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—35 = A REFORMA DAS LEIS CRIMINAES (A Unio Internacional de Direito Penal) E’ hoje uma verdade incontestavel que a complesidade dos problemas juridicos e sociaes no permite que a reforma das leis, especialmente criminaes, seja enteegue 20 empirismo dos legisladores, inspirados embora por auto res que estudio a criminalidade e sobre ella eserevem iso- lados no fundo do seo gabinete. A. sciencia criminal’ nio s6 € essencialmente pratica, como tambem por sua vastidio no diszensa a collabora: fo de quem quer que possa contribuir para seo melhora- mento pelos conhecimentos geraes ou especiaes sobre a materia, ou possa ter adquirido qualquer pircella de expe- Fiencia ‘na multipla e wariada applicagdo das leis penaes. Dihi, os progressos incalculaveis que devern trazer-nos 0s. congressos anthropologicos, penivenciarios ¢ criminaes que se tem realizado no mundo civilizado. Neste momento, porém, 0 med intuito € referirome designadamente a ‘uma instituigio de caracter universal, que s6 a sciencia de mfos dadas com 0 cosmopolitismo podia conceber, realizar e fazer progredir. _ Em 1889, formou-se uma associacio com o titulo Unio Internacional de Direito Penal, cuja direccio foi sonfiada aos professores Ad. Prins, de Brusella, pre- Sideute, dr. Franz von Liszt, de Marburg, secretario, € ic. Van Hamel, de Amsterdio, thesoureiro. Publicou Estatutos, que contém o programma de scos trabalhos, cujas tendencias, sem espirito de seita, sio.a reforma das leis criminaes,” conciliando o exercicio da funceio repressiva com oda penitenciaria, que.o nosso dirvito moderno separa 1. «4 Unido Internacions! de” Direito Penal eré que a eriminsliti!: ¢a represssio levem ser consideradas tanto no panto de vista jridien, como no ponto de vista social « Ella prosegue a consagracio deste principio ¢ de suas conseq i i lagdes UL. «A Unido adopta como base fundamental de seos traballios as theses seguintes : «1. A nissio do direito penal é a luta contra a crii« nalidade, considerada como phenomeno soci & — 376 — «2. A sciencia penal e a legislagio penal devem por isso evar em conta os resultados dos estudos anthropolog cos_e sociologicos. » ‘No ce comprehende pois que um criminalista adeantado comio & Garraud disassocie esses estudos, separando 0 ponto de vista social do juridico (1). Ainda é mais para admirar a dissidencia de L. Lucchini quanto ao programma da Unido, que € por demais tole- rante deante de todas as escolas, inclusive a classica, a aquelle pertence¢ 66, em nome da qual exreveu 10 sabia Liszt, tasando to injustamente de decalogo ¢ de syllabus as bases da associacdo (2). «3. A pena éum dos meios mais efficazes de que o Estado dispde contra a criminalidade. Ella nfo é um meio unico. E por isso no deve ser isolada dos outros reme- dios sociaes e especialmente nio deve fazer esquecer as medias preventivas. <4. A distincgio ‘entre os delinquentes de accidente € os de habilo é essencial na pratica como na theoria ; ella deve ser a base das disposigdes da lei penal. «5. Como os tribunaes repressivos ¢ da administragio. penitenciaria concorrem ao mesmo fim e como 2 condem= hago nfo vale sindo'por seo modo de cxecuyfo, a sepa- ago cansagrada por nosso direito moderno entre a fun- ceao repressiva e a funcsfo penitenciaria € irracional € prejudicial. « 6. A pena privativa da liberdade occupando com justo titulo o primeiro loger em nosso systema de penas, a Unido presta uma attencéo especial a tudo quanto concerne ao melhoramento das prizdes € das insti- thipdes que a las ligio. «7, Todavia, no_que se refere ds penas de priziode curta“duracfo, a Unido considera que a substituigio da prizéo por medidas de uma eflicacia equivalente é possivel @ desejavel. «<8. No que se refere &s penas de prizdo de longa due ragio, a Unido cré que € mister fazer depender a duragao da prizio nio unicamente da gravidade material e mora da ‘infraccao commettida, mas tambem dos zesultadoe obtides pelo regimen penitenciatio. (1). Garrand, Droit Pénat, Paris 1833-89, 1 vol. pa, Q) Rivista Penate, vol. 29, 1899, pg. 900, 37 — <9. No que se refere aos delinquentes de habitos i covrigincis, a Unido cré que, independentemente da gra- vidade da infraccao, e, quando mesmo nao se tracte sindo da reiteragdo de pequenos delictos, o systema penal deve antes de tudo ter por objective por taes dclinquentes fc oo de prejudicar pelo mais longo tempo pos sivel (1). » ‘Verse que 0s mais arduos problemas cuja solucao nos dara theorias praticaveis esto confiados ao estudo dos membros da Uuido, que conta em seo seio homens de sciencia € especislistas de todos os paizes. A primeira sessfo do subio Congreso, a que compareceu grande nu- mero de associados de muitos paizes da Europa, teve logar a 7—8 de Agosto de 1888, em Bruxellas. jessa sesso, votou-se por acclamacio o seguinte : « A Unido recommenda aos legisladores de todos os paizes a adopcio do principio da condemnacdo condicio- nal ; mas, insistindo sobre a necessidade de determinar os seos limites, de accordo com as condigdes locaes,e de levar em conta o ‘caracter € 0 estado moral de cada povo. » No ultimo dia da sessio, 2 assembléa votou uma pro- posta do dr. von Liszt para se organizar nos differentes pe ‘grupos nacionaes que cxaminassem a propria legis 1640, esforcando-se afim de fazer triumphar na sua refor- ma as bases fundamentaes da Unio, tendo sido o dr. Mi- mena o primeiro que havia organizado um comité desse genero na It Em Fevereiro deste anno,aUnidocontava 558 membros, e hoje jd estéo organizados os grupos nacionaes na Alle- manha, Hungria e Suissa. ‘A segunda sessio da Unido teve logar em 12-14 de Agosto do anno pasado, em Berne, na sala do Conselho Nacional, e foi aberta pelo dr. Buchonnet, presidente da Confederacdo Suissa, que pronunciou em interessante dis curso o merecido elogio da associacio. 2 E’escusado notar a importancia e valor das sabias dis« ‘cusses do grande Congreso. oo questio da menoridade ante 0 direito criminal se decidiu ‘ ‘ ‘Reconhecendo inteiramente o valor das influencias geographicas e ethnographicas, 2 Unito é de opinigo : 1. que os menores que ndo tiverem ainda attingido a ) Butetir te TOniom Internationale de Droit Pénal, W, par. 4. 198 — 378 — idade de 14 annos nfo devem ser submettidos a medidas penaes 5 2. Que a questo do discernimento deve ser abolida e substituida por uma outra questdo, a saber : si é neces- sario submelter 0 menor & tntela publica ? 3. Que o tratamento a applica aes menores culpados ou abandonados se deve conformar com a individualidade de cada menor.» Approvirio-se igualmente as seguintes proposigdes : 1. Ha malfeitores para os quacs, attento 9 sco estado physico e moral, a reacco habitual’ da pena ordinaria é insufficiente, 2. Nesta cathegoria entréo, em particular, os reinci- dentes endurecidos, que s6 se devem considerar como cri minosos degenerados ou criminosos de protlssfo. 3. Estes malfeitores devem ser submettidos, conforme 0 gréo de sua degeneracto do perigo que oiferecem, a medidas especiaes destinadas a pOl-os fora do estado de prejudicar ea emendal-os, send possivel.» Outros problemas relativos 20 assumpto de que nos occurpaimos e constitnem pontos basicos para a Unio forio discutidos, ficando a decisio adiada para o tereciro con- gresso, que terd logar este anno em Christiania, de 25-27 de Agosto (1). [Nas sessGes destes dias se tratard de novo dos crimino- sos ingorrigiveis, da reincidencia especifica e generica, das penas pecuniarias ¢ da indemnisacdo do damno ex-delicto. Convém notar sobre esta ultima questio que ella tem interessacio a Unido, gracas 4 propaganda positivista, que ‘como ja uma vez esctevi, renovou as idéas de Bentham,que ‘© nosso legislador criminal de 1830 seguiu, inspirado pelas intuicGes geniaes de Bernardo Pereira de Vasconcellos, que fez di indemnizacto do damno officio em geral da juiz criminal, ¢ nao do juiz civil. Agora 0 ex-ministro a justica Campos Salles mantém a Lei de 3 de Dezembro de 1841, que revegira o Codigo de 1830,¢ eliminnu do novo Codigo Penal as respectivas dis- posigdes, imitando ox Codigos actuacs, geralmente atrazi- dos no instituto da indemnizagio ex-delicto. Sio progressos que equivalem a regressos € mostrifo que as classes directoras nio se devem compér_simplesmente de homens politicos, mas de capacidades especiaes e te- |) Bulletin it,, n. 9do 1891, pags. 173 0 204 — 379 — chnicas, que o poder publico nfo pode dispensar pata organizar as instituigdes legislativas, como nao dispensa ‘os engenheiros para construir estradas, portos e edificios, ‘Mas, deixemos as digressSes. © programma da Unido est synthetizado nas propo- sigdes que ella adoptou nos respectivos Estatutos, como ‘base fundamental de seos trabalhos. ‘As tendencies da Unido fordo concisas, mas explicita: mmente expostas, sob esse mesmo titulo, em'um artigo pu Dlicado em sustentacdo daquellas mesmas theses, que li traduzido para o citado Holletim de uma Revista allem& € ‘que me parece ter sido de von Liszt (1). Conforme essa pub'icacio, a Untio se dirige a totos aquelles que acreditio que a missio da pena é comba- tera criminalidade e que sob este ponto de vista as insti~ tuigdes actuaes sto perfectiveis. Si ella deve renunciar talvez ao concurso de certos sabios que negarifo esta missio. ella nao exige entretanto de modo algum de seos membros a adhesto a uma theoria qualquer de leita ena. P*Blla deita, 20 contrario, de lado as lutas de escola pura- mente theoricas ; no tem singo uma tendencia essen- ialmente pratica : a transformagio gradual do direito em vigor, no sentido de uma adaptagio mais completa da pena asco fim. Toda legislacio criminal deve ter um cunho nacional, deve-se conformar ao caracter proprio do_estado do povo 20 qual édestinada. Mas, toda legislacio criminal tem beses Scientificas ; ea sciencia que quer determinar e fixar estas bases, no é, como nio é sciencia alguma, extremada pelos limites da nacionalidade. Nossa associacdo serd pois internacional e pord ao. servico do legislador de cada paiz 098 resultados obtisios pelos esforgos communs. (2) Agora consideresse 0 objectivo da, Unido e avalie-se que jrande erro teria commettido o Gongresto Nacional brazileiro, em sua recente sesso constituinte, si nfio hou- vesse mantido a unidade de legislacio, de que se tornou paladino esforcado um senador pot Pernambuco, 0 sr. josé Hygino, nor occasifo de um dos discursos de qual, 0 autor destas’ linhas Iembrava em aparte que Woolsey, ‘escriptor insuspeito, porque americana, em obra moderna, stonschas « (0) Zeitscheipt pice dis gasamvte Stenfroohts Wi 1) Mutietineit.,n. 1 do 198), ps — 380 — considerava como uma das condicGes basicas da Federa- go. unidade de legislagao (a common aw) do mesmo modo que a identidade de lingua, embora para o mesmo fim nfo considerasse a necessidade de uma s6 religido por motivos obvios, que se podem resumir na separagio da igreja e do Estado e na liberdade de conscicncia ede cultos, garantida nas constituigdes liberaes dos differentes paizes. (1) Em Fevereiro do anno pasado, dirigindo-me ao profes- sor Fransz von Lisat, secretario da Untdo, eu ja dizia : «

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