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i - INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS PORTO ALEGRE - CAIXA POSTAL, 358 BO PRAS Le Pesquisas Anudrio do Institute Anchietanoc de Pesquisas Velume 1 1957 Enderégo (Address — Anschrift — Direccién — Indirizzo): Instituto Anchietano de Pesquisas, Colégio Anchieta, Caixa Postal, 358, Pérto Alegre, Brasil. Atencio (Attention — Achtung — Atencién — Attenzione): Pedimos permuta de REVISTAS e remessa de LIVROS para a Bibliografia. We ask for exchange of Periodicals and sending of Books for reviewing. WIR BITTEN UM AUSTAUSCH VON FACHZEFE- SCHRIFTEN UND ZUSENDUNG VON BUCHERN ZUR BESPRECHUNG. Um paradeiro Guarani do Alto-Uruguai Inacio Schmitz, S. J. O Alto-Uruguai, que traca o limite entre os estados bra- sileiros de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, corta uma das regides mais ricas do Sul do pais em material paleo-etnogra- fico. Nas suas ribanceiras altas, bem como nos vales escava- dos pelos afluentes no basalto mesozéico, encontram-se deze- nas de paradeiros indigenas, alguns j4 destruidos pelas roga- das, outros ainda no interior da intrincada mata pluvial, que impossibilita qualquer exploragéo. | Muitas vézes o material aparece diante do arado do agricultor, ou quebra debaixo das patas dos animais nas pastagens. Alguns sitiantes curiosos levam para casa o material cerémico bem conservado a fim de néle plantar fléres ou, alimentar as aves do terreiro, e as criancas brincam com os machados até os extraviarem. Al- guma coisa j4 foi recolhida a museus, mas a regiéo ndo foi ainda submetida a nenhuma pesquisa realmente cientifica. Por isso nos atrevemos a publicar estas breves notas sdbre uma jazida visitada nesta circunscricéo, nao pretendendo rea- lizar um trabalho completo, mas fornecer mais alguns dados para o estudo desta rica provincia. O paradeiro visitado em janeiro de 1957, situa-se & mar- gem direita do Rio Uruguai, em terras do Pré-seminario de S. Pedro Canisio, préximo 4 vila de Sede Capela, no munici- pio de Itapiranga, no extremo sudoeste de Santa Catarina. Sua localizacéo é facil, pois encontra-se a uns 50 metros do —12—- rio, entre a corredeira da Fortaleza e a ilhota do mesmo no- me, comumente conhecida como «o Pedrao». Um pequeno cérrego, séco no estio e que desemboca dian- te do Pedrao, divide o paradeiro em duas porgées distintas: do lado direito do filete de 4gua, numa encosta que olha para a corredeira, encontra-se o cemitério, cuja 4rea néo nos foi possivel determinar exatamente, por se encontrar num milha- ral grande, mas que sem divida orga pelos 200 metros de dia- metro. Do lado esquerdo do mesmo cérrego trés manchas dé terra carbonizada, espalhadas numa area de 100 metros de diametro, constituem o paradeiro propriamente dito, ou o lu- gar da antiga aldeia. Infelizmente, ambos os nicleos paleo- etnograficos estio mal conservados, pois se encontram em ter- reno cultivady durante um ou outro ano e, como estéo 4 flor da terra, desconjuntaram-se as estruturas indispensaveis pa- ra a correta classificagio do material. Nao obstante estas deficiéncias, a jazida apresenta o seu interésse; pois o material ainda se encontra todo no primiti- vo lugar e os objetos inacabados ou rudimentares, desinteres- santes para o simples colecionador de curiosidades de museu, mas que podem revelar técnica de fabrico aqui se apresentam ao pesquisador, obrigando-o a lev4-los. Também a configura- cio da aldeia, com o cemitério isolado a uns 500 metros“de distancia do povoado, siio. elementos néo despreziveis pata o estudioso. Comecemos por aqui. a +e & : © cemitério é facilmente reconhecido como ‘tal pelas nu- merosas urnas néle enterradas (1). Num.exame rapido pu- demos contar aproximadamente uma dizia de covas, em for- ma de pera, cujos fragmentos de ceramica.revelam o antigo esconderijo de urnas de regular tamanho. Centenas de igaca- bas parecidas tém sido desenterradas em cemitérios indigenas da localidade e os agricultores, que recentemente ai se estar beleceram, mais de uma vez tém encontrado nelas ainda os os- gos dos. falecidos j& muito decompostos. De semelhantes pes- quisas realizadas em outro.tempo e lugar, nos estados do sul, H. von Ihering assim se expressa: «muitas destas urnas con- tinham esqueletos humanos, quando . desenterradas; isto foi verificado... no Rio Grande do Sul, S. Paulo e Parana,..» (2), . Saber se todo o cadaver do morto ou apenas 08 0880s eram enterrados nestas urnas, no o podemos discutir aqui. do lugar, por nés encarregado da continuacio da pesquisa e da coleta de material, descobriu e conseguiu sal- var apés nossa partida uma urna inteira, embora estas geral- mente se encontrem destruidas pelas raizes das arvores, pois — 123 — o mato tudo cobre, depois pelos lavradores ao prepararem os campos, por se encontrarem apenas a 30 ou 40 cms. debaixo do solo, e nado em iltima andlise pelo deficiente preparo do material e ao cozimento imperfeito. Apesar de minucioso exame da d4rea que denominamos cemitério, nela nio pudemos encontrar manchas negras de carvao, nem lito algum, nem ceraémica pintada em céres, mas apenas fragmentos lisos sem pintura, ou com impressdes un- guiculares e digitais. Os fragmentos correspondiam~a vasos, desde o tipo igagaba, com paredes até de 3 cms. de espessu- ra e potes miniisculos de apenas alguns centimetros de aber- tura e 3 a 4 mms, de espessura de paredes. O tipo intermé- dio, predominante no paradeiro do outro lado, escasseava aqui. Esta selecéo de material chamou nossa atenciio. Em comparagio com outros sitios parecidos e, calculan- do o nimero de igacabas.destrufdas no amanho da terra, po- de-se inferir que na 4rea em quest&o se encontram ainda al- gumas dezenas de urnas funerarias, o que pesquisas posterio- res em parte ja vieram confirmar. “Como, porém, as condigées neste ponto, que denomina- mos cemitério, se mostrassem adversas, concentramos nossa atengio no outro lado do arréio, onde trés manchas de terra carbonizada indicam, provavelmente, o lugar onde tinham es- tado as trés malocas de uma aldeia. Semelhantes manchas negras, visiveis por vézes a gran- de distancia, e existentes em téda a extensdo do territério nacional, costumam indicar os paradeiros dos indios. O car- viio e a cinza resultantes de fogueiras, acesas dentro da maloca e que, de noite ardiam debaixo da rede, para fins varios, ‘mis- turam-se com o solo e lhe imprimem esta cér escura indelé- vel. No municipio de Itapiranga, bem como nas comarcas li- mitrofes encontram-se destas em grande abundancia, encerrando infalivelmente numerosos fragmentos de ceramica e algum material Iftico. Herbert Baldus, em «Tonscherbenfunde in Nordparand>, estuda estas manchas negras em varios autores. e territérios do Brasil (3). Nos sambaquis do Brasil meridional o mesmo fenémeno se expressa em camadas, por vézes espessas, de conchas calcinadas de mistura com cinza e carvao vegetal, formando estruturas nitidamente separaveis e que atraves- sam o aglomerado todo em varias direcdes (4): A disposicéo das «terras negras» na jazida é mais ow menos em linha reta, ao longo de suave inclinacao do terre- no. Um declive suave leva até a barranca do rio a uns cin- qiienta metros de distancia. Do outro lado ‘ha uma grande 124 4rea quase plana, no. meio da encosta. A localizagio do po- voado era das mais vantajosas para a vida indigena: a me- nos de trezentos metros encontra-se a corredeira da. Fortale- za, ainda hoje afamada pelo grande -nimero de peixes gran- des e de captura facil; no rio, sébre as rochas, hé moluscos faceis de agarrar; a provisio de uma 4gua realmente apete- eivel podia-se fazer no arroio, ou nas suas fontes. Por outro lado, em extensdes incalculaveis, viceja a mata-virgem riquis- sima em caca grande e mitda e que propicia 4 agricultura um dos solos mais férteis do sul do pais. Estratégicamente a aldeia dominava o rio até grandes distancias, podendo con- trolar a aproximacdo do inimigo, geralmente feita em canoas; do lado de cima a corredeira de varias .centenas de metros de comprimento, dificulta o avango dos adversarios. Passando a descrever os nicleos formadores da aldeia, co- mecamos pelo mais préximo do rio e terminamos pelo mais afastado, dando-lhes os nimeros, respectivamente de um, dois. e trés. O primeiro apresenta-se de forma irregular e mede 23 por 18 metros nos pontos extremos. O solo compdée-se de uma camada de terra negra, misturada com carvao vegetal, de uma espessura variando entre 30 e 40 centimetros. Sob esta capa, bem como dos lados a terra é vermelha, com pe- quenos calhéus basdlticos da mesma cér, em adiantado esta- do de decomposigao. Na base da camada de terra preta, a uns 20 centimetros de profundidade e sob uma camada de terra revolvida no ama- nho do solo, encontram-se estratificacdes de um molusco, cu- jo nome cientifico 6 Ampullaria gigas e ainda muito encon- trado em todo-o Uruguai. Na jazida predomina ora o espé- cime j4 adulto, ora o pequeno, em fase de crescimento (v. fig. 10). Os dois tamanhos se encontram no paradeiro sempre misturados e nféio em camadas isoladas. A estrutura conchi- liana intacta oscila nos trés-centros entre 15 e 30 cms., sen- do néste primeiro de 15 a 20 cms. Provavelmente em dep6- sitos apresentavam de infcio estas estratificagdes em téda a sua espessura, sendo destruidas pelo amanho da terra e en- contrando-se as conchas atualmente espalhadas 4 superficie e misturadas ao solo revolvido. Acham-se, entretanto, perfei- tamente conservadas, sem indicio de decomposigéo, mas ne- nhuma delas apresenta sinais de ter sido utilizada para ador- no ou qualquer outra finalidade técnica. Alguns quilémetros rio abaixo na mesma margem direi- ta, pudemos observar outro actimulo de conchas com frag: om 125 — mentos de cerfmica, niio nos sendo possivel a exploraciio de- vido ao intrincado da mata pluvial. G. Tiburtius, I. K. Bigarella e J. J. Bigarella encontra- ram na jazida, presumivelmente guarani, de Itacoara, junto ao Rio Pirai (3. C.) e a uma distancia de 32 Kms. da cos- ta, semelhante camada de moluscos fluviais, de mistura com outros, mais raros, provenientes do oceano (5). O mesmo fenémeno fora jé anteriormente observado em suas investigagées sébre os guaranis do Alto Parané por F. C. Mayntzhusen. (5.2). e 8 8 A ceramica de que o solo esta literalmente juncado, apre- senta-se em fragmentos maiores e menores ainda mais ou menos juntos, que nado obstante apresentam certas dificulda- des A exata reconstituicio. Também os objetos de pedra se acham deslocados dos seus lugares primitivos, mas ficam ain- da dentro da drea do respectivo nicleo. E’ necessario notat de antemfo que muitos objetos so encontrados nos arredo- res da aldeia, 4s vézes a centenas de metros de distancia, per- didos na caga ou na agricultura. O que, ficou dentro da ma- loca muitas vézes nao passa de instrumentos inacabados e outros que servem para o seu fabrico, excetuando natural- mente a ceramica, que ficava téda concentrada na aldeia. Neste primeiro nicleo foram colecionados um fragmen- to de machado minisculo, de que ficou apenas o corte e uma parte minima do corpo; um bloco de quarzo aproveitado co- mo amolador; alguns nucleos e lascas residuais do fabrico se- ja de pontas de flecha, seja de langa, sendo o material o si- lex e o basalto vermelho (fig. 6 c, d). Um nicleo parecido de arenito, com leve cozimento (fig. 6, e), talvez seja residuo de outra natureza. Este, como outros fragmentos de areni- to, certamente sio importados, visto em téda a regiao existir apenas um tipo de rocha que é o basalto. Nos fragmentos de cerdmica predomina a decoragio plas- tica (unguicular, de impressao digital, incisada por espatula) sébre a pintada e a lisa, sem ornato. No que tange ao material conchiliano, manifesta-se leve predominancia das conchas pequenas sdbre as grandes. Dos residuos ésseos, muito fraturados e escassos, difi- cultando © reconhecimento, alguns sio manifestadamente de procedéncia animal, parecendo outro de origem humana. Nos outros niicleos nio encontramos ossos. O segundo niicleo, de 45 e 20 metros nos _pontos mais largos, dista apenas questo de cinco metros do anterior e apresenta as mesmas caracteristicas, na composigao, estrati- ficac%o e material etriografico. — 126 — Numa pequena bacia, a menos de 20 metros do centro nimero dois, encontra-se o terceiro nicleo com uma camada de terra misturada com carvao que atinge 60 cms. e mais @ com uma estrutura intacta de conchas entre 20 e 30 cms. HA um equilibrio, talvez mesmo predominio, das conchas grandes sdbre as pequenas, orgando o tamanho do lugar em 30 por 30 metros. - Encontrou-se aqui uma bola de charrua, outra bola po- lida, mais uma terceira em forma perfeita de ovo miniiscu- lo; grande nimero de machados em preparo, com o corte ape- nas lascado e ainda nao polido; alisadores de ceramica, per- cusgores, afiadores, polidores, bem como nicleos e lascas pro- venientes do fabrico de pontas de flechas. Os machados em preparo encontraram-se todos num mesmo lugar, num dos lados do nucleo, provavelmente © local da oficina. No cen- tro déste niicleo predomina absolutamente a ceramica pinta- da, mas em direcdo a periferia manifestam-se cada vez mais abundantes os outros tipos, até que a certa distancia sio os tnicos a aparecer. No mesmo terreno do Pré-seminario foram ainda encon- trados uma mio de piléo, um machado grande perfeitamente polido, outro fragmento de machado constando da cabeca e da metade do corpo, do mesmo tipo que o interior, duas pon- tas de flecha, um machado de gargalo, um pote em forma lenticular. De maior distancia provieram os trés objetos in- teiros de barro descritos. mais adiante e o apito que é da li- nha Batt, do mesmo Municipio de Itapiranga, doado pelo Sr. Stiilp, que posteriormente encontrou mais um exemplar idén- tico. Passamos, pois, & descrigio sumaria do material Iitico, deixando a ceramica para as consideragées finais. 1. Mio de: piléo de 37,5 cms. de comprimento, por 4,9 de diametro no ponto mais largo, isto 6 a 5 cms. da base, € 3,4 cms. de largura na cabeca. O besalto colunar negro, de que é fabricado, est bem polido, restando os vestigios do las- camento original apenas em um ou outro ponto. Comparado com as outras mios de pilio do planalto classificar-se-ia de tamanho médio, pois as grandes chegam a atingir 70 cms. e mais de comprimento e pesar 7.500 gramas (fig. 1, a). 2. Mao de pildo de basalto, perfeitamente polido, de 26 ems. de comprimento por 4,8 de didmetro em téda a exten- sio, se excetuarmos uma das pontas levemente adelgacada. Encontrada em‘ Linha S. Jofo, Itapiranga. Entre as congé- ae do planalto meridional seria classificada de pequena ig. 1, b). — 127 — Os machados da regiéo. sao bem trabalhados e muito abundantes.. Balduino Rambo enumera os. tipos mais impor- tantes: machados de corpo redondo e cabega fina, comprida; machados de corpo eliptico e cabeca curta, grossa; macha- dos de corpo plano.e cabega longa; machados de corpo arre- dondado, muito curtos; machados de gargalo; machados se- milunares (em crescente, em ancora) e machados verticula- res (perclusos, também chamados itaigas ou rompe-cabegas) (6). Um estudo interessante sébre os machados do planalto sul-brasileiro, em que se encontra o paradeiro, apresentam G, Tiburtius e A. Leprevost (7). Dos tipos enumerados por B. Rambo foram encontrados em Itapiranga dois exemplares que se enquadram no segundo tipo enumerado e um machado de gargalo. As pecas em preparo ainda nao permitem clas- sificacio. 3. Machado de 25. cms..de comprimento, largura. maxi~ ma de 6,5 cms. no meio corpo, afilando em. diregéo 4 cabeca e-ao corte semi-circular. Espessura maxima 5 cms. Polimen- to das faces e do corte perfeito, no alto da cabeca mal termi- nado, aparecendo as superficies do lascamento. Cabega leve- mente danificada. Corresponde ao- segundo tipo de B. Ram- bo.. Todos os machados sao de basalto escuro (fig. 1, ¢). 4,.Fragmento de um machado, semelhante ao anterior. A peca.é constituida da cabeca e de metade do corpo. Poli- mento perfeito, incluindo: a cabega.. Comprimento de 12,5 cms., largura m&xima 7,2 cms. na base quebrada, estreita- mento em direc&io & cabeca. Grossura maxima 3,7 cms. (fig. 2, a). 5. Machado de gargalo, com 20,5 cms. de comprimento, 5,5 ems. no alargamento maximo e 3,9 no ponto de maior espessura, afilamento em diregio & cabeca fina e ao corte. A 4 cms. da cabeca apresenta um desgaste de 2,3 cms. de largo e 3 mms de profundo para encabamento.. Corte redon- do, irregular. A superficie de desgaste que vai constituir o fio avanga até 5,5 cms. nas faces, formando até a mesma al- tura.nos-bordos uma continuagio obtusa do. fio. Alisamen- to bom. A forma nao perfeitamente regular, mas esbogan- do um leve $8. Sobrou numa das faces um sulco- correndo longitudinalmente (fig. 1,.d). 6. Fragmento de machado minisculo, quebrado’ um pou- co acima do corte afiado. Polimento perfeito, a nio ser num dos lados, onde aparecem as superficies de lascamento. Cor- te semi-circular. Comprimento do fragmento 3,5 cms., lar- gura 4 cms., grossura maior 1,5 cms. (fig. 6, b). 7. Machado em preparo: 16 - 6,5 - 3,5 cms. Neste co- —— 128 — mo nos outros que seguem aproveitou-se o calhau polido do rio que jé apresenta a forma quase perfeita. Em verdade, junto 4 corredeira da Fortaleza poder-se-ia fazer uma colegio de «objetos indigenas», recolhendo apenas o que a natureza ai colocou j& quase preparado. 'O indigena valia-se déste ca- Ihau acrescentando-lhe um bordo cortante por meio de poli- mento em cima de uma pedra, empregando como auxiliares a Agua e a areia. Os machados em preparo encontrados no micleo nr. 3 do paradeiro vém todos com o corte lascado ora apenas numa, ora em ambas as faces, 4s vézes mais, outras vézes menos perfeitamente. Nao apresentam outros sinais de trabalho ou uso (fig. 2, b). 8. Machado em preparo, quabrado. Dimensdes: 14 - 5,5 -2 cms. Corte a golpes (fig. 2, e). 9. Machado em preparo com lascamento para o corte apenas numa das faces. Encontra-se ja perfeitamente poli- do pela 4gua do rio. Medidas 17, 5 - 6,5 - 4,5 cms. (fig 2, c) 10. Machado em preparo de corte irregular, trabalhedo por lascamento rudimentar e sobressaindo no meio um gran- de dente em ponta (fig. 2, d). 11. Machado em preparo, apresentando. corte incipiente a golpes por um lado apenas. Dimensdes 9,8 - 6 - 2,8 cms. (fig. 2, f). 12. Machado em preparo, quebrado, apresentando sulcos de lascamento em uma das faces. Corte a golpes muito mal feito (fig. 2, g). 18. Machado em preparo, quebrado longitudinalmente e com grande lasca arrancada do lado. Dimensdes 10 - 5 - 2 ems. (fig. 6, h). 14, Ponta de flecha triangular de silex, de 5,5 cms. de comprido, 3,2 de largo nas farpas, espinho basal 1 cm. de comprimento e 1,5 de largo. Lascamento bom, bordas nao serrilhadas, levemente bombeadas (fig. 3, b). 15. Ponta de flecha triangular de melafiro vermelho. 8,5 cms. de comprimento, 4 cms. de largura nas farpas, espinho basal 1,5 cm. de comprimento e 2 de largura. Lascamento imperfeito, bordas nio_ serrilhadas, levemente bombeadas, com uma farpa quebrada (fig. 3, a). 16. Bola de Charrua eliptica, de alisamento um pouco irregular num dos lados. Dimensdes 6,2 - 5,1 - 4,4 ems. Es- tria de 3 mms. de profundidade, correndo longitudinalmente, por cima dos polos. Se inquirirmos na utilidade que poderia ter tido aguéle objeto ali no mato fechado, numa regifo aci- dentada, muito longe dos.campos, talvez se deva chegar a conchisfio de que € objeto de intercdmbio, presente ou lem- — 129 — branca de indios campeiros, os quais a empregavam em gran- de escala nas suas cacadas. Também os guaranis dos cam- pos sul-riograndenses a possuiam, Porém como limite norte da bola de charrua costuma indicar-se o municipio de Santa Rosa no Rio Grande do Sul. A hipdtese aventada é corro- borada ainda pelo fato de o referido lito ter sido encontrado no centro da aldeia e nado fora, o que seria mais consentaneo com o uso na caca (fig. 4, a). 17. Bola oval de forma perfeita e polimento total, medin= do 3 cms. de polo a polo e 2,8 na regido equatorial. De uso desconhecido (fig. 4, b). 18. Bola pequena perfeitamente eliptica e regular, medin- do 3 - 2,5 - 2,5 cms. Polimento excelente. Uso desconhecido. (fig. 4, ¢). . : 19. Apito de barro cozido em forma lenticular. -Didme- tro 4,2 ems., grossura maxima no eixo 2,5 . A cavidade aber ta no meio de uma das faces mede 2,2 de largura e 2,3 de profundidade sendo mais ou menos redonda. Soprando com forca dentro da cavidade produz-se um som semelhante do que os rapazes conseguem soprando’ dentro de um ‘vidrinho: Nesta régiio foram até agora encontrados ‘dois déstes apitos e nao os tenho visto comentados em outra parte, nem os tenho encontrado até agora em museus (fig. 13, c). - 20. Bloco de quartzo do tamanho de uma cabega, apre- sentando num dos lados uma superficie alisada e levemente escavada que tera servido como amolador de machados. A superficie desgastada mede 18 por 11 cms. nos pontos ex- tremos. 21. Outros objetos preciosos que escapam muitas vézes ao colecionador de material curioso so varias pedras de for- matos diversos encontrados em nimero elevado niio sé nés- te paradeiro, mas também nos dos litoral. Diversos autores fazem mencao déles: sio os alisadores de ceramica (fig 5, a-d). Os vasos de barro realmente apresentam superficies que indicam, sem possibilidade de engano, éste alisamento, in- terno em téda a cerdmica; interno e externo nos recipientes lisos sem pintura e nos pintados e em alguns de ornamenta- gio plastica, Estes alisadores costumam apresentar um dos lados regularmente arredondado e naturalmente polido, que serve para alisar o vasilhame, enquanto o barro é plastico. Um dos alisadores apresenta numa das faces, j4 um pouco cOn- cova, duas pequenas cavidades onde se adaptam -perfeitamen- te os misculos do polegar ao agarrar a pedra. Na.outra fa- ce arrancou-se uma lasca grande, regular em cada’ uma. das extremidades (fig. 5, a). . — 130 — 22. Diversas outras pedras de uso desconhecido ainda se encontram, entre estas destacamos duas que apresentam as arestas naturais do basalto colunar acentuadamente gastas (fig. 5, e, f). Pergunta-se apenas pelo seu uso: se esmagar plantas, dar um alisamento inicial aos instrumentos de pedra ou alguma outra. O modo como se apresentam as arestas sugere que tenham servido como percussores e raspadores de pedras. Em outros percussores as arestas e a cabeca esto igual- mente gastas e de alguns pontos saltaram grandes lascas du- rante as batidas (fig. 66, a). Talvez tenham servido para o lascamento inicial de machados e mais instrumental litico. Os percussores encontrados neste paradeiro diferem de pecas se- melhantes dos sambaquis, onde aparecem 4s centenas, porque os do litoral apresentam as faces de percussio regularmente gastas, sem lascamento algum e pode-se ver pelos sinais dei- xados que é num bater mais leve e regular. 23. Embora se tenham encontrado apenas duas pontas de flechas, é sabido que o indio da regiio as empregava muito, visto o grande niimero de niicleos residuais da fabricagéo de pontas, como de lascas encontradas. no paradeiro, O material empregado para o fabrico destas pontas é de si- lex (fig. 6, c), e de meléfiro vermelho (fig. 6, a). Por outro lado ensina-nos Métraux que os guaranis empregavam de pre- feréncia pontas de madeira nas suas flechas. 24, Finalmente surge mais um achado discutivel na for- ma. de fragmentos de arenito com sulcos perfeitamente arre- dondados e de profundidade igual em téda a sua extensio o que sio manifestamente de origem humana. Outros existem de cuja proveniéncia se podem levantar dividas. Um exem- plar recolhido apresenta sulcos de 7 mms. de largura e 6 de profundidade (fig 6, £). Os sulcos do segundo exemplar me- dem 1 cm. de largo e 0,5 cms. de profundo (fig. 6, g). Os sulcos ocupam em regra geral quatro lados dos fragmentos. Este material difere de sulcos parecidos nos rochedos costei- ros e de outros do interior analisados por numerosos autores, por apresentarem a mesma profundidade e largura em téda a extensfio, ao passo que aquéles costumam ser mais largos e fundos no centro afilando para ambos os extremos. soe « E’ de lamentar que o material ceramico, se excluirmos 03 quatro objetos inteiros, conste apenas de fragmentos, cuja re- constituig&o exige tempo, paciéncia e conhecimento. _Tirare- mos, nao obstante déle numerosas informacgSes quanto ao ta- manho, técnica, uso e ornamentacao. — 131 — O tamanho do vasilhame, indicado pelos fragmentos,~va- ria desde a igacaba ou urna de bojo largo e atingindo 60 cms. de altura e o pote minisculo do tamanho de um punho fe- chado. Dentro de certa uniformidade quanto 4 conformagio, apresentam-se igacabas piriformes, terrinas, panelas, 4nforas de gargalo estreito, potes em forma de coragao ou péra, ti- gelas lenticulares, pratos de fundo raso e bordos quase verti- eais, recipientes com notavel estreitamento no meio, parecen- do vasos duplos, etc. Mantendo algumas caracteristicas gerais as variantes sao quase infinitas, nfo se encontrando duas vasilhas idénticas. Embora todos apresentem qualquer enfeite no bordo superior ou no gargalo, nenhum fragmento mostra asa para o trans- porte, ou perfuragéo indicando dispositive para dependurar. Balduino Rambo indica que 4s vézes se passava. uma corda ao redor do gargalo de potes médios e pequenos para. transporte nas costas & maneira de mochila (8). O fundo nao tem, por outro-lado,nenhuma adaptagdo para o vaso ficar em .pé. sd- bre uma. supérficie: plana, mas apresenta-se comumente ‘arren- dondado, permanecendo firme apenas quando um pouco enter- rado no solo. A técnica do fabrico, manifestada continuamente nos fragmentos, é a de espiral para o vasilhame médio e grande, sendo, ao que tudo indica, o pequeno moldado simplesmente & mao em pega inteirica. A espessura das paredes varia entre 3 cms. e 3 mms. O cozimento do material, e com isto a sua qualidade, varia um pouco: regra, porém, as paredes nunca se.apresentam cozidas em téda a espessura, a nao ser as bem finas, onde o fogo tornou refratéria a camada téda. O mate- rial pintado também costuma apresentar preparo e cozimento mais_perfeitos. Os outros exemplares, de ornamentacio plastica, ou a ce- ramica grande e lisa é coberta por uma camada_ refrataria avermelhada’ nunca superior a dois milimetros, mantendo um miolo negro inatingido pelo fogo. Esta cér é atribuida por H- Baldus & mistura com a argila vermelha de carvéo vegetal (9), como desengordurante. B. Rambo observou entre os gua- ranis que, por volta de 1885 emigraram do Paraguai e que atualmente estio no posto de Nonoai no Rio Grande do Sul, como misturavam cinza de madeira e de ossos com 0 barro destinado & ceramica. A técnica désses indios também é a da espiral, mas hoje em dia esto esquecidos da antiga arte, re- produzindo apenas o cacique umas terrinas de feitio moderno, para satisfazer aos turistas. O vasilhame em uso entre éles é o dos civilizados. (10) — 132 — O mau cozimento é uma das razées por que téo mal ‘se conservou a ceramica indigena: por meio das frestas mal fe- chadas penetra a umidade até a camada nao cozida, fazendo-a trabalhar e, por térmo, fendilhar-se todo 0 vaso que se desa- ga. Dificil tarefa seria indicar, atualmente, e tendo diante de si apenas fragmentos, a utilidade e-uso de todo éste material indigena. Certo é que as igacabas se destinavam ao entérro dos mortos e provavelmente também ao preparo de bebidas fermentadas. Alguns recipientes médios trazem no fundo, manchas ce fuligem, sugerindo uso ao fogo no preparo de ali- mento. Por fim, ha quem pretenda ver nos potes menores cépsulas para guardar as cinzas dos mortos. Entretanto, se- melhantes quest6es no sio do programa destas linhas: Relativamente 4 ornamentacio dividimos a ceramica em trés tipos sumarios: a lisa, sem ornato algum a nao ser a sa- liéncia do rebordo superior; a de ornamentos plasticos pro- duzidos por meio de incisio de espatula, impressio-de dedo ou da unha; e a ceramica pintada com variados motivos. - A-divi- sao em quantidade é mais ou menos igual em todo o paradei- ro, se excluirmos 0 cemitério, com os dois primeiros modélos apenas, como ja foi apontado. Nota-se ainda que os objetos maiores e de mais espessas paredes (até 3 cms) s&o lisos, sem pintura, e que a ornamentac&o unguicular ocorre sé em ‘re- cipientes pequenos. A impressio digital, thumb-marked corrugated pottery de G. R. Willey (11), tera surgido como resposta elementar a uma necessidade técnica; enroladas uma por cima da outra, em espiral, as cordas de barro que formam o vaso, era preciso li- ga-las. Um resultado bastante bom consegue-se comprimindo com o polegar a corda superior sdbre a inferior. A ligacio en- tretanto é de tal ordem que as fraturas sempre se dio ao lon- go das cordas, separando-as.e apresentando a superficie que- brada um lado convexo e outro céncavo. A marca deixada pelo dedo, regular e horizontalmente disposta, constitui uma ornamentacéo nao totalmente destituida de beleza, e que apa- rece em numerosas variantes. (fig. 7; na fig 8: a, f parecem decorrentes déste tipo). Ornato nao muito diferente se consegue com a impressio n&o mais do polegar, mas simplesmente da unha em tiras pa- ralelas, sempre na mesma posicio (fig. 8, d,e ). No paradei- ro em exame mostra-se apenas'em potes de pequeno tamanho. Este ornato unguicular aparece em carater puro e desacom- panhado de qualquer outro tipo de enfeite num paradeiro de ‘Bom Principio, no Municipio de Montenegro, R.S., onde é em- ~ 133 —~ pregado em recipientes pequenos e médios. Os grandes fal- tam de todo. Mais rara é a incisio praticada por meio de um bastonete ou esp&tula em linhas intermitentes paralelas, ou em linhas intermitentes paralelas e curtos tracgos, que caem sdbre éles como pequenas félhas sébre uma haste (fig. 8, b, c). _ As vézes as linhas evoluem em varias diregdes, dando a a de campo cheio de plantas cobertas de pequenas Muito dificil de encontrar tanto no paradeiro, quanto nas jazidas do litoral € um modélo em leve tracado paralelo, si- ‘Tmulando um campo arado cheio de sulcos (fig. 9). Comu- Mente encontra-se apenas um ou outro fragmento, como nos sucedeu em Itapiranga. No paradeiro de Osério, no Rio Gran- de do Sul, as linhas sao paralelas, ou se entrecruzam forman- do losangos ou quadrilateros. Ainda nao tenho encontrado éste tipo estampado para comparacio. Se agora passamos 4 ceramica pintada teremos trés sub- tipos fundamentais, descobertos no paradeiro e que se asseme- Tham a outros encontrados em grandes extensdes do sul do Brasil e paises limitrofes: o tipo mais simples emprega ape- nas uma cr, o vermelho escuro, com o qual pintam ou todo o interior ou todo o exterior, ou ambos os lados, ou porcdes apenas de grande niimero de vasos pequenos e médios. Niao temos encontrado até agora uma igacaba pintada por éste modo. Pertencente ao mesmo tipo monocolor em vermelho en- contram-se faixas de cér ao longo das bordas superiores das &nforas e panelas. Muitos recipicentes pintados mostram o interior oti o ‘exterior envernizado. Bastante comum em vasos médios e pequenos é a colora- cao branca, cambiando até o acinzentado, quer interna quer externa, com estreitas faixas pretas ou vermelhadas, ou am- bas ao mesmo tempo, ressaltando os contornos e reentrancias ou angulosidades dos recipientes. i O terceiro subtipo, finalmente, que se poderia dividir em inameros motivos é o mais espalhado. Emprega-se em igaca- bas, em recipientes médios e pequenos. Sdbre fundo branco apresenitam-se diversos motivos lineares ou em espirais ou os dois combinados, em. tragos vermelhos ou pretos, ou ambos ao mesmo tempo, servindo por veézes o preto de traco-sombra ao vermelho. Excepcionalmente tem-se descoberto em igacabas tragado branco sébre fuindo vermelho ou fundo preto com li- nhas vermelhas. : : _.. Entre numerosos motivos, ta¢ variados que se lhes pode ‘aplicar o que Léry afirmava dos tupis do Rio. de Janeiro, que — 134 nao eram capazes de reproduzir duas vézes 0 mesmo desenho, distinguimos jinicialmente desenhos em linhas quebradas, constituindo figuras que lembram gregas, ondas _ estilizadas, degraus, losangos convergentes ou, ajuntando-se nas bordas superiores das igacagas em variados modelos em A e V, 4 que H. Baldus gostaria de batizar com o nome de <«faixa es- -grafiada de triangulos» (12). Outras vézes s&o linhas cur- vas ou volutas que se conjugam em formas varias. Alguma vez combinam-se numa mesma figura os dois elementos, o re- tilineo e o curvilineo. Acentuando as reentrancias ou angu- Jos dos objetos ou o rebordo, tragam-se linhas vermelhas ou pretas, bastante densas, que separam os motivos. ee # A t&bua dé alguns motivos de pintura. Acentuo a pala- vra Mostraram’ indisfargével curiosidade e estima pelo padre, mas nao . pur deram esconder certa desconfianca.. (8). Cumprimentei-os segundo o- estilo, (9). Propositalmente nao toquei na crianga bem nova ainda, para nao der ensejo a qualquer suspeita ne caso de sobrevir algum mal. crianca, como pressentia. Anténio Jodo tem alguns tracos de civilizado e uma barba rala no queixo comprido, Deu impressio de calma.ponderada e prudéncia, apesar de certa desconfianca.. Mas é indio nes reagées e modo de falar, na espontaneidade genuina de homem que nao deixou de ser crianca em adulto, Familiarizado © seguro no arco. Apés um tempo. expus a matéria da primeira catequese: Dous Criador e Remunerador. Isaque, nésse momento, veio com uma peneira na qual ti- nha gréos de mitho féfo tostado e pedacos de carvio e outras sujeiras, de que-os ‘separava. Tomei o fato. para ilustragdo: O milho ficou e a sujeira deuo fora. Pois assim serdé-no juizo final e assim faré Jesus com os bons @ m4us. Insisti entio sébre a bondade de Jesus. Erros sdbre a origem da doenca 6 morte. Justica vingativa é para éles braveza e maivadeza (parece que nao ha termos adequados para apresentar com justeza a idéia déles. Identificam “ser bom” com passar bem...) Apreciacio absorvente desta vida em comparacio com a outra eterna Certamente, Jesus tem. sido assunto de longas e “curiosas” conversas entre $les.. Quand¢ perguntei se éle. (10) sabia isto, se gostava de Jesus, respon- deu de pensado que sim. Propis que os filhos féssem a Utiariti trabalhar depois de passadas as chuvas, para ganhar o que pediram. Isaque poderia ir logo para apren- dera ganhar. Também a menina. No outro dia, sem nenhuma insténcia. minha, todos resolveram vir co- migo, buscar Pedro e visitar o Capitio Anténio. Nesse dia Alonso cacou um macaco, A tardezinha, hora de escolher pouso,. ameacou uma chuvi- aha de frisgem. Isaque perguntou-me com téda a seriedade, se Alonso ia pegar aquéle. macaco ou nio, e se ia. chover ou nao. (11). Outro dia, pela manh3, encontramos Pedro. Chamou a atencio que as mulheres-'se’ cansaram bastante, iam afogueadas com o trabalho de carregar as.criancas e a cesta. (12). Alguns dos cérregos em que tomaram banho levava -dgue bem fria. As duaa noites de pouso no mato eram frias; o fogo facilmente. apagava. Eles niio tomam qualquer lenha para ¢ fogo mas também néo selecionam muito quando a apanham. Pedro esteve em Utiariti com a turma que veio com o padre Roberto em.maio de 1948. Houve catecismo, servico religioso, viu a igreja. Esteve na. maloca'de Acicio em: junho de 1949, por ocasiéo da construcio da casa- capela’." Deu mostras. de incredulidade. Afirmou-se como pagé (rezador € diretor do canto da flauta). . Em “1950 esteve, parece, como’ principal entre os desacatadores “do cru- cifixo e opositores-ao padre. Dizem que foi éle que deu o talho na cabeca e-que depois’ fugiu. (13).. Pouce depgis, no caminho de volta; morreu-Ihe uma crianca, atribuindo a morte a poderes conjurados pelo padre e vindos de Cuiabé, como outros pensavam também ‘por ocasiéo da coreana de 1950 e 1951. Mandei avisar amigivelmente que o ia ver, Agora estava éle. Parecia agitado. Sempre que falava de Jesus; fé-lo com..certa preocupacio,mas.aa mesmo: tempo o-elogiava. Sua mulher, sem vestidos, pintada de-urucum, abracava-se com a crianca, sentadas ambas & Parte .no- chao. ‘Pedro disse-em certa’ ocasifio, quase - textualmente, que: Jesus vem “bus- éar gente”, ‘quandd” uiria’ pessoa morte. Esse pensamento anda ligade ac sey — 148 — modo de considerar a doenga e mérte, causadas sempre por uma pesséa. extranha e malévola. Na noite de 11 para 12 de jutho, 4 noite .(pelas 10 horas), pousados numa clareira dum mato, explodiu. um bélido (14). O inesperado, a ra- pidez, a vicléncia.do fenémeno os apavorou e eu senti também. um calafrio no primeiro momento da explosao, No dia seguinte perguntou-me se Jesus veio falar comigo, Em outra ocasiaa disse também cue sua muther plantou mandioca mansa para Jesus vir beber. Procurei entao corrigir as idéias erradas e separa-las do mundo de idéias nativas, apresentando as verdades com autcridade e com a sua- férca original, soberana e divina. Dia ds chegada na maloca do cap. Anténio. A mulher do capi, Anté- nio Jefio’ estava defluxada. Carlos, irmao (primo) de Anténid Jodo com tosse crénica peiorada e ésse mesmo também com uma tosse crénica funda. Durante a noite dansaram e tocaram flauta’ no fterreiro com profunda camada de posira, Téda @ noite ‘afora. um breve déscanso depois da mmieia noite, em que-n3o entraram na casa, S6 Alonso ia @ vinha pata inéentivar a preparacao das ¢hichas de milho e mandioca. “Reza” do Cap. Antésid Joao." O iltimo canto de fleuta. Impressionante ‘pola néstalgia, variedade de motivos e delicadeza. (15). ° : De manha, dia estabélecido pata a “volta ao Cravart e dai a Utiariti, a fim de biscar os animais para “levar as crianicas e uma. pequena comitiva a Utiariti, Essa voltaria logo. “Todos com tosse e coméco de ‘defluxo afora- Alonso @ os que’ ficaram dentro de asa. “Désses 36° Maria, a mulher de An- ténio_addecet: éxcesso de” trabalho tiesses dias, falta e irregularidade de agazaiho. Ja no dia anterior o Cap. Anténio tinha saido’ com ela, a tardé para aplicat-Ihé ‘um curativo. Féz sinal de defluxo. Isaque deveria ir até o° Barracéo Queimado e de 14 trazer os remédios que deixei 14° com outrds cousas. Alémn de pernoitado, estava Sle defluxado e cora coméco de gripe. Levamos dois ‘dias e meio até chegat so Barracéo Queimado. Remediei o aso com alguns paliativos que deixei numa das malocas do meio. Acon- selhei discriggo no banhd. “No Barracio Queimado dei-the afora um melhoral e dois antigripais, com que melhorou o estado geral, Dei-Ihe Sedacofa, contra a tosse, com Stimo resultado memontaneo. Observo a notavel influéncia da falta de abrigo na tosse: dormem sem camisa, ou simplesmente sem roupa, com um regime de fogo pequéno e irregular. Apénas se abrigam, diminui a tosse. Descanso total de um dia e meio com 2 noites. Béa alimentacdo (afora varne, No dia 17 saimos as 6 horas da manha éle para a maloca e eu para Utiariti, Ble devia atravessar logo o’ rio. Levava béa matula, Compreendeu bem o uso dos remédios anti-gripais e sédacofa. Ficcu admirado sobre ay muitas cousas que trouxe, ficando tudo no bar- racid. Ficou simplesmente abalado com varias cousas que lhe dei, entre outras cousas uma camisa usada, bastante béa, apés té-la lavado com Agua’ quente fervida-com sab&o durante meia hora, na beira do rio, numa lata de querozene. Levou também riscado numa taboinha, o nimero de dias — 10 dias —~ no fim dos quais deveria estar no Barracio de novo comas criancase os pais: dois dias de viagem, trés de descanso'e cinco de viagem para o barracio. (16). Cheguei a Utiariti no dia 18 as 11 horas. Ainda dew tempo para celebrar. Voltei ao Cravari no dia 25, chegando ao Barracio no’ dia 26 4s 2 horas da tarde. Falhei um dia. Dia 28 pela: manh& soltamos os burro’ peados, pois perto grandes extensdes de cetrados estavam a queimadas © com capim brotando. (47). Eu com Mauricio, atravessamos o rio « caminhamos rapidamente a _ de chegar ao pér do sol, j4 perto da maloca de Anténio. Era prudente trazer 9 india comigo, ainda que nao conhecesse o caminho. Facilmente se-orientam @ — 49 — segue um rasto quase inexistente. As vézes o caminho quase se apaga e ha numerosos acidentes geogréficos. . Dia 29 separamo-nos. Mauricio voltou, chegando ao Barracéo Queimado 4 tarde. Comeu e foi atrés dos animais que encontrou, aproveitando o luar, 6 quase 5 Iéguas do Barracéo Queimado. Iam sempre pelo caminho. Eu por minha vez segui, contornei a maloca do Cap. Anténio, sem querer, errando ‘° caminho no mato. A entrada do mato onde segue o.caminho até a maloca do cap. José, topei com o cap. Antonio e seu afilhado José. Tive entiio: noticia da morte do tap. Anténio Joao, de eua mulher e de sus filha Terezinha. A crianca de pei- to 6 para eu levar. Todos doentes. Anténio suspendeu o ‘chiri com mitho, que ia baldeando para a sua ma- loca e andando foi comigo. Estiveram numa Tapera que fica néo longe de 1, ‘Trés ranchos com paiha fresca. Um, de Antonio, Carlos, Zacarias e Pedro: todos languidos, tossindo violentamente, cuspindo sem nenhuma mederagio. piores estavam a mulher de Antonio .e Pedro. E para admirar que niio pe- geram até agora a mulher de Pedro e os trés meninos: José, Anastécio e Ru- fino. No segundo rancho: Matias e Alonso, todos bons. No terceiro: Tomé com cua mulher e Isaque. Desanimados. A crianca que deixou Anténio Joao, na rede com Tomé, no meio dos escarros. “Nao tenho peito disse éle. A crianca chora, Vocé levar. Mamie falar”. Fiquei neste dia. Antigripsis e Metoquina. Dormi num pouso improvisado com Manoel Maria, um fogo no meio das rédes. Vento de quase friagem durante a noite. No dia seguinte mudanca para a maloca de Anténio. Todos vio. Teimam em ir. Pedro quase se arrasta. Eu fui duas vézes carregando cousas. Da segun- da vez Cap. Anténio carregou a mulher as costas, Pousamos na saida da mata. A conversa cai sébre os “Tikéli”. Um verdadeiro passo. A esquerda, um cér- rego (penso que vai dar no Cravari), & direita, dutra mata com varias cabo- ceiras (Penso que sao Aguas do Nascente). Mostrou-me Anténio um téco las- cado de péu durissim i estava espetada a cabeca” e assim Anténio insiste irmos juntos, quando quis me adiantar. 31 de julho: Convidaram para ficar. Tratei dos doentes. Encaminhei combinacées. Ensinei a Anténio como dar os comprimides. Passei fome. N. B.: Com penicilina ou sulfas, penso, a julgar por outros casos, se teria atalhado esta gripe. Iam melhorando. Morreu ainda, poucos dias depois, Pedro. De- ram-me depois seu arco. 1.9 de agdsto. S6 ao sair fico sabendo quem iria comigo. José do Anténio, olhar amedrontado, desanimou. Veio Manoel Maria com um pesadissimo chiri de milho. André quase de m4 vontade. Alonso com sua mulher, levava o Mi- guel, seu filho. E eu que tinha que levar “Mariano”, como chamei a crianca, depois com o nome de Urbano! Fiz de dois sacos uma espécie de faixa seme- thante como usam as mulheres para carregar as criancas. Levei a mais a minha mala. Andamos neste dia até a maloca de Canuto. Todos estavam cansados. ‘Nada para comer. Mas sempre se come. Aprendi a lidar com crianca — uti- lissima licdo! Como a mulher nao amamentou bastante, comecei a-dar-lhe um ‘pouco de agua com rapadura. Chorava bastante durante a noite,.sempre procu- rando o peito. Quando andava, sempre dormia. Respondeu a caricias, mas nfo mostrou conhecimento. Outro dia chegamos so Barracéo Queimado. Travessia do Cravari a na- do, Todos exaustos. Dia 3: Conversas de orientacdo. Catequese. Distribuigio de objetos. Or- dem, de modo a impedir uma ida fora do necessério a Utiariti. Todos éles se juntariam — falam — no barracio em-comum, para fazer roca. Depois vio a Utiariti. Saimos as 4 horas da tarde, Pouso no cérrego do Cemitério. Outro dia pouso no Parediio. —- 150 -~ Die 5. Saida ceda. Chegada em Utiariti ao escurecer. Benedito que primei- ro queria vir, ficou, Plantou mitho para levar a Utiariti, pare papai Maximo, ego”. : Esta é a narrativa do didrio do Pe. Joo Dornstauder, o documento mais completo que existe sébre os Iranche, nd momento histérico em que éstes in- dios viviam livremente em seu territério e em posse de suas tradicées tribais. 11 a 14 de setembro Pe. Dornstauder visita Barraciio Queimado. Leve Inocéneio, menino, para Utiariti: “Seu pai, cap. José, mandou avisar para vir buscé-lo, Falou para o padre “cantar” para éle ficar com satide. Pede algumas cousas”. 29 de novembro. Vai o cap. Anténio a Utiariti, dando noticia da morte de sua mulher. Traz José, seu filho de criacio (sobrinho) e Atanésio. 11 de dezembro Zacarias que féra a “Utiariti poucos dias antes do Cay. Anténio, sofre de complicagio pulmonar depois de uma recaida de gripe. 15 de dezembro: “Batismo de Zacarias, 4s 10 horas. Morte as 22 horas. Um pouco antes chorava como crianga. Agitado, Colapso pulmonar”. De noite fizeram um rumor de revolta simulada, como as vézes faziam os indios Pareci @ Nambiquara em Utiariti, ameacando os padres e as Irmazinhas da Imacule- da Conceis O iranche mais expressivo era Lino. Punhos cerrados, olhos es- bugalhados, ia até a rede do falecido gritando: “O que océ morré!?” Pe, Dornstauder anota: “Manifestagéo de tristeza e dér dos parentes. Im- pressionante o “Padre Nosso”. Depis veio a tempestade psicolégica: 0 que se acumulou nestes Gltimos tempos sai a tona. Da parte dos Iranche, ainda muita incompreensiio e descontrole; de nossa parte, item pouco conhecimento e pouco caso da indole do indio; falta de combinacées claras e de meios materiais. “16 de dezembro. 8 horas: entérro de Zacarias, na rede, coberto com um pano vermelho vistoso. Assistem todos os Iranche dos padres e dos protestan- tes. Varias pessdas, especialmente Parecis. “No mesmo dia as 12 horas Cap. Antonia com dér de cabeca. A tarde com 40,5° de febre. Vémitos. Passa mal. Os patricios apreensivos. “18 de dezembro. Caravana de visita dos Iranche dos protestantes. Satis- feitos com a conversacac. Manoel Maria é a alma da resisténcia. Exigéncias. ‘Quer espingarda! “De tardinha, durante a reza, vai Anténio meio carregado aos protestan- tes. Dei-lhes plena liberdade. Primeiro resolveram ficar. No fim resolveram a. contrério, Lidaram com o doente,-principalmente a espésa do norte-ameri- cano Parente. Nenhum resultado..Resolveu-se o caso com uma injegio de pe- nicilina. Seguiu-se uma fermentacao entre os Iranche: imediatismo de idéias, exarcebacio afetiva. A base da solucio foi sempre: ser bom. Deus!” De 6 a 12 de marco, Pe. Dornstauder leva ao Cravari os Iranche, que, em péso tinham ido a Utiariti para trabalhar. Isaque: caso de levirato. Casa com a mulher do seu irmao mais velho falecido, Pedro, “para Ihe fazer filhos”. 19 a 23 de abril. Viagem ao Cravari de Pe. Dornstauder e Pe. Edgar Schmidt, atual Superior da Missdo, a ver os indios, as terras e as possibilidades. “Linc que levara remédios aos doentes do Barracio dias antes, narra desesperado « imprevisto: Alonso, Cap. José e Tomé tomam remédio e ficam bons. Os ou- tros fogem para as malocas de baixo, provavelmente para a do Cap. Anténio. Nesta maloca, quando o caso se declara grave, os nao atacados fortemente, abandonam os doentes que eram Isaque, Sabina, Rufino e Carlos. Lino e mais alguns levam remédio aos abandonados. Encontram-nos mortos, Enterram « mulher. Dao com Rufino comido pelos urub(s e encontram Isaque e Carlos na sede, podres, com a cabeca decepada — provavelmente pelos “Tikéli”. Os Iranche todos se resolvem a ficar no Barracio Queimado e fazer roca’. Aqui terminam os apontamentos do padre Dornstauder. Encerra o aposto- Jado com os Iranche, passando a outras tribos dos vales dos rios Juruene, San- gue, Arinos e Telles. Pires. — 181 — Também desta: data em diante se pode dar por encerrada a vida tribal Nativa-e espontanea dos Iranché sem a intervencéo de elementos de cultura- Ho civilizada branca, brasileira ou norte-americana. Sem, no entanto, descrever nem mesmo sumAriamente tal culturagao, nao xe pode deixar'sem referancia ligeira tal fato. ? A verdade que histéricamente se deve ressalvar, é a razio que tiveram “oa -brancos em entrar.em contato intimo com a tribo: iranche, procurando a salvacio das vidas déstes indios. Sem a Proteciio, precdria sem dévida, mas de valor: inegavel,- histdricamente registtada, néo mais teriamos a tribo iranche nem estado de culturacéo nem estado nativo. ‘Trés fatores se conjuraram em agio de exterminio. da tribo: A luta interna existente na tribo entre as turmas, nomeadamente entro: a fnaloca: de Cap. Acdcio. contra as outras; as doencas epidémicas, -sendo conhe- cida bem a-¢ripe coreana; os ataques dos inimigos principalmente dos “Ti. KOK”, que: estudaremos na segunda parte déste modesto trabalho. Os jesuites: favoreceram sempre o reaparecimento dos costumes iranches, Procuraram a mitologia, incentivaram com prémios as ropresontacdes em que dansavam.e tocavam as flautas..Em 1956, os Iranche, em-Barraci’o Queimado, de novo toraram suas fldutas ern festa noturna, ségundd o costume iranche, noite a fora... . a Be fato, os indios agora wbrem aos os segredos da tribo, - ‘Alguns anos,:no entanto, précisamos esperar, para ebtermos dados com pletos sébro a vida nativa tribal iratiche. Os indios ‘traumatizados, recolhe- tam-se aos refolhos de seu cardter timido, vendo-sé ‘de tal modo ‘inferiorizados, que ‘néo sabem nem reconhecer a face ‘dos verdadeiros amigos. Estamos ape- ‘nas‘na véspera do dia em. que © Iranche venha’ a dizer no linguajar de Utiaritt: “Eu agora sabe. Padre bom. Eu agora tudo ‘contar”.. : A culturacio-se provessa em dois polos: em Utiariti e. em Barracao Quei- mado. . Em Utiariti, os Iranche aprendem a viver a todo civilizado. Aprende a ler, escrever.o contar. As Iranche aprendem conr as Irindzinias da Imacula- da Conceicio. Como complemento da escola, os meninos aprendem. @ trabalhar terra e lidar com as plantacées e animais diteis. Nem falta o complemento ar- tistico de representacées, ‘declamacées e jogos. Os rapazes e homens sic trata. dos em sistema mixto de responsabilidade de oficio e aprendizado, com su- perviséo a modo indio, isto é, usando o método de repeticio de ordens, le- vantamento do trabalho ao aparecerem atrativos indios; merendas entre as ro. feic6es principais: enfim o padre capataz representa perfeitamente o papel. de ehefe de indios, acompanhando no trabalho mas ao mesmo tempo dando a to- do o ambiente uma significacdo que sdmente a teligido pode infundir. Em Barracio Queimado, os. indios imitam .o aperfeicoamento aprendido em Utiariti. Os indios que quase nunca aparecem em Utiariti apreciam imenso as inovacées trazidas pelos irmaos de sangue. As rocas adquirem desenvolvi- ™mento nunca viste. O progresso alivia as déres do passado que faziam o fim da tribo. : "Para atender melhor & indole irrequieta do Iranche, como dos outros in- dios, trabalham por temporadas num sitio de Diamantino —- Frei Menoel — temparadas de prérmio, de simples variacdo de ambiente, de incentivo aos mais aovos. Termino esta primeira parte de documentacio cronolégica com uma ci. tagéia de um artigo de jornal, que ilustra os resultados obtidos na aculturagdo iranche, dirigidas pelos jesuitas. © eto no envaidece a ninguém, apesar do pouco tempo que se empro- ou na aculturacéo dos iranche. Chama atencdo para o imétodo verdadeiro, bem préximo do ideal talvez, numa aculturacdo. O- método jasuita se baseia verdadeiramente num duplo dado reai da vida humana: a adaptagio psicolé- poueos, em confidéncias espontaneas, — 152 — ica india’ e © catclicismo. O caso em citagio ¢ 0 fruio lidimo déstes dois aspectos em conjunc’o real-e una. “Al, & beira do rio Verde, esto agora chantadas .as estacas das medi- Ges de terras... De quem siio essas terras? Nao existe, porventura, na Cons- tituicdo Brasileira; um’ artigo que adjudica expressamente aos silvicolas as terras que vor sendo tradicicnalmente por éles habitadas, que as torna ina- Hiendveis?- Quem medira para os indios as ‘suas terras e thes apontaré as Aguas e matas que thes ‘pertencem? No seri precisamente o Servico de Protecio aos Indios? : “Lembrando-me do Benedito... Isso é 0 que esperam saber Pedro Sa- dino, Jodo “Garimy ; tantos outros (brasis), cujos titulos de posse: haviarm de estar arquivades. na. meméria fraternal do povo brasileira. “Em face da usurpacio; Alipig, um jovem Iranche, discipulo que foi da escola de Utiariti, reagiu de outra forma. Menos timorato, quicd mais ingénuo que os pacifico’ -Aritis, assumiu pessoalmente atitude: muito mais enérgica, nas matas- do Cravari. Certo dia, faz agora poucos meses, engenheiros paulistas, contratados para uma destas medicdes ali, seguindo uma picada,leram sur presos, na superficie branca, alisada -a facdo, de um tronco de rvore centend- dias. “N&o queremos civilizados “na gleba dos ranches”! “Perplesos; viram. surgir do seio da floresta’ alguns indigonas. Alipio, bu- gre de um fisico imponente,.bom armado como se. achava, acrescentou: quem escreveu isso fui eu... Diante da atitude decidida dos senhores da floresta, yetirvu-se a tirma dos imedidores, rompendo o contrato com o “outro”: dono da gleba. O fato sugere bem a existéncia do problema,: Deve existir uma-solu- fo justa para éle Importaria delimitar quanto antes, a exemplo do que. existe ‘nos: Estados Unidos da América, a cada tribo a sla reserva territorial Ao ‘menos onde isso jé é possivel”. (18). . Deve existir, concluo eu, uma ‘mudanga ‘louvavel no. modo de ‘agir dos Iranche. Continuam: a viver o cardter-iranche e adquiriram .e adquirem “um habito superior de:-vida, complemento. e-n&éo morte do caréter indio que faz do iranche um brasileiro cénscio, como queria Rondon, vulto nacional ‘que, pelo. proprio esférco, atingiu as culminancias do-renome internacional. « ‘NOTAS ESPARSAS Uma consideragdo. mesmo um tanto superficial, do que ficou exposto na primeira parte déste trabalho, mostra que os jesuitas nao puderam dedicar-se aum estudo mais apuardo da etnologia iranche. O cardter timido da tribo di- ficultava os primeiros passos de intimidade; o momento histérico emi que se realizaram os primeiros contatos, entravados peles. dificuldades de quase ex- terminio da tribo; os poucos tempos de lazer etnolégico, tomado pela neces- jdade de socorrer a tribo © prover o necessatio para a vida... éste ambiente rodo anormal, protraiu aié poucos méses um estude etnoldgico que se define portante como incipiente. Como of Iranche, pelo bom tratamento que receberam, se mostram aces- is, as notas aqui receberio um complémenta e possivelments exaustivo em futuro préximo, quando cientistas de rénome poderdd, “in loco”, observer og Iranche. Por enquanto, alguma informacio sucinta e desprotenciésa. Situagdo dos Irariche : Rondon situou os Irancho nd vale do Cravari (Corecé-inazd), donde se derramavam éles pelos vales do Papagaio e Sacre. Informacio certa. Pergun- tando-se, entretanto, sSbre a localizacao das malocas, fica sem resposta a si- tuagio nos tempos da’ Comissio Rondon. _ © fato da queima da’ frimeira ‘maloca iranche, encontrada pelos serin- tueiros, pode lancar alguma iuz sébre a questio. Parece de fato que @ malo- — 153 — ca referida por Rondon (19) estava situada & margem esquerda do rio Cra- vari. Os Tranche se referem a éste lugar em tempos idos, como sendo um lu- gar de importancia para a tribo. Mas a informacio imprecisa néo permite ume concluséo certa. O dado certo que temos é que em 1953 Padre Joiio Dornstauder encon- trou tédas as malocas iranches, sem excega¢, A margem direita do rio Cravari. As tribos que confinam diretamente e com relagio imediata com os Iran- che ‘sdo duas: Uma a Leste e outra a Oeste e Norte. Ao Sul apenas a longa distancia, demoram os Pareci, que na opinigo de Rondon 6 0 tronco-mie dos iranche (20). A tribo do Leste é a chamada pelos Iranche de “Tikéli”, identificada co- mo sendo a tribo “Beico-de-pau”. As descrigdes que fazem os empregados da Linha Telegrafica e os seringueiros, coincidem perfeitamente com a descricao dos Iranche. Estes indios habitam o vale do rio do Sangue, aparecendo no tempo du séca (junho) na linha telegréfica, atacando os guardas, desde a Estacao de Ponte de Pedra até a de Baréco de Capanema, embas fechadas. Nao deizam sinal de pouso nas sttas correrias de caga e pesca, Nao foram vistos no rio Arinos. Estatura comumente bem alta, levam batoque nos libios, fazendo-o# desmesuradamente disformes. Usam arcos e flechas de tamanho avantajado e principalmente uma borduna. A mesma descrigfo se encontra na béca dos Tranche. HA quem identifique os “Beico-de-pau” com os Caiapd do Norte de Mato Grosso, de indole selvagem. Os indios do Norte sao chamados pelos Iranche de “Maimiiakii”. Sao des- critos pelos Iranche como indios de pés descomunais e armas igualmente des- medidas. Assinalam em especial que as penas da flecha sio muito largas. Com as correrias atuais dos indios “Canoeiro” no rio Juruena, he ngo. duvi- dam em identificar tais indios como sendo os seus “Maimii: De fato, pe~ Ja situaco geogrdfica que os “Canceiro” ocupam, nag fica lugar para outros indios. © Pe. Joao Dornstauder corre atualmente o territério dos Canoeiro em esférco de pacificacdo, pois lutam declaradamente contra os seringueiros. Os seringueiros Ihes queimaram rocas e fazem demonstragio de férca para incutir médo. Ao Sul, distanciados, demoram os Pareci, talvez os indios mais conhe- cidos do Norte de Mato Grosso na literatura etnolégica. Com relacio a éstes indios se impde antes de mais nada a pergunta: Os Tranche sao de fato indios Pareci? A literatura até hoje escrita o afirma: “Atualmente éles (Parecis) se dividem em quatro grupos sob as denominagées de: Uaimaré, Caxiniti, Co- zérini e Tranche”. (21). Citacéo mais explicita nao poderiamos desejar. No entanto, mais adi- ante, segue Rondon: “Pelas informacdes dos Cozérini e Uiamaré, sei que falam (0s Iranche) 0 ariti, levemente modificado, constroem casas e usam rédes como os demais Parecis”, (22). de se notar entretanto que os Iranche nao fazem uma massa uniforme com os demais Pareci. A lingua, como veremos na ‘terceira parte, se pode classificar como um dialeto bem diversificado do tronco pareci. O modo de vida de caréter iranche se diversifica também do cardter pareci. Os iranche se poderiam definir como um grupo pareci profundamente modifi- eado. Isto se prova assim: 1 — Os pareci dizem que os iranche sdo pareci, como temos no documen- to de Rondon e de pessoas que trataram déste assunto com. os pareci. 2 — Os iranche confessam a mesma verdade. Notivel é o documento da lenda do aparecimento dos homens, que vird proposto na terceira parte a déste artigo. Os pareci eram a mesma cousa que os iranche, em tal do- cumento. 3 —- A observacio comparativa das diversas tribos dao incoercivel- mente em um laudo Gnico: a semelhanca estreita entre pareci ¢ iranche contra usna dissemelhanca profunda entre iranche e outras tribos circun- jacentes: nambiquara, baico-de-pau, canoeirc. Os itens sao os seguintes: indole dictil, semelhanca no sproveitamente do trabalho, Ingua de cardter mais aproximado. As lendas comparadas dos iranche e pareci, oferecem um dado que se poderia classificar como espetacular, ‘como se vera na terceira parte. A indole dictil & reconhecida por todos. A semelhanca no aproveite- mento do trabalho aparece clara no rapido progresso alcancade com o§ in- dios pareci e iranche em oposicao flagrante com os nambiquara. Estes, pre- ferem uma vida semi-cultural, parte passada em rendimento provindo do cultive da terra e parte passada em correrias de cacada e pesca e visita de amigos. A lingua oferece um pormenor interessante para os estudiosos, pois os iranche trouxeram precisamente o termo “aré”, designativo do pronome pessoal da primeira pessoa: “eu”. Logo se vé a semelhanca de filiagdo en- tre o termo “ariti” e a palavra “aré”. — Mas esta semelhanca nos tira ume outra de semantica necesséria para uma identificagio cientifica. .O pareci, nu-arusk, vé profundas diferencas entre seu vocabuldrio eo iranche, come se vé claramente por algumas chaves e se verd claramente na terceira par- te. (23). (port.) eu_—iranche) aré—(pareci) ~—natio tw sein higo Estas diferencas j4 mostram uma profunda diferenca entre as duas Jinguas. Também a diversificagéo de usos e material empregado na confeccSo de objetos demonstram diferenca profunda, como breve veremos, ainda nests parte do artigo. Acresce ainda que os i chamam os pareci de “peroli Como historiar a identidade e profunda diversidade entre pareci ¢ iron- che, é tarefa talvez impossivel. Creio que se poderia dizer em conclusdie, que os iranche sio uma fac- gao da tribe pareci, com caracteristicas prépries. Fica sempre de pé no entanto a possibilidade de terem sido os irancho uma tribo independente e vencida pelos pareci. Tal hipétese teria dois ar gumentos: 1 — Os argumentos em favor da identidade seriam baseados na amizade entre os pareci e os iranche, nao na identidade de tronco. 2 — A lingua, profundamente diversa, indica claramente a existéncia de duas tribos, Qualquer semelhanca seria apenas superficial . nche se chamam a si mesmos de “miinkii” O Fisico do Iranche © indio iranche impressiona esquisitamente pela semelhanca com o¢ brancos civilizados, no porte e nas feicdes, Algumas pessoas julgam até que brancos se meteram na vida iranche em tempos ides, sem deizarem resto na histéria documentada. De qualquer forma o iranche é indio. Estatura mediana, térax dilatade © ventre proeminente. Pele bronzeada, pintada frequentemente de urucum. 9s iranche contam que se pintavam com uma outra substincia que dava & cor preta’ 2 pele. As mulheres nfo levam nenhuma protecio de tecido © os homens apenas usam um pano, descrito por Max Schmidt (24). — 155 — Os Ivanche usam os cdbelos cortados atraz, Afirmam que usavam ‘co- lares no pescoco e uma espécie de caicado. De uso livre sio, ao que parece, o enfeits nezal'e uma taquarinha no Idbio superior, pois os furos para isto nécessdtios’ nié sio ‘obrigatérios; Provavelmente fario parte. do rito de: ini- clagds da tribo, que os‘ iranche n&o querem costar. As mulheres usam uma tipéie. para carregar ‘as. criancas. Os homens deixatn crescer uns fios ralos que aparecem na face, fazendo um projeto de berba 6 cavanhaqus. - Alimentacéo Alimentam-ce de plantas. cultivadas e de. caga, pesca e mel. Quanto ao mel, 6 de se notar que os indios pareci e os setingueiros distinguem uma espécie a que dio © nome de mel iranche, : Nota-se também que os iranche queimam por fora as caixes de marim- bondo e depois da fuga déstes, derrubam-na e tostando um Pouce -mais ou entéo sem mais nenhum trato comem tudo 6 que éncontram, Algumas pes- Sods sentem o estémago revoltade, vendo tal processo de alimentac’s, mo- dered’ de’ certo, cdm respeito a outros processos indios, Cori a descoberta do api-serum,’ seria interessante verificar o' valot-nutritivo das. casas. de ma: simbondo e de abelhas comidas.... . ‘Também, como foi notado na -primeira “parte, os iranche ‘saem em tem- porades de suas: mtalocas, em excursiio- de caca e: pesca por varios dias. En+ sinaram-me que sempre se bebe o mel misturado com égua e para matar a séde se toma um pouco de mel levemente azedado com gua. Aldeia A aldeia iranche ‘so localiza a tim canto de uma roca, onde vivem, mhan- ten ¢ um adro limpo, largo na parte da roca e estreito na parte que 44 Para o mato. As rdcas ‘se ‘absiram dos cursos dégua sem chegar com o ter- reno limpo até a agua’. As casas ficam vituadas cérca de 50 metros da agua, em lugar séco, sem protegdo de cércas. Blas se agrupam perto umas das ‘ou- tag a distancia varidvel de 5 a 10 metros. As faces de cada casa aparentam formas variadas por causa da cobertura e protecio ‘de félhas. O tetd. em forma de diedro ou de poligono, desce até metro e meio do chao ou mais baixo, assentando-se em traves, que formam o ponto mais alto da parede Jeita de varas de madeira espotada no chao ¢ cobortas ‘com félhas ‘de sapé ou coqueiros. Uma pequena entrada baixa e estreita recebe ‘sol direto. Para as‘ Viagens, os iranche formam um abrigo précdrio com dois ramos de folhagem. Quando se demoram alguns dias numa regido constroem ra- pidamente um abrigo om forma de diedvo, aproveitando-se frequentemente doe arbustos ou drvores como esteio para as redes: Na aldeia,’ aproveitam os ospagos existentes entre os caibros e a folha- gem para guerdarém os pequends objeto’. Nas folhegens espetam as flechas, No chio, acompanhendo os péus da parede, se depositam as cabacas, onde suardam 9 agua e o mel, assim como as penas de pdssaros, a céra e peque- nos pertences. : .;_ 0. fog0, quase sempre aceso 0 sempre diminuto ocupa os vilos entre as rédes, Descanso Foi _nctada a presenca de maca’ para dormir, cousa inesporada. Primi« mitiva, feita de paus roligos, cobertos de capim. Mas's6 os jovens é que foram vistcs em tal cama. . — 156.— A réde -é o instrumento que usam -para. o descanso.. Nunca entretante dormem no chao. + As rides. so feitas de fios de algodio ou tucum, atravessados por uma cordinha de idéntico material. Fiam « fibra num fusq primitivo. Dobram um fio comprido varias vézes, tendo dois pontos de apoio. Os segmentos dobra- dos vao-se colocando um ao lado do outro, em comprimentos diferentes, fa- zendo maior ou menor curva, Esta diversidade de comprimento é que dé a forme céncava da réde. Variando entéo de 12 a 15 cm de distancia umas das outras, fazem umas cordinhas feitas do mesmo material que os fics longitudinais. A armiaciio da rede é feita assim: tomam trés fios e deixando pender para fora da réde em tamanho variads, como enfeite, fazem um né no primeiro fio longitudinal, que é um dos mais curtos. Torcendo entao os trés fios, como se fizessem uma cor- Ginhe, facem entrar’ na torcedura os fios longitudineis. Os fios longitudineis distam assim urn do outro 5 mm. Ao prender o Ultimo fio longitudinal, dao outro 16 e deixam' um rabicho de trés pernas para fora da réde, come fizeram antes do primeiro 16. : ‘As-rédes sio curtas, mal dando lugar para a cabeca e os pés entre os ptnhos. Tais apertos se refletem no costume proverbial que tém os iranche de: caberem em grande nimero em pequenos alojamentos. Estendem as rédes umas por cima‘das outras e até ja se viu um menino dependurar a rede, jun- tando-os dois punhos num mesmo apoio! Fogo © fogo se produz pela friceio de-um pauzinho na cavidede de outro pau em posicio perpendicular. A friccho se faz por rotacéo. A varinha apertada en. tre as.palmas da mao gira e comprime a madeira deitada. O método i foi abandonado com a chegada do fésforo. O processo dos pauzinhos é muito len- to. Com dia. imide pode durar até mesmo hora a produc&o do fogo. Sepultura A sepultura se faz dentro da casa ow maloca, pouco depois da morte. Jun- to com o cadaver, enterram os pertences que o felecido tinha em vida. A se- pulture é um lugar como qualquer outro, por onde se anda, se pisa, sem ne- nhum distintivo especial. Armas Usam o arco ¢ flechas e também o veneno. O arco, menor do que os arcos dos indios circunjacentes, tem caracteris- tica propria, ainda que se classifique entre os arcos simples e primitivos. A face interna da curva é chata ¢ estreita. A face exterior, de angulacao curvilinea estreite, d4 uma forma proeminente & madeira. A vantagem de tal forma do arco com ser pequeno e madeira estreita e proeminente é lancar @ flecha sem forte desvid, Sabe-se que a férca do impulso da corda se aplica na direcio do centro da’ madeira e a férca de impulso da flecha por sus vez se aplica em direcdo diferente: para fora da madeira. No lancamento da flecha se produz uma composicéo de fércas com consequente desvio da fleche, por- que o impulso se aplica na cabeca da flecha e na vara ao mesmo tempo: na cabeca-da flecha se aplica a férca dirigida para o centro da madeira e na vara se aplica a férca dirigida para fora da madeira. A flecha raspa fortemente na madeira, mudando de direcao. Ne lancamento da flecha dos iranche o desvio é minimo e permite maior certeza no alvo. De fato isto acontece pois tém, os iranche fama.de serem mui- to bons flecheiros. -— 157 — © arco nambiquara é precisamente o arco de tipo inverso: madeira larga @ nao proeminente. O arco, sendo menor, permite mais facil manuseic, ainda que perca em férca de arreméco. A madeira preferida é a piuva ou ipé. A corda do arco é feita de tucum. . As flechas sio consequentemente menores que as flechas das tribos vizi- has. Os iranches escolhem de preferéncia taquara fina. Como os taquarais nao séo grandes e por causa dos ataques dos inimi- gos se viram privados de taquaras, mostraram-se sempre parcos em presen- vear os civilizados com flechas. ‘Trés foram os tipos de flecha encontrados: ponteagudd, rombudo e afi- aado, com respeito as pontas. O tipo ponteagudo termina em madeira afinada, inserida na taquara do corpo da flecha. Serve para pesca e caca miuda. O tipo rombudo termina em madeira achatada ou rizoma de taquara, in- getida igualmente na taquara do corpo da flecha. & para pdssaros. O tipo afinado é feito de taquara grossa cortada e afinada na ponta, A insercdo desta taquara é feita por meio de uma vana de madeira. A vara pre- sa ng miolo da taquara afinada por compressio e amarrada com fios de algo- dao. Vé ainda um banho de céra de abelha. Esta vara vai inserida na taqua- ra do corpo da flecha. Como os outros tipos, esta insercao também fica solidi- ficada com apérto de fios e céra. A taquara do corpo da flecha nao leva en- feites como as da flecha nembiquara. Raspada apenas e retificada ao calor do fogo. As penas grandes ondeadas em forma de hélice dio flecha no ar leve movimento giratério. Saéo preferencialmente de jacutinga. Interessante 6 notar que a fixacéo das penas na taquara nao se faz por volta da taquara, mas por dentro. Os fios de algoddo encerados passam port. buracos de um a outro lado, prendendo as metades de pena. Assim, quando a flecha raspa no arco, ao ser lancada, nao vé prejudicada a travacdio das pe- nas, pois a respagem nao tinge os fios. Um tufo de peninhas de tucano é um enfeite iranche. ‘No conjunto a flecha nambiquara é mais bela pelos enfeites e as penas de gaviao, dao um ar agressivo, quase diria mais indio. ‘As penas da flecha iranche sic de céres mais variadas e alegres. Em Barraciéo Queimado, em Dezembro de 1955, presenciei a confecgéio do veneno iranche. Meu guia, Manoel Maria Tupin, o “rezador” das malocas de baixo, acedeu a meu pedido de fazer a “idia”, si Ihe levasse eu o material em condigdes. Recorri entiio a meus antigos alunos de Utiariti, dos dois anos an- teriores. Mostraram-se surpreendentemente solicitos, apesar de terem sofrido comigo nos primeiros tratamentos de aculturacdo: Lino e André. A trepadeira, ndo me foi impossivel identificar, se fazia representar es- cassamente. As raizes, cortadas e esfoladas, deram-me uma casca de cér ama- yelada, logo separada e esmagada. No dia seguinte, de tarde, Manoel Maria féz uma tintura, solvendo a cas- ca em Ggua fria. No fim da operacio meteu dentro a mio e retirou a casca restante no liquido de cér alaranjada e puxande. bem para o amarelho, acres- centou agua até encher a lata. A proporco se estabeleceu por uma parte, em volume, de casca por duos de Agua. A soluc&o descansou uns minutos, bem encoberta e foi submetida a fervura. Tupin destampou a lata quando comecou a fervura e deixou evapo- rar livremente. .__ No fundo sobrou uma massa gelatinosa. José, filho-de Manoeel Maria disse que a massa passara do ponto, densa demais. Manoel Maria disse que servia. Encontra-se ela no Colégio Anchieta, de Nova Friburgo, Estado do Rio. —~ 158 — Agricultura ‘As terras com excegio de algumas manchas nio é fértil, Encontram-se no entanto as plantacSes de milho, feijao fava, porongo, mandioca (2 qualida- des sdmente), algodao, tuberosas nao identificadas, O milho parece exigir terra menos forte, se compatady com o milho dos civilizados. Fazem derrubadas com machado de pedra, talhando o tronco a altura do peito. Evidentemente aste machado foi substituido pelo de aco. ‘A mandioca se planta por pedacos de rama relativamente grandes. Fazem um monchio redondo de terra e espetam até 5 pedacos de rama, obliquamente. Desta forma a raiz de mandioca nao se desenvolve muito ao comprido mas en- grossa. Para a colheita é facil o processo, pois as raizes se encontram & flor da terra. Com a mandioca fazem o bijii e a chicka: o bija com a massa e a chicha com gua da mandioca. Usam atualmente latas para ferverem a agua de man- dioca. Nad ha informacdio de como faziam antes de possuirem latas. Na fer- vura deitam milho torrado e socado. O milho, chamado comumente — milho féfo — rende na espiga o meame ‘tanto ou menos ainda que o milho dos civilizados, apesar de ser a espiga con- siderivelmente mais desenvolvida. Os grios no entanto, falhos, reduzem o ren- dimento. O milho é mole e se come tostado e cré. Recreagio Para recreagdo usam a bola, feita de mangaba. O jégo consiste no lan- gamento da bola entre dois grupos, procurando cada qual lancar a bola mais jonge do que o otitro, Se a bola cai no solo contam ponto © recomecam o jégo. A contagem dos pontos nao se faz por nimeros exatos —~ a numera- gio iranche 6 bem primitiva e pobre — faz-se por mais ou menos. A con- testacdo dos que perdem se faz sentir e s6 admitem a derrota quando esta se define por uma inferioridade clamorosa. Usam também a flauta de Pa. 5 sao os tubos de taquera da grossura aproximada de 2 cm. Biles vao presos em fios de algodao besuntado de uurucum ou por embiras. Frequentemente untam os tubos por fora com o urucum, Cada flauta nova é aferida escrupulosamente pelas j4 existentes. Também usam uma flauta mais grossa de cérca de 40 cm na qual tocam ama misica de notas fixas em trémulo: passam os dedos rapidamente pe- jos orificios enquanto assopram. A composicéo leva um tom de agressivi- dade impressionante. Notdvel é o sistema empregado no toque das flautas de Pi, no que se tefere ao acompanhamento, Enquanto as primeiras flautas seguem uma melodia, as segundas seguem atraz repetindo a melodia em contra-ponto e em alturas varidveis. Depois de tocarem uma melodia determinada, descansam, tomam chicha Ce em seguida tocarem outra melodia determinada, marcada j4 pelo cos- ume . Os iranche, por desleixados que parecam em diversas atividades, cui- dam extremamente dos toques de flauta. Os velhos corrigem fortemente os jovens, quando éstes erram na melodia. Jararaca No Norte de Mato Grosso chamam-se comumente de “jararaca” as flau- tas e instrumentos, que segundo a supersticio india, as mulheres nao po- dem ver. ~* Também os iranche usam flautas grossas © compridas dentro da mesma concepedo supersticiosa. Afirmam que as mulheres que botam os olhos nag ~~ 159 — “jeraracas” morrem. Isto falem para es criangas e para os extranhos. En- tre os homens da tribo, no entanto, a verdade se diz de modo diferente: Se as mulheres chegam a ver, morrem &s m&os dos homens: Nao ‘se tem noticias de fazerem os iranche as: pantominas que og indios nambiquara praticam, simulando lutas contra os espiritos. O culto da “jararaca” é inegavel,. Chegaram mesmo a matar tal némero de mulheres, como se informa, que agora se encontram em falta delas. As informagées vieram da tribo iranche mesma. O homem mais responsabili- zado. por tais faxinas é Manoel Maria, o rezador da tribo. -.A flauta “jararaca” -6 composta de dois tubos emendados e- presos por céra de ebelha, No.primeiro se encontra uma abertura estreita na parte supe: riot, entre a curva interna da taquara e a céra que entope o resto. do tubo. Mais em baixo outra abertura permite o som tomar corpo. No segundo tubo se encontram os buracos, em niimerc de quatre, para a .produciio das diversas. notas. —- Um complemento. da flauta “jararaca” é um Porongo, em brixo da flauta. Tal flaute sempre se encontra ornada. com fics vistosos, desde que os iranche conseguem fios coloridos. Preferem o vermelho. Na tribo isolada, © urucum 6 sempre oingrediente de cér. Tragos pretos desenhados sdbre a superficie vermelha, cruzam em tédas as direcdes. Preferem as linhas retas. Os temas aproveitados para estas: flautas levam sempre um caracteris- tico soturno e melancélico que me pareceram muito préximo do adagio, Cultura nao Material Com excecio da lingua,.os dados obtidos no que se refere a cultura nae material apenas merecem ser agrupados sob um inico titulo pelos poucos ele- mentos anotedos. : A educacao tribal. forma o iranche numa formacdo sem unidade quanto a0 espirito de corpo “nacional”, se assim o. poderiamos exprimir.. A luta entre os grupos ensina ao iranche uma dualidade e multiplicidade dentro da mesma tribo e aprende a ligéo da desuniao e luta fratricida. Cada grupo tem uma pronincia diferente nas pelavras. Os iranche na educacdo: tribal perecem ganhar em expoentes individuais. Alguns indios parecem mais, identificados com a. natureza'e de senso de com- posicéo mais desenvolvido, Nao saem da educacao iranche indios calculistas como.os Nambiquara e Pareci. Os Iranche sio mais recatados. Este traco de recato aparece surpreendentemente no desejo de ss’ ves- tirem, na cortezia., Parecem. inteiramente destituidos da psicologia -reflexiva que age por uma idéia pre-concebida. Agem na hore, sob o impulso. do mo: mento, sob a apreensio tida na hora. Este traco caracteristico observade no comportamento comparative entre iranche e tribos pareci e nambiquara, nao suprime de modo nenhum a acio premeditada. © desejo de se vestirem, como jé foi citado, 6 um traco surpreendente que colhe em admiragio todos os observadores. Sentem verdadeira vergonha © se coram com a nudez, Parece talvez uma novidade em etnologia india, mas é inegével. Os observadores todos esto concordes. Outra caracteristica observada e j4-anotada, é o desejo de trabalhar. G iranche 6 de carater, diriamos, correto. Gosta da perfeiciid no pormenor, apre- cia a observacdo e os engenhos de construciio. A obediéncia do iranche néo se- identifica com a do nambiquara. O iran- che quer saber os motivos, quer saber porque e se apoiar na autoridade. Nao, se empenham de corpo e alma com responsabilidade propria desenvol- vida. Dao conta espontineamente do que fazem. Neste ponto: copiam fiel- mente o caréter pareci. Procedem com perfeicgao préxima dos civilizados. Na_formacac da familia, os raros casos observados’ mostram ‘pouca in- fluéncia dos chefes. Os. tempes de calamidade.em que foram ‘observados nao —- 160 — permitem cheger a uma conclusie definitiva, einda que parecera ter feis tribais determinantes dos pares. O caso de levirate anotedo na primeira parte em que Isaque se casou com a mulher do seu irmio, é um dado precicso. Notdvel é © génio incontrolede do iranche com relacio a mulheres, ob servado dbviamente. Tal comportamento vai sublinhado pelo fato de terem as mulheres grande ascendente na tribo, como se vé pelas consultas e decisdes. Até hoje nao se sabe o processo que usam os homens para coibir um tante éste aacendente. Parece mesmo que as mulheres decidem tanto quanto c9 homens. Certo é que levam menos trabelhos pesados do que es mulheres de qutras tribos. Isto confirma o que nos parece verdadeiro, que o iranche se forma num ambiente de culto A pessoa humana sem o cimulo de superstigfo e tirania cbservedo em cutras tribos, Notou-se também entre os iranche um forte sentido de curiosidade. Pa- rece que munca se contentam com o que saber e vivem a indager. Tal fato parece incrementar o espirito individualista. Per motives particulares se vém iranche discordar facilmente de idéias comuns e se libertar de incum- bénclas que os outros iranche aceitam. E dificil agir com os iranche ere movimento de conjunto, assim como com os pareci. Interessante também é 0 culto da fiecha. Gastam horas perdides na con- feceo de flechas, que revistarn. vézes sem conta, emprestando-lhe um cari. nho todo especial. Metem-se em cacadas penosas 26 para obterem o material desejado. Ndo abandonam a flechs, mesmo depois de obterem armas de foga, ainda que ndo a usem em cacadas. Quanto & religiio © A moral, cs documentos que tomos sio os trenscritos na primeira parte. Infeligmente,. nao foi ainda possivel.obter informagio respeito da mentalidade iranche no culto da “jararaca”. Nem sabemes exate- mente © que pensam dos mortos. Nie foi encontrado nenhum rito sacrifical. A apreenséo de alguma cousa extranha que influencia na tribo é 0 Gnice dado colhido, Parece que identificam esta cousa extranha com uma pessoa, caper de agir em condigées humanas: um ser, se nZo supra-humano, ao menos antro- pomérfico. Bste dado porém nid goza de certeza absoluta. f& uma conclusio deduzida do comportamento iranche frente a um Ser ensinade pelo missiond- rio. Entretanto, a ilacio niio vai destituida de todo valor, visto que 6 ume concluséo do comportamento iranche, de sua resposta tribal. O “Jesuxi” dos primeiros iranche-catecimenas nic era o Jesus ensinado pelo missionério, ere wma producio iranche bem caracteristica: um homem poderoso dona até de avilio . Neste particular interessante foi uma conversa que tivemos cot Mancel Maria. Manoel Maria contava as ferocidades dos “Tikéli”, quando se saiv com esta: narragio contada mais em gesto do quo em palavra: “Jesixi, Cuiabé avido Tik6li chegsr. Tikéli evio flecha otirar. Jesuxi voar, voar, joger, joger, ‘Tik6li fugir. Jesuchi Cuiabé embora, medo nada. Tikéli médo muito, morrer”. LINGUA Antes de desenvolver esta terccira parte, pareceu-nos interessante relatar a dificuldade de extracdo de dados linguisticos. Apesar de datar do longinque 1999, 9 primeiro contato pacifico com os iranche, por parte do’ empregadoe Wa" linha’ telegratica, ainda em 1949 os.mesmos funcionérids, desanimados au- gutavam fracasso irremediavel acs padrea que tentavam aprender algo daqué- les primitivos incorrigiveis. Assim escrevia o Pe. Bannwarth em setembro de 1945: “Dos Iranches é sumemente dificil errancer uma palavra, porque s6 sabem repetir alguma cousas de palavras que se thes dirigem em portugués. Por exemplo, mostra-ve-lhes uma pedra, dizendo-lhes: “Como se chama isto?” Ele repete: “Comochemisso”. “Isto é uma pedra, yoc8 como chama?” —- “Isso é peda como chama”. —~ “Oh! Senbor!.., como chama™! — “Qsené cochama”? — 161 — TF assim por diante. Assim mesmo alguma cousa jé apanhamos; mas que bom exercicio de paciéncia”. © método usado e que deu mais resultado, foi o que eu chamaria de método de “macaco”, uma vez que o mesmo era o usado pelos iranche para esconder os segredos da lingua. Imitando os gestos, palavras colhidas no ar, melhor os sons, rindo a valer de tudo quanto 6 cousa e principalmente elo. giando. E nesta vida sempre existe algum fator de eficiancia que nado podemos Geterminar com método puremente experimental... e sempre conseguimos o te. sultado aqui exarado. Letras A — Som natural, como em por. tugués. A — Som nasal. Para o som na- sal, sempre usamos 0 til, pe- la raziio indicada nas letras men. A — Som destacado, separado da palavra, em forte hiato. B -— Som natural como em por tugués. B —~ Som intermédio entre b, m, p. Som de dificil reprodugéo em labios civilizados. © — Som de “c espanhol”. D — Som natural. Variam no uso do d puramente dental e do d chiado, Também variam o valor da prontincia, mudando-a para let. E -— Som natural, sempre fecha chado. Excecdo Gnica na pa- lavra méruma (pronto). E — som nasal. G — Som gutural, sempre duro. H — Aspiragio. Nh ~~ Como o nh portugués. I — Som natural. I — Som nasal. ¥— Som de “i francés"; da pa- lavra “Chagrin”. J — Som natural. De uso raro, se usa por eufonia nos chia- dos. K — Som natural. L — Som natural. Cfr. nota da letra d. M — Som nasal e nfo sempre anasalante. Preferimos assi- nalar com til a vogal afeta. da_pelo som nasal exceto o Ee I, que grafaremos, E ©, 1 @e U. Também se usa o m antes de qual- quer consoante. N — Som nasal e ndo sempre ana: salante. Cfr. nota da letra m. O — Som natural fechado. © — Som nasal. © — Som préximo do oe ou 6 ale- mio”. P — Som natural, Cfr. a nota da letra b. R — Som natural, sempre bran. do. S — Som natural, sempre forte, duro. T — Som natural, ‘Th — Som aproximado do “th in inglés”, puxando para o f. U — Som natural, tw — Som nasal. U — Som produzido com labios em ue lingua pronunciando- i, V — Som natural. X — Som natural chiado. Y -—- Som produzide com lMbios em i e tentando pronunciar oa As pronuncias em forte hiato, se anotam com um ponto, como foi notado na letra, A Caracteristicas linguisticas Além da simples diccfio de letras isoladas, o ditongo e tritongo frequente, uma nota evidente de diferenciacdo da lingua pareci, que prima pelo hiato 5). 162 — A segunda caracteristica é a nasalacio generalizada. ‘ A terceira caracteristica 6 9 identidade de forma dos substantivos que ‘in- dicam acae e o infinite dos verbos, como até hoje se péde notar. Vocabulario a.a — pau, madeira, vara, beunsini —~ 6 bom. aambé — tronco. bixi — coracio, buraco (também: ah — particula suave que aparece bihi). as vézes antes da palavra. ahh — sim. Som provocado por vio- Ienta succio do ar para dentro da béca. ahi — ver, espiar. aiauaii — drvore. aina — irm&o mais velho. a.iaha — arco-iris. aiahi — achar. aka! — ai! akebG — nfo existe, 2 akeptoha — faltar. akirente — lingua, akoli — tucano. alékG — morrer, alohé sonhar. alokalipi — ficar. alo.ti —- pedra. amanahé — fruta de veade. ameniauri — lagarta, uma das que queimam a pele. amohi — fruto. anaptohG -- surdo (composto de ana: ouvir; pu: nao; toh: ir). anakipii —— surdo (composto de ana; ouvir; akept: nfo). ak& — comer. ani — éle, elo apaxan — ali. apané — aqui. ars — € aveii — meu pai. atsi — marimbondo. atxoraani — entro (resposta A sati- dac&o de quem chama de dentro), atxit — interjeigio de desaprovacio, ridicularizaciio. aud — levar, carregar, roubar. auasi — roubar. auatasini — grito de comaco do pe- ga-pega. aulolei — sangrar. auiti — mutum. baliili —- manso. beualé — agradecer (composto de: behii: bom; uald: dizer). — 163° biibii —- nés. bainhoht — estar cansado, ficar can- sado. balanaci — amarelo. balimbé — carrapatinho. banici — carrapato. handbaniba — tossir. boiassohi — acordar. bokuloht — sair. : eiviid —- vermetho. ekije — pai de mel. ekipu — mulher. e.pé — nascer. epama — onde. epakekii — donde. hid — vento. : iadii — catar piotho. - iaikihi — ouvido. jakokalé —-calango. iakuli —- labio, flauta de Pa. jalapali — brigar. ialib4 — mentir. ialibaci — montira. jamaci —- pequeno, veado. jemand —~ der. iamapt —- grande. iatali ~- caminh3o (neologismo). iamatohi — diminuir. iand — ouvir. jankti — entrar (saudagao: iani- Kini, Quem entra responde: atxo raanf). iandkeita — algodao. iakiba — face. iskikié — casa de buriti. iatehé — cavanhaque. jauali — esquerdo, méu. iauoha — adoecer. uli — mau, que nfo serve. idamaitakeh8 — meio dia. idia — veneno de flecha. idini — urna espécie das cobras. iehi — doer. ieioha — alegrar-se. ieiiviiaé — vermelho. iepi — quatro. iepte.6 — tudo, muito, mais que 5, cinco, jeripkaioht: — tornar-se.amargo, im- Prestével. ietipG — amargo. ieteh8 — cabaga. ikama? — por que? -(resposta: oli- Papa: porque). ikamani — como? ikeci — faveira, iki — peito da mulher. ikié — doce. ikuxi — unha de pdssaro, ilerohG — fazer calor. ileci, — calor. ilehé — quente, sol. ilehG — ferida. Yalihii — rir. isnhd — caminho. «hi — beber. ini — casa. _imipé — deftuxo. itzi.i ~~ fumaga, nevoe. ioniesii). idgegané — ontem. ioni'— outro, ioniehS — outra vez. tapi — diferente, iopé — alto, lopéipahé — sébre, acima, no elte iékan&é — certo, ipki.ti — desonestidade. ipkepG — castidade, it — vergonha. iteloh — ficar com vergonha. itemal6 — levantar-se. itakeci — piuva (pd). iteci —_queixo. iti — pdssaro, formiga. itukd -— deitar-se. iudé — casca de piqui, guizo fei- to desta casce, ira. iso. — farpa do flecha, espinhs, iulapd. — menino. iunali — ona. iuraci — caseavél, Bai — chicha de met. — relampago. al fumaca, névoa, couse esbran- quicada. jentaté — lutar corpo a corpo. ji — gemer. gutskeci — 6lho (também: gutake- he). kabutaci — ponta de flecha. kadeleira -- coxo, entrevado (kade: endar; leiré: nfo). kadeli — sucuri. kade.ti — andar, kaianali — entrar (cfr, iananké), kSigei — trave mestra. kaitekii — chamar. kaitekalep4 —- quebrar © bico. kakapuli —- pena de tucano. kalGptid, — beliscar. kale.é ~~ abrir (também: alii. it). kakei — flecha (também: kakeii), kalenéixi — verde (em estudo). kalokikié — aberto, kaliti — réde. kalo — urucum, bom. kekili — arrastar. kamihi nariz. — -~ podre. -— depressa, bie -— morder. ‘wanei —- ter (em esttido). Rerapuli — respeitar, obedecer (obe- decer, por si'é neologismo). karapulia — preguica. kare.ii —-cacar (também karohG). ketata -— arara amarels, katevé — urutéu. kau.é! — Ora essa! kemi -— bugio. ketapG — 96. kétenué — um. kei — querer. kiaimihi — nariz, Kini — terminagiio de imperative kiti — preto kitohG — escurecer kiulupali — feio komateira — feijao kotG Presado koupé — crianca de peito ckokana —~ irma ictili’ ~~ gdsto kétiimbs— casar-se “eukeuhi: — gavidio kulapaksi:-—- lado kulapsipakii — lado de cé kulupali —. feio, vergonhoso (sen- tido translato: deménio) kulepép4 — abracar kumakaké -—— levantar-se kG.hé ~ amarrar kunixixi — dedo minguinho kuraki —~. jatobi kurali — amigo — 164 — buratiamici — pdo de milho (nee logismo)y keurati — milho kuritakehé — amendoim kiikama? — porque? (rosposta: olipapa-porque) kiimé? ~- Como? Que? kiinekii -—- juntos ipa — coceira laleii' — brincar, jogar Jeiraé — negagio abscluta: no (também: teiré) ma. — estrume mah4 — claridade maiama -— porco do mato ma.i — grande maiamé — grosso ma.i — mandioca, massa Maimiiakii — Inimigos do Norte (Tapanhunas? Canoeiros?) oa homens grandes: mai: grande; mi.4: homem maici — resto mal.hiauaci —- dedo grande do pé mai,nha — pai mainikipa — nao 6 pai maikep& -—- pé mifikiaci — canela miitalohi. — joelho miaitxi — peito do pé maitakii — perder maiohi — crescer ana — chicha de mandioca malaitd — bonito malatoliba — triste malatoloha — ficar triste malékici — cupim maletiilii —— sujo mam. ti — gordura mand — agua, matar manding. — trabalhar manekané — em todo o lugar maneha — tersol manketa —- céu (também: miketa — neologismo) mapiu — peito mapuchi — barba mapuli — pena de gaviio makexi — cotia marohii —- aclarear do dia merdkehii — amanha marum4 ~~ amanha masak4 — bacaiuveira mata —- chupar matehide — cabelo mati — frio matinipé —. ventosidade — 165 —~ matixana — cheio | matkipG —- careca (matehide: ca- belo: pa: nfo) Cir. ‘pu matsi — sabega mehii — bom, certo. mehiimnehin — esta bom, est cer- to. mekinpahé — na frente. mérumé — pronto. mekinpahd — na frente. ‘méroni_ _ acabar. mesohG — melhorar, sentir-ae bem, acabar. mi.d — homem. miamipG — anciio. miatapa — peixe. mihi — burace. mi.iémpa — nome (em estudo). mimakepsi — jogo do cotoevelo, mimitoluxi — cotovelo, mimdketé — pele. mimihauakepsi — jogo do puleo es- querdo. mipi — pium, migsohG — tomar-se gravide. miniinkii -- g que manda, chefe. mipi — fio, mipto — adulto. mité — ovo. taluci — cheiruso. mochehii — lavar, limpar. moxi — caiteta. méci — genitais masculinos, mé-i — comprido. moiamehé — sbébora. moiana —- também. moité -— céu (sentido fisico natural), modpé — roca. mdkeci -— pescogo. moke.i —~ nuca. mokiraé — mole. mégna — avd. mbling — avd. mét.li — novo. mukand — mesma cousa, igual. rauhG — chuva. mmuli —~ pau do cerrado que d& tinta preta. mmihemnehin — estar hers, estar certo (cfr. mehiimnehin). mtha — dente. miine] —- umbigo. miinklori — antigamente, faz tem- miinktii — durante a noite, noite. miinint — mandar. miinkii — gente. miinki.41 — rama de mandioca. miipi' — cabaca da flauta ietd. nadeptohti — velho, ficar velho. nainamah’ — depois. nalgatG — rétula. naigegené — agora, hoje. nakaté — branco. nakehii — escroto. nokenali — jogar for namé.iulap4 — menina (também namakiulap4). namdnoh — estar com fome, ficar com_fome. nami. — mulher. namkatsi — jégo do joetho. nhamitasiin — afiar, afinar. nikaiigené — amar (também: niki- kehi). numa — dois. niimpakihé —" visceras. niinkané — o mesmo. capa —. esperar, oehi,— sair, deixar. ohiti — doce (sentido translate de chupar: oiti). o.f — fundo. cialala — uma espécie das cobras. oidukG — sentar-se. oind — braza (em estudo). oirabti — Tua. citi — chupar, engulir. olapalakehii — justa-conta (4rvore). o.n& — fitho. onkukt — torto. opé — acima, em cima, alto. opahiatali — avidio (neologismo: opa: alto; hidtali: caminhio). opakekii — o de cima. opiirii — anta. : otalohia — tirar mel. 0.4 — plantar, furar, fazer buraco. étapa — no. painhoht — cansado: painhoneptani — nao estou cansado. pakahé:— barra de um rio. pakalepé — tomar banho. palaikiu. — correr. palalukG — estragar-se, rasgar, apo- drecer. pali — bicho de pé, palé — castigar. paloci — alma (neologismo). pami — pegar, segurar pani — pedir papsi — abelha bujui papui — rdde iranche (a dos ci zados: kaliti) pase.2 — cantar, dancar peta — terra paté — patricio, do mesmo grupe patekipa .— trés patekiti — cinza pikolohG — nadar, atravessar na- dando pema — testa pidba — estréla pi.hauali — veneno piulali — adstringente, que aperte no gosto pokolei — castigar, encolerizar-se po.i — mato poiha — broter poikati —- cabeceira (mato) poiti — contar poitpa — conversar, falar, contar puhina — irmfo mais novo puita — forca puitalohG — apertar, comprimir pyuy — faca sabukG — voar sakélu — pdu de fazer fogo, fésforo sauaé — carregar, roubar saudxahi — trazer sauaxatoha — buscar saudé; xd: vir; toha: ir) sel — vocé sei — tirar (também: se. ii) sipokad — morar, demorar-se sirup4 — uma espécie das cobras sikiha — areia sikii — descer, cair tabiikeci — genitais femininos Teka.4 — Deus (neologismo) takahé — saber takalohG — ponsar takarohG — sair tekapsoh — esquecer-se takaptohi — cego (takahé: saber; pu: nfo (negacéo de parte); to- ha: or) takasohi — lembrar-se. taimini — faz béa temperatura, faz bom tempo.’ talili —- trovao (composto: ~- 166 — talopani —~ eu quero (taleiré ~- no querer) tamalohG — esticar tamnamaha — depois tamoté — feijio grande takipG — nfo querer tana — viver tanasohti — ir viver take.é — piqui takimaleiré — mulher nfo casada tata —— atirar, soltar tatalohé — ir soltando te.hi — assar tehii -— mel, tirar mel tep4 — furar tepi —- fechar ti-hi — defecar tikeaka — quebrar Tikéli — inimigo — em especial os Beico-de-Pau tikips? — rabo tikipa — cauda das aves tipuka — apager, cegueira tima — longe toh — ir toxaahii —~ passear, ir e voltar de viagem toxita — chamar tulana — cheirar tumaci — curto tumani — pica-péu tutata — cuspir thuthu — assoprar tiimbaleti — taspassar tiitipa. — balancar-se uaituhG — amontoar uaiuhG — febre ual4 — falar, dizer ualaleiraé — mudo ualosé — perguntar dekapd — repartir, dividir, dis- tribuir uatali — mosca uatapd -- pomba uaxiko — fruta de lobo udé — ira, vinganca udatoht —- enraivecer-se ubaphtohti — nio irar-se, perdoar uiti — chupar wlakGi — correr sangue, sangrar ulapd — menino, crianca ulapaipakii — lado de 14 ulehii — ferida, chaga ulevi — raio ulipa — bater umalei — deixar, permitir und — batata una.dé — cara unamanokG — ester com fome uoidukd — sentar-se uoirikulahii —- sentar-se e olhar iilipa — sacudir fintamé — casar-se, esposos vakalé — garga todos — vir, voltar ak — arrebentar xarekutoht — passear xatokoha —- chegar xauvé —- encontrar, carregar xe — voce xd. — ‘seu, de vocé xékanel — seu xetohG — levantar xiki.ii —— tamandud simaka aparecer ximapteii — fechar ximiha — médo xini — azédo xiniouhé — azedar xipexi — cipé urubamba xixehii — suar xunaé — cocar de penas xika — mergulhar RELAQAO DE NOMES Reproduzimos os nomes dos indios iranches anotados pelo Pe, Joao Dorn- stauder em 1953. Acrescentamos os apelativos em lingua iranche, que nos fo- ram recolhidos. GRUPO DO CAP. ANTONIO: Cap. Anténio Tamali. Maria, mulher de Cap. Anténio, falecida, Atandsio Iolaci, filho déles, menino. José Ulimné, sobrinho de Cap. Anténio, jovem. Luis Tamuri, enteado de Anténio, rapaz. -- 167 — André Kaiuri, enteado de Anténio, rapaz. Matias, falecido. Vicéncia, mie de Matias, falecida. Celso (Sanso) Barami, enteado de Matias, menino. N. N,, filho de Matias, falecido. Mateus Mateeci, adulto. Aureliana Atucci, mulher de Mateus, pertencente so grupo de Cap. Aca- cio. adulta. Anibal Nanari, filho de Mateus, casamento anterior, menino. Inocéncio, filho de Aureliana, casamento anterior, menino. Manoel Maria Tupin, irmio de Cap. Anténio, adulto. Inacio Kaioli, filho de Manoel Maria, adulto. Catarina Kamoétsin, mulher de Indcio, pertencente ao grupo de Cap. Acé- cio, jovem. Elias, filho déles, menino. Tito Naburi, irmio de Inécio, rapaz. Alonso Iraaguari, pertencente ao grupo de Cap. Acdcio, adultc, Maria Rosa Nhemuacin, mulher de Alonso, oven. Miguel Uiakuri, filho déles, menino. Carlos Kanili, filho do Cap. Canuto, grupo de Canuto, adulto. ‘Terezinha Kaminli, mulher de Carlos, grupo de Cap. Acacio, jovem. GRUPO DO CAP. ANTONIO JOAO: Sabina, vitiva de Pedro, falecida. Rufino, filho de Pedro e Sabina, falecido. Tomé Iarukari, irmio de Pedro, rapaz, Filomena Kutetsi, mulher de Tomé, filha de Matias, grupo de Cap. An- ténio, jovem. Zacarias, irm&o de Pedro, falecido. Isaque, irm&o de Pedro, falecido. Urbano, irm&o de Pedro, menino. Carlos (II), tio désses irmaos, falecido. GRUPO DO CAP. JOSE’ José Taburé, apelidado de Capitio José, filho do Cap. Joao, adulto. Maria Madalena Tepuusi (Tepuld), mulher de José Cap., adulta. Inocéncio, filho dales. O verdadeiro pai j@ faleceu, mening. Bartolomeu Napokd, filho déles, menino. GRUPO DO CAP. ACACIO: Sebastido Nhamaici, irmao do Cap. Acacio, jovern, Maximo Arali (Atori), cego, vivo, adulto. Benedito Tapura, filho de Maximo, rapaz. Mauricio Tupin, filho de Maximo, rapaz. Edmundo, filho de Maximo, falecido. Paulina Tipuusi, filha de Méximo, menina. Clovis Nhanuri, vitivo, pai de Domitila, adulto. José Miguel Ialokaxi, aduito. Aristides Oiakuri, irmao de José Miguel, rapaz. Armando Oiakuri, irm&o de Maria Madalena e primo de Carlos, perten- vente ad grupo de Cap. Canuto, rapaz. Alipio Xindhuri, rapaz. Lino Altari, rapaz. Vito Orakuli, filho de Cap. Acécio, jovem. — 168 — Acampamento de caca e pesca. Ai resolveram Ievar o padre a maloca de baixo, onde governava o pai de Pedro. Condic&o, 0 padre ir sdsinho. (Fotogr. do Padre Dornstauder). Note-se a posigéo da maloca na roca. A inflexéo dos pés das mulheres para dentro é normal entre as Iranche, paradas ou em movimento. (Fotogr. do Padre Dornstauder). Ana, mulher de Jacé, fiando. Em segundo plano Terezinha. Jacé toi o chefe da expedicéo que se encontrou com Max Schmidt em Utiariti. (Fotogr. do Padre Dornstauder). Apolénia, mulher de Coxividi, conserta uma réde. Note-se também o sistema de assento sébre o pé esquerdo. (Fotogr. do Padre Dornstauder) Olavo Taburé, fitho de Cap. Acdcio, jovem. Genésia Mainici, irma de José e de Aristides, jovem. Domitila Naaci, fitha de Clovis, jovem. Anita Kamiitaci, filha de Acacio, menina. Do grupo de Canuto: Armando e Carlos integraram-se em outros grupos. NOTAS GRAMATICAIS Apenas em 1955 é que se ternou possivel um estudo sério sébre a lingua iranche. Poucas palavras encontradas no vocabulario foram co- Ihidas depois de 1955, mas a travactio interna da lnguagem era um ée- grédo. No esférco de obter certeza das palavras colhidas, o vocabu- lério sofria quotidianamente uma prova. Quase simultaneamente, sur- giram diversas notas com a revelacio das formas verbais identifica- das. Por fim José Miguel, em Diamantino, presenteou-me com uma nar- racko em lingua iranche, ditada, Ouvia eu pela primeira vez, pausada- mente, o sotaque iranche e a revelacdo da contextura interna da for- mactio de palavras. Déste dia em diante meus companheiros sentiam facilidade na in- trodugio desta Iingua, que desde 1929, desafiava qualquer penetrac&o. ‘A narrativa, pois, de como surgiram os primeiros homens, abriu as portas da lingua iranche. Antes, em 1954, ouvia as vézes a exclama- 80: «Padre num sabe nada, padre Jofio 6 que sabe!» Tais expressdes brotavam, quando, trés ou quatro vézes, fazia que me repotissem a prontincia, com o ouvido nos lébios do indio. Em fins de 1955 os in- dios diziam: «Agora padre sabe tudo». Com a fama de saber tudo eu ia mandando corrigir os erros de minhas elucubracgées e composicées, ad- mirado de ver de fato confirmadas por seis indios as minhas palavras, por mim formadas e niio ouvidas. ‘N&o tenho visio clara de téda a composic&o iranche, porque muitas formas por mim apresentadas sofriam mudanga na aglutinacdo por par- te dos indios, que me devolviam as formas modificadas, contendo o sentido que eu intentava. Nem pude verificar leis na aglutinacio, De fato, a Gnica regra que me serviu, foi a eufonia. Passo pois.a referir as. notas positiyadas no estudo da gramética tranche, atualmente em fase ainda de crescimento. 1 — AGLUTINAGSO , Uma das primetras anotagdes confirmadas fol o agrupamente de pa- lavras na formaciio de uma palavra nova. Certa vez eu fazia ver a um mogo, o Mauricio Tupin, o fato de que os seus colegas me diziam pa- lavras que, divididas, davam outras palavras, com pequenas mudancas eufdnicas. © rapaz riu-se a valer do que eu lhe notava. Terminando @ conversa, bom indio como 6, contou-me um fato de sua vida na ma~ loca; sem atender que me dava precisamente uma palavra composta: «Eu sel, padre, sei mesmo. Um dia mamiie, eu me Iembro bem mes- mo, mamie me deu uma cabaca e falou sé assim (fez gesto de quo a mile o levava para fora da maloca): totailaud. Eu, pequeno, num sei nada, busquei 4gua. Totdilau4: mamiie falou 86 issot» Dois elementos sio claros nesta palavra da miie de Mauricio: to, ir e lau& (modificac&io de sau4), buscar. O que fica no meio pode ser Perfeitamente a variacio do radical m&: agua. ‘Assim: vai gua buscar, seria a ordem da mie, incompreendida pe- Jo pequeno.em sya, razio semantica @ apenas aprendida pela..experiéa- cla concreta’ de éireunstancias:. vitais.. — 169 — A aglatinacio de radicais e temas, t#o generalizada, favorece imen- so 0 uso da lingua. As leis, no entanto, de jungio de radicais © temas restam matéria de ulterior investigacio, que nfo se praticou ainda. 2 — AFIXOS A particula PU, que exprime uma negagiio, foi estudada metddica- mente, uma vez que jé existe a terminacio LEIRA’ (LERA’, TERA’), que exprime uma negacio peremptéria. As palavras portadoras de PU, tiveram sempre um sentido con- trério ao sentido das palavras nfo portadoras desta particula. Mas o sentido contrério nio se define por uma contradic&o, uma negagio de todo o contetido do significado, mas s6 de uma qualidade. Vimos entio que esta particula original iranche, gera uma série de sentidos diferentes, opostos, contrarios, numa gama rica de conteide noético. A terminacéio LERA’, ao contrario, sempre significa uma ne- gagio, indicando impossibilidade, impoténcia, Assim: IAMA’: pequeno; iamapi: grande (pequeno no); iamalerd: nada; TAKAHA’: saber; takapti: esquecer-se; takaleré: no saber. Portanto, por meio da particula PU se podem exprimir alguns sen- tidos que indicam penetracio aguda psicolégica. Pode-se por meio des- ta particula exprimir indecisao, falta de ocasi&o, imprevisto, pormenores. Talvez o tmico componente que exprime tanta variedade de porme- nores seja a palavra ION (radical: 10). Signifieando OUTRO, esta palavra se presta a formar sentidos parecidos, pouco diferentes, abrin- do um campo vasto para neologismos. Assim: MIPT’: fio; idmipi: Iinhada de pesca (outro fio). KA, 6 particula notada, de emprégo mais restrito, indicando o plu- ral. Empregada apenas nos verbos até hoje. Skakini: come! Skakatkinis comei! 3 — ESTUDO DAS TERMINAQOES Certas terminages sfio portadoras de sentidos determinados: — OK: terminagio substantivada. Iamé: Pequeno; iamaci: cousa pequena, — KU: designa a causa, a origem. Opé: alto; opikekii: do alto, © do alto. — .A, .E, .I, .U (e algumas vézes .U), designam cousas sensiveis. Experimentei acrescentar a terminagéio CI a estas terminagées e os iranches sempre rejeitaram tal acréscimo, Como estas palavras, no en- tanto so usadas As vézes como categorias imprecisas, de gramatica, as terminagées devem ser submetidas a estudos ulteriores, —~ LERA’: negacio cerce, total, Taleira: nio vou (ndéio vou mes- mo- impoténcia, vontade decidida, que impedem a ida), — PU: estudada ja. — TAHA’: indica permissio: Tonitaha: agora pode ir (to, ir; ni: ago- ra taha: se pode). — OHO: aciio ativa, desenvolvimento, mudanca, Terminacio de muito uso fazendo as vézes de verdeiro verbo auxiliar. E’ uma ter- minacio verbalizadora. Provavelmente 6 uma corruptela do verbo TORT: ir. ma.i grande; maioha: crescer. pult&: f6rea; puitaloha: apertar. DU A plasticidade do emprégo desta terminacio, faz dela uma das grandes responsaveis na formacio de palavras, Por ela se traduzem as atividades, 0 esférgo efetivo. Notavel 6 a junc&o com a particula PU, formando a terminagio complexa: PTOHU. ‘As terminagées verbais identificadas sio as seguintes: —~ PAND: primeira pesséa, para o presente e futuro. (também: BANTD, tolopant: vou, irei. (O verdadeiro presente: hiah: tohiah). -— TINI: segunda e terceira pesséa, para o presente e futuro. (As yézes no entanto se usa esta forma para a primeira pess6a. —~ MIND: designa ser, estar. idekalomini: faz muito calor (ide: ca- Jor, quente; kalo: muito; minf: 6, esté). oa ‘ANI’: primeira pessoa do plural do presente e futuro. Tohietani: vamos, iremos. — ADA’, GDA’, MUNDA’, MUNADA’, NAMUDA’: siio formas usa- das como terminagdes mas de significaco niio identificada ao certo, Sua determinacio quanto ao sentido aclararé a quest&o da primeira e segunda pessoas que se tém até por hoje indistintas com exceoio de HIAH, que & pouco usado, designativo certo da primeira pessoa do sin- gular do presente. — MAK.REIUDA’ (makmrelida): passadeo usado em contos. ‘Lo.mak.reiiidé: foi. — MAK.REMUNDA’ (makmremiindé): forma plural do passado usa- do em contos. To.mak.remiind4: foram. To.mak.remlind4: foram. — KIND: imperativo. Tokini: v4. Plural: tokaikini. — KEKIA’: designa o passivo. Kalekikia: aberto. Nio sofre flexi. 4 — CATEGORIAS GRAMATICAIS Do que ficou exposto se pode concluir que algumas formas sio elaramente determinadas, como por exemeplo CI, OHU’, que pertecem respectivamente as categorias: substantive e verbo. As outras formas se classificam pela natureza mesma do sentido, passiveis de determinaciic substantiva e verbal por meio de sufixos. LENDAS Miink.lori (faz tempo) iauaiault (bicho) alomahii (pedra grande) a. mak.reiidé (viu). Nainamanha (de- pois) ahi (paca) kakatekalepapumak reitid4 (mordendo furou um pouco) miihd (dente) katekalepamak. reid- da (abrindo, quebrou o dente). Ma- kixikiand (cotia também) tepapu- haiimak. reiidé (quis abrir) kate- kalepamak. reidid4 (abrindo quebrou o dente). Iauaiauli (bicho) iepte.é (todo) elomahii (pedra grande) te- papukaiimak. remiindé (quiseram fu- rar). Kétapxi (um sdzinho, cada um) kkamak. reitiidé (chegava) mihi (den- te) katekalepali (quebrar dente) toh. mak. reitidé (foi-se embora). Tam- namaha (depois) iénioli (outro) kas- tahmak. reitdé (veis e voltou — supée-se que quebravam o dente). Niinkabiibii (também éstes) miktu- mak.remiindé (dente diferente fica- ram). Alomahii (pedra grande) te- pakikatimak, reitidé (quase ficou fu- rade). Tamnameha (depois) tumani (pica-pau) tepaapiu_makreiidd (fu- rou, olhou dentro). Tamnamaha (de- pois) miinkii (homem) iepte.é (to- do) oehimak.rebiimiindé (sairam). Taurinamaha (homem velho ent&o) ximapteiimak, reiudd (nad apareceu). Meimiakii (os indios) —_iriineki juntos ochimakmromiindé (sairam). Tamnamaha Minkii (Iranche), Ku- rali (amigo — indio parect também) iepteh8 (todos) kiinahd (juntos tam- bém) _ ikiamakmremiindé — (mora- ram). Tamnamaha (depois) uram- namana (indios brabos) taimkips (nfo quiseram) —ikiemakmremiindé (morar). a José Miguel acrescentuw, quando terminou de contar esta lenda em Dia. montino, em 1955: ‘0 -velho que ficara dentro da pedra, foi fechado porque os indios que sairam taparam o buraco bem tapado e o velho nao mor- teu até hoje. Disse que os antepasiades antigos conheceram os homens que sai- ram da pedra. ~ Disse também que esta pedra se encontra na iegifio de Ponte de “Pedra, regiao também conhecida dos indios pareci, pois que os pareci também sairam de 14 e também contam esta lenda. Clovis, flecheiro muito estimado na tribo iranche, disse que se pudesse, ia procurar a pedra.e abri-la para ver o velhd que esta 14 dentro. Esta lenda foi contada diversas vézes por outros indios iranche. Outra ‘lenda, contada infelizmente por partes, diversas vézes, é a do apa- recimento da roca. Contam assim: Um dia uma menina disse 4 mae que a enterrasse. A mie a enterrou ao meio dis. De tarde a mie ouviu gritea do lugar onde entsrrara a filha, No dia seguinte teve saudade e foi ver o lugar e encontrou muitas piantss. De cada parte do corpo da menina brotata uma espécie de planta. Os indios ent&e passam a descrever as diversas espécies de planta que cultivar, fazendo referéncia &s partes do corpo da menina. .Nio pude aproveitar plenamente esta tenda porque os indios me conta- vam depressa demais para eu poder positivar o sentido das palavras e anotar os sons. Também me faltaram conhecimento de algumas plantas que os indios teferiam e que nao conheco. Meus companheiros também nao puderam assen- tar nada de definitivo. Outra lenda, que ouvi apenes uma vez, da béca de José Miguel, na roca de Frei Manoel em Diamantino, foi a das estrélas. O que consegui positivar fot © seguinte: Um homem, certa vez, gostou de ver as estrélas e desejou ir vé-las. Na- quele tempo havia muita gente vivendo. Certo dia, uma estréla desceu até gerto déle e perguntou se éle nfo queria ir.ver as estrélas e subir com éle. le perguntou as mulheres e falou que ia. As mulheres riram-se déle. Ble foi com a estréla e outro homem também foi com éle. Quanda desceram prega- tam ‘muitas mentiras para as mulheres e elas também quiseram ir. Depois que. subiram todos, as estrélas brigaram e todos scfreram muita fome e os homens (nfo sei se na terra ou na estréla) se guerrearam e se separaram. O final da histéria nao ficou claro, mas parecia-me ter ouvido que as estrélas jogaram fogo na. terra e muitas estrélas se enraiveceram porque houve fogo na terra. Dos homens que subiram com as estrélas, todos queriam voltar para a terra e muitos morreram, na luta das estrélas. José Miguel nao me disse da sorte dos que no morreram, Os indios dizem que entre si contam outras histérias e as histérias de animais sio muitas. Nao pude entretanto colher mais do que ficou aqui ex- posto, Bste material no entanto insinua uma interpretacdo bem iranche das len- das comuns a muitas tribos de indios. Dao de fato um caréter tribal iranche, que se define pelo modo idiético da narragdo, como na Yenda da roca, em que narram a aparicio lendaria de certas plantas iranche. Se se confirma a nar- taclio da aparicéo do fogo por meio de luta de estrélas, teremos mais um dado original iranche. CARTAS _ Jess Miguel ditou-me uma carta para seu irmae Aristides, pois eu pay tia de Diamantine para Utiariti, onde encontraria Aristides: Talokaxi (José Miguel) Oiakuli (Aristides). Teusparokini (vec8 me espere), olitolopani (vou-me embora). —- 172 — Niéinamehd (também) iukeionepani (no quero mais ficar). Oipaliipkic- netini, {no sei. onde vou morar). Tali (vou-me embora), ukana (ai) uaparekini (woes precisa esperar). Utromanaletomi (depois das chuvas — no tempo do coméco dg séca) tolopani (vou-me embora). Esta carta foi-me ditada e a tradugio foi-me dada por éle mesmo, loge depois de ditada a carts. No dia 21 de Maic de 1956, escrevi de Sdo Leopoldo, aqui no Estado do Rio Grande do Sul, uma carta para os meus iranche de Utiariti. Fr. Adaiberto que ficaza em meu lugar em Utiarit?, tomando conta dos meninos indios, ates- teu-me mais tarde, que os meninos quando ouviram a minha carta, ficaram impressionados. Entenderam o que eu queria dizer. A carta é a que se segue: Irize are kil Aré ma.i. (Eu gosto dos Iranche. Eu gosto muito). Apand (aqui) nagegend (ago- ra) Rio Grande do Sul, meti (frio) ma.i (muito). Tehé (sol) Ximeku- tini (aparece) iepte.é (tudo) nake- t6 (branco). Idamaitakehé (meio dia) path (terra) -naketé - (branca) leird {nio). Pata (terray maldintoht (fi- cor bonita), miinktohG (de: noite) cirabG (tua) iepte.é (tudo) naketota (fica branco), mati (frie) ma.i (enui- to). BubG (chuva) mat{ (fria) sikid- totini (cai). Aré (eu) temin (longe), Iranxe temin (Iranche longe), aré pase.é (ou rez0). Jesuxi end (Jess escu- ta). Aré takahé (eu sei). Jesuni, pa- dre Iranxe (a Jests, padre e Tranche} iepte.6 (todos) uatakaikini (vio obe- decer). Missa iend (Missa ouvir), pa- sekaikini (rezem). Aré ieiurani (Eu contente). Aré (eu) paselobani (vou reaer) iamapk (muito). NEOLOGISMOS é.mipini —- linha de pesca (4: ORAQOES outros mipi: fio) aciuli — sapato (prevaveimente sim- ples transposicéo do calgado iran- che) alapubjaveti — pape! ieninake.i — kinba ae, jatekiti -— pélvora (kiti: preto) i&tali — caminhfe (16: outro; tali- Ii: troviio) kalapii —~ engada (mesmo que pact ~~ peixe) Kulupsli — deménio (transposicto de feio) kuretiamici — pio de milho (iru- raté: milho) miketa — céu malt. — espingarda maikii., iamaci — revélver iis aminhie) ne — machado Estas oragdes foram compostas junto com os Indios que j4 inven- tavam neologismos para assuntos religiosos. Revistas diversas -.vézes, foram comprovadas com o uso, assim como os mandamentos, que sob o titulo.de oragdes, aqui ficam expostos.. Os cantos impressionam. es- petacularmente os velhos: da tribe, que-ficam absortos, quando assis- tem a reunides onde os meninos ¢ mogos cantam. Whameld: Pai Nosso: Naimei& (Pai nosso) makets- niptini (no céu moras) Séiking {a Ti) miinkti (homens) atuops- sekaiking (rezem mekalostkina (muitos bens Tous} iStasctkini (nos dés), stking (a Ti) m&keta (céu) pata ae rokehtt (todo o dia) &katadméalf {comer} iStasotkinf (mos dés), — 173 iamanakulupali (nosso pecado) mesikini (perd6a) ionikin’ (outro também) keitan’ (também) ia- mémesikapiid’ (nés perdoamos), ainaiaulf (espirito mau). pokahti- Ave Maria: Ave Maria sai. Takani mehit iepte.8 Kabuiotini (estés cheia), namiioni ter s&i beualakikiating niin stikin&’ o.nd Jesuchi beuala- kikiating Santa Maria Taka. Melin iam&kulupali. panikini ni- gegené aldkuli, Cétukini. Esta Ave Maria deveré ser aperfeicoada, pois a tradugdo im- perfelta j& pode ser corrigida. Em vez de «namioni terén se dove Ato de Contrigdo: Jesuxi (Jostis) sdi (tu) arekind (para mim) makets (céu) idtake- hitmiind§ (para dar) meandpé (cruz) alélumakmreoudé (morres- te). Aré (eu) kulupanamtinds Credo: Taka.&4 Mainh&é (Deus Pai) iepte.8 puité (todo-poderoso) ma- keta, pata mandrtikii (criador do eéu, terra) adeanapiukeanapaani (ereio), Niinmeia (déle também) kétapxi (um s6) 0.né (filho) Je- suxi (Jesis) iamamaniriikit (nos- so senhor) adeanapiukeanepaani fereio). Niim Ain& Santoxi (déle Espirito Santo) upsaleré (virgem) Maria —_ miingsokiklamakmreiidé (Maria ficou prenhe). Niim Ma- ria Jesuxi epamak.reiida. (De Maria Jestis nasceu). Poncio Pi- Jatoni minilimak.reiid& (Péncie Pilates mandou): Jesuxi iehiin (Jesés sofreu), meanampa (cruz) tapeteleleikikiamakmreiid4 (foi Pregado). Alenkamak.reiid’ @morreu). Liboni sikiumak.reiddé (desceu_ao limbo), ‘maha (dia) Patekipi (trés) oapamak. reid (esperou). Tfimnamahs (depois) ni (chamado - tentacdo) iamisi- Kduleirakini (nés cairmos niio del- xes), kulupalf (mal) xatokoleira-. Kini (chegar nio deixes). Kétu- Kini (Assim seja). usar com mais justeza, provavel- mente a composicio: «sdiné- miidpu. A traducdo ao pé da letra 6 es- ta: Ave Maria tu de Deus bom todo estés cheia, mulher outra nie, tu és bendita (bem falada), ventre de ti filho Jesus 6 bendi- to. Santa Maria Deus M&e nés Pecadores roga agora, morrer (morte). Assim seja. (pequei) malatololiimba (triste, arrependido) arekini (a mim) mesikini (perdéa). Aré (eu) ‘io- niedchii (outra vez) kulupataikipe (pecar nfo quero). tanasotalkiumak.reiidé (ficou vi- vo por si). Miketa (céu) pétku- lomak.reiids (subiu). Taka.a Miinh&’ (Deus Pal) ieptepuita (todo-poderoso) mehii (direito) kalapatxi (lado) ndgegend (ago- ra) Jesuxi oidukulotini (est sen- tado). Tamnamah’ (entiio) ol- elel (depois) ximakulotini (apa- recera), miinkli (homens) iepte.é (todos), tana, alékukikia (vivos, mortos) idmtaxalometini (cha- maré —~ julgar4). Aré (eu) Aind Santoni, santani Igroja Catolixi, Santoni kiinekii mehii (comunhio dos santos — bem dos santos) kulupali mesilit (per- G&o dos pecados), moitataniaso- tini (vida da carne do novo), ta- naiepte.6 (vida sempre) anaplu- keanepaant (crelo), Cdtukini (As- sim seja). DU CONCLUSAO ‘Em resumo do que ficou proposto neste artigo, se pode condensar as seguintes afirmacdes: 1 — Fica mais esclarecida a posicio da tribo iranche. Certo est& que em 1953 os iranche habitavam sdmente a margem direita do rio Cravari. Noticia dada por diversos seringueiros e em diversos tempos, o rio Cravari 6 afluente do rio Sangue. Da turma de indios iranche perdida pela regifio da barra do rio Cravari com o rio Sangue n&o se tem noticia. 2 — Os iranche sio amigos dos Pareci e inimigos dos Belco-de- pau ou (edpla so Diarios” NOTAS aw @ (8) a «G) Conferéncias — Publicacio da “Comissfic Rondon” — N.C 68, ed. de 1846 (2°), pelo Tenente-Coronel CAndido Mariano da Silva Rondon = pag, 87. Em igualdade de condicdes ficou a meméria da tribo iranche. Ibid. pig. S7-01.: “Nada se deve temer da indole pacifiea e até mex. mo timida dos Eranche” — dado certo ¢ comprovade sobejamente, co. me consta de téda histéria da tribe, Também néo se encontrou deeumento mais antigo do que éste de Rondon, assinulando os seringueiros como os primeivos ciyitizados a encontrar 0 rio Cravari e 0s fndios Tranche. “Pelas informncses dos Cozarini e Uaimaré, sel que falam o ariti, levemente modificado, constroem casas e usam rédes como os demais Pareeis® — esta nota vai precedida de outra bem clara, quando Ron- don reparte os grupos dos Pareci: “Atualmente éles se dividem em quatro grupos, sob as denominacées de: UAIMARE? CAXINIT!, COZARINI e¢ TRANCHE", (ibid. pig, Si}. Estas notas, em que pesem as informacdes dos Imdios parect, niio se podem sustentar sem mais, Como ficara patente da segunda parte déste artigo, quante as casas; € na terceira parte, quanto & lingua; veremos que os Irar. che nfo podem ser identificados como indios Pareci. De Max Sehmidi temos 0 primeiro documento cientifico sébre os Iranche: “.,. encon- trams ainda sucessivamente 5 acampamentos dos Tranche, com rau: chos, consistindo uns em cabanas quadradas com tetos que se es- tendiam até o chfio e outras em simples paraventos postos obilqua- mente no chiio (Boletim do Museo Nacional — XIV-XVIL (infra cit.) pig. 258). Esta descrichlo se opde & desericfio feita por Rondon, dax malo~ cas parecis: “Primeire tracam no ehfio o perimetro, quase sempre elfptico, da nova construgie” — (supra eft. IBID.: pag. 84), Os in. dios Iranche também nfio usam 0 eseudo de cnca, tio célebre entre oy Parect Cfr. Rondénia — Roguetie.Pinto — 2.° ediciio, pag. 120, Assim temos que os costumes dos iranche diferem dos costumes Gos indios pareci. A lingua tambén difere. 'Paives por um grupo dni- co em tempos antizos, encontram-se de fato diferencindos Iranche ¢ Pareci, Assim, ao nosso ver, se deve interpretar também a afirmacio da publicacio .0 2, anexo no & — Histéria Natural — Etnograila, do mesmo Consetho Nacional de Protectio sos ‘ndios (1947, 2° ed.), Na pig, 12 identifica os Iranche com os Parect, fazendo aquéles wim grupo déstes, Em conelusiio: os indios tranche deyem ser estndados 4 base da luz nove que Max Schmidt trouxe. Com ela nfo se podem manter em Yada sun extensio as Informacées que os Indios pareci deram a Ron- don, Uma diversificacio profunda se conxtaton em outro campo eé ste 6 © da lingua: Ctr, tereeira parte déste artigo. Boletim do Museu Nacional, XIV — XVII (1938-1941) — Resultados da minha expedigio bienal a Mato Grosse, pigs, 257 — 260, Revista de ln Sociedud cleniifica del Paraguay — Lox Iranches. Asuncié6n — 1952 — pigs. 35-49, Nesta publicacho aparece a dnien palavra iranehe a que Max Schmidt dé valor: Kakauri: fazer neces» sidade, bem traduzida, pols cqnfirmada pelos iranche como pude cous- tatar. Max Sehm{dt € 0 primeiro cientista a positivar um contnto pessoal com os indios Iranche e por éxe motive o chamo neste artigo de primeiro cientista dos indios iranche, N&o despreciames por tal titule gs nots de Rondon, apresentadas que sto com justeza ¢ cla vez. Bates Indiox ainda nao estio estudados, nem se conhece a Iiagua déles, Os contates so hosts, Tivemos no entanto noticia em princi- plos de 1957, de que éstes Beico-de-piu querem relacées pacificas com os eivilizados, pois aceltam os presentes deixndos ao pé das ar- vores. Os homens da Cia, Noroeste Matogrossense passam, no Arinos, pelo seu territério e portos, sem nunca _terem contado ataque, Os ata- ques foram efetundos contra os empregados da linha telegrifica ¢ contra os seringueiros que penetram pelo Sul, Os sinals de pacifica- eo foram dados aes homens dn Cia. Cruzeiro do Sul, como relata o Pe. Edgar Schmidt, superior atual da misstio jesuftica. : Esta indecisto gerou uma anemia nos functionaries, Os funcionarios, homens sérios e conscienciosos, poderiam ter rendido mais no decor- rer do tempo. Na ocasiio do aglomeramento dos Iranche no Pésto Telosa, Joie Climace, “de venerivela cfs, confessava simplesmente € com alma: Todos me chamam de pal!’ Os Iranche se sentiam bem com éle. Gle seria capa de penetrar os segredog desta triho arre- dis © esconaidn. te «) mM «sy @) qo) ap qa) qs) «sy as) as) an as) De fato, nao fizeram mais que identificar seringueiras, Mesmo o Barracho de Mario Spinelli, entre o c6rrego Grande e o do Cemitérto, foi queimado, dando origem ao lugar chamado Barracio Quelmado, que na margem esquerda do Cravart, tanto aparece na Cronica dos Tranche: ano de 1953, nas percorridas do Pe, Jofio Dornstauder. Em 1954 abriram um eampo de aviagho, na eabeceira do cérrego do Ce~ mitério, para caso de emergéncia no carregamento da borracha e ser~ vico dos seringais do Norte e Oeste, néo usado ainda, No faz o Pe, Dornstauder alusfio & maloca de José Capltfio, que consta do roteiro, Mais umn prova inequivoca do cariter arredio da tribo, % de notar que o cnriter religioso nfio influenciava negativamente, pois o padre nflo era conhecido. © tato déste sacerdote soube superar o carhter timido dos Indios, Pena que nio encontramos mais pormenores sdbre o modo de se saudarem mais que o simples fato de se declararem presentes, pols Togo se piem n conversar. — O pressentimento augurado niio se rea- lizou, pois a erianca fol salva pelo mesmo sacerdote como mais adian~ te se refere de modo comovente. Bate “Zle”, se refere a AntOnio_Jofio, pois no Difirto todo o relate que termina com a viagem, se condensa sob 0 titulo de Antonio Jofio, em nota. A pergunta de Isaque, que persegue um dado maravilhoso, inexplica- yel_em sua mente, supSe sinceramente que o padre Ihe haverla de responder com a verdade, conhecida antes da renlizacio, Isto nos le- Ya f positivar na alma iranche de Isaque um impulso para o absolu- tamente certo existente neste mundo, Supde também uma prova irre- fragavel do testemunho do padre, que deve argumentar com um fa+ to inconcusso. Esta prova a que o iranche submete o clvilizado se extende a todo género de atividade: querem provar a paciéncia, a ve- racidade, o poder, a agilidade, ete, Um dado de aculturacio digno de nota e estudo, mas que néio pode ser desenvolvido neste artigo. Dado precioso, pois as mulheres iranches sempre aparecem com menos trabalho do que as indias de outras tribos, © Pe, Jofio fizera com os Indios iranches uma maloca que servin de pouso para o padre em suas visitas € a0 mesmo tempo de ca- pela, onde colocara um crucifixo e li deixara, A capeln foi cons~ truida no ano anterior, Pedro pelo que consta da relacho dos Indios, foi o indio principal de uma acfio conjunta em que desfe- riram golpes no erucifixo com facho e gritaram e fizeram demons: tracho de protesto. Pedro den um talho na cabeca do crucifix. O« outros nfio tocaram. © crucifix ficou no chic, Mais tarde, depois da morte de Acacio a maloca-capela foi queimada e todo o lugar abandonado, Nem se pode ainda buscar o erucifixo. 0 Pe, Jofio sabia muito bem que tal ato era fruto de ignorfincia crassa, de supers- tigo que s6 aos poucos seria aclarada, © fato fol registrado em Utlariti no posto meteorolégico, pois uma estréia cadente fol surpreendida pouco antes de fenecer, precisamen- te na directo NNE de Utiaritf, direciio das malocas de bnixo dos Iranche, A hora também corresponde, como o dia... A Inz fenecera aos olhos do observador, sem se notar ruido, Esta nota € de importancia, pois o Pe, Dornstauder conhecia bem os Nambiquara e os Pareci. Notara igo de idiético na mosica iran- che, que é diferente, da masica dos pareci em seus temas e desen- volvimentos, ainda que ao leigo na matéria, parecam idénticas, Infelizmente nfio foi observado o modo de contar e reter a duracio dos dins de viagem dos indios tranche. © capim na seca é queimado para que ao brotarem os rebentos noyes, venham os vendos a pastar. Os Indios assim, em frers re- lativamente pequenas, t@m segura a enca de vendos, que se agrue pam, Folha da Noite — S&o Paulo: 31 de Dezembro de 1956, 19,0 artigo de uma série intitulada: Viagem no Centro-Norte de Mato Grosso, A referéncia que fazemos a um possivel método ideal de acultu- racio, precisa ser tomada como complexiva de todos os elementos concretos de influéncia, N&o possuem os jesuitas um método trans. eendente, que se aplica de olhos fechados, A tese val mais simples: @les tém’a seu favor um complexo de_concepcdes objetivas, um enqua- dramento ou seja uma ambientacho fridin feliz e por fim um ambiente raxoavelmente favoravel de acto. Por parte do Indio, temos que o Indio we ve a si mesmo Iucrando totalmente, no intercambio de ncal- turagiio: vé que @le menmo valoriza o contefdo dos seres de seu der- — 1738 — @or e @le mesmo taxa livremente o préco de suas aquisicses. E sabemos que nas pretensées fundamentais do coricic humano, n6s € as racas primitivas (assim chamadas), todos somos iguats, so- mos todos irmfios, entendemo-nes perfeitamente, sem necessidade do estudos exaustivos prévios, pois # aculturacho é um dado vital, que se desereve pela doncio de umn vida e se define pela solucho do pro- biema universal da dor, concretamente, din a dia, em todas as cir- eunstancias da vida, (49) Cr. Publ, n.0 68, cit. pag. 88. (20) Ibid. supra cit., pig. 81. (1) bia. (22) Ibid, Crr. nota no 2 deste artigo, completada com as observagdes presentes, que discutem quanto é possivel o estado da questiio lan. ¢ado na nota no 2, : (23) 44 © sistema de hiato aparece em oposicho ao sistema de ditongo iranche, além da diferenca de forma de palavras, profundamente diversas = é um sinal ineattvoc: (24) Supra cit, nota no 3, déste artigo. (2) Jé na pronfncia da palavra Utiuritt, estacto telegrdfien e poste missionario jesuitico, Os parect pronunciam: U—tl—a—ri—cf. Os Aranche pronunciam como 26s: U—tin—ri—t, SUMMARY OS IRANCHE The article — “Os Iranche” — reveals the original data about the tribal way of living of the Iranche tribe and their language. This is the main value of the article. It adds also the few notes taken by Rondon and Max Schmidt concerning this same tribe. The photographic documentation and the tra- veller’s route map explain and increase its value for historical and ethnogra- Phic purposes. The first part, devoted to the history of the relationship between the ci- vilized and the Iranche, describes the last days of the tribe in its native tribal habitat, for today it is already in a state of becoming cultured, due to the three combined factors: fever epidemics, the fights of the Iranche groups among themselves and finally the attacks from the indian tribes, their enemies. In the second part facts and notes are gathered about the material and spiritual culture of the Iranche. These notes ate characterized by their brevi- ty, being as they are the results of brief and necessarily incomplete observa- tions made by those who are dealing with a shy ncoerle who do not like to tell you what is si i In the third part we can find a specitic document, the language of the Tranche learned in the day to day work of their civilization, almost entire- ly outside the indian territory. This study, starting with the vocabulary, leads you all the way trough grammar until the formation of idioms, making you capable at least for an initial practice of the language. There is in addi- tion to this an analysis of texts. ZUSAMMENY ASSUNG. Die vorliegende Arbeit behandelt den Stamm der Hranche-Iadiancr im brasilianischen Staate Mato Grosso; neben der Verwendung der bereits von Candido Rondon und Max Schmidt veroeffentlichten Kizelheiten erbringt der Verfasser eine grosse Menge von eigenen Beobachtungen, die das Bild dieses bisher recht duerftig bekannten Stammes wesentlich bereichern. Unveroeffentlicht waren auch bisher die beigegebene Reise- karte von J. Dornstauder SJ und dessen vorauegliche Angaben ueber dic Indianer von Mato Grosso. — 179 — Durch mehrjachrigen Aufenthalt in Mato Grosso und persoenlichen Verkehr mit den Iranche ist der Verfasser wie kein anderer imstande, vuverlaessige Angaben ueber die Geschichte, Gebraeuche und Mythologie des Stammes zu machen. Besonders wertvoll ist ein erstmaliger Ver- such die eigentuemliche Sprache der Iranche nach Wortschatz und Gram- matik darzustellen; wer die Scheuheit und das Misstrauen der Indianer kent, der wird es verstehen, wenn der Verfasser seine Arbeit als eine ersto Annacherung an die Kenntnis der Iranche bezeichnet, die der Forschung der Zukunft noch manche ungeloeste Fragen ueberlaesst. Es handelt sich um einen wertvollen Beitrag zur Voelkerkunde Bra- siliens. Os Tranche © artigo — Os Iranche — revela dados inéditos sdbre o miodo de vida tribal dos Iranche do Estado de Mato Grosso, Brasil, e sua lingua especial. Aduz também as poucas notes que Rondon e Max Schmidt. nos deixaram sébre esta tribo, © documento fotogréfico e roteiro de viagem, elucidam ec aumentam = ovalor para a histéria e 0 estude etno- grafico. Na primeira parte, dedicada & histéria da relac&o entre civilizados ¢ ifanche, se descrevem os diltimos dias da tribo no seu habitat tribal, pois ela se encontra atualmente em estado de aculturagiio, devido os trés fatores conjugados: epidemias ¢ gripe coreana, lutas entre os gru- pos iranche entre si; ¢ por fim o ataque de indios inimigos. Na segunda parte se coligem notas sébre a cultura material e ima- terial, caracterizadas pela brevidade, fruto de observacées répidas ¢ necessiriamente incompletas de quem lida com a salvagio de um mun- do medreso, que n&o conte o que 6 seu. ‘Na terceira parte fica exarado um documento especffico, a lingua, aprendida dia a dia na aculturagio iranche, fora do territério imdio em quase sua totalidade. © estudo desce desde 0 vocabulario até ao siste- ma de formacio de expressiio, possibilitando um traquejo inicial da Iin- gua, QO complemento de tal estudo 6 a anilise de texto. —~ 180 —

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