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F a | Y-JUCA-PIRAMA | OINDIO: AQUELE QUE DEVE MORRER nto de Urgéncia de Jondrios TAGAQ No vigésimo quinto aniversério da Declarac&o Universal dos Direitos Humanos desafiados pela nossa consciéncia choque da realidade que nos envolve entregamos & consciéncia nacional comungam conosco a mesma esperanica este manifesto de urgéncia sobre a dramatic condic&o dos povos indigenas do Brasil. 25 de Dezembro de 1973 NATAL DE JESUS NATAL DO HOMEM pela nossa missio e pelo em particular a quantos —- DOCUMENTO DE URGENCIA ASSINADO PELOS BISPOS E MISSIONARIOS: Dom Mazimo Biennés Bispo de Caceres — MT Dom Helio Campos Bispo de Viana — MA Dom Estevto Cardoso de Avellar Bispo de Maraba — PA Dom Pedro Casalddliga Bispo de Sao Félix — MT Dom Tomdés Baldwino Bispo de Golés — GO Dom Agostinko José Sartori Bispo de Palmas — PR Fret Gil Gomes Leitéo, Missiondrio de Maraba — PA Pe, Antonio Iasi Missionério de Diamantino — MT Fret Domingos Maia Leite Missionario de Conceigao do Araguaia — PA Pe. Antonio Canuto Missionario de Sao Félix — MT Pe. Leonildo Brustolin Misstonario de Palmas — PR Pe. Tomds Lisboa Missionatio de Diamantino — MT 1 — SITUAGAO DOS POVOS INDIGENAS DO BRASIL Os Bispos da regio Extremo Oeste declararam a 12-11-1971: “Assistimos em todo o pais & invasio e gradativo esbulho das terras dos indios. Praticamente nio so reco- nhecidos os seus direitos humanos, o que os leva paullatina- mente & morte cultural e também biolégica, como ja suce- eu a muitas tribos brasileiras” (1). ‘0 documento firmado por 80 homens de eiéncia em Curi- tiba dizia: “Os que assinam o presente, ligados ao problema do indio por razbes de atividade profissional ou por vincwla- gio de sentido puramente humanfstico, sente de dirigir-se, de piblico, as autoridades do pafs e & propria consciéncia nacional, com o propésito de despertar o intere- esse e a atencdo para as ameacas que se renovam contra os direitos mais elementares das populacdes indigenas brasi- leiras” (2) Para avaliar o aleance da afirmacdo dos Bispos e dos cientistas acima citados e para verificar que ndo ha apenas ameacas mas reais violagdes dos direitos das populagdes indigenas, apresentamos algumas noticias publicadas em jomais e revistas somente nos tltimos dois anos, a partir do inicio da construeao das estradas na Amazonia “Respondendo as criticas dos irmios Villas Boas & cons- trug&io da BR-80, disse o presidente da FUNAI, General Ban- deira de Mello que a estrada nio vai criar problema para os indios” (3). ‘No criar problemas para os indios significa néo violar © seu direito a terra, néo levar a eles a morte pelas enfer- midades e pelos conflitos violentos, nao os dispersar, nfo destruir enfim sua cultura. Entretanto um antropélogo, assessor do préprio pre- sidente da FUNAI, afirmou: “Todos sabem que uma estrada, cortando reservas indigenas, é um vefculo que traz enormes problemas para os indios e conseqiientemente para a FUNAI (4). Referindo-se & BR-80 assim falou o sertanista Orlando Villas Boas: “Nao tem levado para a regido sendo cachaga, prostittic&o, aventureiros e depredadores da natureza” (5). No principio deste ano, os jornais noticiavam: “Os trés funciondrios da FUNAI do subposto de Alalau (Roraima) fo- ram assassinados por vinganca pelos indios Waimiris-Atroa- ris que, em junho de 1972, haviam sido desrespeitados por mateirds coritratados para’ apolar os trabalhadores da es- trada Manaus-Caracarai” (6). 4 ‘A mesma coisa poderd acontecer em outras dreas, come atirmou o Professor Eduardo Galvao do Museu Goeldi de Belém, ao prever “choques entre as populagdes indigenas e © elemento colonizador na rodovia perimetral Norte” (7). ‘Nessa perimetral, além das mortes violentas, ha ainda, eomo em todos 0s casos de contato dos indios com as frentes de penetracéo, a morte causada pelas enfermidades: “14 in- dios Waimiri-Atroari, vitimas da gripe fog” (8). A respeito da situacdo dos indios de Roraima, dizia um Jomal de Manaus: “O indio foi e continua sendo sempre a vitima indefesa. Suas terras sio invadidas, suas reservas roubadas, suas mulheres ultrajadas. A polfcia de Boa Vista sabe disso... a FUNAI também o sabe...; 86 nés néo sabe- mos porque o {ndio deve continuar a ser exterminado sob 0 olhar tutelar da FUNAT...” (9). A BR-80 que dividiu a tribo Tukarramée provocou toda uma reagio em cadela. “Como conseqiiéncia. daquela: rea- ao em cadeia, outros problemas virdo e, quando forem cons- tatados, muitos indios jé tero morrido” (10) . Isto, infeliz- mente, jé esta acontecendo: “4 mortos, 20 doentes em pe- rigo de Vida e 70 internados sio o resultado do surto de sa- rampo que atingiu os indios Tukarramae, numa das mais graves crises de doencas do Parque Nacional do Xingu, agora cortado pela BR-80” (11) Essa, calamidade, porém, se justifica dentro da visio do sistema “pois o Parque Nacional do Xingu ndo pode impe- dir 0 progresso do pais’, como afirmou o presidente da FUNAL, General Bandeira de Mello (12). A resposta a isto j4 foi dada antecipadamente pelo poeta: “... chame-lhe progresso quem do exterminio secular se ufana; eu, modesto cantor do ovo extinto, chorarei nos vastissimos sepuleros que: vio do mar aos Andes e do Prata ao largo e doce mar das Amazo- nas” (13). Tal violagio dos direitos dos indios nao constitui proble- ma para a FUNAI que, na opinigo do Deputado Jeronimo Santana, “perdeu o sentido da mensagem do Marechal Ron- don — morrer se preciso for, matar nunca — e hoje em dia, para defender seus interesses, 0 que 0 drgio leva menos em. conta € 0 proprio indio” (14). ‘A linguagem do General Bandeira de Mello parece me- nos a do presidente do érgos criado para defender os .di- eitos dos indios, que 0 eco das palavras dos latifundidrios da Amazinia: “Referindo-se as diretrizes da FUNAI para 1972, voltou a ressaltar que o indio nao pode deter o desen- volvimento” (15). ein. 5 A simples construgio de uma estrada em area indigena constitui uma violagéo do direlto que os indios tém sobre suas terras. No dizer de quem 6 autoridade no assunto, Gon- zalo Rubio, Diretor do Instituto Indigenista Interamerieano: “A aco dos aventureiros e exploradores de ontem, contra 0s indigenas, se somam hoje os elementos novos, as estradas e as foreas progresso — os quais, mesmo sem intenc&o de produzir danos, atrapalham inegavelmente a vida dos grupos que ainda restam” (16). Tal assertiva. encontra eloquente comprovacio no que disse 0 engenheiro Claudio Pontes, da Empresa Industrial e Técnica, uma das que vio construir a Perimetral Norte: “Em momento algum o trabalho ser in- terrompido, mesmo que surjam problemas com indios” (17). Os conflitos surgem inevitavelmente: “Trabalhadores € engenheiros da COTERRA — companhia de terraplenagem que constroe a BR-80 — foram recebidos & bala, quando ten- faram se sproximar da sldeis dos Sndlos ‘Tukarramée,.." 16) . “Um ultimato, um furto e um tirotelo, com a agravante da tensio na area, provaram, hé duas semanas, que os indios do Xingu ndo aceitam ainda a estrada” (19). ‘Resumindo: “A ‘TransamazOnica e outras estradas em construc&io no Norte do pais estdo formando o cerco em volta de 80 mil indios brasileiros, condenando-os & extin- cho” (20). Alias a Amazénia 6 tida como terra de ninguém e o triste exemplo de desrespeito aos direitos de seus legitimos ocupan- tes lamentavelmente vem de cima: “Quando se quer fazer alguma coisa na Amazénia, no se deve pedir licenga: faz-se”, afirma 0 Coronel Carlos Alofsio Weber (21) Que outros Srgios do gaverno, responsiveis pelos bens materiais da AmazOnia, sejam omfssos, jd é intolerdvel pois constitui, na expressfio do General Olimpio Mourio Filho: “um absurdo o que se faz atualmente na Amazénia. Acaba- remos transformando a selva num deserto” (22) Ultrapassa, portanto, o absurdo que o érgio nato para a defesa dos di- reitos dos indios seja “o grande ausente nos sertdes amazd- nicos”, como teve oportunidade de confixmar, em sua se- ‘gunda’viagem ao Norte, o General Frederico Rondon. (23). ‘A imagem que temos da Amazdnia, essa vastidao plena de mistérios e de desafios, que oferece ‘tanto espaco para o mito da “conquista” pode faciimente atenuar ou encobrir a responsabilidade da FUNAT. Se, porém, passarmos para 0 €X- tremo sul do pafs, encontramos melancdlicos depoimentos como este de Carlos de Araujo Moreira Neto: “Em Telagio 20 6 problema que vem sendo especificamente discutido, isto é, situaeGo atual dos indios Kaingang do Rio Grande do Sul, principalmente no que se Tefere As sucessivas invasdes de Nonoai por intrusos, a posigéo da FUNAT e de outros setores oficiais interessados, & caracteristicamente cautelosa e dila- torla 0 que leva ao fortalecimento do “status-quo”. Neste sentido ndo ha diferenca entre a aco da FUNAI e © do SPI, ambos ineapazes de uma modifieacéo significative. no sis- tema geral de expoliagio e aviltamento a que esteve (e esté) submetido” (24) . ‘Ainda a propésito dos indios do Sul, podemos citar a opt- nifo de outro antropélogo, 0 Professor Silvio Coelho dos San- tos, diretor do Museu de’ Antropologia da Universidade Fe- deral de Santa Catarina: “... conheco a situaeao dos indios nos Estados de Parand, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pois desenvolvi extenso projeto de pesquisa nessa rea. ‘A Situaedo no 6 boa em nenhum dos postos que conhece- ‘mos, mas € sempre plor quando os indigenas estio em con- tato com os brancos” (25) “Bébados, maltrapithos e famintos, escondidos no mato ou vagando pelas estradas a esmolar, os poucos milhares de indios das teservas do Rio Grande do Sul, passam quase ignorados durante os iiltimos meses de farto noticlario acerea de seus irmaos de raca”. (26). “O engenheiro Moisés Westphalen, professor universitario € grande estudioso do problema indigena, afirmou: “O governo gaiicho sempre participou da expoliacdo da terra dos indios € a FUNAI 6 uma morta-viva. O que esto fazendo com os indios no Rio Grande do Sul é um genocidio, porque eles nao podem viver sem terra” (27). ‘Seguindo 0 toteiro da miséria e da fome do indio bra- sileiro, encontramo-los também em S. Paulo onde “passam © dia mendigando, dormindo sob as pontes e bebendo a ca- chaga que podem comprar ou que os moradores de outros hharracos Ihes oferecem. Vestem-se de farrapos e perambulam pelos bairros proximos de Santo Amaro (28) . No Mato Grosso os Xavantes esto “em pé de guerra ¢ dispostos a reagir a qualquer invasdo de suas Teservas” (29) Os Tapirapés foram recentemente “ameacados de ser retira- dos de suas terras pela FUNAI” que desejava “transferi-los para a Ilha do Bananal, cedendo as presses da Companhia Colonizadora Tapiraguaia (30). “Os indios Galera e Sararé do grupo Nhambiquara, que a FUNAT est transferindo para uma reserva indigena, encon- tram-se em estado de satide tao precdrio que, ha poucos meses, 7 um surto de gripe, decorrente do contato com os brancos, di- zimou toda a populacdo tribal na faixa dos 15 anos” (31). A transferéneia dos indios Nambikuara se prende a necessidade de ceder suas terras a poderosos grupos econémicos. Noticias provenientes de Cuiabé dio conta de que os Kala bi foram solicitar armas 4 FUNAI “para enfrentar alguns fa- zendeiros da localidades de Porto dos Gatichos que continuam invadindo suas terras (32). Em Golds informa-se que “250 {ndios Xerentes tentam as- sumir controle do municipio de Tocatinias, tendo ja saque- do algumas fazendas. Os indios reclamam a propriedade das terras em que vive” (33). ‘A respeito dos indios Karaja da Tiha do Bananal, Estado de Golds, lemos depoimentos como este: “Vejam: os civilizados construiram aqui os seus hotéis para assistir a decadéncia de outra civilizacdo. £ uma barbarie”. A barbarie a que se refere © oficial da FAB é 0 espetéculo visto da varanda do hotel Kennedy naquela ilha: “Os indios catajés voltando bébados da cidade matogrossense de S. Félix. Os indios atravessam © rio soltando longos “uivos” dentro da noite” (34). Ainda sobre os Karajas: chegou-nos ao conhecimento uma carta de Luciara, no dia do indio, (19-473), assinada por 125 mora~ dores daquele lugarejo e enderecada ao Diretor do Parque Indigena do Araguala, Ilha do Bananal. Entre outras coisas, dizia: “Pedimos em favor deles (indios Karajas em Luciara) uma urgente intervencio da FUNAI. Alguns gravemente do- entes (tuberculose) e todos absolutamente abandonados, pre- cisam de uma assisténcia excepefonal e permanente”. Na Bahia, nfo obstante o reduzido mimero de indios 14 existentes, encontramos a mesma violacdo dos seus direitos, com todas as consegiiénclas que daf derivam: “Homens en tregues & beblda, mulheres transformadas em empregadas doméstieas, criancas que morrem antes de completar 1 ano de idade, assim vivem os indios Quiriris, tribo em decadén- cia atualmente, localizada na Vila de Mirandelo a 293 Ks. de Salvador” (35) Os indios Pataxés, como alids todos os outros, nos pla- nos oficiais, valem até menos que a flora e a fauna: “A. pro- teedo deles’deveria unir-se ou mesmo sobrepor-se & defesa da flora e da fauna do lugar” (36). E se sua transferéncia for concretizada, “decretara” o fim do ultimo direito que a tribo ainda tem de viver na terra onde nasceu" (37). O pro- testo dos indios Pataxés & patético: “Nés, indios, somos como @ planta¢éo que, quando mudada de lugar, se nfo morre pelo menos se ressente muito. Néo aceitamos sair daqui por- 8 que muitos anos antes de existir o parque, a gente jé estava nesta terra que, boa ou ruim, & nossa e é onde nasceram, se criaram, morreram e estéo enterrados nossos pais ¢ avs” (38) . No Para, “os indios (Gavides) acabaram sendo removi- dos para outra area pela FUNAT. Mas estavam tao transtor- nados que as mulheres chegaram ao ponto de praticar abor- tos para que nao nascessem criancas, pols os bebés, segundo elas, dificultavam a locomoeao da tribo. E a tribo estava sempre mudando de lugar, fugindo dos brancos” (39). Um grupo deles “maltrapilho e'faminto, chegou a Fortaleza para pedir ajuda” e na sua linguagem simples fizeram a dentincia contra a FUNAT porque ela € dirigida por um homem. civili- zado e homer civilizado engana 0 indio” (40). ‘© mesmo drama do fndio pode ser presenciado no Nor- deste onde “Xucurus”, Fulniés, Pankararus e Harnués sobrevivern apesar de confinados em parcelas de seus antigos territérios e “perambulam” de um lado para outro, sempre es- corracados” (41) . “Em Rondonla, a ocupagio afeta indio e ecologia” (42) . Surgem mortes de’ parte a parte e os responsdveis sio “os grilelros, garimpelzos ¢ seringueiros, que invadem as terras dos indios” € 0 que se vé Obrigado a reconhecer o proprio presidente da FUNAI (43). Mas a verdadeira responsabili- dade reeai sobre a FUNAI porque “tem dado permissio a empresas de mineragio para explorarem minério na Area indigena”, como fol afirmado na Camara dos Deputados em Brasilia (44) . Nesta raplda amostragem da situaco dos indios, ficou bem claro que “o indio brasileiro esté sendo exterminado. Com 0 avango da civilizacéo branca tem havido choques e sempre 0 indio brasileiro leva a plor. Esse exterminio nao se faz apenas através de armas mais poderosas, mas tam- bém Por causas biolégicas introduzidas pelo branco”, como afirmou o Professor Newton Freire Maia, Diretor do Depar- tamento de Genética da Universidade do Parana (45). Nao obstante a criagaio do novo érgao para atender as populagdes indigenas, a situacéo destas continua a mesma senio plor que a deserita pelo Grupo de Trabalho constitui- dio por deereto presidencial, maio de 1968: “Km que pese forte legislagdo que, desde 0 periodo colonial procura ampa- yar 0 nosso indio, continua o destespeito pelo silvicola. As dificuldades para o cumprimento dessas leis ¢ a morosidade do rito processual nos casos de invaséo cu posse, siio incen- tivos pata a continuac&o da expoliacao de suas terras. Sem- 9 ‘pre de maneira ilegitima, por fraude ou violéncia, foram as terras tiradas a seu dono. E, néo raro, para “legitimar” 0 esbulho, hé a acobertélo'um decreto, uma lei ou um ato administrative qualquer (46). “FUNAI, SPI mesma coisa”! exclamava com amargura um chefe Karaja... “Os Villas Boas protestam” faz a manchete da noticia da verdadeira trama contra o Parque Indigena do Xingu, patrocinada pela FUNAI e defendida pelo General Ismarth de Araiijo, superintendente do érgo, sob pretexto de integracao: “{ndio integrado, segundo os boletins do érgios, € aquele que se converte em mao de obra”. Para os sertanistas, 6 um mal. Essa politiea caracterizou-se pela opressaio” (47). © problema de fundo continua o mesmo, em que pese & explicagao posterior do Superintendente que persiste em de- fender a “integracéo”, mesmo que a qualifique de “enta e harmoniosa” (48). Para encerrar esse levantamento de dados, passemos a. palavra a Um dos nossos mals sensiveis poetas atuais: “Ho- mens esquecidos do arco-e-flexa — deixam-se consumir em nome — da integracio que desintegra — a raiz do ser e do viver. — “Vocés tém obrigacdo de usar calea — camisa pa- lets sapato e Ienco — enquanto no Leblon nos despedimos — de toda a convencio e viva a natureza...” — Noel, tuo disceste: — a civilizaedo que sacrifica povos e culturas anti- quissimas — é uma farsa amoral” (49). 2, — AS CAUSAS DA EXTINCAO DOS fNDIOS Este sucinto e incompleto levantamento da. situagio das nossas populacées indigenas j4 teria sentido para nés, se, com ele, conseguissemos alertar a consciéneia de todos os’ brasilei- os, correspondenda ao apelo do General Antonio Coutinho, Delegado da FUNAT: “Se a Igreja nao botar a boca no mun- do, os {ndios. .. vao ser sempre massacrados” (50) . Sinais de um despertar da conseléncia se vislumbram aos indios mas, diante da sombria realidade, néo conseguem vencer uma “enorme sensacio de remorso”, porque “no fun- do, no fundo, o que a gente faz 6 um erime”, como melan- colicamente confessava o sertanista Antonio Cotrim Neto (61) Cumpre reconhecer que tem sido farto 0 noticidrio dos jomais sobre os fndios, mas esbarra na indiferenca do nosso povo que tem uma visio errénea, superficial e tendenciosa respeito das poptlacées indigenas. Para a maioria, 0 indio ndo passa de um “selvagem” ou de uma figura de museu. 10 Para alertar e melhor interpretar essa problematica que, queiramos ou ndo, 6 também nossa, apresentamos algumas pistas para a andlise das causas que produzem essa morte Ienta das populacdes indigenas. : 2.1, — A POLITICA INDIGENISTA DO GOVERNO As populagées indigenas sfio vitimas de todas as injus+ ticas. A propria politica indigenista, por ser mais politica do que indigenista, esté merecendo as mais severas criticas, ‘@ ponto de ser considerada “carente de qualquer mérito e um amontoado de contradic6es” (52). “a reformulacio urgente dos métodos adotados pela FUNAI é a tmica maneira de evitar que os indios brasileiros sejam destruidos pela civilizacdo”, afirmou o sertanista Cotrim (62). Antes dos proprios métodos, ha algo bem mais profun- do a ser teformulado: “A tinica solucdo para o problema dos Indios brasilelros sera a total reformulacdo da atual politica adotada pela FUNAI, disse o General Frederico Rondon” (54). “Aparentemente a FUNAI é uma instituicgo muito di- namiea, 4 qual o pais deveria inestimaveis servicos. Rara é a semana em que a imprensa no registra declaracdo de seu presidente sobre os projetos da entidade e as complexas tarefas realizadas por seus funciondrios. Infelizmente essa smagem idilica da Fundacéo Nacional do Indio no passa de ‘um mito” (65). Dos altos escaldes as simples equipes de atragao, res- salvando uns poucos e heroieos sertanistas, 0 que caracte- riza a FUNAI € 0 despreparo para a missio que foi chamada ‘a desempenhar. Ela se transformou numa enorme mAqui- ‘na buroeritica centralizada em Brasilia e “cujas opedes so alheias ao bem-estar da comunidade indigena” segundo res- saltou o Dr. Amaury Sadock (56) . O Dr. Sadock era o tinico dos altos funcionéirios da FUNAT que entendia de indio, mas teve que se demitir, dadas as irre- gularidades existentes no orgio que, na opinifo do Gal. Badeira de Mello “atingem a quase todos os setores da FUNAI, envolvendo inclusive a nossa prestagia de contas” (57). & impossivel reformular uma auténtica politica indi- genista sem a redefinicdo de princfpios e conceitos e sem situé-la no conjunto da politica nacional. Nem mesmo 0 con- tetido antropolégico de certas palavras como “aculturacao” e “integragao” tem sido respeitado no jogo de prestidigita- un Go de certos conferencistas que a FUNAI tem enviado ao éstrangeiro, na sua preocupacio com a “boa imagem”. A propria Convengao N° 107 da Organizacéo Internacional do ‘Trabalho é utilizada dentro de outro esquema mental, dentro de uma realidade diferente e com outros objetivos. “Declaragées atribuidas a altos dirigentes da Fundacao Nacional do Indio... vieram aumentar a distancia que se- para os que tém interesse no indio sob o ponto de vista ted- rico mas que nfo podem nem devem deixar de olhé-lo tam- bem como ser humano” (58). A reformulaco da politica indigenista urge mais até porque se tornou “ura politica con- traria aos principios que ela defendia quando foi cri aa” (59) A doenga que se manifesta em um érgio s6 poder ser convenientemente diagnosticada se 0 exame se estender 20 corpo inteiro. Seré que néo teremos mais elementos e mais eselatecedores se estendermos nosso exame a politica global? 2, 2, — A POLITICA DO “MODELO BRASILEIRO" Os dirigentes politicos brasileires, no afi do “desenvol- vimento", promovem os interesses econdmicos de grupos in- ternacioniais e de uma minoria de brasileiros a eles integrada. 86 podem fazer e de fato s6 fazem uma politica economicista, sabtepondo 0 produto aos produtores, a renda nacional & ca- pacidade aquisitiva da populagao, o lucro ao trabalho, a afir- magio da. grandeza nacional & vida dos brasileiros, a preten- sao de hegemonia sobre a América Latina ao crescimento harménico do Continente. J& esté mais do que provado & disto nossas autoridades ndo fazem segredo, que foi aceito © caminho do “capitalismo integrado e dependente” para o nosso “progresso”, Mais provado ainda esté que o “modelo brasileiro” visa um “desenvolvimento” que 6 s6 um enrique- cimento econémico de uma pequena minoria. Este enrique- cimento da minoria sera fruto da concentracdo planejada da riqueza nacional que, em termos mais simples, é 0 roubo do resultado do trabalho e do sofrimento da quase totalidade da populaggo que progressivamente se ira empobrecendo (60) ‘Essa op@ao equivocamente desenvolvimentista tem como: conseqiiéncia a crescente marginalizacio do povo brasileiro, seja operdrio, sub-operdrio, seja pequeno proprietario da c dade ou do campo, seja arrendatario, posseiro, meieiro, pedo, sub-empregado ou desempregado. Mais grave ainda € que se aprofunda a dependéneia do pais em relacHio a outros pai se5 Mais ricos e fortes, impedindo uma experiéncia de desen- 12 olvimento nactonal, definido © assumido elos préprios bra- sileiros. Em func dessa opedo “desenvolvimentista” assim ca- racterizada € que se constituem os organismos administrati- vos, como a FUNAT. Muito a propéstto vém as recentes pala- vras do einélogo Carlos Moreira Neto, do Conselho Nacional de Pesquisas: “O Brasil passa por uma febre desenvolvimen- lista que pede estar Snfluenelando malefieamente a FUNAT” (61). Todos os setores da administracéio devem colaborar para aleangar os mesmos objetivos. Portanto, todos est&io depen- Gendo das diretivas econémicas ¢ a elas devem servir. Tendo estas uma linha antinacional e antipopular, é necessério que estes érgios administrativos amortecam e controlem as ten- ses sociais que aparegam. No nosso caso, “quando 0 territ6- rio onde vivem apenas indfos comeca a reeeber colonos, ma- dereiros e grupos exploradores de minérios, as autoridades resolvem o inevitdvel conflito entre indios e brancos — quan- do ainda restam indios — transferindo o grupo indigena para outro local mais afastado da civilizacio e As vezes j4 povoa- dos por tribos inimigas das que chegam" (62). Nisto se re- Mlete o fenémeno geral: 0 que importa ndo seré promover algo mas “integrar” a populacio que puder ser integrada ao sistema adotado, servindo ao “modelo brasileiro”. Todos percebem que, com uma mentalidade e programa assim desenvolvimentistas que tem presente “somente 0 ren- dimento econdmico, caminharemos fatalmente para a extin- eGo total das populacdes indigenas, por mais belas sejam as nossas inten¢des, estatutos ¢ leis” (63). O exdiretor do SPI e experiente indigenista, Gama Malcher afirmou que ‘a po- litica definida como de “protecio ao indio”, na realidade trans- forma 0 silvicola em justificativa para. a existéncia de um aparato burocratico que relega os interesses dos indigenas a um segundo plano afim de atender prioritariamente as. ressdes e Interesses de latifundiarios” (64). Com energia, © deputado Jeronimo Santana denuncia: “A FUNAI... se transformou num 6rgao de que os grupos se valem para ex- plorar os. recursos naturais das reservas onde os indios vi- ‘ver. Hoje 0 fndio é 0 que menos importa. © indio 6 uma coisa e a politica posta em pratica pela FUNAT o prova” (65). “As palavras “progresso” e “desenvolvimento” server de escudo para destruicéo do ambiente natural brasileiro € para o exterminio dos indigenas” é a concluséo a que chega a equipe do “O Estado de Sio Paulo” que fez uma alentada pesquisa sobre “o indigena no Brasil” (66) . 13 Para 0 povo pobre do Brasil o futuro que o sistema ofe- rece é uma marginalizacdo cada dia maior. Para os. indios, © futuro oferecido é a morte. O insuspelto “Osservatore della Demenica” do Vaticano comenta: “esse progresso (do Brasil) no entanto tem um prego ecolégico: a extingdo dos indios” (67). "ie polttiea global de desenvolvimento ccondiiieo do governo faz parte a “ocupacéo da Amazinia” (e do territé- rio nacional) mesmo que seja feita por companhias estran- geiras ou multinacionais que ali encontram grandes oportu- nidades de investimentos altamente lucrativos, na_explo- ragdo de minérios e de madefras ou na organizacéo de “em- presas agro-pecudrias”. Se para isso € necessério continuar os métodos impor- tados e tradicionais de depredacéo da natureza, nao im- porta. “Diz-se que & preciso abrir estradas para povoar, fi- xar o homem na AmazOnia. Agora que as estradas estao abertas verifica-se que o deserto de homens permanece. Der- rubam-se as matas no s6 para abrir estradas mas também para introduzir o boi. Garante-se que s6 com a pata do boi 2 Amaz6nia ser conquistada. .. Em nome disso, expulsam-se 0s indios de suas reserves, mutila-se fortemente nosso equi- librio ecologica”, diz severamente Claudio Villas Boas (68) Se para isso é necessarlo abrir grandes Todovias, sejam abertas mesmo que os “males sejam grandes”, segundo Or- lando Villas Boas que a propésito da BR-80 frisa: “Estrada politica e nfo de Interiorizacto” (69). Se € necesito ex- pulsar os posseiros ali radicados hé anos que, depois dos indios, foram os xinicos defensores daquelas Tiquezas, sejam expulsos a qualquer custo, conforme a vigorosa dentinci até hoje irrespondida do Prelado de Sio Felix do Araguaia (70). Se necessério matar, mata-se. E se ali se encontrarem os indlos? Eles nio podem im- pedir a marcha do “desenvolvimento” e devem ser “integra- os”, “aculturados” para colaborar no crescimento nacional. *O desenvolvimento da Amazinia ndo para por causa dos indios" 6 0 titulo de declaragies do Ministro Costa Caval- ‘canti que exclama pateticamente: “E por que eles ho de flear sempre indios?” (71) . Se og indios ali estiio ‘mas nfo produzem segundo os critérios do capitalismo integrado e dependente, se nfo pos- suem propriedade legal da terra, se nfio so proprietérios de empresas agricolas, entao devem dar lugar aos novos “bandeirantes”, devem retirar-se destas terras que nunca thes pertenceram e que s6 agora a “civilizagio” da ou vende uu Aqueles que vito desenvolver o pais! Podem estes iltimos ex- plorar (ou roubar) nossas riquezas naturals que vao au- mentar as riquezas dos paises ricos.. . deles é o direito a apro- Priacao daquelas terras. Se os indios assim provocados e ex- Poliados do seu diteito reconhecido teoricamente e do seu modo natural de viver, morrerem, pois que morram! Se rea- girem, sejam enfrentados como se fossem eles os invasores dessas terras! O Marechal Rondon, em trigica profecia, ja em 1916 dizia: “Mais tarde ou mais cedo, conforme Ihes soprar 0 vento dos interesses pessoais, esses proprietarios — coram Deum soboles (ante a face de Deus) — expelirao dali 98 indios que, por uma inversio monstruosa dos fatos, da tazéo e da moral, sero considerados e tratados como se fossem eles os intrusos, salteadores e ladrées” (72) Fazendo eco & profecia do Marechal Rondon, diz 0 Xa- vante Juruna: “... a terra é a tinica riqueza que 0 indio tem na vida. Sem ela, ele vira um bicho, um eachorro que esta sempre triste... "Eles (os Kranhacacores) precisam saber que o branco quer sempre enganar para ficar com as ter- ras" (73). Nao falta razdio_aos irmAos Villas Boas quando clamam: “Nossos indios estio morrendo, desaparecendo nu- ma paisagem em que boi ¢ o capim vao expulsando defi- nitivamente o homem. Agora, diante do processo de ocupa- Ho Ga Amazonia, vemos o indio ao largo do desenvolvimento como mera paisagem” (74) . Se apresentamos aqui a atual politica indigenista como causa mais préxima da situacio em que vivem (ou mor- rem) nossos indios, temos clara consciéncia de que a CAUSA real e verdadeira est na prépria formulagao global da poli- tiea do “modelo brasileira”. E se dizemos que é necessario modificar profundamente a politica da FUNAI, afirmamos que isto somente seré possivel com uma modificacio radical Ge toda a politica brasileira. Sem esta modificacdo global, nfo poderé a FUNAI ot outro organismo passar dos limites de um assistencialismo barato e farisaico aos condenados & morte, para camuflar o inconfessado apoio aos grandes pro- prietarios e exploradores das riquezas nacionais. Neste con- texto, o decantado Estatuto do tndio nao passaré de uma put blicidade oportunista ou uma homenagem péstuma. De nada adiantaria reformular a FUNAL se a psicose desenvolvimentista, motivada por exclusives eritérios econd- s © por um falso prestigio nacional, continuasse a do- minar a politica global do pais. Seria o mesmo que reformar um dos vagées, nao modificando 0 trilho-sistema que esta estragado: 0 desastre é inevitavel! 15 3 — 0 FUTURO Do INDIO | Depois desta suméria anélise das causas da situacio das Populacdes indigenas: a politica indigenista oficial, fruto da Politica global do sistema brasileiro, a conclusio imediatista seria que nao existe nenhuma solucao para o problema. Ser- tanistas, funcionérios e missionarios, que atraem novos gru- Pos de indios, sentem-se angustiados pela consciéncia de que resultado de seu trabalho fol apenas atrasar (ou acelerar?) de alguns anos a extinedo de tais grupos. “& com tristeza, diz Apoena de Meireles, que tentamos atta ls, sabendo-se que um futuro sem perspectivas os aguar- la” (75). Esta mesma nostalgia se encontra em declaragées de ou- tros conhecidos sertanistas. Orlando Villas Boas, em setem- bbro deste ano, voltando de uma frente de atragio “parecia Preocupado com o destino dos indios, que chama de tragé- dia” (76), Mas jé em feverelro, assim desabafava: “E quan- tos de nés, por forea de miseraveis e desgragadas circuns- tanelas os estamos traindo naquele exato momento do aper- to de mio, do abraco, do sorrir, do gesto enfim de afeicao. Desgracados que somos, é a verdad. (77) Seu irmao Cléudio comenta com melancolia: “Levamo-thes (aos indios) nossas doeneas, intolerancia e muitas vezes 0 exterminio criminoso, assumido, proclamado” (78) | No mesmo tom, falava Antonio Cotrim Neto: “Nao pre- tendo contribuir para o enriquecimento de grupos econdmi- cos & custa da extincdo das culturas primitivas. (...) A po- Iitica indigenista desenvolvida aceita a tese de que as cultu- Tas primitivas so quistos ao desenvolvimento nacional. Ja estou cansado de ser coveiro de indio: transformei-me em administrador de cemitérios indigenas” (79) . Muitos Misslonérios fariam suas as enérgicas palavras do missionéria jesuita, P. Tomas de Aquino Lisboa no Simpésio sobre o futuro dos tndios Cinta-Larga em marco deste ano: “O Parque Aripuana sera cortado como o foi o Parque do Xingu. O trabalho ja esta iniciado. Eu, como responsavel pela atracio desse grupo Cinta-Larga, nao estou mais anima- do 2 fazé-la, a ndo ser que as regras do jogo sejam obedeci- das: respeitar os indios, interromper os trabalhos da estrada até que se consiga falar com os indios para orienté-los nos seus futures contatos com os brancos. Pois é melhor que o indio morra lutando pelo que € seu do que viver marginalizado e mendigando o que sempre foi dele” (80). 16 ‘Sera que 0s indios constituiriam “um povo com os dias contados”? (81), como afirma Claudio Villas Boas “os indios no terao propriamente um destino"? (82) Ou ainda, na melhor das hipéteses, segundo 0 falecido Francisco Meireles “o indio s6 tem um destino: a marginalizacio”? (83) Nao obstante esta tragica perspectiva ou exatamente por isso, € preciso salvar os povos indigenas, ameacacios de Gesaparecer. Eles mais do que patriménio-arquivo da hu- manidade, sio humanidade viva. Bis por que se justifica que somente pessoas ou entida- des consclentes, competentes e desinteresadas sejam mobi- Iizadas para equacionar este problema Nao 6 possfvel que se continue a dizer, em alto e bom tom: “Os fndios esto cansados de serem fndios.. Eles que- rem beneficiar-se com os programas do Governo” (84). Se J4 6 estranho que assim fale 0 Ministro Mario Andreazza, mais estranho é que o General Frederico Rondon afirme que se deve “promover a integragtio total (?1) mediante a abs sao da mio de obra indigena” 85) e o General Bandeira de Mello, diretor da FUNAI, proclame que “a assisténcia a0 indio ‘deve ser a mais completa possivel mas niio pode obstruir o desenvolvimento da Amazénia” (86). Nesse con- texto, nao é de estranhar a fanfarronice do Deputado Gas- téo Miller: “Se os fazendeiros quisessem, poderiam ter par- tido para uma luta armada e seria muito facil vencer os indios” (87) Afirmacdes como estas, orquestracias por tantos fatos Jamentévels, confirmam as dentincias de genocfdio. . Em que pese as reiteradas afirmacoes do Ministro do Interior de que “o problema dos indios é um problema do Brasil” (88) € “os outros paises nfo tem o menor conheci- mento do problema do indio brasileiro” (89), tratase de um problema da humanidade, talvez melhor conhecido, em suas causas e motivagoes, nos paises onde existe liberdade de in- formagies e de debate. Afinal sao milhdes de seres humanos nas Américas e alguns milhares no Brasil, que ha quatro séculos vém sofrendo as maiores injusticas por parte de uma “raga” que se pretende superior Se o grau de consciéncia da humanidade correspondesse ao volume das informagées, jé no se toleraria mais tal tuagao iniqua- # com os olhos fitos no veredito da Histéria, traducio do julgamento de Deus, que o Brasil deve solucio- nar o problema do indigena, néo como questo de seguran- w ¢@ nacional e economia, mas como imperativo da dignidade humana e da honra do povo brasileiro. Somente assim seria legitimo que uma politica indige- nista brasileira se apoiasse num documento internacional (90). Evidentemente o problema indigena brasileiro nio se equaciona e menos ainda se resolve se nao for situado em sua dimensio internacional. Mas também é evidente que nao eneontraré solugdo adequada, separado de seu contexto na. cional, levando em conta que os indios constituem apenas al. guns milhares dentro da esmagadora maioria de milhoes de brasileiros marginalizados. Todos hao de concordar que “em nome de uma politica da integracdo, que nao integrou nem mesmo os civilizados, no se pode violentar uma cultura que, embora primitiva, tem garantido a subsisténcia secular desses Povos. A sociedade civilizada s6 tera o direito de falar em in- ‘egragio do indio no dia em que, em seu meio, nao houver ninguém morrendo de fome" (81) “Ha séculos — afirmam os irmAos Villas Boas sobre os Indios — sobrevivem gracas & caca, A pesca e a uma rudimen- tar agricultura. Sdo felizes com suas crencas e seus rituals belissimos. Por que entiio destruir essa cultura secular? Ape- has para impor nosso sistema de vida aos indios? Civilizat para que? Destruir a organizacdo tribal existente e depois dei- xar 0s indios marginalizados na nossa sociedade?" (92) Sempre na perspectiva de uma mudanca profunda da po- Iitica global do atual modelo brasileiro, impor-se-ia ainda a Ao de um grupo diversifieado do qual participassem indios, antropélogos e outros cientistas, sertanistas e missio- nérios, para promover o auténtico didlogo intercultural e a harmonica convivéncia e colaboragéo dos nossos diferentes povos. Devemos reconhecer que frequentemente faltou esta visio € consciéncia séclo-politica as entidades cristis, preocupa- das mais em “prestar assisténcia” aos indios. Em conseqiién- cia, sob equivocos pretextos de uma caridade alienada, nao taro trairam sua missio evangélica de defendé-los tenaz- mente da morte fisica e cultural ou de respeitar stia liber- Gade e dignidade de pessoa humana “Os proprios padres catélicos — ¢ afirmado em recente artigo da imprensa — apés mais de 400 anos de catequese, Miram-se obrigados a mudar de tatica, pois se continuassem no mesmo propésite de Anchieta e Nobrega (sie) o que iriam conseguir no seria mais do que a desagregacao, margina~ 18 zagho, destruigio ¢ morte do que Testa dos grupos indige- znas brasileiros. B essa mudanga de tatica Tol justamente no sentido de respeitar o indigena com suas crengas e seu modo de vida, valorizar a sua cultura ao invés de procurar impor a cultura dos civilizados” (93) A visio de uma nova politica indigenista deveria ser pos- sibilitada e favorecida pela transformacéo das misses re- higiosas. eo eigindo que s6 pessoas devidamente qualificadas e com uma pratica eonseqiiente, interfiram na solucio do problema indigena, 108 na formagio adequada que devem ter 0s missionérios, pols seu trabalho de evangelizadores sempre val atingir o coragéio, o mécleo central das culturas indigenas. ‘Tocar no coracéo sem a ciéncia e 4 pericia de uma equipe de cardiologistas seria causar fatalmente a morte aquele a quem desejamos fazer 0 bem. - , “Gravissima responsabilidade 6 a do charlatéo em. medi- cina e maior ainda no campo da aculturaciio, onde se pode causar a morte ndo apenas a um que outro individuo, mas a um povo todo e a sua cultura. ‘Além disto, para que cste trabalho seja eficiente, toma-se necessria uma espécie de assepeia, nfo no sentido de total isolemento, mas no sentido de preparar as populagdes envol- ventes. Com efeito, para os indios, todas os “brancos” ou “ei- villzados” representam de certo modo o “cristianismo” de que ‘8 missiondrios se reclamam e portanto também a mensagem que estes querem transmitir. Faz-se pois necessério que me- didas anélogas sejam tomadas em relacdo aos evangelizado- Tes dessas populacdes. envolventes. Ensina 0 missionério-antropélogo Adalberto Holanda Pe- reira: © indio “6 apenas diferente de nés e com o direito de continuar a sua vida ao lado da nossa. (...) Dentro da maior simetria entre os sistemas de interacto, transmitamos ao indio os tracos culturais que ele deseja receber e recebemos dele os que nos possa transmitir” (94) 4 — CAMINHOS DE ESPERANCA Mesmo percebendo sinais positives, como sejam uma nova mentalidade missionéria, a crlagdo do CIMI, encontros ecumé- nieos, nao estamos satisfeitos com o nosso trabalho e nao po- demos esquecer a dramaticidade da situacdo, descrita na lan- cinante “Carta dos Caciques de Votouro” (R.G.S.), da qual ‘vamos reproduzir um pequeno trecho, segundo cépia do ori- ginal: 19 “Queria ver os senhores de outra origem, no sendo o indio. Queria ver o portugués passar a nossa passada sem ninguém por ele e outro lado de origem italiana sem ter aqui- lo que traz o ensino: suas mos presa seus olhos cego para 0 ensino seus ouvido surdo para Ouvir as enducagao, sem di- yelto sociedade nenhuma, sem direito um palmo de terra, sem direito educar os filhds. .. © nosso plano de todos nossos irmios de terra mundial nés acreditamos que somos iguais que nossos irmaos, corre sangue dos pés A cabeca, carne hu- mana, iguais como qualquer um de nés” (95) . Aj esta uma interpelacéo que suseita uma indispensével pergunta, em sentido contrario: © que seria o Brasil, se con- ‘lasse positivamente com o indio? & bem possivel que muitas autoridades e brasileiros de mentalidade capitalista ¢ impe- wialista tremam diante desta pergunta, 0 que mostra que, consciente ou inconscientemente, apolam a extingdo dessas Populacées que constituem, por seus valores positivos, uma contestacio viva do sistema capitalista assim como dos tais “valores” de pretensa “civilizagao crista” Diante de outra pergunta: 0 que seria a nossa Igreja, se contasse posidivamente com o indio?, talvez a atitude de mui- tos irmios de 16 seria igualmente de embaraco. Se olhdssemos positivamente para os valores vividos pelos indios criticarem hossos valores, ficaria evidente um incOmodo julgamento. Tanto para a sociedade brasileira quanto para a Igreja, 0 mesmo aconteceria se perguntassemos © que seria o Brasil ou nossa Igreja, se contassemos positivamente com os valores do Povo marginalizado das cidades ou dos campos... . ~Por isso, convidando a todos para assumirem conosco este compromissd, nés nos propontos, em primeiro lugar, a conti- nuar uma esperangosa luta pelos direitos dos povos indige- has. Mesmo que todos os fatos nos ineitem ao des&nimo ou ao esespero, fazemos nossa a vontade dos nossos irmfos indios de viver e de lutar pela preservacdo de sua cultura, Néo tra- balhamos por uma causa perdida, porque se trata de uma causa profundamente humana, pela qual vale a pena até morrer, se preciso for. Seria trair a nossa misséo, se nos Te- slgnéscomos a ser ministros de um Batimo “in artieulo mor- ‘Em segundo lugar, nao aceitaremos ser instrumentos do sistema capitalista brasileiro. Nada faremos em colaboragao com aqueles que visam “atratr”, “pacificar” e ‘acalmar” os indlos para favorecerem o avanco dos latifundiarios e dos ex- ploradores de minérios ou outras riquezas. Ao contrario, tal procedimento sera objeto de nossa dentincia corajosa ao lado 20 ‘dos proprios indios. Com eles, ndo aceitaremos um tipo de “integracio” que venha apenas transformé-los em mao de obra barata, avolumando ainda mais as classes marginaliza- das que, no funcionamento do sistema de producio, enrique- cem Somente aos que ja sio ricos. Menos ainda, por ser mais humilhante e criminoso, colabcraremos com um trabalho que vise transformar o indio em um ser humano necessitado de tutela, pois ele ndo 6 um menor nem um invalido, e sua maloridade de individuo ou de povo, garantida, pela propria lei na Natureza e por Deus, Senhor das conscléncias e fi dor dos direitos humanos, ndo pode ficar condicionada a térios de uma suposta “integracao”. Em terceio lugar, o objetivo do nosso trabalho nfo sera “civilizar” os indios. Estamos convencidios, como o grande precursor Bartolomeu de Las Casas que “muitas ligdes eles nos podem dar néio s6 para a vida monéstica mas também para a vida economica ot politica e poderiam até ensinar-nos os bons costumes” (96). Seria trair o Evangelho, reduzi-to a instrumento de uma sociedade que “se desumaniza — como diz da cidade Claudio Villas Boas — tornando o relacionamen- to entre as pessoas cada vez mais dificil, cada vez mais dis- tante. ‘Tenho pressa em voltar ao Xingu, uma pressa agé- nica, existencial. L&, ereio que poderei cntendé-los melhor. Em ‘sintese: nao estando no proceso de afogamento, com- preenderei melhor o que se est afogando” (97). Por outro lado, comprometidos com ‘os povos Indigenas, afirmamos: Hi entre eles valores vitais que os constituem como povos ¢, consequentemente, os fazem sujeitos de direitos que nao podem ser espezinhades. “Como ser humano — proclama ‘Apoena — nao pode (o indio) ficar sempre sendo a vitima Gas decisdes muitas vezes arbitrarlas dos que pretendem Girigir-Ihes o destino” (98). A tinica atitude valida sera res- peitalos como povos e, num didlogo real e positive, pro- gredirmos juntos como humanidade. Qualquer tipo de in- tervencdo que vise ensinar-Ihes costumes e padrdes de nossa cultura seré ou dominacao direta ou caridade farisaica. S6 um didlogo assentado no teconhecimento de seus valores e direitos sera auténtico e positive para os dois lados. Sem assumir a visio idflica de Rousseau, sentimos a urgente necessidade de reconhecer e publicar certos valores que so mais humanos, e assim, mais evangélicos do que os nossos “civilizados” e constituem uma verdadeira contesta- Gao & nossa sociedade: 21 CIMI - SETOR DOCUMENTAGAO EEHETGC 1 Os povos indigenas, em geral, tém um sistema de 1uso da terra, baseada no social, no no particular, em pro- funda consonaneia com todo o ensinamento biblico, nio s6 no Antigo mas no Novo Testamento, sobre a posse e 0 Uso da terra (99). Corta-se assim pela 'raiz a possibilidade de dominacéo de uns sobre os outros & base da exploracdo par- cular de meios de producdo, Nota Anténio Cotrim Neto que “com a chegada do branco, estabelece-se 0 concelto de Propriedade particular, surgindo os conflitos na aldela” (100). 29 Toda a producio, fruto do traballio ou do aproveita- mento das riquezas da natureza e portanto toda a economia é baseada nas necessidades do povo, nfo no Iucro. Produz-se para viver e nfo se explora o trabalho para lucrar. “O indio ndo se preocupa com acumular bens de qualquer natureza — ensina o jesuita Adalberto Pereira — nem possui o estimulo geonémico no sentido de adquirir prestigio ou elevacsio do “status” social. Nao conhece competicso econdmica ¢ nem atitudes de ambic&o. Vive o sistema comunitario de pro- luglio e consumo, com divisio de trabalho segundo 0 sexo". 3° A organizacao social tem como tnica finalidade garantir a sobrevivéncia e os direitos de todos, no os pri- vilégios de alguns. © comunitario prevalece sobre o indivi- dual. Toda expresso cultural visa celebrar e aprofundar este ‘senso de Comunidade. Bis a fonte da paze da harmonia de que tem saudades os sertanistas: “nossos irmios da selva — diz Cliudio Villas Boas — sem possuirem toda esta sofistificagao teenolégica, sao plenos e felizes, vivendo uma vida equilibrada. e harmoniosa (102). Francisco Meireles sonha: “Intima~ mente gostaria que eles pudessem ser mantidos em suas al- delas e que nés, civilizados, ao invés de incutir-lhes nossos padrées culurais, aprendéssemos com os indios que sempre vivem em harmonia no s6 no grupo tribal mas com a pro- pria natureza (103). 4° © processo de educacio caracteriza-se pelo exercicio da liberdade. “Aprendem a ser livres desde a infancia — diz Lulz Salgado Ribeiro — pois um pai nunea obriga o filho a fazer o que ele nfo quer. Um pai nunea bate no filho, por maior que tenha sido a sua travessura." (...) “O indio acima de tudo um homem livre. Nao depende de ninguém para o sustento de sua familia — ele mesmo caca e pesca enguanto sua mulher cuida da pequena lavoura de subsis- téncia — e isso Ihe dé condicdes de nao dever favor ou obi facio a ninguém. Nem a seu pai, nem ao chefe da tribo” — (104). 22 5° A organizacio do poder nfo é despética mas com- partiIhada. “Assim o chefe nao 6 aquele que manda, mas sim 0 siblo que aconselha o que deve ser feito ... Se os indios seguem ou nfo seus conselhos, 0 problema nao é do chefe, Ele apenas ¢ um lder que aconselha; nao um pa- trao que determina 0 que tem de ser feito, Mesmo no caso de uma guerra, o chefe nunca poder determinar que todos os homens participem da luta” (105). (105). Isto significa que, entre eles, a autoridade é realmente um servigo & co- munidade, nfo dominaedo. Claro que nestas condicées nia ‘hd lugar para instituicdes de policiamento e caercio. 6° As populacées indigenas vivem em harmonia com a natureza e seus fendmenos, em contraposi¢ao & nossa “in- tegracdo com as diferentes poluicdes, destrocos de uma na- tureza arrasada e substitulda pelo habitat em que vivemos: “Os indios, ao contrario dos brancos, sempre conviveram em perfeita harmonia com a natureza, nfo havendo casos de tribos que tenham destruido a fauna ou a flora de qualquer regido por elas hablitada. Esta é a posicio de antropologos e especialistas em indigenismo” (106) 78 A descoberta, evolucao e vivencia do sexo entram no ritmo normal da vida do indio, num clima de Tespeito, sem as caracteristicas de tabu ou de idolo que se manifestam em nossa sociedade e tanto a condicionam. ‘Essa enuimeraeao de valores ndo pretende ser exaustiva nem eles se realizam uniformemente, mesmo porque cada gru- po indigena constitui um povo, com suas earacteristicas pe- culiares, cuja expresso maior 6 a lingua. Nao ignoramos que também no homem indigena ha sinais da sombra do pe- cado que, sob formas diferentes do egoismo comum, embara- cam a plena realizagio e auténtica integrac&o desses valores humanos. ‘Mas esses valores existem e devem ser respeitados, e pro- movidos. O trabalho a ser feito serd decidido com os indios e nunca para os indlos. Eles mesmos desenvolverio seus va- lores e suas técnicas e decidirao 0 que aceitam de nossa cul- ‘ura e com isso realizarfo seu caminho original, colaboran- do com o verdadeiro desenvolvimento integral do Brasil ¢ da Humanidade. Neste ano em que celebramos 0 25° aniversério da Decla- rac&o dos Direltos Humanos, se cotejéssemos esses direitos com a nossa realidade civilizada e com a realidade indigena, talvez tivessemos a surpresa de descobrir que os indios mais os vivem e respeitam do que as nagdes que afiancaram sua formulagao. 23 Se tivéssemos a corajosa humildade de aprender com os ‘ndios, talvez f6ssemos levados a transformar nossa mentali- dade individualista e as correspondentes estruturas econd- anicas, politicas, socials e religiosas para que, em lugar da dominacio de uns sobre os outros, pudéssemos construir o mundo solidario da colaboracao, Se como Igreja ou como pessoas que se pretendem cris- tas continuarmos nos apresentando aos indios com belas palavras contraditadas por nossas iniciativas capitalistas, Permanente e mais profundo seré o escindalo para esses ovos. Bem o mostra a pergunta de um indio Tupirapé ao missionério: “Quanto é que as Companhias (agro-pecuarias) pagaram ao Pai do Céu de vooés para ele dar as terras dos indios”? O cristo $6 sera sinal universal da salvacio e revelador do amor do Pai do Céu, em toda parte e, em particular, para ovos indigenas, se for uma presenca respeitosa e paciente © esperancosa que possa perceber, assumir, viver e revelar os ‘egitimos valores desses povos em que se exprime a milenar acao de Deus em sua vida. Bis o que seria uma pratica correta da continuidade da Encarnacéo de Cristo Ele mesmo o fez, antes de iniciar sua atividade publica de profecia, “despojando-se de sua divindade” (Fil. 2/7), para situar-se nos limites de um chao humano onde, ‘homem, aprenden com os homens, a linguagem do didlogo’e o gesto da comunhio, faz abrir os caminhos de uma real libertagio, & precizo o despojamento da cultura para entender o in. Gio, nosso irmao. Se a comunho com o préximo, 0 amor, € 0 niicleo da mensagem evangélica, antes de qualquer pro. clamacio verbal, deve ser atitude de vida. $6 através de um rocesso de eneamago no seio dos povos indigenas, assumin- do sua cultura, seu estilo de viver e de pensar, poderé ser demonstrada, de modo convincente, a transcendéncia do Evangelho tio afirmada teoricamente ¢ to negada na pra- tica, Pelas imposicées de um rigido legalismo, ‘Transmitir © Evangelho é instaurar um processo de re- velac&o lbertadora e, antes de tudo, vivé-lo no seu dinamis- mo. ‘Muitos apelos da presenca e da agdo” do Senhor, se- mentes do Evangelho, hé de teceber 0 evangelizador que real ¢ lealmente se encame no mundo dos indios, Sentir e decifrar tals apelos sera condicio preliminar da missio. Juntamen- te com os fndios, 6 preciso identificar, na vida deles, os Tas. tros de um Deus solicito que percorre’e orienta os caminhos @e todos os homens, ontem como hoje, para a plenitude dos tempos que é Jesus Cristo, 0 Homem Novo, cuja ressureleao 24 radicaliza na histéria o ploneiro da transformagio da Huma- nidade A Ressurreic&o do Senhor quebra os limites. do tempo & do espaco, abrindo os horizontes de uma Nova Humanidade, enquanto ‘autentica os valores pelos quais o Cristo morrew, os valores da Verdade, da Justica, da Liberdade e do Amor, essenciais para se construir uma sociedade humana fraterna, sacramento, aniincio ¢ revelacao de que Deus € 0 Pai Nosso. A Ressurreico do Senhor nao permite que sua mensagem fique sepultada nos quadros de uma cultura, mesmo que essa cultura se intitule “crista”. A Ressurreigéo do Senhor ndo permite que seus arau- tos fiquem reduzidos a pioneiros de um sistema desumano, apaziguadores de conflitos a servigo dos poderosos, a anes. tesistas de povos chamados primitivos ou selvagens para mor. tiferos transplantes culturais. A Ressurreicio do Senhor, prova de seu poder soberano, nao € compativel com qualquer atitude de desinimo ou de- salento, porque é a demonstragéo da légica divina que, na execugéo do Reino, se arma da forca dos fracos e da sabe- doria dos incultos A esta altura, hao de acusar-nos de ter levantado pro- blemas e no trazer solugdes. As solugdes s6 serdo encon tradas na realidade onde nos precede a ago do Espirito. Nao haverd solucéo, enquanto néo mudarmos nossos critérios continuarmos desenvolvendo uma aco inconsciente e irres- Ponsdvel, por falta de uma visio Idcida. A luz da fé nao snula nem atenua nem substitui, mas antes acentua, acla- ra e exige uma anilise objetiva e portanto global da’ nossa realidade. Neste esforgo de assumir nossa existéncia em todas as suas dimensdes, sentimo-nos solidarios com tudo o que existe ‘mo mundo, especialmente na América Latina, em favor da li- bertaedo do homem e dos povos, em particular dos povos in- digenas. Enfim, sentimo-nos ligados a toda luta pela configuracéo de uma solidaria experiéncia nacional, o que nao significa um nacionalismo estatalista nem tolera qualquer internaciona- lismo imperialista. Vivemos sob 0 signo da morte-ressurrei¢o do Senhor Nossas populagdes indigenas, ao longo do tempo, ja pagaram & morte 0 seu doloroso tributo. Chegou o momento de anuneiar, na esperanca, que aque- le que deveria morrer, é aquele que deve viver. 25 1 ADENDO No dia 21 de dezembro pp. podiam-se ler nos jernais manchetes como esta do Estado de 8. Paulo: “Medici veta participacdo religiosa junto aos indios” ou, no Jornal do Bra- sil, “Estatuto dos indios é sancionado com vetos", esclarecen- do logo na segunda alinea: “Os vetos se referem & partic pac&o de missées religiosas ou cientifieas na assisténcia as comunidades indigenas © & realizago de contatos com in- ios”. Foi vetado o Pardgrafo Unico do Art. 2° assim formu- lado: “ reconhecido as misses religiosas e cientificas 0 di- reito de prestar ao indio e as comunidades indigenas servigos de natureza assistencial, respeitadas a legislacdo em vigor ea orientacao do érgio federal competente”. Na justificagio do veto, é alegado que “pela propria na- tureza da assisténcia ou tutela a ser prestada ao indigena, cumpre se preserve a unidade de acéo e controle sobre as ‘reas ocupadas pelos silvicolas. A outorga a entidades pri- vadas do direito de participar dessa tarefa criaré, nfo obs- tante os seus altos propésites, grave embarago a0 exercicio da competéncia assistencial que é incumbida A Nacao”. Logicamente foi também vetado 0 Artigo 64 e seu para- grafo, nos quais se autoriza e disciplina a prestacio de ser- vigos os Indios, sem fins luerativos, por entidades religio- sas, clentificas ou filantrépicas. Foi igualmente vetado 0 Pardgrafo Segundo do Art. 18: “@ vedado a terceiros contratar com indios a pratica por estes de qualquer das atividades previstas no parégrafo an- terior” isto é, “a pritica de caca, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividades agropecuarla ou extrativa”. Da justificacio, destacamos a seguinte frase: |..“cria esse preceito obstécules ainda ao cumprimento dos objeti- vos cardeals do Estatuto, que consistem te na Ta pida_e salutar integracéio do indio na civilizagéo” (Jemal do Brasil, 21/12/73). Quando da aprovacéo da emenda do Senado sobre as missées religiosas e cientificas, eis o que dizia o P. Vicente Cesar, presidente do Conselho Indigenista MissionArio, no dia 23 de novembro pp.: “Os missionarios defendem os indios ha séculos e um direito secularmente respeitado ndo pode ser transformado subitamente num simples consentimento de aco, sem desprimor para nossa Histéria (O Estado de S. Paulo). 26 Seria supérfluo qualquer comentério, a esta altura, so- bre esses vetos que apenas vém ilustrar tudo o que 4 fol exposto: a reduc&o dos indios @ condicdo de pobres tutela- dos, 0 comportamento do governo que trata nfo somente as suas terras, mas suas proprias pessoas como objeto de apropriagao e ‘toda a iniqiiidade da tal integracio de que tanto se fala, Se os missiondrios podem invocar um direito que thes € conferido pelo Evangelho, portanto pelo proprio Deus, em termos de um impreseritivel mandato, podem os clentistas invocar a outorga de seu direito da prépria humanidade a eujo servico se colocam. Este adendo, imposto pelo caréter recente dos fatos, pré- tende simplesmente servir como confirmacdo de todo este documento. 1 — YUCA PIRAMA ADENDO N.° IL Motives alhelos & vontade dos autores fizeram com que este documento sO venha a luz da publicidade trés meses apés a data para o qual fol preparado. Nas atuais circuns- tdncias em que vivemos, nfo ser diffell ao leitor identificar © tipo de obstdculos que sua publicagéo encontrou. Poupa- mo-the, por isso, 0 relato de toda essa penosa histéria que J vale por um tributo pago A defesa dos nossos indios. © ‘As noticias divulgadas pelos mais sérios jornais do pais. apés a data em que deveria ter vindo a pablico este docu- mento, confirmam a anélise da situagéo em que se encon- tram os indios e as criticas & FUNAI. “Ainda. ha pouco, os jornais estampavam o triste documento fotografico de indios ‘Kreen-Akarores mendigando na rota Culabé-Santarém. Os atritos entre tribos e colonos que Thes cobicam as terras so fatos comuns. Igualmente rotineiras so as not{cias de al- coolismo, prostituicao, tubereulose e outras doencas contrai- das por tribos que o homem civilizado pretende resgatar 2 vida primitiva” (JORNAL DO BRASIL, 12/3/74). F (Os Kreen-Akarores, menos de um ano depois de atraf- dos, foram iniciados em aberracées, por um funeionério da FUNAI. “O presidente da FUNAI, general Bandeira de Melo, mandow instaurar inquérito para apurar as responsabilidades do sertanista (...) acusado de pratica homossexualista, en- volvendo indios Kreen-Akarores” (0 POPULAR de Goiania, 9/1/74), 7 A propésito desse lamentével fato, 0 missionério jesui- ta Anténio Iasi Junior, comentava: “os indios estdo sempre evando a pior, nossa Iuta em defesa de seus interesses che- gaa assumir caracteristicas, de quando em quando, de ta- refa insuportavel. Sinceramente, nao sei por que é que existe tanta insensibilidade, tanto egoismo e tanta podridao entre 03 que se dizem, alto e bom som, como defensores dos in- dios” (VOZ DO PARANA, 14-20/1/74) Novos pronunciamentos foram ouvides nas CAmaras, como 0 do deputado Juarez Bernardes, criticando as ativi- dades da FUNAI e classificando-as como “um desastre so- cial” (JORNAL DO BRASIL, 13/3/74) As declaracdes de Rangel Reis, atual ministro do Inte- rior, antes da posse, néo deixaram de choear a todes que se interessam pelo problema dos indios. “Novo Ministro quer fim das reservas indigenas’ deu manchete de Jomal (JOR- NAL DO BRASIL, 9/3/74) e mereceram destaque na 1.8 pa- gina suas opiniées sobre a “absoreao dos indios brasileiros na sociedade civil e 0 abandono — tao rapido quanto pos- sivel — da idéia de reservas Indigenas", pois “o problema do indio seré tratado dentro da nova ética, sem romantis- mos”... (JB, id). Igualmente, deve-se partir “para uma politica realista e honesta” (O GLOBO, 9/3/74). © novo presidente da FUNAI tentou um “arranjo” para encobrir a nota dissonante de tal declaracio, dizendo que “as declara- ges recentes do Ministro do Interior do novo governo, Sr. Rangel Reis, foram mal interpretadas” (JORNAL DO BRA- SIL, 12/3/74). ‘Mas a confusio continua pois enquanto o Ministro diz que se deve partir “para uma politica realista e honesta”, 0 presidente da FUNAI, general Ismarth de Arauijo, vera continuidade na politica indigenista oficial. NAL DO BRASIL, 12/3/74) (© mais acertado seria dizer com o Presidente do CIMI: “A politica da FUNAT € vacilante” (0 ESTADO DE S. PAU- LO, 13/3/74). Ela deve ir ao sabor da polities desenvolvi- mentista do pais, para a qual 0 fndio é visto como um es- torvo 20 progresso nacional. Entretanto “a questao do in- dio — como afirma o antropélogo Roberto da Mata, Diretor de Antropologia do Museu Nacional — deve ser colocada de outra_maneira, ou seja: como o desenvolvimento brasileiro poderé beneficiar os grupos tribais que vivem em territério nacional?” (0 GLOBO, 17/3/74). 28 NOTAS 1 —Comunicada mensal da CNBB, n° 231 — Dezembro, 1971 ¢ LGSSERVATORE ROMANO — Bd. em Portugués, 30/1/72 ‘0 ESTADO DE S. PAULO — 15/6/1971. © ESTADO DE §. PAULO = 0 ESTADO DE S. PAULO — 31/3/1973. = JORNAL DO BRASIL — 16/11/1973. — 0 ESTADO DE S. PAULO — 2/2/1913. a =o) ESTADO DE S. PAULO — 18/8/1973. ESTADO DE 8. PAULO — 29/7/1978. 9A NOTICIA (MANAUS) — 10/1/1971. 10 — © GLOBO — 19/7/1971. 11 — JORNAL DO BRASTL — 35/11/1973. 32 — VISAO — 25/4/1971. GONGALVES DIAS, Antinio — OS TYMBIRAS, canto IIL JORNAL DA TARDE — 8/12/1971. 15 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 26/10/1911. 16 — © ESTADO DE 8. PAULO — 8/8/1972. 1] — 0 ESTADO DE S. PAULO — 15/8/1973 1 — 0 ESTADO DE § PAULO — 16/11/197-. 10 — JORNAL DO BRASIL — 26-29/11/1971 20 — 0 ESTADO DE 8. PAULO — 19/3/19. 21 — REALIDADE — Outubro de 1971. 22 — REALIDADE — Outubro de 1911. 2 — © ESTADO DE 8. PAULO — 5/11/1973. 34 — CARLOS DE ARAUJO MOREIRA NETO in “La Situacion del indigena en Amériea del Sur” — Montevideo — Uruguay — 1912, p. 408 25 — © ESTADO DE S. PAULO — 9/5/1971 28 — VEJA — 28/2/1073, 27 — O ESTADO DE S. PAULO — 26/3/1972 28 — 0 ESTADO DE S PAULO — 19/4/1971. 29 — JORNAL DO BRASIL — 8/7/1972. 3) — © ESTADO Dz S. PAULO — 4/4/1972. 31 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 31/5/1972 41 — 0 JORNAL — Rio — 29/4/1973 42 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 22/5/1978. 43 — 0 ESTADO DE S. PAULO —- 3/12/1971. “4 — CORREIO BRASILIENSE — 8/12/1911 45 — VEVA — 5/4/igia. 48 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 3/10/1971 47 — 0 ESTADO DE 8. PAULO — 20/11/1978. 43 — 0 ESTADO DE 8, PAULO — 21/11/1973. 49 — SORNAL DO BRASIL — 15/2/1978 — Carlos Drumond de An- rade, 29 50 — CORREIO BRASILIENSE — 1/9/1973. 51 — 0 ESTADO DE 8. PAULO — 5/11/1972, 52 — 0 ESTADO DE 5. PAULO — 19/5/1911 © ESTADO DE S. PAULO — 20/4/1973. ea 3. PAULO — 26/4/1972, 35 PAULO — 30/3/1972. PAULO — 9/8/1973, PAULO — 22/8/1973, DOS SANTOS — Indios e Braneos no Sul — Florianopolis, 1973 — pag. 21-22, do Bras 59 — 0 ESTADO DE 8. PAULO’ — 18/5/1011 ‘60 — BU OUVI © CLAMOR DO MEU POVO — Documentos de Bis- os © Superlores Religiosos do Nordeste — MARGINALIZACAO DE UM POVO, GRITO DAS IGREJAS — Documento de Bis: pos do Centro-Oeste, 81 — O POPULAR — Goiania — 22/11/1973, © ESTADO DE S. PAULO — 7/11/1972, © ESTADO DE S. PAULO — 15/4/1911 © ESTADO DE S. PAULO — 5/11/1979. © ESTADO DE 5, PAULO — 10/1/1972. © ESTADO DE 8. PAULO — 8/11/1972, © ESTADO DE 8. PAULO — 10/8/1972, JORNAL DO BRASIL — 2174/1973. © ESTADO DE S. PAULO — 20/11/1973. 70 — CASALDALIGA. Pedro — -Uma lereja contra o letitindio na — igi, ‘11 — JORNAL DO BRASIL — 19/8/1973. 2 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 10/8/1972 13 — O ESTADO DE S. PAULO — 22/7/1973, ‘4 — 0 ESTADO DE S. PAULO — 20/4/1973, 5 — CORREIO DA MANHA — 19/9/1972, 16 — © ESTADO DE 8. PAULO — 19/9/i978. ‘71 — JORNAL DO BRASIL, — 14/9/1973. 3% — JORNAL DO BRaSI, — 2174/1973 79 — © ESTADO DE 8. PAULO — 8/9/i973. 80 — Atas do Simpésio sobre o futuro dos Cinta-Largas — Univer- Sidade Federal de Mato Grosso — Culabd — Marco. de 1973. 81— ANUARIO DA COMPANHIA De JESUS — Roma, 1911/12. 82 — O ESTADO DE 8. PAULO — 14/11/1972. 83 — REALIDADE — Outubro, 1971. 8 — DIARIO DE PERNAMBUCO — 22/7/1978. 85 — JORNAL DO BRASIE — 24/6/1972 86 — © ESTADO DE S. PAULO — 22/5/1971. 81 — O ESTADO DE S. PAULO — 2/0/1973, 88 — © ESTADO DE 8 PAULO — 25/5/1972 89 — 0 ESTADO DE S| PAULO — 9/11/1978 80 — CONVENGAO N° 107 DA ORGANIZAGAO INTERNACIONAL DO TRABALHO, Genebra, 81 — © POPULAR — Golania — 22/21/1973 82 — O ESTADO DE S. PAULO — 1/11/1972 98 — O POPULAR — Golania — 29/11/1973. © — ADALBERTO HOLANDA PEREIRA — “Questées de Acultura- io” in ESSA ONCA — Universidade Federal de Mato Grosso 985 — CARTA DOS CACIQUES DE VOTOURO — 28/5/68 — Copia datilografada, pig. 13. 30 Wid Wit MARIANNE MAEN-LOT — "Barthélémy de Las Casas” — UBrangle etka Foree — Ba. du Gort Pansy 1964

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