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CONCEITOS DA PSICANALISE Eros oa i oe = Viver NICOLA ABEL-HIRSCH CONCEITOS DA PSICANALISE Eros NICOLA ABEL-HIRSCH Editor da série Ivan Ward Ideas in Psychoanalysis — Eros foi publicado no Reino Unido em 2001 por Icon Books Ltd., The Old Dairy, Brook Rd, Thriplow, Cambridge SG8 7RG Copyright do texto © 2001 Nicola Abel-Hirsch Conceitos da Psicandlise — Eros é uma co-edigao da Ediouro, Segmento-Duetto Editorial Ltda. com a Relume Dumara Editora. Ediouro, Segmento-Duetto Editorial Ltda.: Rua Cunha Gago, 412, 3° andar, Sdo Paulo, SP, CEP 05421-001, telefone (11) 3039-5633. Relume Dumara Editora: Rua Nova Jerusalém, 345, Bonsucesso, Rio de Ja- neiro, CEP 21042-2385, telefone (21) 2564-6869. Copyright da edicao brasileira © 2005 Duetto Editorial Indicagao editorial Alberto Schprejer (Relume Durnara Ecitora) Coordenagao editorial da série brasileira Ana Claudia Ferrari e Ana Luisa Astiz (Duetto Editorial) Tradugao e edigéo Carlos Mendes Rosa Revisao técnica Paulo Schiller Reviséo. Elie! Silveira Cunha Capa Danae, pintura de Rembrandt Diagramagao Ana Maria Onofri CIP-Brasil. Catalogagao-na-fante Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. A122e Abel-Hirsch, Nicola Eros / Nicola Abel-Hirsch ; tradugao Carlos Mendes Rosa. - Rio de Janeiro : Relume Dumara : Ediouro ; Sao Paulo : Segmento-Duetto, 2005 {Conceitos da psicanalise ; v.8) Tradugao de: Ideas in psychoanalysis : Eros ISBN 85-7316-434-4 1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Klein, Melanie, 1882-1960. 3. Ero- tismo. 4. Psicanalise. |. Titulo. Il. Série. 05-2536. CDD 616.8583 CDU 616.89-008.44 Todos os direitos reservados. A reprodugao nao autorizada desta publicagao, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violagao da Lei n” 5.988. EROS: “UM PRINCIPIO DE ATRACAO”! Eros é a idéia de uma forga que “liga” os ele- mentos da existéncia humana — fisicamente, pelo sexo; emocionalmente, pelo amor; e men- talmente, pela imaginacao. Na época de Freud, falar de sexo, especialmen- te dos desejos sexuais e das fantasias das criangas, era chocante para muitos dos contemporaneos dele. E hoje, o que nos chocaria? Uma idéia que exploramos neste livro € a de que nao pode exis- tir a ligacaéo da copula (uniao sexual, emocional ou intelectual) sem alguma forma de amor. E cla- ro que pode existir penetracéo sexual sem amor — a pedofilia o comprova —, mas nao é a mesma CROs coisa que uma relacdo sexual. Concorda-se que a forma de amor necessaria para essa copula é o reconhecimento mutituo da diferenca do outro, separado do sujeito, com existéncia propria, e a consideracao de um pelo outro. Sem isso, nao ha “dois” que se possa ligar numa cépula.* Comeco pelo conceito de Freud de “instinto de vida”, a que ele chamou “Eros”. Antes de té-lo cria- do, ele deu énfase prioritaria 4 sexualidade como fonte de motivacao e energia em muitas atividades, fossem ou nao claramente sexuais. Ao introduzir o conceito de Eros, Freud inseriu nele a sexualidade, mas também acrescentou a idéia de um principio geral de atracao. Eros, disse ele, € o que une as coisas — e, pode-se complementar, une-as de um modo que origina algo vivo ou novo. ALEM DO PRINCIPIO DO PRAZER Na metade da sua vida, e tendo como pano de fundo a guerra e a morte da sua filha Sophie, Beost Un 0 06 Area Freud escreveu o que classificou de um ensaio bastante especulativo. “Além do Principio do Prazer” (1920) é uma analise da vida e da morte, conceituadas por Freud como “pulsdes”. Ele faz perguntas interessantes, como: O que da vida as coisas? A morte existe desde o comego da vida? Freud volta-se para a biologia e utiliza as suas descobertas para refletir sobre a dinamica da mente. Chega a viséo de que a “pulsdo da vida”, ou Eros, “mantém unidos o seres vivos”’. Em tra- balhos posteriores, ele acrescenta 0 comentario de que essa pulsao “transforma a substancia viva em unidades ainda maiores, de modo que a vida possa se prolongar ¢ ter desenvolvimento supe- rior” e, ainda, que ele “almeja dificultar a vida e ao mesmo tempo, é claro, conserva-la”’. Uma pesquisa biologica que Ihe chamou a atencao foi o trabalho sobre as “diferencas vitais”. O estudo versava sobre células que se unem e de- pois tornam a se separar. Nesse processo, as célu- Eras las rejuvenescem. Freud deduz que, enquanto os organismos em geral procuram liberar a tensao, o que leva eventualmente a morte (veja adiante “Uma observacao sobre Tanatos”), a unido com a substdncia viva de um individuo dife- rente aumenta essas tensdes, introduzindo o que se pode descrever como “diferengas vitais” novas, que devem entdo ser vividas.® Freud viu nessa aglutinacao de células uma precursora da reproducdo sexual de seres supe- riores envolvendo, como hoje sabemos, a recom- binacdo de material genético. A visao de Freud é de um processo vivo em que a “unido” tem um efeito de rompimento mas também de rejuvenes- cimento nos elementos ou nas partes envolvidas. Eros é uma tensdo no organismo. Existe, nesse contexto, uma questdo atual in- teressante relativa 4 diferenca entre clonagem e Frog: “Urs Prisco be Arnagia” reprodugdo. Ambos os processos resultam em uma vida. A clonagem, no entanto, implica uma tepeticao do que ja existe. Em contraposigao, na reproducao sexual, embora o sistema imunolo- gico interprete em geral que os corpos estranhos so uma ameaca a vida, o corpo precisa primeiro receber o esperma — e ser hospedeiro dele — para depois desenvolver o embrido. Na sua vida mental/emocional, a pessoa pode reagir como © sistema imunologico, repelindo uma experiéncia ou idéias estranhas. Para que a copula sexual, emocional ou mental seja possi- vel, a “estranheza” ou a diferenca da outra pessoa ou idéia precisa ser levada em consideracdo. A di- ficuldade de fazé-lo esta em parte no fato de que a diferenca acarreta o reconhecimento de que a outra pessoa tem coisas que 0 proprio individuo nao tem. O sexo oposto, por exemplo, tem um corpo com caracteristicas sexuais diferentes. Ao mesmo tempo, a diferenca contém a promessa de uma novidade e é a condicko nec copula (entre partes diferentes) ~ sexual, emocio- nal ou intelectual, SEXO E AMOR Com esse conceito de Eros, Freud fundamenta de um modo novo o seu interesse prioritario nos instintos sexuais. Eros cria condicées para a exis- téncia de uma teoria unificada do sexo e do amor, em que nenhum deles seja secundario e ambos sejam formas de “ligacdo” ou copula entre ele- mentos diferentes. Freud nao chegou a aprimorar as suas idéias sobre Eros e talvez estivesse mais interessado no conceito de “pulsao de morte”, Entretanto, o Eros de Freud pode ser aprimorado hoje, ainda mais com a obra inovadora de Mela- nie Klein sobre o amor e a obra de Wilfred Bion e outros sobre a imaginacao. Retrocedendo um pouco, quero primeiro exemplificar os problemas que surgem quando o 10 mente na prépria teorta psicanalitica quando se uma oposicdo bastante simplista entre a teoria de Freud (teoria das pulsdes) e a de Klein e ou- tros (teoria das relagdes de objeto). ~PULSOES” EF “RELACOES” Em primeiro lugar, a teoria das pulsdes, cuja caricatura é a idéia de que os homens s6 querem sexo. Segundo essa visao, 0 apetite sexual nasce na pessoa, que entao procura alguém para satis- fazé-lo. Importa mais 0 sexo do que a pessoa que o oferece. Em segundo lugar, a teoria das relagées de ob- jeto. cuja caricatura é a idéia de que as mulheres sé querem amor. Segundo essa visdo, o que mais importa € o relacionamento emocional. Parece que as mulheres nao tém desejos sexuais. Nessas duas caricaturas, existe uma divisao entre sexo e amor. Na primeira, a relagaéo com a Ekos outra pessoa ¢ um meio de conseguir sexo, Na segunda, 0 sexo é, para a mulher, um meio de conseguir amor. Na verdade, quando sexo e amor sao sepa- tados dessa maneira, pode-se dizer que nao se consegue nem um nem o outro. O sexe, sem que 4 outra pessoa seja reconhecida ~e alvo de consi- deracdo ~, nao pode ser uma relacdo intima entre duas pessoas. De modo parecido, de acordo com a caricatura acima da teoria das relacées de objeto, ° amor parece mais ser um desejo de seguranc¢a ou adulacao do que o desejo de estar coma outra pessoa. Isso nao quer dizer que a quantidade oua qualidade do amor em um namoro sejam as mes- mas que, por exemplo, num casamento duradou- To, mas sim que a consideracao pelo outro pelo fato de ser outro (amor) possibilita a copula entre duas pessoas diferentes. Do mesmo modo, em relagdo ao amor, a maneira de expressar O sexo € bem diversa entre amantes e, digamos, mdes 12 e bebés, mas sem duivida falta algo se a relacdo mae—filho nao tiver nada de sensual. Tendo isso claro, a melhor saida parece ser tentar juntar as duas teorias (a das pulsoes e a da relacao de objetos) e valer-se de ambas. Diferentemente de Klein e de outros analistas da sua linha, Freud enfatiza muito mais 0 sexo que 0 amor, mas 0 seu conceito de Eros pode abranger o entendimento que os kleinianos tem do amor, assim como a obra mais recente de Bion e outros sobre a imaginacao. UMA OBSERVACAO SOBRE TANATOS? A partir do seu “ensaio especulativo” “Além do Principio do Prazer”, Freud ateve-se a idéia de que conflito entre a pulsdo de vida e de morte é primordial na vida. Em sua opiniao, a pulsao de morte, que ele denominou “Tanatos”, é 0 con- trario de Eros. Ela busca a morte ou reduzindo a diferenciacéo e induzindo insidiosamente o organismo a voltar ao estado inorganico ou pela 13 Epos destruicao. A pulsao, inata, a principio se volta contra o eu e € depois desviada para o mundo externo na forma de agressao, Freud supunha que Eros e Tanatos tivessem diversas relagdes entre si. Pensou, por exemplo, que a alimentacao envolvesse ambas as pulsdes, uma na destruicdo do objeto ingerido e a outra no proposito de viver por meio da comida. Outro exemplo € a relacao sexual, em que a agressao se manifesta juntamente com a mais intima unido. Ja se escreveu muito a respeito do conceito freudiano de pulsao de morte. Uma questao em especial é se a agressao esta ou nao sempre asso- ciada a pulsao de morte. Na psicandlise moder- na, um ponto de vista convincente é considerar a “pulsdo de vida” e a “pulsao de morte” como dois senhores. A dtvida, assim, deixa de ser se “a agressAo representa a pulsdo de morte” e passa a ser se “a agressdo esta senclo usada, nesse caso especifico, em favor da vida ou da morte”. 14 FROS NO CORPO: O QUE E SEXUALIDADE? Ja se escreveu muito sobre a sexualidade. Nes- te livro, vou me concentrar na sexualidade da perspectiva de Eros. Fros “transforma a substancia viva em unidades cada vez maiores”® No modelo de sexualidade de Freud’, come- camos pelo estagio da crianca pequena com ° que ele chama de sexualidade “perversa poli- morfa”. Com isso ele quer dizer que a sexua- lidade infantil, ao mesmo tempo que pode provocar uma excitacao sentida nos genitais, parece-se mais com a sexualidade existente nas preliminares de adultos (das quais € precurso- ra). Toda e qualquer parte do corpo pode rea- git a estimulos sexuais. Em particular, se uma parte do corpo se torna um ponto da atengao geral da crianca, ela também se torna um pon- to de excitacao sexual. De inicio, a crianca se 18 Esos concentra na alimentacao, da qual participama boca e o mamilo ¢ a sucgao. Freud designa esse estagio do desenvolvimento da sexualidade in- fantil de “fase oral”. A segunda é a “fase anal”, ligada a concentracao da crianga nos intestinos € no controle das fezes. Freud achava que a essa etapa se seguisse 0 que ele denominou de “fase falica”. Essa fase, erm particular, gerou polémica, pois alguns entendem que ela nao retrata o desenvolvimento da sexua- lidade feminina e que definir a sexualidade femi- nina pela inexisténcia de pénis ¢ uma agressdo as mulheres. A conceituacao da fase falica parece mesmo ter problemas, mas o que se pode dizer aqui € que ela contém a idéia de odio a diferenca (e também da atracao pela diferenca). Um sexo tem 0 que 0 outro nao tem. Freud argumenta que, na adolescéncia e na vida adulta, os diversos elementos da sexualidade (por exemplo, zonas erdgenas diferentes como a 16 Enos no Garro: 0 Que E Seuauinanc? boca, o anus, a pele e os genitais) unificam-se e concentram-se na genitalidade. Embora Freud nao compare explicitamen- te esse modelo de “unido de diversos elementos num todo complexo” ao mesmo fator no seu mo- delo de Eros, eles séo muito parecidos, e é pro- vavel que o modelo sexual tenha influenciado a énfase dele nisso em Eros. A uniao de “diversos elementos” da sexualida- de depende de reconhecimento das diferengas vi- tais, especialmente a diferenca entre Os sexos € as diferencas entre as geracoes (entre pais e filhos). Eros, sexualidade e “diferenca vital”: as fantasias de duas criancas Uma menina de 7 anos, depois de tentar du- rante varias semanas urinar como um menino (em pé por sobre a privada), perguntou a mae se sexo era uma pessoa fazer xixi na outra. Ela pareceu satisfeita nesse momento com a res- 7 EROS posta “no” e nao perguntou o que era sexo, ja que nao era urinar. A impressao que ela deu foi de que uma informacdo precisa a respeito de sexo (informacao que lhe foi dada) nao era o que importava naquela altura — ela descobriria no proprio ritmo. E provavel que ela também estivesse angustiada com a idéia de penetracao na copula. Nao seria certo, penso eu, dizer que a garo- tinha queria ser um menino. Parecia mais que ela queria ser tanto um menino quanto uma menina, € ma sua concepcao de cépula ambos conseguem fazer 0 mesmo: urinar no outro. Sua concep¢ao de relacao sexual — fazer xixi—é tam- bém algo que ela tem capacidade fisica de fazer na “relagdo” com o seu pai ou, “sendo menino”, com a sua mae. Nessa fase do desenvolvimento da menina, a diferenca entre os sexos e a diferenca entre as ge- racées fica de lado. 18 Nc ]e(cK ""™—=F5EE a Enos na Gono: O Qe E Sexueuinace? Em comparacéo, num sonho da irma dela, que tem dois anos a mais, vemos uma diferen- ciagao — e, ainda por cima, com excitacdo — entre meninos e meninas. No sonho, a menina estava com uma colega no banheiro feminino da escola. Cada uma delas ocupou um toalete vizinho ao da outra e deixou a porta aberta. Dois meninos da classe delas entraram no banheiro. A menina do sonho fechou a porta depressa. Ela diminuiu o medo de ter sido vista com 0 pensamento de que a porta da outra garota continuava aberta e ela sem dtvida teria sido vista. Depois a garota estava num hotel a beira- mar a que ela ia todo ano com a familia. O ho- tel ficava no litoral do Atlantico, com as on- das grandes de uma praia de surfe. Ha focas no mar. No sonho, a menina esta em mar alto a espera de uma onda para surfar. Ela nao vé os seus familiares, mas eles estéo a sua volta na agua. Ela € entaéo “pega” pela onda e levada Eras pela agua. Ao contar o sonho, ela disse que foi como voar. Se a crianca estivesse em analise, teriamos os pensamentos dela sobre o sonho e ainda mais material analitico para ajudar a entendé-lo. Por nao dispormos disso, o que vem a seguir € sobre- tudo uma especulacao. Na mente da crianga, é possivel que “ver” os genitais seja associado a ter relagdes sexuais e que o banheiro apareca no sonho nao sé porque é ai que as criancas podem “ver” as outras na escola de verdade, mas porque a crianga correlacione defecagdo com sexo e bebés. A primeira coisa que a crianca produz sao as fezes. O material fecal é dela e pode ser dado de presente ou retido pela crianca. Pode ser dificil para a crianca abandonar a equiparacao de fezes e bebé ~ perceber que eles nao sao feitos da mes- ma maneira —, porque isso implica admiur para si mesma que ela é pequena e nao pode gerar os 20 Er » Corea: O Que E Sex bebés do papai como a mae pode. A crianga € de uma geracao diferente da dos pais. Eo mar no sonho? Talvez seja uma idéia de uma forca excitante e expansiva que pode tomar conta dela e sustenta-la ao mesmo tempo. Qual- quer pessoa que ja tenha pegado uma onda até a praia, tido um orgasmo, se apaixonado ou senti- do uma idéia tomar forma sabe que todas essas experiéncias sao do mesmo tipo. Em cada um dos casos, conta-se com um momento de mobilidade — do corpo, dos sentimentos ou da mente. O sonho transmite um pouco dos conflitos que a crianga talvez sintaem relacao a sua sexua- lidade emergente e pode ser em si um modo de tentar lidar com os conflitos — em. particular o conflito entre querer ser “vista” por um menino (e mais tarde “penetrada” por um homem) e a angustia ou vergonha provocada por esse desejo. Na situacao edipiana, que passo a abordar, € pela fantasia que a crianca pode juntar 0 sexo € 21 Face o amor na relacdo desejada com a mae ou 0 pai. Na vida adulta, se a pessoa conseguir reconhe- cer que o seu parceiro sexual é diferente do seu mundo de fantasia da infancia, a complexidade dos desejos e dos sentimentos vistos no sonho da crianca podera dar mais profundidade ao novo relacionamento adulto. EDIPO: O DESEJO DE INCESTO E A SUA SOLUCAO Muita gente ja topou com a historia de Edipo ese escreveram muitos ensaios sobre ela na psicandlise e em outras disciplinas. Freud falou da capacidade dessa historia de provocar fascinagao — fascinio que ela continuou a exercer mesmo quando 0 publico atual, depois de Freud, passou a conhecer cons- cientemente o seu contetido inconsciente (0 desejo de matar um dos genitores e se casar com 0 outro). Faco a seguir um breve resumo do mito, re- tratado nas pecas de Sofocles. Laio, pai de Edipo, yy iy For, O Destuo ne bnesra © 5 Sua Sousa é advertido por um oraculo de que o seu filho o matara e se casara com a sua esposa. No filme Edipo Rei (1960), dirigido por Pier Paolo Pasolini, vé-se um pai jovem com citmes do filho, Edipo. O bebé ganha a atencao da mae, cujo seio ser ve para amamenta-lo, e portanto o pai nao pode dar-Ihe um uso sexual. Existam ou nao citmes da crianca, Laio acredita no ordculo - o bebé tem os tornozelos perfurados com um broche e é abandonado na encosta de uma montanha de- serta. Todavia, Edipo (cujo nome significa “pés inchados”) é satvo e cresce pensando ser filho de um rei dos arredores. Ele entao ouve a profecia e se afasta das pessoas que ele acredita serem seus pais a fim de poupa-los da anunciada violéncia contra o pai e a sedugdo da mae. Em suas via- gens, Edipo chega a uma encruzilhada em que ele tem de saltar para fora da estrada para nao set morto por um coche em velocidade. Tomado de raiva, ele mata o homem que esta no coche, ny oO Enos que na verdade € o seu pai natural. Edipo vai a Tebas (sua cidade natal, embora ele nao saiba), onde depara com a Esfinge, que o desafia com a seguinte adivinhacdo: O que é que tem uma voz e ainda assim anda sobre quatro pés e sobre dois pés e sobre trés pés?” A resposta da adivinhacdo é o homem, que durante a vida primeiro engatinha, depois anda e termina caminhando com uma ben- gala. Edipo acerta a resposta. Sendo assim, a Esfinge se mata. Creonte, entao rei de Tebas, havia oferecido o reino e a mao de Jocasta, vitiva de Laio, aquele que acertasse a adivinhacao. Edipo, parece que involuntariamente, casa-se com a sua mae e tem filhos com ela. Depois descobre que ele assas- sinara 0 rei anterior, o qual, além do mais, era seu pai biolégico. Matara o pai e se casara coma 24 Eneo: © Destuo o& INoeSTO FA Sua Sorucan mae, como 9 oraculo previra. Jocasta suicida-se quando descobre a verdade; Edipo vaza os pro- prios olhos. A deturpacao das relacées entre pais e filhos repete-se quando ele nao tem condi¢ées de cuidar dos seus filhos. Lanca sobre um deles uma “maldicao da discérdia”, que ele diz ser uma continuacdo da maldicao de Laio. Freud achou que a peca retratava uma dina- mica que € o desejo de toda crianga, o de se casar com um genitor e assassinar o outro. Deu como exemplo o sonho da baba da sua familia de que a mulher dele (sua patroa) morrera e ela se casara com ele. Por meio de auto-andlise, Freud desco- briu o mesmo padrao em si mesmo.'! Deu énfase ao desejo da crianca de se casar com 0 seu genitor do sexo oposto, mas tanto ele como os psicanalis- tas desde entéo entenderam que a crianga viven- cia uma versao heterossexual ¢ homossexual do mesmo desejo, com o genitor do sexo oposto e 0 genitor do mesmo sexo, respectivamente. A menina que perguntou se sexo era fazer xixi um no outro parece querer que as duas versdes sejam possiveis. Queria ser como o pai e fazer xixi na mae, e em outros momentos tinha muita vontade de “casar” com o pai. O que levaria a crianca a abandonar essas fan- tasias incestuosas? Freud achava que os meninos pequenos temiam que © genitor excluido os cas- trasse por vinganca. A histéria que ele apresen- ta a respeito da menina pequena é menos clara. Melanie Klein pensava que o medo equivalente da menina fosse que a mae revidasse do mesmo modo as suas agress6es fantasiadas. A violéncia da castracao ou da retaliagao termi- das espelha a violéncia do mito de Edipo, em que a falta de amor salta aos olhos. Os pais abando- nam o fitho a morte. Nao ha como reparar atos violentos nem “erros”. Em vez disso, as pessoas cometem homicidio ou se cegam. Embora adul- to, Edipo é incapaz de amar o filho. ee Eno: © Deseo ne incest F 4 Gua SoLyan Alguns trabalhos recentes na psicanalise, porém, tém analisado mais a fundo a fungao do amor na situacao edipiana e particularmen- te a do amor por aquele que é “preterido” — 0 amor pelo genitor que a crianca deseja excluir a fim de ter uma relagao apaixonada com o outro genitor. O amor pelo preterido pode se tornar também um amor solidario da crianga por si mesma, excluida da relacao com os pais. Freud (e mais ainda Klein, depois dele) afirma que essa forma de amor existe nas criancas que renunciam aos desejos imcestuosos Ou os reprimem. E claro que os pais ajudam ou atrapalham nessa situacao. Em particular, a intrusao se- xual de um dos pais pode inibir e perturbar o desenvolvimento sexual e geral do filho, Pode também acontecer de os pais nao mora- rem juntos e um deles nao estar a disposicdo da crianca. Isso sem duvida afetaria a crian¢a, ne Esas mas OS processos internos também s&o inten- sos € a crianca pode ter nocao do que é um casal de pais mesmo que a realidade externa seja diferente. Se a criancga consegue deixar os pais em paz — ha pratica e na mente dela -, 0 relacionamen- to deles torna-se um modelo que permite que a “copula” ocorra. A crianga pode, por exemplo, se permitir ligar as idéias em sua mente, em vez de controlar rigidamente o que pensa, Ser excluida da relacdo “excitante” e “mis- teriosa” dos pais e sentir-se pequena e ino- cente, como deve se sentir uma crianca, sdo experiéncias dificeis. Algumas pessoas tem o grande anseio de nao sentir a diferenca de geracoes e mantém a ilusdo de que realmen- te sdo 0 parceiro erdtico do genitor. O preco disso, contudo, é perder a oportunidade de uma copula fisica e psiquica real com 0 novo parceiro. Foi esse o caso de Anna O. 28 ANNA O: A NEGACAO DA “DIFERENCA VITAL”? O nome verdadeiro de Anna O era Bertha Pappenheim. Amiga da mulher de Freud, ela fez um tratamento com Joseph Breuer, primeiro mentor e colega de Freud. O psicanalista britanico Ronald Britton argu- menta que Anna O nao conseguia largar a ilusao de que o seu pai era seu parceiro e reproduziu essa relagdo com Breuer. Britton revela que Freud ouviu duas versdées da historia do tratamento de Anna O com Breuer. Uma era a oficial; a outra the foi contada numa noite de verao em que os dois jantaram juntos. Quando iniciou o tratamento com Breuer, Anna O tinha 21 anos. Pelas aparéncias, ela era muito atraente, mas, segundo Breuer, nunca ti- vera uma relacdéo amorosa nem pensamentos se- xuais. Durante o periodo em que cuidou do seu pai moribundo, Anna ficou cada vez mais fraca Eros e desenvolveu anorexia. Foi acometida de tos- se grave, estrabismo, diversas paralisias e perda da fala normal. Ao mesmo tempo, instalaram-se dois estados distintos de consciéncia. Em um, ela ficava melancolica e angustiada mas relati- vamente normal. No outro, tinha alucinacées e mau comportamento. Breuer deu toda a atenc4o aos sintomas e esta- dos mentais dela. Tornou-se a unica pessoa que ela reconhecia e também a tmica que conseguia lhe dar de comer. Quando Breuer estava presente, Anna ficava euf6rica; quando nao estava, ela pio- rava muito. Britton observa que Breuer parecia n&o relacionar os estados mentais de Anna como apego dela a ele. Britton retoma a historia com base em novas informacées fornecidas mais recentemente pelo historiador da psicanalise Henri Ellenberger!? Aparentemente, a mulher de Breuer ficara zan- gada e impaciente com o envolyimento do mari- 30 do com Anna O. Britton conclui que Anna O foi hospitalizada por alguns dias, a partir de 7 de ju- nho de 1881, por causa da insisténcia da senho- ra Breuer de que o marido passasse mais tempo consigo. Os Breuers tiraram férias de poucos dias e nesse més a filha dleles foi concebida. Exatamente um ano depois, o tratamento de Anna O chegou ao fim quando ela vivenciou duas situagdes extraordindrias — a primeira relatada na historia oficial, mas a segunda nao. A primeira si- tuacao foi de uma alucinacao que Anna O sofreu enquanto cuidava do pai. Ela e Breuer pareciam acreditar que esse fosse o segredo da sua doenca, agora expiada por té-la revivido e curada. A se- gunda situagao aconteceu pouco tempo depois: Quando se separou de Anna O pela ultima vez, Breuer foi chamado de volta ¢ a encontrou confusa e contorcendo-se de célicas abdominais. Quando lhe perguntaram qual era o problema, ela respondeu: Eros “Ai vem o filho do dr. Breuer”. Freud comentou que “naquele momento Breuer tinha a chave na mao, mas ignorou-a”. Com o pavor esperado, ele caiu fora e deixou a paciente com um colega.'* Britton sustenta que Anna O tinha a con- vicgdo (inconsciente) de que estava no quarto do pai nao como filha ou atendente, mas como sua parceira. E uma uniao mortal, uma vez que ela passa fome a ponto de morrer com ele, mas ainda assim é uma uniao. Anna O repetiu a conviccéo com o seu novo médico. Em vez de ser paciente de Breuer, ela é sua parceira — e ainda por cima uma parceira excitante e inte- ressante. Na fantasia, ela tem o filho. Parece que Breuer nao se permitiu ver isso ~ talvez se tenha sentido responsavel pelos sentimentos dela por ele; sem ditvida, nao soube o que fa- zer. Freud, por outro lado, mostrou-se curioso com 0 que acontecera. 32 UMA OBSERVACAO FINAL SOBRE SEXUALIDADE O conceito freudiano de Eros como uma ‘liga- cao” para formar unidades mais complexas cen- tra-se nos elementos diversos que se aglutinarm no desenvolvimento da sexualidade, Trata-se de um modelo de sexualidade complexo, ajustavei ao desenvolvimento sexual diferente dos indivi- duos. Além disso, a énfase de Freud na genitali- dade, ao mesmo tempo que pode conter elemen- tos de julgamento moral, baseia-se firmemente na sua conclusao de que ha um elo entre relacac sexual e vida nova. Isso se torna evidente na pro- criacao humana, mas a importancia da relacao sexual como modelo vai bem mais longe. Mesmo com releréncia a sexualidade, a copu- la pode nao ser literal e comportar uma intimi- dade real entre duas pessoas. Do ponto de vista de Eros, nao existiria copula, mesmo ocorrendo penetracao, nas situagdes em que o corpo de Esos, outra pessoa € usado apenas para o sexo (uma forma de masturbacao) ou em que um controle rigido, sadico ou depreciativo seja exercido so- bre essa pessoa e a sua individualidade e dife- renca sejam negadas. Isso nao quer dizer, claro, que a sexualidade nao contenha agressividade. A distingéo € entre a agressao como integrante da copula e a agressdo usada para evitar ou des- truir uma copula real. EROS NAS EMOCOES: O QUE E O AMOR? Em relacdo a sexualidade, ao amor e ao pensa- mento, existe uma diferenga entre ver o proprio relacionamento com outra pessoa como se dese- jaria que fosse e descobrir 0 que o relacionamento realmente 6. No “amor”, a diferenca é, em sentido amplo, entre o amor idealizado e um amor mais complexo e generoso. O amor sempre se inicia pela idealizacao e tende para uma imagem parcial e almejada tanto do outro como de si mesmo. 34 Eaos nes Eyropses: O Que Eo Auon? Talvez exista pouca consciéncia da diferenca ou da idealizacao dela. Como nas pressuposi¢des em pensamento (que abordarei mais adiante), o amor idealizado tem a fama de ignorar aquilo que o contradiz. Ao mesmo tempo, a idealizacaéo —a menos que seja preciso agar- rar-se a ela com rigidez — pode “dissipar-se” quando a pessoa passa a saber mais da outra. O amor tem entéo condicées de tornar-se mais complexo e ge- neroso — complexo por envolver o reconhecimento de mais aspectos da personalidade do outro, inclu- sive os incOmodos e desagradaveis; generoso por implicar tanto o reconhecimento da outra pessoa como ela é quanto a considetacao por ela. Amor idealizado Meu rosto no teu olho, 0 teu no meu aparece, E coracées bem sinceros nas faces repousam, onde acharemos dois hemisférios melhores Sem o norte pungente, sem o oeste cadente? Eros Tudo que morre ndo se misturou por igual Se nossos dois amores forem um, ou tue cu amarmos tanto que nenhum esmoreca, nenhum morrera. John Donne, “O Bom Amanha”) Freud achava que a idealizacao da pessoa amacla fizesse parte da natureza essencial da pai- x40. Os individuos, supde ele, nao seriam tolos a ponto de se apaixonar se tivessem os olhos bem abertos as forgas e as fraquezas da pessoa amada. O amor € uma loucura cotidiana — questao reco- nhecida pelo dramaturgo William Congreve, do século XVII, ao escrever: Se ndo for amor, entdo é loucura, e entao é perdod- vel.'6 (William Congreve, O Velho Solteiro) 30 livre desse soneto do poeta metafisico ingles John Dente (1572-1631). Veja na nota 15 0 irecho original. (N. do T.) 36 Ean NAS ches: O Que Eo Avon? Afora a idealizacao do amado, Freud achava que as pessoas viam no parceiro uma imagem idea- lizada de si mesmas. Quando uma pessoa conta a outra a sua “historia”, trata-se de um relato que contém o modo como ela deseja ser vista, além (talvez) do desejo real de que a outra a conhega. Associado a melhor situacdo em que se pode estar, o amor idealizado € uma condicao insta- vel, pois o pior (“o norte pungente” e “o oeste cadente” da pessoa) fica fora da imagem, mas na verdade nao desaparece. Quando ha uma idealizacao, as criticas, as duvi- das eas hostilidacles sao deixadas de lado e em ge- ral se acha que sejam prdéprias de outra pessoa. Por exemplo, um paciente meu disse que tudo estava bem entre ele € a mulher, e o problema era so que o filho deles era incémodo e perturbava muito, O fato de a destrutividade e a raiva serem dissimula- das e, nesse caso, atribuidas a crianca pode provocar sensacdes e€ crencas parandicas de que algo vira de Eros fora do relacionamento para estraga-lo e destrui-lo, como esse paciente achava que o seu filho fazia. A idealizacao faz parte do estado mental que Melanie Klein denominou de posicao esquizopa- randide!’. Ela achava que fosse o primeiro estagio mental da crianca e que ele ressurgisse ao longo da vida, sobretudo quando se esta perante uma situacao nova. Nesse estado mental, afirma Klein, o amore o odio ficam afastados. O distanciamen- to entre amor e édio da certa ordem a balburdia de sentimentos do bebé e poupa o que é bom, permitindo que ele cres¢a. Um exemplo dessa cisao entre amor e dio é dado por Meg Harris Williams e Donald Melt- zer'®, que sugerem que a crianca atribua senti- mentos antagonicos a lugares diferentes do corpo da mae. Os sentimentos de amor podem se loca- lizar na pele da mae — que se pode tocar, acariciar e achar linda. Os sentimentos de édio podem se localizar no interior do corpo dela, que passa a 38 Eas mas Bic Que € 0 Aur? ser um lugar feio, violento e perigoso. Talvez Ted Hughes estivesse pensando nesses sentimentos quando escreveu o seguinte: [...] Nao sao cachorros Pareciam ser cachorros Atacando-a. Lembra-se do perdigueiro magro Subindo a rua, levando pendurados A traquéia e os pulmées descarnados De uma raposa? Agora veja quem Vai ficar de quatro no fim da rua E vir saltitante para a sua mae, Arrastando-lhe os restos nos labios [...]*"° (Ted Hughes, “Os Cachorros Estéo Comendo a Sua Mae”) A pessoa que tenha medo de nao conseguir lidar com os seus sentimentos hostis ou repa- + “Tradugao livre do poema de Ted Hughes. Veja o original na nota 19 (Nido T.) Frcs rar os erros cometidos talvez nao consiga ter liberdade para saber da existéncia desses sen- timentos hostis ou destrutivos. Se, no entanto, acreditar que o bem prevalecera, ela tera mais condicgdes de enfrentar a destrutividade que também pode existir. AMOR COMPLEXO E GENEROSO Um dos ensaios de Melanie Klein escritos em 1920 comeca com uma descricéo da opera A Criancga e os Sortilégios.°° Um menino de 6 anos esta sentado diante dla licao de casa. Ele nao quer fazé-la e € maleriado com a mae, que lhe diz que, de castigo, ele passara a pao seco e cha sem acu- car, Mais frustrado ainda, o menino tem um aces- so de raiva e quebra as coisas que estao na sala. Numa gaiola, ha um esquilo que ele tenta ferir com a caneta. O esquilo foge pela janela. O me- nino abre o relogio de parede do avo e arranca 0 péndulo de cobre. Entao, o objeto que ele maltra- 40 cae Genenuse lou ganha vida e 0 ataca. A cacleira nao o cleixa se sentar, o fogao cospe fagulhas nele. O pastor do papel de parece toca uma cancao triste quando a crianga rasga o papel e o separa da sua amada. A crianca tem um ataque e foge para fora de casa. La ela depara com mais terror. Os insetos brigam e um tronco de arvore sangra em for- ma cle seiva. Numa disputa para saber quem vai atacar primeiro a crianca, um esquilo é ferido e despenca no chao. Dessa vez, em vez dle lutar ou fugir, a crianca para e enfaixa a pata do esqui- lo. Ao fazé-lo, ele sussurra “mamae”. Todos os animais param de brigar e também dizem baixi- nho: “mamae”. Quando Klein leu uma resenha da opera, ela nao viu uma explosao de frustragdo e raiva do me- nino. Pergunta ela: 0 que a crianca esta alacando? Conclui que 0 ataque € aos pais no relacionamen- to entre si: © pastor e a pastora sao separados: a gaiola do esquilo é atacada; o péndulo, arrancado ay Esos: do relogio. Nao deve haver nada dentro de nada —nenhum pénis dentro do corpo da mae. Klein argumenta que a vinganca dos objetos quebrados retrata a angustia de que os ataques voltarao ampliados e de um modo apavorante contra quem os executou. Isso pode provocar mais violéncia ou a fuga do local, mas a crian- ca nao faz nenhum dos dois. O que the permite romper © circulo vicioso e cuidar do esquilo? A crianga parece ter encontrado em si a capacidade de ter consideracao pelos outros e a conviccao de que pode consertar as coisas. A crianca “apren- deu a amar e acredita no amor””. Sua consideracéo para com o esquilo € o amor complexo e generoso préprio do que Klein deno- mina posicao depressiva’’. Ela chama de “posi¢do” o modo como toda a personalidade de uma pessoa — inclusive suas angustias e defesas contra elas - é orientada em determinado momento. Klein era de opiniao que a posicdo depressiva derivava da posicao 42 esquizoparandide, quando as criancas conseguem perceber que a mae que elas amam e idealizam é a mesma pessoa que a mae que elas odeiam e temem. A preocupacao cla crianca é entao que a pessoa ama- da tenha sido ferida, talvez permanentemente, pelas suas agressdes — a angustia de que as entranhas da mae tenham mesmo ficado para os caes. Na posicaéo esquizoparanoide, mais antiga, a principal angustia é pela sobrevivéncia do eu. A destrutividade volta-se para fora a fim de proteger o eu. Na posicao depressiva, a principal preocu- pacao € com o outro — a preocupacao da crianca com o esquilo machucado. A primeira vista, pa- rece que a depressao nao tem grande relagao com o amor. Klein, no entanto, achava que 0 amor tem de levar em conta a destrutividade. A capacidade de tolerar a culpa, sem ficar muito parandico nem tomado por ela, € 0 principio da consideracao, sem a qual a idéia de amor duradouro nao tem sentido. Hanna Segal*®, por exemplo, afirma que 43 Eros apos uma guerra so pode haver uma paz dura- doura se 0 vencedor e também o derrotado leva- rem a sério a quantidade de danos provocados e sentirem culpa pelo desperdicio de vidas e recur- sos. Do contrario, um inimigo sera substituido por outro, num ciclo sem fim. A crianga, se esta amedrontada com a possi- bilidade de um dano irreparavel a ponto de nado poder nem pensar nele, perde a oportunidade de comparar o seu medio do dano com o estado real da mae ou de descobrir a sua capacidade de repa- racao. Em vez disso, pode-se verificar uma nega- co e uma idealizacdo rigidas de que tudo precisa estar bem ou, por exemplo, uma reparagao “ma- niaca”, em que a pessoa sai cegamente fazendo o bem sem saber qual € 0 dano temido. EROS COMO (RE)PARACAO Nessa concep¢ao de Eros, o interesse € a aten- cdo de Freud estéo na confluéncia de varios ele- 44 Uta Once aL SOBRE O Amor mentos; os de Klein estao na restituicéo do que foi danificado (reparacao). Uma forma importante de reparacao € a reconstituicao da imagem do que aconteceu. Mesmo que o dano {a mae ou ao pai, representados pelo esquilo citado antes) tenha sido feito na fantasia, ele é real psiquicamente, embo- ra nado necessariamente no mundo material. Com medos desse tipo, nao adianta dizer que elas nao sao reais. Isso pode até dar um alivio temporario, mas o medo persiste. Para a pessoa envolvida, o desejo de destruicao precisa, paradoxalmente, ser aceito no que tem de mais horrendo (como se a mae fosse na realidade destruida) antes que a re- paracao faca sentido. A reparacéo pode também ocorrer por meio do reconhecimento de que na realidade externa o dano nao pode ser desfeito. UMA OBSERVACAO FINAL SOBRE O AMOR O amor pode ser simples. Da perspectiva psi- canalitica, essa simplicidade resulta de um inter- Eros. cambio complexo que vai bem. Em contrapar- tida, o amor idealista (ou o ddio aviltante) por outra pessoa, se for rigido, pode implicar um re- lacionamento simplista e repetitivo. Vé-se algo parecido em relacdo a Eros na men- te, onde a capacidade de apreender a complexi- dade de uma situacéo pode resultar numa idéia final simples, ao passo que o uso de pressuposi- c6es rigidas e simplistas talvez leve a repeticao de pontos de vista sem que haja uma abertura para a descoberta de uma novidade. EROS NA MENTE: O QUE E IMAGINACAO? O trabalho de imaginacdo € uma copula entre a vida interior do individuo e o mundo que o cerca. Pode-se definir imaginacgao como a atividade em que a pessoa pensa no que quiser e na qual existe uma liberdade ilimitada mas, ao mesmo tempo, inconsequente, por nao estar ligada a rea- 46 Eros ma Mente: O Que € daucmacao? lidade e, portanto, nao produzir nenhuma dife- ren¢a real. Outra definigaéo, que também adoto, é que a imaginacéo esta ligada tanto ao mundo interno da pessoa quanto a realidade externa. Do ponto de vista da psicanalise, a capacidade de ser imaginativo esta relacionada com a capacidade de se deixar influenciar. Isso implica uma pre- disposicéo para estar em contato com a propria realidade psiquica e ser influenciado por meio de um intercambio com o mundo ao redor, com a realidade externa. Em geral ndo se consegue es- colher o que exercera influéncia nem avaliar o re- sultado de antemao. A imaginacao criadora tem uma ligacao mais evidente com o trabalho artistico, mas é também fundamental para fazer hipoteses logicas como “se X acontecer, Y acontecera”. Hanna Segal’ ilustra essa questao com exemplos da ficcao cien- tifica e compara 0 traco cle “como se” fosse real da “novela espacial” (um mundo escapista de herois 47 EROS e heroinas, como os devaneios) com historias de ficcdo cientifica que imaginam o que aconteceria se um parametro vigente fosse alterado, como “e se” a gravidade nao existisse. A seguir vou analisar dois momentos na vida das pessoas que parecem ter importancia espe- cial no desenvolvimento da capacidade de ser imaginativo. Um ocorre bem no comego da vida. O segundo € 0 que se chamou de “crise da meia-idade”. E provavel que o individuo, no fundo da mente, nunca desista de ser onitpotente. Em algum lugar da mente, ele nunca deixa de acreditar que sabe tudo ou é€ capaz de saber tudo, que € o melhor e vivera para sempre. Em contrapartida, a imaginacao talvez seja mais liberada nos momentos em que ele se conscientiza do que nao sabe ou do que nao tem. F isso que ocorre nos meus dois exem- plos. Primeiro, o bebé... 48 AS ORIGENS DA IMAGINACAO A imaginacdo € necessdria do nosso pensamento so- bre as coisas quando elas nao estéio presentes e a nos- sa reflexdo sobre elas quando estéo presentes.”* (Mary Warnock, filosofa) O bebé comeca a ter fome e se torna irre- quieto, Faz entao movimentos de succdo com a boca e parece ficar satisfeito. Depois de alguns minutos, passa a grilar. O que aconteceu nos poucos minutos de satisfacao? O bebé talvez tenha tido uma alucinacdo com o seio. Acredi- tou que era alimentado, até que a dor da tome cortou a alucinacao. Aalucinacao € predecessora dos cdlevaneios. Em ambos, as pessoas tentam dar a si mesmas o que querem e especialmente tentam se recompensar e se acalmar. Quando isso acaba, 0 que acontece? O bebé talvez nao perceba que esta tendo uma 49 E alucinacao. A dor da fome pode ser sentida como uma alucinacdo “ruim’”, de estar sendo atacado por uma entidade cruel. Na alucinacao, 0 bebé fabrica o seu mundo. A medida que tem mais contato com a realidade, esse mundo e a realidade se juntam. E na ima- ginacdo que a capacidade de fabricar um mun- do proprio se encontra com a realidade. Como declara o psicanalista Wilfred Bion, ¢ especial- mente a descoberta da auséncia que da origem ao primeiro pensamento inyentivo — 0 bebé que consegue resistir e sabe da realidade da auséncia da mae pode também imagina-la quando ela esta ausente.?° IMAGINACAO CRIADORA E CRISE DA MEIA-IDADE Aquele que, vez ou oulra, ndo aceitar plenamen- te [...] 0 horvor que ¢ a vida nunca se apossara da tasnineicaes Canora & CRS bs Mia-loabe abundancia e do poder indescritiveis da nossa exis- téncia; sé poderd caminhar no seu limiar, e certo dia, quando for dada a sentenca, ndo tera sido nem vivo nem morto.?’ (Rainer Maria Rilke) Em seu ensaio “Death and the Mid-Life Crisis” [Morte e a Crise da Meia-Idade], Elliott Jaques diz que uma fase critica do desenvolvimento in- dividual ocorre perto dos 35 anos. Ele tomou uma amostra aleatoria de cerca de 310 pintores, compositores, poetas, escritores e escultores cé- lebres. Descobriu que, em comparacao com o restante da populacdo, a maioria deles morreu por volta dos 35 anos. Jaques faz uma correlacao com a “crise da meia-idade”, inferindo que al- gumas dessas pessoas criativas nado conseguiram vencé-la. Talvez com intensidade menor, é uma crise que se abate sobre qualquer um que se veja diante da limitagao do que realizou até entao e 5 Eres do fim da vida agora palpavel. Se a pessoa che- gar a meia-idade sem ter sido capaz de enfrentar sentimentos dificeis (entre eles, os destrutivos), tera recursos limitados para enfrentar a crise da meia-idade. Jaques afirma que isso pode levar a dar mais importancia a aparéncia e a insisténcia de que vai tudo bem e nada esta mudando: Em muitos homens e mulheres que estdo chegando & meia-idade, as tentativas compulsivas de permanecer jovens, a preocupacdo hipocondriaca com a satide, 0 aumento da promiscuidade sexual a fim de compro- varem sua juventude e poténcia, a falsidade e a falta de prazer genutno na vida e a freqiéncia do interesse religioso sao padroes conhecidos.** Se, no entanto, a pessoa conseguir acalentar pensamentos sobre os limites da vida, eles po- derao dar mais profundidade a propria vida e ao respeito pela vida dos outros. 52 Iaarnacan Crmporia + Ganse 0 tvleaeinane Jaques afirma que, quando a arte dos jovens contém ddio, destruicao e morte, ela tende a to- mar a forma do satanico e do macabro, ao passo que, nos artistas que conseguiram resistir a crise, os elementos de 6dio, destruicao e morte tem um carater mais tragico e integrado a obra. Se, por outro lado, © artista nao for capaz de superar a crise, observa-se um empobrecimento da inven- tividade e sua substituicao por algo mais contido e repetitivo. Wordsworth” passou por uma mudancga na meia-idade, politicamente e na poesia: deixou de ser revolucionario e inovador e tornou-se o Poeta Laureado célebre e conformista. Ronald Britton nota que Wordsworth tinha uma capaci- dade invulgar na juventude para enfocar na sua obra a perda.” Na meia-idade, 0 poeta adotou um modo de vida mais convencional. Nesse mo- * © poeta britanico William Wordsworth (1770-1850) foi o inuodutor do Movimento Roméantico Inglés junta com o escritor Samuel Taylor Colerid- ge (N. do T) 53 EROS mento, sustenta Britton, ele parece ter perdido a capacidade de vivenciar os periodos de revolta e incerteza, imprescindivel para possibilitar uma reflexdo nova. O sentimento de perda e de nova percep¢ao foi substituido por resolucao, cren¢as coerentes e firmeza moral. Desse ponto de vista, Wordsworth continuou preduzindo um bom tra- balho na segunda metade da sua longa vida, mas asua melhor obra foi escrita na juventude. Em comparac¢ao com Wordsworth, costuma-se dizer que a obra do pintor britanico contempo- raneo Howard Hodgkin ganhou vida quando ele entrou na casa dos 40. Nesse perfodo, Hodgkin rompeu o casamento de 20 anos e admitiu ser homossexual. Andrew Graham-Dixon comenta: Se muitas das pinturas da primeira parte da sua carreira parecem denunciar o desejo de estar em outro lugar, as pinturas da sua carreira posterior tém esse desejo satisfeito. Elas se tornam mundos Iannis Casacea + Case cs M a2 novos e vivos, ndo mais rabiscadas com ironia nem tdo propensas a sdtira. Elas sao mais nuas: as cores sdo purds ¢ a camada de tinta com que elas se mos- tram ao mundo torna-se cada vez mais vulnerdvel, fluida e membranosa. Elas transmitem mais (mais prazeres e aflicdes) e o fazem com mais preméncia e cloqtiéncia. © Em artigo recente, Hodgkin comunica que a mudanca ocorrida na meia-idade continua até hoje. Ele comenta que, embora ache o trabalho mais dificil, “os resultados chegam cada vez mais perto” do que ele quer’!. Hodgkin completou 70 anos em agosto de 2002. Fantasia e imaginacdo Ele a amou e ela 0 amou Os beijos dele sugaram-lhe o passado ¢ 0 futuro intei- ros ou tentaram Ele ndo tinha outro desejo Enos Fla ¢ mordeu o mordiscou 0 chupou Ela o queria todo dentro dela Seguro e Convicto para todo o sempre [...] Os sorrisos dele eram as mansardas de um paldcio de fadas Onde o mundo real nunca entraria Os sorrisos dela eram mordidas de aranha E ele entdio se deitava estatico até que ela sentisse fome As palavras dele eram exércitos de ocupacdo As risadas dela eram as investidas de um assassino Os olhares dele eram balas adagas de vinganca Os relances dela eram fantasmas no canto com se- gredos terriveis Os sussurros dele eram acoites e botas de cano longo Os beijos dela eram advogados escrevendo com fur- meza [...] As juras dela puseram os olhos dele em formol No fundo da sua gaveta secreta 56 Crest 04 Meiclnaice Os gritos deles crivaram-se na parede A cabeca de cada um deles se separou no sono como as duas metades De um meldo partido, mas é dificil deter o amor No seu sono entrelacado eles trocaram bracos e pernas Nos seus sonhos o cérebro de cada um fez o outro refém De manhé cada qual usava o rosto do outro** (Ted Hughes, “Cancao de Amor”) O admiravel poema de Hughes € resultado da imaginacao criadora — imaginacdo criadora que recorre consideravelmente a fantasia. O poema retrata um intercambio intenso que beira o sadi- co, no qual a diferencga entre as duas pessoas néo Thes volta na mesma forma de manha. Ao lé-lo, ivre. Veja esse fragmento do poemia original na nota 32. (N Eros ltem-se a impressao de que € uma descri¢ao ver- dadeira de um relacionamento. E a imaginacao que compée um retrato fidedigno do relaciona- mento — se 0 relacionamento € ou nao verdadeiro é€ outra questao. Com “retrato fidedigno” quero dizer mais do que precisao. De uma perspectiva psicanalitica, ele também conta com outros fato- res — como a profundidade psicologica e a resso- nancia do que se descreve. A fantasia é bem diferente. Exemplifiquei a imaginacao criadora com o poema de Hughes na forma de poema — uma composic&o em verso. Mas a fantasia, em contrapartida, esta no poema e, por exemplo, no sonho da moga. O que, entao, é fantasia? A psicanalista Elizabeth Bott Spillius diz o se- guinte sobre fantasia: A palavra apresenta implicacdes contrastantes [...]. Tem a conotacao da imaginacao e da criatividade que 58 h 9 Canova & Case Da Mixsdoape estdo por tras de todo pensamento e sentimento, mas também tem a conotagdo do faz-de-conta, de um de- vaneio, do que ndo é verdade segundo os pardmetros da realidade material. Um exemplo da primeira conotacaéo da pa- lavra “fantasia” (algo que esta por tras de todo pensamento e sentimento) é a questao levantada anteriormente de que o contato com as fantasias infantis pode aprofundar o envolvimento num relacionamento adulto e dar alguma realizagao (embora de forma inconsciente e nao plena) de desejos primordiais. Os amantes de Hughes, por exemplo, sabem dos desejos infantis de posse so- bre 0 outro. A segunda conotacao de fantasia ~ essencial- mente em devaneios e relacées idealizadas — tem mais relacao com nos vermos como gostariamos de ser. No mundo dos devaneios e dos relacio- namentos idealizados, ignoram-se os tracos ou 59 Gros os conflitos indesejaveis. Essa fantasia do faz-de- conta costuma ser passageira, a menos que se tor- ne um paldcio de fadas — como diz Hughes — onde o mundo real nunca entraria e que vicie demais. Embora exista atividade no campo da fanta- sia — como a moca que lida com os sentimentos conflitantes no sonho —, nao € o mesmo tipo de atividade da imaginacdo criadora. O pensamento inventivo é, mais do que fantasia, uma atividade constante. Ainda que o pensamento inventivo se origine na fantasia, é nele que a capacidade de fabricar ou representar 0 mundo se encontra com a realidade. A imaginacdo criadora é uma copula entre os mundos interno e externo do individuo. A COPULA NA MENTE E AS DEFESAS CONTRA ELA Muitos psicanalistas, inclusive Sigmund Freud e Melanie Klein, postulam que as pessoas nascem ACoRWIA Ha MENIE & A s Gonina Bia. com o que Bion chama de “pré-concepgoes””’. Pré-concepcao € um modelo que permite ao in- dividuo reconhecer certas relagdes quando topa com elas na vida. O bebé, por exemplo, nasce com a expectativa do seio. Também se acha que as pessoas nascem com um modelo de copula, ou seja, com uma espécie de pré-conhecimento da copula dos pais ~ a cena primal. E intrinse- co a esse modelo o padrao de correlacionar duas coisas diferentes, e Bion, por exemplo, imaginava que um modelo de cdpula viesse 4 tona toda vez que juntamos coisas — nos Corpos, nos sentimen- tos e nas idéias. Desse ponto de vista, a copula como modelo persiste por toda a vida, desde o nascimento, e nao se restringe a maturidade. Se uma pessoa acha inconscientemente que deixar duas coisas se juntarem é um desastre, uma boa quantidade de energia pode ser desviada para garantir com rigor que nenhum pensamento inte- raja espontaneamente com outro. Exemplo disso é 61 Eros um paciente que, depois de algum tempo de ana- lise, me disse que ele so dava atencao as coisas que ele achava que eu ndo me clava conta de ter dito. Qualquer coisa que ele pensasse que eu queria dis- cutir ou mostrasse ter o minimo prazer ou interes- se, ele ignorava. Ele nao me dizia qual dos meus raciocinios tinha ouvido e a qual responderia, nem desenvolvia nada do que eu dizia. Ele e eu nunca interagiamos com espontaneidade. A visdo dele da copula era de um campo de batalha em que sé um de nos venceria. Ele nao baixava a guarda com medo de que eu o dominasse. As relacées deturpadas também séo uma ma- neira de evitar a copula e a diferenca (separacao). Um exemplo disso aparece na obra da psicanalis- ta Betty Joseph, que notou que o seu paciente [...] estava fazendo algo com os dedos |...]. Ele en- costa a ponta dos dedos de uma mdo na ponta dos da outra com muita suavidade e quase sem parar [...]. A Gopuia 4 Mink t as Diatkees Qantas Bia Essa atividade masturbatoria parece ter um traco em comum com a ruminacdo mental, com ficar reme- xendo as coisas na cabeca dele.*° O paciente talvez nao tenha percebido nada de sexual nos movimentos dos dedos. Na explo- racdo analitica disso, porém, ele e Betty Joseph descobriram que o tocar dos dedos era uma acao que reproduzia algo de todas as relagées dele. A imagem que eles descobriram com o tempo foi que ele podia “tocar” uma relagao, mas nao con- suma-la. No consciente, ele sabia que era apar- tado da sua mulher e da analista, mas nao tinha consciéncia de que essa separacao expressava um medo de proximidade. No toque de pele com pele, Betty ¢ o paciente dela viram um quadro em que nao havia separacao real da outra pessoa —e também nenhuma copula real. Pode parecer estranho extrair um sentido se- xual de uma acao inocua, aparentemente trivial 63 Eros —o tocar dos dedos. No entanto, conhecemos gestos de mao que tém um sentido sexual. Sabe- mos dos comuns, trocados socialmente, como o de “mostrar o dedo” médio. O exemplo de Betty Joseph é de uma acao mais sutil e particular. PRESSUPOSICAO SIMPLISTA OU SIMPLICIDADE INVENTIVA Freud achava que a “pulsao de vida’, ou Eros, unisse elementos diferentes para produzir formas cada vez mais complexas. FE interessante pensar na imaginacao nesse contexto porque a sua re- lacgéo com a complexidade é quase sempre de ponto de partida e nao necessariamente de um produto final complexo. Nao posso falar da vi- véncia de um artista, mas sem duvida, no mun- do da psicanalise, os clinicos e tedricos mais im- pressionantes s&o os que conseguem assimilar a complexidade de um paciente ou um problema e entao, em decorréncia disso, apresentar 0 que 64 Ss & OAL SIVPLIDADE INVENDA Prissura pode ser uma questao simples. A questao simples é o resultado da capacidade de considerar uma situacdo complicada sem “se ater a convicgées”. Bion, que escreveu a esse respeito, ficou mui- to interessado por uma carta que o poeta inglés John Keats escreveu ao irmao em 1817. Na carta, Keats fala da sua admiracao por escritores, espe- cialmente Shakespeare, em termos de “capacida- de negativa”. Ele se referia 4 capacidade de reter o que é desconhecido até que surja um novo en- tendimento, em vez de logo concluir que a nova situacao é familiar.°¢ Por outro lado, uma pressuposicdo € um pon- to de partida simplista que entdo é aplicado as informacoes. Preciso fazer aqui uma distingao entre pressuposicéo e “pré-concepcao”. Alguns dos contemporaneos de Freud e muitos outros depois deles apresentaram, por exemplo, argu- mentacées que inferem que a teoria freudiana da sexualidade funciona como uma pressuposicao hus — isto é, ele achava (ou reconheceu) que o sexo estava em tudo e portanto via o sexo em tudo. Os psicanalistas e também os fildsofos examinaram a quest4o da argumentacao circular. O trabalho de Bion sobre as “pré-concepcées” € particular- mente util nesse aspecto. Bion dizia que a teo- ria deveria ficar na mente do analista como uma “pré-concepcao”. Com isso ele quis se referir ao uso de uma teoria para ajudar a reconhecer o que poderia ser o material, em vez de uma teoria usa- da para impor um significado prematuro ao ma- terial. Uma pré-concep¢ao seria, por exemplo, o que o psicanalista sabe a respeito de rivalidade. Ela o ajudaria a reconhecer a rivalidade no mate- rial do paciente e a recorrer a teoria psicanalitica para entendé-lo. (Na pratica é sempre mais com- plicado do que isso.) Ocorreria uma pressuposi- cdo caso se imaginasse que sempre que o analista ouvisse falar de irmaos e irmas, por exemplo, o material teria uma relacéo necessdria com riva- Concuusia lidade. E uma luta constante para o psicanalista tentar reduzir ao minimo o numero de pressupo- sides feitas. As pressuposicoes sao interessantes por si sos, especialmente no contexto de Eros. Elas podem se parecer com a ligacdo promovida por Eros, mas quando rigidas séo na verdade letais para 0 raciocinio. Uma razao disso, j4 mencionada, é que as pressuposi¢oes ignoram qualquer evidén- cia que nao se ajuste a elas e, por isso, s6 podem ser repetitivas e nao elucidativas. CONCLUSAO Afirmei que a idéia de Eros pode esclarecer al- guns aspectos da intimidade sexual, do amore da imaginacao. Podemos agora destacar algumas das qualidades que as trés areas tem em comum. * As relacdes entre as pessoas e dentro do pro- prio individuo podem ter uma fluidez e uma 68 complexidade maiores se forem levados em conta impulsos destrutivos. Desse ponto de vista, sentir-se vivo (Eros) abrange o amor e 0 odio do individuo. Para ter uma vida propria € imprescindivel re- conhecer a diferenca e as vezes a auséncia e a exclusao, Reconhecida a diferenca, surge a possibilida- de de copula. As copulas sexual, emocional e inventiva sao veiculos primordiais de Eros. A procriacao preserva a espécie. A copula € tam- bém um modelo de interacdo entre dois ele- mentos “estranhos” (pessoas, idéias etc.) que pode ocasionar algo novo. Pelos menos em algumas circunstancias, quanto mais complexa for a compreensao de uma situacéo, mais vivaz sera o resultado. Comparamos esse fato ao uso de pressuposi- ¢des que ou limitam ou eliminam a imagina- cdo auténtica. Cone usaty * Uma maneira de saber se algo esta do lado de Eros (pulsao de vida) ou de Tanatos (pulsao de morte) € ver a que ele leva ou nao leva. Uma interpretagao, por exemplo, acarreta mais re- flexdes ou no? No amor, 0 individuo quer sa- ber mais do outro ou o relacionamento termi- na quando o outro deixa de ter a imagem pre- ferida dele? Nas relacoes sexuais, existe uma intimidade crescente entre as duas pessoas ou ndo existe interesse nem consideracao? Vimos neste ensaio como a forca de Eros “liga” os elementos da existéncia humana — fisicamente, pelo sexo; emocionalmente, pelo amor; e mental- mente, pela imaginagao. O “paradoxo” de Eros é que essa “vivacidade” nao é um estado perma- nente nem um estimulo para a homogeneidade, mas diz respeito ao rompimento de uma copula entre os aspectos “vitalmente diferentes” do indi- viduo, outras pessoas, vivéncias ou idéias. 69 Eros NOTAS 1 2pm “A analogia dos nossos dois instintos basicos vai do ambito dos seres vivos ao par de forcas opostas ~ atragao e repul- sao — que governa o mundo inorganico.” Sigmund Freud, “An Outline of Psycho-Analysis” (1940 [1938]) in Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (doravante, SE), vol. XXIII, Londres; Hogarth Press, 1953- 1973, p. 149. [Edicao brasileira: “Esboco de Psicandlise”, in Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de Sigmund Freud (doravante, ES), vol. XXII, Rio de Janeiro Imago, 1986.] A idéia de Elizabeth Bott Spitlius sobre a natureza da diferenca é utilizada neste livro. Sigmund Freud, “Beyond the Pleasure Principle” (1920), in SE, val. XVUI, p. 50. [“Além do Principio do Prazer”, in ES, vol XVIIL, Rio de Janeiro: Imago, 1986] Sigmund Freud, “The Libido Theory” (1923 [1922]), in SE, vol. XVII, p. 258. [A Teoria da Libido, in ES, vol. XVUL] Sigmund Freud, “The Ego and the Id” (1923), in SE, vol. XIX, p. 40. [°O Ego e o Id”, in ES, vol. XIN] Sigmund Freud, “Beyond the Pleasure Principle’, op. cit., p. 55 (grifo meu). Veja Sigmund Freud, “Beyond the Pleasure Principle”, op, cit Sigmund Freud, “The Libido Theory", op. cit., p. 238 Sigmund Freud, Three Essays on the Theory of Sexuality (1905), in SE, vol. VIL. [Trés Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, in ES vol. VIL] Apollodorus: The Library, 3.5.7-9 (Loeb Classical Library), trad James George Frazer, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1921, pp. 343-51. Citado em Lowell Edmunds, Ocdipus: The An- cient Legend and Its Later Analogues, Baltimore, MD: Johns Hop- kins University Press, 1985, p. 52. 11. Veja os textos em que Freud explora essa questao em relacao a si mesmo em Sigmund Freud, The Interpretation of Dreams (1900), in SE, vol. IV [A Interpretacdéo dos Sonhos, in ES. vol. IV]; e Jeffrey Masson (org.), The Complete Letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess: 1887-1904, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985 [A Correspondéencia Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess, 1887-1904, ed. Jeffrey Masson, trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Imago, 1986.]. 12. Ronald Britton, “Getting in on the Act: The Hysterical Solution”, vol. 80, part 1, February International Journal of Psycho-Analysis, 1999, pp. 1-15 13. Henri Ellenberger, “The Story of ‘Anna O°: A Critical Review with New Data” (1993), in Beyond the Unconscious: Essays of Henri E Ellenberger in the History of Psychiatry, ed. Mark S. Micale, trad Francoise Dubor, Princeton, NJ: Princeton University Press, 1993, pp. 254-72 14. Peter Gay, Freud: A Life for Our Time, Londres ¢ Melbourne: J. M Dent, 1988, pp. 66-7. Citado por Ronald Britton, op. cit., p. 7. 15. John Donne (1572-1631), “The Good-Morrow”, in The Nation’ Favourite Loye Poems, ed, Daisy Goodwin, Londres: Penguin, 1997, p. 73 My face in thine eye, thine in mine appeares, / And truc plaine hearts doe in the faces rest, / Where can we finde two better hemisphcares / Without sharpe North, without declining West? / What ever dyes, was nat mixt equally: / If our fvo loves be one, or, thew and I / Love so alike, that none doe slacken, none can die 16. William Congreve. The Old Bachelor (1693), alo +, cena 7, in The Oxford Dictionary of Quotations: New Edition, ed. Angela Parting- ton, Londres: BCA, mediante acordo com OUP, 1992, p. 215 17. Melanie Klein, “Notes on Some Schizoid Mechanisms” (1946), in The Selected Melanie Klein, ed. Juliet Mitchell, Londres: Pen- guin Books, 1986. 18. Donald Meltzer e Meg Harris Williams, The Apprehension of Beauty: The Role of Aesthetic Conflict in Development, Art and Violence, Old 19 20. 21. 22. 23 24. 25. 26 Ballechin, Strath Tay: Clunie, 1988. (Edicao brasileira: A Apreenséto do Belo: O Papel do Conflito Estéticu no Desenvolvimento, na Violencia € na Arle, trad. Paulo César Sandler, Rio de Janeiro: Imago, 1994). Ted Hughes, “The Dogs Are Eating Your Mother”, in Birthday Letters, Londres: Faber and Faber, 1998, p. 195, reproduzido mediante a gentil autorizacao do Espolio de Ted Hughes ¢ da Faber and Faber. Esse poema, feito para Frieda and Nicholas ~ filhos de Ted Hughes e Sylvia Plath ~, refere-se ao suicidio da mae deles e procura analisar como as criangas conseguem recu- perar a si mesmas ¢ o espirito da mae L..} Those are not dogs / That seem to be dogs / Pulling at her. Remem- ber the lean hound / Running up the lane holding high / The dangling raw windpipe and lungs / Of a fox? Now sce who/ Will drop on ail fours at the end of the street / And.come romping towards your mother, / Pulling her remains, with their lips [...} Melanie Klein, “Infantile Anxiety Situations Reflected in a Work of Art and in the Creative Impulse” (1929), in Juliet Mitchell (ed.), op. cit. Ibid., p. 89. Melanie Klein, “Mourning and Its Relation to Manic-Depressive States” (1940), in Juliet Mitchell (ed.), op. cit. Hanna Segal, “From Hiroshima to the Gulf War and After: So- cio-Political Expressions of Ambivalence”, in John Steiner (ed.), Psychoanalysis, Literature and War: Papers 1972-95, Londres Routledge, 1997, pp. 157-69. {Edigao brasileira: Psicandlise, Li- teratura ¢ Guerra, Rio de Janeiro: Imago, 1998.) Hanna Segal, Dream, Phantasy and Art, Londres: Routledge, 1991. Veja o capitulo 8, “Imagination, Play and Art”. [Edi- cdo brasileira: Sonho. Fantasia ¢ Arte, Rio de Janeiro: Imago, 1993] Mary Warnock, fmaginution, Londres: Faber and Faber, 1976, p 12. Wilfred Bion, “A Theory of Thinking”, Internctioncl Journal of Psycho-Analysis, vol. 43, parts +5, 1962; republicado em Wilfred 27, 28. 29. 30. 3 32 Bion, Second Thoughts; Selected Papers on Psychoanalysis, Londres Karnac, 1984, pp. 110-20 Rainer Maria Rilke, “Letter to Countess Margot Sizzo-Noris- Crouy” (12 de abril de 1923), 4 respeito do poema dela “Duino Elegies”, in The Selected Poetry of Rainer Maria Rilke, ed. e trad. S. Mitchell, Londres: Pan Books, 1987, p. 317. Citado por Ro- nald Britton, Belief and Imagination, Londres: Routledge, 1998, p.165 [edicao brasileira: Crenga ¢ Imaginagao, Rio de Janeiro: Imago, 2003), Elliott Jaques, “Death and the Mid-life Crisis” (1965), in Eliza- beth Bott Spillius (ed.), Melanie Klein Today: Volume 2: Mainly Practice, Londres: Routledge, 1988, pp. 226-49 Ronald Britton, Belief and Imagination, Londres: Routledge, 1998 [edicao brasileira: Crenga ¢ Imaginacao, Rio de Janeiro: Imago, 2003). Veja o capitulo 11, “Wordsworth: The Loss of Presence and the Presence of Loss” (Wordsworth: A Perda de Presenca ¢ a Presenca da Perda). Andrew Graham-Dixon, Howard Hodgkin, Londres: Thames and Hudson, 1994, p. 21. . Howard Hodgkin, citado por Tim Adams, “Its the Vision Thing”, The Observer Review, 10 June 2001 Ted Hughes, “Lovesong”, in Crow: From the Life and Songs of the Crow, Londres: Faber and Faber, 1970, reproduzido mediante gentil autorizacao do Espolio de Ted Hughes Estate e da Faber and Faber. “Lovesong” {Cancao de Amor] faz parte de uma his- téria mais longa, “The Story of Crow” [A Historia do Corvo]. O Corvo chega a um rio ¢ precisa atravessa-lo se quiser ir a Terra Feliz, onde, acredita ele, a noiva o espera. No rio, uma velha pede que a carregue pata o outro lado. Na travessia, ela fica cada vez mais pesada, fazendo 0 corvo afundar no cascalho do leito do rio, até que so a cabeca dele esta a tona da agua. Ela lhe faz perguntas e exige que ele dé uma resposta em verso. Quan- do ele acerta em parte, ela fica mais leve; quando erra, ela fica mais pesada. Ela lhe faz sete perguntas. “As perguntas mudam 33. 34. 35, 36. Comecam no lado negativo e terminam no positive. A primeira pergunta pede a mais tenebrosa das respostas. ‘Quem pagou mais, ele ou ela? A resposta do Corvo ¢ ‘Cangao de Amor.” (Keith Sagar, “The Story of Crow”, in The Laughter of Foxes A Study of Ted Hughes, Liverpool: Liverpool University Press, 2000, p. 179.) He loved her and she loved him / His past and future or tried to / He had no other appetite / She bi him she gnawed him she sucked / She wanted him complete inside her / Safe and Sure forever and ever (...] // His smiles were the garrcts of a faiey palace / Where the real world would never come / Her smiles were spider bites / So he would lie still tll she felt hungry / His words were occupying armies / Her laughs were an assassin’s attempts / His looks were bullets daggers of revenge / Her glances were ghosts in the corner with horrible secrets / His whispers were whips and jackbeots / Her hisses were lawyers steadily writing [...} / Her vows put his in formalin # At the back of her secret drawer / Their screams stuck in the wall / Their heads fell apart into sleep like the ovo halves / Of a lopped melon, but love is hard to stop // In their entwined sleep they exchanged arms and legs / In their dreams their brains took cach other hostage / In the morning they wore cach other's face 's sucked out her whele Elizabeth Bott Spillius, “Freud and Klein on the Concept of Phantasy”, International Journal of Psycho-Analysis, vol. 82, part 2, April 2001, pp. 361-75 (p. 362) Wilfred Bion, op. cit Betty Joseph, “Addiction to Near-Death” (1982), in Psychic Equi- librium and Psychic Change, ed. Elizabeth Bott Spillius e Michael Feldman, Londres: Routledge, 1989, pp. 127-39. [Edicao brasi- leira: Equilibrio Psiquico ¢ Mudanca Psiquica, Rio de Janeiro: Ima- go, 19921] Wilfred Bion, Atiention and Interpretation, Londres: Tavistock, 1970; reedicao, Londres: Karnac, 1984, p. 125. LEJTURAS COMPLEMENTARES O conceito de Eros elaborado por Freud nao foi muito explora- do diretarnente. Existe o entendimento errado bastante disseminado de que o Eros freudiano era exclusivamente sexual, mas na verdade é um principio mais geral sobre a pulsao de vida para a troca € a complexidade. Neste livro, incluia obra de Freud e avancos recentes no pensamento psicanalitico. O comego de Eros no pensamento psicanalitico “Beyond the Pleasure Principle” [“Além do Principio do Prazer”] € 0 texto principal no que diz respeito a Eros € ao pensamento psica- nalitico. E um trabalho de Freud muito incomum, cheio de biologia, mas é de grande projecas e seminal no que ele pensa sobre o que é eslar VIVO. Em “The Ego and the Id” ["O Ego e 0 Id"], Freud desenvolve as idéias iniciadas no que ele chama do seu “Além”. Esse nao contém biologia e talvez seja mais facil de ler. Freud, S,, “Beyond the Pleasure Principle” (1920), in Standard Edi- tion of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (doravante, SE), vol. XVHI, Londres: Hogarth Press, 1953-1973. [Edicao brasi- leira: “Além do Principio do Prazer”, in Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud (doravante, ES), vol. XVII, Rio de Janeiro: Imago, 1986.] . “The Ego and the Id” (1923), in SE, vol. XIX. [Edicao brasilei- ra: “O Ego e o ld”, in ES, vol. XIX.] Eros no corpo: sexualidade Li muitos textos em inglés sobre sexualidade enquanto escre- via Eros e descobri, talvez sem nenhuma surpresa, que 0 texto mais. compreensivo, abrangente e criterioso é o dos “Trés Ensaios” de Freud. Se ele foi melhorado, nao descobri No mundo da psicanalise contemporanea, existe a crenca de que os psicanalistas britanicos — particularmente os psicanalistas kleinianos britanicos — nao dao atenc¢ao a sexualidade, enquanto os franceses dio. Sem duvida ha menos obras publicadas sobre a sexualidade adulta na psicanalise britanica, o que talvez nao reflita a pratica clinica. O psicanalista francés André Green escreveu de maneira instigante sobre Eros para os leitores que querem saber mais do tema Entre os textos especificos sobre 0 complexo de Edipo estao The Interpretation of Dreams [A Interpretacdo dos Sonhos], de Freud, e Be- lief and Imagination [Crenga ¢ lmaginacao], de Ronald Briuon. Freud, S., “Three Essays on the Theory of Sexuality” (1905), in SE, vol. VI. [*Trés Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade’, in ES, vol, VIL] —,, The Interpretation of Dreams (1900), in SE, vols. IV e V. [A Interpretacao dos Sonhos, in ES, vols. IV eV] Green, A., Chains of Eros (1997), Londres: Rebus Press, 2000. Britton, R., Behef and Imagination, Londres: Routledge, 1998. [Edigao brasileira: Crenca ¢ Imaginacde, Rio de Janeiro: Imago, 2003.] Eros nas cmocoes: amor Melanie Klein talvez seja mais conhecida por sua obra sobre a pulsdo de morte e a agressdo. mas ela ¢ também autora de alguns dos trabalhos mais inovadores sobre o amor, Ela nao os liga diretamente ao conceito freudiano de Eros, mas eles combinam bem. E bom co- mecgar pelos ensaios de Klein em Selected Melaniv Klcin, organizado por Juliet Mitchell, Se vocé quiser conhecer mais, a obra de Klein esta reunida em quatro volumes. Hanna Segal, célebre psicanalista comemporanea, ¢ autora de uma explanacao profunda e lucida sobre a obra de Klein. Sua cole- tanea de ensaios, Psychoanalysis, Literature and War [Psicandlise, Lite- ratura e Guerra], contém um artigo sobre guerra e paz que parte da obra de Klein sobre o amor. 76 Klein, M., The Selected Melanie Klein, org. Juliet Mitchell, Londres: Penguin Books, 1986. ——. Collected Works of Melanic¢ Klein, Londres: Hogarth Press/Insti- tute of Psychoanalysis, 1975. Vol. I: Love, Guilt and Reparation, and Other Works; vol. Ik The Psycho-Analysis ef Children, vol. 1: Envy and Gratitude, and Other Works; vol. IV: Narrative of a Child Analysis. Segal, H., Klein, Londres: Karnac, 1989. [Edicao brasileira: As Ideias de Melanie Klein, wad. Alvaro Cabral, Sao Paulo: Cultrix/Edusp, 1983.] Psychoanalysis, Literature and War, ed, John Steiner, Londres: Rout- ledge, 1997. [Edicao brasileira: Psicandlise, Literatura ¢ Guerra, Rio de Janeiro: Imago, 1998.] Eros na mente: imaginagaa Wilfred Bion é uma figura essencial nessa area. Minha su- gestao é comecar por Second Thoughis, embora o meu colega David Bell indique Learning from Experience [O Aprender com a Experiéncia]. Faco referencia aos dois adiante. A obra de Bion com mencao especifica no texto é 0 Ultimo de um conjunto de quatro livros: Learning from Experience, Elements of Psychoanalysis, Transformations e Attention and Interpretation. Attention and Inter- pretation teve repercussao consideravel na psicandlise, mas acho que nao seria o melhor para comegar. O livro de Ronald Britton comém uma exposigao kleiniana con- temporanea clara € instigante dos modos como a psicanalise inter- preta a mente. Os textos de Betty Joseph sdo bastante clinicos, ¢ o seu enfoque constitui um desenvolvimento inovador da obra de Bion. O ensaio de Elizabeth Bott Spillius sobre a fantasia explora de maneira acessivel idéias compiexas sobre 0 pensamento inventivo. Bion, W., Second Thoughts: Selected Papers on Psychoanalysis (1967), Londres: Karnac, 1984. ~ Erog , Learning from Experience (1962), Londres: Karnac, 1984. [Edi- ao brasileira: O Aprender com a Experiéncia, Rio de Janeiro: Ima- go, 2003.] ——, Altention and Interpretation (1970), Londres: Karnac, 1984. Britton, R., Belief and Imagination, Londres: Routledge, 1998. [Edigao brasileira: Crenga e Imaginagdo, trad. Liana Pinto Chaves e Rena- to Rezende, Rio de Janeiro: Imago, 2003.] Joseph, B., Psychic Equilibrium and Psychic Change, Londres: Routled- ge, 1989. [Edicao brasileira: Equilibrio Psiquico e Mudanga Psiqui- ca, Rio de Janeiro: Imago, 1992.] Spillius, E., “Freud and Klein on the Concept of Phantasy”, Interna- tional Journal of Psycho-Analysis, vol. 82, part 2, April 2001, pp. 361-75. As referéncias que dei nao esgotam o tema. A maioria dos auto- res da lista sao da linha kleiniana. Por ter preferido dar coeréncia ao texto, sei que nao abordei boa parte dos trabalhos interessantes das linhas independente e freudiana contemporanea da Gra-Bretanha Referéncias literarias Adams, T.,, “Its the Vision Thing’, The Observer Review, 10 June 2001. Donne, J. (1572-1631), “The Good-Morrow”, in The Nation’s Favou- rite Love Poems, org. Daisy Goodwin, Londres: Penguin, 1997, p. 73. Graham-Dixon, A., Howard Hodgkin, Londres: Thatnes and Hudson, 1994. Hughes, T., “Lovesong”, in Crow: From the Life and Songs of the Crow, Londres: Faber and Faber, 1970 ——, “The Dogs Are Eating Your Mother”, in Birthday Letters, Lon- dres: Faber and Faber, 1998. [Edic¢ao brasileira: Cartas de Ani- versdrio, trad. Paulo Henrique Britto, Rio de Janeiro: Record, 1999.] 78 Rilke, R. M., “Duino Elegies*, in The Selected Poetry of Rainer Maria Rilke, org. e trad. S. Mitchell, Londres: Pan Books, 1987. Sobre a capa do livre . © quadro Danae, de Rembrandt, foi sugerido pelo diretor edi- torial da Icon Books, Jeremy Cox, para ilustrar a capa do livro. A historiadora da arte Mariét Westermann fala da pintura no seu livro sobre Rembrandt: A princesa Danae foi trancada por seu pai num quarto de bron- ze, porque um oraculo previra que ela daria a luz o futuro matador do pai. Inflamado de prazer por ela, Jupiter transformou-se numa chuva de ouro e entrou no quarto pela janela. Quase todos os artis- las apresentaram Jupiter na forma de moedas de ouro, um suborno cabivel para a mulher mais idosa que guardava Danae ou para a propria donzela. A decisao singular de Rembrandt de retratar 0 ouro na luz do sol é mais plausivel, uma vez que a luz atravessa o vidro [...]. Embora os artistas tenham sempre interpretado Danae como modelo de castidade, a sua pose de Vénus veneziana e o peque- no Cupide suspense acima da cabeca dela ressaltam o encanto da princesa com a inesperada mudanca nos acontecimentos. Em breve, quando Jupiter e Danae consumarem o seu amor, 0 filho da Vénus podera soltar seus grilhdes e parar de chorar. O Cupiclo dourado e a cama decorada no estilo “auricular”, que estava na moda, trans- formam a prisao de bronze de Danae num local suntueso para um encontro amoroso. Marit Westermann, Rembrandt. Londres: Phaidon Press, 2000, pp. 121-122 Vale mencionar que a pintura sofreu um ataque com acido sulfa rico em 1985, que corrocu as pernas, os bracos e a cabeca de Danae Nao ha como restaurar a pintura

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