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A REPUBLICA Platdo Introducao, Tradugio ¢ notas de Mania Hetwa pa Rocha Penater 9 eticio 200510 3538 101.9:929 PLA step v.06, Se Ta 1961948 oN Re FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN BCURG ‘Traducio do testa goap0 TIAATANOE NOAITEIA ‘A edigio ucizada for de J. Barnes ‘Plaons Operg T.AV Oroniierppographeo Clarendoniane, 1949, of Fito 95-j0 Reservados todas o dzstos ‘deharmonia com ales igi da Fundagio Calouste Gulbenkian ‘Ae. de Berna Lisboa « INTRODUCAO As paginas que vo ler-se ndo séo um estudo completo ¢ sistematico da Repiblica de Platdo, pois um trabalho deses 56 wpoderia ser feito por um historader da jilosofia, Ndo faltamy, als, excelentes ensaios em Uinguas modernas acesiveis, que indicaremos no final, ¢ para os quais remetemas os leitores especatizados, Parn aqueles, porém, que, no dspondo ainda de uta preparacao especifica, pretendem simplesmente uma in- formagéo geral « actualivada sobre a matéria, esarevenos estas Tinhas, esperando que possam servs-hes de guia ne leitwra de sua das obras matores de pensamento europe. A forma de ditogo narrado Vina primeira caractersica sata aos olhos de quem abrir este iratado: a sua forma de didlogo, mio dramaticamente express, como ro Gorgias, Ménon ou Fedro, mas sob a aparéncia de uma narrativa feita por Sécrates @ um anditério ansnimo', * Nouitos didlogos,o interlocutor € nomeade, Assim, ¢ para 36 citar © mais conhecido, na abertura do Fadbr, 0 discipulo de Socrates com este nome que conta a Equécrates @ conversa final © os limos mementes do Mestre. ow soja, exactamente 0 mesmo proceso adoptado no Protigo- ras, Carmides ¢ Lisis O fucto tem sido explorado ~ era inevitével ~ como base para esiabelecer a to discutida eronologia relativa da obra de Plato, tanto mais que no Teeteto * o process & explicitamente declarado incSrodo v, como tal, abandonado. Mas 0 passo em questi ndo é de molde a exclwir a possibilidade de a forma nnarvativa ter sido retomada posteiormente a esse didfog, e, de unt modo geral, a critica modema tende a desvalorizar este crité- rio de datao* Permancce ceria, porém, a vantagenn, proportionada pela narrativa, de permitir uma caracterizasio mais acentuada das figuras e de reconstituir com mais relevo o ambiente em te se movimentam » Basta atentar em certos pormenores da ‘A forma de didlogo, em si, nfo 6, como se sabe, novidade pla- tsniea, pois outros displ de Sdcrates o usaram. Mis 86 Patio levou 0 didlogo filossfco a enero literati. * “Além destes, sio também dislogos nareados o Extdem, 0 Fiden(ctado na nota anterior), o Banguee ¢ 0 Panwénide, & relagio ppormenorizada das variantesusadas para os introduzie pode verse ‘em Paul Shorey, What Plata Seid pp. 63-64 Diab ‘Estamos fonge, portant, das posigdes extrema astummidas no séc. x, como a de Schone (1863), que considerava os ddlogos narrados como os tlio, oa como a de Teichmiller (179), que sustentaya a tese oposta. No entanto, cm especial como Holger ‘Thesleff (Shad the Ses of Plas, Helsinki, 1967, p. 19) continua a entender que as diferencas entre as duss macdalidades so nosive's « inckaera modos de composigio ¢ estile que parecem tornar diff de acetar a passagem de unta para otra, {0 mesmo especialsta, nos seus recentes Smudis én Platonic Chronolog, Ficlsinkl, defende a teoria de que essa diferencas se seflectem na aplicabildade do critério estiométrico como fadice de datacio} * CE entre outros, P, Shorey, What Plat Said p. 64 w Repiiblica para obternos uma brifhante confrmagio do facto: Jago na entrada, 0 exravo de Polemsarco, que chega a corer ad pé de Sécrates e The agarta 0 manto por deirs, a fim de the pedir, da parte do amo, que se wae retire je o voltar do mestre, para saber de quem se trata’; depois a inesquecivel agitagiie de “Frasimaco, que nao pode mais donsinar a indignagao que lhe causa o método de investigagao seguide por Sécrates’; 0 suor ¢ 0 rutbor do Sofista, av senstir-se derotado®; mais adiante, no com inego do Livro v, o etender da mio de Polemar, gue estava sentado longe de Adimanto e the puxa pela vest, incinando-se para a frente, para Ihe segredar umas palavras, de que os cr- ‘cunstantes 36 ouvens a resposta — a resposta que val alterar 0 curso do didlogo?. iguras Sob a forma narrativa ow dramdtica, ent todos" temos sempre a considerar, tal como no teatro, a presenca de figures, ‘euja caracterizacio importa fazer, ¢ que sdo geralmente pessoas histéricas™. A conversa tem lugar no Piren, na casa de Polemarco A parte deste no didlogo, para além do Livro 1, onde, depois de mandar convider e msistr com Socrates para que fique, & ‘1 gayb 21396, fa. s50ed. te obec. -"Nito ¢ necessrio exchuir 4 Apolagis de Sara que, exibora ‘ontenha algym dislogo, &, pelo seu teor de apresenmagio, fund rmentalmente ur mondlogo. “Como excreveu R. L, Netleship (Late onthe Republic of lao, . 7) #8 Sigur do didlogo so, por em lado, simplesmente expresses ideas de certosprinepios; por outro lado, tazem con- Sigo mnsto do seu caer seal, vu BCG 0 segundo interveniente na argumentajdo®, limitarse a cena do Livro ¥ que citémos acima”. Esto presentes dois ieméas seus, Lisias ¢ Butideme, que sto aqui figuras nudas, e scu pai, 6 idoso Cifalo, que aparece coroado (pois acabara de fazer uns sactfiie),sentado em almofadas, com a dignidade que the confere umsa longa vida just, Afévele serena, é ele que convida Socrates a visitd-los mais vezes, para conversar com os filhos. E sua a primeica definigao de justiga ~ dada de acordo com a sua experiéncia e simplicidade. Abandona, porém, a discussdo em 331d, deixando-a wao seu herdeiron, Estdo também presentes Carmantidas ¢ Clitofonte" (dos quais apenas o segundo fala uma vez, no Livto 1, figuras des- conhecidas, talvez disciples de Trasimac, o célebre Sofita, que também jd seencontrava no grupo. E todo um cieulo®. a que se funtam Adimanto, indo de Platao, e Nicérato, filho de Nicias, ‘gu, juntamente com os outros jovens regressados da procssdo, foram com Polemarco convidar Sécrates e Glaucon (também inmio de Plaid) « permanecerem: co eles. Temos, portanto, uma galeria de figuras, das quats umas sso activas, outras, sirples ouvintes. Quase todas so conheci= das, Fim primero plano, Sécrats, sem ditvida a pessoa central «ta discuss digléctica, Embora ndo vamos renover a questao da * Mediante wma ciagto de Simomides, a partir de 1. spud, comm 4 quel 9 introdaz segunda deGuikay Ue jue: dar a cada um © que se Ihe deve. © Vide supra, p. vite n. 9, " Clitofote di 6 net 4 wa dogo patinico deena dade davilosa “A designagio ¢ de P. Friedlander, Plato, 2, p. 52 (que vé 0 ‘centro em Polernareo ¢ seus irmic). var historcidade deste seu retato™, podemas recordar, & passage, a hipdtese de FM. Comiford, seguida por outros, de que & neste Ailego que se desena a bifucagao entre 0 método de Séerates 20 de Platdo: no Livro 1 evidencia-se a faléncia daquele; 4 Nao incluimes agui a questéo de Livro 1, geralments consi- derado mais antigo. Dela rataremos adiante, % Sobre 28 difcaldades cronoidgieas suscitadss por esta poxs- vel alusio, vide infra, n, 25 no Livro vt lista, ja fite, entye outros, por M. Pohlenz, Aus Plucs Wordezet, 191, p- 209, 0. 4 € citada por A. Digs, na introdugio & edisio Bude da Repablica, Tome vy p. conv, ¢ seguidamente disco Fda. Mais recenzemente, J. Ferguson (Plat Republic Book X, pp. 27- +29), alinha doze arguments, analisados os quais apta pelos anos 2 seguir a viagem A Sictia, em 387 4C, Uns trinea a guarenta anos de diferenca entre a data dramatia ¢ a data real € 9 que supdem RC. Cros € A.D. Woodley, Plato’ Republic A Philsaphial Commeniry ‘p-xin, que aceitam, seguindo G. C. Field, «375 aC. como provavel para segunda, incompleto da Repiiblica, como conversa havida na véspera, deve serlhe posterior; que a Ciropedia de Xenofente seria uma contrapartida desta obra, a darmos crédito a anedota corte tada por Aulo Géio™; que hé wma relagdo inegével enire as doutrinas expostas no Livro V e As Muthetes na Assembleia, comédia de AristSfanes que no pode ser posterior a 302 aC”. Pessoalmente, acrescentaremos que 0 estds comparativo entre os quatro grandes mitos escatol6gians — 0 do Gorgias, do Fé- don, da Republica ¢ de Fedro — leva a colocar os didlogos emt causa na ordem em que acabarn de ser cirados*” Sem pretender discutr em pormenor a questéo, da qual in- tentamos sontente sugerir a contplexidade, observaremos, pela nossa parte, que ndo nos parece sequer vidvel alangar uma daca ‘inica. Uma obra da extensao e pryfundidade da Reptblica é certamente produto de uma demorada elaboragio, ao longo de vérios anos. Alm disso, a partir dos eitrics estilométrices, wdo poderemos obter dados segurus, ante a variedade que agai se encontra®. Por outro lado, a conhecida afirmagdo de Dionisio dle Halicarnasso®, segundo 0 qual Plato sontinvow sempre a rever os didlogos, dificudta a questo. Mesmo assim, distingrsire- ‘mos a seguir alguns dos seus aspects prinipais. Nectes Atiae x1 32, que taduzimos adiante, p. xvi. > Este termine onie quem & estabelecido pela informacto de Filacoro, de que a pega fos estreada dois anos apes a celebragio do tratado de alianca entre Atenas sparta * Vide © nosso trabalho Concpybes Helnias de Feidade no Alér de Homer a Plaid, Coimbra 1955, pp. 7791, 169-184 ¢ 198-201 “HL Theslell, Sead in the Styles of Plato, ct. apés diferenciar dex esilos na obra de Plato (p. 63} observa a presenca de todos menos ue, ¢ de todas as formas de exposicio, na Repablice (pp. 95-118). * Decompositine vrboram 208-209, 4) RELAGAO CRONOLOGICA COM «AS MULTLERES NA ASSEMELETA» DE ARISTOFANES © case, hd pouco citado, da peniltima das coméiias con- servadas de Aristéfanes, & um dos mais intriganies, pois um dos raros factos seguros é que a Republica no podia estar publicada «392 aC, ¢, por owe lado, as semelhangas entre 0 Livro ve a pega sto iniludiveis, Talvez, como supés G. Muay", as nossas dlividas sejans consequéncia do escaiso conhecimento que temos do proceso de divulgagio das obras literdrias na antiguidade. ‘Vetemos este porto em relacdo com o seguinte, #)onmuNcIRIO Do sTIMEL Acrescentaremos que 0 comeyo do Timeu, que tem cate sado grande embarago aos criticos, poderd, segundo julgamos, contribuir para 0 esclarecimento da questo anterior. Fyectiva- mente, nesse didlogo, Sécrates principia por resumir a conversa da véspera sobre a diviséo do trabalho e das classes, a educagao dos guardides (incluindo a das mutheres) e a sua vida em co- imum ¢ os estrankos preceitos que regulariam 0 casamento © ge- rage daqueles. Terminado este resumo de duas paginas, peyeanta se estard completo, 0 que os interlocutores confirmam. Porém © Anitophanc, Oxford, 3933, pp. 186-189. V. Coulon, na edisto Bode de Acst6fanes, Tome v, Pars, 1954, pp. 1-12, supBe que 0 ¢o- mediégrato stacava simplesinente douteunas semelhantes de outros fl6sofos, pra o que se abona com dois pasos da Politica de Arist- teles (1266u34-36 e 127gbg-t1). Mas a verdade € que o Estagirca, embora cite docttinas de flosofia politica de outros autores, atabui expressamenre a Platio,¢ 96a ele, a parte cm causa. A bibliogsafa da questio, até 1947, pode ves-se no preficio de A. Dits ao Tomo de Pltio na coleegio Budé, pp. un-am, 1.3, Py «estes ndo sho os da Reprablica, mas Timeu de Locros, Hesms- trates e Critas; alémn diss, 0 sumdiio tem omissbes, Estas semelhancas e diferengas tém servide de argumento ‘para o problema da eronologia relativa, para a hipStese de ume primeira edigao ou para a de um didlogo perdido. Julgarnos encontrar agui, simplesmente, sana prova de que temas deses eram correntes nas discusses da Academia, Sendo assim, ndo surpreende que st tomassem conhecidos ne exterior 4 ATMPOTESE DE UMA PRIMEIRA EDIGAO A possbilidade deter havido uma prveia edigio do dis- logo colke 0 seu furdamento principal na informagio de Aulo Gali, ats ctada®, que sepuidamentetradsczimes: Supuseram também que néo era indcio de dspasgao sincera rom aniga o faxto de Xenofonte, para contraditar aqua obra ile de Plaid, aera da metho consttigao ¢ admivisranio da cidade ~ depois de ler apreximadamente dois ons ge primero hacia sido a plo ~ resto sum tata diferent, sobre o governa de tm maar, ite Ido wCiropedia, tese teria corto poder couvincente, se exstisse também um Prdico = tanto mais que Sécrates se declara discipulo ou ouvinte deste x cryumento da antiguidade baseada no frsal aporétco™, Aceita-a como proved wn dos mats recetes¢ ras axtonizadosensaios sobre a Republica’, De qualquer modo, as diferengas de estilo” ¢ de vocabnlrio em relogio ao resto da obra so suficentes para lever cs partdérios da tose unitéria a analisar a estrutura do «pre- tenso Trasimacas junto com a dos primeiros didlogos™. Mas te- mos de reconhecer que 0 Livro 1 desemmpenhs admiravelmvente as _fienigies de portico de wm to extenso tratado ¢ que as potenciali- ‘dades de dramaturgo, aqui tio exuberantemente reveladas, néo 2 afastams das owtras tds obrasprimas que, como jé referimes, & ‘imo (Menon 96d) © 0 denomina seu companheiro (Hipias Maer 28a), CE. ainda Toveto tsb. Note-se também que no Pre ‘sto presentes tantos desses mestres que B. R. Dodds pide iropicamente de urn «Congreso de Sofistas»nesse dloge (aa sua edigdo do Géryias, Oxford, 1959, p. 7). * A hustéma do debate, que nalguns caso se alarga a teoria de aque o Livro x rewta o Socrates real, foi fia por G. Giannantoni, ‘ll primo libro della Reppubblica di Platones, Rivista Cia di Stora dell Fils v2 (1057), 123-145 (Gitado por H. Chetniss, no vol. 4 (0950) de Lacrum, pp 3-34 © 162). *RC. Cros and A.D, Woozle, Pat's Republic A Phissophial Commentary, p42. “Inclusvamente o ratamento das igus, que, como jé notoe, ‘Wilamowitz. (Plato, Berlin, ‘1929, p. 445), se esfumam progressiva- sents, a partir do Livro sim fax, eg, V. Goldschmidt, Les Diskus de Paton, que 0 ctu entre os aporéticos. O mesmo antor chama a atencio (P.138) para uma diferenca substi: os digogos daguele tipo termina por tina ota de caperangay aposar de nfo ac tor conseguid « deGiigfo, Mas neste, sa aporia final wio é definitiva, Iso no o disse Sécrats. E Gliucon que o diz por ele. Sipnifcando assim que o didlogo pre- cedente nio forma senso om pre'tdio, oeprimeito» livre da Reni ‘rs 1D. Allan (Plc: Republic Book, p vin) notara também uma particularidade: nenhum dos didlogos itais antigos era tho nega tivo como este, se tomado isoladarnente, Este mesmo specialist apresenta um argumeato de economia dramitica que nio pode x costume considerar como conspostas no mesmo periodo: 0 Banquete, o Fédon e¢ Fedro™. ‘Bim qualquer caso, 0 Livro 1 comesponde a uma parte da cobra que, alm de ter a finalidade de apresentar as figuras € si tuar a discussio, force o tema da mesma —o que €a justica — ce refuta as definigies propostas, a de Cifalo (edizer a verdede e resttuir 0 que se tomou» — 3gib), 4 de Polemarto (adar cada um o que se lhe deve», segundo Sinsénides — 331) ¢ a de Trasi- amaco («0 que esté no interesse do mais forten — 338¢). 4) 05 LIVROS TL UIE IV Entre a concepedo crematistica de Cefalo ee paradox do Sofista, ficarans sens consisténcia os alicerces morats da Justica anenosprezat-s: 0 silncio, durante 2 discusco, dos irmios de Plass0 (salvo em er ettamente paque os aguardava win papel maior B. Shorey, Mt Plan Seid conc neavament: WF me possivel provar que o Livro 1 se destinava a ser publicado separada- frente. Arecnstuiglo eka por Dimer de um ras anterior fem data a0 Gorgas permanece, siraplesmente, uma engenbosa con- Jjechara (pp. 214-213). A. Digs, na introdugio & edicio Budé da Re- ‘publica, vai mais longe ainda na destruigio do paraelo, a0 notar qe, Soo Gina acabaste com a discusio entre Séerates ¢ Polo, ninguémm sspeitaria que o diilogo tinha uma segunda pate (p. xX) [Entre os comeneadores mais recentes, pensa do mesmo modo N. P. White, A Companion o Plato's Reprblig pp. 616 69, que entende nfo ser posrivel que este livro svease sido escrito coro fim diloge eopatado, pois coorém mite indicagies © conceitns Gor reaparecerdo nor euttos. Porém Julia Annas, An Into to iato's Republic aceia como provavel a hipotese, com base m4 com paracto com © Clifowe (que considera aurtaico); nfo Ihe parece, Gontado, relevante para interpretagio global da obra, ama vez ‘que "Vormna una jatroducio perfeitamente adequada & discassfo principal". 17}] xx or iso, mo principio do Livro 1 se insiste ems querer saber a nnatareza da justca e de infustica esem ligar insportncia a sali rio nem a consequéncias» Os dois irmos de Platdo querer, portanto, a demoncins- iio de que a justia €intrinsecamente boa. Para tanto, Sécrates _propée-se apreciar os factos em grande escala®, 0 que the facili- ‘ard a terefa. Por conseguinte, iransfee a sua-andlise do indivi- duo pare a cidade. Dessevenise entio as transformagies de uma cidade, que, de primitiva, se torna em inecuosa, motive por que comeca a precsar de uma especalizagdo de tarefas cada vez maior. Essa cidade carece de seldados que « defendam e preservem — de _guardies com su tino proprio. A edtuiado deve darse-ies, pela musica pela gindstica, d maeira tradicional grega", prin ‘pia a ser estudada em 376c. Mas misiea, para os Helenos, 6a arte das Musas, em que a poesia nido se disocia dos sons. Ora as fabulas dos poetas, que costumam ensinatse ds criangas, es- to repietas de falsidades sobre os denses, a quem atribuemn todos os deleits, en vez de revelarem a divindade na perfeiio dos seus atributos, No comego do livro jd se haviam feito citagies 2 338, * 1, 3666-3676, especialmente 3676. ° 7, 368d. «Bntendo que devemox conduit a investigagao da mesma forma gue o farlamos, se alguém mandasse fer de Fonge le- twas pequenas a pessoas de vista faa, e entio algumas delas dessem conte de que existiam as mesmas leas ern qualquer outta par, er ‘maior ¢ maras escala mais ampla. Patecetlicia, pense fu, um auténtico achado que, depois de lerem primeiro cst, pusdessem entio ver as menores,a Ver se eram a mesma coisa. Durante a época arcaica, havia apenas dois mestres: 0 paidoe tribes, que exerctava na ginastica, ¢ 0 kithoites, que ensinava mi- siea, Nos principios do sc v aC, juntou-se-lhes o grammatives ou ‘mest das primeira letras. de vesos pe sugerians que os deuses no enum garantia de jus- tiga; agora declara-se abertamente que os poctas ndo servem (para instrur a javentude, O Livro im prosegue 0 libelo acusatirio,e, depois de man- dar embora os que imitam 0 mal, retoma o tema da eduaapdo pela misica e pla gindstica (youd), Outros aspectos da vida da ‘omunidade sio regulamentados no Livro 1, até que, depois de relegar para o ordculo de Delfos a superintendéncia em matéria religiosa, Sécrates declara que, fundada a cidade, estéo agora aptos a procrar «onde poderia estar a jnstiga e onde a injustigan®. Ora, se a cidade & perfeita, teré de posswir as quatro vistudes, sabedoria (sophia), coragem (andreia), temperanca (soplro- syne) ¢ justiga (dikaiosyne). Definidas as trés primeiras, atingir-se-d a quarta por exclusio de partes. Se a primeira se encontra nos guardibes, a segunda ros guerreires ea terceira na harmonia geral de todas as classes, a justica serd que cada um exerca uma 36 fungdo na sociedade, aquela para a qual, ‘por natvteza, foi mais dotado (4334). Resta verificar se estas conclusées, vistas nas «letras grandes», sie aplicdveis ao indivt- duo, Ora a cidade tinha trés classes: 0s guardises, os militares ¢ s artifice. Taambéns a alma do individ tem trés elementos: apetitivo, espirtual racional. Avs apettescabe obedecer, as emogies assists, azo govenar. «E asien assent suficien temente em que existem na cidade e na alma dos individues os “wand. © £ ponto coniroverse, se Platio dividiw 2 ala em partes, A palavia sclementoa, por mais raga, & preconizada por Cross © Woodley, Pla's Repuilic A Philosophice! Commentary, pp, 127138, ‘tanto mais que, como notam esses autores a psicologia tha a di- ficuldade enorme de se expsimir ennma lingtagem que tinfa sido primariamente destinada ou sinka sido principalmente desenvol- vida para a finalidade, completamente diferente, de falar sobre © mundo exteriors (p. 128). smesmos elementos, no mesmo stimeron®. O som equilibrio om desequilibrio condwzem a justica ou a injustiga, E esse o aspecto que falta estudar douvroy Agi, porto, insere-se 0 que tem sido chamsade «a grande digression da Repablica, ¢ como tal, considerado por vezes santa parte mais tardia do didlogo. O que sucede € qe, na melhor tradigao literdria grega®, a discussio 6 interromspida no comeco tv, 441c. Tem sido objecto de acesa discussdo saber até onde Plato aceitava esta identidade e se, pata ele, o ponto de partida era da cidade para o individuo on do individuo para a cidade. Apesar de a ordem seguida na Repiiblica ser a primeira, supomos, como ‘Crow ¢ Woozley, op. cit, p. 138, que era a segunda gue ele tinha em mente, * V: Goldschmidt, que divide a obra platénica, sob 0 ponzo de ‘vista estruteral, em didlogos aporéticas ¢ dilogos acabados, consi- dera caracteristica destes Sltimos que denomina «détour essen- ticle © especifica (Les Dialogues de Platon, p. 163): eBstes dislogos apresentam ealongamentose cxje acessa nos fica vedado, se os con- siderarmos como digressées. Cada dislogo propSe-se tratat um as- sunto, do qual o desvio nto se afisa, se nfo para o delimitar me- thor», Tarabém P, Shorey, What Piato Said, p. aoe ‘esses ‘pastor come «a pedra angular da construgio completa. “No Canto xr da Odisseia, a narrativa dos errores de Ulisses petante a corte dos reis dos Feaces, principiada no Canto ne, é inte- rompida, porque, observa o heréi, no ¢ parsivel contar tudo e sfo duias Uc Uescansa (328-342). Mas Alemoo pede-the que a centinne 362-376), o que ele faz, até a deixar complcte no final do Canto xa. (Pomos de parte, naturalmence, ax miltiplas ¢ jusaficadas divides Ievantadas pela erftica homérica quanto as interpolagies deste Canto xt, pois io icelevantes para a época de Plstéo). Por outro lado, © «segundo prélogo» nas tragédias € uma pritica conhecida des leitores de Euripides. do Livro ¥, € voltames a ver 0 agrapemento de figuras do proémio, ¢ a mesma aste de movimentar. Ea ocasido em que Polersarco combina com Adimanto interronsper Socrates, 0 fonar a explicar-se melhor sobre a comunidade de mulheres filo, anunciada em 1. 423e-424a"™ E esse pono que vai ser eslarcido, com grandes radeias ¢ Drecaugbes, expressas na metdfora das vagas marinhas, ao longo tho Livro ¥, Primeit, farse-d a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade dos homens, devem tomar parte nos cargos directives da cidade; segundo, expor-se-d ¢ com= pplicado sistema pelo qual se realizado os casamentes e a prociae edo na classe des guardives, de molde a obier o mais alto gra dz eugena; a berceira, a mais tenatvel das wagas,consite am procla- ‘mar a condigdo necessdria para que tal Estado se tome reaizével: que sea governado por filbsofas". A afirmagdo conduz, natural- mente, & deBnigao do que sea uns filsofo ea distngdo, com que encerra o livto, entre saber e opinide, entre 0 «amigo do saber» (philosophos) e 0 «amigo da opinido» (philodoxos) *. © Vide supra, pum, A bibliografa sobre a pesigio dos historiadores ¢ sociGlogos medemos quanto 20 filésofo-re!(phiesmphas-baslcs) pode ver-se em B. Friedinder, Plt 3, pp. 482-483, 9. 4% Fm grego, a oposiclo des dois conceitos é mais clara, pois se exprimer: ambos por compostas, cxjo primeizo elementa & co- sun (pio). Nao € demas acenniar 2 tmporcinca desta defiicéo e Biésofo, nto mais que hd boas razées pasa exer que o com posto ado ascende a Ptigoras, como ums tradigio numerosa, mas facia, favia cree até hi pouco tempo, mas qite se originou ‘no ensine da Academia. Sobze este asso, vejse an. 26 20 Livro ¥, inf, ¢ 0 que escrevemos em Esnudos de Hisria da Cultura Csi Y, p. 187 e bibliografia citada na n. 8 da p. 1. [Na 8” ed, 1098. pp. 245-247 e bibliografa citada na nota 8 da p. 212] Note-se que 0 filésofo que aqui se define nfo é, como diz E. Havelock, Preface Plo, p 21, etm membro de uma escola de av dj os tivros vi Evi (Os dois lors seguintes oaupar-se-io,legcamente, da pre= paragao do filsofs. Depots de enumerar as qualidades que 0 recomendami para ocupar os lugares de cefla ¢ de analisar as casas do degavor em que geralmente étdo, princpia a esborar 4 mancira de formar os guardites(50ac-d),a fin db eles proc rarer alcanyar 0 saber mais clevado (tmegision mathema — '505q), cwjo objeto € a ideia do hem, a ideia™ suprema que ‘oma inceligivel o mundo. sammento entre outras escolas, equipade com doutrinas expressas Em formulas coavenentementestremaczaline, may +n0 fondo, ‘um hornet cou eapacidade para o abstracts {ibidem, p. 282), ou melhor ainda, aa expresso de J. E. Raver (Pat's Thought in the “Makiegp. 128), ua menos do que o homers perfeita, que une 23 sua pessoa todas as virtues humanas que possam conceber-st ** Manteros, apesar de codos os Scus inconvenient, a versio tradicional (que € airal ums transiteracio) da palava greg idee cu ies (uma excepedo em 486d cf. 1 a0 Livto i). A moderna iia inglesa prefer geralmente dizer eformar (fr), para salen tac 0 aspecto visual que determinon a escolha desse vocibulo (es, {J Bergoson, Plo’ Republic Bok %, p. 127: scidos sguifice basica- ‘mente agpecto que ssma cist tets).‘N. Re Macphy (The Interre- lation of Pat's Repu, p. 130) entende que Plaao tou a palavea como simples meio abreviado de se refent «coisa em Si. «0 que cada cota , Mas talvee a definiedo mais vigorosa continue a sera {gue dew R, Le Neseship can 1000 (The Toy of Econ it Pat’s ‘Republi, p. 09): eho elemento de realidade que 0 seu exptito dese ‘obria ou supunha em toda a parte, por tis das aparéneias e altera- Bet que 2 sensagio nos mostra, den 0 nome de forma. Para uma dlzowsio clara e precisa sobre as difculdades do problema, liassc R.C. Crass and A.D, Woozley, Plato's Republic ‘A Plsphical Commentary, pp. 178979. xx Tada esta parte constitui o que J. E. Raven designow por o «Ensaio sobre 0 Ber», defnide este altinro do seguinte modo: +O Bers, para Platéo, & em primeiro lugar, e com mais eviden- ia, a finalidade ow alvo da vida, 0 objecto supremo de todo 0 desigito toda a asptago. Em segundo lugay © mais surpreen- dentemente, a condigio do conbecimento, 0 que toma o mundo inteligivel € o espirte intligente. E em terre, timo ¢ mais importante lugar, €a causa criadora que sustenta todo 0 mundo tudo 0 que ele contém, aguilo que dé a tudo 0 mais a sua pri ria existéncia»™. Um triptice simile” vai rornar a doutrina mais compreensivel, expliaendo a relagio entre 0 mundo visivel 0 mundo inteligivel. Poucos passes de Repiblica tém sido to vivamente Aiscatidos como estes, quer ent si mesmos, quer nas relagdes en tre os trés. Essa longa discussdo, no a vamos renovar aqui”. Plao's Though inthe Malin, p. 130. ” O processe € tradicionalmente designade por simile nos dois primeiros exeruplos, embora N. R. Murphy (The Interpretation af Plas Republi, pp. 1-1s8) negue cnengicamente a propriedade dessa nomenclatura em relaglo a0 segundo. Outros preferem dizer alegotia, mas o nome s6 se aplca perfeitamente ao teceizo exe plo, Note-se que Platio chara cikan (imagens) & alegotia da Ca verna (vn, st7a) °* A discussdo dos principais pontos de vist, designalamente, fo mradicional (de RL. Netticship © outros), o ataque a este por J Ferguson in Clasial Qurig, 192, c, mais tecentemente o dz N. Musphy na mesina revista, 1934, retomnado no sew liveo The Inerpre ston of Plas Republi, e 0 de jE, Kaven, também naquela publics: ‘to peti6dica, 1953, © depois no livra Plato's Thought in the Moin, cencontri-se exposta com toda a careza em R. C. Cross and A. D. Woozley, Plt's Republic A Phibsophinal Corsmentay, pp. 196-230. Sintorudtico da dificuldade de chegar a uma conchusfo segura & ‘como esses professores de Filosofia reconhecerarm, ser esa a nica parte do livio em gue os dois autores nfo estio de acordo (p- 27) 2 De acordo cont a orientajdo exposta inicialmente, procutarensos apontar elementos que facilitem a reflexo, pondo em evidéncia os dados do texto emt que 0 estudioso precisa de atentar, para basear asa interpretac, E 0 prdprio texto, efectivamente, que afirma a relagko entre 8 trés similes: do do Sol com 0 da Linha Dividida em vi. 509c;€ deste tio com o da Cavema em v7 st7a-, Esta segunda equi- valencia tem sido, ela mesma, objecto de grandes discordancias, até ‘porque principia por se declarar, de wma forma um tanto vaga, {que eeste quadro deve agora aplicarse a tudo quante dissemos ‘anteriomente» (st7e-b), 0 que, na verdade, podia dizer respeito, ‘em principio, tanto a ums como a outro dos similes, Mas a conti= wai explcta que se deve companar 0 mundo visivel & cavema 0 inieligivel a ascensdo dos prisioneires ao mundo superior”. Para empregar uma imagem tirada da prépria Republica, dirkannos que estes similes encaixam uns nos outtes como 0s con trapesos do fuso da Necessidade, no mito de Er (x, 616d-e), segue, na parte superior, tinham 0 rebordo visivel como outros tantos civaulos, formando um plano continso de um s6 fuso em volta da haste..» En primeiro lugar, temos, pois, a metdfora do Sol, que mostra que esse astro estd para o nsundo visivel come o Bens “para v sensivel (1. s07b-509d)* * Aineerconenio & aceite por exemple, por JE. Raven, Pleo "Thought inthe Making, p. 175, que acaba mesmo por afrmtac: «As tréx srandes slegomas de ep. Ue vit nao sao tres todos relacionados mas inéependentes, como os ots quadros de um trptico; sto antes 28 as partes complementarese interdependentes de um. todo, ‘como os trés pés de uma tripods, Juntos constroem a base meeaf- sca da teora ¢ cureioulo da educagio superior era Plato. © pormenor da correspondéncia esti expliado no comen- rio a vt. 08e (infta,n. 38 a0 Livro v7) avn O segundo (Vt Sogd-ste) consiste em imaginar urn lisha pra ser dividida em dias partes desiguas, cada uma das quais seria ainda sezionada segundo a mesa proporgdo, Se desgnar- mos a linha por AB, 0 primeito arte por Ce os outros por De By indo buscar ao texto as equivaléncias des segmentas asim abtides, podemos tracar o sequin diagrama nosts superiores eta interiors Chg), © vo sag! Ite ie “y eh Y ee 2s D ig ‘ekones FS ethaata diet’: A Portanto, 0 mundo visvel (horata ou doxasta) tom em rimeiro gar una zona de eikones (imagens reflexes nas ‘qua, conkevides pela eikasia (esupascaoe, ow, como outres preferem, ailusio»}. Numa nivel mais elevado, temos tados 0s 200 “eres vives (za) e objecos da munde, conhecidos através de pistis («fé»). O mundo inteligivel (noeta) tem também dois seetores proporcionals a estes, o inferior e o superiey, 0 primero preendido através da dianoia («entendimento» ou arazio discursivas), Nesta vin distinc poderd resid, como alguns supdem, a finalidade principal da analogia: 0 contrast entre 0 conecimento pela dianoia, que é 0 das ciéncias, ¢ 0 que € pela noesis, que € 0 da filosofia. Mas nao é menos importante a antinomia entre opinio e saber, entre doxa e sophia, que tinhamios visto ao terminar do Livro we vai tomar forma nitida na alegoria da Caverna (vt si4a-s188): -Homens algemados de pemnas e peseacos desde a infancia, numa caverna, € voltades contra a abertura da mesma, por onde entra a hve de une fogucira dcesa no exterior, do conhecem da realidade sendo as somras das figuras que pascam, proeaadas nna parede, ¢05 cos das suas vozes. Se wns dia soltassem wn des- 488 prsioneiros e 0 obrigasem a voltar-e e ofhatr para a luz, es- s€5 movimentos serthe-iam penosos, ¢ ndo saberia resonhecer os cbjectos. Mas seo flzessem vie para fora, subir a ladeira olhar ‘para as coisas até vencero deslunsbramento, acabaria por conihe- cer mido perfetamente e por desprezar 0 saber que se possuia na caverna, Se voltasse para junto dos antigos compankeiros, seria _por eles trogado, como un visiondrio;'e quem tentase tiré-los dagucla esraviddo arriscar-se-ia mesmo a que 0 matassem. Antes de iniciar a alegoria, no comey do Livro vii, Platdo dissera expressamente que se tarave de dar a conhecer 0 com portamento da suatureza Inmana, conforme ela é ou nao sub- merida a edwwasio (Fm. $14q). Ora, 0 modo como esta hd-de _processar-se constitu’ o tema central do Livro, Deve notar-se em primero lugar que 0 curricibam que se propée vita oa disciplina mental ¢ 0 desenvolvimento do poder x de pensamento abstracto»™. Por ise, temas em sucessio 08 ude rias ramos entdo comhecides™ da matersitica (jxduindo uns acabado de criay, ainda sem nome, d futuraestereometria), des- ligades, como sublinka o proprio texto, das suas aplicagdes pré- ticas (vm. sast-d). Temes, assim, como base, a aritnsética que fucilica a passagem da pripria alma da mutabilidade a vere dade e & esénciay (1. $250); a seguir, 0 espago a duas dimen ses, ou geometria plana; em terceizo hugar, © espago a trés die mensBes, por mcio da estereometria; a astronomia estuda os corpos silidos em movimento; e a harmonia, o som que ees en ‘do produzers, Thata-se, portanto, de wm encino essencialmente _formativo, Todas estas ciéncias tans por missdo preparar 0 espl- ‘ito para atingir © plano mais elevado: a dialectca, expo fin € 0 conhecimento do Bem (vit 533b-e). Para o seu aprendizade, e- Teecionaran-seos mais bem dotades, quando atingen a idade de trinta anos (Vu 537d), como anteriormente tittham sido escelhi- dos, aos vinte anos, os que haviam de encetar uma educagio su- perior (v1 $37b-<). Eis o modo como Platdo a define: O metodo da data #0 nico ue proced, por me da esruizi das Bip, a camtnha do aint prindpie « is de tomar segs 0 wus resides, e que realmente arast aes poncs cs obhos da cha da espe de Indo irbar em que eid ‘tolada¢ eevaces 2s altaras, tlzande como auciiares para iar acomducls as as que aralsamos, (vu. s33e-<) * A frase € de P. Shorey, What Plato Sai, p. 236, * Os faadamenros da Algebra s6 foram langados no séc. ms 4. C, por Diofinea, numa obra inceulada, alts, Arimétic, O nome © + notagdo que Ibe € propria foram-ihe dados posterormente pelos Arabes sox | , para nos tira quaisquerdividas sobre a rlagdo entre esta or- dlenagi dos estudes eos quatro graus de entendimento anterior mente rerdos, expla de novo: Basa pois qu, ome anteionment, chon cena & pone avis, entondimenta a saande, ftir, ¢ saposi= do 8 quart opin dua tas, itl as dus pr reins sexo a opi relativa @ muta ea nhgeada & cesincla (om. saze-sasa) E proprio do saber dialéctico «aprender a esséncia de cada swisan (vn. 5346) Deve ser capaz de distinguir @ matureza es sencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (vit 5346). Demorimes um pouo na nogio de dialéetica, porque & uma das varias palavras-chave” deste didlogo, que rudaram de tal mode de sentido, que o sew emprego sem adverténcia pré- via pode induzir em eno”. Derivada de dialegesthai (daler come, adiscorrern,exaciocinary”), pressupe intelocutores — exac- tamente como acorre no modo de flosofar da obra platéuica, designada, alids, por uta palavra da mesma familia: «didlogon. * Qutras sio idea ou aides (sopra, n, 68, p- 2007) ¢ phileophia © ilapha supe, 2.68, pp. cree). Asante vezemos mate © principal seria, conforme foi notado por F. M, Cornford (The Republic of Plato, p. 222) attibuirlhe 0 sentido que tomou a parce de Hegel RL, Netdeship, Leute on the Republicof Pla, p. 279, ita 0 passo dos Memorives(v.$.40-12) em que Xenofonte pe na boca de Sécrates a explicagfo de que o verbo provém da pritea de os he imens se encontrarens para deliberar spondo de lado os assuntos aque discutiam, segando a sua espécies, que é to que tamou os ho- mens melhores, mais capazes de governar ede disconers. soo Por esse motivo, Nettleship pode escrever: «O termo edialética», que desempenha sm papel qusase tio procminente na filosofia platénica como eformar, nao significa originariamente nada tas do que o proceso de disso oral por si de pexrnta¢ respostan™. E ainda: ea palavra passou do simples significado de ediscorer» para ¢ de adscorce com o fins de angie a verdaden, € este ediscorrer> pode executar-se através de palavras entre duas pessoas on ser 'o didlogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma’ (Sofista 263e)»". Da designacio do mé- todo th Sheer ch wébodos 1ak-999) passa a identificar-se coms 0 proprio objecto a alcangar pot essa via, que é 0 saber filoséfico, 0S LIVROS VIE EX Ao principiar 0 Livro vin, Sécrates recapivula a legislagao estabelecida para a cidade ideale os seus guardifes e propde-se regressar ao caininko anterior (vii, 5431). Recorda ine que Gléwcon estava a referir-se as owiras quatto expécies de governo, quando forara interompidos por Polemasco e Adimanto (Vt. ‘s44a-b), Retomada a discussie neste ponte, vio-se desereveressas (quatro espécies ea mancira (ont-histnica, mas comvincente) como degenerarars yas nas outras. Dest modo se traga o quadte da mocracia (ow governo que preza as hones), oligarguia, demo- cacia ¢ tania, bers corto do homo ue capone we ‘A descigao do ponto mais baixo a rumana pie de nove a questo ‘nial da eae tad de cada wma desta espéces, em relago oom as quatidades que predominam na cidade™, com a condasdo de que 0 tran, esravo dos mais srdidos prazeres e apetites, € 0 que mais se opée 40 The Theory of Eduction in Pat's Republi p15. * Lectreso% Plato's Republic p. 280. re S776 xxx _filésofo-rei, que ker acesso aos prazeres puros ¢ reais, e de que & 1 justcg, edo a inyjstiga, que traz vantagens a quem a praca Ao terminar o Livro 1, Gléucon reornbece que a cidade aque acabam de delinear & wt6pica, Mas, objecta Séerates, fica 0 paradigma no céu, para quem: quisercontemplé-lo e estabelcer por ele o sex teor de vida. Quer a cidade exist, quer no, 35 4 esse modele que o filsofo iguird®, fJouvRox O Livro x rem aparecido a maioria dos comenéadores como sum suplemente ou unm apendice™. A discussao rinha 4 tenn nado, com o contraste entre a vida do homem justo € a do it {Juso,e coniusda sobre a superionidade daguels — respondendo, ‘portanta,& assergao de Trasimaco en & 3430-3446 3478, retomada mn 1 360e-361d. Mas Sécrates reabre 0 did, (para preisar @ importéncia das dispescies sobre a poesia, que hdo-de observa tra cidade fundada ( 5950). © nx sab. ™ Exemplo representaivo dessa posigio € R. L, Nettleship, que chega a encontrar Yestigos de mais de una redaoyio de mesmo tS pico (Lestares on the Republic of Plata p. 347) €a super que Platio teria dlois plaaos em mente pata acabar o dislogo (ibidem. p. 358). V. ‘Goldschmidt ainda ¢ mais indsivo, quando afta que se. a seguir a0 Livro 1x, estiessem as conclusdes de x, 6iza seqi, ninggcém sus peitaria de tama lacuna (Les Dialogues de Plator,p» 300). Mais rece femente ainda, R. C, Cross and A.D. Woozley (Plat's Republic. A Philosophical Commentary, p. 263) obseevam que, apesar da saa ira- bortincis, 0 Livro x deve ser considerado um spéndice. [No mesmo sentido, unas numa atitade muito critica, se pro- anunciou Julia Annas, An Tnitoduction to Plato's Republi cap. 24, UE clasifica est livro de "gratuito © confuse muito abaixo dos outros, quer n0 nivel de argamentagio, quer no da arte litera (p 385). Dif rememente, N, P. White, A Companion to la's Republi p. 29, cons- dera-o 20 mesmo tempo um epilogo e uma contrapatida do Livro 1, a): #Por, isso, justia socal ¢ justiga in dividual, ordem da cidade e ordemn da alnua se misturario entre si sem cossar, através de todo este dislogo. Néo temos, pos, de nos interzogurmes, qual 6 tera primério ¢ qual o tema secundatios 0 tema é um: é a Reptblica (perfeita) ov a Justigas svn, que vat servr de base a todo 0 ditlogo, & Que é Dikaiosyne? Esta, bem como 0 adjectivo de onde deriva, dikatos, constituer dificuldade idéntica a anterior, porquanto é, como eserevets R. L, Neitleship, co mais eenérie dos nomes gregos para a virtude, & no seu sentido mais lato, diz-nos Aristoteles, equivalente a ‘a to- talidade de virtudes, tal como se mestra fio nosso trato com os. outros’ (Eth, Nic. v.tis ¢ 20)". E, em sesumo, «proceder beni» para com os demais™. Sendo assim, ¢ tendo presente a equivaléncia, ja referida mais de uma vez, efortemente sublinhada ao longo dos Livros vittas, entre Estado e individuo, compreendemos o énmbito da Dikaiosyne e sua relevdncia ta ecinstura da cidade, na Poli- teia. Nao precisamas de supor, como E. A. Havelock, que a Repablica é primarianserte «um alague ao aparetho educativo existente na Grésian ™, Antes nos parece que o problema deve _formular-se ao contuéno: porque o sistema educativo € essencial na formagio dos cidadies, cabecthe um papel de releve rama cba que trata da cidade™. Lectures om the Republic of Plato, pp. 4. Vide, entre outta, . M. Comford, The Republic of Pas, p. x HS, Thayer, «Pho: the Theory and Language of Panctione in Plato's Republic Intepretaion and Catiesm ed A. Sesonske, pp. 2-29; R.C. Cross aid A. D. Wooley, Plaw's Republic A Philosophical Commennary, pp. 1. Preface to Plaio cap. t, especialmente p. 13. Havslock foi mesmo a0 ponto de fizer a contagem das péginas consagradas 2 teoria politics, para além do Liveo ,e verlcou que eram cerca de 81 em 239 (p. 18, m. 37) efeervando o cileulo pela sumeracdo de Stephanus (sobre 2 qual vide infra, p. 110). " Kyte modo de encatar « unidade da Repablica nto diverge, essencialmente, da do cflebre ensaio de H.-G. Gadamer, «Platos Steat der Erzichunge, Dus neue Bild dr Antik, herausgegeben von H. Berve, Leipzig, 1042, 1, pp. 317-33, que H. Chetnss resume em ‘xiv (© mesmo helenista pensa que assim se expliceo lugar des- tacado confrido & condenacio da poesia, no wlimo Livro. Re- corde-se, contudo, que nao & esse 0 fecho da obra, mas sim o mito de Ex, ja finalidade € demorstray, com todo 0 aparato mnagi- native de que se eeveste, a necessidade de proceder bem: durante «vide ow so, dese just. Influéneia da obra na Antiguidade Do mais antigo ensaio de teoria politica wtdpica, como se tem chansado & Replica, pode dizer-e paradoxalmente que Lastruns, 1 (4650) p. 156, do seguinte modo: «Traza-se de wina ex: posicio da relacao da justica como sande do Estado com a justgn ‘como satide da alma, © da consequente unidade da Repablas como tum rratdo que estabelece 2 necessidade de educacda Blovifica para a realizagio ¢ manutengio da vitude politica ‘A seguir ¢ na mesina pigina daguela revista bibhogrifica, H ‘Chomiss refere a tese sustentada por R. G. Hoetber, The Theme of Plas Republi St. Lovis, 1944, de que 0 didlogo em causa diz res- peito exclusivamente ans efits da justigae da injustigana alma do individuo, sendo 0 esbogo do Estado destinado apenas a ilestrar a alma individual e nto 2 te qualquer significado poltico préticos. ‘Tio errada concepg2o, comenta 0 recensor, podria ter sido evizada ‘por uma leurs cuidadosa de estudos como o de Gadarner. Que 0 quadro da cidade ideal nfo € moldare apenas, prova-o 2 resposta de Sserates a Glincon, quando ase the declara a impos- sibildade de a realizar neste mundo: ‘Mas talvez haja ut modelo no céu, para quem quiser contempli-l, ¢, contermplando-a, fandae una para si mesme. De resto, nada imporea que a cidade exista crm qualquer lugar, ‘ou venha 2 existir, porquante é pelas suas normas, e pelas de mais nenhuma, que ele paueard o seu comportamento, ‘ox. soak) comegons cedo a exercer grande influéncia, Apesar de ariticada por Aristételes™, ja na época helenistica vemos postas em pré- tica duas novidades ensinadas por este didlogo, ¢ confirmadas elas Leis: as escolas priblicas, sustentadas pelo Estado, ¢ a educacdo das raparigas™". E também a orientagao dos estudos para a Filosofia (a rivalizer com a divecgao opesta, ensinada por ‘Béerates, que consistia om ver na Retétize 6 corvamento natural do desenvolvimento intelectual dos seus alunos). Tao-pouco deve esquecerse 0 papel do mito de Ex (bem como dos owtos tés so bre 0 mesmo tema) na ficagio de tema escatologia com castigos & recompensas, de acerdo'com o provedimento moral de cada sm Tal como sucede em todos os dominios da cultura grega, também neste a mixima difusdo € alcangada através dos Re- manos, Bows conhecedor dos filésofos helénies ¢ seu principal dirulgador, Cicero devorava eulto especial a Platio™, cxjos didlogos quis imitar, sobretudo os dois snaiores,escrevendo wu De Republica e um De Legibus, Na primeira destas obras havia até wma parte — a que se consemra intacta — chamada Sonho de Cipitio, que cons- tituia uma réplica ao mito de Er. E extremamente significativa ™ Polis 6 ra4-12653. ™ Quando no, cada cidade «# uma meia cidade em ver de duase, dizer as Leis 80a, com menos rigor aitmético do que po- det de sugesti. A frase mais expressiva sera tlver esta, que Cicero pe ma boca de Atico: ois bem, se queres saber a que espero de ti, jé que es creveste sobre a constituigio da Republica, parece logico que facas-outro tanto sobre as Leis. E assim que eu vi fazer 0 fou ‘queride ¢ famoso Platio, que tanto admiras, que colocas acima de todos, que estimas mais que ninguéro, (DeLeiburn. 4) «escola do destruidor de Cartago para ouvinte da revelayio que the fz 0 seu antepassade por adopsio, Cipio © Aficano, ‘is, com estas figuras, estames no ponio de interseao entre @ virtus romana e a sophia grega™. Inspitado no modelo de lacie, Cicero descreven uma cidade que ¢ wma idealizagéo de Roma e que, por sua vez, servi de modelo ao prindipado de Augusto™, Desse modo se pode afirmar que, embora indirecta- mente, ela passou do patrimenio da literatura utSpica para o da histriauniversa Prosseguir na apreciagio destas influéncias com a aempli- tude que 0 tema merece estaria fora da nosta competéncia, & além disso, incorreria no perige de translormar uma simples introdugio numa histéria das dowtrinas politicas™ ¢ talvex ° Alguns factas bem documentados evidenciam a importin- Ga desta influence fama romana nesse momento capital da histo- 1a da culeara do Ocidente em que a sophia helénice gana foros de cidade entre 0s Latinos, Segundo o testemunhe de Cicezo, 0 pro= prio Cipiio Emiliano no largava de mao a Ginpedia de Xenofonte (4d Quintum Patron 14.23) ¢, tanto ele como 08 amigos, eempre vveram junto de s, bem fs claras, os ais enuditos varbes da Gréviaw (De Ormere 154) “4 observacto, paride de Eduard Meyer, foi retomada por P. Friedlander, Plato, 3, . 140, 0 qual conc: «Assim, a cidade ideal de Patdo teve — indizectamente ~ um efeito muito grande ns his- t6ria politics real ' F tema alo menos amplo a histéra das interpretagSes da epublica e sa relagéo com 0 mondo modero (este alist a pecto foi encarado por R. H. $, Crossman, Plato Today, London, ‘rg03). Recorde-se que o sratado tem sido acusado de etotalita- ristae ¢ acomunistar. Quanto a esta ltima clasificagio a diforenga 4 foi claramente definids por RL. Nettleship (Lectures on the “Republic of Plt, p. 168} e, sobretado, por E, Barker (sComaunisin in Plato's Republi, pertencente 20 seu livro The Pla! Drought of| 4 mesmo nunn compéndio de histiria da fllosofia. E ur pensador sctaal quene o sugere, ao escrever™: «Tada a filesofa ocidentat éum platonisme, Metafisica, idealism, platonismo signifcans essencikmente a mesma coisa» A tradngao e anotagées Para a versio que agora se apresenta, seguidse esorupulo- samtente 0 texto estabelecido por J. Burtet, uo quarto volume da sua edigao dos Platonis Opera para a Sciptorunt Classicorune Plato ond Arita, New York, 1996 — mais tarde refundido com 0 nome de Greck Politica! Theory, Lonclon, 1018 — ensaio esse reim= presso em A, Sesonske, ed, Pltos Republic ncerpreaton and Critic, pp. 80-97). que observa (p. 83 dessa colectinea): «Sem negar que 0 socialisme tenha os seus titimos fins espirtuais, podemos aficnar sein injustiga que parte de concepgdes materiais para obter um re= suttado maternal, Requer uma divisio igual de bens materiais, em otdem a difusio equitativa da felicidade material, Platio reclama igual abstengao de bens materiais, em ordem aquela Felicidade ideal que provém do verdadeiro desemapenho de uma funcio. Onde © Socialisrao moderno € positivo, Platio & negativo: enquanto nos seus prindipos hd algo de hedonismo, nos dele ha s6 ascetismo em, ddemasiae. Na p. 84, nota ainda que o filésafo grego nao se ocupa sequee da estrasura econsmica da sociedadc. Sobre este assunto, veja-se também Vietor Raul da Costa Max os, O Aces Fiesofia Pleténica, Coimbra, 1963, pp. 185-185, e biblio- graf indicada na n. 49 da p. 184 ‘Recenremente, R. € Cross and A.D. Warley (Mao's Rep: bic A Phibsophial Coramentan) notara tambéan que Platio nem se- «er teve em vista defini o homo oxcnomicu (p. 60) ¢ que qualquer tentasiva dg the ater uma interpretagio econsanica da histia& errada (p83). "A frase € de Heidegger, Nictache tp. 2%, apud ¢. Des- ‘combes, Le Patni, Pats 97%, p. 6,241 a Bibliotheca Oxoniensis, Oxford University Press, reimpressdo de 1949. Como tinica derrogagio a este principio de fidelidade, hd apenas a assinalar a supressie, nao total, mas frequente, das _formas verbais que sublinkam a rnudarsca de interlocuton, pois a ‘sua contiswada repetigao confere ao discurso uma monetonia in- tolerdvel, como & sabido de todos os tradutores de Plato. Espe- anos, de resto, que a mantengio de vérias dessas formas ¢ a presenca do tavessto a preceder cada nova fala serio suficientes ‘para manter a dareza Sesvimo-nos ainda de edigies comentadas, reftridas adiante sua bibligrafa, principalmente da de James Adam, para a tota- lidade da obra; da de T. J. Tucker, para os dois primeitos livros; da de D. J. “Alon, pando princito,¢ da de J. Ferguson, para 0 décimo, “Mantivemos na margem a paginagio da edigio in folio de HH. Stephanus, impressa em Paris, eon 1578, por ser aguela de «qe todos ainda hoje nos servimos, para referenciar 0 texto As notas que acompanham esta traducao destinamese, suas a justficd-la ow esarecéela,outas, a fornecr os dados de cardcter histérico-cultural necessdrios ao seu entendimento. Li amitadas ao minimo indispensével, pretendem ajudar a réciar 0 ambiente do didlogo, que, para ale de ser, como ja dissemas rio principio, uma das obras maiores do pensamiento filosfico, é tambént won quadro inesquectvel da vida ateniense. Porto, Setembro de i972 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA um NOTA A 5. EDICAO S6 agora, catorze anos volvidos sobre 0 aparecimento da printeira edigao, € que, por razdes de ordem véria, foi possivel eee na lca fi sty mu ie destino sstudiosos, como este: a de wn indice de assuntes. E evidente que, numa obra to vasta e tao rica, tal indice ndo é exaustive, embora procure indluir os pontos principais de interesse para os _flsofes, sem deivar de refers muitos dades de pormenor que inportam de preferéncia aos historiadores da cultura ow a2s sigs, Tend em een 0 intreses ds pricis¢ que aele figuram, ndo sé os grandes tépicos, como tanbér -chave, em transliteragao do grego, sequida do respetvo sgnif- ‘ado e com: remissio para o equivalente portugués que thes de- mos (vg, dianoia, doxa, eidos oa idea, eikasia, episteme, noesis); aos segundos destinamse entradas como 'divindade’ ‘educacdo', ‘mito’, ‘poesia’, ‘provérbios,, ‘eugenia’, ‘mulheres’, ‘planeamento populacional, ‘principio da diviséo natural do irabalho’‘propredade’ e tanos outros. Além disso, foram corrigidas diversos erros tipogréfios, dos (quais 0 maior era a omissao de uma linha, na pag. 136, que al- lerava a distnbuigao do dialogo, eransferindo para Glancon dow- trina posta na booa de Sécrates, Para algumas dssas comecies _fi-nos muito ttl a colaboragio da Dr’ Maria Teresa Schiappa ‘de Azevedo. Ao Prof Doutor Miguel Baptista Pereira agrade- cemos também rma letura atenta dos indices e a sugestio para inclu alguns terms. w Salem todos os litores de Plato que a bibliografia sobre 0 _Plsafo tem continuado a aumentar signifcativamente, e que a parte cousugrada a A Republica ndo éesupea. Aaualziones também esses dado, limitendo, no entant, a escoha, tal como anteriormente, aos trabalhos mais autorizados ¢ mais titeis, De algumias das teses por eles apresentadas demos conbedinento nos lugares prdprios da Inirodusdo, intercalando entre paréntesis reas esses acescentos, (ManiA FILENA DA RocHA Pexema NOTA A 9: EDICAO ‘Tunbérm nesta edicio foram corrigidos erros tipogesti- cos, s6 agora detectados, © melhorada a tradueio de um ou. outro passo. Para esta revisio, foram-nos da maior utlidade as sugestes do Doutor J. G. Trindade Santos, designa- damente na interpretagio de pontos expecificos em 342b, 369a, 510d-c, 5186, 524c € 6146, A bibliografia selects foi novainente actualizada, bern como algumas notas a tradugao. MILRP, IM BIBLIOGRAFIA A Wiblienefia modoma de Pato, elaborada por H. Cheriss para a publeseie periidia Lustrum, de Goitingen,e de tal modo exten que reece quasewonpetamsnce dois volumes ~ 0 quart, de 1050, 0 guimo, de 196. A mesn publi confi, anes depois a Ty Brion o perndo de 4958-1975, ue abrange todo 0 volume vig de 197. mesmo epeie~ ta, juntameste com HL Toannid coxpowse de obras sidas etre 1075-1980, no volume sgéimo guint, de 1983. A eta veom juntarce alguns corr ‘genda por L Bron (ool. vigisime sexe, de 1084, ¢tésin princi, de 198). © mesmo helt, jantamente ons H. loon, publica, no 20 t= ime guar, de 1992, ndo sos vos addenda referents ae perodo de 1950 « 1085, come a biblogaia critica das obras sates eure 1985 ¢ 1990. Pura a emcters¢brtr que gusta ober wna informatdo de grande aph tude, qi, mesmo asin ida nose exaust, Agu Knitar-nos-eos @ surgi dos wabahas masts emai auzrzedosctando prvi asc ments ¢ depos monegrafias sobre A Replica ou dente exudes gee ris sobre Plato, oquces que conta inpertantescaptuls ae dialog, a) COMENTARIOS The Republic of Plato. Edited with critical notes, ‘commentary and appendices by JAMES ADAM (1902). With a new introduction by D. A. Rees, Cambridge University Press, 2 vols, 1965. wu RON EE ‘The Proem to the Idea! Commonwealth of Plo. With an introduction and critical and explanatory notes by T. G. Tucker. London, Bell, 1900. Plato: Republic Book 1. Edited by D. J. ALLAN. London, Methuen ('1940), repr. 1962. Plato: Republic Book x. Edited by JOHN FERGUSON. London, Methuen, 1957. Paton, Oeuvres Complttes, Tome vt. Texte établi et traduit par EMILE CHAMBRY avec Intro= duction e’AUGUstE Dis. Paris, Les Belles Lettres, 1947. Tome vu, I", Partie, 1949. Tome vu, 2‘, Partie, 1948, ‘The Republic of Plato. ‘Translated with Introduction and Notes by P.M. Coansoap. Oxford University Press (11941), repr. 1969. Platone. La Repubblica, Traduzione ¢ Commento a cera di Manto Vecerrt, Libri trv. Napoli, Bi- bliopolis, 1998, b) ESTUDOS Juus Annas, An Introduction to Plato's Republic. Oxford University Press, 1981, ’1991 (trad. fr: Paris, Presses Universitaires de France, 1994). IN. BLOSSNER, Dialogform und Argument. 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Depois de termos feito preces € contemplado a ceriménia, famos regressar 4 cidade, Entretanto, Polemarco’, filho de Céfalo, que, de longe, * Gliacon, bem como Adimanto, que surge umaslintas mais abuso, eram inns mais welhos de Plato. * Para um Ateniense «a deusas era usvalmente Ateva, Mas 2 referencia a0s Tricios, que vem a seguis, ea mengio express da cclebrasio das Bendideias em 3342, levam 03 comentadores @ identific-la com Béudis, deusa tricia que se confundia com Acemis. “"polemarco eta tho de Gefulo, que possute uma fica de cescados muito préspera,¢ itmto do famoso orader Lisias. No gorerno dos Tanta Tiranos foi preso ¢ obrigado a beber a cena, ‘Lisias, que lograra escapar, regressou a Atenas apés a restauragio ds democrada, ¢ consegui processar Eratétenes, um dos Trin, fpek morte do imo, proferindo entio um dos sous mais célebres Aiscusos, © Conta Fase, que se conserva 1 3278 f | 328a observou que estivamos de abalada, mandou o escravo 4 cotter, para nos pedir que esperdssemos por ele. Agarrando- -me no manto por detris, © excravo disse: ~ Polemarco pede-vos que espercis ~. Eu voltei-mne ¢ pergunteislbe onde estava o seu senor, — Esti ji ai — replieou =; vem mesmo attis de mim; esperai, ~ Esperamos com certeza ~ disse Gliucon, E pouco depois chegou Polemarco e Adimanto, inmio de Gliucon, Nicérato filo de Nicias, € outros mais, com ar de quem vinha da procisca. Disse entio Polemarco: — © Séerates, pazece-me que vos estais a p6r a caminho para regressar & cidade. ~ E nto conjecturas mal ~ deelare. “= Ora tu estis a ver quantes somos? ~ perguntou ele, — Pois niol = Pois entio ~ replicou ~ ow haveis de ser mais fortes do que estes amigos, ov tendes de permanecer aqui. — Bet — disse ea — ainda nos resta uma possbilidade, a de vos persnadirmos de que deveis deixar-nos parti. — Porventura serieis capazes — replicou ele — de nos persuadir, se nos recusarmos a ouvir-vos? = De modo algum ~ declarou Glaucon. ~ Entio compenctrai-vos de que no vos ouviremos. E Adimatito acrescentou: — Avcaso nfo sabeis que logo A tarde vai haver uma corrida de archotes a cavalo, em honra da deusa? * INicérato, que também conhecemes do Banguete de Keno- fonte, era filho do famoso Nicias, o politico e general ateniense que em 42x aC. conelai o tratado de paz que tem 0 seu nome, € que pés termo a primeira fase da Guerra do Peloponeso. Também Nicérato teve de beber a cicuta por ordem dos Trinta Tiranos. 2 — A cavalo? — perguntei —. E coisa noval E a cavalo que eles vio competir a passar os archotes uns aos outros? Ou que queres dizer? = E assim mesmo — disse Polemarca ~. E alm disso vio celebrar uma festa noctuma, que merece scr vista. Portanto, vamos sair depois do jantar para ver a festa. Estaremos li com muitos jovens e conversaremos. Fiquem, ¢ nfo facam outra coisa. ~ Bem parece que temos de ficar — confirmou Glincon. ~ Se assim te parece — observei eu ~, assim deve fazerse Fomos pois, a casa de Polemarco; @ ai encontrimos Lisias e Eutidemo, irmios de Polemarco, ¢ também, além deles, Trasimaco de Calcedonia* ¢ Carmantidas de Paianiew ¢ Clitofonte, fiho de Aristonimo. Estava {é dentro também 0 pai de Polemarco, Céfalo, Pareceti-me bastante envelhecido, pois hi tempos que nfo o via. Estava sentado numa cadeita almofadada, com uma coroa na cabera, pois dava-se 0 caso de ele ter acabado de fazer um sactificio no pitio’. Sen- témo-nos, entio, junto dele, porquanto havia ali algumas cadeiras dispostas em cireulo, Logo que me viu, Céfalo saudou-me com estas * Deste grupo de figuras, apenas Trasimaco e Clitofonre ‘enerarao em didlogo. Carmanridas nao ¢ nomeado em nenhum ‘outto texto. Trasiniaco era um dos maiores Sofistas, ¢ a cle cabe a hhonr, juntamente com Gongias, de ser considerado o eriador da prosa aristca. E provivel que fose, no dislogo, um convidado de Living, que entto era eseudance de ressrica. * A Zeus Herkeios, protector da casa. Por esse motivo € que Céfalo se encontra coreado. 3298 palavras: ~ © Sécrates, t também no vens Li muitas vezes a0 Pireu para nos veres. Mas devias fazé-lo, porque, se cu ainda tivesse forgas pata ir facilmente até 4 cidade, nio seria preciso tu vires ci, mas nés € que famos visitar-te. Agora, porém, tu & que deves aparecer ci mais vezes. Fica a sabé-lo bem: na medida em que vio murchando para mim 9s prazeres fisicos, nessa mesma aumentam o desejo ¢ 0 prazer da conversa, Nao deixes de estar na companhia des- tes jovens, mas vem também aqui a nossa casa, como a asa cde amigos, ¢ de amigos muito intimos. — Com certeza, 6 Céfalo — disse eu —, pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avancada, Efectivamente, parece-me que devemos infor- mar-nos junto deles, como de pessoas que foram & nossa frente num caminho que talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas carscteristicas, se € dspero e dificil, ou facil transitavel, Teria até gosto em te perguntar qual o teu pazecer sobre este assunto — uma ver que chegaste jf a esse periodo da vida a que os poetas chamam estar eno limiar da velhices’ ~ se & uma parte custosa da existencia, on que declaragbes tens a fzer. ~ Por Zeus que te direi, 6 Sécrates, qual ¢ o meu ponto de vista. Na verdade, muitas vezes nos juntamos ‘num grupo de pessoas de idades aproximadas, respei- tando o velho ditado" Ora, nessas reunides, a maior ‘Uma das mits frases homericas cuadan neste didlo. Esta constitui uma formula que se encontra, vs em fliada xn. 60, >eniv. 487, € diss xy, 246,348, 7 212. "0 ditado, citado expressamente no Fedro 249c, era FAA5, ‘ikiwe tépnet (equem & de una idade agrada a quem é da mesma dade»), cujo cortespondente nuzis proximo em portogués seria ‘cada qual com seu igual parte de nds lamenta-se com saudades do prazer da Juventude, ov recordando os gozos do amor, da bebida, da comida ¢ de outros da mesma especie, ¢ agastam-se, como quem ficou privado de grandes bens, e vivesse bem entio, ao passo que agora nio é viver. Alguns lamentam-se sinda pelos insultos que am ancido sofre dos sens parentes, ¢ em cima disto enteavam uma litania de quantos males a velhice Ihes é causa. A mim afigura-se-me, 6 Sécrates, que eles ndo acusam a verdadeira exlpada. Porque, se fosse ela a aulpada, também eu havia de experimentar os mesmos softimentos devido a velhice, bem todos quantos chega- ram a esta fase da existencia, Ora eu jd enconteei outros ancidos que nio sentem dessa maneira, entre outros 0 poeta Séfocles ®, com quem deparei quando alguén: The pergentava: «Como passas, 6 Séfocles, em questdes de amor? Ainda és capaz de te unires a uma mulher?> «Nao digas nada, meu amigots — replicon —. eSinto-me felicissimo por lhe ter escapado, como quem fugiu a um amo delirante selvagem.s Pareceu-me que ele disse bem nessa altuta, ¢ hoje nio me parece menos. Pois grande paz e libertagio de todos esses sentimentos € a que sobrevém na velhiee. Quando as paixées cessam de nos repuxar € nos largam, acontece exactamente o que Sdfocles disse: somos libertos de uma hoste de déspotas fariosos. Mas, quer quanto 2 estes sentimentos, quer quianto aos relatives aos parentes, hé uma 86 € Gnica causa: nilo a velhice, 6 Sécrates, mas 0 catécter das pessoas. Se clas forem sensatas € bem dispostas, cam- bbém a velhice € moderadamente penosa; caso contritio, *Trata-te do famoso tragedigrafo ateniense do sée. va. C. 5 30a 6 Sécrates, quer a velhice, quer a juventude, serio pesadas a quem assim nao for. ‘Admirado com estas palavras, e querendo que ele continuasse a falar, inctei-o dizendo: © Céfalo, penso que a maior parte das pessoas, a0 ouvir-te essas afirmagées, nao 48 aceita, mas supe que suportas bern a velhice, nlo devido a0 teu cardcter, mas por possuires muitos havetes. Pais os ricos tém, diz-se, muitas consolagSes. ~ Dizes a verdade: nio as accitam. E tm alguma razio; porém, ndo tanta quanta julgam. Esté bem certo aquele ico de Temistocles”, que, como um habitante de Serifo 0 ofendesse, dizendo que a sua celebridade Ihe viera, nio de si mesmo, mas da sti cidade, Ihe respondeu que nem cle se tornaria dustre se nascesse em Serifo, nem aquele, sc em Atenas. Adapta-se bem esta mesma histéria aos que. no sendo ricos, suportam a custo a velhice, porque nem o horem comedido aguentaré facilmente a velhice na pobreza, nem 0 que © nfo 6 ainda que rico, se tornata entio cordate. ™ Esta anedota relativa ao vencedor dz Salamina &nos ‘conhecids através de Herédoro (vu, 125) numa versio um pouco diferente: Por um sen amigo, Timodeno de Afidnas, Ihe ter dito {que as hoaras que ele recebera na Lacedemonia eram prestadas zo a ele, mas 3 sua cidade, Temistocles netorguiv: «Estd certo: nem ou, 3¢ forse de Belbina, seria assim honrado pelos Espartanos, neva ts, $ homenn, se fosses Atenicnser. Em qualquer das verses se contrape uma pequens ilha insignifcante i cidade mais iustee dda Grécia. A do nosso texto, portim, que também se encontra em Plotarco, Temisocles 18, tomonese mais conbecida por ter sido divulgads por Cicero no seu tratado Sobre « Velhie mt 8 (onde a inspiragio celhida neste lito &, de test, visivel em varios pasos) 6 — A maior parte dos teus haveres, 6 Céfalo, obtiveste-a por heranga ou por aquisigio? = Quanto é que eu obtive por aquisicdo, 6 Sécrates? Como homem de negécios, fiquei a meio caminho entre 0 ‘ett av6 e © meu pai, Com efeito, o mew a¥8, que rinha © mesmo nome que cu, herdou uma fortuna aproximada- ‘mente igual 3 que eu agora tenho, © aumentou-a umas pou- cas de veres; ao passo que Lisinias, o meu pai, ainda a tor nou mais pequena do que é presentemente. Eu dov-me por satisfeito, se nfo a deixar menor a estes moos, mas sim li geiraments superior a que herdei. — Se te fiz esta pergunta ~ disse eu — foi porque me pareceste nio prezar muito as riquezas; isso fazem-no geralmente aqueles que nio as adquirem por si, Os que as granjcaram pessoalmente estimam-nas o dobro das outras ‘pessoas. Tal como 0s poetas amatn os seus préptios versos, & 08 pais ¢ os filhos, assim também os homens de negécios se interessare pelas suas riquezas como obra sua, ¢ também de- vido & sua utiidade, como os demas. Por isso, € dificil 0 convivio com eles, pois nada mais querem cxaltar senio a sua riqueza. =Dizes a verdade ~ confirmou ele. ~ Absolutamente — concordei eu — Mas diz-me ainda ais isto: qual 6 0 maior beneficio de que julgas ter as fruido gracas 3 posse de uma abastada fortuna? = # tal que nao seria capaz de convencer dele muita gente, por mais que dissesse. Tu bem sabes, 6 Sécrates, que, depois que uma pessoa se aproxima daquela fase em que pensa que vai morrer, lhe sobrevém o temor ¢ pteocupagio por questdes que antes nfo the vinham 4 mente. Com efeito, as histérias que se contam relativa- 7 b 33a mente 10 Hades", de que se ten de expiar lias injustigas aqui cometidas, historias essas de que até ento trogava, bala agora a sua alma, com receio de que sejam verda- deiras. E essa pessoa — ou devido a debilidade da velhice, ou porque avista mais claramente as coisas do além, ‘como quem esti mais perto delas ~ seja qual for a verdade, cenche-se de desconfiancas ¢ temores, ¢ comers a fazer 0s seus céloulos ¢ a examinat se cometeu alguma injustiga para com alguém. Portanto, aquele que encontrar na sua vida muitas injustigas atemoriza-se, quer despertando muitas vezes no meio do sono, come as criangas, quer vivendo na expec- tativa da desgraca. Porém aguele que nio tem consciéneia de ter cometide qualquer injustia, esse tem sempre junto de si uma doce esperangs, bondosa ama da velhice, como diz Pindaro, Sto cheias de encanto aquelas suas palavras”, 6 Séerares, de que quem tiver passado uma vida justa e santa, cadoce esperanga que the acalenta 9 corgi acompanhaco, qual ama da telhice — a esperanca que governa, mais que tudo, os cespiritas vacilantes dos moreais. Polavras certss, ¢ muito para admirar. Em face disto, tenho em grande aprego a posse das riquezas, no para 0 Hhades ora a regio subterrines onde feava 2 mansio dos mortos. A nocio de expiacio das faltas cometidas em vida depois de um julgamento post mortem fora-e constiteindo entre os Gregas ao longo dos séculos, mas recebeu a sua forma definitiva era Patio (mitos escatoligicos do Gargias, Fédon, Fedro, © deste mesmo idlogo, a0 Livro x). "Fr. 2t4 Snell de Pindaro. todo 0 homem, mas para aquele que ¢ comedido ¢ prudente. Nao ludibriar ninguém nem mentir, mesmo involuntariamente, nem ficar a dever, sejam sactifcios aos deuses, seja dinheiro a um homem, ¢ depois partir para 0 alm sem temer nada — para isso a posse das riquezas cone tribui em alto gran, Tem ainda muitas ontras ventagens. Mas, acima de tudo, 6 Sécrates, é em atengio a este fir que ‘eu teria riqueza na conta de coisa muito atl para © homem sensato. = Falas maravilhosamente. 6 Céfalo ~ disse eu ~. Mas essa mesma qualidade da justica, ditemos assim sim- plesmente que ela consiste na verdade ¢ et restituir aquilo que se tomou de alguém, ou diremos antes que essas smesmas coisas, umas vezes é justo, outras injusto fazé-las? ‘Como este exemplo: se alguém recebesse armas de wm amigo em perfeito juizo, e este, tomado de loveura, Ihas reclamasse, toda a gente diria que nto se Ihe deviam ‘entregar, e que no seria justo restituir-Ihas, nem tio- =pouco consentir em dizer toda a verdade a um homem nesse estado. ~ Dies bem. ~ Portanto, nio ¢ esta 2 definigio de justiga: dizer a verdade a restituir aquilo que se temou. — E-o absolutamente, 6 Socrates — interveio Pole- marco ~ se, na verdade, se deve dar crédito a Siménides®, ~ Eu, por mim, fago-vos entrega da discassio — disse Céfalo ~. Pois tenho de ir j4 tratar do sacrificio. © Fx. 137 Page. Simonides, © maiot poeta liico gtege, depois de Pindaro, € conhecido como um moralista ansiero. Plato, que a seguir the chama shomem sibio e divinor, cita-o também no Protigoras (3303-3472) b — Entio aio sou eu — perguntou Polemarco ~ 0 teu herdeira"? — Sem diivida, absolutamente — replicou ele a rir, 20 ‘mesmo tempo que se dtigia para o sacl ~ Explica entio — disse eu — tu, que és 0 herdeiro da discussio, que € que afirmas que Siménides disse tio acer tadamente acerca da justiga? — Que 6 justo restituir a cada um © que se the deve” Parece-tne que diz bem, ao fazer esta afiemagio. ~ Sem divida — declacei — que nio é ficil deixar de hr crédito a Siménitles, pois € homem sibio ¢ divino. Eat todo 0 caso, tu, Polemarco, sabes talvez 0 que ele quer dizer com iss0, 20 passo que eu ignoro-o, Pois € evidente que nio se refere a0 exemplo de que hi pouco falavamos, de restituir a alguém aquilo que Ihe foi entregue em de- pésito, quando esse alguém se encontra privado da razio. E contudo, fica-se a dever, penso cu, uma coisa que foi centregue em deposita? On nio? — Fica. = Mas de modo algum se deve restituis, quando al- qué que esteja privado da razdo reclamar? — Everdade — disse ele. — Entlo nfo é isto, mas outra coisa, ao que patece, que Siménides quer dizer, relativamente a ser justo restituir-se 0 que se deve. — E seguramente outra coisa, por Zeus! O parecer dele & que a0s amigos se deve fazer bem, ¢ nunca mal. Comprecado — disse cu —; ado € restitula 0 que se deve, entregar a uma pessoa 0 ouro que ela nos * Jogo de palivras baseado no facto de Polemaren sero fiho mais velho de Cefalo, Fr 137 Page de Simonides. 10 confiou, se essa entrega e recuperagio se The tornar pre- Jndicial, © se forem amigos aquele que recebe ¢ aquele que restitui. Nao € isto que afirmas que Siténides quis dizer? — Faactamente, — E entio? E aos inimigos, deve restinuir-se aguilo que acaso lhes devemsos? — Sem davida alguma, restiuir-lhes aquilo gue se thes deve; ora o que tum inimiigo deve a outro é, em meat enten- der, o que the convém: 0 mal. ~ Por conseguinte, Siménides falou, 20 que parece, ‘cnigmaticamente, 4 maneira dos poetas, ao dizer o que era 2 justiga, O pensamemto dele era, aparentemente, que a {justia consista em restitair a cada um o gue Ihe convém, ¢ 1 iss0 chamou ele restituir o que é devido. —Sem diivida, = Oh! Céus! — disse eu -. Entio, se alguém the pet guntasse: «O Siménides, a arte a que chamam da medicina, a que € que dé 0 que € devido e conveniente’» Que supdes ‘que ele nos responderia? — F evidente que di aos corpos os remédios, a comida eabebida, Ea atte a que chamam da culinétia, a que € que dé o que € devido e conveniente? — Di aos alimentos os temperos, Bem. Ea arte a que chamam da justiga, a que € que 6.0 que € devido? = Se temos de ser consequentes com o que se disse antes, dé ajuda a0s amigos ¢ prejuizo aos inimigos —Portanto, ele diz que a justiga consiste em fazer bem a08 amigos ¢ mal aos inimigos? — Assim me parece 1" b : i: : — E agora quem € mis capaz de fazer bem a amigos doentes ¢ mala inimigos, em questtes de doenca e de satde? ~O médico. —E aos navegantes,relativamente aos perigas do mar? =O piloto. ~ E 0 justo? Em que actividade pata que servigo € ‘mais capaz de ajudar os amigos ¢ prejudicar os inimigos? —No combate contra ns ¢ a favor de outros, me parece. — Bem. Mas na verdade, meu caro Polemarco, para {quem nio estiver doente, 0 médico ¢ inti —Everdade, Eo pilote, para quem no andar emborcado, =Sim. — Logo, também ¢ indsil o justo para quem nio estiver ‘em guerra? Nao me parece Li muito. —Entio a justiga € util tanbern em tempo de paz? -£ —E a agricultura também? Ou nao? ~Também. — Para adquirir os seus produtos, cextamente? =Sim. —E, sem dhivida, a arte do sapateiro? Sin, ~ Dinias com certeza, julgo eu, que para o efeito de adquitir sapatos? ~Precisamente. — F entio? A justica, para que utilidade ou aquisicio ditias que ¢ vantajosa em tempo de paz? ~ Para os contratos, Socrates. 12 = Referes-te a parcerias ou qualquer otra espécie de contratos? — A patcerias, sem vida, — Sendo assim, 0 parceiro bom e util para colocar as pedtas do xadrez & o homem justo ou jogador profissional? =O jogador profissional ~ E para colocar tijolos e pedras, € um parceiro mais Util e melhor o homem justo do que o pedreiro? —De modo nenhum, — E cm que pasceria € que o homer justo é melhor companheiro do que o citzist, tal como este é melhor do aque aqucle a quem se associae para tocar? ~ Na de dineiro, em minha opiniao. — A nio ser talvez, 6 Polemarco, para o efeito de fazer uso do dinheiro, quando fosse preciso comprar on vender um cavalo em comm. Nesse caso, seria 0 tratador de cavalos, Qu nao? — Pasece que assim € ~B, se for um barco, o armador de navios o1 o piloto? — Acho que sim. — Ensfo quando € que, sendo preciso fazer uso de ouro ‘ou prata em comum, o justo ser& mais itil do que os outros? — Quando se ata de fazer um depésito que fique 2 salvo, 6 Sécrates. ~ Queres dizer, portanto, quando no houve necessi- dade de wilizar 0 dinheiro, mas sim de 0 deixar estar? — Bractamente, = Logo, quando o dinheiro esti sem se utilizar € que 2 _justiga, por isso mesmo, € til? 13 334a ~E possivel, ~ Entio, quando for preciso guardar uma podoa, & a Jjustiga que é util, quer de parceria, quec individualmente; quando for preciso utilizé-la, é a viticultura? — Assim parece. ~ Afirmaris também que, para o escudo e a lira, quando se tratar de os guardar ¢ de no 0s utlizar para nada, é util 2 justiga; quando for para se servir deles, é 2 arte dothoplita" ea do misico? “ = Eiforgoro, — Eom tudo o mais, ¢ para cada coisa, a justica € indi, quando nos servimes dela, siti, quando nos nio servirnos. — Provavelmente. = Entio, meu amigo, a justi¢a no poderia sex uma coisa Ia muito sétia, se se da o caso de ser titil para as coisas que ndo sto utilizadas, Mas vamos examinar 0 seguinte: 4a30 0 mais habil a bater-se na luta, quer no pugilato quer em qualquer outa modalidade, 0 nio & também para se defender? ~ Inteiramente. — Logo, quem € capaz de se defender de uma doenga, € também o mals capaz de a transmit despercebidamente? — Bo que me parece. — Mas, na verdade, seré um bom guardiio do exército aquele mesmo que roubar os planos do inimige © 9 lograr sas sas operagiies? — Exactarnente. "0 hoplita erao soldado de infanariz pesada, “4 ~ Logo, se uma pessoa for um habil guardifo de uma coise,é também um habil ladeio da mesma, ~ Assim parece, ~ Portanto, se © homem justo é habil para guardar dinheito, ¢ também hébil para o roubar. — Assim o di a entender © raciocinio. = Logo, o homem justo revela-se-nos, a0 que parece, como uma espécie de ladrio, ¢ isso € provivel que 0 tenhas aprendido em Homero. Efectivamente, ele tem grande estima pelo ava materno de Ulisses, Autélico, e afirma que ele excedia todos os homens em roubar ¢ em fazer juras". Parece, pois, que a justiga, segundo a tua opinilo, segundo a de Homero ¢ a de Siménides, é uma espécie de arte de fartar, mas para vantagem de amigos ¢ dano de inimigos, ndo era isso que dizias? — Por Zeus que nio! ~ replicou —. J4 nao sei 0 que dizia. No entanto, ainda continua a patecer-me que a justica € ausiliar os amigos e prejudicar os inimigos. — A quema chamas amigos: aos que parecem honestos a tumma pessoa, ou aos que 0 slo de facto, ainda que 0 nko parecam? E outro tanto direi dos inimigos? ~ E natural — disse ele — amar a quem nos parece hhonesto, ¢ adiar quem nos parece mau = Mas os homens nio se enganam a esse respeito; de mancira que thes parccem honestas muitos que © nio sfo, ¢ vice-versa? ~Enganam. ” Odea xox. 395-398. 15 — Logo, para esses, 0s bons sio inimigos, e 05 maus, amigos? — Precisamente. — Nio obstante, para essas pessoas, a justiga & ajudar cos mause prejudicar os bons? — Assim parece, — E contudo, os bons so justos ¢ incapazes de cometer injusticas? — Everdade. = Segundo 0 tea raciocinio, é entio justo fazer mal a quem nie cometeu qualquer injustiga? = De modo algun, Sécrates. Isso parece-me um racio- cinio perverso. = Entio — disse en — ¢ justo prejudicar os injustos & ajudar os justos? = Esse raciocinio ji me parece mais perfeito do que o anterior. — Logo, 6 Polemarco, acontecera que, para muitos, ‘quantos errarem no seu juizo sobre os homens, seré justo prejadicar os amigos, pois tio sio maus a seus olhos, € aju- dar 05 inimigos, pois os tém por bons. B assim afirmaremos exactamente 0 contririo do que fizemos dizer a Siménices. —E mesmo assim que acontecerd. Mas vamos cortigit- -nos. Pois é provivel que no tenhiamos definido correcta- mente o que € amigo eo que € inimigo, ~ Como o definimaos, Polemarco? =O que parece honestn, esse ¢ que € 0 amigo. = B agora — disse eu — como corrigitemos a defini- gio? ~ Amigo € 0 que parece e é na realidade honesto. ‘© que parece, mas nao é, aparenta set amigo, sem o ser. E, sobre 0 inimigo, a defini¢io é a mesma, 16 ~ Logo, segundo este ractocinio, parece que amige é 0 homem de bem, ¢ inimigo, o malvado, Sim. — Queres que acrescenteros a definigio de justiga, cl como 2 formulimos primeiro — de que é justo fazer bem 20 amigo e mal 2o inimigo ~ que actescentemos agora que é Jjasco fazer bem a um amigo bom e mal a um inimigo mau? — Exactamemte ~ disse cle =; parece-me que isso seria falar com propriedade. ~ Entio — prosseguin — & proprio de um homem justo fazcr mal a qualquer espécie de homem. — Precisamente. Deve fazes-s¢ mal aos maivados e ini- migos. ~ Quando se faz mal a cavalos, eles tornam-se melho- res ou piores? ~Piores. ~ Em relavio & perfeigio dos cies ou 3 dos eavalos? —A dos cavsios. ~ Mas, se se fizet mala cies eles tornam-se piores relax tivamente a perfeisao dos caes ¢ nie a dos cavalos? — Forgosamente. = E quanto aos homens, 6 companheiro, no tercmos de dizer 0 mesmo: que, se se faz mal, se tomam piores em selacio & perfeigéo humana? — Exacto. — Mas a justia nio € a perfeicio dos honiens? ~Tambemn iss € foryows. ~ Ese se fizer mal 20s homens, meu amigo, é forgoso que eles se tomnem ais injustos. — Assim parece. — Acaso os msicos podem tomar outrem iguorante na isi, por meio da sua arte? v7 BC/UFG ~ Impossivel. — E 0s tratadores de cavalos podem tomar outrem in- capaz de montar, por meio da sua arte? — Nao pode ser. ~ Mas of justos padem tomar outrem injusto, por meio da justica? Ou, de um modo geral, os bons podem tomnar outrem mau, por meio da sua perfeigio? — Mas é impossivel. — Efectivamente, 4 acgio do calor nio é, me parece, refrescar, mas 0 contrario, = Sim, — Nema da secura umnedecer, mas o contririo. — Exactamente, — Nem tio-pouco a do homem bom fazer mal, nas 0 contrério. — Assim parece. — Entio o homem justo é bom? — Absolutamente. — Logo, 6 Polemarco, fazer mal no ¢ a acelo do ho- mem justo, quer seja a um amigo, quer a qualquer outra pessoa, mas, pelo contrivio, é a acco de um homem injusto. — Parece-me inteiramente verdade o que dizes, 6 ‘Sdcrates., ~ Portanto, se alguém disser que a justiga consiste em restituir a cada um aquilo que lhe € devido, e com isso quiser significar que 0 homem justo deve fazer mal aos, inimigos, e bem aos amigos ~ quem assim falar nao ¢ sabio, porguanto nto disse a verdade. Efectivamente, em caso algum. nos pareceu que foste justo fazer mal a alguém. — Concordo ~ disse ele. ~ Logo — prossegui eu ~ lutaremos em conjunto tu ¢ eu, se alguém pretender que tal afirmacio foi feita por 18 Siménides, Bias" ou Pitaco™ ow qualquer outro dos hem- -aventurados sibios. —E eu estou pronto a tomar parte na uta, — Mas sabes de quem me parece que € essa senten- ca que diz que é justo fazer bem aos amigos € mal aos inimigos? De quem & = Penso que € de Periandro®, de Perdicas ov de Xerxes®, de Isménias de Tebas® ou de qualquer outro hhomem tico, que se tinha na conta de poderoso. ~Dizes uma grande verdade. ~ Bem ~ continue’ eu. Mas, uma ver que parece que a justiga € 0 que & justo no era nada disto, que outra coisa poderd dizer-se que sio? (Ora, muitas vezes, mesmo enquanto conversévamos, Trasimaco tentara assenhorear-se da argumentagio, mas logo os circunstantes o haviam impedido, pois queriam ‘ouvila até a0 fim. Assim que pardmos ¢ eu disse aquelas pax Javras, nfo mais ficou sossegado, mas, formando salto, an- ‘gou-se sobre nés como uma feta, para nos dilacerar. “ Bias de Priene cra un dos Sete Sibios. Viveu eatte 0 sé wewac, " Pyraco de Mitilene cra outro dos Sete Sibios, contempors- neo do anterior. * Também este. apesar de ter sido tian de Corinto (no sée. va), foi contada entre os Sete Sabios. * Peo nome, supte-se que teria sido um rei da Macedénia, talvez 0 que morren cevea de 43 aC. * 0 famtoso rei da Pétsia, lho de Dario. * Um Tebaro qua, segunda Xenofonte, Hellenias m. 5. ¢ foi ‘ito subomado pelos Persas. 19 36a, Tanto cu como Polerareo ficimos tomados de pinico. E ele, voltando-se para todos, exclamou: ~ Que estais para ai a palrar b4 tanto tempo, 6 Sécrates? Porque vos mostrais tio simplorios, cedendo alternadamente 0 hagar um a0 outro? Se na verdade queres saber o que é a justica, nao te limites a interrogar nem procures a cetebridade a refutar quem te responde, eeconhecendo que é mais fil perguntar do que dar a réplica. Mas responde tu mesmo e diz o que centendes por jastiga. E vé lé, mio me digas que € 0 dever, ou a tilidade, ov a vantagem, o proveito ou a conveniéncia, ‘Mas, 0 que disseres, dizemo clara e concisamente, pois, se te exprimires por meio de frivolidades desta ordem, nio as accitarei, ‘Ao ouvir isto, Bquel estarrecido; volvi os olbos na sua dicecsfo, atemorizado, e pareceu-me que, se eu nio tivesse colhado para ele antes de ter ele olhaco para mim, teria fica- do sem vor™, Mas neste caso, quando comegou a irtitar-se com a nossa discussfo, fui ev 0 primeiro a olhé-lo, de mancira que fui capaz de he responder. Disse, pois, a tremer: — © Trasimaco, no ve zangues connosco. Se come- temos qualquer erro ao examinar os argumentos, tanto cle como eu, fica sabendo claramente que 0 nosso erro foi involuntirio, Pois nao julgues que, se estivéssemos a pro curar ouro, cederiamos voluntariamente 0 lugar um a0 ‘outro na pesquisa, arzuinando a descoberts. Ora, quando procuramos a justisa, coisa muito mais preciosa que todo 0 * Os antigos areditavamn que, quando encomravatn win lobo, «4 fora os via primeiro a cles ficavam sem vor. A este propésito, 1D. J. Allan cita os versos de Virgilio, Bucsva mt. 53-393 os quo Mario / aa igi pss lpi ocr vider pins. Cf. tambeés Plinio © ‘Ange, xnt 8, 20 ‘ure, seriamos tio insensatos que cedéssemos um ao outro, «em vez de nos esforgarmos por a por a claro? Acredita-me, ‘meu amigo. Mas parece-me que no temos forcas para tanto, Por conseguinte, & muito mais natural que ¥6s, 08 que sois eapazes, tenhais compaixio de née, em ver de iritacio. ‘Ao ouvir estas palavras, desatou num riso sardénico © exclamon: ~ © Hércules! Ci esti a eélebre e costumada jronia® de Sécrates! Eu bem o sabia, e tina prevenido os ‘que aqui estio de que havias de te esguivac a responder, que te fingjrias iguorante, ¢ que farias tudo quanto ha para no responder se alguém te interrogasse. ~E que tu ¢s um homem esperto, 6 Trasfmaco ~ disse ‘eu ~. Poissabias perfeitamente que, se perguntasses a alguém quantos sdo doze, ¢, ao fazer a pergunta, prevenisses: «VE 14, homem, ndo me digas que sio das vezes seis, nem que so erés vezes quatro, nem seis vezes dois, nem quatro vvezes trés; que eu nfo accito tais banalidadess — creio que se tomaria evidente para ti que ninguém daria a resposta a uma pergunta assim: formulada, Mas se ssa pessoa te dissesse: «O Trasimaco, que estis a dizer? Que nfo posso responder a nada do que disseste? Bs espantoso! Ainda que se dé 0 caso de a resposta ser tima dessas, terei de afirmar foutea coisa diferente da verdade? Ou nfo é isto que queres dizer?» Que respondesias a isto? = Ora hetnl — Fxclamon ele ~. Como se isto fosse se- melhante ao que eu disse! » A palavra grega elpovela significa vignorincia simuladsr, e, como tal, opde-se a dhafovelo, sjactincias, como ensina Arie- totes, Bia @ Neimawo 108s 21-23, 2a 3378 — Nada impede que o seja ~ repliquei — Ainda que rio baja semelhanga, xe 0: casos patecerem iguais Aquele ‘que interroga, julgas que ele desdenhard responder o que Ihe parecer bea, quer ho proibamos quer nio? — De cexteza que também vais proceder desse modo. Vais dar uma das respostas que eu recusei? — Nio me surpreenderia ~ repliquei -, se, depois de reflectir, howvesse por bem fazer assim. = Ora pois ~ continuou — se eu te revelar outra resposta raclhor do que essas, para além de todas as que deste sobre a justiga? Que pena mereces? —~ Que outra pena — respondi eu — senao aquela que deve sofrer 0 ignorante? Devo aprender junto de quem sabe. E isso, portanto, o que eu jalgo merecer. ~ Bs muito engragado, Mas, além de aprender, terés de pagar também dinheiro™. = Nesse caso, quando o tiver — respondi. ~ Mas tu tem-lo — disse Gliueon ~. Se & por causa do dinheiro, fala, 6 Trasimaco, porque todos nés contribui- remos pata ajudar Socrates. — Bem me parece — respondeu ele —. Para Socrates fazer como 6 seu costume. Ele nio responde, mas, quando ‘outro responder, pode pedis-lhe uma explicagio e refuté-lo. = Mas, meu excelente amigo — repliquei ~ como * Tal coma ean cert praresios arenienses, SArrates aeahara Ge ser interrogado sobre a pena que teria de pagar, e respondera seonicamente que o castigo consistria em ter de aprender 2 que ignorava, Mas 0 Sofista aproveita a ocasiio para exigit também inbeiro, Pltio nto se cansa de critcar os Sofistas por »6 ensina- rem mediante remuneragio, CE. Apolgie 203; Gigias $196; Hipias Maiorabab-es Laques 1860; Cris 38ab, 91b-c 2 é que uma pessoa-bi-de responder, em primeito lugar, sem saber, ¢ declarando no saber; seguidamente, ainda que julgue saber qualquer coisa, se Ihe foi interdito, por alguém que nio é de pouca monta, dar qualquer das respostas que entende? Mas tu ¢ que, naturalmente, deves falar. Pois eu € que dizes saber tec que dizer Nao deixes de o fazer, mas faz-me o favor de responder, ¢ do te negues a ensinae Gliucon, aqui presente, @ 05 restan- tes também, Depois de eu proferir estas palavras, Gliucon © os outros suplicaram-lhe que nio deixasse de faver assim. E Trasimaco, era evidente que desejava falar para se cobriz de gléria, pois supunha que daria uma resposta admiivel ‘Mas fingia insistir para que fosse eu 2 responder. Por fin, acedeu, ¢ disse em seguida: ~ Ci esté a esperteza de Séerates. Nao quer ser ele a ensinar, mas vai a toda a parte pata aprender com os outros, em sequer Ihes ficar grato. — Que eu aprendo com os outros, é uma verdade que tu dizes, 6 Trasimaco, Porém, dizeres que eu nio lhes pago o beneficio, é mentira. Pago tanto quanto posso. Mas 0 que ‘en posso & apenas elogiar, pois nao tenho dinheiro, Com que entusiasme o fago, quando alguém me parece tet falado bem, sabé-lo-ds perfeitamente © em. breve, depois de teres respondido. Poi julgo que vais falar bem. = Ouve entlo. Afirmo que a justiga no é overa coisa genio a conveniénela do mais forte. Mas porque nio apro- ‘vas? Nio quereris fazé-lo? — Desde que eu compreenda primeiro o que queres liver, pois por agora ainda nfo sei. Afirmas tu que na convenitucia do mais foree esti a justign Que queres tu significar com isso, 6 Trasimaco? Pois suponho que 23 Be 338 3398 no & deste género © que quetes dizer: se Polidamas, © lutador de pancricio, que é mais forte que n6s, se a ele Ihe convém, para 0 seu fisico, comer came de vaca tal alimento seré também para nés, que Ihe somos infetiores, conveniente ¢ justo ao mesmo tempo. ~ Nio tens vergonha nenhuma, Socrates, ¢ interpretas as coisas de maneira a desvireuares 0 meu argumenco, — De modo algum, meu excelente amigo. Mas explica mais claramente o que queres dizer. ~ Pelo visto nio sabes — prosseguiv ele ~ que, dentre os Estados, bi os que vivern sob o regitne da monarquia, ou- tros da democracia, ¢ outros da aristocracia? = Como nio havia de sabé-lo? ~ Ora, en cada Estado, no é 0 governo que detém a forga? — Exactamente. ~ Gertamente que cada governo estabelece as leis de acordo com a sua conveniéncia: a democracia, eis demo- criticas; a monarquia, monizquicas; ¢ os outros, da mesma mancira, Uma vez promulgadas essas leis faze saber que é justo para os governos aquilo que Ihes convém, ¢ casti= gam os transgressores, a titulo de que violaram a lei e co- meteram uma injustiga, Aqui tens, meu excelente amigo, aquilo que en quero dizer, 20 afimmar que hi um s6 modelo de justiga em todos os Estados ~ o que convém aos poderes constituidos. Ora estes é que detém a forca. De onde re- sulta, para quem pensar correctamente, que a justiga € a mesma em toda a parte: a convenigneia do mais fore. ~ Agora ~ disse ou ~ percebi o que queres dizer. Se é verdade ou aio, tentarei compreendé-lo. Que a justica era a conveniéncia, foi, pois, a resposta que deste, tu também, 6 Trasimaco. Contido, proibiste-me que 24 esse essa resposta. E certo que tem a mais o «do mais fortes. — Pequeno acrescento, se calhar! — Por enquanto, nio é evidente se é grande, Mas que ddeve examinar-se se dizes a verdade, isso € que € evidente. ‘Uma vez que tu ¢ eu concordamos em que a justia € algo de conveniente, e que o1 aerescentas a esta definigio que essa conveniéncie ¢ a do mais forte, e en ignoro se & assim, remos de examinar a questio. — Examina — disse ele. — Assim farei ~ respondi ~ Ora diz-me la: nto man- téns que abedecer aos que governam é acto de justiga? — Sim, senhor. ~ Bos governantes em cada um dos Bstados sio infs- liveis, ou capazes de cometer algum erro? ~ Certamente que sio capazes de cometer algum erto. = Portanto, quando experimentam formular leis, for- ‘mula umas bem, outras nfo? ~ Julgo bem que sim. — Mas fazer bem leis € nararalinente promulgar aguito ue Ihes cozvém: no as fazer bem, aquilo que é prejudicial. Nao achas? = Acho. = Mas o que eles promulgaram tem de ser feito pelos siibditos, ¢ isso € que € 2 justica? ~~ Como nio? ~ Segundo 0 ten racioeinio, nfo 66 & justo fazer aquilo que convém ao mais forte, mao também, inversamente, aquilo que the é prejudicial — Que queres tu dizer? = Aguilo que m1 dizes, segundo me parece. Mas exi- minemos melhor a questi, Nio assentimos em que 05 _governantes, ao prescreverem certos actos aos seus sibditos, 25 [por vezes se enganam no que € melhor para eles, ¢ ainds em que & justo que os sibditos fagam 0 que os governantes Ihes prescrevem? Na foi nisto que assentamos? ~ Assim 0 creio ~ disse ele. = Tem presente, portanto — continuei eu ~ que concordaste que também é justo cometer actos prejudiciais aos governantes ¢ aos mais poderosos, qiiando 0s gover- nantes, involuntariamente, tomam determinagées inconve- nnientes para cles — uma vez que declaras ser justo que os siibditos executem o que prescreveram os governantes. Ora, pois, sapientissimo Trasimaco, mio seri forgoso que resulte daf a seguinte situagio: que € justo fazer o contrétio do que tu dizes? Pois ndo hé davida que se presereve aos amas fracos que fagam o que € prejudicial aos mais fortes. ~ Por Zeus que sim, Socrates! — exclamou Polemar- co~. Bo que hé de mais claro. — Pelo menos, se deres testemunho a favor dele ~ in- terveio Clitofonte. — E pata que precisa ele de testemunhos? © proprio Trasimaco concorda que os governantes por vezes dio or dens que Ihes sio prejudiciais, e que € justo que os stbditos as cumpram. = De facto, 6 Polemarco, Trasimaco estabeleceu que € Jjusto camprir as ordens dadas pelos governantes. ~ E também estabeleceu, 6 Clitofonte, que a justiga € a convenincia do mais poderoso. Depois de ter praposto ainbos estes principios, concordow, por outre lado, quc por vezes 05 mais poderosos dio ordens para os que lhes sto inferiores e sibditos executarem, que a eles mesmos slo prejadiciais, Destas concessdes resulta que a justica em. nada é mais o que convém 20 mais forte do que 0 que nio he conve. 26 ~ Mas ~ replicon Clitafonte — por a conveniéncia do smais forte cle entendia o que o mais forte julgava ser a sua conveniencia. sso que deve fizer 0 mais faco, ¢ foi isso {que ele apresentou como sendo justo. = Mas no foi assim que se disse — retrucou Pole- ~ Nib faz diferenga nenluuma, Polemarco ~ disse eu ~. ‘Mas se & assim: que Trasimaco se exprime agora, accitemo- lo dessa maneira. Ora diz-me, 6 Trasimaco: era assim que ‘querias definir a justica ~ aquilo que parece a0 mais forte ser-lhe vantajoso, quer o seja, quer no? E assim que dire- ‘mos que te exprimes? ~ De modo algum — respondeu ~. Julgas que ev cha- smo mais forte ao que era, quando ele era? ~ Julgava eu que era isso que quetias dizer, quando concordaste que os governantes nfo eram infaliveis, mas po- diam cometer algam erro. — Estis de mi-fé a discutir, 6 Sderates. Chamas, por exemplo, médico, aquele que se engana relativamente 208 doentes, precisamente pelo facto de se enganar? Ou cha- mia habil calculador aquele que erra os seus célculos, preci- samente por esse erro? Parcce-me que so formas de dizer que usamos ~ de que 0 médico se enganou, ou 0 calculados, ou o mestre-escola. Quando, na realidade, eada um destes, ‘na medida em que lhes damos estes nomes, jamais erra. De ‘maneira que, em rigor, uma vez que tambérm gosta de faler com precisfo, nenbum attfice se engante. Bfectivamente, 98 quando © scu saber o abandona é que quem erra se engana € nisso no € um artifice. Por consequéncia, artifice, sibio ‘ou governante algum se engana, enquanto estiver nessa fangio, mas toda a gente diré que 0 médico exrou, ou que © governante crtou, Tal é a acepeio em que deves tomar a ar Mla minha resposta de ha pouco. Precisando os factos ¢ mais possivel: © governante, na medida em que esta no governo, ‘lo se engana; se nfo se engana, promulga a lei que € me- thor para ele, ¢€ essa que deve ser cumprida pelos sibditos, De maneira que, tal como declarei de infcio, afirmo que + justica consiste em fazer © gue € conveniente para o mais poderoso. —~ Pois bem, Trasimaco ~ repliquei —. Parece-te que estou de mi-fé? ~ Inteiramente ~ responilew ele, — Supdes que foi proposttadsmente que te interroguei deste modo, para te prejudicar na discussio? — Sei hem que sim ~ replicou ~. Mas de nada te servitd. Nao me passam despercebidas as tuas manobras malfezejas; nem, se nfo me apanbares de surpresa, seris capaz de me dominar na argumentacio. ~ Tiio-pouco quereria tenticlo ~ declarei — 6 afortuna- do homem! Mas, para no nos tornar a acontecet uma coisa assim, define claramente o que quetes significar com o go- vernante € © mais forte — se € em geral ou no sentido que agora mesmo intitulate rigoroso — esse mais forte cyja con- venigncia, uma vez que ele é 0 mais poderoso, ¢ justo que © mais fraco sirva, ~ Quero significat © governante no sentido mais rigo- oso do termo. Perante isto, pbe-te de mi parte e de mé-té, tanto quanta puderes Nia te pega merrél Mas ado eeris capaz. — Julgas-me to deliramte que tente fazer a tosquia de um ledo, pondo-me de matt partido contra Teasimaco? ~ Pois ainda agora experimentaste, embora também neste aspecto pouco valhas. 28 ~ Basta destas questoes. Mas diz-me: 0 médico, no sentido rigoroso, que bi pouco definias, & seu objectivo ganhar dinheiro ou tratar os doentes? Refere-te ao médico de verdade. —Tratar 0s doentes ~ responden. —F 0 piloto? © piloto como deve ser, é chefe dos ‘marinheiros ov marinheiro? —E chefe dos marinheiros. ~ Nio é preciso tomar em linha de conta para mada o facto de ele estar embarcado no navio; nfo é por isso que se deveré chamar-lhe marinheito, pois nfo € pelo facto de ele aavegar que se the chama piloto, mas pela sua arte ¢ pelo comando dos marinheiros. = Brverdade — disse cle. — Nese caso, cada um deles sem a sua propria conve- niéncia? ~ Exactamente. — Ea sna arte foi feita para procurar ¢ fomecer a cada um o que lhe convém? — Foi. — Cada uma das artes tem qualquer outta vantagem, para além da maior perfciglo possivel? = Que queres dizer com a tua pergunta? — Por exemplo: Se me perguntasses se a0 corpo basta ser corpo, ou se tem necessidade de alguma coisa, eu rosponderia: «Tem necessidade abroluea. B par isso é que se inventon agora a arte da medicina, porque 0 compo & sujeito a defeitos, ¢ de tais defeitos carece de ser eurado, Para Ihe fomecer 0 que the & vantajoso, para isso é que se concestou esta artes. Parece-te que & certo 0 qic estou a dizer, ou no? —H—confirmouele. 29 — £ entéo? E sujeita « defeitos a propria arte da medicina, ou i qualquer outea que tenha necessidade de ‘uma certa qualidade ~ como os olbios, da vista, ¢ os ouvicls, da audigdo, e por esse motivo, além desses orgios, carece- mos de uma atte apropriada para examinat ¢ para fornecer © que € Geil pars essas finalidades? Acaso na propria arte hi qualquer defeito e cada arte precisa de outra arte que procure o que Ihe é ttl, ¢ esta, por sua vez, de outta, € assizn até 20 infinito? Ou ela mesma examinari o que Ihe é vantajoso? Ou entio nio precisa de si mesma nem de nenhoma outra para procurar 0 que € conveniente para a sua propria imperfeigdo. Efectivamente, nenhuma arte possui imperfei¢io ou falha alguma, nem cabe a uma arte examinar © que € ‘itil, sendo aquilo de que é arte. ‘Ao passo que cada arte, se 0 for de verdade, é incorrup- tivel e pura; enquanto que, tomada no seu sentido exacto, €inteiramente o que é. E examina da tal maneira rigorosa: Eassim ou de outro modo? — E assim que parece ser. ~ Portanto ~ disse cu — a medicina nzo procura a couvenitncia da medicina, mas a do corpo. — Pois nao. — Nem a equitagio a da equitagio, mas a dos avalos. Nem nenhama outra arte a sua, pais de nada catece, mas a daquele a quem pertence. — Assim parece. ~ Mas entao, 6 Trastmaco, as artes governam e domi- nam aquele a quem pertencem? Concordou neste ponto, mas muito a custo. ~ Portanto, nenhuma ciéncia procura ou prescteve o que € vantajoso 20 mais forte, mas sim ao mais fraco e 20 que € por ela governado? 30 BBR Or Por fim, concotdou também cor isto, mas tentou 4 disputa, Depois de ele dar o seu assentimento, continuei: — Ora nenhum médico, na medida em que & médico, pro- ‘cata o« prescreve 0 que é vantajoso a0 médico, mas sim a0 doente? Pois concordémos que médico, no sentido rigoroso, € 0 que governa os corpos, e nfo o que faz dinheiro com eles. Ou nfo concordimos? —Concordimos. — Logo, também o piloto, no sentido rigorose, € 0 chefe dos marinheiros, mas no um marinhiro? —De acordo. ~ Por ventura un piloto e chefe asim hi-de examinar «¢ prescrever no o que € vantajoso ao piloto, mas sim 30 marinheito e a0 sibdito? Concordou a custo. —Portanto, Trasimaco, nenhum chefe, em qualquer lu- gar de comando, na medida em que & chefe, examina ou presereve 0 que & vantajoso a ele mesmo, mas 0 que 0 6 para o seu subordinado, para o qual exerce a sua profissio, © € tendo esse homtem em atencio, € © que The € vantajoso € conveniente, que diz 6 que diz e fxz tudo quanto fix. Depois que chegimos a esse ponto da discussio, ¢ se tomara evidente para todos que a definicio de justign se tinha voltado ao contritio, Trasimaco, em vez de responder, (petgunton: — Diz-me fi, 6 Socrates, tens uma ama? —~ O qué? — repliquei eu ~. Nao era melhor respon- deres do que estares a fazer semelhantes perguntas? = B que nfo repara que estis ranhoso ¢ nto te assoa quando precisas. De modo que nem sequer te soube ensinar a distinguir as ovelhas do pastor. ~ Que é que tu queres saber ao certo? — perguntei. n b ~ E que tu julgas que os pastores ou os boieiros velam. pelo bema das ovelhas ov dos bois, © que os engordam ¢ tratam deles com outro fim em vista que nio sejao bem dos patrSes ou 0 proprio, E mesmo os que governam os Estados, aqueles que governam de verdade, supSes que as suas disposigdcs para com os sibditos s50 diferentes das que se tém pelos carneiros, e que velam por outra coisa, dia ¢ noite, que no seja tirarem proveito deles? E és tio pro- fundamente versado em guestdes de justo e justiga, de in- {justo ¢ injustiga, que desconheces serem a justiga ¢ © justo ‘um bem alheio, que na realidade consiste na vantagem do mais forte © de quem govertia, ¢ que € proprio de quem obedece e serve ter prejuizo: enquanto a injustica € 0 con- tririo, ¢ € quem manda nos verdadeiramente ingémuos € _justos; e os sibditos fazem 0 que € vantajoso para o mais forte ¢, setvindo-o, tornam-no feliz a ele, mas d¢ modo algum a si mesmos, E assim, 6 meu simnpl6rio, basta repacar ‘que © homem justo em toda a parte fica por baixo do in- justo, Em primeizo lugar, nos consércios que fazem uns ‘com os outros, quando uma pessoa de uma destas expécies se associa com uma da outra, jamais se verificars, por cocasiio da dissolugio da sociedade, que 0 justo tenha mais do que o injusto, mas sim menos. Depois, nas quest6es vis, onde quer que haja conteibuicdo a pagar, 0 justo, em condiges iguais, paga uma contribuigio maior, ¢ 0 outro, menor. Quando se tratar de receber, um nio lucra nada, ¢ 0 outro. muito, F. se algum dos dois ocupar um posto de comando, 9 justo pode contar — ainda que nfo tenha outro prejuizo — com ficar com os seus bens pessoais em mé posicio, por inctiria, ¢ com ndo ganhar coisa alguma dos do Estado, por ser justo. Em cima disto ainds, com criar inimizades com patentes e conhecidos, por se recasar 32 a serviclos contra a justiga, Ao passo que © homemn injusto pode contar com o inverso de tudo isto. Refiro-me aguele {que hi pouco mencionei, ao que pode ter grandes ambigbes de supremacia. Repaza pois, neste homem, se queres julgar ‘quanto mais vantagem tem para win particular ser injusto do {que ser justo, Mas a maneita mais ficl de aprendeses, € se chegares 4 mais completa injustica, aquela que dio maximo de felicidade a0 homem injusto, ¢ a maior das desditas aos «que foram visimas de injustigas, € nfo querem cometer actos desses, Tsatacse da tirania, que acrebata os bens alheios a cocultas ¢ pela violencia, quer sejam sagrados ou profunos, particulates ou piiblicos, e isso mio aos poucos, mas de uma 86 vez, Se alguém for visto a cometer qualquer destas injustigas de per si, & castigado e recebe as maiores injurias. Efectivamente, a quem comete qualquer destes maleficios isoladamente, chama-se sactilego, negreiro, gatuno, espo- liador, ladrio. Mas se um homem, aléns de se apropriar dos bens dos cidadios, faz deles escravos e os totna seus servos, em vez destes epitetos injuriosos, é qualificado de feliz. ¢ bea-aventurado, nio s6 pelos seus concidadaos, mas pot todos os dems que souberam que ele cometew essa in- Jjustiga completa, E que aqueles que criticam a injustiga nio 2 criticam por recearem praticS-la, mas por temerem softe- Ja, Assim, 6 Sécrates, a injustica, quando chega a um certo ponto, é mais potente, mais livre e mais despotics do que 2 {justiga, e, como eu dizia a principio, a vantagern do mais forte € a justia, ao pasto que a injustiga é qualquer coisa de ‘itil a ume pessoa, e de vantajoto, Depois de assim ter falado, Trasimaco tinha em mente retirar-se; como se fosse um empregado do bal- nefrio que nos tivesse despejado nos ouvidos uma ar- gomentagso compacta ¢ abundante, Porém, os presentes niio lho consenticam, mas forcaram-no a ficat, para prestar 33 34a 3450 contas das suas palavras, Fu, pela minha parte, também lho pedi muito, dizendo: ~ © divino Trasimaco, entio, depois Ce langares tal argumentagio, projectas retitar-te, antes de ensinares © bastante, ou de aprenderes se & assim on nio? ‘Ou pensas que € coisa de pouca monta o que te abalancaste 4 definir ~ 0 curso de toda a vida que devemos seguir, para cada un de nés viver a mais sil das existencias? — E xeaso eu penso de ovtro modo? — perguntou Tra- simaco. — Assim parece ~ respondi eu ~. Ou entio niio queres, saber de nés ¢ nie te importas que vivamos pior ou melhor, por descouhecermos o que tu declaas saber. Mas, meu bom amigo, esforca-te por no-lo revelar, a nés também; nfo serd tum mau investimento para ti prestares um beneficio a este: € tio grande. Eu, por mim, declaro-te qual io: nio estou convencido nem crcio que a injustiga seja mais vantajosa do que a justca, ainda que al- guém deixe aquela a solta, sem a impedir de fazer © que quiser. Mas, meu bom amigo, que uma pestoa seja injust, ue possa cometer injustigas ou a ocultas ou ent: luta aberta, mesmo assim o seu exemplo nfo me convence que isso ¢ inais proveitoso para ela do que a justica. Esta mesma impressio ¢ talvez a de outros dentre nds, ¢ ndo minha apenas, Convence-nos, portanto, 6.meu bem-aventurado, ¢ de maneita suficience, que ndo pensamos bem, quando damnos maior valor 3 justiga do que 4 injustiga — E coma hei-de ew convencer-te? — replicon —. Se ndo ficaste persuadido com o que eu disse hi pouco, que mais hei-de fazer-te? Ou heiede pegar nos argumentos ¢ meté-los no teu espirito? ~ Nao, por Zeus, nfo fagas tall — exclamei —. Mas, cm primeiro lugar persste nas affmag6es que fizeste; ou entio, 4 se fizeres alguma alteraglo, ila abertamente, ¢ no estejas 2 iludir-nos. Ora tepara, 6 Trasimaco — cxaminando ainda 0 {que auteriormente tratimos — que, embora desejasses defi- air primeico o verdadeiro médico, nao achaste necessitio ptestar depois rigorosa atengio ao exemplo do verdadeiro pastor, mas supdes que ele trata de engordar as ovelhas, ma medida em que & um pastor, nfo porque tenha em vista 0 que € melhor para clas, mas como um conviva ott uma pes soa que quer dar um banguete, para se regalar, ou entio ‘para as vender, como se fosse um homem de negocios, © ‘nfo um pastor. Ora, afinaidade da arte do pastor no € ou 1a, sem divida, senflo aquela para que foi destinads, conse- guir para 0 seu objecto o maximo de bem-estar — uma vez que seguramente esti jé dotado © bastante das qualidades especificas que the dario a supremacia, na medida em que nada Ihe fate da mia esséncia de arve do pastoreio, Por estas raztes, eu conclu hi pouco que é forgase que concordemos «que todo 0 governo, como governo, no term por finalidade velar pelo bem de mais ninguém, sendo do sibdito de que catida, quer este seja uma pessoa publica on particular. Ora ‘ui peusas que os governantes dos Estados, aqueles que sio verdadeires governantes, govemam por praver? — Por Zeus que nio! Bem o sei, — E entio, Trasimaco? — repliquei —. Nao reparas que os restantes cargos, ninguém quer exercé-los por sua vontade, mas exigem um salério, pensando que, do seu exer- dicic, nenbum proveite pessoal thes advirs, mas sim para ‘os seus stibditos? E depois, diz-me: nfo afirmamos nés sem- pre que cada uma das artes se diferencia das outras pelo facto de ter uma poténcia especifica? E no respondas, meu caro, contra a tua opinito real, 2 ver se adiantamos alguma coisa. — Diferenciam-se pot isso, sim. 35 3460 ~ Ennio é verdade que cada uma das artes nos propor- ciona qualquer vantagem especifica, ¢ nfo comum, como a da medicina, a saide, a do piloto, a seguranga de navegacio, assim por diante? — Exactamente. ~ Portanto, também a arte dos lucros tem o seu salério? Pois € esse o efeito que Ihe € peculias. Ou dés a mesma de- signago 3 arte de curar ¢ 3 arte de pilotar? Ou ~ se na ver~ dade queses formular uma definigSo rigorosa, conforme propaseste inicialmente — no caso de ura pilot ficar sto, pelo facto de Ihe ser henfico andar embarcado no mar, n30 iris chamar, por causa disso, medicina A sua arte? ~Certamente que no — replicou. Tio-pouco chamaris assim 3 arte dos lueros, segundo algo, se lguém ficar so a0 exercer uma profissio lucrativa? = Com certeza que nio. ~ E entio? Chamaris 4 medicina arte dos fucros se al- guiém, ao curar uma peso, ganhar um salério? — Nio. ~ Acaso mio concordémos que hé uma vantagem pecs liar a cada arte? ~Seje. ~Se hd uma vantagem de que gozam todos as arifices em consum, é manifesto que devem empregar alguma facul- dade adicional, comum a todos, ¢ dai derivarem a vantagem, = Assim parece. — Ora née afitmamos que a vantagem dos artifices, quando ganham um salério, Ihes advém de empregarem, tana fueuldade adicional 3 arte dos lncros. ‘Concordou a custo. — Por conseguinte, nfo € da sua propria arte que advém 2 cada um esta vantagem, que € a obtencio de um salstio; 36 mas, se devemos examinar a questio com rigor, a medicina produz a satide, a arte dos iueros,o salitio, e a do argu tecto, uma casa; a0 passo que a arte dos lucros, que a acom- panha, dé o salirio, E as outras todas, igualmente, produz cada oma o seu efeito ¢ sio vantajosas aquele a quem se aplicam, Se, porém, nZo se the juntar um salério, € possivel ‘artifice auferiralguma vantagern da sua arte? — Nio me pasece, ~ Mas acaso cle mio é ctl, quando trabatha de graca? — Com cexteza, assim 0 creio. = Portanto, Trasimaco, é desde j& evidente que nc+ ‘nhuma arte nem gaverno proporciona o que € dtl a si mes- ‘mo, mas, como dissemos h4 muito, proporciona e prescreve ‘6 que © é ao siibdito, pois tem por alvo a conveniéncia deste, que & 0 mais fraco, e nio a do mais forte. Ora € por isso, meu caro ‘Trasimaco, que eu disse ha bocado que nin- goém quer espontaneamente governar ¢ tratar © curar os males alheios, mas antes exige um salério, porquanto aquele gue pretende exercer bem a sia arte jamais faz ou prescre- ve, no exercicio da sua especialidade, o que é melhor pata si mesmo, mas para o cliente, E por esse motivo, 20 que pare- 2, que & preciso proporcionar aos que quetem consentir ‘em governat tum salério ~ dinheiro ou honrarias —, ou wat castigo, se no consentirem, — Que queres dizer, 6 Sdcrates? ~ interveio Gléucon — que sio os dois salirios, sei-o. Mas 0 castigo a que te refe- res, € emi que sentido € que o incluiste no grapo dos silos, aio somprecndo, = Né verdade, nfo entendes 0 que seja 0 salétio das boas pessoas, aquele devido ao qual os mais perfeitos governam, quando consentem em fizé-lo? Ou nao sabes que o amor dis honrarias ¢ das tiquezas € considerado uma vvergonha, ¢ 0 € de facto? a7 3478 = Bom o sei —retorquit — Por este motivo, por conseguinte, os homens de bem. io querem govemar nem por causa das riquezas, nem das honrarias, porquanto no querem ser apodados de mercend- tos, exigindo abertamente o salério do seu cargo, nem de la- dides, irando vantagem da sua posicio. ‘TRo-pouco querem governar por causa das honrarias, uma ver ique nfo as esti- ‘mam, Fora é, pos, que sejam constrangidos e castigados, se se pretende que eles consintum em governar; de onde vem que se arrisca 2 ser considerado uma vergonha ir volun~ tariamente para © poder, sem aguardar a necessidade de tal pasto. Ora o maior dos castigos & ser governado por quem @ pior do que 6s, se nfo quisermos governar nés mesmos. B com receio disso, me parece, que os bons ocupam as ‘magistramras, quando governam; ¢ entio vio para 0 podet, lo como quem vai tomar conta de qualquer beneficio, nem para com ele gozar, mas como quem vai para uma necessidade, sem ter pessoas melhores do que eles, nem mesmo iguais, para quem possum relegi-lo. Efecrivamente, artiscar-nos-iamos, se houvesse um Estado de homens de bem, a que houvesse competighes para nio governar, como agora as hd para alcancar 0 poder, e tomar-se-ia entio evi- dente que 0 verdadeiro chefe no nasceu para velar pela sua conveniéncia, mas pela dos seus sitbditos. De tal maneira que todo aguele que fosse sensato preferiria receber beneficios de outtem a ter o trabalho de ajudar ele os outros. Portanto, de modo algum concordo coin Traaimaco, cm qc » justign ea a conveniéncia do mais forte. Mas esse ponto havemos de © examinar de novo. Parece-me valer rauito mais afiemagdo que agora fez Trastmaco, ao declarar que € melhor a vida do injusto do que a do justo. Ora tu qua! € que escolhes, 6 Ghiu- ‘con? Qual das duas afirmagdes te parece mais veridica? 38 ~ Be, por mim, acho que a vida do justo € a mais van- tajosa, = Ouviste — petguntei — quantos beneficios Trasimaco enumerou hi pouco como sendo os da vida do injusto? = Quvi ~ teplicou — mas nif fiquei convencido. ~ Queres entio que o convengamos, se formos capares de encontrar maneira disso, de que nlo diz a verdade? — Como nio o queretiat — perguntou ele. — Se, por conseguinte ~ continue -, fazendo forca contra ele, opondo um argumento a outro argumento, enu- merarmos quantos beneficios traz 0 ser justo, ¢ cle falar por sua vez, € n6s respondermos, seri necessirio contar os bens e medir 0 que cada um de nés dlsser em cada um dos scus argumentos, ¢ até jé precisaremos de juizes para resolverem 2 questio. Se, porém, como hi momentos, examinarmos 2s, ‘coisas chegando a um acordo um com 0 outro, seremos nds ‘mesmos simultaneamente jufzes ¢ catisidicos. — Precisamente — disse ele. — Agrada-te mais desta maneira ou daquela? ~ Desta. = Anda li ~ disse eu — 6 Trasimaco! Responde-nos desde 0 comego: afirmas que a perfeita injustiga € mais Util do que a perfeita justiga? ~ E precisamente isso © que eu afirmo, e dei as minhas razdes, — Vamos lé: como qualificas estas coisas? Dis a uma delas o nome de virtude,¢ a outra o de vicio? — Como nio? — Portanto, & justiga chamas virnade, ¢ 8 injustiga, vicio? — E natural, meu carissimo amigo; nao ha davida, uma vez que afirmo que a injustica £ proveitosa, 20 passo que a _junstiga nao... 39 3480 349, — Entio? =F a0 contririo — respondeu. — Acaso a justiga € que € um vicio? — Néo, mas uma sublime ingenuidade, Entio 3 injustiga chamas mau caricter? — Nio, mas sim prudéncia, — Acaso te parecem sensatos ¢ bons 0s injustos? — Sem dhivida, os que sio capazes de ser perfeitamente injustos, com forca para submeterem 4 stta autoridade Estados ¢ nagSes. Julgas talvez que me refiro aos que tiram as bolsas de dinheiro, que também isso € proveitoso, se passar despercebido, Mas nio vale a pena falar do assunto, mas sim daguilo de que ha poucn fiz mencao. =O que tu queres dizer, no 6 ignoro. Mas 0 que me surpreende & que tu coloques a injustiga no grupo da vir~ tude e da sabedoria, ¢a justiga no grupo contritio. = Mas é que coloco mesmo. — Iso ~ disse en ~ é uma posigio ainda mais irredu- tivel, companbeiro, ¢ jé nao € fécil atvanjar mancira de a refutar. Porquanto, se punhas a hipstese de a injustica ser ‘vantajosa, mas concordas, contudo, com alguns outros, que ela é um vicio ou uma coisa vergonhosa, poderfamos, responder-te, de acordo com a opinigo geral. Porém a ‘verdade é que ¢ evidente que vais afirmar que cla é bela ¢ forte, ¢ Ihe atribuirés todas as demais qualidades que nds estévamos habituados a atribuir 2 justiga, uma vez. que ‘ousiste coloci-la ao lado da virtue e da sabedoria, ~ Adivinhaste a pura verdade — disse ele. — Contudo~ retorqui ~ nie devemos recuar na pros securso do exame, enquanto eu supuser que estis a dizer 0 que pensas.Pois me parece, 6 Trasimaco, que realmente no cestés a zombar agora, mas a dizer 0 que julgas ser 2 verdade. 40 ~ Que diferenga te faz se & 0 que eu penso ou nfo, desde que nfo refutes 2 minha argumentacio? — Nenhuma — respondi -. Mas tenta responder ainda 4 pergunta seguinte: parece-te que um homem justo que- retia exceder 0 homem justo em qualquer coisa? = De modo algum ~ retorguiu=. Porque nesse caso ntio seria educado, como € de facto, nem de boa indole. —E entio? Se fosse um acto justo? —Nem num acto justo. — Mas considerai-se-ia digno de exceder 0 injusto ¢ Jiulgaria iso justo, ou nao? — Julgiclonia — retorquiu ele ~, considers-to-ia, mas so 0 poderia. — Mas nfo 6 isso que et estou a perguntar — observei cu — mas se o homem justo nfo se consideraria digno ow quereria exeeder © homem justo, mas sim 0 injusto? — Mas é assim mesmo ~ respondeu. — E quanto a0 homem injusto? Porventura se consi- deratia digno de exceder o justo ¢ a acgio justa? —E como nio seria assim? Se ele de facto se considera digno de exceder toda a gente? = Portanto, o homem injusto querer exceder © homem injusto e a acgo injusta,¢ lutaré para ser ele quem tem mais que todos? = Bisco. — Digamos, pois, assim: 0 justo nfo quer exceder 0 seu semelhante, mas o set oposto; 20 passo que 9 injasto quer exceder tanto 0 seu semelhante como 0 seu oposto. —Palaste na perfeicio. — 0 injusto — continuei — ¢ inteligente © bom, ¢ 0 Justo no é uma coisa nem outra, = Também esté certo. 41 350 — Portanto — prossegui — 0 homem injusto parece-se com ¢ inteligente e bom, e o justo nfo se parece? ~ Pois como nao hé-de um homem com uma certa qualidade ser semethante aos que a tém, ¢ 0 que a nio pos- sui ser diferente? — Perfeitamente. Cada um deles tem entio a qualidade daqueles com quem se parece? = E depois? — Ora bem, Trasimaco. Podes dizer de uma pessoa que € um miisico, ¢ de outra que o no é? — Com certeza. ~ Qual dos dois é sébio, ¢ qual ¢ ignorante? = Sem diivida que 0 miisico € © sibio, e 0 nio-muisico, o ignorante, — Portanto, um é também bom naquilo em que € sébio, ¢ 0 outro mau naquilo em que € ignorante? — Sim. ~ E quanto a0 méiico? Nao € da mesma maneira? -£ ~ Parece-te, pois, excelente criatura, que um miisico, quando afina a lira, pretende exceder outro miisico na tensio ou distensto das cordas, ese considera digno de o ultrapassar? —Amim, nio, —Eentio, se for a urn nao-misico? — Forgosamente que sim, = E quanto a0 médico? Na dieta de comida ou de bebida, quereria ole exceder outro clinico ou outra regra? = Sem daivida que no. Baum que nio fosse médico? = Sim. — Observa, elativamente a toda a espécie de ciencia ou de ignorincia, se te parece que qualquer sibio quereria 42 exceder os actos ¢ palavras de outro sabio, e nio fazer, em caso igual, o mesmo que o que € semelhante a ele. — Serd forgoso, talvez, que seja assim. —E agora 0 ignorante? Nao pretenderia ele igualmente cexeeder 0 sfbio € 0 ignorante? —Talvez, — Mas 0 sibio € sensato? — Afirmo-0. ~E quem & sensato é bom? -z ~ Ora o homem bom ¢ sibio nifo quererd exceder 0 ue Ihe semelhante, mas sim 0 que € diverso ¢ oposto 3 dle. ~ Parece que sim. —Eoo que & mau ¢ ignorante quereri exceder 0 que lhe 6 semelhante e o seu contritio. ~ Afigara-se-me. — On, Trasimaco — disse eu — 0 injusto, para nés, nde quer exceder tanto 0 seu contririo como 0 que the ¢ seme- Ihante? Ou nfo foi assim que disseste? — Certamente — responde, — Ao passo que 0 justo no quereré exceder o que the & semelhante, mas sita 0 seu contrério? Sim. — Logo. 0 justo assemclha-se ao home sibio € bom, ¢ © injusto 20 man e ignorante? =E prewivel — Mas és concordémos que cada um deles tem as qualidades daquele a quem se assemelha. — Concordémos, com efeito, = Logo, 0 justo revela-se-nos como bom e sébio, ¢ 0 injusto como ignorante e mau, a3 a 351a ‘Trasimaco, entio, concordout com tudo isto, 240 com a facitidade com que agora estou a conti-lo, mas areasta- damente e a custo, suando espantosamente, tanto mais que era no vero, Foi entio que vi uma coise que munca antes vira: Trasfmnaco a corar. Assim, pois, que concordimos que a Jjustga € virrude e sabedoria, ¢ a injustia maldade igno- rincia, exclamei: — Bem, deixemos este ponto assente! Mas afirmémos também que a injustiga era a forga, Ou nio te recordas, 6 ‘Trasimaco? — Recordo-me. Mas 0 quc acabas de dizer nio me apraz, ¢ tenho resposta a dar-lhe. Se eu falasse, sei perieitamente que afiemarias que eu estava a disoursar como tum demagogo. Deixa-me, pois, falar 4 minha vontade, on, se quiseres interrogar, interroga. E eu dir-te-ei como as velhinhas que estio a contar histSras: ~ Bem! ~ ¢ faci com a cabesa que sim ou que nfo. = Mas nunca — observei — contra a tua prépria opi- nifo, — De maneiza a poder agradar-te ~ retorquiu —, uma ‘vex que nfo consentes que eu fale, Que mais queres? — Mais nada, por Zeus! — respondi —. Mas, se queres fazer assim, faz, que eu interrogo. ~ Intetroga entio. — Far-tetei, portanto, exactamente a mesma pergunta de hd pouco, a fim de levarmos metodicamente ao fim a argumentacio: que é a justica em relagio a injustica Disse~ sae a corta altura apie 3 injmetiga ora mais prvlernea @ male forte do que a justiga. Agora — prossegui —se, na verdade, a justiga é sabedoria e virtude, julgo que facilmente se de- ‘monstrard que € mais forte do que a injustica, uma vez que 2 injustiga€ ignorincia — ninguém deixaria de o reconhecet. ‘Mas nfo & assim elo simplesmente, 6 Trasimace, que eu 44 dlesgjo resolver o caso, mas antes examini-lo por outro lado, Concordarias que seria injusto para um Estado tentar submetet injustamente outros Estados e reduzi-los a escra- varura, ou ter diversos, sujeitos ao sew império? = Como no? E isso € 0 que fari, acima de todos, 0 melhor dos Estados ¢ o mais perfeitamenteinjusto. ~ Compreendo que era esse 0 teu argumento. Mas, relativamente a ele, s6 quero examinar este ponto: um Exaado que se astenhoreia de outro exerceri a sua domina- io sem a justia, ou serd forgado a usar dela? — Se é como hii pouco afirmavas ~ a justiga € a sabe~ dotia — com a justiga, Mas se ¢ como eu disse, com a ine justia. — Estou satiseitssinn, 6 Trasimaco ~ disse eu — por- aque nto te limita a dizer gue sim ¢ que nio com a cabega, ‘mas respondes muito bem. Ei para te ser agradével — replicon. — Fazes nmuito bem. Mas faz-me o favor de responder ainda a esta pergunta: parece-te que um Estado ou um exército, piratas, ladeBes ou qualquer outra clase, poderiatn executar 0 plano ilegal que empreenderam em comum, $2 io observassem 2 justiga uns com 0s outros? — Certamente que ndo ~ respondeu. — Esse a observassem? Nao scria melhor? — Absolutamente. = Decerto, Trasimaca, é porque a injustica produz nuns € noutros as revoltas, 0s édios, as comtendas; ao passo ‘que a justiga gera a concérdia ¢ 2 amizade. Nao € assim? ~ Seja — responden — s6 para nio discutir contigo. — Fazes bem, meu excelente amigo. Mas diz-me 0 seguinte: se, portanto, ¢ este o resultado da injustiga — 8 ecrre causar 0 dio onde quer que surja — quando ela se formar cemire homens livres ¢ escravos, nao fara também com que se odrictn tns aos outros, com que se revoltem e fiquer in- capazes de empreender qualquer coisa em comum? —Precisamente. ~ E se se originar entre duas pessoas? Nao ficario di- ~vididas, odientas ¢ adversirias uma de outra e das que sio jestos? —Ficarlo —respondeu. — E sc a injustica, meu espantoso amigo, se originar ‘ura s6 pessoa, com certeza nfo perders a sua propria forca, ‘ou manté-ta-4 tal qual? = Que a mantenha tal qual — sespondeu. — Portanto, a injustiga parece ter uma forga tal, em qualquer entidade em que se origine — quer seja um Estado gualquer, aaglo, exército ou qualquer outra coisa — que, em primeiro tugar, 2 incapacita de actuar de acordo consigo ‘mesma, devido as dissens6es e discordancias; ¢, além disso, tornam-na iximiga de si mesma e de todos os que lhe sio conttarios ¢ que sio justos. Nao é assim? ~Exacramente, = B, se existir num 96 individuo, produzirs, segundo Jjulgo, os mesmos efeitos que por natureza opera. Em pri- rmeito lugar, tomé-lo-é incapaz de actuar, por suscitar a re- volta e a discérdia em si mesmo; seguidamente, farendo dele inimigo de si mesmo e dos justos. Ndo é verdade? = Sim, = E os deuses, meu amigo, fo também justos, certa- mente? — Seja —replicou. — Logo, 0 injusto seta tambem odioso aos deuses, 6 ‘Trasimaco, e 0 justo ser4 seu amigo. 46 ~ Banqueteia-te 4 vontade com a tua argumentagio ~ disse ele — que nio serei eu quem te contradiga, a fm de rio me tomar odioso aos presentes, ~ Vamos la — repliquei =. B sacia-me com o resto da ctia, respondendo-me como tens feito. Porque os justos imostram ser mais sibs, melhores e mais capazes de actuat, 20 asso que os injustos nem sequer so capazes de actuar ‘em conjunto; mas, se dissermos injustos aqueles que alguma vez levaram a cabo solidamente ura empresa em comm, estamos 2 fazer uma afirmasio que de modo algum ¢ ver- dadeira; pois nfo se poupariam uns aos outros, xe fossem totalmente injustos; pelo contririo, € evidente que havia neles qualquer vislumbre de justigs, que os obrigava, pelo menos, a no praticarem injusticas uns com os outros, en= quanto atacavam as suas vitimas, © gracas 4 qual faziam 0 ‘que faziam; e, a0 langarem-se em actos injustos, cram semi- ~maus na sua injustiga, uma vez que os que sio comple- tamente tmaus e intciramente injustos sto também intei- ramente incapazes de actuar — assim ¢ que eu entendo que 6, ¢ no como tu expuseste de inicio, Se os justes tém uma vida melhor e sio mais felizes do que os injustos, como pre- csamente nos propusemos examinar depois, € 0 que vamos analisar. , portanto, desde jf evidente que 0 sto, em meu entender, em consequéncia do que nés dissemos, Seja como for, € melhor examinar a questio, porquanto a discussio no. 44 deriva, mas sobre a regra de vida que devemos adoptar. — Examine onto, = Vou examinar. Ora dizeme: Parcoe-te que b& uma fangio prpria do cavalot — Com certeza, ~ Aceitarias, portanto, que a fangio do cavalo ou de qualquer outro animal € aquela que se pode exercer por a © 353a cio daquele animal unicamente ou, pelo menos, com mais perfeigio? — Nio compreendo — objecto. = Mas vejamos de outra maneira: € possivel ver com couera coisa que nao sejam os olhos? — Sem dhivida que ndo. —E eatio? £ possivel ouvir com outra coisa que nie sejam os ouvides? = De modo algum, ~ Portanto, diremos justamente que € essa a sua fangio? —Bxactamente. — B entdo? Poder-se-iam talhar os sarmentos da vinha com uma faca, ura lanceta ou muitos outros instrumentos? — Como nic? = Mas com coisa alguma se executatia tio perfeitamente 4 tarefa, segundo julgo, como com oma podoa manufacta- rada para o eftito. FB verdade. —Entio nio aceitaremos que € esta a sua fimeio? — Aceitaremos, portante. — Penso que agora entenderis melhor © que hi pouco te perguntavs, 20 interrogar se a fungdo de cada coisa no era aquilo que ela executava, ou s6‘ela, ou melhor do que as outras. = Entendo ~ respondeu — ¢ parece-me que & essa a famgao de cada coisa, Bem — disse eu —. Portanto, nio te parece ter uma virtude que Ihe € propria tudo aquilo que esté encarregado de uma fungio? Tornemos ao mesmo ponte: os othos, di- ziamos nés, tém uma fungio? ~ Tem. 48 ~ Portanto, tém também uma virtude? ~Tém também uma vietude. ~ F entio? Tinhamos dito que os ouvides tinham uma fangio? = Tinbamos. ~Portanto, uina vittude também? ~Buma virtude também. ~Eteltvsmente tds a outs coisas? Nao igs = Ora bem! Porventura os olhos cumpririam bem a sua funcdo, se nio tivessem a sua vireude propria, mas um ddefeito em vex dela? — Como poderiam fazé-lo? — retorquiu ~, Referes-te talver 3 cegueira, ema vez da vista? A virtude deles,seja ela qual for — respondi~. Nao é isso que eu estou a perguntar, mas se a sua funcdo se desem- penha bem, gracas i virmde que thes € propria, ou mal, de- vido 20 defeito. — Falas verdade, = Logo, tambéin os ouvidos, privados da sua virtude propria, desempenham mal a ua funglo? — Exacamente ~ Englobaremos, portanto, todas as outras coisas no mesmo raciocinio? Bo que me parece. ~ Ora vamos li, depois disto, a examinar este ponto, A alma tem ons fingla, que nla pode ser desempenhads por toda e qualquer outra coisa que exista, que é a seguinte: superintender, governar, deliberar e todos os demais actos ca mesma espécie, Serd justo atcibuir essas fungses a qual- quer outra coisa que nfo seja a alma, ou deveremos dizer que sio especificas dela? 49 = Aalma,¢ a nenhuma outta coisa, —E agora quanto 4 vida? Nao diremos que € uma fun ie de alma? — Acima de tudo ~ respondeu, — Logo, diremos também que existe uma virtude da alma? ~~ Di-fo-emos. — Entio, 6 Trasimaco, a alma algun dia desempenbard bbem as suas fungSes, se for privada da sua virtude propria, ou € impossivel? ~ Bimpossivel — Logo, € forcoso que quem tem uma alma mé governe ¢ dirja mal, c, quem tem ama bea, faga tudo isso bem, = B forcoso. — Nio concordimos que 2 justica é uma virtude da alma,e a injustiga um defeito? — Concordimos, efectivamente. = Logo, a alma justa ¢ o homem justo viverio bem, € 0 injasto mal. ~ Assim parece, segundo o teu raciocinio, — Mas sem diivida o que vive bem é feliz ¢ vearuroso, ¢ 0 que nio vive bem, inversamente, = Como nio? = Logo, 0 homem justo € feliz, ¢ 0 injusto & desgrax ado. “Scie respondew, = Contude, nfo ha vantagem em se ser desgracado, amas sin em se ser feliz. — Como no? — Entio jamais a injustiga seré mais vantajosa do que a {jstiga, 6 hem-avenrurado Trasimacol 50 — Regala-te 1d com este manjat, 6 Sécrates, pata o festi- val das Bendideias "1 ~ Gracas ad, sem davida, 6 Trasimaco ~ respondi ~ pois e tornaste cordato e deixaste de ser desagradavel. Contudo, 2 ccia nio é opipara, por culpa minha, ¢ nio tua, ‘Mas parece-me que fiz como os ghutdes, que agarram numa prova de cada um dos pratos, 3 medida que os servem, antes de terem gozado suficientemente o primeiro; também eu, antes de descobrir 0 que procarivamos primeito — 0 que € a justica — largando esse assunto, precipitei-me para examinar, a esse propésito, se ela era um vicio ¢ igno- rancia, on sabedoria e virnide; depois, como surgisse novo argumento — que & mais vantajosa a injustica do que a Justica — no me abstive de passar daguele asstanto para este; de tal maneira que dai resultow agora para mim que nada Aiuel a saber com esta discussio. Desde que nfo sei 0 gue € a justiga, menos ainda saberei se se dé-o caso de ela ser urna vide ou nio, ¢ se quem a possiti € out nio feliz. © Sobre este festival, vide supra, nota 2. Aqui, Trastmaco retomuia metitora de gsab, 5t LVRO II Ditas, portanto, estas palavras, julgava eu que estava livre da discussio. Mas, de facto, era apenas o prekidio, 0 que parece. Bfectivamente, Gliucon, que € sempre 0 mais destemide em tudo, também nessa altura nao acei- tou a retirada de Trasimaco, ¢ disse: — © Socrates, queres aparentar que nos persuadiste ou persuadironos, de verdade, dde que de toda a maneira € melhor ser justo do que injusto? = Queria persuadir-vos de verdade ~ respondi — se estivesse a0 meu alcance. — Entio nio fazes o que queres. Ora diz-me: nao te parece que hi uma espécie de bem, que gostariamos de possuir, no por desejarmos as suas consequéncias, mas por ‘0 extimarmos por si mesmo, como a alegria ¢ os prazeres que forem inofensivos ¢ dos quais nada resulta de futuro, sendo 0 prazer de os possuirmos? — Parece-me — disse eu ~ que existe um bem dessa especie. —Baquele bem de que gortamos par si mesma e pelac suas consequéncias, como por exemplo a sensatez, a vista, satide? Pois tas bens, apreciamo-los por ambos os motives. sim ~ repliqaei. = E vés uma terceira espécie de bem, no qual se compreende a gindstica ¢ © tratamento das doencas, © a 53, 3578 35a pritica clinica ¢ outras maneieas de obter dinheire? De tais bens dicfamos que sio penosos, mas uteis, e fo aceita- ramos a stia posse por amor a eles, mas sim ao salirio e a coutras consequéncias que deles derivam. — Bxiste, com efeito, esta espécie ao lado das outras diras, Mas que quieres tu dizer? —Em qual delss colocas a justia? = Acho que na mais bela, a que deve estimar por si mesma ¢ pelas suas consequéncias quem quiser ser feliz. — Ora hem! © parecer da maioria nao é esse, mas sim que pertence a espécie penosa, a que se pratica por causa das aparéncias, em vista do saldrio e da reputagio, mas que por si mesma se deve evitar, como sendo dificultesa. — Eu sei que € esse 0 seu parecer, ¢ ha muito que Tra- simaco censura a justia por esse motivo, ¢ elogia a injustica. ‘Mas sou duito de entendimento, ao que parece. ~ Vamos entio! — prosseguiu ele ~. Presta atengio 2 mim também, a ver se ainda chegas a tet a mesma opinio., Afigura-se-me, na verdade, que Trasimaco ficou fascinado por ti, mais cedo do que devis, como se fosse uma serpente. Quanto 2 mim, a argumentagio de um e de outro lado ngo me satisfez. Desejo ouvir o que € cada uma delas, e que faculdade possui por si, quando existe na alma, sem ligar importincia a saldrios nem a consequéncias, Farei, pois, da segvinte maneira, ¢ se também achares hem: retomarei 0 atgumento de Trasimaco, e, em primcire lugar, ditei o que se afirma scr a justiga, © qual a su2 origcr; scguidamente, que todos os que a praticam, o fazem contra vontade, Como coisa necessirsa, mas nilo como boa: em terceio lugar, que é natural que procedam assim, porquanto, afinal de contas, a vida do injusto € muito melhor do que a do justo, no dizer deles, Porque a mim, 6 Sdcrates, ndo me parece 54 que seja desse modo. Contudo, sinto-me perturbado, com os ouvides azoratadas de ouvir Trasimaco e milares de uteos; a0 passo que falar 2 favor da justica, como sendo superior & injustica, ainda nfo 0 ouvi a ninguém, como é meu desejo ~ pois desejava ouvir elogié-ta em sie por si Contigo, sobretudo, espero aprender esse clogio. Por isso, vou fazer todos os esforgos por exaltar 2 vida injusta; depois mestrar-te-ci de que maneita quero, por minha vee, ouvir- fe censurar a injustiga, € louvar a justica, Mas vé se te apraz a minha proposta, ~ Mais do que tudo — respondi —. Pois de que outro assunto ter mais prazer em falar ou ouvir falar mais vezes ‘uma pessoa sensata? ~ Falas A maravilha ~ disse ele ~. Escnta entdo 0 que ‘eu disse que itia tratar primeiro: qual a esséncia ¢ a origem. a justiga, — Dizem que uma injustica é, por natureza um bem, ¢ sofré-la, um mal, mas que ser vitima de injustica € ura mal maior do que 0 bem que hé em cometé-la, De maneira que, «quando as pessoas praticam ou softem injustigas umas das outras, ¢ provam de ambas, Ihes parece vantajoso, quando no podem evitar uma coisa ou alcangar a outa, chegar a um acordo mtitno, para nlo cometerem injusticas nem. serem vitimas dels. Daf se originou 0 estabelecimento de leis ¢ convengdes entre elas e 2 designagio de legal e justo para as prescricdes da lei. Tal seria a gémese e esséncia da _justiga, quo so citua a meio caminho sntze o maior bor — ‘no pagar a pena das injusticas ~ ¢ © maior mal — ser incapaz de se vingar de uma injustica, Estando a justiga colocada entte estes dois extremos, deve, nao pteitear-se como um bers, mas honrar-se devido 4 impossibitidade de ‘praticar a injustiga, Uma vez que o que pudesse cometi-ta e ES 3590 fosse vetdadeiramente um homem nunca aceitaria a con- vvengao de nio praticar nem softer injustigas, pois seria lou caira, Aqui tens, 6 Sécrates, qual é a natareza da justica, ¢ ‘qual a sua ofigemn, segundo é voz cortente. Sentiremos melhor coo os que observam a justica 0 fazem contra vontade, por impossibilidade de cometerem injustigas, se imaginarmos o caso seguinte. Démos o poder de fazer 0 que quiser 2 ambos, a0 homem justo ¢ ao injusto, depois, vamos arrés deles, para vermos onde € que a pai- xo leva cada um. Pois bem! Apanhé-lo-emos, a0 justo, a ‘aminhar para a mesma meta que 0 injusto, devido 3 anabi- io, coisa que toda a criatura esté por natureza disposta a procurar alcangar como um bem; mas, por convengio, € forcada a tespeitat a igualdade. E 0 poder a que me refiro seria mais o& menos como o seguinte: terem 2 faculdade gue se dix ter sido concedida a0 antepassado do Lidio [Giges). Era ele um pastor que servia em casa do que eta ‘entdo soberano da Lidia. Devido a uma grande tempestade fe tremor de terra, rasgou-se o solo e abrin-se uma fenda no local onde ele apascentava 0 rebanho. Admirado a0 ver tal coisa, desceu por Ke contemplou, entre outras maravilhas que para af fantasia, um cavalo de bronze, ovo, com umas aberturas, espreitando através das quais vin 14 dentro um cadiver, aparentemente maior do ‘que um homem, e que io tinka mais nada seno um ane! de ouro na mio. Armancou-lhe c saiu. Ora, como os pastotes se tivessem scuuide, da manciza habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, 0 que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi le também, com o seu snel, Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acas0 uma volta ao engaste do ancl pata dentro, em direeglo 3 parte interna da mfo, ¢, 20, fazer isso, tomou-se invisivel para os que estavam a0 lado, 56 05 quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mio pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visivel. Tendo ‘observado estes factos, experimentou, a ver se 0 anel tinha aquele poder, ¢ verificou que, se voltasse 0 engaste para dencro, se rornava invisivel; se o voltasse para fora, ficava visivel, Assim senhor de si, logo fez com que fosse un dos delegados que iam junto do rei, Uma vez i chegado, seduzin a mulher do soberano, ¢ com o atxiio dela, atacou-o ‘e matou-o, ¢ assim se assenhoreou do poder‘. Se, portanto, houvesse dois anéis como este, ¢ 0 homem justo pusesse um; € 0 injusto outro, nio haveria rninguém, a0 que parece, tio inabalével que permancersse ne caminho da justiga, © que fowse capaz de se abster dos bens alheios ¢ de no thes tocar, sendo-the dado tirar 3 ‘vontade 0 que quisesse do mercado, entrar nas casas ¢ unir- se a quem Ihe apetecesse, matar ou libertar das algemas 4 quem lhe apronvesse, ¢ fazer tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aot deuses. Comportando-se desta imaneia, 0s seus actos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam © mesmo caminho. E disto se poderé afirmar que é uma grande prova, de que ninguém € justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que a justia no € um bem para si, individualmente, uma vez * Giges fei ori da Ti, 0 6p.tst aC, dpe de ter aseasi- nado 0 monarea anterior, Candaules,e de ter desposado a visa deste. As circunssineiss romaneseas da historia foram natradas por Heréuloto (I. 812) ¢ serviram também de tema a uma tragé- dix, de que se recuperou num papiro vim fragmento de 16 ver- fox, mas que te ndo sabe datar, A parte relativa 20 anel € exclu- siva de Plat 37 361a que, quando cada um jelga que Ihe € possivel cometer injusticas, comete-as. Efectivamente, todos os homens acreditam que thes € muito mais vantajosa, individuaimente, a injustigs do que a justiga, E pensam a verdade, como dir o defensor desta argumentaglo, Uma vez que, se alguém que se asenhoreasse de tal poder no quisesse jamais cometer injustigas, ner» apropriar-se dos bens atheios, parecetia aos que disso soubessem muito desgracado ¢ insensato, Con- tudo, haviam de elogiéclo em presengs uns dos outros, en- ganando-se reciprocamente, com receio de serem vitimas de alguma injustica. Assim sio, pois, estes factos. ‘Quanto 4 escolha, em si, entre as vidas de que estamos a falar, se considerarmos separadamente © homem mais justo ¢ 0 mais injusto, seremos capazes de jugar correcta mente, Caso conttirio, nfo. Qual € entio essa separagio? E a seguinte: nada tiremos, nem ao injusto em injustica, hem a0 justo em justica, mas suponhamos gue cada um, deles & perfeito na sua maneira de viver. Em primeiro lugar, que o injusto faca como os artistas qualificados — como um piloto de primeira ordem, ou um médico, repara no que é impossivel e no que é possivel fazer com a sua arte, ¢ mete ombros 2 esta tarefa, mas abandona aquela,E ainda, se vacilar nalgum porto, € capaz de © corri- gr. Assim ainbém © homem injusto deve meter ombros 08 seus injustos empreendimentos com correcclo, pas- sando despercebido, se quer set perfeitamente injusto. Ee pouca conte devers terse quem for apanhade. Pais supra-sumo da injustiga € parecer justo sem o ser. Démos, pportanto, ao homem perleitamente injusto a mais completa injustica; ndo The tiremos nada, mas deixemos que, a0 cometer as maiores injusticas, granjeie para si mesmo a mais. excels fama de justo, ¢, se acaso vacilar nalguma coisa, seja 58 capaz de a reparar, por ser suficientemente habil a falar, pare persuadit; ¢, se for denunciado algum dos seus crimes, que exerga a violéncia, nos casos em que ela for precisa, por meio da sua coragem & forga, ou pelos amigos ¢ riquezas que tenha granjeado. Depois de imaginarmos uma pessoa destas, cologuemos agora mentalmente junto dele um homem justo, simples © generoso, que, segundo as palaveas de Esquilo "nfo quer parecer bom, mas sélo, Tizemnos-be, pois, essa aparéncia, Porquanto, se ele parecer justo, terd hontarias ¢ presentes, por aparentar ter essas qualidades. E assim nio seré evidente se € por causa da justiga, se pelas didivas ¢ honrarias, que ele € desse modo. Deve pois despojar-se de cudo, excepto a justiga, ¢ deve imaginar-se ‘como situado a0 invés do anterior. Que, sem cometer falta alguma, tena a repatalo da mixima injustiga, a fim de ser provado com a peda de toque em relacio A justia, pela suz recusa a vergar-se ao peso da mé fama c suas consequéncias, Que caminhe inalterdvel até 4 morte, parecendo injusto toda a sua vida, ras sendo justo, a fim de que, depois de te- rem atingido ambos o extremo limite um da justiga, outro ‘&cinjustica, se julgue qual deles foi o mais feliz. — Céust Meu caro Gléucon! — exclamei eu ~, Com que vigor te empeahas em limpar ¢ avivar, como se fosse uma estétua, cada um dos dois homens, a fim de os subme~ ter a julgamentot ~ © mais que posso — respondeu cle ~. Sendo eles assim, ji no hi dificuldade alguma, segundo creio, em prosseuir na discussio relativa ao género de vida que aguarda cada um. Digamos, pois. E se for dito de maneira tum pouco tude, pensa que nfo son ew que filo, 6 Socrates, ° Os Sete conta Tebas $92. 59 mas aqueles que honram a injustiga em vez da justiga. Dirio cles 0 seguinte: que 0 justo que delincei desta mancira seri chicoteado, rorturado, feito prisioneizo, queimar-lhe-io os olhes ¢, por tltimo, depois de ter sofide roda a espécie de males, sera empalado e compreenderé que se deve querer, nio sce justo, mas parecé-lo. O dito de Exquile aplicar-se-ia muito melhor ao injusto, Bfecrivamente, dirdo que o injusto, preceapando-se com aleangar uma coisa real, ¢ nio vivendo para a aparéncia, nfo quer parecer injusto, mas sélo' ‘olkendo, em espirite,e frute do sulco profundo do qual germinant as boas resoluges. ‘Em primeiro lugar, manda na cidade, por parecer justo; ‘em seguida, pode desposar uma mulher da fatnlia que qui- ser, dar as filhas em casamento a quem lhe aprouver, fazer aliancas, formar empresas com quem desejar, e em tudo isto gattha e luera por nio se incomodar com a injustica. De acordo com isto, quando entra em conflito pablico ou pri- vado, é ele que prevalece e leva vantagem aos adversirios, essa vantagem filo enriquecer ¢ fazer bem aos amigos ¢ ‘mal aos inimigos, e efectuar sacrifcios aos deuses e fazer- -thes oferendas numerosas, magnificas mesmo, ¢ prestar hhonras aos deuses © aqueles, dentre os homens, que The aprouver, muito methor do que o justo, de tal maneira que & natural, segundo todas as probabilidades, que ele seja mais favoreeide pelos deuses do que © homem justo. E assim que se afirma, 6 Sécrates, que junto des deuses ¢ dos homens homem injusto granjeia melhor sorte do que o justo. » Oi Sete contra Tebas $9394. 6 Ditas estas palavras por Glétcon, eu tinha em mente replicar-lhe, pot minha vez, mas 0 iemio dele, Adimanto, perguntou: — Tu nio pensas, 6 Sécrates, que ji se disentin suficienternente 2 questio? —E porque no? — respond, —Nio se disse aquilo que mais importava discutir. — Pois bem — continuci ~ € como no provérbio, wn imafo vem em socorre do outta, De modo que acode-Ihe cu também, se ele deixow a desejar nalguma coisa. Contudo, 0 certo é que o que ele disse bastou para me por fora de combate € me incapaciar de defender a justica. ~ Estis a dizer coisas sem sentido ~ retrucou ele ~. Mas ouve ainda mais isto que te vou dizer. Pois € preciso que examinemos também as afirmagdes contrarias 3s que cle fez, 23 daqueles que honram a justiga e vieuperam a in- Jjustiga, a fim de tomar mais claro aquilo que Gliucon me pparece querer dizer. Os pais apregoam ¢ recomendar aos filhos, bem como todos aqueles que tém alguém a seu car- go, a necessidade de se scr justo, sem elogiarem a coisa em 5i, a justiga, mas © bom nome que dela advém, a fim de que aquele que parece ser justo receba dessa fama magistraturas, despos6rios e quantas outras vantagens Gléucon hi poutco enumerou, € que o justo tem, devido 4 sua reputagio. Mas esses homens ainda encarecem as vantagens do renome. Aviram pata a blanca o favor dos deuses,e ficam com um sem niimero de bens para apregoas, que aftrmam serem ou- torgados pelos deuses aos homens piedosos. Como dizem o bbom do Hesiodo e Homero. Aquele, afrmando que para os |justos fazem 05 deuses com que os carvalhos adem glandes lino cime ¢ abethas no meiow e acrescenta que «as lanigeras ovelhas se carregam com 0 seu velov’,€ muitos outros bens * Hesiodo, Tiahathese Dias 232-033. 61 3634 dessa espécie. O outro fala também de mancisa semelhante, quando diz’ wcomo a de tom rei bus, que, sendo temente acs dese, obedece wo diet. A tera negra produ {rg eave, as dvorescareganse de sto, as ovlhas dé sempre cas 0 mar fonrce peta “Museu ¢ © seu filho* ourorgam aos justos, por parte dos deuses, bens ainda mais explendorosos do que estes. Bfectivamente, levamenos em imaginagio av Hades, ius- talam-nos 3 mesa, preparam-thes um banquete dos bem= -aventuraddos, coroando-os de flores, ¢ frzem-nos passa todo © tempo, dat em diants, 2 embriagar-se, imaginando que © mais formoso salério da virtude ¢ wma embriaguez 9 Odlsoia xrx. 109-113. © texto omite as palevess inicinis desta conhecsda fila de Ulises disfargado a Penélope: Senko, no ina tere inenss mortal {pe ves exe A vase cu cheque vrs linia “Museu era, como seu mestre Onfeu, wm porta mitico da Ti a, Os dois G0 mencionados como epoetasdieist nos ver%0s 1031- -13 de A: Rés de Arist6fanes. Quanto 20 flho de Muses, referido neste texto, devers identifica-se como Eumolpo. Sabre esta ques- tio, vide M. iL. West, The Onphic Poems, Oxford, 1083, cap. Ie 2 ‘Antigamente, ¢ seguindo, aids, na esteira de Plurareo (Cimon cf Lucullus 2}, vio-se neste passo uma critica 30 Orfismna © suas crengas oscutolégiens, Poréen, hé motives pars stpor que devem ett abrangidosrtnis de mais do que uma seta CEE R Doddx ‘The Grecks and the inational, Berkeley 29st p. 234, 7. 82. Por outro lado, 08 sucessivos achadlos de inscrighes em laminas de ouro (em Hipponion © na Tessila), de graft! fem Olbia} c, sobronico, do Papito de Derveni, tem sido objecto de numerosos estudos, que ‘fo coudvciram, ainda, a concludes seguras. cy petpétua °, Outros alargam ainda mais do que estes os beneficios por parte dos deuses, pois afirmam que do homem puro e fiel aos seus juramientos permanecem os filhos dos ios e a raga vindoura*, Sio estes € outros clogios no género os que eles fazem a justiga, Quanto aos homens impios ¢ injustos, esses, pelo contrario, enterram- -nos no lodo no Hades, ¢ obrigam-nos a tansportar gua xnum crivo, e ainda em vida Ihes impuram mé fama’. E todos os castigos que Gliucon enumerou relativamente 20s ,justos que aparentam serem injustos, esses atribuern-nos 403 injustos, nem cém mais que thes aplicar. Eis aqui, portanto, louvor e vinnpério para cada uma das classes. A actescentar 4 estas opinides, examina ainda, 6 Sécra- tes, uma cutra espécie de argumentos sobre a justica ¢ a injustiga, proferidos quer por leigos quer por artisias de verso, Todos em unissono entoam hinos sobre a beleza da temperanga ¢ da justiga, emabora dificeis ¢ trabalhosas, a0 paso que a intemperanga ¢ a injustica sio coisa suave e facil de aleancar, odiosas apenas a fama e 4 lei, Proclamam que a injustica é, em geral, mais vantajosa do que a justiga, ¢ estio prontos a pretender que sio felizes os maus, xe forem ricos 7 Cf. Aristofonte, CGF m, 364, ¢ a8 observagies que sobre ese fagmento cémii Szeraos cin Conapyies Helos de Fliidade 1 Alig de Homer a Patio, pp 38-59 * CE Mestodo. Teshallos Dia 28s. * Sobre as origens desta crenca popular (também referda por Platio no Felon 690), relativa aos castigos no Hades, veja-se o 20890 ‘estudo acima ctado, pp. 49's Quanto ao eransporte de dgua em ‘aos perfurados,fgurava como castigo dos nioviniciados as pine tras que Polignoto fez para Leabe dos Cnidis em Defoe (des cenins por Pausinins 909-0), 63 ° 364a

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