsteo-arqueologico mostra que a endemia teve um impacto considers yel na Europa ocidental nos séculos VI-VII. Recrudesceria nos séculos XI e XII, sofrendo uma recessio constante a partir da segunda metade do século XIII, para, trés centiirias decorridas, se tor- nar para os europeus — exceptuados alguns focos mais duradouros, como # Es- candinavia —, uma doenga tropical”*. ‘A documentago existente para Portugal faz pensar numa cronologia algo semelhante”. A propagagio da lepra n\ Jdade Média seria, porventura, répida e, a avaliar pelas info a doenga teria um rgido antes do século ‘9 nosso pafs durante @ rmagoes disponiveis. Seana eeceacacaneenerease ' Cf. Femando da Silva Correia, ob. cit., p- 186. Sobre a introdugao da lepra no Ocidente e os cle dda sun aifusto, cf. Jean-Charles Sour ria e Jacques Ruffié, As epidemias 10 hi 1986, pp. 131-137 ao No que se refere a Portugal, varios autores apontam a épgca das Cruzadas como 8 da tae uso ou, pelo menos, maior difusao desta doenga. No entire eo. Ribeiro, ob city P. S45. CO sidera que a introdugo da lepra no Ocidente ‘europeu coincide Ua descéncia na Peninsula com 2 invasio abe, : aeeios "Jean-Louis Goglin, Les Misérables dans roccident médiéval, Pans, 1976, ae er Brangoise Bériac, 0b. cit. p- 57: id | Histoire des léprei a Moyen Ast. Phe "Ruff, ob. cit ‘© declinio da lepra na Europa ¢ as suas causas, “eh Jean-Chacles Sournla € Jacqui : pp. 141-142. © Joué Leite de Vasconcelos, na Medicina dos Lusitanos, cameo em ques nara ume rlagosa cura de om vel qu tal narativa seja um mero reflexo de 1) ons ge an Salvador db Tasntiea fiiagdo biblica poderd tera inscriga> Myo dintel da igreja asturia de San Semerdi= Valletta fn do secu TX, rogando, para os 2 no respeit Cita tlepra prosapa teneat sua” € 08 BOcUneN partucaleses do como castigo para os que nao cumprem © eles €estipuladd: © eM sca 959 ("plaga percussus a uertice capitis ‘usque in ‘uestigia pedum 1eps ro eque ad planta a sae Par, e a carta de Moreira de Riba de ida, d= 986 C8 ME Choro ee pedis lepre percussus abuliens wermis Cars i ia’) CE Cals A enta 05 pedis Tepe paren Sg asistencia a0 NOSE Portugal APiadas Tusovespanholas de pobres na Peninsula Ibérica durante 4 I cras das 15" ed, Guiima- Mstbria medieval, vol. 1, pp» 39-40, © Vina" ‘es, 1931, pp. 10 © 16. 123, refere um do- sgculo Vi. Todavia, € POS oe wpcosce wo Posen] ELEN? ‘a Gafatia de Samtarém 325 MANUEL SILVIO ALVES CONDE cardcter endémico desde, pelo menos, os meados do século XIF". tém, que 0 estudo sistemitico dos dados existentes esté por fazer, pelo aque sty ideia, como outras apresentadas mais adiante, deve ser entendida como hipotese de trabalho”. Deduz-se, dos elementos conhecidos, que as Tegides do Portuya medigvico mais atingidas pela enfermidade seriam o Norte, o Centro e a ot maritima, 0 que corresponde, em linhas muito gerais, as regides de maior pes demogrifico, na época”. Aponta-se geralmente como causa da sua introdugao ¢ disseminagiio em territério Portugués © contacto constante com o Oriente, que as Cruzadas asseguravam. Outros factores devem, no entanto, ser também refe. Tidas: as condigdes da vida quotidiana, sobretudo no que se refere A higiene co- lectiva e ao asseio individual, ao vestudrio e a alimentagao”, 0 nivel dos conhe- cimentos médico-cientificos da época e ainda o contacto com peregrinos porta- dores do bacilo™, Notese, py, A medicina medieval possufa conhecimentos aprecidveis no dominio da Sintomatologia da lepra, como pode ver-se pelos livros que produziu. A heranga Breco-romana, transmitida e aprofundada pela medicina érabe" fora retomada nas Universidades de Salerno, Bolonha, Montpellier e outras. Uma pequena re- volugio médica operava-se mesmo pelos séculos XIII-XIV, com o reconheci Trento — impulsionado pelas descobertas da medicina arabe — do polimor- fismo da doenga”. Por volta de 1305, Bernard de Gordon, professor de Mont- Pellier, podia dar-nos uma interessante defini¢do 0 mal: "A lepra é uma afecgio de todo 0 corpo. Provoca piistulas e excrescéncias, a reabsorgiio dos mtisculos, Portucalense. Odério Guandilaz, atacado pela terrivel doenga, dot is edificiis et quantum a prestitum mea la ro mchl bene complacuit et uos fates de illo monastei¢ ci eaitale in mea uita pro que ego sum misso in lera et fragicia” Cf, Docuret@s imedioras Portugueses. Dacunentos pariculares, vol. Il, Lisboa, 1940, 6215, 2 Tal como 0 que auiante se diz sobre a testamentaria 12 instituigao de gafarias. 3, Yeia-se adiante-o mapa 1 ~ Gafaias medievaisportugueens, * Ch. A. H. de Oliveira Marques, A sociedade medieval portuguesa, Aspectos de vida quotl- diana 3. ed. Lisboa, 1974, pp. 7-104, ¢ Angelo Ribeiro, ob elem $48, zx Racor salientado por Luis de Pina, Vimaranes, Pon, 1939, p 140, aCt Fransoise Micheau, "L'age de 'or de ia médicine arabe’, L'Hisrore, n° 74 (1984), PP> 31-33. * Referimo-nos, designadamente, & descoberta da insensibilidade das Placas, que est na ori gem da identiicagdo da forma tuberculside da lepra, Cf, Frangoise Bériac, “La peur de la Iepte cit, p. 57, > ibidem, p57. A medicina antiga conhecia apenas a forma lepromatosa, que designava por elefantiase. 326 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém a 6s eproses m0 Po fry HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL eghmente entre 0 polegar eo indicador, a insensibilidade das extremida- CoP ese afecgdes cutiineas. Eis os sinais anunciadores do fim: corrosiio da aes, fen sm entre aS narinas, mutilagio das mios e dos pés, nuns, engrossamento ae e nodosidades por todo 0 corpo, noutros, dispneia e voz rouca™. 2 ‘Aenfermidade era, segundo a opiniado de especialistas e niio-espe-cialis- 1S, algirida por contégio ou hereditariamente”, e reconhecidamente incurd- xe 0 auxitio médico nao era, porém, de todo desprezado, j4 que poderia, pelo vans, “alargar e estorvar" 0 curso da doenga’", No campo da terapéutica, re- raiuirios medievais indicam varias mezinhas aplicdveis no combate & terrivel aispio, Uma teceita do século XIII indicava: "Para tolher a lepra, coze as cin- nas das malvas em figua e lava os olhos"*. No final do mesmo século, Pedro Fispano recomendava, no Thesaurum Pauperum ®, a aplicagéo de vinho de ser- pente que vivesse em monte escalvado e arido ou de estopa embebida em dleo onde tivesse sido cozida uma vibora. O tratamento termal, sobretudo de Aguas sulfiiteas, parece ter sido corrente entre nés™. ae , 4 Frangoise eg Na Liro de Medicina (Practiva sive Lim medicinae), Nossa tradugio, @ partir de Frans tic, ob. cit, p. 57. aa ™ Tatver devide as pregagBes que ameagavam com uma deseendéncit ce orerie ee 0 que mo observavam as prescrigbes de continéncia estipuladas pela rel tiodos. Cf. ibidem, p. 58. os. Cf. ibidem, p. ; io hereditiria. Cf. ibidem, p. 58, & Hoje, considera-e a lepra uma doenga conagiosa mas no Rerctt sa eiescsibtidede, Jean-Charles Sournia e Jacques Ruffié, ob. cit. p. 137, quanto & &e igorreties, on conclut pru- Frangoise Bériac acrescenta, porém: "Aujourd’hui, sur des Dases TOT eat éire, une emment que Vapparition de la Tepre depend de plusieurs facteurs, P susceptibilité héréditaire & Ia forme lépromateuse” sitva Carvalho, Histéria TCE. Armando Tavares de Sousa, b, cit, pp- 239-240. AUBUHO SST igus valosco da lepra em Portugal, Porto, 1932, pp. 165-166, sintetiza #8 SIs Tg, seeuto XV (ef. AF Leena rater em Montpelier, nos fins do culo XIV © Pr Rie ob. cit P mando Tavares de Sousa, ob. cit, pp. 230 e 249). Jean-Charles Sourmat eae yeitos. Ente elas 133, apontam vérias formas de tratamento a que os gas eram [rod evocam a castragao, que suptem, porém, pouco Praticads 2 Cf. A. H. de Oliveira Marques, ob. cit. pp- 97-98 » Jaem, ibidem, p. 98. a > Fernando da Silva Correia, ob. cit, p. 360.¢ Auguse assinalam algumas estincias termais frequentadas por lepros0 de Obidos. o 6. que va Carvalho, 0b. cit. p. 7 ‘aidas de LafSes, Aregos ¢ Caldas augat medievo ¢ a Gafara de Santarém 327 MANUEL SILVIO ALVES CONDE 1.2. O lugar do gafo no imaginario medieya] Pelo seu cardcter contagiante e pelo pr6prio aspecto exterior, desfiguray das suas vitimas, alepra era doenga allamente repulsiva ao homem sie Pees Pugnancia ¢ horror que, de imediato, inspirava, 0 gafo facilmente se iar’ mou em simbolo negativo: simbolo de impureza, de corrupeaio fisica ¢ moral Mas os sentimentos que faia despertar eram, de facto, mais complexos ¢, com veremos, 0 leproso podia até simbolizar valores positivos. A Biblia apresenta a lepra como estigma da impureza, dos erros dos ie mens: "Lembra-te 0 que Yahvéh, teu Deus, fez a Miryam, durante a fuga do Egipto". A lepra € o castigo de Yahvéh, por Miryam ter falado contra Moisés* Mas com Job, que aceita resignadamente 0 mal que Ihe dilacera 0 corpo, a lepra 6, pelo contrério, via de redengao”. 4 Europa Ocidental herda da tradigao judaica, continuada pelo Crista. nismo, esta dupla imagem do gafo, bem evidente nas lendas de Constantino de Sio Julido, hospitalério. O primeiro, segundo uma versio aceite por Gregerio de Tours, no século VI, ter-se-ia tornado leproso por perseguir os cristios, recu. Perando a satide apés 0 baptismo, Quanto a So Julido, tendo recolhido um gafo no seu leito, viria a reconhecer nele o préprio Jesus Cristo". As formas de representagio criadas pela Cristandade medieval com 0 in- tuito de disciplinar os interesses contraditérios impulsionados pelo progresso dos séculos XI-XII consideravam apenas os grupos sociais a quem se atribuia uma fungio tida por positiva”. A perfeicdo ideal a que aspiravam levava-as a Pr deliberadamente & margem os que nio se vergavam A ordem estabelecida ou que nio se desejava incluir nessa mesma ordem". So 0s trudes e prostitutas, a expresso viva do prazer descontrolado, do Ca0s pré-cristio, so os judeus € mouros, obstinadamente refractitios & aceitagao z eee nemmearo °t Francoise Bériae, Histoire des lépreus au Moyen Age, pp. 87-121; José Mattoso, ob. cit, pp. 125-126. Na perspectiva do gafo como simbolo de corrupeo, um exemplo notivel & 0 da entrega de Tsolda, culpada de adultério, aos cem leprosos, por ordem do rei Marco, na terrivel namativa de Béroul, transcrita parcialmente por Jacques Le Goff, ob. cit, pp. 290-251. Ao mito de Trisifo € Isolda dedicou Denis de Rougemont grande parte da sua obra, hoje considerada clissica, L'Amour «t VOccident, Paris, 1939. Na versio portuguesa de Ana Hatherly (O Amor eo Ocidente, Lisboa, 1968), por nés utilizada, 0 episédio é refetido a p. 25, "Deuteronomio, 2, 9. Citado por Jacques Le Goff, «Memérian, Enciclopédia Einaudi, dir. por Ruggiero Romano, vol. I, Lisboa, 1984, p, 24, 2 A.ambivaléncia que agui encontramos em textos do Antigo Testamento mantém-se nos Evangelhos. Cf. Frangoise Bériac, “La peur de la lépre”, cit, p. Se 5" Ibidem, pp. 58-59; id, Histoire des lépreux au Moyen Age, pp. 111-114 € 131 * Georges Duby, ob. cit., pp. 18-17. i *° José Mattoso, ob, cit. p. 129, ¢ Jacques Le Goff, La Civilisation de !Occident médiéval, p. 290 328 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém our oa, dir. 108 val, HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL inl Uns & Outros, pela natureza voluntiria dos pecados que se hes 3° os ianboli avam & corrup¢io moral em que o homem podia resvalar, por st jeroni® Anova ordem rejeitava-os, mas ndo os conseguia suprimir. nt cegregagao!sinalizaga0, necessiria para que se ndo rompesse © equili- nies ate cists yoos pobres € OS doentes incurdveis nao podiam ser considerados respon- ida ua propia infelicidade. Se eles, € sobretudo os gafos, que nos interes- conpanicularmente, se prestavam a ser OS simbolos vivos a degradagio humana, ao do pecado original, também podiam simbolizar, se aceitassem resignada- rete 0 SEU infortinio, a via da redencao humana, Dai a ambivaléncia que mar- cqvaaatitude da Cristandade medieval para com eles, bem definida pelos bind- ‘ios execragio/atracgio, horror/compaixio, repugnincia/socorto. 0 ideal de uma sociedade perfeita conjugar-se-4 com as preocupacdes ramento dos leprosos em espagos de reclusio. As ‘tuar-se "a distancia de uma pedrada da cida- "a fim de a “caridade fraternal” poder ser exercida, sublinha Jacques Le ato em relagao a0 rato. Os gafos, hor- Goff, que compara esta atitude com @ do gi rorosos, perigosos, segregados a curta distancia ¢ por isso visivel, eram afinal | tem necessarias & sociedade medieval: ela forja, nos cuidados que Ihes dedica, @ sva boa consciéncia e neles projecta & fixa, magicamente, OS males que de si ar- red jiuemais cristis no enclausut asias, ou leprosarias, deveriam si 13. AExclusao Social dos Leprosos s dos sdos, afasta- Imente separado t e natureza higié- Rejeitados/eleitos, 08 BafOs Oo sic eesencialmente dos dos lares. Sobre eles rica, ; ‘ “nes desde 583, tal como wh capitular de Carlos Os coneftios referem-se Th? cry siio abundantes 98 informagdes a este Mga de 189% NOY Sen ee a tr sue pnp peito, nos sinodos SOFT - controlo de eMossutmos ideias muito precisas sobre as suas obrigagdes"” fever de cantar doze missas por morte de qualquer leproso'”. dda missa didria em que toda a comunidade participava™. Juir-se-iam também, decerto, a administragao de sacra- ‘a eucaristia e a extrema-ungao, € no caso de vacatura do bstituia, a titulo pro- rien celebragio afem ig seus deveres inc se Léaros, nomeadamente a confissi, de ceriménias finebres. Provavelmente, dor (ou provedor) era 0 capelfio que 0 stl nent0s 208 4 celebragao cargo de comenda visstio™ 2.5. Deveres e regalias dos gafos 0 compromisso de 1223 apresenta todo um conjunto de disposigoes rela- inas a gafos, seus direitos e deveres, que passamos @ apreciar. Pea a cua admissdo na leprosaria, 0 candidato teria de provar “per ho- ons’ ter contraido a doenga em Santarém ou no seu termo™. Como ra leproso, seria levado pelo comendador © ficasse o seu estado’. eens bo referimos, se se suspeitasse que nao e! dois izaros "aos meestres", para que se veri eee TTT PerreerL Sseeeeeee © Apéndice, doc.® 1, arts 5 ¢ 32. © Pouco se sabe, também, sobre a situagio do capelio noutras leprosarias portuguesas. Em Liston, de acordo com Maria Teresa Campos Rodrigues, ob. city P. 129, 0 capeldo era designado pelo concelho e deveria celebrar missa na ‘ermida de Sao Lazaro aos domingos quartas ¢ Sextas fei- 1s, recebendo em contrapartida, um vencimento anual de ‘mil e quinhentos reais ¢ dez alqueires. de tig Nao era da sua competéncia, mas do prior de Santa Justa, administra a extrema-ungio. Re- ltramente a Coimbra, o ret Afonso IV determina 9 6 escrivio fosse clérigo e rezasse missa ri ee por semana na igreja da Gafaria. Deveria ser designado pelo rei, com base em pareceres al rare bons da cidade e auferia, por todo o seu trabalho, quarenta libras, sestinadas 20 vestude me bs mois ‘em trigo e outros dois de cevada, em cada ano, ¢ uma dose didria de "hua meya € ah tra meya de vinho", cf. A. da Rocha Brito, ob. cit, p. 15. rcelona destes capeldes seriam, porventura, multo ‘semelhantes 3s que sfo referidas, para els ig real ‘Aurora Pérez Santamaria, "El Hospital de San Lazaro 0 ‘Casa dels Malalts 0 Ma- acelona, eae % fe A enciaa los Pobres en la Cataluta Medieval, dt. por Manuel Riu, tr 280, p. o Avia, doc. 1, art 10. Say faiigato dos gafos em tal acto religioso€ referidaem acta de sessio do. Cabido de 20 ™” Belo ses Cf. Arquivo da Misericbrdia de Santarém, L.°970, fl 47 {apéndice, doc.* 3). ago MOH EM T3H4, um cio Pore Martins, que surg a represeniat 05 TSzar0s Pe- 1 APandice, doc. 1, art 2. idem anes (0s leprosos no Portugal mediewo ¢ a Gafaria de Santarém 351 MANUEL S{LVIO ALVES CONDE Competia ao candidato aceite pagar uma jéia de ingr de ragoeiro"™. Esta era de valor varidvel consoante a situagao civil gg te Quando casado ¢ com filhos, pagava, da metade dos bens que [he canta terga parte. Porém, se nio tivesse filhos, embora casado, entregava Meta a bens que the pertenciam. Sendo solteiro, entregava tudo o que Possuise bos Cepto a roupa pessoal e de cama, bem como as alfaias'*, ee Os gafos pobres estavam automaticamente excluidos da Gafaria, Ji que exigia a entrega de cinco maravedis «pera a mesa>, mesmo se o candid, “han guuet nimigalha’™. O status do lazaro definia-se, pois, a partir da posse te ia determinado nivel minimo de rendimentos. Como ja vimos, a diferenciagao en, tte os leprosos que “ham regam nas gafarias" e os “lazaros andantes a0 mundo* Provocava, em Lisboa e Santarém, um relacionamento tenso entre os dois eas, {0s, que evoluiria até ao nivel do confronto fisico, suscitando a intervengio regia, em 1365", Se 0 leproso prestasse falsas declaragées para se furtar ao pagamento da j6ia correspondente a sua situagdo, perdia 0 direito a ragdo até entregar o valor em divida, Se se verificasse que nao era doente, ou se deixasse de sé-lo, era ex- cluido da Gafaria, perdendo 0 valor da jéia. Porém, se posteriormente fowse readmitido, nada pagaria', Num esforgo de impor a concérdia e 0 bom entendimento entre os liza Tos, evitando as talvez frequentes disputas © alteragdes entre estes, ou com os Sos que 0s contactavam"”, 0 compromisso desdobra-se num elevado numero de normas punitivas dos delitos mais comuns. Nelas se classificavam os crimes due cabiam na esfera judicial da instituigdo e se prescreviam as penas respectivas que, em concordancia com o direito penal da época™, assumiam a forma de multa pecunisria ou, mais frequentemente, de pena corporal (privagao, por al- guns dias, da ragio)'”, 80, dita %e aero REESE EH -PEEE- PEEP “ Thidem, art? 31 ' Tbidem, an’s 1,47. Ibidem, art? 1 “S Como atrés foi referido, CF. nota (55). "* Ibidem, Att? 7. "" Frangoise Bériac, ob. cit, p. 67, afiema: “La grande difficulté résidait partout dans organisation de la vie commune des malades. Condamnés 2 ne fiéquenter qulun groupe (88 fee {rint de personnes, les lépreux semblent souvent bien mal stentendre. A la maladrerie d'Amiens, | faut imterdite les couteaux pointus, patout punir sévérement les bagarreuts", “* Sobre este assunto, cf. Alexandre Herculano, Histéria de Portugal, vol. IV, ed. por José Mattoso, Lisboa, 1981, pp. $06-529; H. da Gama Barros, ob cit., 2 ed. t. Vil, Lisboa, 1948, pp. 204-214. " Apéndice, doc. 1, arts 12, 13, 14, 15, 17 ¢ 18. 352 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém emtradg 9 gato, ‘abiam, Pa ttade dos Usse, ex: 4 que se to "nam, e de um Ago en. mundo" Ss estra- io régia, ento da © valor era ex- € fosse 9s liza. 2om os nimero crimes rectivas ‘ma de por al- 1 dans as re ens, il wr José 1948: ORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL OES DOS GAFOS E SUA PENALIZACAO oe | | PENAS | INFRACG | —Altereagoes © insultos verbais — perde a ragdo 3 dias | ~ ‘altercagées € insultos verbais graves — perde a ragao 6 dias | ~~ ‘ncto que faga outro lizaro perder aragdo | —perde araclo 9dias | Ae estemunho conta outro Feproso | ovebe a pena GE | recairia sobre aquele I — perde a ragio 3 dias | Ges e insultos verbais — Altereag INTRA 7 —Recusa injustificada a0 servigo da casa —perde aragio 3dias | 1058S — peslocagiio & vila, nfo autorizada — perde a rago 3 dias REGRAS — pratica ilfeita de relagdes sexuais —5 maravedis ou x cOMUNS pulséo corrigiveis, sendo solteiros —expulsio _— Perturbadores in ido pelas ofensas, fisicas ou verbais, a ‘a competéncia judicial da tes, corte de membros Ou afaria eram também ‘9 da comunidade s acolhia prolonga- a parcela dos bens a Gafaria. O seu constitui trds, extravasavam m mot muns da Gi ou expulsa is significativo € gafos ou S20. a jnstituigdo os actos violentos € que resultassel golpes profundos. AS infracgoes as normas CO punidas: pela privagao da raga, multa pecunidria ‘As obrigagdes dos gafos para com a instituigdo que ja sua vida. Assim, um vam-se mesmo para além ‘dos limites 4 hamada mortoria, era retirada para dos ragoeiros defuntos, © montante exacto € descon! Para além das normas Jo do auxilio mi me as hecido™™. que sats jaterial © &S p | auxilio revesta- idados com @ vida conhecer a extensé Que o objective doentes que la se internaval Como se sabe, de aco} moral prevaleciam sobre as ae da conduta humana na légica do funcionament preocupagses era a salvacdo fo da Casa de S40 Been Cr omtianns dos bent avelino de Jesus a metade a 428, ¢ Avelin ! "joel Serra. “Essa a ters 5. parcela podia corresponder & avant ; a ee onlay, 19 EMCiA Gal pp. 425428, Spor Costa, “Latuosae "Mortudas’ DY Buc iri Porat 8. I, Lisboa, 1965, p. 836, e ill, 112-113> respect Me a a Rocha pri’ Gefaia de Coimbra, a8 eMrias exam ro vat de um tergo dos ob cits pp. 1617. corms da aecoee snces oj, art? 31 ‘a Gafaria de Santarém 353 os leprosos no Portueal medievo © MANUEL SILVIO ALVES CONDE Os gafos dispunham, como vimos airés, de um orientador manente, 0 capelio, a quem competia celebrar a missa quotidian comunidade™, e ministrar os sacramentos. A pratica religiosa estava bastante voltada para a meméria dos com nhetos faleidos. Quando algum gafo morta, o capelio rezava doze mice sua alma, ¢ os ragoeiros deviam, em obedigncia &s normas staat rene missas de pater noster"®. Face a esta obrigagio os prevaricadores seam nn ventura poucos, dadas as sangées em que incorriam, nos planos moral ¢ nox Tal. "[..] rezamos nossas horaas, que som nossas horagodes, e Miss gud diaa pellas almas dos Defuntos, que nos leixarom", assim afirmavam os tay reunidos em Cabido, o cumprimento dos seus deveres religiosos'™. Bram grandes as preocupagées relativas & vida sexual dos lepross, or isso objecto de cuidadosa regulamentagio. Se a pritica sexual dos lizaros cas dos no momento da admissio era tolerada —obviamente no contexto estrito da relago conjugal —, solteiros e viivos eram forgados & abstinéncia total. Os pe varicadores eram severamente punidos, fosse siio ou gafo o parceiro da relayio ictal. No que toca & esfera material, as informagSes de que dispomos referem quase exclusivamente ao aspecto alimentar. spinal ae, assist pel ‘' Cf, nota (138). ais 908 '8 Apéndice, do. 1, an 10 wo dos seus 10105, 3 a Pertencendo & imagem estereotipada do gafo a ideia da rejeiga0 408 S15) ssinal ‘cemitérios comuns (cf. Jean-Charles Soumia ¢ Jacques Ruffié, 0b. cit P séncia, no nosso caso, de mengdes a qualquer cemitério privativo: 4 4) '** Arquivo da Misericérdia de Santarém, L.° 970, fl. 48 (apéndice. 0 ' Apéndice, doc® I, art? 11 e 12. 354 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém a HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL gachO DOS LEPROSOS EM VARIAS GAFARIAS (0s quantitativos Teportam-se 4 dose média, didria, de cad, a la gafo) ) r aA Gafatia de Santarém_ Coimbra | 1329 1367 5 xo a Ks de 237 kede | 2,37 kg [2.37 kg aaeey ae | BPE dettigoe | detrigoe | OR eg 8 ke de LI8ke | 118 kg seeange® | Smal demitho | decevada 33819 [2251 0.051 0,051 Lisboa | Bareona 1502 [Nino x ite x } [Sal Ie Came 2.2519 [1481 0.051 [0,051 | Prine | Queijo Fruta Atroz : FONTE | tay wy wr wy Te Fe Desconhecem-se os quantitativos. ™ Acabado o trigo no celeiro, o gafo recebe dose duplicada de plo de segunda, “ Acabado o vinho na adega, 0 gafo reesbe diariamente 8 dinheios pars o ada. ™ Acabado o vinho na adega o gato recebe diariamente 8 resis pra o aqui Quando o vinho «for em estrelidade», a dose é reduzida para 1,18 1. Compromisso de 1223: A. N.T. T., Niicleo Antigo, n° 274, fs. 180y-183 (apéncice, doc 1); Arquivo de Misericérdia de Santarém. L.* 970, fs. 47-48 (apendice, doc. 3). "© Regimento de 1329: A. da Rocha Brito, ob. cit. PP 14-18. © Compromisso de 1367: Cf. Maria Helena da ‘Cruz Coelho, «Apontamentos sobre a comida € abebide de compesinato coimbrso em tempos medievoss, Homens, esparos ¢ poderes, séculos XI-XVI, \— Notas do viver social, cit., pp. 9-22. ‘ Regimento de 1502: A. da Rocha Brito, 0. cit» pp, 4-25 © Regimento ¢ estatuto da Casa de S, Lézaro de Lisboa, Livro das Posturas Antigas, pp. 1808 jurora Pérez Santamarta, «El Hospital de San Lazaro o Casa des Malats 0 Mascls», La Ponce haststencia alos Pobres en la Catala Medieval, dt. por Manvel Riv Bareslona 1980, p. VII. | | Steffi ea — (0s leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém 355 MANUEL SILVIO ALVES CONDE O direto & ragdo era adquirido pelos gafos desde © momento dy i missio. Como vimos, podia ser suspenso por infracgdes As normas dy Catan, A rago era constiuida por produtosalimentaes, nomeadamente nho e azeite, provenientes das propriedades da instituigao'™. Desconhecemoy quantitativos didrios desses produtos a que os gafos de Santarém tinham dire bem como os restantes produtos inclufdos na rao, Provavelmente, a sua estry. tura seria semelhante a de outras gafarias, melhor documentadas Neste aspecto, O direito & ragio mantinha-se quando o gafo, devidamente autorizado, saia para “pidir ou adubar sa proll", ou se dirigia a qualquer romaria ou "aus calldas""™, A distribuigao dos produtos alimentares nao seria de todo pactfica, O desleixo ou a cupidez. dos responsveis, somados a dispositivos reguts. mentares que, por exemplo, prescreviam a repartigdio pelos gafos de todo 0 ce- teal que, em Maio, restasse no celeiro, deram azo a situagdes de fome na comu- nidade. D. Joio II denuncia-as em 1483, ao estipular um novo regimento de re. Partigdo do pao ¢ vinho, para obviar 4 "maa gouernanga" que considerava estar na origem dos problemas existentes"”, Para além da frugal alimentagdo didria, os Kézaros tinham direito a refei- $0es extraordinarias, em determinados dias de festa. Eram as pitangas, devidas & caridade de benfeitores que procuravam salvar a sua alma através das proces dos beneficiados'*. Desconhecemos os dias festivos em que a pitanga tinha lugar na Gafaria de Santarém e qual o contetido exacto dessa refeigdo extraordindtia Sabemos que no Sao Joao e Natal, juntamente com 0 azeite e, porventura, al- Buns dos produtos recebidos como foragens, se distribufa pelos gafos um qui- nhao de dinheiros, provenientes de rendas e mortérias'™. Estas datas correspon- deriam decerto a dias de pitanga, mas no seriam as tinicas. O regime de pitan- Sas, a sua organizacao e contetido aproximar-se-ia, supomos, dos que vigoravam na €poca nas leprosarias de Coimbra e Barcelona, que conhecemos melhor. —— ' Tbidem, art.°s 25, 31 ¢ 32. "© Thidem, art.° 31 8 A. N.T. T, Estremadura, L° 3, fl. 209 (apéndice, doc. 2). '* Sobre as pitangas, veja-se Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, 3", in ob, cit, vol. Il, pp. 478 € 94-96, respectivamente. ' Apéndice, doc.” 1, arts 6 © 26; Arquivo da Misericérdia de Santarém, L* 970, fl. 47 (apéndice, doc.” 3). "Pitanga” e "Charidade. 356 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém om HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL da sua ag. jsTRIBUIGAO DE «PITANCAS» EM VARIAS GAFARIAS 1 Gafaria. D nle Pio, yi, | hecemo, 9 Gafaria de mange OeT OR Data 14M dteito, ioe * Sua estry. Santarém, Coimbra Lisboa | Barcelona | > Aspecto, | | } autorizado, { 1329 | 1346 | 1502 | | ria ou "ang | | ay (a) (by im Nove | wal ania ica. e =a we © "os regula. [rps | “| todo 0 ce. (Gunelisia 1 w oa ae na comu- | Enwudo Gi nto de re- TVirgemde Margo_| - }— 2rava estar Endoengas | it a Cinzas (0 a refei- va P&S | @ © a devidas & res @ «e) ) ~ rreces dos aaa | “ _- [Pemecostes = ce Corpus Christ : ntura, al- ie oO) w @ sie um qui- S.Joio of orrespon- Santa Margarida o = de pitan- S.Xisto { oD igoravam | Véspera de Santa oy hor. | Maria de Agosto cree | ns «b) [Virgem de Agosto _| = ae sta de mel, 5 soldos © 2 céntaros de vinho, 1 onea de pimenta, 2 oe eet a (150220 reas) para lenha ¢ 8 libras (1502: 288 reas Comida especial e I diner a cada um. “As vides da vin anexa gO ga uns vies fressuras ¢ unto, além do al : sais), sendo Pi lamp, P82 502 de 288 res vee nes 50: $88 700 8 "camaro de vinho, 5 sotds (1502: 20 reais Pas ie ciatias, 40 soldos (1502: 20 reais) para pescado. ¢ fressuras. aridade- | "2 cameios, sno para os gates a5 Peles WS oD d 1 carga de espadana. a | Dinheitos de S, Jodo. para especiaria © 0, 51 almude de vinho, 2 soldos (1502 oto " 2cachos de uvas. MANUEL SILVIO ALVES CONDE te w ha w wa w ‘Tempo da fruta Vindima S. Lourengo Virgem de Setembro Todos-os-Santos S$. Lézaro, Natal Aniversérios ‘Admissio de | | ragoeiro Estandoogafo | rr) doente | | | Recepgio de oy SD w | foragens | | FONTE Tay er wr wr a iy (n) (6) o |] TY 3) ww or a ae o ] w w coincidiriam com as principais festas litirgicas que, como se sabe, estavam ligadas ao préprio calendério agricola, Tendo os rendimenios dlestasinsttuigSes uma forte componente rural — como adiante se pode vei car, no que respeita & Gafaria de Santarém — as pitangas correspondiam, no & soneial, aos momentos de fartura pontualmente proporcionados pela Natures A ser assim, EEE EE eee © Fruta ©) +0). ‘17 pies, 1 posta de carne para cada e 1 cesta de uvas. «™ As rendas da ermida de S. Lourengo para sapatos. ‘ Dinheiros de Natal. © (+ @). ‘2 porcos (1502: de 288 reais), sendo para os gafos as suas visceras, © () + 1 galinha ‘© Metade da jdia de entrada daquele. © 4 bras e 1 almude de vinho tinto do melhor. “ Patos, capdes, frangos, vinho. spers © ©» patos eapoes angos, oves, fogagas, linho, ceboas, alos, poros, Fegumes 183 cannon 9° fressuras € unto castanhas. “4! Compromisso de 1223: A. N. T. T., Niicleo Antigo, n.° 274, fIs. 180y- 1); Arquivo de Miseric6rdia de Santarém. L.* 970, fls. 47-48 (apéndice, doc.° 3) ‘® Regimento de 1329: A. da Rocha Brito, ob. cit, pp. 14-18. ‘© Regimento de 1346: id,, sbidem, pp. 18-19. © Regimento de 1502: id., ibidem, pp. 24-29. Regiment exatn Casa de 8. Lisa de Lisboa, Livro das Past 180-187. a crue Pérez Santamarfa, “El Hospital de San Lazaro 0 Casa dels Malalts cit, p. ras Ansisc®: PP o Masel” 358 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém Ms HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL _ corast? com a a quotidiana. Pela quantidade e qualid: : ue compunham a suas ementas, eram a festiva are rate ee : la estrita Ss 08 Ee vintho de cada dia". oe Em Coimbra, ¢ si 9 calgado eo fornecimento de lenha aos leprosos. Na Gafaria de Santa- deveriam existir idénticas preocupacoes, talvez solucionadas a i jo dos dinheiros do Natal e do Sao Jodo, que atras referimos. ae : Quanto aos aspectos médico-terapCuticos, a documentagao é praticamente anissa. Nao hd referéncias a médicos ou fisicos, se exceptuarmos os "meestres” ultados quando havia diividas relativamente aos candidatos & admissio na Gafaria. Também nao hd mengio de enfermeiros, ou de quaisquer cuidados a ter com OS Jézaros, 4 excepgdo das hipotéticas deslocagées as Caldas, onde as ‘guas sulfireas atenuariam, presumia-se, © sofrimento dos leprosos, como foi referido. Esta situagdo eri neralidade dos hospitais medievais digvica de hospital, fundamentalment ogafo portador de doenca incurdvel, a grande preocu tm que ele morresse de lepra ¢ no de fome.. Uma das grandes leprosarias do reino, a Casa de Sao Lazaro de Santarém assemelhava-se fisicamente a outras do mesmo tipo, come Coimbra, Lisboa, Guimaraes e Alfena. a noutras gafarias ¢ até na ge- ' Decorria da concepgao me- se vem morrer” Sendo pagdo dos seus coeténeos a idéntica a que se verificav: portugueses e "um asilo onde TO ; ; -asonr, in The Fonoaat Bee | aa p. 113. "Occasional feasts and celebratio! "8 Diontsio José David e Manuel SPT) lves § 4 asisténcia medieval porUeyeet \gnonografia his | 511980), p. 37 [p. 306 desta colee nea). | Ge ae ‘mo! ja de Palhais santa Mari Critica, 2. Hospital de Santa © Homtgica». Historia € 1 especializado. ¢ ainda Conde. «! ist6rico-0rqu é da Historia edesenvolvi- Idade Média, S&P- ae ; i it ib Portugal «0S fos nao eram tratados, li- -se a aplicar a si mesmos * Jean-Louis Goglin, steirO8+ “ : de pestilentos. afaria de Santarém 359 MANUEL SILVIO ALVES CONDE Q \ om rT] : ° Aa Q Mapa 2 - Planta (conjectural) da Gafaria de Santarém Assina . ‘ n 7 i idas na lam-se 0 trago duplo os iméveis Cujas medidas sao referi documentacio, sendo as * restantes meramente hipotéticas, adega; Cece G-porta pene Convengées: A. leiro; Cr-curral; EP-estrada piblica; Ligrej de 8. Lazaro; Pe Brande; Q-quintal; T-ierrei terreiro, HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL, fra constituida por um amplo espacgo murado, li | goal porta grande”. Transposta esta, 0 visitante est creates gio Lazaro, de fundacio dionisfaca'. De fabrica mi aa eee odes pri ¢ 0 curtal anexo, era o ponto central em fungi a Series ps0 interior da leprosaria. Em torno de si ae Sees ee re gafos e de sios, a adega, o cel Re eos ieee iris destes edifici i i sist : ws ees if = aes 08 quintais Enistia, de Seas | ome, lentagio nao o ref f painters i taga ere. Desconhece-: ia, rau nas casas de habitagSo destinadas aos admi Peete ee ee a administradores € pessoal ao servigo Inemediavelm inuti ente inutilizados : velmer ela do ivi pelos ao a existéncia dos gafos nao a ae Ta ae cme Se zafos nao , decerto, muito risonha. cen cxelusio nao tinha em Santarém um cardcter definitivo e fesinpna oto aoe a igumas regides ¢ localidades europeias medievais em eral UO esterestipo dominante na historiografia da espe- Para além i a olen dereesie ie de sos morarem no interior da cerca em ge- 1 com a S ae oe os, loentes, pagando para tal as rendas previstas nos expressamente. ‘os — como adiante sera referido — 0 compromisso admitia situagses, que os lézaros pudessem transpor "a porta grande” em a eee net oe : vn aa sega de 1344 atribui a fundagao Do templo, que perdurou até ao século passado, tendo sido profanado apés a guerra civil € poster es Gee Tendo, subsist 0 portal goticn, ave fot ‘adquiido por um antiquario Tocal © removido para a quinta de Nossa Senhora da Saiide. "Com os elementos dispontveis, tentou-se. Mh ‘Mapa 2, reconstituir o que sem © espaco in- Tgesnecessario referenciar no rol terior da Gafaria. O autor do tom felmente, considerou tortor os iméveis existentes, don ‘da Cerca, limitando-se aos que fam ser deduzidos de propriedades da instituiga ens ee ee POS ox bropriedades Oo Trazados. Por ease TMOLVO. oF ora al sentos_ poss das confrontagées das easas que S© fencontravam naquela situacdo, ndo serd possivel feconsiut total € rigorosamente & Jeprosaria © a Sua ‘organizagio ‘espacial, a ndo ser com © ‘contribute os queologia. '65 Bm Lisboa, situs daigreja a D. Dinis. Cf. A. N. T. T. Gavera Ml, bo, lamentavs dda cerca. Cf, Maria Teresa Campot Rodrigues, ob. cit. p. 126. ro revia expressamente 2 possi dade de os gafos serem autoriza- Cpr Coimbra 5° Pig, Cr A aR i a esse respeito, veja-se Maria Terese dos a deslocar-se & ‘romaria O Es 34 em Lisboa, © rogimento ef bastante restriti @ panacea aes aracterizaria a SeBrcEs Sobre © rig Ff pen avam-se fora _izenos Frangoise Bériac, ob il» “sc, aucun reglement général ne Pree iis semblent circuler asez | ser Sour e Jacques Rufié, ob Ctr virio da vida na Ie Jas preocupagoes goureuse des 1ePre eB ing certaines villes PONY SI entre Setestam mesmo Ge Ae tit cnese do estere6tipo relative itocentista. gm 361 revo ea Gafaria de Santa (0s leprosos no Portugal medi MANUEL S{LVIO ALVES CONDE foi dito, a deslocagaio do leproso A vila nao era Punida, sa, wutorizagiio. Podia ir pedir esmola, "adubar sa proj 3 se feita sem a necesséria a ¢ eee . u até realizar viagens de maior raio © duragéio: a romarias, ou as Caldas, p, mesmo subsidiado, recebendo ragao para um dia, no caso de deambutapses curtas, ¢ de doze dias, nas prolongadas'”. : Previa-se a possibilidade de o lézaro trabalhar, para “proll da casa” ou ery proveito préprio, dentro ou fora do circuito"™. A capacidade Juridica dos gafos nao era diminufda pelo estatuto da instituigdo e, assim, aqueles poderiam cele. com quaisquer instituig6es obtendo as terras de Como atra brar contratos de emprazamento cultivo que carecessem'. 3. Recursos Econdmicos da Gafaria de Santarém As receitas da leprosaria de Santarém provinham sobretudo de duas fon- tes: a pratica caritativa de elementos exteriores a instituigdo e os rendimentos do seu patriménio, tanto em terras como em prédios urbanos'™. A caridade crista fazia que aflufssem regularmente a Casa de Sao Lézaro esmolas, destacando-se as provenientes de Santa Maria do Monte’. Do mesmo modo, o patriménio da Casa beneficiaria, algumas vezes, da atribuigdo de lega- dos pios, feitos em vida ou post mortem". Tais receitas nao seriam, decerto, ir- relevantes. Contudo, a inexisténcia de livros de contas da instituig&o nao nos permite quantificé-las, ‘© Apéndice, doc. 1, art? 31 ° Tbidem, ar? 31 32. © tombo manuelino refere-nos um Afonso Lopes Lazaro, casado com Inés Freire (que resi- diam cas contigua 3d Seu mardo, no interior da cerca) qu euidava do quinal ats de sa cas ¢ trazia aforada uma terra da Ordem de Santiago, no i iicleo An- eee mae 180, no exterior da Gafaria, Cf. A.N. T. T., Niel espa uma andlise mais detalhada da relagHo recursos econsmicos/necessidades, a satisazer pela instituigdo remetemos 0 leitor para a comunicago que, jumamente com Maria Manuela Te ares dos Santos Silva, apresentémos as Jomadas sobre «1383-1385 e a crise geral dos séculos XIV-XVo inttulada Recursos econémicos de algumas instinicdes de asssténcia de Samarém nos finais da Made Média, Sep. de 1383-1385 e a crise geral dos séculos XIV. Jornadas de his- ‘ora medieval, Actas, cit pp. 221-253 desta coletines "Y Referimos atrds as origens da ligagao deste tem plo & Casa de Sio Lézaro, Este vineulo per- duravay no inicio do séeulo XV1¢ um documento de 1505 refere precisamente as "esmollas, je Santa Maria do Monte". Cf. Arquivo da Misericérdi ém, L? (apa plas rquivo da Misericdrdia de Santarém, L° 970, fl. 47v (api _, Peo contro, cape de Sto Jofo Baptista que, no séeulo XI, andava associada aos 12a ros, como vimos, leveria encontrar-se na ia, pois a docu- Imenagao desta época omite-a completamente, |" POS® 9° final Made Mix pois @ "® Apéndice, doc.* I, art.®s 25 e 26, 362 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém ~ ee {} 4 ogee ie HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL Nalguns casos, como ja se referiu, os préprios gafos tinham para com a posi obrigagoes de cardcter pecunidrio, em conformidade com o seu com- prisso. Assim, era-lhe imposto ° pagamento de j6ia no acto de admissdo e, pando 0 ragoeiro falecia, a Gafaria recebia a "“mortéria", isto é, uma parte dos tens daquele. Havia ainda multas pecunidrias, impostas pelo ndo cumprimento de disposigdes do compromisso, mas o seu significado econémico seria, por- ventura, irrelevante. acervo documental produzido por iniciativa de D. Manuel permite-nos oestudo dos rendimentos patrimoniais da Gafaria. Nem todos, porém, ja que o autor do extenso rol dos bens da instituigio, ao mesmo tempo que compilou simciosas informagées sobre os prédios urbanos e risticos que a Gafaria pos- suia em regime de exploragdo indirecta, omitiu os directamente explorados””. 3.1, Propriedade Urbana Dentro da cerca, misturadas com as residéncias dos leprosos, situavam-se nove casas e dois pardieiros sobre as quais recafam, no infcio do século XVI, Contratos de emprazamento (em trés vidas). Exceptuando uma, sobradada, todas clas eram térreas, No seu conjunto, proporcionavam & Gafaria um rendimento de 1510 reais, acrescido de foragens™. Em Santa Maria do Monte ficava outro importante micleo de iméveis da Gafatia. A Norte da ermida, viam-se duas casas da instituigio, uma delas com Sobrado, varanda e agoteia, ¢ a outra térrea. 'A Oeste do mesmo templo ficavam mais duas casas assobradadas e uma terceira, térrea. Neste dltimo conjunto Po- dia ver-se um alpendre, uma cisterna e virios anexos. Todas possufam quintai onde haviam sido plantadas drvores de fruto — Jaranjeiras, figueiras, romeiras, ameixoeiras, uma amendoeira e uma nogueira — ¢ lourciros. © total de rendas Pagas pelos foreiros de Santa Maria do Monte aos gafos era, no infcio do século XVI, de 405 reais e 16 alqueires de azeite, além de ‘varias miungas””. ao m Zacia aos trabalhadores agricolas assoldadados pela Gafaria em ibidem, art® 32 Ven REeeIe A ts eared, 3, 209-210 (inde, do 2 ine tamer geen Antigo, no 274, fs 166, 166v. 167, 168%, 169, 16Pv.€ 1724 Ve AN. TT jeararvets cas dos imbvels urangs emprazados «ds tliaszo pelos foreiros veja-se a comunicagdo citada em nota (170) {pp. 223-232 desta colectanea}. 5 LE po Antigo, N° 274 Mls, 162%, 163, 164, 176-1760 ¢ 1780-179, — 5 leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém 363 ~, MANUEL SILVIO ALVES CONDE 364 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL _ pispersas por varios pontos da vila, a leprosaria possuia, também empra~ zadas, quatro casas térreas € um: pardieiro. Duas das casas, ambas situadas no Pe- ‘eiro, tin com suas drvores de fruto””. Predominavam as figueiras, mas também s pereira. No total, os fo- reiros destes 1m ie | Como se viu, quase todas as casas Te : do es espago era, alids, muito simples: quase sempre com) uma divisio e 0 seu espago itil era reduzido (com valores mé | 0s 60m2)". ham quintais se viam pessegueiros, uma romeira e uma éveis pagavam de renda 540 reais, além das direituras feridas eram térreas. A organizagao portavam duas ow dios entre os 40 € 200m | 3.2. Propriedade Riistica Como referimos, no sao discriminadas na documentagdo que conhece- mos as terras que a Casa de Sio Lazaro de Santarém possufa em regime de ex- plorag: 0 directa. Em contrapartida, estamos informados sobre as 49 proprieda- des niisticas que mantinha em regime de emprazamento que, n& sua maioria, s€ situavam na periferia da vila e se consagravam a0 cultivo de cereais, oliveira & vinha (mapa 4). —— a "6 Verifica-se, assim, que culturas "urbanas’ —— neste caso, 0 pomar — penetravam 0 espaco ne ga fora fa efeida por Maria ATES" v. utbano e, até, a zona muralhada (caso do Pereir daRocha Beirante, ob. cit.. pp. 59-91, © idades europeias medicvais. A ese respeito veja-se, entre outros, Roger Grand e Raymond Delatouc Mover Age. De la fin de U' Empire au XVle siécle, vol. dir. por Emile Savoy, Paris, 1950, pp 338-330 Jacauce ‘Goff, “Lapogée de la France ‘irbaine médiévale”, i i fos Duby, vol Il Paris 1989" FP 199-200; Bemard Histoire de ta France wrbaine, di. BO" 6 Ta France urbaine, dit. P' rele, Paris, 1982, pp. 177 © 196; Maria TF ge Lisboa, na Idade Chevalier, Les bonnes villes de France wee Pas ee sé Lagos Trindade (e Jorge Gaspat), "A utilizagao agréria nc a Media © ‘a teoria de Nea Se ‘Estudos de Historia, Medieval e outros, p. 234: ria Goncalves, Opatriménio do Mosteira de “Aicobaga nos séculos bos ie on 90.91; Maria Helena da Cruz Coelho, 0 Baixo ‘Mondego nos finals fia. Estudo de historia rural, vol. 1, Coi 83, pp. 188-195. ay Coban, leo ‘Antigo. 1 165v, 168v, 173 € 179%. FN yam na époc nas ida etuguesas europe: : Cf. Pre no ‘ee ‘Sousa Silva Costa Lobo, aires a Sociedade oe pares no sé- io . Aritjos historicos, Lisl ; vein , cfs cca he : Maria del COT (1980). 187, Sy Jad Medi apiat Urtain av Mave? A pata, LXVILXY Ts, annals: ES. ima ano, 22 5 (1969), PP 1301-1202; Iria Goncalves, Ge TUniverstéb Fane sivio Alves Corre, ao, n> (ies urbana do Cento © Sul de Pores: aby lt Be sgade Media" Ara re ao. 1997, p. 247 (pp. 277-272 desta colectines] crane dades euroneits ™ pabpaga, CF. Simone ROW habit man Catt ob, Ci GSociedad Hispano }. Las Heras, elt. pp. 111-142; Manuel e XY, Li da Idade Mé Alves jlogia medieval, cedievais também era, geralmente, reduzido 0 ntmero de divisbes Por ficvat ap. 1208; id. La Maison dans THistoire, pp. 156-157; Ma- 1c Baud, e M*E. G. de Fauve, N-B. RANE P. de Fortezae U Ta et La Ciudad, Buenos Aires. 1984, p 47; ia Gon- 1Stivio Alves Conde, 0b. cit. p. 247 [P. ‘273 desta colecti- galves. 2! neal: Ao m 0s leprosos no Portugal medievo e a Gaferia de Sant fbi rarém 365 Fetaohs Mangas Seahor do Monte 33e Vale dO som Ovcino ‘SePomes ‘Casa Monte Ande Movcto in Mapa 4 - Propriedades Ruisticas da Gafaria de Santarém no Final da Idade Média 366 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém HORIZONTES DO PORTUGAL MEDIEVAL Jais contratos de emprazamento incidiam sobre uma ou mais parcelas ‘et, geralmente descontinuas e em forma rectangular mais ou menos alon- it cum C880 extremo, a largura nao chegava a atingir um nonagésimo do F 9 i conprimentO da parcela) que s6 muito raramente constitufam uma unidade erploragao completa, isto é, um casal™. Um dos dois casais que a leprosaria possuia situava-se em Capa Rota, no termo de Santarém, Muito mais extenso que 0 seu congénere, era constituido por casas, com seus anexos, e dezasseis parcelas descontinuas, onde se cultivava, sabretudo, cereais, oliveiras e vinha. Indiciava uma regressio de culturas na ona, apresentando courelas revestidas de mato (num dos casos ‘Ho cerrado que tomava impossivel a medigio do terreno...) € uma antiga horta, agora paten- teando dat freixos e um azambujeiro. Pagava de foro a Sto Lazaro 1 moio de Plo meado, sem quaisquer direituras"” __ PON res a as caracteristicas fisicas das propr is . sea eae areata te Tos so ‘esta matéria foi objecto de apreciagio ‘mais detalhada {PP 22-240 desta colestineal a precio ma pla cam habia, com suas CEpENdenss, € ome se sabe 98) Son ces, to vane ome 6 pores texas de cultura, ineluinge yg Glas Por outro ado, 0 Paracas Pog into. ser contiguas tra es en cee Sm ie ara is Gt Kk MES, pode oct ea dag ia deni ortega. Gwen verse: A. H.de DN Midade Média, 2* edigae, ‘Lisboa, 1968, pp. 106-107; Iria Goncalves, “Da xe fm arate 2 es Mei ora «Cain, no 7 COBY. we COTE He estrutura 4° 7 Mosteiro de Alcobaca nos ‘séculos XIV e XV, pp. 169-177; Maria Helena da Cruz MeN. T. T. Nécleo Antigo, n° 274, fls. 176v-178. (0s leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém 367 MANUEL SILVIO ALVES CONDE O outro casal ficava em Outeiro de Pernes, mais para N., e era Constitufdg apenas por quatro parcelas, também descontinuas, e consagradas aos Cereais, yj. nha, olival e drvores de fruto (figueiras). Pagava uma renda em dinheiro: 130 reais, acrescidos de direituras. Parcelas suas confrontavam com matos de Sto Lazaro, mostrando que a instituigdo possufa terrenos contiguos, embora Parcela- dos, Faziam parte do patriménio da gafaria és cerrados, situando-se dois na periferia da vila e outro mais distante, nos ricos solos da Valada. Proporciona- vam-lhe de renda 2200 reais, 5 alqueires de azeite e direituras. Registe-se a di- versidade de cultivos que comportavam: consociagdes cereais/olival/arvores de fruto, cereais/vinha e cereais/vinha/olival/arvores de fruto™. Também nas quinze unidades da gafaria afectas ao cultivo da seara, que se dispersavam pelas duas margens do Tejo, se verificavam associagdes, sobretu- do com 0 olival. Desconhecem-se os valores devidos por trés dessas unidades, As doze restantes rendiam 1550 alqueires de pio meado, além de miungas™. Quase todos os trinta e quatro olivais emprazados pela gafaria no inicio do século XVI ficavam na drea urbana ou periurbana de Santarém, concentran- do-se sobretudo a E. e SE. da vila. Alguns apresentavam-se valados ou cerrados, atestando a importancia da olivicultura e a preocupagao de proteger dos intru- Sos as suas exploragées. Verificava-se nalguns deles a presenga paralela de ou- tras culturas, designadamente a vinha e drvores de fruto. Também sao detecté- veis sinais de regressao da olivicultura, com olivais total, ou parcialmente, "em matos”. 126,5 alqueires de azeite e 400 reais em dinheiro e foragens era o ren- dimento que a gafaria recebia do conjunto destes olivais", As catorze vinhas que a Casa de Sao Lazaro possufa em regime de empra- zamento proporcionavam-lhe um total de 435 almudes de vinho e 6 alqueires de azeite — a atestar a consociagdo olival/vinha — e foragens. Localizavam-se também na periferia da vila, um pouco mais distantes do que os olivais, mas dis- punham de boas condigées de acesso. Concentrava-se a maior parte na Valada, "© Ibidem, fls. 178-178v. “* Ibidem, fs. 168-168v, 170-170v © 174-174v, '** Ainda que as terras de cereal surjam um pouco por toda a parte, a sua distribuigao confirma a tendéncia sublinhada por Iria Gongalves, ob. cit., pp. 67-71, “para serem preteridas por outros cultivos mais exigentes", nas proximidades dos nucleos populacionais mais importantes. A.N,T. T., Micleo Antigo, n° 274, fls. 165v, 166v-167, I7Iv, 173v-174, 175v, 178V, 179, 179v, 180 € 180v. '® Ibidem, fls. 162, 163, 163v, 164-164v, 164v-165, 165, 165v, 166v, 169v-170, 170, 170v-I71, ITI-I71v, I71v-172, 172-172v, 173, 173y, 174v, 176, 176-176v, 179-179v € 180, Iria Gongalves, ob. cit. p. 88, notara jé a concentragdo da oliveira em torno de Santarém, s2- lientando a necessidade de tal cultura se desenvolver junto de niicleos populacionais. LTO 368 Os leprosos no Portugal medievo e a Gafaria de Santarém

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