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Pe ee cee OS DESAFIOS ETICOS NAS ORGANIZACOES MODERNAS Eugene Enriquez Professor e Diretor do DEA e do Curso de Doutorado em Sociologia da Universidade de Paris Vl, Diretor Adjunto do Laboratorio de Mudanca Social da Universidade Paris VI. Conferencista na EAESP/FGV no 2 semestre de 1996, RESUMO: O reaparecimento das preocupagées éticas traduz o profundo mal-estar de nossas sociedades em ‘conseqiténcia do triunfo da racionalidade instrumental, que tende a fazer dos seres humanos objetos manipuldveis. Esta perverséo da racionalidade manifesta-se particularmente nas empresas que atualmente procuram integrar a reocupagdo ética dentro de seu funcionamento. Pode-se constatar que, agindo desta forma, elas tem como ‘objetivo, na maior parte das vezes, desenvolver um forte consenso em torno de seus proprios ideais tanto da parte de seus membros quanto do conjunto do corpo social. Devemos nos perguntar quais so os verdadeiros desafios éticos com 0s quais as organizagSes modemas se confrontam. Com este objetivo, s4o revistos os conceitos de ética da convicgao, da responsabilidade e da discusséo. Uma quarta forma de ética, a ética da finitude, é vislum- brada. As organizagées podem Ihe dar um lugar? A questao merece, em todo caso, ser formulada. ABSTRACT: The reappearance of ethical concems reflects the profound disquiet in our societies in the wake of the triumph of instrumental rationality, with its tendency of making human beings into manipulatable objects. This perversion of rationality finds its expression particularly in companies, in spite of the fact that they are attempting to integrate a concer for ethics into their functioning at this time. It can be observed that, in doing this, their goal is ‘most frequently to develop a strong consensus around the ideals from which they take their inspiration, both from their members and from the social body as a whole. We must ask what are the real ethical issues that confront ‘modem organizations. To this end, the ethics of conviction, of responsability and of discussion are reviewed here. A fourth form of ethics, the ethics of finitude are considered. Can organizations make a place for this ethics? The question is in any case worth asking. PALAVRAS-CHAVE: desafios éticos, racionalidade, organizagées modemas, responsabilidades. KEY WORDS: ethical issues, rationality, moder organizations, responsabilities. 6 RAE - Revista de Administragao de Empresas ‘S80 Paulo, v. 37,0, 2, p. 6-17 Abridun, 1997 05 DESAFIOS ETICOS NAS ORGANIZAGOES MODERNAS A ética ndo & um fiacre que se pode man- dar parar para subir ou descer & vontade em funcao da situagao. Max Weber O homem das eivilicagdes tardias e de lu- cidez declinante serd, a grosso modo, um in- dividuo mais fragil Nietzsche 0 termo ética, anteriormente reservado a0 mais érduo labor filos6ficoe praticamente des- cconhecido do grande pablico, apareceu com forga na lingua- ‘gem e na prética das organi- A inflacionada utilizacio des- ta nogdo pode ser considerada, 2 primeira vista, como resul- tante dos efeitos da moda. No entanto, quando se examina com atengo 0 movimento do pensamento e da ago, que dé ética um valor essencial, no se pode deixar de considerar de gue se trata, por um lado, de tum sinal de mal-estar profun- do que afeta a sociedade oci- dental e, de outro, uma tenta- tiva de tratar desse mal, quer procurando transformar o sin- toma em sinal de cura, quer ‘buscando descobrir suas rafzes € seus significados. Este texto tem por objetivo mostrar que somente a segunda abordagem permite compreender as razdes pelas quais a questi ética tomou-se uma ques- {Wo central em nosso tempo e a que ponto cla ccondiciona o futuro. © MAL-ESTAR EM NOSSA ‘SOCIEDADE E A ETICA Tniciamos assunto afirmando que nossas sociedades, assim como a instituigdes e as or- ‘ganizagGes que as compiem, nto mais se apre- sentam, individual ou coletivamente, como le- sgitimas. A mesma desconfianga é colocada também com relagdo a0 Estado, considerado incapaz de propor um grande projeto e de ga- rantir 0 desenvolvimento econdmico e social blico de ive dscussfo. Assim, cada um écon- siderado como wm ser sutGnomo, dotado de rario, que pode da sua opinito, Da discus- So, onde soment as propiedad forms sto definidas,surgirdo novas norms e interesses universalizéves. Habermas resume seu pen- samento nesta linha “A vontadeformada de ‘modo dscursvo pode ser dita “racial por (qe as propriedades formas da discussdo € da situagdo de deliberagdo garantem sufi clentemente que um consenso ndo pode nas cer sento sobre ineresses unveralizives, in terpretades de mado apropriado, o que enten- do como necesidades que so comprtitadas de modo comunicacional. Barrera, represr ‘ada tratamento decisionsta(autoriro) das questdes préticas, € ultrapassada desde que se solicite & argumentagdo examinar 0 caréter universalizavel de interesses em vez de se resignar diante do pluralismo, em apa: réncia impenetrével, dos valores tltimos (ou dos atos de fé ou das atitudes)" * © que pressupae esta posigdo € que a ética 4a conviegio (onde cada um defende suas posi ‘gdes e no muda) cederd lugar a ética da discus- so, cada um podendo fazer concessbes e onde as normas criadas serio aceitiveis por todos. ‘Com efeito, para Habermas, toda norma uni- versalmente observada terd, de maneira previ- stvel, consegiéncias ¢ efeitos secundadrios que ppoderdo ser aceitos sem exigéncias por todas 1s pessoas envolvidas dentro do projeto de sa- tisfacer os interesses de cada um”. Pode-se reconhecer no pensamento de Habermas uma forte semelhanga com 0 pensa- ‘mento psicossociolégico, em particular com aquele de Lewin; a diferenca essencial é que 0 consenso obtido ndo sera sobre a base “dos contetidos axiolégicos que remetem as convic- (des antropolégicas das partes envolvidas, ‘mas sobre os termos processuais de um com- romisso entre estas convieges”." No entan- to, além das diferengas, a idéia central é que se 0s individuos ao comunicarem-se entre si respeitando as exigéncias de validade de um discurso que tem um sentido, que exprime @ ‘busca da verdade, que € sincero ¢ demonstra justiga normativa, estio em condigdes de che- ‘ar a um acordo e de encontrar solugdes justas eficazes. Claro que Habermas nfo eai na uto- pia (Lewin também nio) segundo a qual os individuos chegardo sempre a formular inte- resses universalizéveis. O que Ihe parece es- sencial & definir as condig6es que permitem a todos os seres humanos utilizar sua racionalidade consensual e comunicativa e as- sim existir_enquanto tais. ‘Mesmo se uma tal perspectiva parece re- fleti tendéncias evidentemente consensuais de nossa sociedade aparecendo como pouco sus- peita, da mesma forma que a racionalidade sem paixdo pode tomar-se perversa, deve-se admi- tir seu interesse, visto que ela evoca a eminen- te dignidade do homem como individuo capaz de reflexiio, de expresso € confronto com outros. Se esta perspectiva é menos original ddo que parece (Merleau-Ponty jé tinha expos- to hé bastante tempo que a objetividade vinha dda subjetividade) ela nos faz, pelo menos, sen- tir a impossibilidade da formulagio de uma RAE + v.97 + n.2» Abrélun, 1997 (05 DESAFIOS ETICOS NAS ORGANIZAGOES MODERNAS tica que nifo esteja fundada sobre a reciproci dade, Nisto nos permite compreender melhor ‘que a participagdo tanto nas organizagdes como na sociedade implica considerar as idéias do conjunto dos individuos situados num plano de igualdade. Ela dispensa todos os tipos de ‘manipulago, mas ndo poderd ser plenamente satisfat6ria, pois nio visualiza os homens em ‘seu aspecto passional nem to pouco seus teresses totalmente contradit6rios, elit do os efeitos da pulsio de morte nas organiza- {gdes e nas insttuigdes. E possivel, entdo, ex- ‘pot uma quarta forma de ética que, proviso- riamente, serd nomeada ética da finitude. Se- gundo tal concepedo, as condutas humanas sero definidas: a) pelo seu papel na rigidez, na homogeini- zagho e na destruigdo possivel das estrutu- ras e dos homens, ou, 20 contrério, por sua espontaneidade e capacidade de favorecer © processo de autonomizacdo; ') por sua capacidade de considerar nio so- ‘mente a atividade do pensar e do prazer a la vinculado mas igualmente a das pai- xGes, ados medos, a dos sofrimentos, a das TimitagOes que afetam toda vida; ©) por sua atitude e sua coragem de aceitar as feridas narcisicas, a finitude e a mortali- dade, de se submeter ao trabalho de luto e de se confrontar continuamente com a pulsfo de morte em seus aspectos auto © alter destruidores. Outros termos poderiam ter sido utiliza- dos, mas 0 que eles evocam estio contidos nas trés primeiras formas de ética: a coragem na ética da conviegto, o futuro das estruturas e ddos homens na ética da responsabilidade, a au- tonomiae o reconhecimento da alteridade na Gtica da discussto. Por outro lado, nenhuma das ts primeiras formas de ética visualiza a aceitago da impoténcia, a tomada de cons ncia dos limites, o questionamento da identi- dade e do narcisismo da morte, a considera- ‘glo das consequéncias nefastas sobre o futuro do género humano, a convivéncia de cada um ‘com a morte que carrega em si e que pode ‘projetar sobre os outros. E enti que 0 sujeito se situa tanto como portador de vida e de mor- te, como egofstae altruista, como ser de razio ‘ede paixao que pode ter convicedes fortes, mas RAE + v.97 + n.2 + AbciJun. 1997 sobretudo que é capaz_ de mudar, se na troca conseguir se transformar, a saber, portanto, pensar sozinho e com os outros, ase conceber como responsvel sem ser bloqueado pelo tmedo das responssbilidades, fazer passar Stas idéias (ou aquelas de outro que ele acitou) interrogando-se sobre sua deformagio poss vel pela escolha de certs meios,sabendo que 28 conseqléncias imprevistas sera0 mais fa- cilmente encontradas que as conseqhéncias Drevistas. Tal sueito € capaz de sublimacdo, iso €, de procurar-s a si mesmo nos outros ¢ 808 outros em si mesmo" numa busca perma- nente da verdade ‘Assim, a ca da finite pode integrar as tts primeira formas de éica, Claro, cada uma apresenta caracersticas no redutiveis 8s ov- tras, Mas a ica da finitude opera preisamen- te um trblho de transformagio destas carac- terfsticas para tomas pragmaticamente com- putiveis.E pelo fato de tr uma idéia dos seus pros limites que o homem pode serum “ho- ‘mem de conviegio aceitando entrar em comu- nicaglo com 0 ours; também, por conhecer as capacidades mortfera das discusses ele as ccita at o momento em que compreende que 4 negociagéo condurida ininteruptamente faz ‘com que pera sua alma; finalment, por que persegueobjtivos que quer verdaderamente realizar (€ nfo se contenta em proclan-os), «stand stentoescotha dos métodos pra atn- gilos. Portanto, autonomia e heteronomia nfo $e oporio masse completardo, assim como co- unicagio e soidio,forga de vontade e per- cepso das exigéncis. Tal etic que deveré um dia ser formulada mais clarament,€ particu- Jarmente exigent. Ela requer homens dotados de paix, sem a qual a imaginagio nio pode emergir,dejulgamento, sem o qual nenhoma realizagio possvel; de referéncia a um ideal, sem 0 qual 0 desejo no abandona sua forma arcsica: de acitagio do rel ede suas obriga- 8es, sem as quai 0s sonbos mais ambiciosos se tansformam em pesadelo coletivo. Ela tam- bém requer que as organizasbessejam um lu- gar onde a manipulaco banida e os esforgos de todos na consirugio da organizagio e na edificagio do social sejam reconhecidos. Nos ainda estamos longe da meta. Mas, enquanto as organizagies preferirem homens que as iealizem a homens “de sublimagio" elas con- tinuaro a serem constuidas na arene desapa- recerdo lentamente, sem chegarem a perceber as azbes de seu inforinio, 2, EOE € Conmine ate honing ves 0 ln MAPPA, 8. Uotenset sens rn cometion food Pate oman, 380. Ag oegnamer sie ra ets Sotlope et Stes «1. 25. pope 8 ooo oc vn ae ke raion moter Tacos Mara ‘ena, Peso co Oana. Fecamenae Scie toes 90 ‘risa EAE

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