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Margarida Calafate Ribeiro ¥, Maria Paula Meneses (orgs.) Mocambique: das palavras escritas | Literatura Mocambicana: os trilhos € as margens Francisco Noa ‘Ao falarmos de trilhos e de margens em relecfo @ literatura mogambicana, que- remos vincar a sua condigo de sistema semiético que, apesat de aut6nomo, mantém uma relagio dindmica ¢ estruturante no s6 com outros sistemas semiticos, mas também com o contexto histérico e social em que as obras vo surgindo. ‘No permanente jogo de representagSes de quea atte africana, no seu todo, & pro- diga, invariavelmente se tecem, diluem e refazem as fronteiras entre obra ¢ contexto, rnuma reinvengio quase sempre vibrante quer do vivido quer dos artficios compo- sitivos que desafiam tanto a establidade conceptual da arte como a da propria estru- tuca do real ‘A imagem de outras literaturas produzidas em espacos saidos da dominagio colonial, em especial as de lingua oficial portuguesa, a literatura mogambicana, enquanto fendmeno de escrita, apresenta as seguintes caracteristicas dominantes: iodo da vgtcie d sistema colons “éuma 9s de existincias raduz 05 paradoxos ¢ complexidades geradas pela colonizacto, como sejam, teratura escrita e difundida na lingua do colonizador, dualismo cultural ow lacdo entre a absorgdo e negacgo dos |. maior parte dos textos € i difundida sobretudo na imprensa, facto que iré previlecer sensivelmente até | rmeados da década de 80; + €um fenémeno essencialmente urbano. creer Mocambique: das polauras esenias DAS ORIGENS E DA MATRIZ IDENTITARLA: 0 PENDULO DO ASSIMILADO Se é verdade que desde o século XVI circulavam na entio colénia de Mogambi- ‘que textos alicercados n&o s6 em padrOes estéticos predominantemente europeus, mas também escritos por autores de origem portuguesa, ser n pponséveis por textos que se instituirio como os verdadeiros precursores da liter mocambicana, De referir qu em especial na Ilha de Mogam- bique,entéo capital da colina, circulos i$ cujo imagindtio e inte- resses estavain profundamente enraizados e identificados com a mundividéncia portuguesa, Um poeta como Jost Pedro Campos Oliveica traduz jf na sua escrita alguma preocupacio temética com Mocambique, embora pouco signifi pouco consequente, tendo em vista o conjunto daquilo que vird a ser a literatura mogambicana, E nesse jé distante século XIX que se instala a imprensa em Mogambique. A sua relevincia decorre nio s6 deter sido o grande respaldo da di também por se ter inst toda uma sociedade, seus interesses e seu comportamento, bem. como pelo facto de ter funcionado como 0 grupo de pressio mais importante antes da indepencéncia As elites que, entretnt,surgem nos princtpos do sculo 1X constituidas por assimiladost — tendo como epicentro Lourenco Marqu tal da col6nia, em 1897 - desenvolveram uma marcant jornalistica? através da qual se insurgiam contra asa geradas pela colonizagio, ao mesmo tempo que defendiam direitos de cidadania para a maioria negra marginalizada, vilipendiada e analfabeta. Apesar deste enga~ jamento, mais civico que politico, néo existia propriamente uma consciéncia rem o sistema colonial era posto em causa na sua essénci da, incontornavel pioneira de intelectualidade moambi Aste propésito, enquanto que Mirio Pinto de Andrade (1998: 77) considera que estamos perante um «protonacionalismo» cujo discurso tem um cardcter fragmen- (A) Negros mestigs cue cidadania era condcionada por mecanismos aultarativosfr- snulados numa le de gfcepsfo, a Portaria do Asiilade sada em Jancto de 1917 (Roche, 1996). (2) Além dese reunirem num movimento associat, 0 Grémio Africano de Lourengo “Marques (GAEM), of ntivoscraram asjoenais O Arcana (1998) ¢O Bra African (1918) Literatura Mocambicare: 0s thos: « as marge descontinuo ¢ ambivalente, Aurélio Rocha (1996: 43), por seu lado, efere-se 3 inconsisténcia da sua producio ideolégica, apesar de seu discurso. A imagem das outras ais morambicanos, e 3s aftican: 10 espago col caliente os negros e igos, provém, na sia igo considera que 1m na lingua da colonizagio, tn a sua emergencia urbanismo, ergy do espaco «que introduz, por isso mesmo, u da do ruralismo caracterstca da Africa p ilosofia de vide tao diferente ial (sid: 53) Uma das figuras de maior relevo entre esses ass sini que, com 0 seu irmio, José Albasini, fandou tarde, O Brado African nativismo quase Militante expresso no uso recorrent ronga e na defesa cloquente da instrugdo dos seus «i ios fo} 0 jornalista JoBo Alba- al O African (1908) e, yeto das varias atifarin, de que os pobres esobretude, pug nnaremos pela instrugao. Mestigo,filho de pai portugués e mae negra, do grupo étnico ronga, Joto Alba- sini € 0 autor da primeira obra de ficg0 mocambicana, O Livro da Dor (edigio pés- ‘uma, 1925), lo de cracterisicasautobiogrifias atavessdo por um marcado tom ultca-romantico Quase na mesma ha estética surgird o poeta Rui de Noroi inspirado intensamente pela poesia portuguesa do século XLX, t em edigdo péstuma, Sonetos (1946). Numa recente edigto c Noronha, intitulada Meus Versos (2006) e « responsabilidade rigorosa ¢ exaustiva de Fatima Mendon«

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