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MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Officio n° 1218/2016 Assunto: Atuacio do Ministério Publico diante de contrataco com base em dispensa indevida de licitacio ¢/ou improbidade asministrativa. Belo Horizonte, 19 de maio de 2016. A Sua Exceléncia o(2) Senhor(a) Promotor de Justiga Dr, Edson de Resende Castro Coordenador do Centro de Apoio Técnico do Ministério Publico de Minas Gerais - CEAT Excelentissimo Promotor de Justica, Vimos pelo presente, eneaminhar a Vossa Exceléncia a nota juridiea n° 08/14, em anexo, que expde 6 entendimento deste Centro de Apoio sobre as conseqiiéncias das contratagSes celebradas com base em dispensa indevida de licitagio e/ou ato de improbidade administrativa para eventual utilizagao pelos peritos deste Orgio. Promotor de Justica que ama na 4rea do patrimonio piiblico rotineiramente se depara com a ocorréncia de fraudes em processos licitatérios e, por via de conseqiéncia, o reconhecimento da nulidade daquele certame. Nese ponto, o artigo 59 da Lei i.” 8.666/93, apesar de reconhecer a nulidade dos contratos assim celebrados nao impede que a Administracio indenize o contratado pelo que este houver executado até a declaracio de nulidade ¢ de outros prejuizos regularmente comprovados, desde que nfo tenha concorido para a irrcgularidade mencionada, isto é, desde que no tena incorride em ma- ‘Avenida Raja Gabiigla, 615 — Téereo — Cidade Janlion~ Fone: 3250-5064 CEP: 30,380-103 ~ Belo Horlzonte ~MG— e-mail: eaopplEmp.mg.so.bt MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Lado outro, no caso de ma-fé do contratado, o CAOPP entende que 4 nulidade do contrato implica na: obrigatoriedade de ressarcimento de todos o¢ valores recebidos pelo contratado, nos termos do art. 59, parigrafo tnico, da Len’ 8.666/93, ver que a pritica de ato de improbidade afssta a boa-fé do contratado. Subsidiariamente, caso se cntenda pela impossibilidade de devolucio integral dos valores recebidos com base no frigil argumento do enriquecimento ilicito, é imperioso que se imponha a devolacio 20 menos dos luctos obtidos pelo contratado, vez que nio se pode falar em enriquecimento ds Administracio, mas exatamente 9 contririe, ou seja, cvita-se 0 enriquecimento do beneficidtio de uma contratacio fraudulenta. A quantificacio dos lucros pode ser obtida por meio de exameé pericial, razio pela qual encaminhamos o entendimento ilustrado na nota técnica em anexo, para eventual auxilio dos peritos desse respeitado Orgio. Sem mais para 0 momento, apresento protestos de elevads estima ¢ respeito, sempre renovados, oe Diaper htican pas: 2 Me (Fi Ger. 23 O08 Listat, para (77 eR Pe PGR BB SAS MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTICA DE DEFESA DO PATRIMONIO PUBLICO ~ CAOPP NOTA JURIDICA n° 08/2014 1, RELATORIO Contratacio celebrada com base em dispensa indevida de licitagao e/ou ato de improbidade administrativa. Anulacao. Ressarecimento Total dos Valores. Recebides. Entendimento Jurisprudencial. Devolugao do Lucro Real ou Estimado. Possibilidade de Cumula¢io com Multa. E recorrente, na atuagio do Promotor de Justiga, se deparar com contratagdes realizadas sem o devido processo licitatério, Muitos administradores dispensam indevidamente e/ou frustram processo de licitacio & realizam contratagdes a0 seu mero alvedrio, cm total desconsideragao dos principios administrativos basilares. no MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS As fraudes nos processos licitatérios, sem sombra de diividas, sio_ as grandes responsaveis pelos desvios de recursos piiblicos, © que exige um maior rigor ¢ atengde no tratamento da matéria. A Lai n° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA), em seu art. 10, inciso VIII, tachou de improbo 0 ato do agente que “frustrar a licitude de processo licitatério ou dispensi-lo indevidamente”, permitindo, em seu arcabougo punitivo, além do reconhecimento da. nulidade do ato viciado, a condenagao dos responsaveis em algumas sangdes, como 0 ressareimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patriménio, perda da func&o pablica, multa civil, entre outras. Por outro lado, nao é comum o reconhecimento judicial da nulidade do procedimento licitatério sem a conseqiiente condenagiio por ato de improbidade ou ressarcimento ao erdrio. Nessa esteira, 0 ponto controverso reside na possibilidade ou nao de se condenar 0 contratado a devolver integralmente os valores recebidos em decorréncia da contratagao ilegal. Alguns julgados dos Tribunais t8m se posicionado desfavoravelmente A devoluedo do numeririo recebido, desde que tenha havido a execugdo das obrigagdes assumidas no contrato, O principal fundamento dessa corrente jurisprudencial é a vedagdo do enriquecimento ilicito por parte da Administragio Publica. Conforme passaremos a discorrer, tal entendimento nao condiz com a disciplina legal da matéria, merecendo, ao menos, uma reforma parcial, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 2. FUNDAMENTACAO © reconhecimento da, ilicitude do proceso licitatério contamina necessariamente 0 contrato com base nele firmado, Em outras palavras, a nulidade da licitagao implica na mulidade do contrato, O art. 49, §2°, da Lei n° 8.666/93 é expresso nesse sentido: An. 49, Anulidade do procedimento licitat6rio induz & do contrata, ressalvado 0 disposto no parigrafo tnico do art. $9 desta Lei, (g.n.) Com efeito, por ser a licitago ato necessirio, em regra, a celebragio do contrato administrativo, eventual vicio de ilegalidade daquela provoca reflexos neste. Reconhecida # nulidade do contrato administrative as partes devem retomar ao status quo, especialmente no que se refere ao numerario aplicado na contratagiio, em virtude da sua natureza piiblica (dinheiro publico). Como jé mencionado, alguns julgados dos Tribunais tm se orientado no sentido da impossibilidede de devolugio dos valores recebidos pelos contratados se estes jd tiverem prestado 0 servigo objeto da avenga, sob pena de enriquecimento ilicito por parte do Poder Pablico. O entendimento acima mencionado nao parece ser 0 mais condizente com a legislagiio de regéncia. Em caso de reconhecida pritica de ato de improbidade a solugaio deve ser diferente. Vejamos. MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS O art, 59 da Lei n° 8.666/93 aborda a temitica relativa a indenizagio em casos de declaragdo de nulidade de contratos administrativos, in verbis: AN.59, A declaragio de nulidade do contrato administrative opera Fotroativamente impedindo os efeitos juridicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir 0s i produzidos. Pardgrafo iinico, A nulidade nao exonera a Administragao do dever de indenizar contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for dectarada ¢ por outros prejuizos regularmente comprovados, contanto que no the Seja imputivel, promovendo-se a responsabilidade de quem the dew causa. O dispositivo retrotranserito assevera que a Administrago no se exonera do dever de indenizar 0 contratado pelos servigos jé executados, desde que o vicio que acomete 0 contrato nao The seja imputavel (ndo seja imputavel ao contratado). Em linhas gerais, estando 0 contratado de boa-fé, 0 Poder Piiblico deve indenizé-lo pelos servigos até enti executados. A contratagao firmada com base em atos de improbidade, dos quais participem’ os contratados, & justificativa mais que suficiente para afastar a argumentagio do enriquecimento ilicito por parte do Poder Piiblico. Com eftito, 0 reconhecimento da improbidade, que pressupde mé-fé, impede qualquer alegagio de enriquecimento ilicito, vez que, por ébvio, afasta a boa-fé do contratado. Aquele que & contratado o largo da lepalidade, inclusive com a pritica de atos improbos, néo pode mesmo alegar enriquecimento ilicito, pois assume 0 risco do dispéndio irregular, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A esse propésito, a doutrina de Sérgio Ferraz e Liicia Valle Figueiredo!: Quem gastar em desacordo com a lei, hé de fa28-1o por sua conta, risco ¢ perigos. Pois, impugnada a despesa, a quantia gusts i wmiente, terd retornar ao Eririo Piblico. iio caberd w invocacio, assae de vezes realizada, de enriquecimento da Administracio, Ter-se-ia, consoante essa linha de argumentagao, beneficiado com a obra, servigo 2 fornecimento, e ainda mais, com © recolhimento do responsivel ou responsdveis pela despesa considerada ilegal. (g.n.) Alguns julgados do STJ tm se orientado nesse sentido, conforme ementa abaixo transcrita: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NAO CONFIGURADA. ACAO POPULAR. CONTRATAGAO DE ADVOGADO SEM LICITAGAO. NOTORIA ESPECIALIZACAO. SUMULA 7ISTJ. DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL NAO DEMONSTRADA. oo 11. Ad argomentandum , de acordo com o art. $9 da Lei 8666/1993. 2 declaracdo de nulidade de contrato acarreta a desconstituicaio dos seus efeitos juridicos. A_ressalva_ao direito 4 indenizacao pelos _servicos somente se _aplics lo ionstrada a inequivoca bou-fé do contratado. Precedentes do STI. (...) (REsp 448.442/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 24/09/2010) Ainda que nao houvesse a previsdo contida no art, 59 da Lei de Licitagdes, ‘0s valores recebidos pelo contratado haveria de ser devolvido por inafastavel imperative legal, nos termos do art. 10, caput, e/e 0 inciso VIII desse mesmo artigo. Vejamos: ' Digpensa e Inexigibilidade de Licitagd", Séo Paulo, Ed. Malheiros, 1994, p. 93, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Art. 10 Constitui ato de improbidade sdministrativa que causa lesiio 0 erdrio qualquer ao ou omissio, doloss ou culpass, que enseje perda patrimonial, desvio, spropriagio, malbaratamento ou dilapidagio dos bens ou haveres das entidades referidas no art, 1° desta lei, © notwdament vill is ficitatério ou _ dis indevidamente. (z.n.) ‘Como se pode notar do caput do art. 10 da Lei n° 8.429/92? “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesdo ao erdrio (...) notadamente: VIII — Frustrar a licitude de proceso licitatério ou dispensa-lo indevidamente”. Observe que 0 enunciado do art. 10 menciona que a frustracdo da licitude do processo licitutério causa les ao erdtio. A prépria Lei ja presume a lesividade na hiptese de frustracdo do processo licitatério. Trata-se, pois, de dano in re ipsa, ou seja, de dano que decorre do proprio fato, da propria ilegalidade. A lesdo € presumida, portanto, Também nesse sentido. precedentes do STJ: RECURSO ESPECIAL. ACAO CIVIL DE IMPROBIDADE. INDEVIDA DISPENSA DE LICITAGAO. DANO AO ERARIO. RESSARCIMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA bo. MINISTERIO PUBLICO. CARACTERIZACAQ DE CULPA DA EMPRESA CONTRATADA. PROVA DO PREJUIZO. DANO IN RE IPSA. NECESSIDADE DE PREVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, INACUMULATIVIDADE DE PENAS E IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIGAO INTEGRAL DO QUE * Alguns trechos foram retirados de peticdo inicial elaborada pelo Promotor de Justiga José MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS FOI RECEBIDO CARENTES DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSAO DOS TEMAS NO VOTO VENCIDO. SUMULA 320/STJ 1.0 Ministério. Piblico-tem legitimidade para propor ago civil piblica de improbidade para pleitear, também, o ressarcimento do eririo. Simula 329/STJ e Precedentes, 2. Evidencindo no acérdao recorrido, luz das circunstineias fitico-processuais descritas pelo Tribunal de origem. a eulpa por parte da empresa contratada sem licitagio, eahe a condenagio com base no art. 10 da Lei n® 8429/1992 ¢ a aplicagio das penalidades previstas no art. 12, I, do mesmo diploma, Precedentes. 3. A indevida dispensa de licitacio, por impedir que a administracio piblica_contrate a melhor proposta, causa dano in re ipsa, descabendo igir do autor da acio civil pablien prova a rest Jo tema. Precedentes da Segunda Turma. © 5, Recurso especial conhecido em parte e nao provido. (STJ. REsp 817921 / SP. “Ministro CASTRO MEIRA. Segunda Turma. DJe 06/12/2012) Em outras palavras, teni-se que a ilegalidade’da contratagdo ja é o bastante para demonstrar © dano ao patriménio publico, tendo em vista que houve um dispéndio ilegal, forgado (que nao poderia ter ocorrido) por parte do ente pablico. Esse dispéndio ilegal (forgado), decorente das contratagdes fraudulentas, ¢ que deve servir como pardmetro para a reparagdo dos danos, nfo cabendo a frigil argumentacio do enriquecimento ilieito. Com esse mesmo entendimento. 0 TISP: A nulidade do contrato foi bem decretada ¢, dai, adequada a condenacio a0 ressarcimento_do_eririo valor integral do di considerado 0 que foi pago em razio do contrato nulo, atualizado da data do MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS pagamento € acrescido de juros de 1% (um por cento) contades da citacio. Pouce imy a asset de que 9 contrato foi cumprido, ante a evidé: de_que nem deverin ter sido firmado, pois resultante de_manifesta imoralidade ¢ improbidade, (Trecho do voto do Des. Vicente de Abreu Amadei na Apelacdo n® 0021488-55.2009.8.26.0047, seguido por unanimidade pelos demais integrantes da 1" Camara de Direito Péblico). Em reforgo, & pertinente transerever trecho do primoroso voto do Desembargador Magalhiics Coelho, do TISP: “._.Finalmente, é preciso afastar ¢ com veeméncia 0 infeliz argumento de que inexistiu dano ao eririo Municipal, A andlise dos autos nfo deixa divida de que os réus agiram ilegalmente e fiustraram a exigéncia de licitasdo, sujeitando-se & imposigio das’ sangbes previstas na Lei de Improbidade Administrativa. O dano a0 erario é mais do que evidente. O argumento, alias, é um escarnio, um yerdadeiro deboche e desrespeito a cidadania. E evidente que se a licitac&o tivesse sido instaurada como deveria, 0 Poder Pablico teria melhores condigdes de selecionar uma proposta mais vantajosa, além de garantir o principio da igualdade em relagio @ todos aqueles advogados que com ela quisessem contratar. Como tenho afirmado reiteradamente, esse argumento implica, levado a iltimas conseqiiéncias, a se desprestigiar de uma vez por todas Constituigéo Federal e itagdo para se contratar com 0 Poder Piblico. Se assim no fosse, 0: administradores poderiam contratar diretamente qualquer fapaniguado por seu prego razoavel ¢ se questionado sobre a leggli aexigéncia de | MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ccontraiagao brandaria-o nefasto urgumento da auséncia de prejulzo concreto” (gn) (TISP, Ap. civel 715.372.5/3-00), © dano ao eritio é evidente, como afirmado no trecho acima transcrito, vez que a licitagdo, por presungao constitucional, representa © meio mais eficaz ¢ adequado para a contratagio pelo Poder Publico, Havendo dispensa ou comprovada fraude. frustrou-se o intento da Lei Maior ¢ de toda a legislagao infraconstitucional de regéncia, pelo que ndo ha como deixar de reconhecer a presenga do dano. © entendimento que n&o admite 2 devolugdo dos valores recebidos pelo contratado com base num suposto enriquecimento ilicito, além de desprovido de fundamentacdo juridica, representa também contributo 4 impunidade. Isso porque 0 art. 12, ineiso Il, da Lei n® 8.429/92 ao prever as sangdes a serem aplicadas nas hipéteses do art, 10, da mesma Lei, menciona, dentre outras, 0 ressarcimento do dano é a imposigaio de multa, No entanto, caso se entenda pela auséncia de dano, estard inviabilizada, além da devolugdo dos valores recebidos, a aplieagdo da multa civil, vez que a sua base de edilculo & justamente o valor do dano, Em mio havendo dano, nao ha como se aplicar a multa. As sangdes pecunidrias sQ0 as que possuem maiores efeitos pedagégicos, pois atinge o objetivo da corrupgao nas licitagdes, que € 0 desvio de dinheiro piblico, Ae se impor multas, sem prejuizo de outras sangdes, 0 agente improbo ser4 desestimulado quanto a pritica de fraudes, pois tera ciéncia da possibilidade de aplicagao de multas e de sofrer desfalque em seu patriménio. Como ja demonstrado, seja com espeque na Lei n° 8.666/93 (ari, 59) ou na Lei n° 8.429/92 (art. 10, inciso VIII), a alegagdo de enriquecimento ilicito nao pode servir 10 MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS de justificativa para evitar a devolucio dos valores recebidos pelo contratado considerado improbo, ainda que tenha prestado os servigos, haja vista a ilegalidade da contratago. De qualquer modo, subsidiariamente, em caso de aceitagio do frigil argumento do enriquecimento ilfeito do Poder Pablico, cabe ressaltar que apenas os custos efetivamente despendidos na execugfio do contrato é que poderiam servir de parimetro para a devolucao parcial ao eriirio, no cabendo nestes a incluso dos lucros ou sobreprego que o contratado eventualmente tenha obtido. Pensar de outro modo répresentaria uma premiagdio para 0 contratado que frustrou os fins da licitag’o, pois no seria condenado a qualquer ressarcimento ao Poder Pablico, restando garantidos até mesmo os seus lucros: A devolugao dos lucros ao erario nao provoca qualquer enriquecimento da Administrago Pablica, mas sim impede o enriquecimento indevido do contratado, cujo ajuste contratual esté contaminado pela improbidade administrativa. Ao participar de uma contratagdo ilegal, que n&o poderia ter sido concretizada, 0 particular nao pode auferir lucros, sob pena de se aproveitar da sua propria torpeza. Deve ser aplicado nesse ponto, analogicamente, 0 mesmo raciocinio utilizado quanto ao possuidor de mé-fé em relago aos frutos, previsto no art. 1.216, parte final. do Cédigo Civil de 2002, que assevera: Art, 1.216. © possuidor de mi-fé responde por todos os frutos colhidos ¢ percebidos. bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde 0 momento em que se constituiu de mé-fé; tem direito as despesas da produgio ecustelo. MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Com efeito, o lucro pretendido pelo contratado nao deixa de ser uma espécie de frutos civis do dinheiro aplicado para a execugio do contrato, © que, guardadas as devidas proporgdes, autoriza a aplicag3o do mesmo raciocinio. Assim, reconhecendo @ nulidade do contrato em virtude da pritica de atos de improbidade, que pressupde mé-fé, 0 contratado deve devolver parte dos valores revebidos, ao menos a raz%o direta do montante correspondente aos lucros auferidos com © conirato, Ressalte-se que esse entendimento ¢ subsididrio, apenas tendo como objetivo evitar-se uma mal maior, vez que hé alguns julgados que isentam os contratados, ainda que improbos, de devolverem qualquer quantis, bastando que tenham executado as obrigagies contratuais. ‘A quantificagio do lucro auferido pelo contratado pode ser feita de duas formas: i) por meio de pericia; ou ii) com base em estimative judicial, Por meio da pericia, devera ser apurado o montante que o contratado auferiu de lucros com a execugio do contrato, que deveriio ser devolvidos aos cofres piiblicos. Em alguns casos, no entanto, 0 exame pericial pode se mostrar oneroso ¢ demorado ou até mesmo impraticdvel. Nessas situagdes, afeigoa-se possivel & quantificagdo do lucto, como ferramenta de apoio ao magistrado, dos percentuais trazidos pela legislacdo tributaria para se apurar o lucro presumido, que serve de base de calculo do imposto de renda de pessoa juridica, conforme tabela’ abaixo: > Tabels retirada do sitio cletrinico da Receita Federal, Os percentusis referem-se ao ano de 2013, Disponivel em Intp:/Aeww seceita Fazenda. pox. br/publico’perguntao/dipj2013/Capitelo_ XII IRPIL ucroPreaumido_2013 pdf. Acesso.em 25 denav, de 2013, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Atividades Pereentuais (%) Atividades em geral (RIR/1999, art. 518) 8.0 Revenda de combustiveis i 16 Servigos de transporte (exceto o de carga) 16,0 Servigos de transporte de cargas 8.0 Servigas em geral (exceto _servigos 32,0 hospitalares) Servigos hospitalares ede auixilio a0 diagndstico © terapia, patologia clinica, imagenologia, anatomia patoldgica citopatolégica, medicina nuclear ¢ anélises € patologias clinicas Intermediagaio de negocios 32,0 Administragao, locagiio ou cessio de bens ¢ 32,0 direitos de qualquer ‘natureza (inclusive iméveis) A tabela que fixa pereentuais para se calcular o lucro presumido pode ser utilizada como pardmetro pelo magistrado para quantificar os lucros obtidos e determinar a devolugdo dos valores, ¢ consequentemente servir de base de cAleulo para a aplicagdio da multa civil (Lei n° 8.249/92_ art. 12. inciso II). Os luctos auféridos pelo contratado provocam dano-ao eririo, vez que nao poderia a Administragio pagi-los sem base legal ou coniratual autorizadora. Considerando que o conirato, em decorréncia da pritica de atos de improbidade, restou MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS declarado ‘nulo pelo Poder Judieiario, houve um enriquecimento indevido do contratado, pelo que é obrigado a devolvé-los. 3. CONCLUSAO Com base nas razdes apresentadas, firmamos 0 seguinte entendimento sobre ‘a tematica em estudo: 1. A declaragiio de nulidade de contrato em razio do reconhecimento da pritica de ato de improbidade administrativa (especialmente com base no art, 10, inciso VIII, da Lei n° 8.429/92) implica na obrigatoriedade de ressarcimento de todos 0s valores revebidos, nos termos do art. 59, pardgrafo tinico, da Lei n° 8.666/93, vez que a pritica de ‘ato de improbidade afasta a bos-fé do contratado; 2. Subsidiariamente, caso se entenda pela impossibilidade de devolugio integral dos valores recebidos com base no fragil argumento do enriquecimento ilicito, € imperioso que se imponha a devolug%o ao menos dos lueros obtides pelo contratado, ver que no se pode falar em enriquecimento da Administrago. mas exatamente o contririo, ou seja, evita-se 0 enriquecimento do beneficidrio de uma contratagio traudulenta; 3. A quantificagdo dos lucros pode ser obtida por meio de exame pericial, ou, em caso de este se mostrar demasiadamente oneroso, demorado ou até mesmo impraticavel, por estimativa judicial, afeigoando-se adequado ¢ razoavel que o magistrado se utilize dos percentuais trazidos pela Lei para a verificagdo do lucro presumido (aplicavel para 2 quantificagdo do lucro presumido para efeitos da incidéncia do imposto de renda de pessoa juridiea) como forma de auxilié-lo; \ | MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 4. A condenago na devolugao dos Tucros pode ser cumulada com as demais sangdes previstas no art. 12, II, da Lei n° 8.429/92 (se o ato de improbidade de enquadrar no art, 10), inclusive multa, Colocamo-nos & disposig&o para eventuais esclarecimentos, Belo Horizonte, 22 de maio de 2014.

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