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Como ser crente em um mundo de descrentes JOHN MACARTHUR, JR. Como ser crente em um mundo de descrentes © 2003, Editora Cultura Crista. Originalmente publicado em inglés com o titulo How to Survive in a World of Unbelievers, Copyright © 2001 by John MacArthur, Jr. pela W Publishing, uma diviséo da Thomas Nelson, Inc., 501 Nelson Place, P.O.Box 141000, Nashville, TN, 37214- 1000, USA. Todos os direitos so reservados. 1* edigdo em portugués ~~ 2003 3.000 exemplares Tradugao Claudino Batista Marra, Jr. Revisdo Madalena Torres Editoragao Eliziane de Aratijo Capa Magno Paganelli Publicagiio autorizada pelo Conselho Editorial: Claudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Luis Ramos, Mauro Fernando Meister, Otivio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebastiio Bueno Olinto, Valdeci Santos Silva ISBN 85-86886-88-2 €DITORA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Junior, 394 — Cambuci 01540-040 - Sao Paulo - SP — Brasil C.Postal 15.136 ~ So Paulo ~ SP — 01599-970 Fone (0°11) 3207-7099 — Fax (0"*11) 3209-1255 ‘www.cep.org.br ~ cep@cep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Claudio Antonio Batista Marra Sumario dak unere hoor: a ossssceecce ris piasssesccetrt ters aosreccr certo ceteris 1. A Humildade do Amor 2. Desmascarando o Traidor 3. As Marcas do Cristéo Dedicado. : 4, A Solugao para um Cora¢ao Perturbado .. 63 5. Jesus E Deus 6. O Espirito Vem para Consolar 7. A Paz de Cristo .. i. Sate 107 8. O que a Morte de Jesus Sigifcou paral Ele 121 9. A Videira e os Ramos... Bidet te +135 10. Os Beneficios da Vida. em Cristo | 7 11. Como Ser Amigo de Jesus .. 12. Odiado sem Motivo.. Guia para Estudo ............ INTRODUCAO wes Sem dtivida, um dos mais comoventes e poderosos ensinamentos em todo o ministério terreno de Jesus acon- teceu na tltima noite que ele passou com seus discfpulos antes de ser crucificado. A ocasiao foi a celebracao da Pas- coa, comumente conhecida como a Ultima Ceia. O minis- tério terreno de Jesus junto as massas havia terminado ha pouco e ele passou a dedicar exclusivamente aos apdsto- los o seu tempo de ensino (Jo 13—16). Esse ministério ocor- reu em um curto espaco de algumas horas, imediatamente antes de ser preso e levado a julgamento; e em um lugar, 0 Cenaculo. Durante aquelas horas, Jesus comunicou aos seus disci- pulos — e consequentemente a todos os crentes ao longo da Historia — sua 1iltima vontade e testamento. Essa é a he- ranga de cada crente em Cristo. Sera nosso privilégio olhar para aquelas palavras de encorajamento e desafio em Como Ser Crente em um Mundo de Descrentes. Mas nos iremos ape- nas arranhar a superficie de uma parte da rica promessa contida em apenas trés capitulos do discurso final do Se- nhor. Vocé ira ver facilmente que nem mesmo uma vida inteira de estudos alcangaria as profundezas de tudo que 8 Como Ser Crente ev uM Munno pe Descrenres ele nos ensinou sobre como viver para ele em um mundo descrente. Aqui vai uma antevisao das ricas verdades que estudaremos em Joao 13 — 16: Cristo deu provas do seu antor. Jesus... “levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu- se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido” (Jo 13.4,5). Depois, Pedro e os outros discipulos conheceriam o amor de Cristo através de sua morte expiatoria. No Cendculo, porém, eles tiveram uma rapida visdo desse amor no ato de Jesus lavar-lhes os pés. Jesus deu esperanca do céu. “Nao se turbe 0 vosso coragaéo; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai ha muitas moradas. Se assim nao fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vés também” (14.1-3). Naqueles dias em Israel, quando um filho se casava, no- vas instalagdes eram acrescentadas a casa de seu pai. Ge- ragdo apés geragdo da grande familia viviam conjuntamente em um lar. E assim que é 0 céu. Nos estare- mos todos na casa do Pai. Jesus esta preparando as nossas instalagGes. Nosso Senhor nos deu a garantia do poder. “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que cré em mim fara tam- bém as obras que eu fago e outras maiores faré, porque eu vou para junto do Pai” (14.12). Jesus nao quis dizer que os discipulos fariam obras que fossem maiores que as dele em qualidade ou tipo, mas que eles fatiam obras que eram maiores em extensao. Durante 0 ministério de Cristo na terra ele encarou principalmente rejeicao, e ele nunca dei- xou a pequena Palestina. Mas no dia de Pentecostes o Es- pirito de Deus desceu e os apdstolos comecaram a pregar e revolucionaram Jerusalém. Depois, quando a perseguigao veio sobre os cristaos em Jerusalém, eles se espalharam pela 9 Samaria e Judéia, pregando o Evangelho por onde passa- vam. Depois 0 apdstolo Paulo e seus companheiros espa- Tharam o Evangelho em muitas outras terras. Esse processo ainda continua em nossos dias. Jesus deu a garantia do atendimento. “... e tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (14.13,14). Orar em nome dele é trazer diante de Deus peticdes que sao condizentes com quem ele 6. A oragado nao é meramente para satisfazer nosso de- sejos egoistas e nao é para dissuadir Deus de fazer o que ele de qualquer modo fara. A oracdo é para dar a Deus a oportunidade de mostrar-se a si mesmo de modo que nés possamos louva-lo pelo que ele esta fazendo. O Salvador nos deu o dom do Espirito. “... e eu rogarei ao Pai, e ele vos dara outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, 0 Espirito da verdade...” (14.16,17a). Jesus prometeu um Consolador ou Confortador sobrena- tural, exatamente como ele. Esse Consolador € 0 Espirito, o Espirito de Cristo. Ele vive nos discfpulos de Cristo, nao apenas perto deles. Ele os enche de poder e quando eles pregam converte aqueles que serao salvos. O seu trabalho éconvencer “o mundo do... pecado, porque nao créem em mim; da justica, porque vou para o Pai, e nao me vereis mais; do juizo, porque o principe deste mundo ja esta jul- gado” (16.8-11). O Senhor deu a cada verdadeiro seguidor a posse da verdade divina, a Palavra de Deus. “...o Consolador, 0 Espirito Santo, a quem o Pai enviard em meu nome, esse vos ensinara to- das as coisas e vos faré lembrar de tudo 0 que vos tenho dito” (14.26). Essa promessa tinha uma aplicacao imediata aos escritores do Novo Testamento, os apéstolos pregado- res da era inicial da igreja. Era uma promessa de inspira- cao verbal. O Espirito Santo lhes traria 4a lembranga tudo que Jesus hes havia ensinado, ¢ os ensinaria mais ao longo 10 Como Stk Ckente ev um Munbo op Descrentes dos anos a medida que 0 servissem. A Biblia é correta, por- que o Espirito Santo nunca mente. Nao existe mentira nele; ele 60 “Espirito da verdade” (14.17; 15.26; 16.13). Além disso, ele prometeu o dom da paz. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; nao vo-la dou como a da 0 mundo. Nao se turbe 0 vosso coragao, nem se atemorize” (14.27). Um tipo de paz nas Escrituras é a paz com Deus. “Perto esta o Senhor”, Paulo escreve em Filipenses 4.5. Mas isso nao é uma referéncia 4 Segunda Vinda. E uma referéncia a pre- senca do Senhor na nossa vida hoje. Porque ele esta perto, nao deveriamos estar “ansiosos por coisa alguma” (v.6). Ele prometeu a ben¢ao do fruto espiritual. “Eu sou a videi- ra, vOs, OS ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse da muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). O fruto é 0 produto de uma vida que tem conti- nua vitalidade. Ele vive além de nés; é algo que nés re- produzimos. Os cristaos sao parte de um produto que ira pela eternidade como circulos em um lago eterno. Nés temos vidas que irao reverberar através de todos corre- dores do céu de eternidade em eternidade. De um modo tranqiiilizador, Cristo também prometeu a dor da perseguicao. “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vés outros, me odiou a mim. Se vés fésseis do mundo, o mundo amaria 0 que era seu; como, todavia, nao sois do mundo, pelo contrario, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (15.18,19). O servo nao é maior que o seu Senhor. O mundo odeia e rejeita a mensagem do pecado. Cristo desmascara 0 mundo e revela o seu pecado. Assim 0 mundo 0 odeia e odeia a nés. Jesus preveniu os seus disci- pulos: “Tenho-vos dito estas coisas para que nado vos escandalizeis” (16.1). Finalmente, ele prometeu a verdadeira alegria. “Tenho-vos dito estas coisas para que 0 meu gozo esteja em vés, e 0 vosso g0z0 seja completo” (15.11). A alegria 6 0 resultado de tudo quanto Jesus disse, tudo que eles nos deu. Uma un mulher tem agonia quando esta em trabalho de parto, mas quando da 4 luz a crianga ela nao se lembra mais da dor. Os crentes passarao por tristezas e passarao por circuns- tancias dolorosas, mas dessas mesmas circunstancias vird a maior alegria. Jesus diz, “outra vez vos verei; e 0 vosso coracgao se alegrard, e a vossa alegria ninguém podera ti- rar” (16.22b). A minha oragao ao apresentar este livro 6 que aqueles que conhecem Jesus Cristo como Senhor e Salvador cres- cam na compreensao das riquezas que sao suas, por causa do amor dele por vocés. E, se vocé nao 0 conhece, que o Senhor o convenga da sua necessidade de render-se com- pletamente a ele. Na medida em que juntos estudamos esses capitulos, que o Espirito de Deus imprima em cada um a importan- cia de se dar completamente a ele que livremente se entre- gou por nos. UM 1B A HUMILDADE DO AMOR Nos vivemos em uma geracaéo muito orgulhosa e egoista. As pessoas agora consideram aceitavel e até normal que os outros se promovam, se louvem e se coloquem em pri- meiro lugar. Muitos consideram 0 orgulho como uma vir- tude. Por outro lado muitos véem a humildade como uma fraqueza. Todo o mundo, ao que parece, esta reivindican- do seus préprios direitos e procurando ser reconhecido como alguém importante. A preocupacgao com a auto-estima, amor-préprio e autoglorificagado esta destruindo os préprios fundamentos sobre os quais a nossa sociedade foi construida. Nenhuma cultura pode sobreviver ao orgulho desenfreado, porque toda sociedade depende de relacionamentos. Quando as pessoas estao comprometidas consigo mesmas em primei- ro lugar, os relacionamentos se desintegram. E é exatamente isso que esta acontecendo na nossa cultura na medida em que amizades, casamentos e familias desmoronam. Lamentavelmente, a preocupagao egoista penetrou na igreja. Talvez o fendmeno que mais rapidamente cresce no Cristianismo moderno seja a énfase no orgulho, auto-esti- ma, auto-imagem, auto-realizacdo e outras manifestagdes 4 Como Ser Crenre ev UM MuNbo n Dascrenres de egoismo. Disso esta emergindo uma nova religiao de egocentrismo, orgulho e até arrogancia. Vozes de todas as partes do espectro teolégico nos chamam para nos unir- mos ao culto da auto-estima. Porém, as Escrituras deixam claro que 0 egoismo nao tem lugar na teologia crista. Jesus ensinou repetidamente contra o orgulho. Com a sua vida e com o seu ensino ele exaltou constantemente a virtude da humildade. Em ne- nhum outro lugar isso fica mais claro do que em Jodo 13. “ELE OS AMOU ATE O FIM” O capitulo 13 marca um momento decisivo no evange- tho de Joao e no ministério de Jesus Cristo. O ministério ptiblico de Jesus junto ao povo de Israel tinha completado oseu curso e terminado em completa rejeigéo da parte deles a Jesus como 0 Messias. No primeiro dia da semana Jesus tinha entrado em Jerusalém em triunfo aos gritos entusias- ticos do povo. Mas eles nunca entenderam verdadeiramen- te o seu ministério e sua mensagem. A época da Pascoa tinha chegado e na sexta-feira ele seria terminantemente rejeitado e depois executado. Deus, contudo, transforma- ria essa execucao no grande e final sacrificio pelo pecado, e Jesus morreria como o verdadeiro Cordeiro Pascal. Ele veio para 0 seu préprio povo, os judeus, “e os seus nao o receberam’ (Jo 1.11). Entao ele deixou 0 seu ministério pui- blico para dedicar-se a intima comunhao de seus discipulos. Agora era o dia anterior 4 morte de Jesus e em vez de estar preocupado com pensamentos sobre a sua morte, so- bre levar os pecado e sobre glorificagao, ele estava totalmente consumido pelo amor aos seus discipulos. Mesmo sabendo que logo iria para a cruz para morrer pelos pecados do povo, Jesus ainda estava preocupado com as necessidades de doze homens. Seu amor nao foi e nunca é impessoal — esse 6 0 seu mistério. A Humildade do Amor 15, Naquelas que foram literalmente as tiltimas horas antes da sua morte, Jesus continuou a mostrar repetidamente o seu amor aos seus discipulos. Joao relata uma demonstra- cao grafica desse amor: Ora, antes da Festa da Pascoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Durante a ceia, tendo ja 0 diabo posto no cora- cdo de Judas Iscariotes, filho de Simo, que traisse a Jesus, sabendo este que o Pai tudo confiara as suas maos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus, levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cin- giu-se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Aproximou-se, pois, de Simao Pedro, e este lhe disse: Senhor, tu me lavas os pés a mim? Respondeu-lhe Jesus: O que eu fago nao o sabes agora; compreendé-lo-ds depois. Disse-lhe Pedro: Nunca me la- vards os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo. Entao, Pedro lhe pediu: Senhor, nao somente os pés, mas também as mos e a cabega. Decla- rou-lhe Jesus: Quem ja se banhou nao necessita de lavar senao os pés; quanto ao mais, esta todo limpo. Ora, vés estais limpos, mas nao todos. Pois ele sabia quem era 0 traidor. Foi por isso que disse: Nem todos estais limpos. Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, vol- tando a mesa, perguntou-lhes: Compreendeis 0 que vos fiz? Vés me chamais 0 Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu 0 sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vés deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, fagais vés também. Em verdade, em verdade vos digo que o servo nao é maior do que seu senhor, nem 0 enviado, maior do que aquele que 0 enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes (Jo 13.1-17). E muito provavel que Jesus e seus discipulos tinham estado se escondendo em Betania nessa ultima semana 16 Como Sar CrenTe £4 UM MUNDO DE DEscrENTES antes da crucificagao. Tendo chegado de 1a (ou de algum outro lugar préximo de Jerusalém) eles haviam passado por estradas extremamente pocirentas. Naturalmente, ao final da viagem os pés deles estavam cobertos de poeira. Qualquer pessoa naquela cultura encontrava o mesmo problema. Sandalias pouco faziam para afastar a sujeira dos pés e as estradas eram uma grossa camada de poeira ou uma profunda massa de lama. Na entrada de todo lar ju- deu havia um grande pote de agua para lavar pés sujos. Normalmente, lavar os pés dos que chegavam era 0 traba- lho do escravo de mais baixa condicaéo. Quando os convi- dados chegavam ele tinha que ir até a porta e lavar-lhes os pés — 0 que nao era uma tarefa agradavel. De fato, lavar os pés provavelmente fosse o seu trabalho mais abjeto e so- mente escravos faziam isso para os outros. Mesmo os disci- pulos de rabinos nao eram obrigados a lavar os pés de seus mestres — essa era tarefa unicamente de escravo. Quando chegaram ao Cendculo Jesus e os seus discipu- los nao encontraram um escravo que lhes lavasse os pés. Apenas alguns dias antes Jesus havia dito aos doze: “ quem quiser tornar-se grande entre vs, sera esse 0 que vos sirva; e quem quiser ser 0 primeiro entre vés sera vosso servo” (Mt 20.26,27). Se eles tivessem se dedicado de men- te e coracdo aos seus ensinamentos, um dos doze teria lava- do os pés dos outros, ou teriam todos dividido a tarefa. Podia ter sido uma coisa bonita, mas por causa do seu ego- ismo isso nunca lhes ocorreu. Uma passagem paralela em Lucas 22 nos da uma idéia exata de quanto eles eram egois- tas e sobre 0 que eles estavam pensando naquela noite: Suscitaram também entre si uma discussao sobre qual deles parecia ser o maior. Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade sao chamados benfeitores. Mas vés nao sois assim; pelo contrario, 0 maior entre vés seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve (Lc 22.24-26). A Humildade do Amor 17 Que triste cena foi aquela! Eles estavam brigando so- bre quem seria o maior. E numa discussao sobre quem é o maior ninguém se abaixaria até 0 chao para lavar pés. A bacia estava 14, a toalha estava ld e tudo estava pronto. Mas ninguém se moveu para lavar os pés dos outros. Se alguém naquele aposento devia estar pensando so- bre a gloria que viria a ser sua no reino, esse alguém era Jesus. Jodo 13.1 diz que Jesus sabia que a sua hora havia chegado. Ele seguia um cronograma divino e sabia que ia estar com o Pai. Ele tinha consciéncia de que brevemente seria glorificado: “... sabendo este que o Pai tudo confiara as suas mos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus...” (v.3). Mas em vez de estar preocupado com a sua gloria e a despeito do egoismo dos discipulos, ele se dedicou inteiramente a revelar 0 seu amor pessoal aos doze para que nele pudessem estar seguros. O verso 1 diz: “... tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” “Até ao fim” em grego € eis telos, que significa que ele os amou “perfeitamente”. Ele os amou ao extremo. Ele os amou com todaa inteireza do amor. Essa éa natureza do amor de Cristo e ele mostrou isso repe- tidamente — mesmo na sua morte. Quando foi preso ele pro- videnciou para que os discipulos nao fossem presos. Enquanto estava na cruz, ele se certificou de que Joao cui- daria de sua mae pelos anos vindouros. Ele alcancou um ladrao moribundo e o salvou. E espantoso que naquelas ul- timas horas, carregando pecados sobre si, no meio de toda aquela dor e sofrimento, ele tenha notado aquele possivel discipulo pendurado préximo a ele. Ele ama completamen- te, absolutamente, perfeitamente, totalmente, completamen- te, sem reservas. No momento em que a maioria dos homens estaria totalmente preocupada consigo, ele altruisticamente humilhou-se a si mesmo para atender as necessidades dos outros. O genuino amor é assim. E aqui esta uma grande licdo de todo esse relato. So- mente a absoluta humildade pode gerar 0 amor absoluto. 8 Como Str Crente Ev um MuNDo be Descrentes E da natureza do amor ser altruista, doador. Em 1 Corintios 13.5, Paulo escreveu que 0 amor “nao procura os seus interesses”. Para destilar toda a verdade de 1 Corintios 13 em uma afirmacao, poderiamos dizer que a grande virtude do amor é a sua humildade, porque é a humildade do amor que 0 prova e o faz visivel. O amor de Cristo e a sua humildade sdo inseparaveis. Ele nao poderia estar tao consumido com uma paixao por servir os outros se estivesse antes de tudo preocupado consigo mesmo. “AMOR... EM AGOES E EM VERDADE” Como pode alguém rejeitar esse tipo de amor? As pes- soas fazem isso continuamente. Judas fez. “Durante a ceia, tendo ja o diabo posto no coragao de Judas Iscariotes, filho de Simao, que traisse a Jesus” (Jo 13.2). Vocé pode ver a tragédia de Judas? Ele estava constantemente se deliciando na luz, ainda que vivendo trevas. Experimentando 0 amor de Cristo, embora ao mesmo tempo 0 odiasse. O contraste entre Jesus e Judas era arrasador. E talvez seja essa exatamente a razao pela qual o Espirito Santo in- clui o versiculo 2 nessa passagem. Posto contra o pano de fundo do édio de Judas, 0 amor de Jesus vai brilhar ainda mais. Nés poderemos melhor compreender sua magnitu- de quando entendermos que no coracao de Judas estava a mais sombria espécie de ddio e rejeigéo. As palavras de amor com as quais Jesus gradualmente marcou 0 coragéo dos outros discipulos para ele, somente empurraram Judas cada vez para mais longe. O ensinamento pelo qual ele elevava as almas dos outros discipulos parece que apenas fincava mais e mais uma estaca no coragao de Judas. E tudo que Jesus disse em termos de amor deve ter se tornado como ardentes cadeias em Judas. De sua cobiga escraviza- da e sua ambicao frustrada comegaram a saltar citimes, A Hutnildade do Amor 19 maldade e 6dio — e agora ele estava pronto para destruir Cristo, se necessario fosse. Mas quanto mais as pessoas odiavam Jesus e desejavam feri-lo, mais parecia que ele hes mostrava amor. Do ponto de vista humano, seria facil de entender se Jesus tivesse re- agido com ressentimento ou amargura. Mas tudo que Jesus tinha era amor ~ ele enfrentou até a maior injtiria com su- premo amor. Logo ele estaria ajoelhado aos pés de Judas, lavando-os. Jesus esperou que todos estivessem sentados e a ceia servida. Entao, em um inesquecivel ato de humildade que deve ter deixado os discipulos pasmos, “[Jesus] ... levan- tou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido” (Jo 13.4,5). Com calma e majestade, em total siléncio, Jesus se le- vantou, pegou 0 jarro e despejou agua na bacia. Entao ti- rou 0 seu manto, seu cinto e muito provavelmente sua tunica interna — ficando vestido como um escravo — pds uma toalha em volta da cintura e se ajoelhou para lavar os pés dos seus discipulos, um por um. Vocé pode imaginar 0 quanto isso deve ter ferroado o coracao dos discipulos? Que dor, pesar e tristeza deve ter atravessado a todos quando eles estavam na iminéncia de aprender um grande licao. Um deles poderia ter tido a ale- gria de se ajoelhar e lavar os pés de Jesus. Eu tenho a certe- za de que eles ficaram embaragados e com o coragao partido. Nés também podemos aprender desse incidente. Tris- temente, a igreja esta cheia de pessoas que estao apruma- das em sua dignidade quando deveriam estar curvadas aos pés de seus irmaos e irmas. O desejo de proeminéncia é morte para o amor, morte para a humildade e para o ser- vico. Aquele que é orgulhoso ou egocéntrico nao tem ca- pacidade para o amor ou humildade. Conseqiientemente, 20 Como Ser CRENTE EM UM Munpo be DescreNTES qualquer servico que ele possa pensar que estd apresen- tando para o Senhor é um desperdicio. Quando vocé estiver tentado a pensar em sua dignida- de, em seu prestigio, ou nos seus direitos, abra a sua Biblia em Joao 13 e dé uma boa olhada em Jesus — vestido como um escravo, ajoelhado, lavando os pés de homens pecado- res que estao completamente indiferentes 4 sua morte tao proxima. Ir desde a sua deidade em gloria (v.3) até 0 lavar os pés de discipulos inglérios e pecadores (vs.4,5) é um longo passo. Pense nisso. O majestoso, glorioso Deus do universo vem a terra — isso é humildade. Entao ele se ajoe- Tha no chao para lavar os pés de homens pecadores — isso é humildade indescritivel. Um pescador lavar os pés de outro pescador é um sa- crificio de dignidade relativamente pequeno. Mas que Je- sus Cristo, em cujo coracgao pulsa a eterna divindade, curvar-se e lavar os pés de homens comuns - essa é a mai- or espécie de humilhacao. E essa é a natureza da genuina humildade, bem como uma prova de genuino amor. O amor tem que ser mais do que palavras. O apdstolo Joao escreveu: “... ndo amemos de palavra, nem de lingua, mas de fato e de verdade” (1Jo 3.18). O amor que é real é expresso em ago, nao apenas em palavras. “SE EU NAOTE LAVAR, NAO TENS PARTE COMIGO” Em seguida Joao nos apresenta uma das mais interes- santes percepcSes da personalidade de Pedro que nés po- demos encontrar em qualquer parte das Escrituras. Na medida que Jesus ia amorosamente de discipulo em disci- pulo, ele finalmente chegou a Pedro. Pedro deve ter ficado completamente desconcertado e disse em um misto de re- morso e incredulidade: “Senhor, tu me lavas os pés amim?” (v.6), talvez os puxando para tras. A Humildade do Amor 2 Jesus respondeu a Pedro: “O que eu faco nao o sabes agora; compreendé-lo-ds depois” (v.7). A essa altura Pedro ainda pensava que 0 reino estava chegando e que Jesus seria o rei. Como poderia ele permitir ao rei que lhe lavas- se os pés? Somente depois da morte, ressurreicao e ascen- sao do Salvador foi que Pedro compreendeu a total humilhacao de Jesus. E Pedro ficou mais decidido: “Nunca me lavards os pés!” (v.8). Para enfatizar as suas palavras, o evangelho de Joao usou a forma mais forte de negativa na lingua grega. Ele chamou Jesus de Senhor, mas nao se submeteu ao seu senhorio. Esse nao foi um gesto louvdvel de mo- déstia da parte de Pedro. “Respondeu-lhe Jesus. Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo. Entao, Pedro Ihe pediu: Senhor, nao somente os pés, mas também as maos e a cabeca!” (vs. 8,9). Isso era tipico de Pedro — ele foi de um extremo (“Nunca me lava- ras os pés!”) ao outro (“Nao somente os pés, mas também as maos e a cabega!”) Existe um significado profundo nas palavras de Jesus, “Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo”. A mentalida- de tipica do judeu nao podia aceitar o Messias humilha- do. Na mente de Pedro, portanto, nao havia Jugar para Cristo ser humilhado como estava sendo. Entio Jesus teve que fazer com que ele entendesse que Cristo veio para ser humilhado. Se Pedro nao pudesse aceitar esse ato de lavar os pés, ele certamente teria problemas para aceitar o que Jesus faria por ele na cruz. Existe ainda uma outra verdade mais profunda nas pa- lavras de Jesus. Ele mudou da ilustracao fisica de lavar os pés para a verdade espiritual de lavar a pessoa interna- mente. Em todo o evangelho de Joao, quando ele tratava com as pessoas, Jesus falou da verdade espiritual em ter- mos fisicos. Foi assim quando ele falou com Nicodemos, com a mulher junto ao poco e com os fariseus. Agora ele fez isso com Pedro. 22 Como Sex Caente em UM MUNDO pe DescRENres Ele estava dizendo: “Pedro, a menos que vocé permita que eu o lave de um modo espiritual, vocé nao estara lim- po e nao tem parte comigo”. Toda purificagaéo no reino es- piritual ver de Cristo e a tinica maneira de qualquer pessoa estar limpa é ser lavada pela regeneracao por meio de Je- sus Cristo (Tt 3.5). Ninguém tem um relacionamento com Jesus Cristo a menos que Cristo tenha lavado os seus peca- dos. E ninguém pode entrar na presenga do Senhor a me- nos que primeiro se submeta a essa purificagao. Pedro aprendeu essa verdade — ele proprio pregou isso em Atos 4.12: “... néo ha salvacaio em nenhum outro; por- que abaixo do céu nao existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos”. Quando uma pessoa pée sua fé em Jesus Cristo, ela se tor- na limpa, mas nao antes disso. “QUEM JA SE BANHOU ... ESTA TODO LIMPO” Pensando que o Senhor estava falando de limpeza fisi- ca, Pedro ofereceu as maos e a cabeca — tudo. Ele ainda nao tinha entendido o completo significado espiritual, mas ele disse em esséncia: “Qualquer tipo de purificagao que 0 se- nhor tem para me oferecer que me faga ter parte com 0 senhor, eu quero”. Ainda falando de purificagado espiritual, Jesus disse: “Quem ja se banhou nao necessita de lavar sendo os pés; quanto ao mais, esta todo limpo. Ora, vés estais limpos ..” (Jo 13.10). Existe uma diferenga entre um banho e uma lavagem dos pés. Na cultura daquele tempo, a pessoa deveria tomar um banho pela manha para ficar comple- tamente limpa. A medida que o dia avangava, ela perio- dicamente tinha que lavar os pés, por causa das estradas poeirentas, mas nao tinha de tomar banho de novo du- rante o dia. Tudo que ela tinha de fazer era lavar a poeira dos pés quando entrasse na casa de alguém Jesus esta dizendo isso: Uma vez que o interior da sua pessoa foi banhado na redengao, vocé esta purificado. Par- A Humildade do Amor 23 tindo desse ponto, vocé nao precisa de um novo banho — vocé nao precisa ser redimido novamente — cada vez que vocé comete um pecado. Tudo que Deus tem que fazer é tirar a poeira de seus pés todos os dias. Do ponto de vista da sua posigaéo com Cristo vocé esta limpo (como ele dis- se a Pedro no verso 10), mas pelo lado pratico, vocé deve se lavar todos os dias, a medida que vocé anda pelo mun- do e fica com os pés cheios de poeira. E aquela purificacao espiritual dos pés que 1 Joao 1.9 se refere: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e jus- to para nos perdoar os pecados e nos purificar [literalmen- te, continuar nos purificando] de toda injustiga”. Jesus sabia qual dos discipulos estava verdadeiramente purificado pela redencao. Além disso, ele sabia quais eram os planos de Judas para aquela noite: “... ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse. Nem todos estais lim- pos” (Jo 13.11). Isso deve ter feito Judas sentir-se culpado. Judas entendeu. Aquelas palavras, combinadas com o ato de Jesus lavar-lhe os pés, constituiram o que seria 0 ultimo apelo amoroso para que Judas nao fizesse o que ele estava planejando fazer. O que tera passado pela mente de Judas quando Jesus se ajoelhou para lavar seus pés? O que quer que tenha sido, nao deteve os seus planos malignos. “TAMBEM VOS DEVEIS LAVAR OS PES UNS DOS OUTROS” Observe o que aconteceu depois que Jesus terminou de lavar os pés dos discipulos: Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, vol- tando 4 mesa, perguntou-lhes: Compreendeis 0 que vos fiz? Vos me chamais 0 Mestre e o Senhor e dizeis bem; por- que eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e 0 Mestre, vos lavei os pés, também vés deveis lavar os pés uns dos ou- tros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, facais vés também. Em verdade, em verdade vos digo 24 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO oF DEscreNTES, que oservo nao é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que 0 enviou. Ora, se sabeis estas coi- sas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.12-17). Depois de abrir um paréntesis e inserir nele uma ligao de salvacao - um tipo de interltidio teolégico — Jesus vol- tou a verdadeira ligao que ele estava ensinando aos seus discipulos: que eles tinham que comegar a demonstrar humildade. Ele partiu do maior para o menor. Se o Senhor da Gl6- ria estava pronto para cingir-se com uma toalha, assumir a forma de um servo, agir como um escravo e lavar os pés empoeirados de discipulos pecadores, era de se espe- rar que os discipulos se dispusessem a lavar os pés uns dos outros. O exemplo visual que Jesus apresentou foi cer- tamente mais eficaz do que teria sido uma palestra sobre humildade. Foi algo que os discipulos nunca esqueceram (Provavelmente dali em diante eles tenham passado a dis- putar para ver quem pegaria a agua primeiro!). Muitas pessoas acreditam que Jesus estava instituin- do uma ordenanga para a igreja. Algumas igrejas prati- cam 0 lava-pés de modo ritual semelhante a pratica do batismo e da comunhao. Eu nao nada tenho contra essa pratica, mas nao acredito que essa passagem esteja ensi- nando isso. Jesus nao estava advogando um servico de lava-pés formal e ritualista. O verso 15 diz: “... eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, fagais vos também”. A palavra “como” 6 uma traducao da palavra grega kathos, que quer dizer “de acor- do com”. Se ele estivesse estabelecendo o lava-pés como uma ordenanga a ser praticada na igreja, ele teria usado a palavra grega ho, que significa “o que”: “Eu lhes dei um exemplo e vocés devem fazer 0 que eu lhes fiz”. Ele nao esté dizendo: “Fagam o mesmo que eu fiz”. Mais que isso: “Ajam do mesmo modo que eu agi”. O exemplo que nés devemos seguir nao é lavar os pés. Ea humildade. A Humildade do Amor 2 Nao minimizem a licdo de Jesus tentando fazer do lava- pés 0 ponto central de Joao 13. A sua humildade é a verda- deira ligéo — e é uma humildade pratica que governa cada area da vida, cada dia da vida, cada experiéncia da vida. O resultado dessa humildade é sempre um servico de amor - realizando as tarefas menores e humilhantes para a gloria de Jesus Cristo - 0 que derruba a maior parte das idéias populares sobre o que constitui espiritualidade. Algumas pessoas parecem pensar que quanto mais perto vocé chega de Deus, tanto mais vocé tem que se distanciar da humanidade, mas isso nao é verdade. A genuina proxi- midade de Deus é servir ao préximo. Nunca houve qualquer servi¢o sacrificial em beneficio dos outros que Jesus tivesse ma vontade de realizar. Por que seria diferente? Nés nao somos maiores que o Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo que 0 servo nao é mai- or do que seu senhor, nem 0 enviado, maior do que aquele que o enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (vs. 16,17). Vocé quer ser abencoado com satisfacao e felicidade? Desenvolva um coracao de servo. Nés somos seus servos e um servo nao é maior do que o seu mestre. Se Jesus pode descer de uma posicado de divindade para se tornar ho- mem e humilhar-se ainda mais para ser um servo e lavar os pés de doze pecadores sem merecimento, nds deveria- mos estar prontos a sofrer qualquer indignidade para ser- vi-lo. Isso é verdadeiro amor e verdadeira humildade. DOIS BOB DESMASCARANDO O TRAIDOR Judas Iscariotes, que traiu Jesus com um beijo, tornou-se a pessoa mais desprezada da Histéria da humanidade. Sua personalidade é uma das mais sombrias de que existe registro e o nome Judas traz em si mesmo um estigma, refletindo o desprezo que todos sentem por ele. Os escrito- res do Novo Testamento desdenham Judas a tal ponto que em todas as listas dos discipulos dadas nos evangelhos, Judas aparece por ultimo, com uma nota de desprezo de- pois do nome. O édio por Judas Iscariotes era tao profundo nos anos seguintes ao encerramento do canon do Novo Testamento, que diversas lendas incriveis sobre ele se desenvolveram. Elas descrevem ocorréncias bizarras, caracterizando Judas como feio, maligno e totalmente repugnante. Uma delas, no apécrifo Narrativa Céptica, diz que Judas, tendo traido Cris- to, foi infestado de larvas. Conseqiientemente, seu corpo fi- cou téo grande e inchado que, numa ocasiao, quando ele tentava passar em um veiculo por um portao, seu corpo aci- ma do normal bateu no portao, explodiu e fez chover ver- mes em todo o muro. Obviamente, a histéria nao é verdadeira, mas ele ilustra vivamente 0 alto nivel de des- prezo por Judas nos primeiros séculos. 28 Como Ser CrenTe eM UM MUNDO be DescreNres Quando estava no seminario, eu escrevi minha disser- tacdo sobre Judas. Desde entao, eu tenho achado extrema- mente dificil escrever ou ensinar sobre o homem que traiu Jesus. O pecado nunca é mais grotesco do que ele foi na vida de Judas. Quando estudamos Judas e suas motiva- ¢6es, nos colocamos muito perto das atividades de Sata- nas. Mas ha raz6es valiosas para se examinar Judas e seu pecado. Por um motivo, que é entender o amor de Jesus em sua plenitude, avaliar a vida de Judas pode ser de boa ajuda. Ali aprendemos que apesar da enormidade do pe- cado de Judas, Jesus estendeu a mao para o alcangar em amor. JESUS E JUDAS Em Joao 13.18-30, Jesus e Judas vém lado a lado. Nesse ponto vemos claramente 0 mal de Judas contrastado com a absoluta pureza de Jesus Cristo. O feito diabélico que tinha estado inchando o coragao de Judas — a traigéo que ele jé havia comecado a perpetrar — era levado ao climax e Jesus desmascarou Judas como o traidor. Jesus esta falando no inicio dessa poderosa passagem: Nao falo a respeito de todos vés, pois eu conhego aque- les que escolhi; 6, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pao levantou contra mim seu calcanhar. Desde jé vos digo, antes que acontega, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou. Em verdade, em ver- dade vos digo: quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me en- viou. Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espirito e afirmou: Em verdade, em verdade vos digo que um den- tre vés me traird. Entao, os discfpulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia. Ora, ali estava conchegado a Jesus um dos seus discipulos, aquele a quem ele amava; a esse fez Simao Pedro sinal, dizendo-lhe: Per- gunta a quem ele se refere. Entao, aquele discipulo, recli- Desmascarando 0 Traidor 29 nando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: Senhor, quem 6? Respondeu Jesus: £ aquele a quem eu der o pe- dago de pao molhado. Tomou, pois, um pedaco de pao e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simao Iscariotes. E, aps o bocado, imediatamente, entrou nele Satands. Entao, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o depres- sa. Nenhum, porém, dos que estavam a mesa percebeu a que fim lhe dissera isto. Pois, como Judas era quem trazia a bolsa, pensaram alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou Ihe ordenara que desse alguma coisa aos pobres. Ele, tendo recebido 0 bocado, saiu logo. E era noite. Ali nés vemos Jesus e Judas como o resumo dos opos- tos: o Perfeito e o completamente desgracado; 0 melhor e o pior. A pureza de Jesus e a vilania de Judas estavam de- monstradas agudo contraste. A histéria de Judas 6 0 maximo da tragédia — provavel- mente a maior tragédia que ja foi vivida. Ele é 0 exemplo primario do que significa ter a oportunidade e entao perdé- Ja. Sua hist6ria se torna mais terrivel por causa do inicio glorioso que ela teve. Por trés anos, dia apds dia, ele se ocupou com Jesus Cristo. Ele viu os mesmos milagres, ouviu as mesmas palavras, desempenhou alguns dos mes- mos ministérios, era estimado da mesma maneira que os outros discipulos eram estimados — apesar de ele nao ter se tornado 0 que os outros se tornaram. De fato ele se tor- nou exatamente 0 oposto. Enquanto eles estavam crescen- do em verdadeiros apéstolo e santos de Deus, ele estava progressivamente se tornando em uma ferramenta de Sa- tands, vil e calculada. Inicialmente, Judas deve ter partilhado da mesma espe- ranga de reino que os outros discipulos tiveram. Ele pro- vavelmente acreditava que Jesus fosse o Messias. Certamente em um determinado momento ele se tornou avarento, mas é duvidoso que ele tenha se juntado aos apés- tolos meramente pelo dinheiro que ele pudesse conseguir 30 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO DE DESCRENTES porque eles na realidade nada tinham. Talvez, no inicio, seu motivo fosse apenas receber os beneficios do reino messianico. Qualquer que fosse no comeco o seu carater, Judas gradualmente se tornou 0 traidor que entregou Cris- to, tornou-se um homem que nao pensava a nao ser em si mesmo, que enfim queria apenas pegar tanto dinheiro quanto pudesse e entao fugir. No final, avareza, ambicgéo e mundanismo tinham ras- tejado para dentro do coragao de Judas e a insacidvel cobi- ¢a se tornou seu pecado fustigante. Talvez ele estivesse também desapontado por causa das expectativas néo cum- pridas de um reino terreno. Pode ser que ele estivesse ator- mentado pela insuportavel repreenséo da presencga de Cristo. Certamente criou uma tensao em seu coragao 0 es- tar contentemente na presenca da pureza sem pecado e mesmo assim estar tao infestado de vileza. Talvez, tam- bém, ele tenha comecado a sentir que o olho do Mestre pudesse discernir a sua verdadeira natureza. Todas essas coisas ao que parece tinham comegado a corroé-lo. Sejam quais forem as razGes, a vida de Judas terminou em desastre absoluto, 0 maior exemplo de oportunidade perdida que o mundo ja viu. Na noite em que ele traiu Jesus, ele estava tao preparado para cumprir a vontade de Satands que o deménio pode entrar nele e tomar completo controle. Poucos dias antes disso, em Betania, ele tinha se encontrado com os lideres de Israel e negociado por trinta pecas de prata, o prego de um escravo — coisa de vinte e cinco a trinta délares. Agora seu feito maligno frutificou completamente as vésperas da crucificagao. Jesus e seus discipulos (inclusive Judas) estavam no Cenaculo. O vil traidor estava 14 sentado tendo ja iniciado a sua trama para trair Jesus e agora passando aqueles mo- mentos com os outros discipulos, procurando a melhor oportunidade para delatar o paradeiro de Jesus para os Iideres dos judeus. Desmascarando 0 Traidor 31 Jesus tinha revelado que conhecia o coracao de Judas ao dizer: “... vés estais limpos, mas nao todos” (Jo 13.10,11). Ele sabia quem era o traidor. Judas tinha estado 1a durante toda a maravilhosa ligdo de Jesus sobre a hu- mildade, ensinada com 0 ato de lavar os pés dos discipu- los. Jesus tinha lavado até os pés dele. O hipocrita desprezivel tinha deixado o bendito Senhor lavar seus pés, enquanto mal podia esperar para p6r as maos naquelas trinta moedas. Mesmo sabendo o que Judas estava para fazer, Jesus ainda lavou os seus pés. Foi apenas um exemplo do mara- vilhoso amor de Cristo e do modo como ele estendeu a mao para Judas. As medidas que ele tomou para ganhar Judas, mesmo nessa hora tao adiantada, tornou 0 seu amor ainda mais maravilhoso. Alguém poderia pensar que a ex- periéncia de ver Jesus lavando seus pés teria sido suficien- te para quebrar 0 coragéo de qualquer homem. Mas o coracao de Judas era tao frio e duro que ele continuou de- terminado a vender o Senhor aos executores. O ABENCOADO E O MALDITO Tendo ensinado pelo exemplo uma maravilhosa ligao de humildade, Jesus entaéo cuidadosamente explicou o seu significado. Ele concluiu 0 seu discurso dizendo: “... se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17). “Bem-aventurados”, naturalmen- te, é sinénimo de feliz. Aquele que aprende como mos- trar amor humilde, esta pronto a se inclinar até 0 chao e servir outro crente 6 aquele recompensado com a verda- deira felicidade. Quando vocé condescende com esse tipo de amor, quando vocé esta querendo fazer um trabalho humilde pelo bem de outra pessoa, quando vocé nao se preocupa em ter preeminéncia em todas as situag6es — quando vocé se humilha — vocé seré feliz. 32 Como Ser Crenre EM UM MUNDO pe DescreNtEs Mas Jesus nao podia falar de bem-aventurangas sem falar do contraste. Ele nao pensou em felicidade sem pen- sar na tragédia e infelicidade. Nessa visdo, sua mente co- megou a se encher com pensamentos sobre o maldito Judas sentado ao lado dele. Portanto, ele girou 0 seu foco dos felizes discipulos para o amaldigoado, Judas (Jo 13.18). Dos versos 18 a 30 0 didlogo se concentra no préprio Judas. Essa é a confrontagao entre Jesus e Judas, deixando ape- nas um beijo para depois. E importante compreender por que Jesus abordou 0 as- sunto de sua traicao a essa altura. A menos que Jesus ti- vesse de algum modo preparado os discipulos para 0 que estava por acontecer, a traigdo poderia ter tido um efeito sério, adverso sobre eles. Se Judas tivesse trafdo Jesus su- bitamente e sem aviso, os discipulos podiam ter concluido que Jesus nao era tudo 0 que ele dizia ser; de outro modo teria sabido que Judas era assim e nunca 0 teria escolhido. Entao Jesus disse: “... eu conheco aqueles que escolhi; é, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pao levantou contra mim seu calcanhar. Desde ja vos digo, antes que acontega, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou” (v.18). Jesus queria se certificar de que eles nao o imaginariam surpreso com o que Judas estava para fazer. Portanto, ele efetivamente lhes disse: “Eu sei que escolhi Judas. Eu fiz isso, mas nao por acidente, nem em desconhecimento, mas para que as Escrituras pudes- sem ser cumpridas”. Ele escolheu Judas porque Judas era necessério para causar a sua morte, por sua vez necessaria para que ele efetuasse a redencao. Como estamos a ponto de ver, a profecia era clara que um amigo chegado trairia Cristo. Porque Jesus escolheu Judas entao? Ele o escolheu para cumprir a profecia — nao somente a profecia especificamente sobre Judas, mas tam- bém as profecias sobre a morte do préprio Cristo. Alguém teria de fazer essas coisas acontecerem e Judas estava mais Desmascarando 0 Traidor 33 do que pronto. Deus usou a ira de Judas para o seu louvor e trouxe a salvacéo por meio de seu ato. Judas quis fazer para o mal, mas Deus 0 usou para 0 bem (cf. Gn 50.20). O PLANO DE DEUS E A TRAMA DE JUDAS Judas se encaixou perfeitamente no plano soberano da redengao. A traig&o de Judas foi prevista detalhadamente no Antigo Testamento. O Salmo 41.9 diz: “Até o meu amigo intimo, em quem eu confiava, que comia do meu pao, levantou contra mim o calcanhar”. Esse salmo tem significacdo historica bem como profética. E o lamento de Davi sobre sua propria traigdo, que sofreu de seu conselheiro e amigo Aitofel em quem confiava. Davi tinha um filho voluntarioso chamado Absalao. Absalao decidiu comecar uma rebeliao, despojar 0 seu pai e tomar o trono. Aitofel virou-se contra Davi e se juntou 4 rebeliao de Absalao. O quadro de Davi e Aitofel no Salmo 41 6 cumprido em um sentido maior em Jesus e Judas. A frase “levantou seu calcanhar” retrata uma violéncia brutal -levantar o calcanhar eo colocar no pescoco da vitima. Esse é 0 retrato de Judas. Tendo ja ferido o seu inimigo, que agora esta deitado no chao, com o enorme calcanhar lhe esmaga 0 pescogo. O Salmo 55 contém outra profecia clara de Judas e sua traigéo. Imagine Jesus falando essas palavras: Com efeito, nao é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem é 0 que me odeia quem se exalta contra mim, pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu intimo amigo. Juntos andé- vamos, juntos nos entretinhamos e famos coma multidao a Casa de Deus. ... Tal homem estendeu as maos contra os que tinham paz com ele; corrompeu a sua alianga. A sua boca era mais macia que a manteiga, porém no coragao havia guerra; as suas palavras eram mais brandas que o azeite; contudo, eram espadas desembainhadas (vs. 12-14,20,21). a Como Sex Crete em uM Munbo pe Descrentes Zacarias contém uma profecia sobre a traicao de Cristo por Judas até em mais detalhes. Ele da 0 preco exato que ele foi pago pela sua traigéo, exatamente como esta registrado no Novo Testamento. Zacarias 11.12,13 profeti- za as palavras de Judas, falando aos lideres judeus: “Eu Thes disse: se vos parece bem, dai-me o meu salario; e, se nao, deixai-o. Pesaram, pois, por meu salario trinta moe- das de prata. Entao, o SENHOR me disse: Arroja isso ao olei- To, esse magnifico preco em que fui avaliado por eles. Tomei as trinta moedas de prata e as arrojei ao oleiro, na Casa do SENHOR”. Isso descreve literalmente o que Judas fez apds a morte de Jesus Cristo. Ele tomou as trinta pecas e as levou de volta 4 Casa do Senhor e as lancgou ali. Mateus 27, cum- prindo exatamente a profecia de Zacarias 11, diz que as trinta moedas de prata foram apanhadas e usadas para comprar 0 campo de um oleiro. A escolha que Jesus fez de Judas nao foi acidental. Bem antes que Judas tivesse nascido, seu 6dio por Cristo estava planejado por divino designio — predestinado no plano de Deus desde a eternidade. Orando ao Pai, Jesus fala dos dis- cipulos: “Quando eu estava com eles, guatdava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se per- deu, exceto o filho da perdicdo, para que se cumprisse a Escritura” (Jo 17.12). A SOBERANIA DIVINA E A ESCOLHA HUMANA O papel de Judas nao estava separado de sua vontade propria. Mesmo tendo Deus ordenado que ele fosse o dis- cipulo que trairia a Cristo, nado estava longe do desejo de Judas. Judas nao era um robé. Nosso Senhor nao destinou simplesmente a um Judas desmotivado a parte do vilao na crucificagao. Tal coisa nao seria consistente com o carater de Jesus Cristo. E é também inconsistente com o registro histérico. Durante o ministério de Jesus, ele se esforgou para Desmascarando 0 Traidor 35 levar Judas ao arrependimento, vezes seguidas, com seu amor, seus apelos e reprimendas. Portanto, mesmo a trai- ¢ao de Judas se encaixando nos planos divinos, Deus nao 0 projetou como um traidor. Ele se tornou um traidor de Cristo por sua prépria escolha. Deus simplesmente tomou Judas, perverso e traidor como ele era, e 0 colocou em seu plano. Se Deus fosse responsavel por fazer de Judas o que ele era, Jesus sentiria pena dele ao invés de o repreender. Judas Iscariotes, portanto, de acordo com sua prépria von- tade, foi o instrumento escolhido de Deus para trair Cristo € provocar a sua morte. ANDANDO COM JESUS, MAS, SEGUINDO A SATANAS Ao longo de sua vida de traicéo Judas apresenta aos pecadores uma solene adverténcia. De seu exemplo nés aprendemos que uma pessoa pode viver muito perto de Jesus Cristo e ainda assim estar perdida e condenada para sempre. Ninguém jamais esteve tao perto de Cristo como os doze. Judas foi um deles, mas hoje ele esta no inferno. Conquanto ele possa ter dado assentimento intelectual a verdade, ele nunca abragou Cristo com a fé que vem do coragao. Judas nao foi enganado; ele era um falso. Ele entendeu a verdade e fez pose de crente. Além disso ele foi bom no que fez — foi o hipécrita mais esperto sobre quem lemos nas Escrituras, porque ninguém suspeitou dele. Ele enga- hou a todos, menos Jesus, que conhecia 0 seu coragao. Onde quer que o trabalho de Deus seja feito, existem im- postores como Judas. Sempre havera hipocritas entre os ir- miaios. O truque favorito de Satanas e daqueles que ele emprega ¢ se transformarem em ministros de justiga (2Co 11.15). O demé6nio éum mestre em fazer o seu trabalho parecer bom — cle esta muito ocupado trabalhando entre 0 povo de Deus. 36 Como Ser Crenre &M UM MunDo be Descrentes A VERDADE E AS CONSEQUENCIAS Antes da tltima Ceia com seus discipulos, Jesus tinha mantido segredo sobre a hipocrisia de Judas. Agora ele de- cidiu revelar a verdade, sabendo que se os outros onze dis- cipulos fossem pegos de surpresa, sua fé poderia ser solapada. Como notamos acima, Jesus queria que eles sou- bessem que ele nao estava sendo surpreendido, que Deus nunca 6 vitima de qualquer homem. Ele queria se certifi- car de que quando ele tivesse partido, a fé dos discipulos seria forte. Ao revelar-lhes a verdade sobre Judas, ele também afir- mou sua deidade de modo irrefutavel. Em Joao 13.19 ele diz: “Desde ja vos digo, antes que aconte¢a, para que, quan- do acontecer, creiais que Eu Sou”. “Eu Sou” é o nome de Deus (cf. 2x 3.14). Em esséncia Jesus esta dizendo: “Eu que- ro que vocés saibam que eu sou Deus e que eu sabia que isso estava para acontecer.” Assim, ele afirmou 0 seu nome e estabeleceu sua onisciéncia. Nada é oculto aos seus olhos. Ele sabe 0 que se passa no coracao dos crentes, porém, mais do que isso, ele conhece o que vai no coragdo de pessoas nao regeneradas também. Falando aos judeus descrentes, Jesus disse: “sei ... que nado tendes em vés o amor de Deus” (Jo 5.42). Ele conhece o coragao de cada pessoa, crente ou descrente, e 0 1é como um livro aberto. OS APOSTOLOS E O TRAIDOR Em Joao 13.20, depois de afirmar a sua divindade e ain- da falando de sua iminente traigdo, Jesus diz: “Em verda- de, em verdade vos digo: quem recebe aquele que eu enviar, amim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou”. Inicialmente, essa afirmagao nao parece encaixar- se no contexto do que Jesus estava ensinando. Porém, um olhar mais cuidadoso revela que ela se encaixa muito bem. Nos nao sabemos 0 que ocorreu durante o lapso de tem- Desmascarando 0 Traidor 37 po entre os versos 19 e 20. Mas vocé pode imaginar que, quando os discipulos souberam da traigao, eles podem ter concluido que, por causa da falha de um deles, a credibilidade de todos seria destruida. Eles podem ter con- cluido que um traidor entre os discipulos rebaixaria a con- dicao de todos eles. Se Jesus fosse para a cruz, eles devem ter pensado, a esperanga messianica se desfaria. O minis- tério deles estaria terminado. Eles podiam também esque- cer o reino. E desde que Jesus tinha acabado de enfatizar a importancia da humildade, os discipulos podem ter pen- sado que ele estava lhes dizendo para esquecerem o seu elevado chamado. O que Jesus estava realmente dizendo é o seguinte: “Aconteca 0 que acontecer, isso nao rebaixa o comissionamento de vocés e nao altera o seu chamado. Vocés continuam sendo meus representantes. Ainda que haja um traidor entre vocés, isso nada muda. A traigao de Judas nunca deve rebaixar sua estima pela responsabili- dade apostélica”. Foi uma tremenda licao para eles. Ele estava dizendo: “Quando vocés sairem para pregar, se 0 receberem estaraéo recebendo a mim. E se eles recebem a mim, eles estaréo recebendo o Pai que me enviou. O comissionamento de vocés 6 assim elevado. Vocés repre- sentam Deus no mundo”. Quando Cristo foi crucificado, Judas se revelou um des- prezivel hipocrita e o mundo todo parecia estar desmoro- nando. Espiritual e emocionalmente seria facil para os discipulos chegarem ao fundo do pogo. Entao Jesus apro- veitou a oportunidade para os estimular e encorajar e a se concentrar onde deviam — no seu chamado e ministério. Nos também devemos estar atentos a essa verdade. Nao importa que oposi¢ao satanica tenhamos que enfrentar, nao importa quao frustrante 0 nosso ministério se torne, nada pode rebaixar 0 nosso comissionamento. Uma vez eu faleia um homem desencorajado no servico do Senhor. Ele estava 38 Como Ser Crenté EM UM MUNDO DE DescrENTES enfrentando tanta oposigdo que tinha comegado a se per- guntar se estaria no lugar certo. Mas eu lhe disse que opo- sicdo é de se esperar. Qualquer coisa que nés fagamos para Deus vamos encontrar oposi¢ao. Se cada missiondrio olhas- se para um campo de missao e dissesse: ’Ah, la eles nao vao acreditar em mim”, a igreja jamais conseguiria fazer qualquer coisa que fosse. S6 porque vai ser dificil, e s6 porque vai haver oposigao, isso nao diminui a nossa voca- cao. Nés somos embaixadores de Cristo no mundo. Aque- les que nos rejeitam, rejeitam a Cristo. Assim, nao importa © que possa acontecer, nés devemos permanecer com ele. Essa é a mais alta das vocacGes. Quando um crente sai pelo mundo, ele representa Jesus Cristo. Paulo diz em 2 Corintios 5.20: “...somos embaixa- dores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nos- so intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus”. Em Galatas 4.14, 0 apdstolo Paulo diz: ”... me recebestes como anjo de Deus, como 0 préprio Cristo Jesus”. E essa é a maneira pela qual todos deveriam receber um crente. Quando uma pessoa rejeita 0 nosso tes- temunho por Cristo, ela rejeita Jesus o Filho, e Deus 0 Pai. E assim que estrategicamente os crentes séo importantes. Eessa é a idéia de Jesus em Joao 13.20. Notem que ele usa a palavra “qualquer um”. Isso se refere aos seus embaixa- dores em todas as eras, inclusive aqueles de nés que o re- presentamos hoje. Ja ouviu alguém usar a existéncia de hipdcritas na igre- ja como uma desculpa para nao seguir a Cristo? As pesso- as seguidamente dizem: “Existem muitos hipécritas para o meu gosto na igreja.” Ou, “Bem, nds nao vamos a igreja, porque nés fomos quando eu tinha 9 anos e vimos um hi- pocrita. Nao voltamos em quarenta e dois anos!” Essa sera uma patética desculpa quando eles a apresentarem a Deus no banco dos réus. Desmascarando 0 Traidor 39 E verdade que existem muitos hipécritas na igreja. Eles estado por toda parte. E um hipdcrita j4 é demais. Mas o fato de que alguns sejam hipocritas nao diminui a gléria de Deus ou a alta vocacao de todos os filhos de Deus. Um traidor entre os apéstolos nado empanou 0 comissionamento dos restantes. OJOIO EO TRIGO Em Mateus 13.24-30 Jesus apresenta esta parabola: O reino dos céus é semelhante a um homem que se- meou boa semente no seu campo; mas, enquanto os ho- mens dormiam, veio 0 inimigo dele, semeou 0 joio no meio do trigo e retirou-se. E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também 0 joio. Entao, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, nao semeaste boa se- mente no teu campo? Donde vem, pois, 0 joio? Ele, po- rém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos 0 joio? Nao! Replicou ele, para que, ao separar 0 joio, nao arranqueis também com ele o trigo. Deixai-os crescer jun- tos até a colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifei- ros: ajuntai primeiro 0 joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro. Em outras palavras, era dificil diferenciar entre o trigo e 0 joio antes que estivessem prontos para a colheita. E ain- da que possam haver alguns sinais reveladores, nao pode- mos dizer todas as vezes a diferenca entre 0 verdadeiro povo de Deus e os hipécritas. Se soubéssemos quem era quem, nés poderiamos chegar a todo o hipécrita individu- almente e preveni-lo do perigo de sua hipocrisia. Mas nés nao podemos ler 0 coragao das pessoas. Algum dia Jesus ira revelar quem é verdadeiro e quem ¢ falso e ira separar devidamente. 40 Cowio Ser CrENrE eat UM MUNDO DF DESCRENTES OCORACAO PERTURBADO EO CORACAO ENDURECIDO Desmascarar a traicéo de Judas deve ter causado pro- funda angtistia no coragao de Jesus. “Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espirito e afirmou: Em verdade, em verdade vos digo que um dentre vés me traira” (Jo 13.21). O que foi que o perturbou? Possivelmente varias realida- des e diversas razGes. Seu amor nao reciproco por Judas; a ingratidao do coragao de Judas; ele tinha um profundo édio pelo pecado e sentado com ele a mesa estava 0 pecado en- carnado; a hipocrisia daquele que estava para o trair; ele sabia que Judas estava diante de uma morada eterna no inferno; com seu olho onipotente ele podia ver Satanas ro- deando Judas; ele sentiu perfeitamente 0 que 0 pecado ea morte significavam. Jesus estava perturbado porque ele tinha um pressentimento de que Judas era uma classica ilustragao do tipo de miséria humana que o pecado pro- duz, cuja inteireza ele teria que suportar pessoalmente na cruz, no dia seguinte. Em sua angtistia Cristo disse: “Um dentre vés me trai- ra.” Imagine o choque sobre os discipulos. Seus coracdes devem ter disparado quando eles se deram conta de que era um daqueles que estavam 4 mesa, um cujos pés Jesus acabara de lavar; um do préprio grupo fechado estava na iminéncia de trair o Mestre. Um deles estava tramando para usar sua intimidade com Cristo para ajudar o inimigo a encontra-lo e matd-lo. Deve ter sido dificil para eles com- preenderem que um deles proprios pudesse ter tal traigao endurecida em seu coragao. O fato é que os discipulos nao podiam imaginar de quem. ele poderia estar falando. Jodo diz que eles “... olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia” (13.22). Mateus diz que todos perguntaram: “Porventura, sou eu, Senhor?” E Judas, 0 hipécrita, até disse: “Acaso, sou eu, Mestre?” (Mt 26.22-25). Desmascarando 0 Traidor a AMOR E TRAICAO Vale a pena notar que os discipulos estavam completa- mente perplexos. Isso mostra que Jesus tinha mostrado amor por Judas por trés anos, mesmo sabendo que Judas ia trai-lo no fim. Se Jesus alguma vez tivesse tratado Judas de qualquer modo diferente da maneira que ele tratava os outros discipulos — se tivesse ficado mais distante ou mos- trado ressentimento ~ eles saberiam imediatamente que Judas era o traidor. Se Jesus tivesse abrigado qualquer amargura pelo que ele sabia que Judas faria no final, isso teria vindo a tona pelo modo que Jesus falou com ele. Mas, evidentemente, por trés anos ele tinha sido gentil, amoro- so e bondoso com Judas, tratando-o exatamente da mes- ma maneira que ele tratava os outros onze. Eles pensavam nele como um do grupo e ninguém suspeitava dele como traidor. De fato, eles deviam ter tido uma muita confianga nele uma vez que Judas era 0 tesoureiro do grupo. Mas 0 em- pedernido Judas tinha feito 0 seu jogo. Ele tinha 0 compor- tamento de um santo mas o coracéo de um pecador. Ele deve ter chegado a odiar Cristo profundamente. O édio de Judas e 0 amor de Joao formam um contraste interessante. Tente retratar a cena em volta da mesa. A pro- pria mesa devia ser em formato de U. De acordo com os costumes daquela época, os discipulos nao teriam se as- sentado em cadeiras, mas se recostado em divas. A mesa seria um bloco sélido, baixo, com os divas a sua volta e o anfitriao (Jesus) sentado no centro. De cada lado dele esta- riam seus discipulos mais chegados (convidados de hon- ra) € 0s outros teriam se posicionado todos a volta da mesa. Eles se deitariam sobre 0 lado esquerdo, apoiados sobre 0 cotovelo esquerdo, usando a mao direita para comer. As- sim, quem estava no lado direito de Jesus teria a sua cabega muito perto do coragao de Cristo. A certa distancia, pare- ceria que ele estivesse se reclinando no peito do Senhor. 2 Como Ser CrenTe EM uM Munpo pe DEscreNTEs Joao, que escreveu esse relato, vezes seguidas fez refe- réncia a si proprio como “o discipulo a quem ele amava” (Jo 21.20,24). Nao é que Jesus amasse mais a ele do que aos outros, mas o certo é que Joao estava completamente to- mado pela idéia de que de qualquer modo Jesus 0 amava. Também, Jodo estava consumido de amor pelo Senhor. Ele amava Jesus tanto quanto Judas o odiava. Joao escreve: “Ora, ali estava conchegado a Jesus um dos seus discipulos, aquele a quem ele amava; a esse fez Simao Pedro sinal, dizendo-lhe: Pergunta a quem ele se refere” (Jo 13.23,24). Pedro silenciosamente fez sinal a Jodo para per- guntar a Jesus quem seria 0 traidor. Entao Joao se reclinoue cochichou, “Senhor, quem €?” Quando ele se virou para falar com ele, Jesus estava muito perto. “Respondeu Jesus: E aquele a quem eu der o pedago de pao molhado. Tomou, pois, um pedaco de pao e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simao Iscariotes” (v.26). A resposta de Jesus a Pedro e Joao era na realidade um apelo final de amor a Judas. O “pedago de pao” era um pedaco quebrado de algum dos bolos asmos que estavam sobre a mesa como parte da festa da Pascoa. Também na mesa estava um prato chamado cheshireth, cheio de ervas amargas, vinagre, sal e frutas amassadas (feito de tamaras, figos, passas e 4gua) — tudo misturado junto em uma subs- tancia pastosa. Jesus e seus discipulos comeram com 0 pao sem fermento como uma pasta. Era uma demonstracdo de honra 0 anfitrido molhar um pedaco de pao no cheshireth e dar para o convidado. Al- guém poderia pensar que tudo que Jesus fez por Judas na- quela noite teria tocado 0 seu coragao, mas nao tocou. Judas eram um apéstata. Seu coracdo estava endurecido e nada que Jesus pudesse fazer por ele o mudaria. A Salvacao para ele agora era impossivel. Ele tinha se tornado 0 classico exemplo de pessoa que o escritor de Hebreus descreve: “.. éimpossivel, pois, que aqueles que uma vez foram ilumi- Desmascarando 0 Traidor 43 nados, e provaram o dom celestial, e se tornaram partici- pantes do Espirito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e cairam, sim, é impos- sivel outra vez renova-los para arrependimento, visto que, de novo, est&o crucificando para si mesmos 0 Filho de Deus e expondo-o a ignominia” (Hb 6.4-6). Ele tinha visto e ex- perimentado e provado dessas coisas, mas nunca as havia abracado com a fé verdadeira. Judas estava tao confirmado em sua apostasia que Sata- nas literalmente 0 possuia. Joao 13.27 diz: “... apds 0 boca- do, imediatamente, entrou nele Satanas. Entao, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o depressa”. Satands tinha en- ganado Judas, apds 0 longo periodo em que Judas esteve flertando com ele. Satanas jé havia posto no seu coragao que ele traisse a Cristo e agora 0 inimigo simplesmente avangou e tomou posse. Naquele momento horroroso, a vontade maléfica de Judas rejeitou a ultima e mais pode- rosa oferta do amor de Jesus Cristo e 0 pecado contra o Espirito Santo foi consumado. Naquele momento Judas foi condenado ao inferno para sempre. Ele tinha desprezado o amor de Cristo pela ultima vez e sua eternidade estava selada. DIA E NOITE Aatitude de Jesus para com Judas mudou imediatamen- te. Ele desistiu de Judas. O traidor tinha cruzado a linha da graca e Jesus nao podia mais alcanga-lo. A diferenca foi imediata, radical - como o dia e a noite. Jesus tinha estado estendendo a mao para Judas em amor, mas Judas estava confirmado em sua obstinada apostasia. Tudo que Jesus queria agora era distancia dele. Note-se que Jesus e Satanas estavam empurrando Judas na mesma diregao. Satands disse: “Vai em frente!” Cristo disse: “Vai depressa.” Judas estava claramente decidido a 44 Como Ser Crente eM um Munpo pe Descrentes trair Cristo, Satands estava decidido a destrui-lo, e Cristo estava determinado a morrer por um multidao de pecado- tes (no fim Jesus destruiria o plano de Satands, saindo triun- fante do tumulo.). Nenhum dos discipulos entendeu o que estava ocorren- do. “Nenhum, porém, dos que estavam a mesa percebeu a que fim lhe dissera isto. Pois, como Judas era quem trazia a bolsa, pensaram alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou Ihe ordenara que desse al- guma coisa aos pobres” (Jo 13.28,29). Eles pensaram que ele estava indo fazer compras, ou saindo para fazer algu- ma caridade pela época da Pascoa. ”.., tendo recebido 0 bocado, [Judas] saiu logo. E era noite” (v.30). La foi ele, uma figura solitaria deixando o aposento para entrar nas garras do inferno. A Biblia nao diz para onde ele foi, mas evidentemente foi terminar o negécio com 0 Sinédrio. E quando ele saiu era noite. Por- que Judas, que tinha andado com Jesus e mesmo assim continuado nas trevas, as horas do dia claro e a oportuni- dade haviam passado. Era mais do que mera noite fisica, era noite eterna na alma de Judas. Sempre é noite quando alguém foge da presenca de Jesus Cristo. Existem Judas em todas as eras. Talvez eles sejam hoje mais comuns do que nunca. A igreja confessante esta cheia de pessoas que vendem Jesus Cristo e “...estéo crucifican- do para si mesmos 0 Filho de Deus e expondo-o a ignomi- nia” (Hb 6.6). Existem muitos que comeram a4 mesa com ele e depois levantaram contra ele o calcanhar. E a maior tragédia 6 a queda final deles mesmos. Um poema que li inclui essas poucas palavras comoventes: Ainda como antigamente, Por si mesmo é tabelado. Por trinta pegas Judas vendeu Asi mesmo, nao a Cristo. Desmascarando 0 Traidor 45 Certifique-se de que vocé aproveita as suas oportuni- dades. Tenha a certeza de nao ser um hipdcrita. Se nés aprendermos qualquer coisa com a vida de Judas é que os maiores privilégios podem ser neutralizados por desejos pecaminosos sem arrependimento e um comprometimen- to com prioridades malignas. Uma vida iluminada por um Sol sem nuvens ainda pode terminar em uma noite de de- sespero. TRES WS AS MARCAS DO CRISTAO DEDICADO Historicamente, os cristaéos tém apresentado diferentes sim- bolos para definir a sua identidade como crentes. Quase desde 0 comeco do Cristianismo emblemas como alfinetes de lapela e correntes no pescocgo com cruzes de ouro tém identificado os seguidores de Cristo. Nos anos mais recen- tes, as pessoas tém usado também adesivos em autom6- veis, pdsteres, camisetas, Biblias decoradas e jaquetas bordadas. Eu nao tenho nada contra tais simbolos, exceto que eles sao totalmente superficiais - tem somente a pro- fundidade da superficie a que estao presos. Como cristao, nao ha conseqiiéncia real em se usar um button, um adesivo ou qualquer outro simbolo visivel. Mais importante, e infinitamente mais definitivo que todos os alfinetes e adesivos e buttons, s4o os sinais internos, espiri- tuais de um verdadeiro crente. Em Joao 13.31-38, Jesus da trés marcas que distinguem um cristao dedicado. Como seu ministério terreno estava chegando ao fim, ele esteve com seus discipulos na noite anterior 4 sua morte para os preparar para a sua partida. Com Judas banido das fileiras dos apéstolos, Jesus se vi- rou para os onze discipulos remanescentes e fez um dis- curso de despedida. 48 ‘Como Ser CRENTE EM UM MuNbo br Descrentes Quando ele saiu, disse Jesus: Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele; se Deus foi glorificado nele, também Deus 0 glorificara nele mesmo; e glorificd-lo-4 imediatamente. Filhinhos, ainda por um pou- co estou convosco; buscar-me-eis, e 0 que eu disse aos ju- deus também agora vos digo a vés outros: para onde eu vou, vés nao podeis ir. Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerao to- dos que sois meus discipulos: se tiverdes amor uns aos outros. Perguntou-lhe Simao Pedro: Senhor, para onde vais? Respondeu Jesus: Para onde vou, nao me podes se- guir agora; mais tarde, porém, me seguirds. Replicou Pedro: Senhor, por que nao posso seguir-te agora? Por ti darei a prépria vida. Respondeu Jesus: Dards a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo que jamais cantara o galo antes que me negues trés vezes. Essa passagem apresenta a tiltima comissao de Jesus aos seus discipulos antes de ir para a cruz. Sua mensagem de despedida, que continua em Joao 16, contém todos os in- gredientes que vocé precisa saber sobre discipulado. De fato, as bases do ensinamento de Paulo sobre esse assunto parece combinar com esse trecho de Joao. Assim essas pa- lavras conclusivas de Nosso Senhor na sua ultima noite com seus discipulos sao indispensdveis para saber 0 que Cristo espera de nés como crentes. UMA INFINDAVEL PREOCUPAGAO COM A GLORIA DE DEUS Primeiro, 0 cristéo dedicado esta preocupado e absorvi- do coma gléria do seu Senhor. O verdadeiro propésito pelo qual nés existimos é dar gloria a Deus, assim esta certo que essas seja a primeira marca do cristéo comprometido. Ele nao esta preocupado coma sua propria gloria. Ele nao esta preocupado com o que lhe traz honra. Ele nao esta em um concurso de popularidade. Ele nao esta tentando subir e As Marcas do Cristdo Dedicado 49 conseguir alguma coisa maior e melhor para si mesmo. Ele tem consciéncia de que nao importa quanto as pessoas es- tejam impressionadas com ele, mas somente que eles glo- rifiquem a Deus. Sua vida reflete os atributos de Deus, e o Senhor é louvado pela maneira que ele vive. Jesus ensinou aos seus discipulos tanto por exemplo como preceito: “... quando [Judas] saiu, disse Jesus: Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele; se Deus foi glorificado nele, também Deus 0 glorifica- 14 nele mesmo; e glorificd-lo-4 imediatamente. Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco; buscar-me-eis, e 0 que eu disse aos judeus também agora vos digo a vés ou- tros: para onde eu vou, v6s nao podeis ir” (Jo 13.31-33). A primeira frase indica quase um senso de alivio de Nos- so Senhor. Agora que Judas se fora, ele podia falar livre- mente aos seus discipulos. Deus encarnado, Jesus Cristo, tinha vindo ao mundo em humildade. Ele havia restringi- do a completa manifestagao de sua gloria e se sujeitado a fragilidade humana, ainda que ele nunca tivesse pecado. Por trinta trés anos sua gloria tinha estado envolta pela carne humana. No dia seguinte ele estaria na sua gloria nova- mente. Todos os atributos de Deus estariam visiveis nele Pensando na sua gléria que retornaria, Jesus fez trés afir- mag6es distintas. Cada uma é unica e é importante que a compreendamos. “Agora, foi glorificado o Filho do Homem” Essa primeira afirmagao de antecipagao esta no verso 31. Judas ja havia dado a partida. Os judeus ja Ihe haviam pago pela traicdo e agora ele tinha saido, tomando as providénci- as. Em apenas poucas horas, Jesus e os discipulos entrari- am no Jardim do Getsémani, onde Cristo continuaria 0 seu ensinamento. Ali Judas entraria marchando com os solda- dos e daria inicio aos eventos que levariam Jesus a morte. 50 Como Ser CRENTE EM UM Munpo pe Descrentes Jesus estava pronto para morrer porque, mesmo sendo a cruz sinénimo de vergonha, desgraca e desastre, ela signifi- cava gloria. A principio é dificil compreender como a morte pode ser gléria, especialmente a crucificagaéo. Em sua morte nosso Senhor experimentou 0 mais profundo tipo de vergo- nha, humilhacao, acusac6es, insultos, infamias, zombaria, cuspidas e toda ofensa que os homens lhe puderam dirigir. Ele morreu pendurado entre ladrées, recebendo a agonia do pecado e a separacéo de Deus. Mesmo sabendo que ia enfrentar tudo aquilo, Jesus pode dizer: “ Agora, foi glorifi- cado o Filho do Homem”. Mas haveria realmente gloria na cruz? Sim, porque nela Jesus realizou a maior obra na histéria do universo. Em sua morte ele redimiu pecadores perdidos, destruiu 0 pecado e derrotou Satanas. Ele pagou prego da justiga de Deus e com- prou para si todos os eleitos de Deus. Ao morrer pelo peca- do, apresentou a sua vida como um cheiro suave a Deus, um sacrificio mais puro e abencoado que qualquer outro ja oferecido antes. E quando o sacrificio estava completo, Je- sus declarou: “Esta consumado”. Ele tinha alcancado a re- dengao de todos aqueles que ele veio buscar e salvar, havia satisfeito a justica de Deus, reparado a lei que havia sido quebrada e libertado todo aquele que pela fé tivesse abra- cado a sua obra gloriosa. Tanto nos céus como na terra, ne- nhum ato é tao merecedor de louvor, honra, e gloria total. “Deus foi glorificado nele” Jesus fez uma segunda afirmacao sobre gloria. Nao so- mente ele foi glorificado, mas Deus foi glorificado nele. Deus 6 glorificado por meio dos detalhes do evangelho. Quando Jesus disse: “Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele” (v.31), ele estava fa- lando de sua morte, sepultamento, ressurreigao e da sua volta. Todos aqueles eventos abrangem perfeitamente a gloria do plano redentor de Deus. As Marcas do Cristdo Dedicado 51 Um dos modos mais importantes pelos quais nds mais podemos glorificar a Deus é divulgar 0 evangelho. A men- sagem do evangelho irradia a gléria de Deus como nenhu- ma outra coisa em todo o universo pode fazer. Em um sentido, portanto, testemunhar é uma das mais elevadas e puras formas de adoracao. A gloria de Deus se apresenta envolvida em seus atri- butos. Seu amor, misericérdia, graga, sabedoria, onisciéncia, onipoténcia, onipresenca ~ todos os atributos de Deus - refletem e revelam a sua gloria. Nés cultuamos e glorificamos a Deus quando de algum modo louvamos, reconhecemos, experimentamos ou mostramos seus atri- butos. Quando somos exemplos do seu amor, por exem- plo, nés o glorificamos. Quando reconhecemos e nos rendemos 4 sua soberania, nds o glorificamos. Na cruz, cada atributo de Deus foi manifesto de um modo nunca visto antes. O poder de Deus, por exemplo, ficou vi- sivel na cruz. Os reis e os governadores da terra conspira- ram contra Deus e contra o seu Cristo. A terrivel inimizade de mente carnal e a desesperada pecaminosidade do cora- cdo humano pregaram Jesus numa cruz. O diabdlico édio de Satanas produziu o seu melhor esforco. O mundo, Sata- nas e todos os deménios do universo, langaram todo o po- der que tinham sobre Cristo, apesar dele ter poder mais do que suficiente para sobrepujar a todos. Na morte ele que- brou todos os grilhdes, todo o dominio do pecado e todo o poder de Satanas para sempre. Sua demonstragao do poder de Deus glorificou a Deus. A cruz revelou a justiga de Deus em toda a sua plenitu- de. O salario do pecado é a morte e, se Deus ia redimir os pecadores, alguém tinha que morrer pelos seus pecados. A pena da lei tinha de ser cumprida, ou a justica de Deus esta- ria comprometida. Isaias diz quando Jesus foi pendurado na cruz, “... 0 SENHOR fez cair sobre ele a iniqiiidade de nés todos” (Is 53.6). Deus nao negligenciaria a justiga, mesmo 52 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO DE DEsCRENTES que isso significasse a morte de seu amado Filho. Assim, pa- gando o maior de todos os precos, Cristo glorificou Deus na cruz mostrando sua justica do maior modo possivel — mais do que se cada membro da raga humana sofresse no inferno para sempre. A santidade de Deus também foi manifestada na cruz. Habacuque escreveu que Deus é “tao puro de olhos, que nao [pode] ver o mal ea opressao ... contemplar” (Hc 1.13). Deus nunca manifestou tanto sua ira pelo pecado como no sofrimento e morte do seu proprio Filho. Quando Cris- to sofreu na cruz, levando sobre si os pecados do mundo, Deus Ihe deu as costas. Mesmo amando Jesus com um infinito amor, sua santidade do Pai nao poderia tolerar a visao daquele que carregava os pecados. Foi por isso que Jesus gritou em agonia: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). Toda a alegre obediéncia de pessoas devotas de todas as eras nada é, comparada ao oferecimento do préprio Cristo para satisfazer todas as exigéncias da santidade de Deus. A fidelidade de Deus também foi mostrada na cruz. Ele tinha prometido ao mundo um Salvador desde © comeco. Quando Cristo, Aquele que nao tem pecado, foi oferecido na cruz para receber o completo e final salario do pecado, Deus mostrou a céus e terra que era fiel. Embora isso lhe custasse seu Unico Filho, ele nado mudou. Quando vemos tal fidelidade, nds estamos vendo a sua gléria. Muitos outros atributos de Deus foram mostrados na cruz em sua inteireza, mas 0 que permanece sobre todos os outros 6 0 amor. “Nisto consiste 0 amor: néo em que nds tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciagdo pelos nossos peca- dos” (1Jo 4.10). A mente humana nao pode compreender o amor que levaria Deus deixar 0 seu Filho morrer como expiagao pelos nossos pecados. Mas ele é glorificado na demonstragao desse amor. As Marcas do Cristo Dedicado 53 “.., também Deus o glorificara” Na terceira e final afirmacao sobre gléria, Jesus enfatiza que o Pai e o Filho estaéo muito ocupados glorificando-se mutuamente, e a maior gléria do Filho é posterior 4 sua obra na cruz. “... se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificard nele mesmo; e glorificd-lo-4 imediatamente” Jo 13.32). Havia uma certa gloria na cruz, mas o Pai nao pararia nela. A ressurreigao, a ascensao, a exaltagaéo de Cristo em toda a gloria sao importantes aspectos da gloria que seria sua. Mesmo hoje, sua maior gléria ainda é futura. Toda a futura gloria significava para Cristo que ele ti- nha de partir. Entao ele disse: “Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco; buscar-me-eis, e 0 que eu disse aos judeus também agora vos digo a vés outros: para onde eu vou, Vés nao podeis ir” (v.33). Enquanto pensava em sua gléria e toda a grandeza dela, Jesus estava também pen- sando em seus onze discipulos amados. Ele os chamava de “filhinhos” - uma expressao que ele provavelmente nao teria usado se Judas ainda estivesse presente. O que ele quis dizer com “o que eu disse aos judeus”? Ele havia dito aos judeus que o buscavam para prender: “Haveis de procurar-me e nao me achareis; também onde eu estou, v6s nao podeis ir” (Jo 7.34). Jodo 8.21 diz: “Vou retirar-me, e vs me procurareis, mas perecereis no vosso pecado; para onde eu vou vés nao podeis ir”. No verso 24 ele acrescenta: ”... por isso, eu vos disse que morrereis nos vossos pecados; porque, se nao crerdes que Eu Sou, morrereis nos vossos pecados”. E significativo que Jesus nao tenha feito tais adverténci- as aos seus discipulos criam nele. Mesmo nao tendo sido capazes de segui-lo quando ele subiu aos céus, nao havia perigo de morrerem em seus pecados. Jesus estava indo para o Pai e eles iriam sentir a falta de sua proximidade fisica, especialmente em tempos de provas e problemas. De fato, em Atos 1, quando Jesus foi elevado aos céus eles ficaram ali, olhando ansiosamente para cima. Eles nao queriam que 54 Como Ser CReNTE EM UM MuNDo Dé DescReNnTES ele partisse e Jesus sabia disso. Assim, em Joao 13, ele esta reafirmando que ainda que a sua gloria envolvesse a sua partida, ele ainda se preocupava com eles. E a introdugéo a um tema que continuara nos capitulos seguintes de Jodo. Por que Jesus disse tudo isso aos seus discipulos? Por- que ele sabia que, como verdadeiros discipulos, a preocu- pagao deles era com a gléria dele. Ele queria que eles participassem da expectativa e alegria da sua gloria vin- doura. Queria que se ocupassem com pensamentos sobre a sua gloria. A preocupacao com a gloria de Deus portanto, 6 uma das marcas de um verdadeiro discfpulo. Ela é 0 centro da tazao da nossa existéncia, uma paixado ardente que nés her- damos do proprio Senhor Nosso. Quando velejou paraa india Henry Martin disse: “Quero me consumir por Deus”. Depois, quando observava um templo hindu, ele viu pessoas se prostrando diante de ima- gens. Ele escreveu em seu diario: “Isso suscitou em mim mais horror do que 0 que eu possa expressar”. Ele conti- nuou: “Eu nao suportaria a existéncia se Jesus nao tivesse sido glorificado, seria o inferno para mim”. Uma vez al- guém perguntou a Martin: “Por que vocé se preocupa tan- to com a gléria de Deus?” E ele respondeu: “Se alguém arrancar os seus olhos, néo ha como dizer por que vocé sente dor, 6 um sentimento ~ é vocé. E porque eu sou um com Cristo que eu sou téo profundamente ferido”. Todo genuino discipulo conhece um pouco desse sentimento. UM AMOR INCESSANTE PELOS FILHOS DE DEUS O discipulo dedicado se preocupa nao apenas com a gloria do seu Senhor, mas também esta cheio do seu amor. Talvez essa marca seja 0 mais significante de todas em ter- mos de vida pratica que nos distingue no mundo. Embora os discipulos nao mais pudessem se regozijar As Marcas do Cristdo Dedicado 55 na presenga visivel de Jesus, eles ainda desfrutariam de uma completa, rica experiéncia de amor, porque eles teriam um depésito de amor em sua propria vida. De fato, o amor seria sua marca distintiva primaria: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerao todos que sois meus discipulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.34,35). Essas palavras de Cristo tiveram um impacto tao profundo no apéstolo Joao que ele fez delas a mensa- gem da sua vida: “...a mensagem que ouvistes desde o prin- cipio 6 esta: que nos amemos uns aos outros” (1Jo 3.11). Como crentes em Cristo nés temos uma nova capacida- de de amor dada por Deus. O amor de Cristo 6 derramado em nossos coragées (Rm 5.5) e esse o amor elimina a neces- sidade de um sistema legal (13.8-10). Por causa do amor, nos simplesmente nao precisamos viver por uma conjunto de regras e regulamentos. Nés nao precisamos de placas em nossa casa dizendo: “nao maltrate a sua mulher”; “nao dé pauladas nos seus filhos com 0 martelo”; ou, “nao rou- be, néo mate nem dé falso testemunho”. O genuino amor torna desnecessarias todas essas regras. Que tipo de amor marca um verdadeiro discipulo? Je- sus diz: “Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”. Isso estabelece um padrao extremamente elevado. Oamor de Jesus é altruista, sacrificial, indiscriminado, com- preensivo e perdoador. A menos que 0 seu amor seja as- sim, vocé nao tem cumprido o novo mandamento. Se a igreja subsistisse nessa forma de amor, nés impres- sionariamos 0 mundo completamente. Infelizmente, nao é assim que a igreja confessante age. Existem faccdes, divi- sdes e panelinhas. As pessoas difamam, revidam, falam demais e criticam. As pessoas do mundo olham e nao véem muito amor. Assim elas nao podem saber quais dos que se chamam cristaos na realidade o sao. 56 Como Ser Crenté eM uM Munpo pe Descrentes Um motivo por que seitas pseudocristas e falsas doutrinas tém tanta influéncia hoje é que poucos cristdos s&o discipulos mesmo. Fregiientemente é quase impossivel distinguir o ver- dadeiro discipulo do falso, porque nao hé muita manifesta- ao visivel do amor de Deus. Assim, o mundo nao sabe quem realmente esta coma verdade. Uma pessoa comum fica con- fusa ao contemplar o Cristianismo e tudo 0 que ele envolve. Os que afirmam ser cristéos nao parecem ter marcas que os identifiquem e tem-se a impressao de hes faltar amor mais do que qualquer outra qualidade de carater. No inicio do capitulo 13 de Joo, como ja vimos no capi- tulo 1 do nosso estudo, lavando os pés dos discipulos Je- sus lhes ensinou que a chave para o amor é a humildade. Aqui esté quaéo proximamente o amor esta preso 4 humil- dade: se nao amar, é porque vocé é orgulhoso. E Deus odeia um coracéo orgulhoso. Aqueles que sao orgulhosos nao tém capacidade para o amor. Em Filipenses 2.3,4, Paulo diz: “Nada facais por partidarismo ou vangléria, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Nao tenha cada um em vista 0 que é propria- mente seu, senaéo também cada qual o que é dos outros”. Isso foi exatamente 0 que Jesus fez, e agora ele ensinava os discipulos a amar. Como podemos demonstrar amor visivel? Primeiro, nés podemos admitir nosso erro com alguém. Se nao se apro- ximar de alguém a quem ofendeu para acertar as coisas, vocé coloca em divida a sua dedicacao a Cristo e a igreja sofrera por causa da sua indisposigao para 0 amor. A maior parte da amargura dentro da igreja visivel nada tem a ver com diferencas doutrindrias. Ao contrario, ela re- sulta de uma fundamental falta de amor e de uma indispo- sicdo para aceitar a humildade que o amor exige. Uma segunda maneira de mostrar amor é perdoando aqueles que tenham nos ofendido — quer nos pecam ou nao esse per- dao. Nao importa quao séria possa ter sido a ofensa contra As Marcas do Cristo Dedicado 37 vocé, o amor exige que vocé perdoe. Cristo perdoou os que zombaram dele, cuspiram nele e 0 crucificaram. Geralmen- te, as ofensas que sofremos parecem insignificantes com- paradas com o que ele sofreu. Mas qual é a nossa disposicao para seguir 0 seu exemplo e perdoar imediatamente? As Escrituras sao claras e inflexiveis nesse principio de perdao incondicional. Em 1 Corintios 6.1 Paulo diz: “Aven- tura-se algum de vés, tendo questao contra outro, a submeté-lo a juizo perante os injustos e nado perante os san- tos?” (Alguns dos corintios ao que parece estavam proces- sando outros crentes por erros que tinham sido cometido por eles) O verso 7 diz: “O s6 existir entre vos demandas ja é completa derrota para v6s outros. Por que nao sofreis, antes, a injustica? Por que nao sofreis, antes, o dano?” Ne- nhum versiculo em todas as Escrituras é mais pratico e exigente que esse. Vocé quer realmente manter um testemunho de amor nesse mundo? Entao aceite o que quer que venha em seu caminho, louve a Deus e deixe seu amor fluir através de vocé até aquele que o enganou. Esse tipo de amor iria con- fundir o mundo. O verdadeiro amor é caro e aquele que verdadeiramen- te ama tera que se sacrificar, mas enquanto se sacrifica neste mundo vocé esta ganhando muito mais no reino espiritu- al. E vocé estara mostrando a mais visivel, pratica e 6bvia marca de um verdadeiro discipulo. UMA INABALAVEL LEALDADE AO FILHO DE DEUS A terceira marca do cristao dedicado é a lealdade. Ela estd mais implicita do que expressa em Jodo 13. Apesar disso, a lealdade estd incluida com uma maravilhosa ilus- tracao de Pedro, que vacilou seguidamente, mas no fim provou ser um verdadeiro discipulo. Dele nés aprende- mos alguns principios intensamente praticos. 3B Como Ser Crenre em ust Munpo pe DescreNTES O discipulado é mais do que uma lealdade prometida. Ela deve ir além de fazer um voto a Deus (que nds temos tendéncia de fazer muito e freqiientemente). O discipulado exige uma lealdade praticada — uma lealdade operosa, fun- cional, que se mantém sob qualquer tipo de pressao. Toda essa conversa sobre a partida de Jesus deve ter preocupado Pedro profundamente. Ele nao podia supor- tar isso. Mateus 16.22 mostra de modo vivo quao intensa- mente Pedro rejeitava a idéia da iminente morte de Jesus. O Mestre havia predito sua crucificagao e ressurreigéo e Pedro, sempre 0 auto-indicado porta-voz dos discipulos, puxou Jesus de lado e comegou a repreendé-lo: “Pedro, chamando-o a parte, comegou a reprova-lo, dizendo: Tem compaixdo de ti, Senhor; isso de modo algum te acontece- 1a”. Essa era uma atitude obstinada e egoista de Pedro, que nao queria que Jesus lhe fosse tirado sob quaisquer circuns- tancias. “Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satands! Tu és para mim pedra de tropeco, porque nao co- gitas das coisas de Deus, e sim das dos homens” (v.23). Jesus estava completamente prevenido contra a atitude de Pedro e usou a oportunidade para ensinar-lhe uma ligéo sobre verdadeira lealdade. Quando Pedro lhe disse: “Se- nhor, para onde vais? Respondeu Jesus: Para onde vou, nao me podes seguir agora; mais tarde, porém, me seguiras. Re- plicou Pedro: Senhor, por que nao posso seguir-te agora? Por ti darei a propria vida. Respondeu Jesus: Daras a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo que jamais can- tara o galo antes que me negues trés vezes” (Jo 13.36-38). O coragao de Pedro estava ardendo de amor por Jesus. Mas enquanto seu amor por Jesus era admiravel, sua jac- tancia era tola. Sua recusa em aceitar as palavras de Jesus era apenas orgulho obstinado. Em esséncia, ele estava di- zendo: “Se tudo o que o senhor vai fazer é morrer, eu fica- rei feliz em morrer junto”. Mas ele estava falando precipitadamente, como um gabola. Talvez ele tenha dito isso em beneffcio dos outros discipulos, mas ele estava di- As Marcas do Cristiio Dedicado 59 zendo isso na carne. Pior de tudo, a mensagem para Jesus era “Eu sei mais que vocé”. Pode imaginar que choque foi para Pedro quando Je- sus predisse que ele o negaria naquela mesma noite? De fato, até o final da conversa — coisa rara para Pedro — ele nao disse mais uma palavra. Contudo, Mateus 26 relata que ele repetiu a sua jac- tancia mais tarde naquela noite no jardim. Naquelas al- turas todos os discipulos juntarem-se a ele em afirmar sua absoluta lealdade a Jesus, mesmo que isso significas- se morrer (v.35). Mas, logo depois, quando suas vidas pareciam estar realmente em perigo, ”... os discipulos to- dos, deixando-o, fugiram” (v.56) Havia um abismo descomunal entre sua lealdade pro- metida e a lealdade praticada. Pedro, que tinha se gabado em tao bom que ficaria junto do Senhor, falhou misera- velmente. Em vez de dar sua vida por Jesus, ele tentou salva-la negando-o. E ele nao fez isso em siléncio ou veladamente. Ele 0 fez em voz alta, praguejando e perante muitas testemunhas. Quatro coisas fizeram Pedro falhar no teste de lealdade. Ele se gabou demais Primeiro, ele era muito orgulhoso para ouvir 0 que Cristo estava tentando lhe dizer e muito ocupado se vangloriando. Lucas 22.31,32 registra a admoestacao de Jesus a Pedro: “Si- mao, Simao, eis que Satands vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé nao desfaleca; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmaos”. Nessa adverténcia esta implicita a predigao de que Pedro iria falhar e de que depois ele se arrependeria da sua fraqueza. Mas Pedro entendeu tudo errado: “Senhor, estou pron- to air contigo, tanto para a prisdo como paraa morte” (v.33). 1 Reis 20.11 adverte: “Nao se gabe quem se cinge como 60 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO DE DescRENTES aquele que vitorioso se descinge”. Pedro estava se jactando na carne, mas ele nao estava em uma posicao para se gabar de nada. Ele orou de menos Pedro falhou também porque as suas oragGes nao foram o que deveriam ter sido. Primeiro, ele estava se gabando quando deveria estar ouvindo; e mais tarde naquela noite, ele dormiu quando devia estar orando. O sono é uma coisa boa, mas nao é um substituto para a oracdo. Enquanto Je- sus estava orando em agonia no Getsémani, Pedro e outros discipulos cairam no sono. Lucas 22.45,46 diz assim: “Le- vantando-se da oracao, foi ter com os discipulos, e os achou dormindo de tristeza, e disse-lhes: Por que estais dormin- do? Levantai-vos e orai, para que nao entreis em tentagao”. A repreensao deve ter produzido um grande impacto sobre Pedro, porque muitos anos depois ele escreveu: ”... sede ... criteriosos e sObrios a bem das vossas oragdes” (1Pe 4.7). Estejam atentos, fiquem acordados, alerta. Isso nao é qualquer tipo de raciocinio teolégico abstrato; Pedro con- clui isso da sua propria vida. Ele agiu depressa demais Outra raz4o por que Pedro falhou no teste de lealdade foi ter sido impetuoso. Agir sem pensar era um eterno pro- blema na vida dele. Quando um grupo de soldados dos sacerdotes e dos fariseus entrou no jardim para levar Jesus, Pedro puxou a espada e cortou a orelha do servo do sumo sacerdote (Le 22.50; Jo 18.10). Seu motivo, contudo, foi o egoismo e talvez medo ou orgulho, mas nao lealdade. Je- sus 0 repreendeu por esse ato e curou a orelha do homem. Nem sempre é facil aceitar a vontade de Deus, mas os verdadeiramente leais serao sensiveis a ela. Pedro podia ter pensado estar ajudando a causa de Deus, mas estava desatento a tudo 0 que o Senhor fazia no sofrimento e morte As Marcas do Cristo Dedicado 61 de Jesus e suas agdes impetuosas na verdade atravessa- vam 0 caminho divino, levando-o a sua prépria queda. Ele ficou longe demais Uma razao final para a grande falha de Pedro é que ele deixou o lado de Jesus e comecou a segui-lo de uma certa distancia. Lucas 22.54 diz: “... prendendo-o, o levaram e o introduziram na casa do sumo sacerdote. Pedro seguia de longe”. Esse foi talvez o maior desastre de todos. Aqui estava a conseqiiéncia légica de todas as fraquezas de Pedro: a covardia. Ele havia se jactado tolamente de sua disposicgao para morrer; mas depois, quando teve a opor- tunidade, Pedro, pela primeira vez no relacionamento com o Mestre, se distanciou de Jesus. “... quando acenderam fogo no meio do patio e juntos se assentaram, Pedro tomou lugar entre eles” (Le 22.55). De repente ele estava sentado no meio dos zombadores. O verso 56 afirma que uma serva 0 reconheceu como um seguidor de Jesus e 0 indicou. Pedro, que tinha se gabado da sua lealdade com tanta énfase, agora com a mesma énfase co- megou a negar exatamente que ele tinha conhecido Jesus. LA estava ele, dentro do campo de visao do Senhor, ne- gando, até amaldigoando e jurando que nunca o havia co- nhecido (Mt 26.72). Quando o galo cantou, Jesus se virou e olhou para Pedro (Lc 22.61) e Pedro se lembrou. Ele sentiu tanta vergonha que tudo que pode fazer foi correr dali e chorar com grande amargura (v.62). E quanto a sua lealdade? O que vocé prometeu a Jesus? (Que o amaria? Que o serviria? Que seria fiel, afirma-lo sem- pre, abandonar o pecado, viver ou morrer por ele, dar tes- temunho ao seu vizinho? Como vocé tem agido? Tem se yabado muito? Orado muito pouco? Agido muito rapido? Seguido de muito longe? Quantas promessas vocé fez a Deus e nunca cumpriu? 62 Como Ser Crenrs EM UM Munbo pe Descrenres Nao era muito tarde para Pedro e nao é muito tarde para vocé. Pedro finalmente passou no teste de lealdade. No final ele pregou, sofreu e morreu pelo seu Senhor, exatamente com havia prometido. Ele provou a si mesmo ser um genuino discipulo. A primeira parte de sua historia 0 fez dele uma pessoa triste, mas no inicio do livro de Atos vemos um Pedro diferente. Talvez seja essa a coisa mais significativa que nés apren- demos com Pedro: Deus pode virar ao contrario uma vida quando ela é finalmente entregue a ele. Que tipo de cristao € vocé? Vocé é tudo que prometeu para Cristo quando creu nele? Vocé é tudo que prometeu a Cristo que seria, talvez mais recentemente, quando reavaliou a sua vida e tornou a dedica-la a ele? Existem marcas visiveis, distintas que mostram que vocé é um crente profundamente dedicado? Talvez vocé nao tenha as marcas de um cristao dedica- do, mas Deus pode transforma-lo em um verdadeiro dis- cipulo se vocé simplesmente se entregar e deixa-lo dirigir asua vontade. A vida de um cristaéo comprometido pode sair custosa, mas 6 0 tinico tipo de vida que realmente con- ta para a vida eterna. QUATRO wes A SOLUGAO PARA UM CORAGAO PERTURBADO Foram sombrias as horas naquela noite antes do Senhor ser traido, maltratado, torturado e, por fim, crucificado. Em um lapso muito curto de tempo, o mundo dos onze discipulos iria desmoronar num caos inacreditavel. Jesus, por quem eles haviam abandonado tudo, estava de parti- da. Seu amado Mestre, a quem eles haviam amado mais que a propria vida, aquele por quem eles tinham desejado morrer, os estava deixando. Seu sol estava para se por ao meio-dia e todo o seu mundo iria despencar a sua volta. De fato, as dores ja tinham comegado. As implicagées de tudo quanto Jesus tinha dito aos discipulos deve ter choca- do suas mentes e em Joao 14 eles estavam indubitavelmente atordoados, perplexos, confusos e cheio de ansiedade. Se ja perdeu uma pessoa amada, vocé sabe como ¢ esse tipo de separagdo permanente. Vocé pode imaginar o sen- timento de perda daquele que era perfeito, cujo companheirismo era téo puro, cujo amor era impecavel. Deve ter sido uma dor torturante, horrorosa. Assim, no comego do capitulo 14, Jesus prevé a tristeza dos coragées despedacados dos apéstolos e lhes dé con- forto sobre conforto. A medida que lemos as palavras de 64 Como Ser CreNTE EM UM MUNDO DE DescrENTES Jesus nos primeiros seis versos, descobrimos quao profun- damente ele se preocupava com seus discipulos. Ele esta- va para ser pregado a uma cruz e tinha pleno conhecimento de que brevemente carregaria os nossos pecados, seria amaldigoado com a maldicao de Deus, seria abandonado por seu proprio Pai, cuspido e zombado por homens ma- lignos. Naquela situagéo qualquer outro homem estaria em tal estado de agitacgao incontrolavel que jamais seria capaz de concentrar a sua atencao sobre as necessidades alheias — mas Jesus era diferente. Martinho Lutero chamou essa passagem de “o melhor e mais confortante sermao que o Senhor Cristo pregou na terra, um tesouro e uma joia impossivel de ser comprada com as riquezas do mundo”. Esses versos se tornaram o fundamento para o conforto, nado apenas dos onze disci- pulos, mas também nosso. Se ja atingiu na vida 0 ponto em que pensa ter ficado sem saida e sem lugar para des- cansar, vocé vai encontrar um travesseiro de plumas tre- mendamente macio em Joao 14.1-6: Nao se turbe 0 vosso coracado; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai hé muitas moradas. Se assim nao fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar- vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vés também. E vés sabeis 0 caminho para onde eu vou. Disse-Ihe Tomé: Senhor, nao sabemos para onde vais; como saber o caminho? Respondeu-lhe Jesus: Eu sou 0 caminho, ea verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senao por mim. JESUS E O VERDADEIRO CONSOLADOR Aqui esta Jesus Cristo, totalmente divino, mas ainda assim totalmente humano, antecipando o mais horrendo tipo de experiéncia que um homem ja suportou. Contu- A Solugéo para um Coragio Perturbado 6 do, ele estava nesse momento inteiramente despreocupa- do com sua prépria experiéncia, mas totalmente absorvi- do pelas necessidade de seus onze amigos. Com certeza ja se dando conta de que estava para provar 0 amargo cAlice da morte para salvar os pecadores, ele contudo in- teressou-se pelas tristezas e temores dos seus discipulos: “... tendo amado os seus que estavam no mundo, amou- os até ao fim” (Jo 13.1). Se ha uma mensagem tinica e central em Joao 14.1-6 é que a base do consolo é a fé simples e confiante. Se vocé esta descontente, preocupado, ansioso, atordoado, per- plexo, confuso, agitado ou de outro modo carente de con- solo, a razao disso 6 que vocé nao confia em Cristo como deveria. Se vocé realmente confiar nele, com que vocé tem de se preocupar? A razdo pela qual os discipulos esta- vam tao perturbados é que eles tinham comecado a olhar para seus problemas e nao pareciam capazes de deposi- tar a sua confianca em Jesus. Assim, nesses versos ele os faz lembrar da importancia de confiar nele. “Nao se turbe 0 vosso coracao” na lingua grega literal- mente significa: “Pare de deixar que 0 seu coracao esteja perturbado”. De fato, eles estavam provavelmente aterro- rizados. Tinham estado totalmente convencidos de que ele era 0 Messias; mas 0 tnico conceito que eles tiveram do Messias era de um reconhecido conquistador, um super- herdi, um rei soberano. Suas esperancas tinham subido ain- da mais em apenas uma semana, quando Jesus entraraem Jerusalém montado num jumento e todos haviam atirado ramos de palmeira no chao e o haviam adorado. Mas mesmo naquela situagao Jesus comegara a falar so- bre a sua morte (Jo 12.23-33). Como poderiam os discipulos conciliar isso com sua condicao de Messias? E quanto a eles? Isso era maneira de tratar com eles? Eles tinham deixado tudo e o seguido e agora ele os estava deixando. Nao ape- nas isso, mas ele ia deixa-los no meio dos inimigos que o odiavam ea eles. Nada parecia fazer sentido. Que vanta- yem podia ter um Messias que ia morrer? Por que ele tinha 66 Como Ser Crenté em uM Munpo pe Descrentes feito as suas esperangas crescerem tanto para depois deixa- los serem odiados por todos os homens? E de onde viriam os seus recursos? E, além disso, o proprio Senhor tinha informado os apés- tolos que um de seu proprio grupo seria o instrumento de traigéo, e que até Pedro, que externamente era 0 mais forte de todos eles, iria negd-lo naquela mesma noite. Parece que tudo estava se desenvolvendo da pior maneira. Porém, embora os onze remanescentes vacilassem, 0 seu amor por ele nao havia diminuido. Talvez, no meio de seus temores, eles estivessem esperando contra a esperanca de que ele fizesse alguma coisa para reverter 0 que para eles deve ter parecido uma situagao impossivel. Jesus, que po- dia ler em seus coragdes como em um quadro de avisos, sabia exatamente o que eles estavam pensando. Ele estava tocado por seus sentimentos e enfermidades e, de certo modo havia compartilhado com eles suas tristezas e dores (cf. Hb 4.15). Eles néo podiam sentir a dor de Jesus, mas ele podia sentir a deles. Exatamente como Isaias havia profetizado: “Em toda a angustia deles, foi ele angustiado” (Is 63.9) e “... 0 Sr- NHOR [o] ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados .. curar os quebrantados de corac¢ao ... a consolar todos os que choram” (Is 61.1,2). Ele certamente sabia “... dizer boa palavra ao cansado” (50.4). E interessante que em todo o tempo em que 0s estivera consolando, ele sabia que os seus discipulos se dispersa- riam e o abandonariam mais tarde naquela noite. Aqui estava o Pastor agonizante enfrentando a cruz e ainda con- fortando a ovelha que estaria dispersa e abandonada. “Nao se turbe 0 vosso coragao; credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14.1). A Solugao para um Coragdo Perturbado 07 NOS PODEMOS CONFIAR NA SUA PRESENCA O que nosso Senhor realmente esta dizendo em Joao 14.1 é “vocés podem confiar em minha presenga”. Ele se poe em um plano igual a Deus: “Creiam em Deus, creiam tam- bém em mim”. No grego, essa express&éo pode tanto ser imperativa como indicativa; ambas as formas sdo a mes- ma coisa. Portanto, ele podia estar dizendo: “Creiam em Deus e também em mim” (imperativo), ou “Vocés créem em Deus e também em mim” (indicativo). Eu creio, contudo, que Jesus estava realmente dizendo: “Crede em Deus, ainda que ainda que nao possam vé-lo. Crede também em mim. Continuem crendo. Sua féem mim nao pode diminuir s6 porque vocés nao me verao. Eu ain- da estarei presente com vocés”. Ele queria que os discipu- los entendessem que embora ele os estivesse deixando fisicamente, sua presenga estaria com eles espiritualmen- te. Ele estava de partida, mas eles sempre tinham tido aces- so a Deus ~ e isso nao mudaria. Deuteronémio 31.6 diz: “Sede fortes e corajosos, nio temais, nem vos atemorizeis ... porque o SENHOR, vosso Deus, € quem vai convosco; nado vos deixara, nem vos desampa- rara”. Essa fé na onipresenga de Yahweh era uma doutrina basica, implicita da religiaio dos judeus. A histéria dos ju- deus era uma prova do eterno cuidado e protegéo de Deus. A idéia de confiar em um Deus invisivel nao era novidade para os discipulos. Colocando-se no nivel de Deus, Jesus chamou a ateng¢ao deles para que confiassem nele mesmo quando ele nao estivesse fisicamente presente. Muitas vezes as pessoas tém interpretado Jodo 14.1 de maneira incorreta afirmando que Jesus estava falando da fé salvadora. Mas ele nao estava dizendo que os discipulos deviam crer nele para serem salvos; eles jé criam. Ele usou uma forma verbal linear, significando: “Continuem crendo en mim. Ainda que eu nao mais esteja visivel, continuem 68 Como Ser Crente eM uM MUNDO pe Descrenres crendo em mim, do mesmo modo que estao crendo em Deus”. Lamentavelmente, Tomé tipificou a fé inicial dos disci- pulos. Depois da ressurreigao ele ouviu dizer que Cristo estava vivo e tinha aparecido a outros. A sua resposta foi: “Se eu nao vir nas suas maos o sinal dos cravos, e ali nao puser 0 dedo, e nao puser a mao no seu lado, de modo algum acreditarei” (Jo 20.25). Mais tarde, foram exatamente essas as condig6es Cristo observou ao se encontrar com Tomé. E quando viu por si mesmo ele acreditou. Com os outros discipulos nao foi muito diferente. Eles acreditaram no que viram e nao mais. Esse é 0 mais baixo nivel de fé. Depois de mostrar os sinais dos pregos nas maos Jesus disse: “Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que nao viram e creram” (Jo 20.29). Ele estava tentando expli- car de maneira convincente que sua presenga visivel nao possuia nem de perto o significado de sua presenga espiri- tual. Ele esta 14, trabalhando em nosso beneficio, mesmo quando nao podemos vé-lo. O tema influenciou tudo que ele thes havia ensinado: “... eis que estou convosco todos os dias até 4 consumagao do século” (Mt 28.20). “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5). Pedro finalmente entendeu. Anos depois ele escreveu (1Pe 1.8), falando de Cristo: “... a quem, nao havendo vis- to, amais; no qual, nao vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizivel e cheia de gloria”. Eu nunca vi Jesus Cristo, mas ninguém ha nesse mundo em que eu creia mais. Ele esta vivo; ele é real; eu o conheco e sinto a sua presen- ca. O Espirito de Deus continuamente testemunha em meu coracgao com referéncia a essas verdades. Todos nos vivemos em conflito, desapontamento e dor. A maioria de nés vai experimentar épocas de profunda tragédia e severas provacoes, mas ele esta conosco. Quais- quer que sejam os seus problemas, quaisquer que sejam as dificuldades, em que vocé esteja, qualquer ansiedade ou A Solugio para um Coragio Perturbado 9 perplexidade que vocé tenha, lembre apenas que o Senhor em pessoa esta 1d. De certo modo, é melhor do que se ele estivesse visivel, porque ele nao esta limitado pelas restri- Ges de um corpo fisico. Ele pode estar onde quer que pre- cisemos dele. Quando vivia aqui na terra ele podia estar apenas em um lugar de cada vez. Agora ele esta a disposi- cdo de todos crentes em qualquer lugar. PODEMOS COMNFIAR NAS SUAS PROMESSAS Além da reafirmacao da sua constante presenca, Cristo fez aos discipulos algumas promessas maravilhosas: “Na casa de meu Pai ha muitas moradas. Se assim nao fora, eu vo-lo teria dito” (Jo 14.2). A tltima frase esta repleta de significado. Jesus queria que eles soubessem que 0 objetivo dele nao era engand-los e que ele nao permitiria que fos- sem iludidos. Eles tinham muitos pressupostos e concei- tos err6neos que precisavam ser corrigidos. Eles haviam acreditado, por exemplo, que o Messias seria um monarca conquistador, e ele lhes ensinou que primeiro ele teria de ser um servo sofredor. Mas a esperanca de eternidade no céu com ele nao era um conceito errado que precisasse de corregao. De fato, ele agora simplesmente queria reafirmar para eles que a expectativa de eternidade no seu reino nao era uma va esperanga. Sua partida seria apenas para proporcionar o cumprimen- to dessa expectativa: “Vou preparar-vos lugar”. Vocé pode imaginar quanto deve té-los confortado se dar conta pela primeira vez da razao por que ele estava partindo? Ele nao estava fugindo deles. Ele estava indo preparar tudo para recebé-los. E importante notar como ele se refere ao céu como “A casa de meu Pai”. Para ele 0 nome favorito de Deus era “Meu Pai”. Jesus que tinha habitado pela eternidade no regaco de seu Pai, veio para que pudesse revelar 0 Pai eo 70 Covo Ser Crenre eM uM Munbo pe DescRrEnTes que o Pai tinha sido por toda a eternidade. Agora ele seria glorificado pela morte e estava voltando para a gloria com- pleta com o Pai novamente na casa do Pai. No Novo Testa- mento o céu é por vezes seguidas chamado de um pais (enfatizando a sua vastidao), uma cidade (pelo grande ntimero de seus habitantes), um reino (por causa da sua estrutura e ordem) e um paraiso (pela sua beleza). Mas a minha expressao favorita para o céu 6 “A casa de meu Pai”. Eu me lembro que, quando era crianga, se nds fossemos visitar parentes, ou acampar, ou para longe de casa por qualquer razao, era um sentimento indescritivel de delicias voltar para a casa de meu Pai. Mesmo depois que eu cresci e fui para a faculdade, era maravilhoso ter a oportunidade de ir para casa. La eu era bem-vindo. Eu era aceito. Eu estava livre para ser eu mesmo, eu podia entrar direto, ti- rar e jogar o meu casaco, chutar meus sapatos, cair pesadamente numa poltrona e relaxar. Ainda era tanto a minha casa como a de meu pai. O céu é assim. Ir para casa no céu nao sera como ir para um palacio muito grande e estranho. Nés estaremos indo para casa. a casa de nosso Pai, mas ali nds somos residentes, nado somos convidados. E a nossa casa, nao algum lugar onde nos sentimos pouco a vontade. Ea nossa casa como a nossa casa nunca foi. A traducao desse verso (“Na casa de meu Pai ha muitas moradas”) tem dado a muita gente uma idéia errada. Mui- tos dos nosso hinos sobre o céu refletem a concepcao errénea de que ele esta cheio de grandes mansées. Alguns parecem pensar que quando eles chegarem no céu seréo saudados por um corretor de im6veis celestial, que Ihes passara as méaos pequenos mapas com instrugdes de como chegar a mansao certa. Mas “lugares de habitagdo” 6 uma tradugao mais correta do que “mansées”. Na cultura de Jesus, quando um filho se casava, raramente ele deixava a casa do seu pai. Ao con- A Solugao para um Coragio Perturbado 7 trdrio, o pai simplesmente acrescentava uma outra ala a es- trutura ja existente. Depois, se 0 pai tivesse mais que um filho, ele anexava uma nova ala 4 casa para a nova familia do filho. As novas alas circundariam um patio central, com as diferentes familias vivendo em volta dele. Esse 6 0 tipo de arranjo que Joao 14.2 indica. Jesus nao estava falando sobre salas em conjuntos habitacionais ou mans6es na encosta da colina, mais porém, um lugar de ha- bitagao que abrange a completa familia de Deus. Nés va- mos morar com Deus, nao a uma rua abaixo dele. Teremos 0 mesmo patio. E haverd espa¢o suficiente para todos. Nao haverd superlotagado, ninguém sera despejado, nem havera placas de “Nao ha vagas”. Apocalipse 21.16 diz: “A cidade é quadrangular, de comprimento e largura iguais. E mediu a cidade com a vara até doze mil estadios. O seu compri- mento, largura e altura sao iguais”. O céu, preparado unica- mente para os redimidos habitarem em corpos glorificados, sera como um cubo. “Doze mil estddios” (aproximadamente 2.400 km) ele- vados ao quadrado so 5.760.000 km?. Uma area desse ta- manho cobriria quase a metade continental dos Estados Unidos. Para dar um ponto de referéncia, Londres tem 224 km’. Se o andar térreo do céu tivesse a populacao na mesma razao de Londres, ele poderia conter cem bilhdes de pessoas — muito mais que a populagao atual do mundo —em seus corpos nao glorificados, e ainda sobra muito es- pago de reserva. Doze mil estddios ctibicos sao treze bi- lh6es e 824 milhdes de km?, um volume maior do que qualquer de nés pode conceber. O céu é imenso, mas a fraternidade no céu é intima. Em Apocalipse 21.2,3 Joao relata: “Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Entao, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernaculo de Deus com os homens. Deus habitara com eles. Eles sero 2 Cowo Ser Crete £ uM MuNpo be Descrentes povos de Deus, e Deus mesmo estara com eles”. Ele esta la, entre 0 seu povo, habitando com eles numa comunhao continua e sem impedimento. E Joao continua: “... e lhes enxugara dos olhos toda lagri- ma, € a morte jd nao existird, j4 nao haverd luto, nem pran- to, nem dor, porque as primeiras coisas passaram’” (v.4).O Pai cuida de todas as feridas e necessidades dos filhos na sua casa. Nao ha sentimento de necessidade, ou desejo de qualquer coisa, e nem emocées negativas. Eu jA me sinto caminhando para o céu. Meu Pai esta 14; meu Salvador esta 14; minha casa é 14; meu nome esta 14; minha vida esta 14; minhas afeicGes estao 14; meu coracao esta 14; minha heran- ca esta 14; e minha cidadania esta 14. Océu sera um lugar indescritivelmente lindo e glorioso. Imagine como ele deve ser~Jesus Cristo, que criou 0 univer- so em um semana, esteve trabalhando ja por dois milénios preparando o céu para ser a habitagdo do seu povo. Apocalipse 21.18-22 descreve: A estrutura da muralha é de jaspe; também a cidade é de ouro puro, semelhante a vidro limpido. Os fundamen- tos da muralha da cidade estéo adornados de toda espécie de pedras preciosas. O primeiro fundamento é de jaspe; 0 segundo, de safira; 0 terceiro, de calced6nia; 0 quarto, de esmeralda; 0 quinto, de sardénio; o sexto, de sardio; o séti- mo, de crisdlito; 0 oitavo, de berilo; o nono, de topazio; o décimo, de crisépraso; 0 undécimo, de jacinto; e o duodécimo, de ametista. As doze portas sao doze pérolas, e cada uma dessas portas, de uma s6 pérola. A praga da cida- de é de ouro puro, como vidro transparente. Nela, nao vi santudrio, porque o seu santudrio é o Senhor, o Deus Todo- Poderoso, e 0 Cordeiro. Joao continua escrevendo como Deus iluminara a cida- de. Imagine a mais pura, mais brilhante luz iluminando através das magnificentes jdias nas paredes. As suas por- tas nunca estao fechadas (v.25), embora nada que conta- A Solugio para um Coragao Perturbado B mine possa entrar ali. Que cidade vai ser! Ouro transparen- te, paredes de diamante e a luz da gloria do Cordeiro for- marao um espetaculo de luminosa beleza. E 0 Senhor Jesus esta preparando isso para os seus. “Se assim nao fora, eu vo-lo teria dito” (Jo 14.2). Jesus esta dizendo: “Creiam nas minhas promessas! Eu sempre lhes disse a verdade”. Ele continua: “... e, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mes- mo, para que, onde eu estou, estejais vés também” (v.3). Que tranqiiilidade essas palavras devem ter trazido para os amedrontados discipulos naquela noite tenebrosa. Tao certo como Jesus estava de partida, ele voltaria, em pes- soa, para recebé-los pessoalmente no lugar que ia prepa- rar para eles. Nos podemos ter confianga de que ele vai voltar, ain- da que nao saibamos quando. De fato Jesus esta ansioso para voltar e reclamar os seus. Em Joao 17.24, ele ora ao Pai: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a mi- nha gléria que me conferiste, porque me amaste antes da fundagao do mundo”. Jesus nos quer junto dele mais do que nés queremos estar com ele. A verdade da segunda vinda de Jesus esta nos labios dos cristaos em todo o mundo. Sempre esteve. Mas hoje parece ser uma elevada consciéncia, uma profunda expec- tativa de que ele bem poderia voltar agora. Mas mesmo que ele nao venha hoje, sabemos que ele vai retornar um dia. NOS PODEMOS CONFIAR NA SUA PESSOA Os discipulos devem ter ficado completamente aténitos quando Jesus, falando da sua partida, acrescentou: “... v6s sabeis 0 caminho para onde eu vou” (Jo 14.4). Até esse ponto eles tinham resistido a qualquer idéia de sua parti- da. Agora eles nao estavam certos de mais nada. Tomé 4 Como Ser Crente eM uM Munpo be Descrenres provavelmente tenha falado pelos outros: “Senhor, nao sa- bemos para onde vais; como saber 0 caminho?” (v.5). Tomé estava dizendo: “Nosso conhecimento para na morte. Como pois poderemos ir para © Pai sem morrer? O senhor vai morrer e ir para algum lugar, mas nés nao sa- bemos 0 que acontece depois da morte. Nao temos quais- quer mapas para ir para o Pai depois da sua morte”. E uma boa pergunta. A resposta de Jesus 6 profunda: ”Eu sou 0 caminho, ea verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senao por mim” (v.6). Em outras palavras: “Vocés nao precisam saber como chegar 1a. Eu venho busca-los”. E uma afirmagao de tudo que ele acabava de lhes prometer. E uma bela promessa. Vocé ja esteve em uma cidade estranha e parou para pedir informag6es? Se a sua experiéncia é igual a minha, vocé provavelmente encontrou alguém que lhe deu uma por- ¢4o de indicages complicadas que vocé nao conseguia en- tender. Quao melhor seria a pessoa dizer: “Siga-me; eu levo vocé 1a”. E isso que Jesus faz. Ele nao nos mostra simplesmente a diregao da casa do Pai — ele nos leva 1a. E por isso que a morte para 0 cristéo é uma experiéncia tao gloriosa. Quer morramos ou sejamos arrebatados por ele, nds sabemos que podemos confiar nele para nos levar a casa do Pai. Augustus Toplady, que escreveu 0 hino “Rocha Eter- na”, morreu em Londres aos 38 anos de idade. Quando sentiu a morte se aproximar, ele disse: “Eo meu voto de morte que essas grandes e gloriosas verdades que o Senhor em sua rica misericérdia me concedeu para crer e me capa- citou para pregar e agora transformou em pratica e pro- funda experiéncia. Elas sao a verdadeira alegria e o apoio da minha alma. O consolo que flui delas me eleva acima das coisas do tempo e do pecado”. Entao ele disse: “Tives- se eu asas como uma pomba, iria voando para o regaco de Deus para descansar”. Coisa de uma hora antes de morrer, A Solueio para um Coragio Perturbado 75 ele pareceu acordar de um doce cochilo e suas tltimas pala- vras foram: “Oh, que delicia! Quem podera compreender as delicias do céu! Eu sei que agora nao vai demorar muito mais até que o meu Salvador venha me buscar”. E entao, entre lagrimas abundantes ele disse: “Tudo é luz, luz, luz, luz, a luminosidade da prépria dele. O vem, Senhor Jesus, vem! Vem depressa!” E fechou os olhos. Com efeito, Jesus diz: “Creiam em mim. Vocés nao preci- sam de um mapa; eu sou o caminho, a verdade, ea vida. Eu sou 0 caminho para o Pai. Eu soua verdade, seja neste mundo ou no vindouro. Eu sou a vida eterna”. Cristo é tudo de que um homem ou uma mulher preci- sam. Tudo que Adao perdeu nés podemos recuperar em Jesus Cristo. Nés podemos confiar em sua presenga, suas promessas e sua pessoa, porque ele é 0 caminho, a verdade ea vida. Eu nao conhe¢o consolo maior do que esse em todo o mundo. CINCO wes JESUS E DEUS A importancia estratégica das horas finais de Jesus no Cenadculo com seus onze discipulos remanescentes nado pode ser exagerada. Todas as suas instrugGes para eles naquela noite — suas adverténcias, seus ensinamentos seus mandamentos, suas promessas e sua revelacao — foram cal- culados para fortalecé-los espiritualmente e prepara-los para o trauma que estavam prestes a experimentar. Era necessario que Jesus os preparasse para 0 choque da sua morte. A noticia da sua partida foi um tremendo golpe para eles e seus coracGes ja estavam profundamente perturba- dos. Eles tinham posto nele toda a sua fé e o amavam mais que a propria vida. A fé que possuiam poderia ser seria- mente danificada se 0 vissem morrer sem ouvir o que ele tinha para dizer naquelas poucas horas finais. Os discipulos haviam testemunhado alguns acontecimentos surpreendentes nos trés breves anos do ministério de Jesus. Ele havia expulsado deménios, curado pessoas com todo tipo de doencas imagindveis, e até levantado pessoas da morte. Ele tinha mostrado seu poder sobre todos os adversarios e chegou a vitéria em todas as situagdes em que pareceu estar ameacado. Ele havia rebatido com sucesso a cada argumento, respondido a 78 Como Sr CrenTe em uM Munpo pe DescRenTEs todas as perguntas, resistido a todas as tentacdes e confundido a todos os seus inimigos. Mas agora ele estava predizendo a sua morte nas maos dos homens perversos. Os discipulos confusos nao podiam entender como o Messias poderia se tornar uma vitima do povo. Isso nao combinava com 0 conceito que eles tinham do que seria a misséo dele. Eles pensaram que ele era invencivel, onisciente e isento de qualquer fraqueza. Agora eles esta- vam compreensivelmente confusos. Por que ele ia morrer? Como ele podia morrer? Como poderia qualquer alguém aceita-lo como o Messias se ele morresse? Sera que isso significava que tudo pelo que eles tinham vivido durante 0 ultimos trés anos fora em vao? E 0 mais crucial de tudo, sera que Jesus nao era quem eles pensavam que ele fosse? Jesus, sentindo as perguntas persistentes nos coragdes perturbados, continuou 0 ministério de consola-los, rea- firmando a sua deidade: Se vés me tivésseis conhecido, conhecerieis também a meu Pai. Desde agora o conheceis e o tendes visto. Repli- cou-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos 0 Pai, e isso nos basta. Disse-lhe Jesus: Filipe, hé tanto tempo estou convosco, e nao me tens conhecido? Quem me vé a mim vé 0 Pai; como dizes tu: Mostra-nos 0 Pai? Nao crés que eu estou no Paie que o Pai esté em mim? As palavras que eu vos digo nao as digo por mim mesmo; mas 0 Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. Crede-me que estou no Pai, e 0 Pai, em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo que aquele que cré em mim fara também as obras que eu faco e outras maiores fara, porque eu vou para junto do Pai. E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisaem meu nome, eu 0 farei (Jo 14.7-14). As implicagées das palavras de Jesus nesses poucos ver- sos séo esmagadoras. O fato de que ele afirmava ser Deus era suficientemente profundo. Mas entao ele acrescenta a Jesus E Deus 7” garantia de que os crentes nele teriam poder para fazer obras até maiores do que as que ele tinha feito, e conclui dizendo que se nds lhe pedirmos qualquer coisa em seu nome, ele o fara. Essas palavras sio monumentais por declarar nao ape- nas quem Jesus é, mas também o que ele pretende fazer na- queles e por aqueles que lhe pertencem. Eessa passagem contém trés importantes revelacGes aos seus discipulos e a nds: a revelacao de sua pessoa, a reve- lagao do seu poder ea revelacao da sua promessa. A REVELACAO DE SUA PESSOA Apenas alguns dias antes, quando Jesus entrou em Je- rusalém montado em um jumento aos gritos de “Hosana!”, nao havia dtivida na mente dos discipulos sobre quem ele era. Agora eles nao tinham tanta certeza e levantavam ques- t6es que ja haviam sido respondidas. Por isso Jesus reafir- mou quem ele realmente era, revelando-lhes a sua pessoa em termos claros e inconfundiveis: “Quem me vé a mim vé o Pai” (v.9); “... eu estou no Pai e que o Pai esta em mim” (v.10). O que foi que Jesus revelou a eles sobre si mesmo? Uma coisa: que ele é Deus. Eles tinham ouvido as suas afirma- Ges de deidade antes e haviam presenciado a prova disso em suas obras. Ele tinha acabado de dizer que era 0 cami- nho para Deus, a verdade sobre Deus e a propria vida em Deus (v.6). E ele vai um passo adiante nos versos 7 a 10 e afirma em termos inequivocos ser Deus. Suas palavras de- vem ter sido surpreendentes porque a declaracao era tre- menda. Nenhuma pessoa razoavel vai simplesmente desconsiderar a alegacao de Jesus de ser Deus. A simples, central e mais importante de todas as questées sobre Jesus éa que trata da sua deidade. Qualquer pessoa que estude a vida de Jesus tem de confrontar esse assunto, por causa 80 Como Ser Crente eM UM Munoo be DescrenTes do que o Novo Testamento ensina. Alguns concluem que Jesus era um insano, que tinha mania de grandeza. Outros acreditam que ele era uma fraude. Outros ainda tentam dizer que ele era apenas um bom mestre, mas isso na rea- lidade nao é uma solugao, porque bons professores nao afirmam ser Deus. Se nao fosse Deus encarnado ele seria um insano, ou uma fraude. Em vista dessas opcées, 0 ensaista cristéo, C. S. Lewis, corretamente observou que “a unica coisa que nds nao podemos dizer” sobre Jesus 6 que ele foi “um grande mestre de moral”, mas nao Deus. Lewis mais adiante anotou: Um homem que fosse meramente um homem e disses- se as coisas que Jesus disse nao seria um grande mestre de moral. Seria um lundtico - como um homem que diz ser um ovo frito — ou entao seria o Diabo do Inferno. Vocé tem que fazer a sua escolha. Esse homem era, e 6, 0 Filho de Deus ou entao um lunatico ou alguma coisa pior (Mere Christianity [Nova York: Macmillan, 1960], 41). Sabélio, um herege eo precursor da seita dos unitarianos, ensinou que Jesus era somente uma radiacgao, uma mani- festagdo de Deus. Mas ele nao é meramente um muanifesta- ¢ao de Deus; ele é Deus manifesto. Existe uma significante diferenca. Jesus é, de modo tinico, um com, mas distinto de, o Pai — Deus evidente em carne humana. Em Joao 14.7-10 Jesus faz a muito simples, indisfargada reivindicagao de que ele é nao menos que o préprio Deus. Ele ja havia dito aos apéstolos muitas vezes que ele proce- dia de Pai. Seu comentario no verso 4 implica que eles de- viam ter entendido: “... e vés sabeis 0 caminho para onde eu vou”. Eles deviam pelo menos ter conhecimento de que ele estava indo para estar com o Pai. Mas as palavras de Jesus os deixou cogando a cabega e Tomé pediu uma ex- plicacao. A resposta de Jesus foi simples: “Eu sou 0 cami- nho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senao por mim” (v.6). Jesus E Deus 81 Era uma afirmagao de divina autoridade. Em outras pa- lavras: “... se vocés me conhecem, sabem 0 caminho para onde eu vou. Eu vou para 0 Paie os levarei”. Ele reforgou aquela afirmacao com uma leve reprimenda pela descren- ga e uma reafirmagao de que eles estavam tao seguros no seu relacionamento com 0 Pai, como estavam em seu rela- cionamento com 0 Filho: “Se vés me tivésseis conhecido, conhecerfeis também a meu Pai. Desde agora 0 conheceis eo tendes visto” (v.7). Em um sentido, os discipulos absolutamente nao conhe- ciam a Jesus. Se realmente o conhecessem, eles nao estari- am preocupados quanto a onde o Pai estava. Eles possuiam algum conhecimento de quem Jesus era. Eles haviam declarado que ele era 0 Messias, o Ungido de Deus. Pedro tinha até feito uma afirmacao de que ele era o Filho do Deus vivo (Mt 16.16). Eles estavam muito perto de alcancar completamente a verdade da sua deidade e comegar a entender 0 que ela significava. Nao obstante, eles ainda estavam confusos, por isso Jesus afirmou na lin- guagem mais clara possivel, em termos que eles nao ti- nham possibilidade de nao compreender: “Se vos me tivésseis conhecido, conhecerieis também a meu Pai. Des- de agora o conheceis e 0 tendes visto ... Quem me vé a mim vé o Pai ... eu estou no Pai e ... 0 Pai esta em mim” (vs.7-10). Jesus estava dizendo aos seus discipulos: “Se vocés re- almente me conhecessem a fundo, conheceriam 0 Pai tam- bém. Sua confuséo quanto ao Pai significa que nao me conhecem direito também”. Se realmente tivessem visto Jesus inteiramente como Deus, eles nao teriam tido me- dos, dtividas e perguntas sobre quem era 0 Pai e como che- gar até ele. Lembre-se, as palavras de Jesus tinham a finalidade de os consolar. Eles sabiam que ele os amava. Jesus queria que eles soubessem que Deus cuidaria deles da mesma 82 Como Ser Crents eM um MuNbo pe DescreNTes: maneira, porque ele e o Pai sao um. Ter um relacionamento com um é ter um relacionamento com o outro. Esse é um principio importante e eterno. Se vocé rejeita o Filho, tam- bém rejeita o Pai; se vocé recebe o Filho também recebe 0 Pai. O apéstolo Joao compreendeu isso completamente, 0 que se tornou um tema do seu ministério. Anos depois ele escreveu: “Todo aquele que nega 0 Filho, esse nao temo Pai; aquele que confessa o Filho tem igualmente 0 Pai” (1Jo 2.23). Mas parece que nenhum dos discipulos compreendeu de imediato a completa importancia do que Jesus estava lhes dizendo. Suas palavras: “Desde agora o conheceis e o ten- des visto” (v.7) sio mais um predigao do que uma procla- magao. “De agora em diante” nao significa “desde este preciso momento em diante”, porque Jesus sabia que eles ainda nao tinham entendido completamente 0 que ele es- tava dizendo (De fato, o verso 8 revela que Filipe ainda nao sabia completamente quem Jesus era). Do mesmo modo, “o conheceis e o tendes visto” nao significa que os discipulos agora tivessem entendido com- pletamente quem Deus era e é. Usando 0 idioma do seu tempo Jesus falou no tempo presente para significar a cer- teza concludente do que ele estava dizendo. A mensagem aos discipulos foi: “A partir de agora vocés vao comegar a compreender”. Através dos acontecimentos dos quarenta dias seguintes ~ a morte de Jesus Cristo, sua ressurrei¢ao, sua ascensao, e a vinda do Espirito Santo ~ eles viriam a compreender mais completamente a pessoa de Jesus e seu relacionamento com 0 Pai. E isso foi exatamente 0 que aconteceu. Tomé, por exem- plo, tinha duvidado da ressurreigaéo mesmo depois de ou- vir 0 relato de testemunhas oculares. Mas quando viu Cristo tudo se encaixou — finalmente — e ele entendeu quem Jesus era. Ele olhou para 0 Senhor e Salvador ressurrecto e dis- se: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Jesus E Deus 83 O pedido de Filipe em Joao 14.8: “Senhor, mostra-nos 0 Pai, e isso nos basta”, provou que os discipulos, durante o seu tempo no Cenaculo, nao viram a completa verdade de quem Jesus é. O pedido de Filipe foi superficial, sem fé, ignorante e revelou que o conhecimento que ele possuia de Deus era incompleto. Entao ele fez 0 que as pessoa tém feito ao longo da Historia: ele pediu para ver. Filipe estava tentando andar pelo que via mais do que pela fé. Para ele, crer nao era o suficiente; ele queria ver al- guma coisa. Pode ser que ele estivesse se lembrando do re- lato de Exodo 33, quando Moisés ficou escondido atras de uma pedra e viu 0 clarao da gloria de Deus passar. Ou pode ser que ele tenha se lembrado das palavras de Isaias 40.5: “A gloria do SENHOR se manifestara, e toda a carne a vera Talvez, mas eu nao creio que Filipe fosse um profundo conhecedor da Biblia. Ele era claramente um discipulo sem fé que queria que a visdo substituisse a confianga. Nés po- demos compreender os sentimentos dele. Seria muito mais facil tolerar a partida de Jesus se os discipulos pudessem primeiro ter um vislumbre do Pai sé para ter a certeza de que ele realmente sabia para onde estava indo. Seria muito mais facil se agarrar na promessa de Jesus de que ele volta- ria para buscé-los, se Deus pudesse vir e confirmar as suas palavras. Se Jesus pudesse fazer isso, nao haveria duvidas quanto a validade de suas afirmagées. O proprio Deus se- ria a garantia de que a promessa de Jesus era segura. Essa nao era a primeira vez que Jesus tinha tratado des- sa mesma questao. Em Joao 8.19, 0 apdstolo registra que alguns judeus incrédulos “... lhe perguntaram: Onde esta teu Pai? Respondeu Jesus: Nao me conheceis a mim nema meu Pai; se conhecésseis a mim, também conhecerfeis a meu Pai”. A pergunta de Filipe revelou a sua falta de fé e Jesus deu a ele a mesma resposta que ele havia dado aos judeus incrédulos: “Filipe, ha tanto tempo estou convosco, ¢ nao

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