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1. A PESQUISA NORTE-AMERICANA Carlos Alberto Aradjo* Os Estados Unidos abrigaram diferentes tradi¢Ges de es- tudo da comunicagio. No inicio do século, pesquisadores como Park, Burgess e Cooley, reunidos em torno da Escola de Chicago, procediam a estudos com um enfoque microsso- ciologico de processos comunicativos, tendo a “cidade” como local privilegiado de observagio. No mesmo pcriodo, Charles Peirce “inaugura” a Semiotica, campo de estudo preocupado com os processos de formagao de significados a partir de uma perspectiva pragmatica. Nos anos 30, H. Blu- mer, um dos membros da Escola de Chicago, a partir das idéias de G.H. Mead, inaugura o termo “interacionismo sim- bolico”, dando inicio a um outro campo de pesquisas na area, com pressupostos tedricos préprios. Por fim, nos anos 40, varios autores da Escola de Palo Alto, procedentes de areas distintas como a Antropologia, a Lingiiistica, a Matematica, a Sociologia ¢ a Psiquiatria, inauguram uma outra tradigdo de estudos em comunicagao. Bateson, Goffman e Watzla- wick, entre outros, propd6em uma compreenséo da comuni- cagado como processo social permanente, que deve ser estu- dado a partir de um modelo circular. Todas essas cotrentes, no entanto, se desenvolveram de forma marginal nos Estados Unidos, constituindo campos de * Professor da UFMG. ne Carlos Alberto Aravjo pesquisa restritos as areas em que se originaram ¢ com pouca influéncia no resto do mundo até os anos 60. Todas essas tra- digdes de estudo so foram retomadas nesse periodo, quando entio fizeram sentir sua influéncia sobre 0 conjunto de estu- dos em comunicagdo em todo o mundo. Isso porque, entre os anos 20 e 60, os estudos norte-ame- ricanos foram marcados pela hegemonia de um campo de es- tudos denominado Mass Communication Research. Essa tra- digo de estudos é composta por abordagens e autores tao va- riados que vio desde a engenharia das comunicagées, pas- sando pela psicologia e sociologia, com pressupostos tedri- cos e mesino resultados distintos e, em muitos casos, quase inconciliaveis. Contudo, o que permite dar unidade a esse conjunto de estudos sao quatro caracteristicas comuns. A primeira delas éa orientagao empiricista dos estudos, tendendo, na maioria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensao quanti- tativa. A segunda é a orientagdo pragmatica, mais politica do que cientifica, que determinou a problematica de estudos. As pesquisas em comunicagao desta tradigao de estudos tém origem em demandas instrumentais do Estado, das Forgas Avmadas ou dos grandes monopolios da area de, comunica- gio de massa, ¢ tém por objetivo compreender como funcio- nam Os processos comunicativos com 0 objetivo de otimizar seus resultados. A terceira caracteristica ¢ 0 objeto de estu- dos: tratam-se de estudos voltados prioritariamente para a comunicagéo mediatica. Por fim, a quarta diz respeito ao modelo comunicativo que fundamenta todos os estudos — conforme a discussao a seguir. Ja nos anos 20, o Fundo Payne comegou a financiar di- versos estudos empiricos sobre os efeitos da comunicag4o de massa, inicialmente sobre a influéncia do cinema nas crian- gas. Contudo, é a obra de Lasswell, Propaganda Techniques in the World War, publicada em 1927, que costuma ser iden- tificada como o marco inicial da Mass Communication Rese- 120 A pesquisa norte-americana arch, Apesar da enorme variedade de correntes que abriga, esse grande campo de estudos pode ser dividido em trés grandes grupos. O primeiro deles é a Teoria Matematica da Comunica- ¢&o, também conhecida como Teoria da Informagiio. Elabo- rada por dois engenheiros matematicos, Shannon e Weaver, em 1949, essa teoria € menos um conjunto acabado de con- ceitos e pressupostos tedricos, mas sim uma sistematizagao do processo comunicativo a partir de uma perspectiva pura- mente técnica, com énfase nos aspectos quantitativos. Weaver', descrevendo trabalho realizado por Claude Shan- non, apresenta a seguinte representagao de um sistema de co- municagdo: Fonte de informagio > Transmissor > Canal > Receptor + Destino sinal ruido — sinal A comunicagao é apresentada como um sistema no qual uma fonte de informacao seleciona uma mensagem desejada a partir de um conjunto de mensagens possiveis, codifica esta mensagem transformando-a num sinal passivel de ser enviada porum canal ao receptor, que fara o trabalho do emissor ao in- verso. Ou seja, a comunicagao é entendida como um processo dc transmissao de uma mensagem por uma fonte de informa- gao, através de um canal, a um destinatirio. A problematica gira em torno de duas questdes que se colocam 4 comunicagio: a da complexidade em oposi¢o 4 simplificagao; e a da acumulagao do conhecimento em opo- sigdo 4 racionalizagdo dessa acumulacio. Alguns conceitos correlatos sao trabalhados por esta teo- ria. A nogao de informagao (ligada a incerteza, a probabili- dade, ao grau de liberdade na escolha das mensagens), de en- 1. W, Weaver e C. Shannon, “A teoria matemitica da comunicagao”, in: G. Cohn (org.), Comunicagio ¢ indistria cultural, Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978. 12 Carls Alberta Avan tropia (a imprevisibilidade, a desorganizagao de uma mensa- gem, a tendéncia dos elementos fugirem da ordem), 0 cddigo (que orienta a escolha, atua no processo de produgdo da men- sagem), 0 ruido (interferéncia que atua sobre o canal ¢ atra- palha a transmissao), e a redundancia (repeti¢4o utilizada para garantir o perfeito entendimento). Todos esses concei- tos e os elementos do processo sao encaixados em teoremas que utilizam matrizes ¢ logaritmos num estudo puramente matemAtico e quantitativo. O objeto de estudo, pois, é a transmissao de mensagens através de canais mecanicos, ¢ 0 objetivo é medir a quantidade de informagao passivel de se transmitir por um canal evitando-se as distorgdes possiveis de ocorrer neste processo. A comunicagao € vista, aqui, nao como processo, mas como sistema, com elementos que podem ser relacionados e montados num modelo. A proposta ¢ de um modelo linear, em que os elementos siio encadeados e nado podem se dispor de outra forma — ha um enrijecimento da apreensio do fené- meno comunicativo com sua cristalizagaéo numa forma fixa. A Teoria Matematica, como se pode ver, nao estd preo- cupada com a insergao social da comunicagao. Sua influén- cia sobre a pesquisa em comunicacao esta na defini¢io de um modelo de fenémeno comunicativo, modelo esse que ser- vird de “suporte” para todas as pesquisas que compéem a Mass Communication Research. O segundo grande grupo ¢ a Corrente Funcionalista. Ori- ginada a partir dos estudos de Lasswell, essa corrente tem. sua motivacio de pesquisa nas fungGes exercidas pela comu- nicago de massa na sociedade. A Corrente Funcionalista aborda hipéteses sobre as relagGes entre os individuos, a so- ciedade e os meios de comunica¢do de massa. A partir de uma linha sociopolitica, tem como centro de preocupagées 0 equilibrio da sociedade, na perspectiva do funcionamento do sistema social no seu conjunto ¢ seus componentes. Ja nao é adindmica interna dos processos comunicativos que define o 122 ‘A pasquisa norte-ometicana campo de interesse de uma teoria dos meios de comunicagao de massa, mas sim a dinamica do sistema social. A teoria sociolégica de referéncia para estes estudos € 0 estrutural-funcionalismo. O sistema social na sua globalida- de é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham fungées de integragdo e de manutengdo do sistema. A natureza organismica da abordagem funcionalista toma como estrutura 0 organismo do ser vivo, composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, torna esse todo funcional ou nao. Entre alguns modelos de fungdes, temos o de Wright, o de Lasswell ¢ o de Lazarsfeld-Merton. Lasswell* apresenta as seguintes fungées: de vigildncia (informativa, fungao de alarme); de correlacao das partes da sociedade (integragao); e de transmissio da heranga cultural (educativa). Wright apresenta uma estrutura conceitual que prevé fungées e dis- fungdes dos meios, sendo que essas fungdes podem ser laten- tes ou manifestas; as fungdes apresentadas por Lasswell, acrescenta a funcao recreativa. J4 Lazarsfeld e Merton’ apre- sentam outras fungGes: a atribuigao de status (estabilizar e dar coesio a hierarquia da sociedade); a execugdo de normas sociais (normatiza¢ao); e o efeito narcotizante (que seria, de acordo com os autores, uma disfungio). Uma das principais contribuigdes da Corrente Funciona- lista para a consolidagao da Mass Communication Research foi, assim como fez a Teoria Matematica, a tentativa de for- malizagao do processo comunicativo, a partir da “ques- tao-programa” de Lasswell, elaborada nos anos 30 e propos- taem 1948. Trata-se de um modelo que problematiza—e so- luciona—a quest&o apontando que “uma maneira convenien- te para descrever um ato de comunicagdo consiste em res- 2. H. Lasswell, “A estrutura ¢ a fungio da comunicagio na sociedede”, in: G. Cohn (ore), Comunicagio e indisiria cultural, Sao Paulo: Nacional, 1978. 3. P. Lazarsfeld c R. Merton, “Comunicagio de massa, gosto popular ¢ ago social organi- zada”, in: G. Cohn (org.}, Comnicagéio e inchisiria culturad, $20 Paulo: Nacional, 1978. 123 Catls Alberto Ara ponder as seguintes perguntas: Quem? Diz o qué? Em que canal? Para quem? Com que efeito?” Esse modelo teve uma grande influéncia em toda a pesquisa americana, servindo de paradigma para as distintas tendéncias de pesquisa e per- manecendo durante muitos anos como uma verdadeira “teo- ria da comunicagao”. Além disso, a “questéo-programa” formalizou a estrutura do fendmeno comunicativo, tornan- do-a rigida e, a partir da decomposigio dos elementos, abriu caminho para que os estudos cientificos do processo comunicativo pudessem concentrar-se em uma ou outra dessas interrogagies. Qualquer uma dessas variaveis defi- ne e organiza um setor especifico de pesquisa — entre os quais se destacaram as analises de conteudo e, principal- mente, os estudos sobre os efeitos. A formula de Lasswell possui uma estreita ligagio com 0 outro modelo comunicativo dominante na Mass Communi- cation Research, © da Teoria da Informagao. Os dois mode- los se caracterizam pela unidirecionalidade, pela pré-detini- gio de papéis, pelo congelamento e simplificagao do proces- so. Se, no caso da Teoria da Informagao, a preocupagao inci- de sobre a eficacia do canal — cdlculo da quantidade de infor- magao, entropia, ruido —, na “questao-programa” de Lass- well o centro do problema estd nos efeitos provocados pelas mensagens (ou pelos meios de comunicagao), ¢ a énfase so- bre a técnica ¢ menor. Por fim, 0 terceiro e principal grupo que compée a Mass Communication Research € a corrente voltada para 0 estudo dos efeitos da comunicacao. E um setor de pesquisa que se originou na década de 20, composto por diversos estudos pontuais e que guardam certas caracteristicas comuns. A maior parte destes cstudos, sobre audiéncias, efeitos de campanhas politicas e propaganda, eram encomendados e financiados por entidades dirctamente intcressadas na otimizagao destes 4. H. Lasswoll, “A estrutura e a fungiio da comunicagiio na sociedade”, in; G. Cohn (org), Comunicacée ¢ indistria cultural, Sao Paulo: Cia, Editora Nacional, 1978. 124 A pesquiso norte-omericana efeitos. Diferentemente da abordagem funcionalista, aqui 0 eixo das preocupagées ¢ 0 individuo. As pesquisas que se desenvolvem nesta época e nas duas décadas seguintes tém em comum um mesmo modelo tedrico, denominado por varios autores “Teoria Hipodérmica” (Wolf, 1986; Mattelart, 1999), numa referéncia ao termo “agulha hi- podérmica”, criado por Lasswell para explicar a natureza da acaio dos meios de comunicagiio junto aos individuos. Outros. autores (De Fleur ¢ Ball-Rokeach, 1993) vao apontar para a utilizagao de outras denominagGes, tais como “Teoria da Bala Magica” ou “Teoria da Correia de Transmissao”. Em qual- quer dos casos, contudo, é importante destacar que A evolugio teérica nos primeiros anos, pois foi descoor- denada e mesmo caética. Ela nao acompanhou o modelo ordciro ¢ preciso de uma ciéncia em desenvolvimento, onde investigadores subseqiientes sistematicamente tes- tam as deixas dos que os precederam. Assim, diversas teorias citadas aqui - “bala magica”, “influéncia scleti- va” (...) — 840, em muitos casos, criagdes retrospectivas. Pclo menos alguns destes nomes néio sao encontrados na bibliografia do periodo inicial por nao existirem entio. Foram reunidos, sintetizados e rotulados post hoc (... Feita a ressalva, cabe identificar, a seguir, as principais caracteristicas da Teoria Hipodérmica. Sao estudos ancora- dos nas teorias da sociedade de massa (Le Bon e Ortega y Gasset), que viam a sociedade industrial do século XX como uma multidao onde os individuos estilo isolados fisica e psi- cologicamente (nao existem relagdes interpessoais, ou elas n&o sdo importantes no processo), ¢ nas teorias behavioristas (Watson) que entendiam a agao humana como resposta a um estimulo externo®. 5. M. De Fleur c S. Ball-Rokeach, Teorias da comunicacdo de massa, Rio de Janciro: Za- har, 1993, p. 187. 6, Para uma discussio sobre a formagio © a superagio da Teoria Hipodérmica, ver: M. Wolf, Teorias da comunicacdo, Lisboa, Editorial Presenga, 1986 c, também, Armand Mat- telart e Michéle Maticlart, Hisidria das tearias da comunicagdo, S20 Paulo: Loyola, 1999. 125 Catlos Alberto Aradio Da articulagao destas duas visées nasce 0 modelo comu- nicativo da Teoria Hipodérmica: a de um processo iniciado nos meios de comunicagao, que atingem os individuos pro- vocando determinados efeitos. Os meios s4o vistos como onipotentes, causa unica ¢ suficiente dos efeitos verifica- dos. Os individuos sio vistos como seres indiferenciados e totalmente passivos, expostos ao estimulo vindo dos meios. O maximo que os primeiros estudos distinguiram, em ter- mos de diferenciagées entre o publico, foi dividi-lo de acor- do com grandes categorias como idade, sexo e classe socio- econdémica. Por fim, os efeitos eram entendidos como sen- do diretos, isto é, se dao sem a interferéncia de outros fato- res. Dai a concepgio de que os meios agiam sobre a socie- dade 4 maneira de uma “agulha hipodérmica”. Os estudos mais numerosos desta época sao aqueles que procuraram re- lacionar a quantidade de mensagens de violéncia nos meios a atitudes violentas por parte do publico, principalmente o pu- blico infanto-juvenil. A partir da década de 40, os estudos subseqiientes no 4m- bito da Escola Americana dos Efeitos vao representar diretri- zes distintas, em muitos aspectos interligadas ou sobrepostas. Todas elas, contudo, de diversas formas e em variados setores, vao trazer contribuigdes para aperfeigoar o modelo comunica- tivo da Teoria Hipodérmica, apontando para uma realidade que é cada vez mais percebida em sua complexidade. Um primeiro campo de estudos a promover essa supera- gao do modelo hipodérmico sHo as investigagdes empiri- co-experimentais conhecidas como “abordagem da persua- sao”. Ao se debrugarem sobre os fendmenos psicoldgicos in- dividuais que constituem a relagéo comunicativa, os estudio- sos desta corrente perceberam que, entre a acdo dos meios e os efeitos, atuava uma série de processos psicologicos, tais como 0 interesse em obter determinada informagao, a prefe- réncia por determinado tipo de meio, a predisposi¢ao a deter- minados assuntos, as diferentes capacidades de memoriza- gao. Carl Hovland é 0 principal representante deste ramo de 126 A pesquisa note-amercana estudos, com pesquisas sobre a eficdcia da propaganda junto a soldados americanos. Embora o modelo tedrico seja muito semelhante ao da Teoria Wipodérmica (a mesma concepgao de causa-cfeito, a mesma negligéncia em relacdo as relagSes interpessoais), aqui ja se tem o desenho de um quadro analitico um pouco mais complexo, na medida em que percebe que os efeitos ndo sao diretos, a resposta ao estimulo se defronta com fatores psico- légicos, quebrando a idéia de linearidade do processo. Ainda dentro dessa corrente, um segundo campo de estu- dos procurou estabelecer fatores para garantir uma organiza- cao étima das mensagens, de forma a atender as finalidades persuasivas. Percebeu-se que determinados fatores da orga- nizagao das mensagens (como a credibilidade do comunica- dor, a ordem da argumentagao, a integralidade das argumen- tages e a explicitaco de conclusdes) interferem na eficacia do processo e, portanto, na natureza dos efeitos obtidos. A segunda corrente de estudos é denominada Teoria dos Efeitos Limitados. Trata-se de um ramo de estudos que abri- ga abordagens distintas, tanto psicolégicas como socioldgi- cas. No primeiro ramo, o principal representante é Kurt Le- win, interessado nas relagdes dos individuos dentro de gru- pos € seus processos de decisiio, nos efeitos das pressées, nomnas ¢ atribuigdes do grupo no comportamento e atitudes de seus membros. Um de seus discipulos, Leon Festinger, desenvolveu, em 1957, a Teoria da Dissonancia Cognitiva, um conjunto de pressupostos acerca da natureza do compor- tamento humano e suas motivacdes em relagio ao mundo que é experienciado por cada individuo. Outros estudos dessa corrente, de natureza mais sociolé- gica, foram desenvolvidos sobretudo por Paul Lazarsfeld. Pesquisador de enorme influéncia nos Estados Unidos, La- zarsfeld iniciou seus estudos preocupado com reagdes ime- diatas da audiéncia dos contetidos da comunicagao de massa. Com o passar dos anos, desenvolveu estudos de abordagem empirica de campo, procurando estudar os fatores de media- 127 Carlos Alberto Araijo go existentes entre os individuos ¢ os meios de comunica- gao de massa. Foram realizados diversos estudos sobre a composi¢ao diferenciada dos piblicos e dos seus modelos de consumo da comunicagao de massa. Dois deles sAo decisi- vos para a evolucdo da teorizagdo norte-americana: The Peo- ple’s Choice, de 1944, e Personal Influence: The Part Pla- yed by People in the Flow of Mass Communication, de 1955. Os resultados levaram a descoberta do “lider de opiniao”, in- dividuo que, no meio da malha social, influencia outros indi- viduos na tomada de decisdo, Criou-se ent&o 0 modelo do “two-step flow of communication”, que entende a comuni- cagao como um processo que se da num fluxo em dois niveis: dos meios aos lideres e dos lideres 4s demais pessoas. Trata-se da inclusiio, nos estudos sobre a comunicaciio de massa, dos contextos sociais em que vivem 0s individuos. Eo primeiro momento em que se percebe a influéncia das re- JagGes interpessoais na configuragao dos “efeitos” da comu- nicagao. Da idéia de efeitos diretos chega-se enfim 4 idéia de um processo indireto de influéncia. Uma varia¢ao desta corrente ¢ o “enfoque fenoménico desenvolvido por Klapper, aluno de Lazarsfeld. Trata-se de um modelo teérico que prevé que os meios de comunicagao no s4o causa tinica dos efeitos, mas, antes, acham-se envol- vidos no meio de muitos outros fatores. Esta constatag4o obri- ga que se incorpore cada vez mais fatores extramedia nos es- tudos. Sobretudo, exige-se a incorporagdo da vivéncia das pessoas, da rede de relagées interpessoais em que cada indi- viduo se acha envolvido. Até os anos 60, as grandes evolugdes por que passa a in- vestigagao sobre os Efeitos, nos Estados Unidos, devem-se ainda principalmente aos resultados contraditérios e com- plexos encontrados nas pesquisas empiricas, que levavam constantemente a reformulagdes dos quadros tedricos utili- zados pelos pesquisadores da época. A partir dos anos 60, essa grande corrente de estudos vai dialogar de forma mais consistente com diversas outras correntes de estudo, tanto 128 A pesquisa norte-omericona norte-americanas (aquelas antes relegadas 4 marginalidade, como o Interacionismo Simbélico, a Semidtica ¢ a Escola de Palo Alto, e outras areas de pesquisa como a Sociologia do Conhecimento) como européias (a Corrente Culturologica francesa, a Semiologia, os Cultural Studies de Birmingham). Desse didlogo resultam novas abordagens da problematica dos efeitos, que apontam para um quadro explicativo ja bas- tante diferente do primeiro modelo a orientar os estudos da década de 30. Uma destas abordagens é a Corrente dos “Usos e Gratifi- cagées”, trabalhada sobretudo por Katz, também discipulo de Lazarsfeld, nos anos 70, e outros como Blumler e Elliott. Aqui, o cixo das preocupagGes se desloca da pergunta “o que os meios fazem com as pessoas” para pensar no uso que as pessoas fazem dos meios. Surge a idéia de uma “leitura ne- gociada”, isto é, abre-se a investigagao para a atividade de apropriacao promovida pelos receptores das mensagens me- diaticas. O receptor passa a ser visto como sujeito agente, ca- paz de praticar processos de interpretagao e satisfagao de ne- cessidades. Essa corrente de estudos vai aperfeicoar seus mé- todos até 1990, ano em que Katz realiza uma grande pesqui- sa em parceria com Tamar Liebes e uma equipe da Universi- dade de Jerusalém: The Export of Meaning. Outra abordagem é a hipdtese do agenda setting, também conhecida como Teoria dos Efeitos a Longo Prazo. Trata-se de uma construgao teérica que pensa a acao dos meios nao como formadores de opiniio, causadores de efeitos diretos, mas como alteradores da estrutura cognitiva das pessoas. E 0 modo de cada individuo conhecer o mundo que é modificado a partir da aco dos meios de comunicagao de massa — agdo esta que passa a ser compreendida como um “agendamento”, isto é, a colocag&o de temas ¢ assuntos na sociedade. Ao mes- mo tempo, essa corrente substitui a idéia de efeitos imediatos por efeitos que se espalham num periodo maior de tempo. Esse campo de pesquisa teve origem em 1952, a partir de um trabalho de Kurt e Gladys Lang, sendo formulada em 129 Carlos Alberto Arabjo 1972 por McCombs e Shaw no artigo “The Agenda-Setting Function of Mass Media”. Nas décadas de 70 ¢ 80, diversos autores como Cook, Tyler, Goetz, Gordon e outros vio reali- zar pesquisas e aperfeicoar os pressupostos da fungao de agendamento dos meios de comunicagao. Ao longo de mais de 60 anos, portanto, a Corrente Ame- ricana dos Estudos sobre os Efeitos conheceu uma grande evolugdo em termos do aparato tedrico a ser utilizado nos es- tudos. De um modelo de maxima simplicidade, que previa um processo linear partindo dos meios, onipotentes, a recep- tores passivos e isolados, determinando efeitos diretos, che- gou-se a modelos que passaram a considerar a influéncia de diversos outros fatores: as caracteristicas psicolégicas dos receptores, as formas de organizagao das mensagens, a rede de relagGes interpessoais em que os individuos se inserem, elementos extramedia que atuam de forma concomitante nos meios de comunicagio, os usos que as pessoas fazem destes meios, e a natureza da aco dos meios na sociedade. A evolucao da pesquisa norte-americana é marcada, por- tanto, pela consolidagao de uma grande perspectiva tedrica, formalizada pela Teoria Matematica e pela “quest4o-progra- ma” de Lasswell, e que se desenvolve em éstudos mais ope- racionais (voltados para os elementos internos do processo comunicativo e sua otimizagao quantitativa), estudos preo- cupados com as fungdes da comunicagao (de orientagao éti- ca, voltados para a compreensio do todo social a partir de um modelo organismico de inspiragao bioldgica) e, sobretudo, preocupados com a questo dos efeitos, que tém origem no modelo hipodérmico e alcangam sua superacio. E a partir principalmente de correntes de estudo exteriores a Mass Communication Research que os estudos norte-americanos vao desconstruir 0 paradigma hipodérmico, reabilitando cor- rentes de estudo com pressupostos diversos (tais como a Escola de Chicago ¢ a Escola de Palo Alto) e inaugurando novas frentes de estudo (como as formulagdes do agenda seiting € dos usos e gratificacdes). 130

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