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PROLOG TO gs ys een nk ng treme cat eros Com me urea abor Src hn spe mtr mith oa Mn nm van vac panne th ors cum yr ere tee carves ‘enquanto iss, os liveos se acumulavam nos quarts ¢ corre: ores, formando pilhasfigeis em meio 3s quais eu devia me ‘exguciar. Logo aprendi a ler ecomecei a devorat 08 textos clissicos adaprados para jovens, As Mile Uma Noites, os contos dos irmios Grimm e de Andersen, Tom Sawyer, Oliver Twist ¢ Or Miseréveis. Um dis, 208 oto anos, li wm romance intero; devo ter fcado muito orgulhoso com 0 fato, pois escrevi em meu dstio: “Hoje, li Sobre os Joelboe do Meu Avd, lvro de 223 piginas,em uma hora e mea!” Durante primirio eo giniso, continue a venera ale tra. Entrar no universo dos escritore,elisicos ou contem- ‘Teveran Tovorov porneos,bilgaros ou estrangeitos, cujos textos passel a ler ‘em versio integral, causavarme sempre um frémito de pra- ‘2er: ex podia satsfazer minha eurosidade, viver aventuras, experimentar temores ealeris, sem me submeter 35 frus- tragées que expretavam minha rlagSes com os garotos€ gatotas da minha idade e do mew meio socal. Ndo sabia o que queria fazer da minh vida, mas extava certo de que teria ‘ver com a literatura. Escrever, eu mesmo? Tentelescreves ‘compus poemas em versos puers, uma pega em trés atos consagrada 8 vida de andes egigantes af mesmo inciei a ‘scrita de um romance — mas nio pase da primeira pigi- 1a, Logo senti que nio era esse © meu caminho. Apesar de insur acerca das conseqincias, foi ainda assim sem hesi- tagio que, a final do ensino meal, escolhi minha carci ‘universira:estudaria Letas. Entre para a Universidade de Sofia, em 1956; fla de livros seria a minha profissio. ‘A Bulgiria fara entdo parte do bloco comunist, € 08 cstudos de cincas humanas esevam sob 0 dominio da ideo logia oficial, Nos cursos de literatura, metade era erudisi, a outra metade se compunha de propaganda idcoldgice: as obrasestudadas ram medidas pela exala da conformida- de a0 dogma marxista-Jninista. Era preciso mostrar de que forma esses ecritosilustravam a hoa idelogia — ou entio, ‘como eles falhavam em faréJo. Anda que nio partilhase da £6 comunista — sem, porém, me sentir imbuido de um espf- rito de revolta—, refugava-me no comportamento adotado ‘A Literatura em Perigo ‘por muitos de meus compatriots: em pablico, concordava ‘om os slogans ofici,silenciosamente ou com desprez0; do lado privado, uma vida de encontros ede eitura,dire- cionadas prneipalmente aos autores que presentfamos no serem porta-vores da doutrina comunista: sea por terem tido a sorte de viver antes do advento do marxismo- leninismo,seja por habtarem patses em que eram livres para cscrever os livros ue quisssem. Para ter éxito nos estudossuperiores, porém, era preciso ei, 20 final do quino ano, uma monografia de fim de ‘eso. Como falar de literatura Sem ter de me curvar 8s exi- ptncias da ideologia dominante? Tomei um dos raros cami- ‘hos em que era posivel escapar da militncia gral Ess via lise gramaticl das modifcagSesfitas por ele entre as dah 3s verbos transis substtufam os inranstvOg @ perfectvo se tornava mais freiente que o imperfect Trveran Tovorov Assim, minhas observagGes escapavam a toda censura! Procedendo dessa mancira, nio me expuna a violar 0s tabus ideoligicos do partido, "Nunca saberei como teria coninuado este jogo de gato ‘ato — no necessariamente a meu favor. Surg a oportuni- dade de partir um ano “para a Europa", como diefamos na época, isto é, passat ao outro lado da “cortina de fer" (uma mgm que nunca julgivamosexcesiva, visto que atravesar ‘ss frontera eta quae impossivel). Escolhi Pais, cua repu- ‘ago — cidade das artes e das letras! — me fascinava. Fis um lugar onde meu amor pela literatura nfo conheceria mies, ‘onde eu poderia reunie, em plenaliberdade, convicgesfn- mas e ocupagdes plas, eliminando assim a esquizofrenia imposta pelo regime wtaliiiobalgaro, As coisas se revelaram um pouco mais difcis do que eu hhava imaginado. Ao longo de meus estudos univesititios, eu me habicuaa aidemtfcar elementos das obras literivias ‘que escapassem & ideologia: estilo, composigto, formas nat rativas,enfim, a técnica lterdra. Convencido, num primei- +0 momento, de que permancceria na Franga por apenas um ano, jf que era essa a validade do passaporte que me fora concedido, eu queria aproveitar para aprender tudo que ppdesse sobre eses temas: negligenciados e marginalizados ‘na Balgéria, onde tinham o defo de servitem mal & causa ‘comunista, eles deviam ser estudados de todas a formas ‘num pats onde reinava a iberdade! Ora, tive dificuldades A Literatura em Perigo para encontrar ess tipo de ensino nas faculdades patisien- ses. Como os cursos de literatura eram ali divididos por os profes- sores que se dedicavam 8s questoes que me interesavam. & preciso dizer também que 0 labirinto de insteugbes escola- res ede seus programas no failitava 0 acesso a0 estudante estrangeiro que eu era. Eu havi sido recomendado pelo decano da faculdade de Letras de Sofa a seu homélogo em Paris. Num dia do més de maio de 1963, bati porta de um escritério da Sorbonne (auéencio, a nica universidade paisiense), justamente 0 do ‘decano da faculdade de Letras, o histriador Andeé Aymard. |Ap6s tr lido a carta de recomendacio, ele me perguntou sobre que tema eu gostaria de fazer minha pesquisa Respond que desejava dar continuidade aos estudos sobre ‘eto, linguagem e teoraliteririos — em geral. "Mas nfo & possivelestudatessas matéias em gerall Em que literatura voed desja se espcialiat?” Sentindo chdo fugie sob meus 6, gaguejei um pouco confuso que a literatura francesa seria 0 meu objeto de estudo. Percebi também que mew francés, nio muito sido na época, me causava embaraos. (0 decano me olhou condescendente e suger que eu estu= dass, em ver disso, a literatura hilgara com um de seus ‘especialistas, que nfo deviam fatar na Fraga, Apesar de me sentir um pouco desanimado, prossegui ‘com minha pesquisa, interrogando algumas pessoas que eu nagGes e por séculos, eu nio sabia como encont Tavera Toporov ‘onheci.E fi assim que, um dia, um professor de psicolo- i, amigo de um amigo, me disse depois de ter me escutado ‘expor minhas diffuldades: “Conhego alguém que se inte- esa por esas questOes um pouco bizarra; ele € asssente 1a Sorbonne e se chama Gérard Genette.” Nos nos encon- tramos num corredor escuro entre as sas de aula locali- ‘zadas na rua Serpente; uma grande simpatia logo nasceu ‘entre nds, Ele me contou, entre outras coisas, que um pro- fessor dava seus semindrios na Ecole des Hautes Etudes, ‘que no seria diffi freqdenti-los; 0 nome desse professor (eu munca o aviaescutado) era Roland Barthes. (© inicio de minha vida profssional na ranges igado a ‘esses encontros. Logo decd que apenas um ano deetudos no ime bastariae que eu devia permanecer ali por mais tempo. Inscrevime para fzer meu dostorado com Barthes uj raba tho final apresentei em 1966. Pouco depos, entre pata 0 ‘GNRS, onde se desenvolveu toda a minha carreira, Nese nte- tim, por instgagio de Genet, veri para ofancts 0 textos dos formalisasrussos, mal conhecidos na Frans, dando a0 vol ie, langado em 1965, 0 ctulo de Teoria da Literatura.” Mais tarde, sempre com Genet; iigimos durante dez anos a evs 1a Potiqu, qu dew origem auma colegio de ensaios de mesmo ‘nome; tentamos modifar a oriestagio do ensino lier na ‘TE Todoror (ong), Tore de Litera, FomalisasRusoe Rig Grande do Sa: Editors Globo, 1971, wags cole. (NT) 20 ‘A Literatars om Pergo niversidade, a fim de libere-ta dos grilhdes das nagBese dos _seulos «promover ma aberrrs amo que pode aproxima as bras umas das outa ‘Os anos que se seguiram foram, para mim, de integragio progressva 8 sociedade frances. Case-me, tive filo logo ‘me tore’ um cidado francs. Comecei a vorar ea ler os or- rai, interessando-me pela vida pblica um pouco mais do ‘que quando estava na Bulgria, pois descobria entSo que ‘essa vida nfo era necessariamente submissa aos dogmas ideoldgicos, como nos patses totalitirios. Sem cair numa admiragto beats, alegrava-me constaar que a Franca e wma demoeraca pluralist, respeitadora das iberdades ind viduas, Essa consatagio inflenciava, por sua ver, minas cscolhas de abordagem da literatura: 0 pensamento € 05 valores contidos em eada obra no se viam mais aprisiona- dos numa coleraideoldgieapreestabelecida ndo hava mais razho para pé-los de lado e ignoré-los. As causas de meu interesseexelusivo pela matéria verbal dos textos haviam Aesaparecido, De meados dos anos 70 em diante, perdi 0 interese pelos métodos de anise lterdriae passel a me dedicar A andliseem si, isto €, 208 encontros com os autores. [A pair dat, meu amor pela literatura nfo se ia mai limitado a educasdo recebida em mew pats totlitéto. De imediato, tive que procurar dominar novas ferramentas de trabalho; sent! necessidade de me familaiaa com elemen- tos e conceitos da psicologa, da antropologia¢ da histria. ‘Uma ver que a dias dos autores recuperavam todas as sua a ‘Taveran Tooorov forcas, quis, para melhor compreendé-as, mergulhar na his téria do pensamento que concerne ao homem e suas socie- dads, na filosofia morale politics Sendo asim, o proprio objeto desse trabalho de conhe- cimento se ampliou. literatura nfo nasce no vazio, mas no czntro de um conjunto de dscursos vives, compartilhando com cles numerosas caracteristicassnio € por acato que, a0 longo da hstria, suas frontiras foram inconstante, Senti> me ataido por esas formas diverss de expressio, io racalawdat,o bac, forma abreids exam nacional ancls de acento a emino sper, qualet ao vestibule. (7) 29 ‘Taveraw Toporov sobre se O Processo pertence ao registro cBmico ou a0 do bsurdo, em lugar de procura © lugar de Kafka no pensa- mento expe. ‘Compreendo que alguns professores de ginssio se rego 2ijem com essa evolugio: mais do que hesitar diane de wma ‘massa inapreensivel de informacestelativas a cada obra, les sabem que devem ensina as “sce fungées de Jakobson” 08 “sis aceantes de Greimas, a analepse ea prolepse, © assim por diante. E também sers muito mais fil, num segundo momento, veriicar se os alunos aprenderam de fato sua ligdo. Mas sera que houve um ganho verdadeiro proporcionado por essa mudanca? Muitos argumentos me inclinam na diresS0 de uma concepgso do etudosltersrios mais proxima do modelo da histria do que do da fsica, da Tteraura como capar de conduzir 20 conhecimento de um ‘objeto exterior, em ver de buscar os aeanos da diciplina Em primeiro lugar, porque ndo existe consenso, entre 08 pesquisadores no campo da literatura, sobre o que deveria consti © ncleo de sua disciplina. Os estraturalstastém :maioria hoje na escola, como ontem era o caso dos historia dorese aman poders set 0 dos poiislogoss haveria sem ‘pre alguma arbitratiedade numa determinada escolha. Os rticos ¢ tesco literirios atuas nfo entram em acordo sobre os principals “registro sidade de introduair essa nogdo em seu campo de estudos, Hi aqui, portanto, um abuso de poder. rem mesmo sobre a neces 30 De resto, confirma-s a assimetia: se em fica €ignoran te aquele que nfo conhece a lei da gravitagio, em literatura essa ignorincia 6 atibuidaa quem no leu As Flores do Mal Poderiamos apostar que Rousseau, Stendhal e Proust perma rnecerio familiares aos leitores muito tempo depois de terem sido esquecds os nomes dos teeios tus ou suas constru- {6es conceit, eS mesmo evidencias de falta de humilda- de no fato de ensinarmos nossas proprias teoras acerca de tama obra em vez de abordar a prépria obra em si mesma, [Nes — expecialistas, efticos liter ios, profesores — nfo somos, na maior parte do tempo, mas do que andes sentados temombros de giganes. Além diss, no tenho divida de que concentaro ensino de Letras ns texts iia ao encontro dos lanscios secretos dos proptios professores, que escolheram Sua profissio por amor & literatura, porque os sentidos ea beleza das obra os fascinamy e no hé nenhuma razio para {que reprimam ess puso, Os professors no sio os respon siveis por esa maneitaascética de falar da literatura. E verdade que o sentido da obra no se resume 20 juizo puramente subjetvo do aluno, mas di respeto a um traba- Tho de conhecimento, Fortant, para trihar esse caminho, pode ser Gti ao aluno aprender os fatos da histéra litera ‘ow alguns prinepiosresultances da alse estutural. Ente tanto, em nenhum caso 0 estudo desses meios de acesso pode substicur o sentido da obra, que € 0 seu fim. Para ‘ceguer um prédio € necessitia a montagem de andaimes, mas 2 Tavera Toponov ro se deve substiur 0 primeiro pelos segundos: uma ver construfdoo prédio, os andaimessio destinados ao desapa- recimento. As inovag6es trazidas pela abordagem esrutural nas décadas precedentes sio bem-vindas com a candigio de rmanter sua fancio de instrumentos, em lugar de se torarem seu objetivo préprio. Nao devemos acreditar nos esptitos ‘manique(stas: nio somos obrigados a esolher entre oretor- ‘no velha escola interiorana — em que todas o alunos ves: tem uniforme cinza — e © modernism radical; podemos rmanter os belos projetos do passido sem ter de vai que encontra sua origem no mando contemporineo. Os ‘Banhos da anise estruural, ao lado de outros, podem aju- dara compreender melhor o sentido de uma obra. Em si, les nfo sio mais inguitantes do que os da flologia, a velha dliscipina que dominara o estudo de Letras durante 150 anos: sio instrumentos que ninguém hoje pode contestar, ‘mas nem por isso merecem que nos dediquemos a eles em tempo integral. E preciso ir além. No apenas extudamos mal o sentido ‘de um texto se nos atemos a uma abordagem interna estrits, ‘enquanto as obras existem sempre dentro em dislogo com ‘um contexto; ndo apenas os meios nio devem se tornar o fim, nem a técnica nos deve fazer exquecer 0 objetivo do exerccio.£ preciso também que nos questionemos sobre a finalidadesltima das obras que julgamos dignas de serem estudadas. Em regra geral,o leitor ndo profissional, tanto tudo 2 {A Literatura em Perigo hoje quanto ontemy lt essas obras no para melhor dominar ‘um método de ensino, tampouco para retirar informacbes sobre as sociedades a partir das quais foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que Ihe permita compreen- der melhor © homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriquega sua existEncias ao faztlo, ele com- preende melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura ro € um fim em si, mas uma das vis rgias que conduzem 2 realizagio pessoal de cada um, O eaminho tomado atual- mente pelo ensino literio, ue das costasa esse horizon- te (nesta semana estudanios metonimia, semana que vern passaremos a persnificagSo"), arisca-s a nos condurie a um impasse — sem falar que difclmente poder ter como ‘conseqiéncia 0 amor pela literatura Cone somes de sin de na nae Tater sone! lesen Sms nace snes eins defied SoS cert cine ape reer Sir spon ven erin vam SAS aniane niet: anes sem pt ror cine, ac ana ore me ect an edo no aos 190 «170,30 sb eo etme or er rd dee mo sere Sta sore ron po sao ascii Gnd hepe 8 Fang vik do aor 960 Ta percocet dd neo iru Cpt do n(n ui prin ‘Taveran Toponov ‘empirica), pedia-se principalmente aos estudantes que se ‘moldassem a um contexto histrico ¢ nacional; 0s raros ‘specialists a fazer excegfo a esa repraensinavam fora do terrtériofrancts ou fora das cadciras de estadosltersros. ‘Antes de se interrogarem longamente sobre o sentido das ‘obras, os doutorandos preparavam wm inventtio exaustivo acerca de tudo que as cercava: biografia do autor, protstipos Possiveis das personagens, variants da obra, além dis rea- .96es provocadas por ela em seu tempo, Eu sentia a neces dade de equilrar ess abordagem com outras,com as quais ‘me familiarize gragas a leturas em Kinguas etrangeras, a ‘dos formaisasrussos, dos tedricosalemes do estilo e das formas (Spitzer, Auerbach, Kayser) e dos autores do New Critic americano.Prtendia também que, em vez de peo- ‘eder de manera puramente inuitva,fostem expicitadas as ‘nogbesutlizadas na anise liteseay para este fi rable, junto com Genette, na elaboragio de uma “poética", o8 ‘studo ‘das proprieddes do discus litertio, ‘A meu ver, tanto hoje quanto naquela época, a aborda- ‘gem interna (estudo das relagdes dos elementos da obra entre si) devia complerar a abordagem externa (estudo do contexto histrico, ideoldgco, estético). © aumento da pre-

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