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Retiro Espiritual Sdbre as Qualidades e Deveres do Cristao. Traduzido do franets por MARIA ANNA NABUCO Mi tas EDITORA VOZES Ltdi, PETROPOLIS, R. J, RIO BE JANEIRO — S10 PAULO eotiatio tutlrh, a8 ates Porth meron OI AS Ble Be evn ico EVNG, OFM Te aeons TODOS 03 DIREITOS RESERVADOS O=Pn AVISO, J4 que as pessoas devotas costumam fazer anual- mente o retiro espiritual, no nos parece que lhes seja necessirio meditar sempre sdbre a8 mesmas verdades, Umas convém em tal época da existéncia, outras em tal outra, As que Santo Inacio meditow logo apés sua conversio, ¢ de que se utilizou para seus exercicios espirituais, tem por principal escopo retérno do pecador a Deus e 2 escolha dum estado de vida, Feito iso, uma vez que a alma se deu sin- ceramente a Deus e abragou o estado ao qual se jul- gou chamada, que se aplica a cumprir ficlmente com seus deveres, e, com o fim de se desempenhar déles do melhor modo, consagra cada ano uma sé mana aos exercicios espirituais, nfo Ihe sera mais conveniente e proveitoso escolher de preferéncia os temas de meditagio que mais se adaptarem a disposicio atual de sua alma e Ihe favorecerem o progresso? ates temas, pela novidade, saberiio prender-the a atengio e lhe causarao mais viva impresséo. Nem h& perige que a alma, variando assim as matérias conforme ag necessidades e o progresso da momen- to, consiga algum dia esgotar as que o proprio Evan- gelho nos fornece. O amor de Deus e do proximo, a fidelidade & graca, a renincia a si mesmo, ¢ hiv mildade, o abandono, a imitacio de Jesus Cristo, # necessidade de carregar a cruz e a maneira de car- regé-la, éstes ¢ outros muitos assuntos, miniiciosa- mente expostos, aprofundados e adaptados a cir- cunstancias particulares de cada qual, podem for necer, se forem tomados em separado, bastante ma- téria para entreter a alma durante oito dias. Os sa- cerdotes, 03 religiosos, e os simples leigos, encon- traréo nas suas obrigagées e, deveres de estado am- 8 RETIRO ESPIRITUAL pla matérin para consideragdes, afetos e resolugées apropriadas, Seria, pois, altamente desejével que houvesse re- tiros compostos para os diversos fins. Assim, {o- mando conselho com 0 confessor, cada qual cdco- Iheria aguéle que melhor Ihe conviesse, ou mais o atraisse, E’ com éste fim om vista que aqui propo- nho éste retire. ‘Versa sobre as qualidades « os deveres do cristéo, matéria fundamental. Diz respeito a tados nds, em qualquer idade, estado e condigio, pola & preciso Sempre comecar por ser cristéo e como tal. viver. 86 trata aparentemente de verdades comuns, mas estas, como se vera pela sua minudéncia, so vorda- des eapitais e essenciais, Poucas pessoas, no entan- to, as conhecem a fundo, e pouquissimas as péem. em pritiea. Seria igualmente facil comporse um rotiro sdbre as qualidades © os deveres do sacerdo- ts, do religioso, do chefe de familia, do magistra- doe de outras profissdes, Nio me proponho, aliés, eserever um livro, nem mie estender sobre cada assunto de meditaeio, e sim expor-lhe @ substancia em poucas palavras e con- iar o resto & reflexio individual e, mais ninda, A acio da graca. Quem tem o habito de meditar nao precisa de longos discursos e o que hi de tirar de si mesmo vale sempre mais do que aquilo que busea Tos livros. Basta que comeco o retire com um dese- jo sincero de aproveitar-se déle, e abandone 0 co- racio eo espirito A operacio divina. Se a alma for décil, Deus saber’ esclarecf-la, aquecé-Ia 6 inspirar- The as resolugées que dela espera. Quanto as almas interlores, favorecidas com o dom da oracio, conten- tem-se em ler o tema da meditacdo e em ce por na presenga de Deus, que as ha de entreter conforme fér do seu agrado, Quem nia puder dispor do tempo ou da necess4- via Wherdade para fazer o retiro de oito dias, dedi- AVISO. t que entéo uma hora ou duas meiss horas, por dia, a enda meditago © consideracdo, é assim fara num més o que nfo pode fazer numa semana. O Espi- rito Santo nfo est sujeito = métodos, mas acomo- dase a3 circuastineias que so encontra cada alma, Agsim, aquéles a quem a s6 idéia de meditar intimida, ou que sio incapazes de tal, limitem-se o ler eada ponte com a devida atencio, devagar, demo- rando-se naquilo que os impression, produzindo afe- tos & medida que se sentirem tocados. Tal leitura, em si, j4 € uma meditacao, ¢ miuitas vézes nao Berd das menos tteis. Véspera do rotiro. MEDITACAO PRELIMINAR. Vou meditar agora sdbre o carter e as obriga- s0es do cristo. Nesses muitos anos em que o som, talvez ainda nao tenha aprendido o que. signifies sé-lo, nem cuide de aprender. Dignai-vos, 6 meu Deus, instruir-me © comunicar-me a idéia que tendes a ase respeito, Primeito ponto. — Em se tratando duma maté- tis tOda sobrenatural, como esta, é a idéia de Deus, © 86 esta, que devo consultar, estudar e tomar por norma. E onde hel de sorvé-la senio naa Sagradas Escrituras, na doutrina e nos exemploa de Jesus Cristo, meu mestre ¢ men modélo? Nao devo, pois, Prestar ouvido nem 83 m&ximas que reecbi do mun. do, nem & minha natureze corrompida, nem ao meu ergulho e amor proprio, nem mesmo & minha ra- mio fraca, ignorante, sujeita ao érro. Meu primeiro euidado, pelo eontrério, seri impor-Ihes siléncio sfasti-lns, 2 fim de que sé Deus me instru e me Ponha em estado de ouvi-lo. N&o tenho o direito de fazer-me do eristéo tal ou qual idéla que me agra- de. BH) de Deus que a devo receber, sem que nada the acrescento, nada Ihe subtraia. Esta idéia, conce Dida desde téda eternidade nos designios da sabedo- ria_e da bondade diyina, csté mais distante do Pensamento do homem que o céu da terra. Nunea hei de atingi-la pelos meus proprios esforgos, e sd- metite @ luz do alto ma pode tornar inteligivel. Pe- Ge-vos, pois, meu Deus, que me deis esta inteligéncia plena ¢ perfeita de meu cariter de eristiio e nae per- mitais que, ouvindo meus preconceitos, minha eovare dia, minhas inclinagdes terrenas e sensuais, eu ve- nha @ obscurecer ésse cardter divino, a enfraquect- Jo, a degradé-lo e a desnatura-to, VESPERA DO RETIRO 9 Segundo ponte, — Na idéia que Deus se faz do cristao se fundamentam todos os meus deveres ¢ 86 cla mos dar& a conhecer em téda a sua cxten- silo. Se 0 juizo que fago désses deveros nfio 6 o de Deus, ent&o nao saberei avalié-los devidamente e dei- xarei de cumpri-los, ou fé-los-ei de modo muito im- perfeito, Tais deveres decortem essencialmente do minha qualidade de cristio, séo-The uma dependén- cla necessaria. Meus pensamentos e sentimentos, mi- nhas agées ¢ todo o plano e minudénela de men pro- eeder, tudo deve basear-se na minha qualidade de erlstio ¢ trazer-Ihe o sélo. E’ mister, numa palavra, que, em t6das as circunstiincias de minha vida, Deus veja em mim o eristie, ¢ que eu corresponda plena- mente A idéia que se prende a éste titulo na mente divina, Deus ha de julgar-me baseado neste titulo, e me recompengaré ou castigara conforme eu tiver cumpri- do, ou deixedo de cumprir, com minhas obrigacces. Qualquer que tiver sido minha condicio, grande ou Requeno, rico ou pobre; qualquer que tiver sido meu estado de vida © profissio; qualquer que tiver sido a situagio cm que mo encontrei, safide ou doenca, Prosperidads ou adversidade, Deus tudo examinard para ver se, cm tudo e sempre, eu me comportei como cristio, se fui fiel aos compromiasos asaumi- dos, se nico me desviei em nada de tio glorioso titulo, Onde estaria eu neste momento, so tivesse que Passar semelhante exame? Que conta, estaria em con- dices de prestar de meu modo do proceder? fate retiro me foi concedido para chorar e expiar a pas- sado e pér em ordem o futuro, Tanto maior seri, pois, minha culpa quanto menos me terei aprovei- tado déle. Terceita ponto. — Hi’ evidente, por conseguinte, que niio hi ciéncia mais interessante para mim que a ei- @ncia do que constitu o cristo. E’ um estudo que 10 RETRO ESPIRTTUAL merecs todo o meu cuidado, Mas, embora procure fazer esta pesquisn do melhor modo, sempre hol de afastada , Tao vasto é 0 e tio limi- tado o eapirito humano, que munea poderei compre- endé-la perfeitamente. mesmo, por uma sibia Primoiro Dia. PRIMEIRA MEDITAGAO. O CRISTAO E’ FILHO DE DEUS Primeiro ponto. — © primeira titule do cristao, fonlgdonlodor e3.-oatrosi preter eeu aaa ‘pen: hhomem, vejo que Deus é meu Pai, eo & de outro que 0s pais segundo a ontme. Ble oriow-me a : : i i 3 be-lhes. apenas contribuirem, segundo as leis estabe- lecidas pelo Autor da natureza desde a origem das coisas, pata a formacio do meu corpo. Se, a6 por isto, mereceim ¢ tém direito a que eu thes dé o th tulo de pais, com maioria de razio pertence éste titulo a Deus! Nao ¢ sémente meu pai porque me criou, mas ainda porque me conserva a vida a todo instante, pois, no momento em que ma deixasse de conservar, tui também o primeiro motivo do amor e do reco- nhecimento que devo a Dous, Tudo esti sempre a mo lembrar. Devemos tudo a quem devemos o ser. 12 RETIRO ESPIRITUAL Segundo ponto. — Embora éste primeiro benefi- cio coloque a Deus infinitamente acima dos pais segundo a natureza, e torne minhas relacdes com Ge muito intimas, eu pertenco-lhe de modo mais clevado © mais chegado ainda na ordem da graga, Devo a sua pura bondade minha existéncia sobrenatural, de valor incomparavelmente superior. Em virtude da or- dem em que os meus primeiros pais foram eriados, e em que eu mesino deveria ter nascido, eu teria sido elevado acima de minha condiedo natural, poi estava destinado a possuir a Deus eternamente, a contempli-lo face a face, a partilhar sua felicidade, Minha alma teria saido de suas mios justa e santa, enriquecida de dons preciosos, amével, por consc- guinte, aos olhos de Deus e digna da complacéncia divina: depois de uma vida terrena, suave e¢ inocen- te, sem passar pela morte, sem sofrer nenhum dos Teveses Periowos Aos quais estou hoje sujeito, eu teria passado para 0 seio de Detis, a fim de me unir a @le para sempro. Tal era o meu destino. Se ésse des- tino se tivesse realizado, Deus, sem divida, me teria dado prova duma hondade paterna, superior a tudo quanto eu pudesse ter imaginado ou desejado, Mas. a desobediéncia de Adio frustrou éste designio in cial de Deus sdbre mim. Nem por isto minha grat dio h& de ser menor, j4 que, da parte de Deus, nada faltou para sua execngdo. Nao me posso lembrar désse estado ditoso do qual decai, sem pesar, € o desgésto seria decerto justo se, depois dessa queda, Deus, para cimulo dos seus beneficios, no tivesse sido pare mim um Pai mais admirdvel ainda, re- parando com vantagem a desgraca em qué o primel- ro homem lancara para sempre a sta raga, Terceiro ponto. — Que féz Cle? Por excesso de amor — 6 inconcebivel maravilha! ao qual, embo- ra seja Deus, parece que nada péde acreseentar, éle uniu sua natureza divina & nossa ma Pessoa de seu proprio Filho. O Verbo eterno, tendo tomado um: PRIMEIRO DIA 13 alma humana e um corpo humano, tornou-se tio realmente homem quanto é verdadeiramente Deus. Por esta uniso, cujas conseqiléncins formam o pla- no de nossa religifio, 0 Verbo encarnado adotou-nos a todos como irmaos, e néle Deus Pai reconheee- nos a todos como filhos. Estabeleceu-se uma nova ordem de graca. Constituiu-se uma familia realmen- te divina que, em virtude da umiversalidade da Re- dengio, abraga todo o género humano, e da qual o adulto s6 se exclui por culpa propria. Jesus Cristo € 0 primogénito desta familia, e a todos nés tornou participantes de seus direitos, 0 que nos eleva a um alto grau de nobreza, de dignidade, de proximida- de com Deus. Se, como homens, estamos abaixo dos Anjos, como cristfios e filhos adotivos de Deus es tamos acima déles, ¢ nossa eondigio feliz inspira-lhes uma santa inveja, Fiquemos nisto. Arrojem-se nossos pensamentos o quanto quiserem, nunea atingirdo a eminéncia dessa qualidade de filhos adotivos de Deus. Quanto a nés, como 0 auxilio da graca, excitémos em nossos co- ragGes os sentimentos que devem corresponder a tal beneficia. Nosso amor e reconhecimento, nossa eon- finnga, ohediéncia, e decdicacio estario dempre aquém daquilo que merece. Podemos nés sequer avaliar o que Deus nos féz na ordem da natureza? Como en- tao Ihe agradecer condignamente aquilo que queria fazer em nosso favor, obedecendo ac seu designio primitivo na ordem da graca? Como, e por que meios, seriamos capazes de render-lhe condignas acées de graga por tio maravilhosa e inefivel adog&o? Sé Jesus Cristo podia suprir aqui & nossa inguficién- cia, © que pode, quer. Fé-lo em vida, ¢ continua a fazé-lo no céu e no adoravel Sacramento da Eu caristia, Unamo-nos, pois, a éle, roguemos-lhe que nos communique os sentimentos de que o penetrou o Pai na qualidade de nosso irmio, de Chefe dos predestina- dos. E” no Seti coracio, onde se encontra a plenitude 14 RETRO ESPIRITUAL désses sentimentos, que Gle nos convida a sorvé-los, Confundam-nos aqui a nossa insensibilidade ¢ ingra. tiddo. ; SEGUNDA MEDITAGAO, 0 ESPIRITO DE ADOCAO. Porque sois filhos, disse Sho Paulo, Deus enviou a5 vassos coracées o Espirito de seu Filho, que cla- sma Abba, Pai. (Gal 4, 6.) E allures: Recebestes a adogio de filhes, na qual clamamos: Pai... Se, porém, somos ilhos, somos também herdeiros, ver- dadeiramente herdeiros e co-herdeiras de Jesus Cristo; — mas isto se padecemos com éle, para também eom éle sermos gloriticados. (Rom 8, 15-17.) Meditemos bem estas palayras e consideremos, primeiro, qual a unio que contraimos com a Santissima Trindade pela adogao divina; segundo, quais os dircitos que esta adogio nos confere; terceiro, qual d eondicdo em que no-los garante. Primeiro ponto. — © Fspirito de adog&o, segun- do Sto Paulo, nfo é outro senfio o proprio Espirito Santo. Deus Pai, no momento em que nos adota, en- via-nos © Espirito do seu Filho para se apossar do nos- 80 coratio e néle estabelecer morada, E onde esti o Espirito Santo, esté também o Pai e o Filho, dos quais procede, de quem é insepardvel, pois é 0 amor tilt de um e outro. A adorivel Trindade habita, portanto, no cristao virtude de sua adogio, e santifiea-o de uma vez na alma e no corpo. Permane- ceria sempre néle, sc 0 homem niio o afastasse pelo peeado mortal, A adogio divina é uma extensio da Enearnagao. Em Jesus Cristo, a unifio das duas na. turezas € pessoal; no cristio 6 mistica, Os cfcitos que néle produz nao sio os mesmos, mas sio pro: Porcionais e do mesmo género, ¢ visam gua santi- fieaeao, Terei cu compreendido bem a intimidade de minhas relagées com a Santissima Trindade? Terei 8 PRIMEIRO DIA 16 refletido no respelto que me devo a mim mesmo, na pureza com que devo conservar minha alma e meu corpo? Mais ainda. O Espirito Santo, que é infinitamente ‘operante por natureza, nfio me foi enviado para per- manecer ocioso, Vem com os habitos de £8, de «s- peranga, de earidade, Vem animar-me a produzir, e eomigo produzir, os atos inerentes a estas trés vir- tudes, logo que a idade mo permita, Ven para me fa- zer elamar, e comigo clamar, Pai! Pai! Este grito, quo € o dos filhos, abrange téda craciio, todo ate de ado- ragiio, de amor, de agio de gracas, de contrigio, de impetragao. B’ mister que saia do fundo do coracio, onde reside o Espirito Santo, © seja Gle quem o for= me, pols a nés s6 cabe scoundar-lhe a agio. Ora- cio, por conseguinte, toda divinal em seu prinei- pio, téda de amor, jf que 6 formada por aguéle que é a propria Caridade; oracio repassada de con- fianca, ji que é o filho quem a dirige ao Pai, Pai bonissime e onipotente; oracio efieaz, que sera for- Gosamente atendida, ja que obedeee ao impulse do Espitite, que nos leva a pedir o que nos quer vonceder: oracio que, vindo do coracio, nunca deve ser interrompida, pois o Espirito, que néle habita, esti sempre na disposicio présima de produzi-la; oracao, finalmente, pela qual eu posso, e devo, man- ter um comércid intimo e continuo com Deus. Até agora, en ainda nao percebera que o espirito de ora gio esti catreitamente ligado ao Espirito de ado- cio, Aide mim! nao somenie nao o sou, mas nio © quero ser, Limito-me a oracées voenis ¢ quando muito, a alguns instantes de meditacio superficial, Mas quanto a abandonar o coragio ao Espirito San- to, @ fim de que néle atue, quanto a secundarlhe a operagio pela simples aquiesciéncia de minha yon- tade, entreter essa operacdo durante o dia pelo reeolhimento, isto eu nio fago, e tenho receio de fa- zé-lo, Terei cu algum dia sentido ésses gemidos in- 16 RETIRO ESPIRITUAL descritiveis com os quais 0 Espirito roga por nds? (Rom 8, 26.) Quando o Apéstolo assim fulava, expri- mia 0 que se passava em seu proprio coracko e 0 qué g¢ deve passar no coragéo de todo cristo, Segundo ponto. —- Todos os direitos do eristée es- tao contidos nestas pulavras de So Paulo: Se so- mos filhos, somos também herdeiros, verdadeiramen- te herdeiros, e co-herdeiros de Jesus Cristo. Segundo as leis do mundo, o filho tem direito aos bens pater- hos € com a morte do pai, entra em plena posse désses hens, sem que ninguém tha possa disputar, Segundo as leis do céu, o cristo tem igual direito aos bens do Pai celeste, Mas como o Pai nao poda Mmerrer, é pela propria morte do eristio, seguida de uma vida nova, que éste entra em posse da heranea, paterna, Em que consiste esta heranca? Consiate no Proprio Deus, e, em Deus, na posse de todo bem, S6 Deus compreende a grandeza de uma tal heran- sa, Ser-nos-i dado gozar dela, mas antes seremos possuidos por ela do que a possuiremog nés. ‘Um cora- siio finito ¢ estreito, qual o nosso, mao pode conter © infinite. Assim, pois, 0 gizo do Senhor nao entra em nds, mas nds entramos no gézo do Senhor (Mt 25, 23), para méle nos absorvermos e nos abismar- mos, Engolfados nesse oceano imenso, perdidos em nés mesmos, sé nos encontraremos, 36 subsistiremos em Deus. Seremos perfeitos de sua perfeicie, feli- zes de sua felicidade, participantes de sua etcrnida- de. O Pai comunicard a visio e o gézo de sua essén- sia a cada um de seus filhos, de acdrdo com o mé& vito de cada qual, © cada um o possuird conforme sua ¢apacidade, como Deus se possui a si mesmo, Tais os direitos que nos eabem em nossa qualidade de herdciros de Deus e co-herdeiros de Jesus Cristo. Basta dizer que @ o préprio Deus, para realear ‘da a grandoza desta heranca. O Infinito, eom t0da espécie de bens, esté compreendido neata 36 pala- vra. Se Adio culpado me féz perder essa heranca, PRIMEIRO DIA i eu a recuperei cm Jesus Cristo com indiziveis yanta- gens, Como hei de testemunhar agora a Deus o mou reconhecimento senio pelo siléncio ¢ pela admiragao? Terceiro ponto, — Mas, se a adocdo divina me permite to altas pretensdes, impo também sua con- dicdo. Qual 6? 7 que, para ser glorificada eom Jesus ‘Cristo, eu sofra com éle. Condicao mais que justa, de que me vexaria qiterer ser dispensado. Se, para entrar na gloria que Ihe estava reservada, fol mis- ter que o Filho por natureza sofresse na humanida- de que revestira, nio sera, também, preciso com maioria de raz&o, que 0 filho por adocao sofra para ter parte nessa mesma gidria? Ble nao possui outro titulo para pretender a tamanha gloria, de que exta- va exeluido, senao aquéle que Jesus Cristo Ihe me- receu. Para o resta em seus direitos primiti- vos, Jesus Cristo pode sem diivida submeté-lo & mes- Ma condicio pela qual éle nfio se negou a passar, EL de que se trata aqui? Trata-se de fazer-me ou a ne cessarin violéncia para nio me tornar indigno dé minha adogio; de nceitar bem as provacies a que Deus duiser sujeitar o mea amor; de no me apegar ag bens da terra, nem Ihe temer os males; de sé de- sejar @ posse dos bens eternos e s6 recear a sua perda; de tudo sacrificar, de tudo padecer, para al- canci-los um dia. I quais sio os sacrificios ¢ 08 so- frimentos de uma vida passageira em comparicdo com a gloria eterna? Mas se eu vier a ponderar que, a fim dé se dar a mim para sempre, mieu Pai niio me Bede sendo que o ame © me submeta A sua yontade, que evite desgosti-lo © procure em tudo agradar-the, ‘Posso eu nAo ter esta, condicdo como infinitamente suave © nao a aceltar de todo 0 eoraczo? Onde esti, Rois, minha {6, onde minha csperanca, onde minha earidade, se hesito um momento sequer, se nao yen- So todos os cbstéculos que minha natureza corrom- pida me opoe? Retiro spiritual — 2 48 RETIRO ESPIRITUAL Mas, 6 meu Deus, de que me serviré minha adocio se eu nao lhe tiver o Espirito, ou nfo. procurar con- servi-lo? Servird apenas para minha condenagao. Se tal desgraca me acontecer, a quem hei de imputéla sendo a mim mesmo? Espirito Santo, Espirito de graca ede oracio, fazei vossa morada em minha ale ma, reinai nela como soberano senhor, governaica com vousns inspiracdes, ¢ niio permitais jamais que, movido pelo meu prépria espirite, eu vos queira re- aistir em nada. TERCEIRA MEDITACAO. OS FILHOS DE DEUS DEVEM SER CONDUZIDOS PELO ESPIRITO DE DEUS. Sio Paulo afirma categdrieamente que todos os que séo movides pelo Espirito de Deus, sao filhos de Deus. (Rom 8, 14.) Dai se segue que os cristios que no se querem deixar guiar pelo Wspirito desmen- tem sua qualidade de filhos de Deus ¢ s6 Ihe con- sérvam o cardter para agravar sua condenacio. Bi- me de suma importancia aprofundar esta maxima do Apéstolo, que deve ser a grande norma do meu Procedor, Ajudai-me, Senkor, a compreendé-la bem a pé-la em pritica, Primeiro porto. — Quem é filho dum pai infin tamente santo, come é Deus, deve deixar-se con duzir em tudo pelo Espfrito do Pai, pois nio podo, Sem que degenere @ se afaste da santidade, ter ou- tos sentimentos, nem se mover por outro espirito, Se, na verdade, assim fizer, éle mio perde o seu cardter de filho de Deus, que, uma vez impresso, 6 inapagivel; no 6 mais digno, no entanto, de tra- #é-lo, e, logo que nfo Ihe cumpre a primeira e prin- cipal obrigagio, torma-se culpado. Aqui, como em tudo, Jesus Cristo nos deu o exemplo, Parece até que, fe alguém jamais teve o dircito de seguir o seu proprio espirito, foi éle, que nia podia pecar. Mas, PRIMEIRO DIA 19. como homem, obrigou-se irrevogivelmente a ser sub- misso em tédas as coisas ao Espirito do Pai, Zu sem- pre faco o que € do seu agrado. (Jo 8, 29.) Ei ainda O meu alimento é fazer eu a vontade daquele que me enviou. (Jo 4, 34.) Nao cogitava do que essa vontede tivesse para éle de duro e de amargo, mas conformava-se-lhe ponto por ponte. Nao tinha outros designios, outros sentimentos. Para éle, enfim, o dni- co uso legitimo de sua liberdade era manter-se na mais absoluta dependéncia do Espirito de seu Pai. Assim, guardadas as devidas proporedes, deve ser com 6 eristiio, cujo dever imperioso 6 deixar-se diri- gir pelo Espirito de Deus. Reconheci eu até hoje a necessidade déste dever? Pus eu todo o men prazer, tOda a minha gléria em cumpri-lo? Nao me pare- eeu, 4g vézes, um tanto inoportuno, e nfo aspirei eu & independéncia, ouvindo e seguindo, de ordinario, © meu proprio espirito, pelo menos thda vez em que niio me pareceu constituir pecado? Segundo ponto. — Que é ser conduzido pelo Esp! rito de Deus? E', sem diivida, tomar a alma a éste Espirito como tnica regra dos acus juizos, afetos, 6 agoes, E' pensar eonforme éle pensa, querer o que @le quer, fazer o que éle inspira, E’ depender de tal forma déle, que nio possa mais dispor de’ si mesma. Quem é assim dirigido pensa e procede como Filho de Deus. Mas, para’ chegar a isto, que precisa fazer o cris: tao? Precisa, em primeiro lugar, uma vez que se convenceu da necessidade de pir-se sob a dircedo do Espirito Santo, tomar a resolueao sincera ¢ inaba- livel de assim fazer, ¢ renunciar a tedo dominio sébre si mesmo, a todo direito de dispor de sua pessoa. Precisa, em segundo lugar, por meio duma vigilincia continua sobre seu coracio, consultar em tudo © Espirito divino, ouvir com respeito o que lhe segreda no reedndito da alma, tornar-se décil as suas inspiragdes © manefivel aos seus impulsos. » 20 RETIRO ESPIRITUAL Isto exige, de sua parte, um recolhimento ¢ uma paz — habituais, pois, na medida em que se dissips e se enirega sos culdados exteriores, vai-se tornando me- | nos atento ao que se Ihe passa no interior. A agi- facto, o tumulto, a perturbacéo que Ihe causam a — imaginagio ¢ as paixdes, impedem-the de ouvir a you — secreta, profunda e quase impereeptivel do Espirito — de Deus. Precisa, em terceiro lugar, cumprir com in- ‘violivel fidelidade tudo quanto o Espirito de Deus lhe presereve, quer interior, quer exteriormente por meio daqueles que exercem autoridade sobre éle, sem aten- der 4s inclinaedes ou repugnincias da natureza, sem ouvir as insimaedes do amor proprio, sem ceder fis sugestOes e tentacdes do deménio. Assim, censu. vando-se qualquer falta de surprésa ou de fragili- dade, por menor que seja, se empenharé em repa- réclas, Terei eu procedido assim? Pode minha eons- ciéncia dar testemunho de que me comportei sem- pre como filho de Deus? Em que terei eu faltado? - Que pariide me resta tomar para o futuro? ‘ Terceiro ponto. — Até que ponto deve estender- se tsse governo do Espirito de Deus em relagio a6 cristo? Deve estender-se a todos sem exceqao, abran- ger fodos os tempos, lugares e circunstineias. Deve regular o interior e o exterior, dominar os seuti dos, a imaginagao, as paixdes, e o entendimento e a vontade, de sorte que tudo aquilo que no homem — esti sujeito A razio ¢ ao livre arbitrio fique, no cristio, sujeito 4 graga e ao império do “Espirito Santo, que quer reinar incondicionalmente sobre 0 coragio. Este direito assiste-lhe e ninguém Iho po- de negar. Mas le sé reinaré com nosso eonsenti- mento, Quem quiser obedecer-Ihe apenas naquilo que for de preceito e nao de conselho; naquilo que for essencial, ¢ nao de perfeicio; naquilo que diz res: peito dirctamente & salvacio, ¢ nao naquilo que lhe pareca estranho ou alheio a ela; naquilo que se Ihe acomoda as idéias, aos projetos, as inclinagées, ¢ nao, PRIMEIRO DIA Ton, naquilo que as contraria; quem, numa palavra, recusa ao Espirito Santo qualquer coisa que Ihe peca, contris- ta-o; c quem persiste cbstinadamente nessa recusa, forca-o a abandonar, pouco a pouco, a diregao de sua alma, até retirar-se de todo, quando, depois de ter prolongado suas solicitacdes e qucixas, vé que nio merece atencko, ase afastamento e siléncio do Es- pirito Santo siio para o eristio o mais terrivel dos castigos, pois levantam um gbstaculo invencivel a sua santificacio, e poom em perigo a sua propria gal- vagio. Quantas almas se perderam porque se gub- trairam A diregio do Espirito Sante naquilo que Ihes parecia de pouca monta! Sie Paulo considerava-se como ligado e atado pelo Espirito (At 21, 18), © embora grande fésse o seu zélo para converter a nagdes, 86 Jhes anunciava a palavea de Deus na me- dida em que o Espirite Santo lho permitia. (At 16, 6-8.) Nas suas viagens, e no exereicio de seu minis- tério, deixava-se guiar inicamente por ésse Espi- rito divine, Assim nfo fésse, e nunca teria aleanca- do éxito, correndo risco talvez de se perder a ai mesmo, enquanto trabalhava para ganhar o8 outros, “Se isto, que eu proponko aqui, parece sobremodo clevado e¢ drdua, nem por isso nos deve amedron- trar. A atuacho do Espirito Santo & infinitamente sibia e doce. Ble saber moldar seus pedides & nossa fraqueza, e s6 nos conduzir’ passo a passo ao mais perfeito. Se encontrarmos alguém que esteja urrepen- dido de ter-se pésta sob a diresio do Espirito divino, ou miio se tenha fellcitado de télo feito, entio, sim, poderemos recear alistar-nos sob sua bandeira, Divino Espirito, eu me entrego a vOs Sem reserva: Séde-me em tudo mestre e gnia. Preservai-me da des- -graga de no vos ouvir, ou de resistir-vos na menor coisa que seja. Nada 6 pequeno para mim em se tra- tando daguilo que pode agradar ou desagradar a meu Pai ecleste. cd RETIRO ESPIRITUAL CONSIDERACAO SOBRE OS SENTIMENTOS DUM FILHO DE DEUS. J4 que nossis disposigées interiores sio a alma do nosso proceder, vamos, primeiro, considerar os senti- mentos que devemos ter em relagio a um Pai como € Deus; segundo, verifiear se os temos; e, terceiro, — determinar © que devemos fazer para os fomentar e aperfeigoar cada vez mais. E’ uma consideracio entre {édas importante, para a qual necessitamos do ple- no sacorro da graca. A natureza inspira aos homens os sentimentos que devem ter em relacio aos pais segundo a carné, a quem devem o nascimento, a educucio, e 08 inte meros cuidades e beneficios com que seu cariniio € sua previdencin os cerca. EH’ facil conhecer como tais sentimentos — respeito, amor, obediéncia — de- vem ser infinitamente maiores em relagio a Deus. Devemos a Deus a adoracio em virtude da majesta- de, soberanin © independénein absoluta do seu ser. Nao Uma adoracto estéril © meramente especulativa, mas uma homenagern real, uma submissiio inteira do espirito e do coragio, com as conseqiientes demons- trates ¢ efeitos. Isto compreende o culto interior @ exterior, tal qual no-los quis Deus prescrever. 7 Devemos-Ihe a admiracio pelas suas infinitas per- feigdes; 0 regozijo pelos bens, gléria e felicidade que Possni: o zélo. pelos seus interésses; o desejo arden- te de vélo eonhecido, amado, glorifieado por tédas as criaturas racionais, estimando-nos felizes por Ihe pertencer, déle depender e poder servi-lo. O titulo de eristao deve constituir nosso primeiro titulo de honra, Tals sentimentos, se sio raros entre os cristaos, cuja_ muaioria se ecupa mais de si mesmo e dos seus pro- Prios interfsses no servico de Deus, do que déle © de sua gléria, decorrem no entanto, naturalmente, do_ amor filial, se, como diz a Escritura, é yerdade que os pais sia motivo de gléria para os filhos, (Prov 17,6.) PRIMEIRO DIA 23, Devemos-lhe um reconhesimento continuo ¢ ilimi- tado pelos seus beneficios, que abrangem tudo que somos e tudo que temos e de que gozamos, segundo a natureza e segundo a graca, premincio de outros, maiores, numa vida que jamais se apagari. Estes beneficios ¢ promessas sfio de natureza a munca se afastarem da nossa lembranca, Nunca 0 nosso espi rito poderia medité-los e contempla-los suficientemen- te, nem © nosso coracio mostrar-se bastante grato ¢ sensibilizado. 3 Devemos-lhe uma obediéncia pronta, exata, eons- tante, que brote do coragao, que procure o bel-pra- zer divino de preferéncia ao interésse pessoal, e pre- ze a honra de obedecer-lhe mais que a recompensa inerente, obediéneia que lhe previna, na medida do possivel, as intengdes, que nio se poupe nem se bus- que a si mesmo, que nfo aguarde a ordem expressa e rigorosa para agir, mas vi de encontro ao menor jo da vontade divina. Fixaré, por acaso, o filha dedicado algum limite 2 obediéneia que deve ao pai? E, ao executar a ordem dada, fart distincio entre esta e o desejo paterno? Devemos-lhe, acima de tudo, o amor; e que amor! Amer puro, desinteressado, generoso, vive, ardente; amor capaz de tudo empreender, de tudo sofrer, de tudo sacrificar para Deus; amor que nada repele, que nenhum obstaéculo detém e nenhuma difieulda- de abate, mas cujas provacdes apenas servem para o inflamar cada vez mais. Amor, numa palayra, que tenha algo da imensidade e do excesso da caridade que Deus nos tem. Por muito que nos esforeemos, jamais amaremos a Deus senao de modo finito, como sabe amar a criatura. E éle amou-nos como Deus, im- primiu ao seu amor caracteres duma infinita bonda- de. Mas nosso amor, por isso mesmo que 6 finito, 6 sempre suscetivel de expansio, e neste ponto capital devemos sempre estar descontentes com nbs mesmos © procurar amar sempre mais. A paixfo nunca julga a RETRO ESPrRITUAL amar bastante, e suas express6es, apesar de fortes, Parecem-Ihe Sempre frasas. Embora ce esgote em pro- Yas, munen se aproxima daquilo que quisera fazer, Envergonhemo-nos de nao amar a Deus com um amor pelo menos igual ao amor terreno. Devemos-Ihe um recejo filial de desagradar-Ihe, re- eelo extremamente delicado, que nos conserve numa vigilineia, numa cirounspecio e num quase susto ante 0 menor periga de ofendé-lo. Alegarel ainda’ | Aqui paixio? Quem nie sabe até que ponto esta reeeia afender, por menos que seja, ao seu bem- amado? a Devemos-Ihe uma dependéncia absoluta a tédas as dispesicses de sua Providéncia; uma persuasio ine tima e inabalivel de que éle nada quer, nada. deter- mina, nada permite, senio para o nosso bem espiri- tual; uma confianca a téda prova na sua bondade, que nunca nos permita duvidar de suas disposigoes paternais e nos faca erer contra téda esperanca; uma. entrega cabal em suas méios de todas 03 nossos ine teréases, a fim de que disponha de nés para sua_ maior glérla, em tudo e como melhor lhe aprouver, para o tempo ¢ para a eternidade, nfio querendo nds Outra felicidade senéo a de contenté-lo. Devemos-lhe, — enfim, uma dedicacio perfeita e universal, uma eon. sugratio de tedo o nossa ser, em virtude da qual enistimos e vivemos tnicamente néle e para éle. Sera ico oxngéro? I se podemos imaginar mais alguma coisa, nfio o devemos ainda a Deus? JA que © proceder da maioria dos eristios, ¢ talvez © nosso proprio, gravita em térno do temor ¢ do in- terse, € mister considerar a difcrenca essencial en- tre as disposicdes do filho, que instintivamente pro- cede por amor, @ a8 do eseravo, que sé obedere le. vado pelo temor, Ora, diz Sio Paulo, nenhum & mais escravo e sim filho (Gil 4, 7.) Nao recebestes 0 espi- vito de servidao outra vez, no temor, porém recebes- tes @ espirito de adocao de tilhos. (Rom 8 15.) O18 PRIMEIRO DIA 25 amor é 0 quinhio dos fiéis, como o temor o foi de hebreus, A earidade é © distintive da lei nova, como o temor o foi da lei antiga, e na caridade perfeita nao ha temor. (1 Jo 4, 18.) Assim, podemos julgar do acréseimo de caridade em nosso coracio pela di- minuicado do temor, ¢, se éste prevalece, é sinal de que amamos pouco. BH’ mister ainda considevar a diferen- ga entre o filho e © mercendrio. O filho serve por afeto, o mereendrio por interésse. Aquéle visa o con- tentamento paterno; éste, sua prépria vantagem. Se o filho de Dens niio exclui, de certo, do seu mével de aco @ posse eterna da bem-aventuranea, sabe, no entanto, muitas vézes passir além, levada por win motivo mais puro, que diz respeito ao proprio Deus, enquanto que o mercenrio euida principalmente des- sa felicidade, como devendo scr a recompensa de seus servieos, ¢ refere Deus a si mesmo, alterando assim @ ordem que manda referir-so He a Deus. A espe ranea 6 boa, ¢ justa, e enquanto vivermos ha de sub- sistir sempre em nés, Mas a earidade- deve domin: la, e nao ser dominada por ela; de outro modo, em Vez de filhos, seremos mercenarios. Vejamos agora, mas sem nos lisonjenrmos, neni nos atribularmos sem necessidade, vejamos, digo, com re- tidio e simplicidade, em que pé est4 nosso coracio em relacio aos sentimentos que acabo de expor, depois de invocarmos 9 Espirito Santo, examinemos a fundo nossa consciéncia. Agradecamos o bem que julgamos encontrar em nds, pois foi Deus quem n6-lo coneedeu, ¢ esforcemo-nos por adquirir o que nos fal- fa, humilhande-nos. Afasiemos téda satisfacio pré- pria, come se niio nos restasse mais nenhum progres- so a fazer nas disposigdes interiores dum filho de Deus. Animemo-nos, pelo contrario, procurando aper- feigoar dia a dia nossas disposigées, recorrendo para éste fim A oracio, ao uso freqliente dos Sacramen- tos, 4 pratica das virtudes, e aos outros meios que Deus nos pds nas maos, Segundo dia. PRIMEIRA MEDITACAO, O CRISTAO E’ FILHO DA IGREJA. Primeito ponto. —- A Igreja é a espésa de Jesus Cristo, Coube-lhe éste titulo em todos os tempos, e foi o proprio Deus quem Iho deu nas Sagradas Mseri. turas. Vem, disse um Anjo a Sao Joio no Apocalipse, @ te mostrarei a Espésa do Cordeiro. Para Sio Paulo © casamento é um grande sacramento. Bste misté tio é grande (Ef 5, 32) mas em relacio ao Cristo ¢ 4 Igrej2. Maridos, amai as vossas mulheres, como também Jesus Cristo amou a Igreja e se entregou ‘por ela. (Ef 5, 25,) Adquiriu-a com seu Sanguo (At 20, 28), diz ainda o mesmo Apéstolo, gerou-a, uniu-se-lhe na eruz, Foi nas dores e nos oprdbrios de sla miofte que se consumou éste enlace divin, do qual todos nés nascemos espiritualmente, Fiquemos nesta idéia. Que santidade nfio exige de mim a minha. qualidade de filho de Deus ¢ da Igre- Ja? De filho, formado do proprio Sangue do Filho de Deus, concebido nos tormentos ¢ nas ignominias da Cruz! Terei cu jamais refletido nestas cireunstin- cias que envolvem minkia origem e meu naseimento espiritual? Compreendo eu agora por que 6 Lei cristi uma lei de remimeia, de de morte a ai mesmo? Ai de mim! ignorei até hoje o que cons titui a prépria base de minba religifio, a fonte de minha nobreza, o principio de todos os meus deveres; ‘Ou entiio passei de leve sébre tudo isto, sem tirar as consegliéncias que dovem forcosamente influir sobre 05 meus sentimentos ¢ s6bre téda a minha vida, Ah! Senhor, penetrai-me neste momento desta grande ver- dade, e dizei-me como deve pensar um filho de Jesus Gristo e da Igreja, nascido no Calvario. SEGUNDO DIA Po Segundo ponto. — A Igreja, que gera filhos a Jesus Cristo, é aquela mesma a quem éle confiou a prega- io das doutrinas que ensinou, as funedes do eulto que estabeleceu, a administragio dos Sacramentos que instituin, isto é, 0 Corpo de Pastéres, revesti- dos do cariter augusto do sacerdécio, investidos do poder neccssario, para, de idade em idade, formar o povo de Deus e o alimentar, governar e conduzir para ‘9 céu, Tal Igreja, evidentemente, nao 6 outra senio a Igreja Catélica, que remonta sos Apéstolos. Bles a firmaram em nome e em virtude da missio de Jesus Cristo, e, desde entfio até aos nossos dias, ela vem demonstrando claramente a perpetuidade de sua su cessiio, Que felicidade para mim ter eu nascido no — seio desta Igreja, da qual se separaram tantas sei- tas pelo cisma e pela heresia! Como mereci eu tama- nha graga, de preferéncia a muita gente que nasce, vive @ morre na infidelidade ¢ no érra? Quanto menos a mereci, tanto mais a devo reconhecer. Bste reco-— nhecimento obriga-me ainda a aproveitar todos os socorros espirituais que a Tgreja, minha Mae, me oferece para me santificar e me salvar. Que crime seria o meu se nfo me aproveitasse, ou me aprayei- tasse mal, déste socorro. Que desgraca se, por culpa propria, tantos meios de salvagio se tormassem em instrumento de minha perda! Terceiro ponto. —- A Igreja nao somente é a Es- pésa de Jesus Cristo, mas ¢ também o seu Corpo Mistieco, Compreende neste sentido todos os fiéis que @ compéem, sem distingio de PastOres e de pova. E’ ainda Sao Paulo quem nos ensina que Jesus Cristo 6 a Cabeca da Igreja, a qual 6 seu Corpo. (Ef 1, 23.) Sou, portanto, na minha qualidade de or: bro do Corpo de Jesus Cristo, e estou unido a éle come a men chefo. Se, no corpo animal, a cabega exer- ce grande influéncia sébre os outros membros, grande também 6 a unifio e a correspondéncia que reina en- 28 RETIRO ESPIRTTUAL tre @8 membros para gua mitue conservacéo. Imagem fraca da influéncia que Jesus Cristo, meu divine ‘Che- fo, deve cxercer sdbre mim, o da unio © assisténcia mitua que a caridade dove estabelecer entre todos os filhos da Igreja, Lembra-o Sao Paulo na sua pri- ~ meira epistola aos corintios (12, 12 ss,), a qual do- vemos ler com atengdo. A nao ser por uma Iuz (Oda Particular do Espirito Santo, que devo solicitar a todo instante, nunca hei de coneeber a intimidade com Jesus Cristo que me d& minha qualidade de membro dum tal Chefe, e até que ponto devo depen- der déle, a obrigacdo que tenho de assomelharme & éle, a santidade, por conseguinte, 2 que sou ¢ha- mado. Tampouco hei de conceber 0 quanto devo amar 408 cristiies, mens irmos, filhos e membros como eu de Jesus Cristo © da Igreja; a compaixio que me devem inspirar ¢ a3 socorros que itm o dircito de esperar de mim nas suas vicissitudes e necessidades temporais; 0 zélo com que devo orar por éles, edi- ficando-os ¢ contribuindo para sua salvacio por todos “93 meias a0 meu alcance, ‘Quantas culpas de omis- sio talvez me deva imputar neste ponto da caridade fraterne, porque desconheco téda a oxtensio dos meus deveres. SEGUNDA MEDITAGAO, 0 BATISMO TORNA-NOS FILHOS DE DEUS E DA IGREJA, Outréra, nas primeiras eras da Tereja, quando os Pagiios, impressionados com a divindade da religiao cristi, Se apredentavam para ser batieados, che gavam, na maior parte, carrogados de todos os eri- mes que a idolatria Ihes autorizava. Ao serem, porém, instrufdos com todo cuidado pelos proprios Bispos a respeito das verdades da fé, das gracas quo iam re ceber, dos compromissos sazrados que iam assumir, ficavam tio compenetrados do reconhecimento que deviam a Deus, aproximavam-se do Sacramento com SEGUNDO DIA a disposigées tio santas, que uma mudanca radieal se operava néles tanto nas idéias e sentimentos como nos costumes. JA nfo eram homens, ¢ sim Anjos na terra, prontes para tudo deixar e tudo sofrer pela 16, vigilantes para conservar sua inocéneia batismal e embelezi-la pela pritien de tédas as virtudes. Ani- mados com tra mesma £6, 05 pais iam proasurosos Jevar A igreja sous filhinhos, apenas nasciam, para que féssom regenerados em Jesus Cristo e, loge que a idade o permitisse, incutiam-Ihes a mais alta idéia do que era o Batismo e dos deveres que impunha, As desordens, que mais tarde se introdusiram na Igreja, devem-se em grande parte ao fato de os pals j4 nao impressionaram os filhos com cates idéi bem como aos préprios filhos que, uma vez adult fi nfio recorrem a ela nem bastanies véves nem com bastante energia, Cabe-nos hoje reparar esta nossa negligéncia e meditar atentamente no que éramos antes do Batismo ¢ hos compromissos que néle assu- iin ites do Batismo, que era eu? imeiro ponto. — Antes do 1 2 ee nasel? Fui coneebido € vim 20 mundo nea desgraca de Deus, manchado na minha qualide- de de filho de Adio com o pecado original, escravo do deménio, tendo perdido direito a todos os pri vilégios e estando privado de tédas as graces pré- prias do estado de inocéncis, incapaz de alcangar o meu destino inicial, isto 6, a posse de Deus, e conde- nado depois da morte temporal a outra, eterna. Nao fésse o Batismo, men espirito teria ficado imerso na ignordneia das verdades sobronaturais, ¢ minha von- tade nfo as teria nem prezado nem almejado espon- timeamente; minha Hberdade, enfraquecida e doentia, gentindo uma inelinagao violonta para 2s oe spugnineia extrema para o bem, nao teria - ee eee ee ae estas disposiedes, Dominada pelos sentidos e paixdes, minha alma, présa & terra, apegada tmicamente As 80 RETIRO ESPIRITUAL solsas sensiveis, nunca teria levantado os olhos para © eéu. Vivendo sem Deus, sem f& sem lei, sem es- peranga, tendo acumulado peeado sobre pecado, nio teria nem remorso de té-los cometido, nem vontade nem meios de expia-los. Que situagdo aflitiva! Nao se trata aqui dum simples apanhado da imaginagdo. Existe algo de semelhante ontre os selvagens que Perderam, pouco a pouco, todo vestigio da revelaco Primitiva; entre os idélatras, que a alteraram e dese figuraram; entre os sistemas absurdos 6 impios da azo orgulhosa, entregue a si mesma, Se mo volto para minha pessoa, sé me examino um pouco mais de Perto, descubro Gases germes no meu cspirito, cholo de erros, @ no meu eoracao corruto. Eis, sem dite vida, motivo de sobra para um cristio se humilhar ¢ gemer. Nao me tivesse a revelagio aberto os olhos, Jonge de gemer, nem sequer teria conhecimento de minha desgraga, ou cntao, se o tivesse, apenas ser- viria pare me agravar o desespéro, Segundo ponto. — Pelo Batismo, que me tornel eu? Lavado na agua, purificado no Espirito Santo, sai das fontes batismais limpo de téda mécula, revesti- do da grace santificante, mareade com 0 sélo dos fic thes de Deus. Este segundo nascimento livrou-me da eseravidao do deménio, que perden todo direite sdbre mim, ¢ reintegrou-me com vantagem nos meus anti- G08 privilégios; chamou-me de novo ao destino que de inicio me fora preparado e, para o alcancar, me formeceu sccorros mals podercsos e abundantes do que aquéles que reccbera Adio inocente, Figuei, na Verdade, sujeito as penas temporais do pecado ori- ginal, 20 trabalho, 3 dores, as doences, a morte. Mas tals penas, longe de me prejudicarem a alma, Podem, pelo bom empréga que delas fizor, ajudd-la & amontoar méritos para o-céu. Foi eom esta inten. Sao que Deus mas deixou. Assim, em vez de punicGo, silo outros tantos meios de aumentar minha fell. SEGUNDO DIA o cidade eterna, e desde que Jesus Cristo as quis to- mar sdbre si, tornaram-se-me salutares, suaves, e de inestimivel valor, E” verdade que a concupiseéncia, ésse foro de peeado, continua viva epés o Batismo, mas depende de mim consentir ou nio. Tenho gragas poderosas para resistir, e cada resisténcia que Ihe ofereco & uma vitéria que ganlio, & que, enfrague- cendo-a, me é ao mesmo tempo gloriosa ¢ meritéria. Hime util, senfo necessdrio, todavia, sentir eu essa coneupiseéneia, porque me conserva vigilante ¢ entre- tém em mim o espirito de oragao, além de manter-me na humildade e na desconfianca de mim mesmo. Se 0s bens espirituais, que recebi no Batismo, sic incom- paravelmente superiores aqueles que o primeiro ho- mem reeebou na criacao, as misérias que mo deixou servem, nos designios de Deus, para rebaixar o meu orgulho, mortificar o meu amor proprio, e assim ga- yantir a minha salvacio. Nada por conseguinte de mais exato, do que as palavras de Sao Paulo de que onde abundou o pecado superabundou a eraga (Rom 5, 20.) + Terceiro ponto, — Que compromissos assumi eu no Batismo? Se, na verdade, nfo os assumi em pessoa, por falta de conheeimento, aquéles que me levaram fs fontes sagradas responderam por mim. Chegado, porém, & idade da razio, tive que ratificar essa promessas, ou renunciar ao Batismo. Sio compro- missos que decorrem de minha qualidade de filho de Deus e da Igreja. Comprometime a crer tedos os artigos de fé, a prefessar piblicamente ag minhas crencas, a praticar a moral evangélica ©, se a tan- to fér inspirado, a pratica-la até naguilo que é de puro conselho, Comprometi-me formalmente a renun- ciar a Satanas, as suas pompas e as sua: obras, A Satands, isto 6, As suas sugesiGes e tentagdes, como autor do mal que é, como inimigo de Deus ¢ de mi- nha alma, As suas pompas, isto €, 20s objetos sensi- (ak RETIRO ESPIRITUAL vols de que se serve para me provecar o orgulho, me lisonjear 0 amor préprio, me incitar A cupidez e & sengualidade, As suas obras, isto & ao pecado, tanto vonial como mortal, ¢ As ocasides de poeado, a’ tudo aquilo que em mim, ou fora de mim, me leva ao mal, — E jf que sou a propria fraqueza e impoténcia, eu me comprometi, para tornar real esta renincia, a empre- Bar todos os meior, interiorea e exteriores, que Deus me proporciona para me preservar do pecado, para _ _ chorar e explar os que eorieti, para me sjudar a sair_ do estado de pecado. Faz-se mister entio que a cada momento © em cadn circunstincia da vida, eu pratl- quo integralmente o hem ¢ evite o mal, Se me re- tratar de um 56 déstes compromissos, euja minudén- cia alcanga uma extensio imensa, violo as promessas do meu Batismo. Se nado procurar instruir-me enida- dosamente a respeito, se me descuidar de cumpri-las, Se nfo as considerar como o primeiro, e até o tmico escopo de minha vida, — pois tudo mais Ihe deve estar subordinado, — minha culpabilidade, em réla- Go A santidade de meu Batismo, soré maior ou me- nor, confotme eu tiver degenerado mais ou menos da. minha qualidade de filho de Deus e da Igreja. Se faltar assim a promessas tao solenes, autorizo a Deus a nao guardar mais a da vida eterna quo mo fez no Eatismo. Senhor, possa cu dorayante ndo perder mais de vise ts tem o triste estade em que me encontrava antes do Batismo, nem as gracas que néle recebi, nem os compromissos que néle asaumi, Sirvacme esta lem- branga para me animar ao amor ¢ ao teconhecimen- to a Deus, ao 6ilio ¢ ao desprézo de mim mesmo, bem como ao cumprimente exato de minhas promessas. a SHGUNDO DIA 88 THRCHIRA MEDITACKO. GO BATISMO ASSEMELHA-NOS A JESUS CRISTO. Algumas passagens de Sao Paulo, que devemos. conhecer © aprofundar, constituirao o tema desta terecira meditacio. Assim a idéia que formaremos do Batismo ser& conforme a de Jesus Cristo, quando falava pela béca do Apdstolo, Primeiro ponto. — Tomes batizados na morte de Jesus Cristo, a fim de morrer com le. Assim lemon na Epistola aos romanos. Fomos batizados em Jesus Cristo, batizados em su morte, porque fomos se- pultados com éle para morrer pelo batismo. (6, 3.) Qs primeiros cristiios compreendiam perfcitamente esta linguagem. E née? Dirige-se, no entanto, « éles ea nés. Batizar quer dizer mergulhar. Ora, duran- te os primeiros séculos, o Batismo faziasse por imer- 840. A crinnga, ou o adult, era mergulhado na agua sagrada em nome das trés Pessons da Santissima Trindade, Apesar de ter a Igreja alterado mais tarde a forma do Batismo, o pensamento de Sio Paulo vale Para sempre, No Batismo somos mergulhados na mor- te de Jesus Cristo. Isto significa que o Sacramento de- ve i morte de Jesus Cristo sua instituicio, bem como sua virtudo regeneradora. Ty a perfeita remissio € expiagio de todos os pecados. Fol pela morte que Jesus Cristo satisfez plenamente a divida contraida pelos nosses pecados, ce 6 no Batismo que esta satis- fagdo nos @ aplicada integralmente, Todos os pecados passados ficam remidos, tédas as suns penss ficam apagadas. Aquéle, pols, que morrer logo apés o Ba- tismo entra sem demora na posse da felicidade eterna. ‘A morte de Jesus Cristo €, portanto, como um banko, no qual o Batismo nos mergulla para nos purificar inteiramente. Mas essa purificagio a6 se realiza com @ morte do homem velho, de Adio peeader, que fol submerso e sepultade com Jesus Cristo nas figuas no Batismo. O nosso homem veliio foi crucificado, diz Retiro Espiritual — § MM RETRO HSPIRITUAL Sao Paulo, para que seja destruide ‘ cado, e 74 no sitvamos mais ao pecade (hom ¢ 8) No Batismo, por conseguinte, cuja virtude 6 0 prin. cipal efeito da morte de Jesus Cristo, © onde ease aes nos é aplicada de modo especial, o homem ve- tho que esti em nés morre, e nés nos compromete. OS @ nunca mais o fazer reviver. Assim o homem Novo, ou cristio, sb aparece com a morte do homer velho, Quem, pols, torna a dar a vida a date pelo pes cado, dia morte Aquele, @ torna sem efeito o Batis. moe a morte de Jesus Cristo, Segundo ponto. — Pelo Batismo Fessuscit; Jesus Cristo, Tendo sido sepaltados com éle no Ba. eismo, no qual também ressuscivastes pela 16 no po. teal 7 ae que o ressuscitou de entre os martes, {Gol 2, 12) Pela Imersio o homem pyendor desapa. cava, por assim dizer, sepuliado na agua Come Jesus Cristo no timulo, Ao emergir, pocon’ tessuseltava & graga ¢ tomava a uma vida move 2 exemplo de Jesus Cristo que satu vivo © glorioso d aepulcro, Para ressuseitar pelo Batismo, o adulto a via erer no grande milagre da ressurreieio de Jesus Cristo. Na erianca, esta incapacidade de crer supre- Se por squéles que a levam 4 pia batismal e falam a eeu nome, ou pele fé de quem a batiza, ou, en- fim, pela £8 da Tgreja, O Batisino 6, pols, para’ nd uma resvurreicao espiritual, uma passagem da morte do peeado & vida da Braga. Mas, continua Sio Paulo, tendo Cristo ressuscitade dos mortos, id nao. morn, mens 4 morte o dominara mais (Rom 6, 9) donde con. clui ‘Que assim também deve ser em se tratando do cristao. Ressuscitado & graca, ni deve mais morrer pelo pecado, nom deixar “ue a morte, nao a do corpo, mas da alma, exerca poder sdbre dle, Bis o que pols srlstios devem procurar incutir no espirito de seus Tilhos logo que éstes estojam em condigSes de com. Preendé-lo, Eis o que todo aristio deve repetirse SEGUNDO DIA ES si mesmo eada vez que o pecado o golicitar, Deve ainda, para se excitar & pratiea do bem, se desape- gar dos bens da terra, clevar os pensamentos © afetos para o céu, e lembrarse a tedo momento das palavras que o Apéstolo dirigia aos eolossenses: Por- tanio, se-ressuscitastes em Cristo, buscai as caisas que sao do alto onde Cristo esté sentado & destra de Deus. Tende gésto pelas coisas que sio do alio, nao pelas que estdo na terra. (3, 1.) Ah! estivesse ew bem compenetrado desta moral do Apéstolo, © seria um homem todo celeste, levaria uma vida divina, teria horror ao pecado, estaria helo de ardor pare praticar as virtudes eristiis. Terceito ponto. — Pelo Batismo revestimo-nos de Jesus Cristo, (Gil 8, 27.) Assim esereveu Sio Paulo aos galatas, e ¢ evidente, porque no Batismo despo- jamos a Adio, o homem velho, e nos revestimos de Jesus Cristo, o homem novo. Aliés, nfo se trata aq dum despojamento e dum revestimento exteriores. ‘Trata-se da alma, que, no scu interior, nos seus pen- samentos e afetos mais intimos, se despoja de Adso @ ge reveate de Jesus Cristo, Reflitamos bem no senti- do dosta expressiio revestir-se de Jesus Ctisto; ou an- tes pecamos a Deus que nos esclarega a ésse respeito. Para tanto 6 mister conhecer, amar, e querer asseme- thar-se a Jesus. E em que? Nas disposigdes em que se encontraya em relacio ao Pai, nos sentimentos que tinha a respeito de si mesmo, na caridade que exer- cia para com os homens, seus irmios, Sio trés abis- mos que nunca pederemos sondar e de que s6 nos vir& algum conhecimento, na medida em que pene trarmos no interior do Homem Deus. Mas quem, en- tre nés, procura penetrar nessé interior? Quem tem sequer a idéia e 0 dezejo de fazé-lo? H’-nos, no entan- to, indispensivel, ja que o interior de Jesus 6 o mo- délo do nosso, e que 86 seremos crietios na medida ema que imitamos. Um homem revestido de Jesus ont 86 RETIRO ESPIRITUAL Cristo, assim define Sio Panlo o cristo, Um homeni Aue, interiormonte, exprime a Jesus Cristo ¢, exte- Tiormente, o reflete; um homem que estima, ama e Procura aquilo que Jesus estimou, amou o procu- rou; que despreza, odeia e rejeita o que Jesus Cristo desprezou, odiou © rejeitou. Comparemo-nos agora com éle, ¢ confrontemos nossas idéias, afotos ¢ aesea eon as suas. Na medida em que formos conformes a éle, Julgatemes até que ponto somos erisifios. Ai de née! Quem pede sustentar semelhante paralelo, sem ficar confuso € hurailkedo! Confusio salutar que nos leva ® uma reforma eficaz, porquanto de nada nos adi- ante ficarmos humillados ¢ confuses, se eontinua- Mos sempre os mesmos. Neste caso as Inzes que re. cebemos e os bons sentimentos que experimentamos Reste retiro s6 resultardo em nossa condenagao, CONSIDERACEO SOBRE OS DEVERES pum FILHO DA IGREJA, Tais deveres sfio mais extensos do que em geral su- Poms, ¢ poucos siio os cristiios que os cumprem exata- mente. Devo a Tgreja uma inalterdvel fidelidede, De- Yorlhe um terno reeonhesimento pelos seus culdados maternos, pois ela me gerou a vida espiritual, nu- triume do leite de s8 doutrina, instruiu-me’a respeito de minhas obriguetes, fortaleceu-me com seus Sacra. Mentos, 6, ainda hoje, esclarece-mo nas dttvidas © obse curidades com sus autoridade infalivel; dirige-me com sablos conselhos; ergue-me © repdo-me no caminhe fom suag adverténcias e admocstacdes: consola-me © Sstenta-me nas adversidades com oragde4 que inces- santemente oferece por mim; nio me abandond um instante sequer, da inffncia ao iiltimo suspiro, quando tedobra de solieitude € de lo pela minha salvacios nem depois de morto sé eaquoee de mim, rezanda Pela minha alma no santo Saecrificio, Como’ pode ria ser insensivel ao carinho de to boa Mae? SPGUNDO DIA ah is, i ite pelo éxito da 0, pois, intoressarme vivamen tae pela sua gloria e expansao » pela. Onn dos heveges © dos infifs, ¢ auullay a5 boss bres ‘mantém, com meus bens, meu. crédito, a Tentos, Se tiver alguma suloridade, devo onpresi- la para proteger a Igrejs, fazer com. que see espe i ni tada, @ rebater seus inimigos para Se os intentos. Devo afligir-me com £ Hee Ree pal: som on cathaa er cinlerted bes seguig6es de toda espécie que se abatem sdbre al procurando alivié-ln pele menos com meus votes € has oragbes. i Devorlio uma doolliéade perfeita, em so tratando de tudo que me ensina, uma submissiio inteia oe espirito © de coracio as suas dec! oes, uma ol Gnola religiosa As suns ordons, uma fidolidade exa- ta na observineia do seu culto. = Devo acatar altamente a pessoa © o carater de Pea otros, yela dignidade e antoridade que revestem. Se, por um lado, me € licito, mais aide, se me € um dever, ovitar os de doutrina suspoita, de mo xagerada ou relaxada, ou de vida Seon ae me fosem motivo de eselindalo, por outro Iado devo scr de unia extrema reserva ema julgé-los, e silencia Thes as faltas seoretas, Se, poréii, motives imperio- i elas, devo usar de mult me obrigarem reveli-las, : megeragto erenspcio e ypaito geno sobre os i indi 108, desordens puiblicas dos individuos, = fio 08 fiéis, sObre a negligéncia com exemplos que dio aos fidis, eelggncia com lesempenham de seus encargos, A te es profunda ao Clero soe 0 Feet © mio allerer estender a todos os mete es que merece tal ou qual, aibsterides ime de téda critica, de téda censura aaa an ‘ou de menoscabo, As heresias dos ‘ltimos ie ee devem a um zélo exagerado om relacio ses sacs is reinantes nin Tgreja no momento, 2élo amango @ farisaico, gerado pelo orgulho, que produziu av ae RETRO SPIRITUAL Silo © édia, zélo muitas vézes hipécrit ito, que bre intenedes Perversas, Sob pretexto de tudo reformar, Be ae declamacdes violentas, isi se re caluniosas, uma cilada para os fracos ¢ crea fo para os impios e os lhertinos. E' mister, pois, dé noséa alma. Os artifielos Seat + duo se atranenr-lho contra a Tgreja e procura Pa ‘8 filhos, so grandes e suas ciladas sube que & 2 colina ¢ 0 tundamenta da verdade’ (Rees SF: bela, de Sio no: Quem Cipria- Deus por pri tiver a Tereia por Side, mio terd a Terceiro dia. PRIMEIRA MEDITACAO. 0 CRISTAO #’ DISCIPULO DE JESUS CRISTO. Ji vimos que, em nossa qualidade de filhos de Deus, somos frmios de Jesus Cristo, e, em nossa qualida- de de fruto de sua uniao com a Igreja, somos também ‘seus filhos, Seria demasiado longo eonsiderar aqui to- das as relacden que existem entre o cristio ¢ Jesus Cristo — matéria mais que suficiente para encher todo o retire. Hseolhamos, pois, algumas apenas, @ meditemos, primeira, aébre a relactio entre o Mostra eo diseipulo. Primeiro ponte, — © eristio 26 tem vm Mestre, a quem deve consultar e ouvir. EB’ Jesus Cristo. Ele mesmo no-lo declara expressamente (Mt 23, 10), ¢ o Padre Eterno, falando através das nuvens, diz-nos: Ouvi-o! (Mt 17, 5.) Sendo Deus Este Mestre, tem téda a autoridade, ciéncia, sabedoria e infalibilidade de Deus. A fim de ‘se por mais ao nosso alcance, fez-se homem, tornou- se semelhante a és. Merece, ninda, por isso mesmo, bem como pela sun condescendéncia e afabilidade, pelo zélo que lhe ingpiram nossos interésses, mais atencao, mais docilidade e submissio de nossa parte. Ensina-nos sémente aquilo que nos conduzir fi felicidade eterna, ou até & tnica ‘tem- poral de que somos capazes em virtude de nossa eon- dicho presente. Assin, 26 6, e 86 pode ser feliz, quent se torna seu diseipulo. Para ‘seu ensinamento, Jesus junta-lhe 03 exemplos, sendo sempre o primeira a praticar, ¢ do modo male perfeito, aquilo que nos mente possivel, mas até doce © agradavel, enquanto AOS RETIRO ESPIRITUAL insta conosco para que os aceitemos, Enaina com uma _ simplicidade, uma dogura, e uma insinuacio admira- veils, tocando 0 coragéo © dispondo @ vontade, a6 ea clarecer € eonvencer 6 espirito. Acomoda-se a todos os temperamentos; adapta-se & nossa capacidade e as hossas disposiodes atuais, © sujeita sua luz ao nosso Progresso. Em vida, ensinou abertamente, e sua dow- trina chega-nos tio pura como se a tivéssemos ouvi- do de seus prépriog labios. Explica-nos ainda esta qoutrina pelo érgio dos minisiros da Tereja e, mais ainda, ensina-a interiormente, a téda hora e em tox do lugar, falando, a quem se mostra -atento, por meio de inspiragées secretas, E’ sempre a fonte da, verdade, chegue-nos esta sob qualquer forma. EB’ o Mestre —o que Mostre! — da grande, da iimica cién- cia, daquela que, em yerdade, interessa ao homem, Di- gamos-lhe com So Pedro: Senor, para quem ha- vemos de ir? Tendes as palavras da vida eterna. (Jo 6, 89.) fs Segunde ponte, — Que condi¢io impde Jesus Cristo'a quem se quer tornar seu diseipulo? Impde diversas condigSes, sem as quais niio admite nin- guém no seu séquito. Primeira eondicéo: Quem nao renuneia a tudo que possui, n3o pode ser meu dis- cipulo. (Le 14, 33.) Tanto nos importa sermos dis. sipulos do Salvador, como nos importa compreender- mos bem esta passagem do Evangelho. Sic os bens da terra que possuimos que, de ordinSrio, nos pos- Suem por sua vez. Jesus Cristo nio exige aqui um despojamento de fato, mas aconselha-o, como diz no Bigerehe, 26 a quem quer ser perfeito. De quem fuer tornar sou disc(pulo, éle exige que renuncie ® qualguer afeto que possa ter a ésses bens, que desapegue seu coracio, © nio ponha sua felieidad No géz0 que Ihe dio mas se limite, no uso que fizer das riquezas, das honras e dos prazeres déste mundo, fo que for justo @ permitide. Por que exige Jesus “SEGUNDO DIA a Cristo esta renincia, como preliminar indispensivel, de quem se quer tornar seu discipulo? Porque o divino Mestre nao tem outro objeto sendo ensinar-nos que fomos criados para as coisas do eéu, que constituem nosso Ultimo fim, e nas indiear o caminho a seguir. Quer, por conseguinte, que as estimemos e prezemos acima de tudo, prontos a sacrificar, se preciso fér, todos os hens lemporais para as adquirir. Ora, para estar em condicées de fruir uma tal moral, ¢ afel- goar-se a um Mestre que a ensina, 6 preciso nfio ter nenhum apégo as coisas da terra, apéges que aio outros tantos pesos a nos arrastar a alma, impe- dindo-a de elevar-se até s coisas do Alto. Se al- guém, disse Jesus Cristo, vem a mim, e nao aborre- ce a seu pai e mie, mulher ¢ filhos, irmios e irmas, @ até mesmo a sua vida, nao pode ser meu discipulo. (Le 14, 26.) Esta segunda condicao implica numa re- miimcia maior, jA que manda aborrecer as pessoas mais earas, ¢ até a prépria pessoa. Esta palavra, nos _ labios do Mestre de caridade, que nos manda amar aos inimigos ¢ que orou e derramou o Sangue por nés na cruz, nao nos deve amedrontar. Trata-se dum aborrecimento sobrenatural, efeito da graga, que nos faz detestar, repelir e combater em nosso irmaos, € em nég mesmos, tudo que nos impedisse, a éles ¢ a nés, de ir a Jesus Cristo e de abracar-lhe a doutri- na. A terceira condig&io 6 a seguinte: Aguéle que nao carrega a sua ctuz, ¢ nda vem apés mim, nao pode ser meu discipulo. (Le 14, 27.) Carregar a cruz é pra- ticar a mortifiengic interior ¢ exterior, 6 suportar os reveses © contrariedades da vida, as ansiedades de ¢s- pirito, os desprezes, as humilhacGes, as perseguigies, o tormento das tentacées, as provagdes divinas. FY, digo, suportar tudo isso pelo menos com resignacio & submissio & vontade de Deus. Quem carrega assim a sua cruz, anda nas pisadas de Jesus Cristo. Kis trés condigdes que se concatenam, e sem as quais néio digo que seremos cristacs imperfeitos, porque nio © sere- 42 . RETIRO BSPIRITUAT, mos de todo, nem 0 poderlamos ser. i ie sou eu? Que devo pensar do min mene | Terceito ponte. — Que sentimentos tiveram oa San- tos a respeito desta qualidade de diseipulo de Jesus Cristo? Que idéia formaram? Citarei apenas dois exemplos, Um & Santo André. Ao avistar a cruz que The havia sido preparada, transportad de. alegria @ © do amor, oxclama: “O’ cruz amdvel, eruz degeji- Yel, cruz pela qual suspiro ha tanto tempe com todo .0 ardor de meu coracko, cruz que me é finalmente coneedida, reeebeme nos teus bracos, recebe o dis. cipnlo de Jess Cristo, meu Mestre, que fol suspen. 50-no teu Teno!” © outro 6 Santo Infoio, Bispo de Antioquia. Indo Gle a Roma para ser dovorado pelas feras no anfiteatro, escreve acs cristiioa desta cidade _ dizendo que 86 enifio comeca a ser diseipulo de Jesus Cristo! Este Santo, cuja vida se conaumin toda no labor no seu miinus episcopal: que chogou & Velhiee na pritica das mais cmincntes virtudes; que Sea erete de amor a Deus que Ihe dayam, @ ale © se dava, o sobrenome do Teéforo, ol. To agora que vai terminar sua carroira pelo marti: riot’ A tal ponto desejava sofré.lo. que conjura aos cristdos de Roma que n4o empreguem sua influén. Gia para o libertar, receando, até & tiltima hora, que, Dor um milagre, como se ji havia dado, as forse cae © quiseasem atnear. “Se me pouparem, dizia éle, ea irei-lhes ao encontro ¢ instarei com elas para que me devorem!” E jlgava que s6 entdio comecava a ser Giscipulo de Jesus Cristo! Bem sei que se trata dum _ Sehtimento repassade de humildade, sincero, por SMiseinte, sentiment que traduzia a alta idéla que Ge se fazia do discipulo de Jests Cristo, Ends, ao, vardes, tibios, imperfeitos, ficariamos ofendidos ge alguém nos relntasse 0 que Santo Inicio pensava do si mesmo! Que somos nds eomparados com os Santos! | os somos comparados com Jesus Cristo, nosso re] THRCBIRO DIA 43 SEGUNDA MEDITACAO. © CRISTAO E’ IMITADOR DE JESUS CRISTO. Primeiro ponto. — Voi para nos servir de modélo que Jesus Cristo apareceu na terra. O dever da cria- tura inteligente e livre é, sem ditvida, tender & per- feigho, aproximando-se, tanto quanto pode, do Ser infinitamente perfelto, procurando assemelhar-selhe nfio em suas perfeig6es fisicas, mas em suas perfei- eGes morals. O principio déste dever é inato no ho- mem, procede natural e necessiriamente do amor legi- timo que se tem a ei mesmo. Foi por ali que 9 de- ménio tentou os nossoa primeiroa pais, dando-thes a entender que o efeito de sua desobediéneia seria tor- mi-los semethantes a Deus. Deus sabe que, logo que tiverdes comido o irute desta rvore, se abririo os vossos olhos e sereis semelhantes a éle, conkecendo a ciéncia do bem e do mal (Gn 3, 5), disse-lhes, ins sinuando astuciosamente que fora por éste motivo, junto 2 ceria inveja, que Deus Ihes havia proibido comer o fruto. A cilada era subtil. Bles nao refleti- ram que ndo deviam aspirar a se tornar semelhantes a Deus pela ciéncia. Sucumbiram, pois, a tao melin- drosa tentagio e perderam-se. Em seguida ¢ homem, & quem o# sentidos cegaram ¢ a8 paixdes corrom- peram, féz-se deuses de todos os vicios, para mais livremente imitar-lhes o exemplo — tho natural 6 ao homem imitar a divindade! E nao podendo alcaneé- la, rebalxou-a a si. Que fz Deus para se por 20 alcance da imitacdo de sua criatura? Para remediar ao orgulho que perdera o primeiro homem, para re- tirar seus descendentes da corrupeie em que estavam imersos? Revestiu-se, na pessoa de geu Filho, de nog- 5a natureza © mostrou-nos, de maneira palpivel, por meio de que virtudes o homem poderia e deveria as- semelhar-se a éle. Baixou, pois, & terra para nos elo- var até ao céu. Na sua humanidade diyinizada, en- sinou-nos 0 segrédo de nos divinizarmos a nés mes- a“ RETIRO ESPIRITUAL mos. Esta teologia 6 das mais sGlidas, por Santos Padres, Admiremos, cheiog as eoEne ® meio inefivel de que Deus se serviu para se tormat acossivel A nossa imitag&o, ¢ jamais esquecumos que a definigio inais justa do eristio ¢ a de edpia de Jesus Cristo, de Deus feito homem, Segundo ponto. — R'-nos esuencial imitarmos Jesus Cristo, Porque nossa semelhanca om éle ay seia-ge om nossa predestinacdo eterna. Os que conhe. eeu na sua presciéncia, também predestinos para co fazerem contormes 2 imagem de seu Filho, = fim de que Ele seja o primogétito entire muitos frm (Rom §, 29), diz $80 Paulo. H na preseiéneia divine anterior a qualquer mérito, os cleit io adod una canformidade, maior ou tenor eos imagem do Filho de Deus, imagem que adquinese operando fielmente com a graca. Jesus Cristo reese nhecerd essa conformidade quando hé de vir a jul goon @ 0s colocar4 4 sua direita, como bem-aventuras Fone eu, Pal. Se hi coisa que interessa sobromo- lo a0 crlstlio, & saber se estd em o niimero dos pre- eee Mas 6 ponto sébre o qual nunea ha do er certeza absolute, pols depende da persave final. Pode, no entanto, ter uma cerieza moral, te Procurar com diligéneia imitar a Jesus Cristo, eae cendo & doutrina que nos ensinou @ praticando as virtudes de que nos det exemplo, O cristio qué se esforga deveras por imitor a Jesus Cristo, que mul. Uplica e aperfeicoa cada dia os tracos de semolhan- €8 com Ele, pode ter certeza, 0 quanto seja possivel neste mundo, de que esta no eaminho da salvagio e de age, ce petseverar — e isto, em certo sentido, de- Pende déle — ficara entre os predestinados, Bste te- imunho 6 a malor consolacéo que possa ter aqui na terra quem tem £6; & a fonte da paz da alma, o yer. TERCEIRO DIA 2 dadelro, o amico bem da vida presente, consolacio & paz, que esti em mim encontrar. Urge que comece h je mesmo a imitar a Jesus Cristo, ou, se ji comecei, que continue a fazé-lo, Quanto ao eristao que nio cuida desta imitagie, ou nfo the reconheee a necessi~ dade, que trema, Nada mais Ihe posso dizer. Terceiro ponte. — A imitacio de Jesus Cristo ¢ o iiniee caminko seguro que conduz ao térmo. Eu sou, diz éle, a luz do mundo, tanto ou mais pelos exemplos do que pela doutrina, Aguéle que me segue nao anda emt frevas, mas terd a Juz da vida, (Jo 8, 12.) Ou- tra luz nao ha para os homens sendo Jesus Cristo. to, pois, que tem a fortuna de conhecé-la nfo tem desculpa se nao a seguir. H4 de andar nas tre- vas e desgarrar-se, até que se precipite no abismo eterno, Mas, so for exato em seguida, hi de andar com seguranga, e esta luz o conduziré A vida, isto 6 4 posse de Deus. HA mil meios de alguém servir a Deus, @ cada qual tem suas idéias pessoais, seus pla- nos, seus métodes. Talvez seja a devocio a matéria em t6rno da qual mais se tenha sutilizado. Mas em- bora se fale, se esereva, se sutilize, a alma precisaré sempre tornar & imitagéo de Jesus Cristo, sem a qual nao hi devocio sélida. O espirite humano pode ex- plicar o Evangetho de mancira diversa; mas serio os exemplos do Salvador que hio de determinar o verdadeiro sentido de sua moral ¢ por éles seri i terpretada, Bem sei que éssa imitagio sferece muitos graus, ¢ 6 suscetivel de se aperfeigoar a0 infinito. Mas €sses graus apdiam-se todos na mesma base. Numa palavra, a imitacio de Jesus Cristo & 2 esséncia da verdadeira piedade, o tinico caminho que leva A sal- yacho, o fim para o qual deve tender a direcio das almas, a .pedra de toque das obras espirituais. Seja gla doravanté o {inico objeto de minha vida; a ela se refira tédo o meu proceder. “6 RETIRO ESPIRITTat, TERCEIRA MEDITACAO. O CRISTAO DEVE PERMANECER EM JESUS CRisTo, © cristio deve permanccer em Jesus Cristo. Nao Se trata aqui dum pensamento dco de mistica, inag uma afirmacio solene do Evangelho, repetida of ¢ MM, Bu sou 2 Videira e vés as varas, disse Jesus Cristo "08 fous Apéstolos, ¢ a todos nds em suas pessoas, Assim como 2 vara nio pode dar iruto de si mesma, Se niio permanecor na videita, assim também vos, se nO permanecerdes em mim. (Jo 15, 4-5, Primeiro ponte. — Que é a varn separada an vi: deira? Lenha morta e estéril, que soca ¢ apodrece, ‘ e@ 90 serve para ser langada ao fogo, Para que viva e frutifique precisa ficar ligada a cfpa, que the é Principio de vida e de fecundidade. Se Jesus Cristo € a videira, © eu a vars, 2 monos que permaneca em Jess Cristo, estou morto, sou estéril em boas obras, S6 me resta ser lancado ao fogo eterno, Ao contrario, engusnto permaneco inseparavelmente unido a Jesus Cristo, leva uma vida sobrenatural, produzo frutos Me rach © acumulo méritos para o céu — eontanto, Raturalmente, que, da minha parte, nfo seja uma Unio osiosa, pois, as vézes, certos ramos, embora uni- dos & eépa, nada produzem, Aliés, quem diz permane. cer, diz algo de estavel, de fixo, de durivel, Assim fomo se nao pode conecber que a vara, separada um instante sequer da videira, continue ¢om sua virtude produtora, assim também o cristio, que se separa. Por pouco que geja de Jesus Cristo, perda tudo; e Se wler entfio @ morrer, sua desgraca sera irremediavel, A diferenca entre o cristio e a vara 6 que esta, uma Vez separada da vide, ndo se the pode mais unir; rit Squéle, afastado de Jesus Cristo pelo peoado, Pode, pela peniténeia, unir-se-lhe de novo.’ Jesus Cristo concede esta graca de bom grado, mas cuide © cristo de nfio abusar dela, ofendendo de novo a * TERCEIRO DIA a Deus, tanto mais que 2 gra¢a pode vir 2 lhe falhar, quer por falta de tempo, quer de disposic&o ae sua. parte, Mais vale estreitar cada dia a unifio com Jesus Cristo, e evitar as minimas eulpas, que sos poucos poderiam encaminhar a alma a tao funcsta se- paracao. i Segundo pento, — Dois fatOres dispdem a vara a produair fruto. O primeira é estar unida A cépa, e participar de gua vida. © segunde, é receber da cépa a todo instante os sueos necessirios para a alimen- tar e¢ para lhe desenvolver e aumentar og germes. Assim também com o cristo. Wica apto a produzir feutos de salvagéio porque, unido Jesus Cristo, ae ticipa da vida divina, Esta vids, que déle recebe, outra coisa nfo € sendo o hibito da graga santifican- te, cuja plenitude esta em Jesus Cristo, Mas esta graga, que s6 éle sabe comunicar, nao basta para tornar 0 cristao fecundo em boas obras. Precisara ainda que Jesus Cristo lhe comunique a graca atual Para cada obra, que, qual sueo salutar, dexenvolve e nutre o germe que Deus mesmo Ihe transmitiu por ineio de ona pensamentos ¢ desejos. Ora, essas gra- Gas attinis supdem no eristao certs disposigdes pré- prias para as atrair em maior abundancia e tornar mais proveitosas, assim como certos ramos receberm da eépa mais suco que outros ¢ 0 aproveliam mo- Thor. stas disposigSes consistem numa unifo mais {ntima com Jesus Cristo, numa aptidio para sofrer suas influéneias devido & estima que hes tem, ou ao desejo de empregi-las para progredir na virtu- de. Nunca o coracio do eristéo ser& ‘bastante Avido para atrair a si essas influéncias, nem bastante aber- to para as acolher, nem bastante cuidadoso para se utilizar delas e as fazer frutifiear. Terceiro ponto. — Reciprocas sio a nossa perma- nénela em Jesus ¢ a sua em nés. fle permanece em nés pela graga santificante e pela comunicagdo da 48 RETIRO ESPIRITUAL grace atual; més permanecemos néle pela nossa apll- ‘cacao em inerementar a graca santificante e empre- ‘gar bem a graca atual. fle permanese em més pelos efeitos que nos faz sentir de sua pregenea, prineipal- mente pela paz habitual; nds permanecemos néle pelo recolhimento que nos faz andar nessa presen= ca divina, Ble permanece em nés sobretudo pelo dom de oragio e pelo coméreio familiar que mantém co- nosco; més permanecemos néle pela nossa fidelida- de om desapegar-nos e afastar-nos de todo @ qual- quer objeto para fruir de seus entretenimentos, fi- ¢ando junto déle tantas e tao prolongadas vézes quan- to no-lo permitirem nossos afazeres, Essa habitagio mitua é o maior frato da Comunhao, e o principal fim que Jesus-Cristo neln ee propoe. Quem come # jminka Carne e bebe o meu Sangue, permanece em mim, e eu néle. (Jo 6, 57.) Na Comunhao, Jesus Cristo passa todo inteiro para a alma do cristo, ¢ a alma do cristo passa téda inteira para Jesus Cristo. E, embora 26 enquanto ge eonservam em nés as Santas Espécies possufmos realmente 0 seu Corpo ‘ea sua Alma, nem por isso perdemos a posse de sua Divindade. Esta, segundo a° pureza de nossaa dispo- sicées, esth sempre a nos fazer participar das ines- {imiveis vantagens de sua permanéncia em és. Procurel eu até agorn permanecer em Jesus Cristo? Roguei-lhe que fizesse em mim morada? Do seu lado, fle féz tudo quanto o amor the soube inspirar, e cone tinua 9 fazé-lo todos os diss, Como respondi eu os suas instancins? Nao tert éle motive de queixa por causa de minha frieze, de minha indiforenea, quich” de minhas repulsas, de minhas resistineias? Ele pos as guns delicias em permanecer em mim; pus eu 8s minhas em permaneeer néle? Sera que um Deus, que nenhuma necessidade tem de sua criatura, mestre mais empenho em unir-se cla, em conversar com ela, do quo essa crlatura etti unir-se a Gle? Ah! meu Salvador, como cristio, posso dizer que sou o dileto TERCEIRO DIA 49 de vosso corasio, tantas foram as provas que disto me destes, Mas poderei eu dizer, em téda sinceridade, ‘gue vés também sois dileto meu? Del-vos provas dis- to? Ah! que santa familiaridade no comércio com Jeaus! Que suaves caricias! Que reciprocidade de ¢o- municacées! Que transfusio de almas e de sentimen- tos! Séde doravante minha consolagio, meu te souro, minke. alegria e minha felicidade neste vale de lagrimas, Assim soja, CONSIDERAGAO hs SOBRE OS DEVERES DO CRISTAO EM RELAGA( A JESUS CRISTO. A matéria é vasta. Jesus Cristo é-me tudo; e eu devo-The tude, em todo sentido, Devo amé-lo, como meu Salvador; obedecer-lhe, como a meu Legislador; inyoea-lo, qual Mediador e Advogado junto ao Pai; devo temé-lo, como meu Juiz; segui-lo, como meu Pastor; ouvi-lo, como meu Mestre ¢ Doutor da Jus- tic; devo aspirar A intimidade com @le, como Irnido, Amigo, Espéso de minha alma. Que mais? Ele me 6 vida, luz, alimento, férca, consolagio, fonte de to- do bom, remédio para todo mal. Possui todos os th tulos para me arrebatar o coragio ¢ lhe esgotar ‘todos os afetos. Ble me amou e se entregou por mim (GAl 2, 20), disse Sdo Patilo, Bste pensamento despertava no Apéstolo os mais ardentes transportes para com. Jopus Cristo. Suas ep{stolas estio repassadas do ‘amor que the tinha ¢ quando se refere a @le, nao parece mais senhor de suas idéias e sentimentos. Consumiu- #9 em trabalhos, sofreu penas infinitas, empreendeu Jongulssimas viagens, afrontou repetidas vézes & mor- te, para tornar Jesus Cristo conhedldo, © teve como 0 momento mais feliz de sua vida aquéle em que Sofret © martirio por amor a éle, Quantas vézes no profe- tire Espicituat — 4 50 RETIRO ESPIRITUAL ri eu estas mesmas palavras de Sao Paulo: Jesus Cristo me amou e se entregou por mim! Nao sou me- nos devedor do divino Salvador que o Apéstolo, H no ontanto meu umor se parece com o déle? Ocupo- me eu, como le, inicamente de Jesus Cristo, de seus interésscs, de sua gloria? Se Paulo vivesse hoje, como o afetaria a vista dossn torrente de impiedade que inunda a terra, dessa guerra sangrenta que cristéios apéstatas fazer a Jesus Cristo, & sua religiio, & sua Igreja? Murcharia certamente de dor, e seu co- rago, dilacerado, sofreria indizivel tormento. E eu, que sou testemunha dessas derastagdes da inereduli- dade, do cisma, da heresia, da libertinagem, que ve- ie o império de Jesus Cristo dectescer dia a dia, amea- cado duma destruigio préxima, que impressio me causa tudo isso? Que dor me provoca? Que zélo @eende em mim para reparar, na medida de minhas foreas, tantes ultrajes feitos a Jesus Cristo? H, no entanto, por essa viva sensibilidade em térno de sous interéasea, hei de medir o afeto que lhe tenho, E’ re- gra segura. Q amante aie saberia ser indiferente 20 que toca an bem-amado. Devo ter pela gléria de Jesus Cristo o mesmo flo que @le teve pela minha salvagio. Se éle se sacrificou para me salvar, esteja eu também pronto ao sacrificio para glorifica-lo. JA ago- ra, 6 meu Salvador, me dedico ¢ me consagro a vos conforme mo quiseredes inspirar, Imolo-me 4 yossa gloria, Disponde para éste fim, segundo o vosso bel- prazer, de mous bens, de meu corpo, de minha alma. Seja eu vossa vitima como vis féstes a minha. Séde glorificado, e eu me darei por feliz, Bendigo-vos, 6 Jesus, por me terdes inspirado Gate ato de consagracho, © me dado a necessiria coragem de fazé-lo. Sinto que éste sacrificio me abre o vosso interior, onde nunea me foi dado penctrar, ¢ descu- bro, com efeito, que descansa todo num devotamen- to cabal A yontade do Pai celeste, aos designios que formou para vés, com o fim de reparar sua gloria e TERCHIRO DLA ot operar a reconciliagdo do género humano. Ao bsisar- des @ terra, tinkeis distinta e minuciosamente presen- te @ muito que vos haveria de eustar a realizagao déste duplo objetivo. Accitaste-lo, e, fazendo oblagio inteira de v6s mesmo, perseverastes nessa disposicie até A morte. Dai tédas a virtudes de que me destes ‘© exemplo, todoa o3 sentimentos de amor a Deus ¢ aos homens que vos penetrou a alma. Conhecer, pois, este disposicio, conhecer-lhe a extensdo, a plenitude, os motivos, bem como as conseqiiéncias que exerce adbre téda # nossa vida, e a invariavel fidelidade com que a cumpristes, ponto por ponto, até sua inteira consumaciio, 6 ter uma idéia exata de vosso interior, Imitar essa dedicagio, na medida do possivel, é imitar-vos naguilo que foi o principio de vossa santi- dade, e que deve ser o principio da santidade do cris- tao, é comprometer-so a praticar vossas virtudes. Ve- jo, ainda, claramente, que, enquanto a alma nia se entrega téda a Deus, embora vos imite exteriormente, nunea sia semelhanga interior convosco sora marcada. Dou-vos gracas, mais uma vez, Comeco uma carrei- ra nova, que até hoje deseonheci. J& nio me perten- G0, nem me quero perteneer, Entregusime naa vos Sas mios, como v6s nas do vosso Pai, e desejo que esta entrega preceda o meu ultimo suspiro, como pre- cedeu @ vosso, a Quarto dia. PRIMBIRA MEDITAGZO. O CRISTAO DEVE AMAR SEUS IRMAOS NA SUA QUALIDADE DE FILHOS DE DEUS. As verdades que acabamos de meditar sfio o funda- mento do amor ao préximo, e expdem & luz do meins dia téda a justica e téda a extensio déste preceito. Jé que abraga grande parte da moral erista, e que muitas circunstdncias tormam a sua pratica dificili ma, por causa das repugnancias do orgulho e do amor prdprio, das incompatibilidades de génios, das pretensdes ¢ dos interésses quo se entrechocam, é impossivel exagerar a importineia que tem, e o eris- tio nunca se compenctrarh bastante dos motivos que © devem levar a cumprir com éste preeeito, Primeito ponto. — Os cristios com quem vivemos $80, como nés, filhos de Deus. Tém, por conseguin- te, 0 mesmo Pai, a mesma patria; si0 chamados a. mesma heranga; estiio destinados a se unirem a nés — na bem-aventuranca eterna, pelos lacos da mais per- feita caridade. Nao bA motivo, pois, para que essa uniio nao se forme’e nfo constitua a caridade o nosso mérito aqui na terra, enquanto nao faz nossa felicidade no cfu. Se essa folicidnde, quer esbogada, quer completada, nfo pode ser senfio obra da carida- do, 6 de meu maior interésse aplicar-mo com diligén- cia no cxercicio desta virtude. Que titulo hel de exi- gir do préximo para o amar, se ndo me basta o seu titulo de Filho de Deus? Titulo que, aos olhos da £6, constitui téda a nossa dignidade e todo o nosso mé- rito. Titulo no qual se fundamentam nossos dircitos e nossas esperangss, e que 6 duma ordem infinitamente superior a téda a ordem natural das coisas. E, j4 que comum a todos os homens, constitui para todos um motivo imperioso de sc estimarem e se quererem bem QUARTO DIA 53 reclprocamente. Reeorramos 4 nossa f€. Por ela nos acostumaremos @ encarar o préximo sob um prisma sobrenatural. Visto assim, foreosamente havemos de am-lo, de the desejar e procurar todo o bem espiri- tual e temporal de que formos capazes. Mas, infellz- mente, nem consultamos a f¢, nem anima ela 05 nos- sos sentimentos em r proximo, A afinidade de sangue, as simpatias, os génios que eombinam, a paixfo, o interéase e outros motives puramente hu- manos, ¢ quich criminosos, ditam og nossos afetos e formam os nogsos Iagos. O amor préprio As vézes nos aproxima @ nos une, outras vézes nos afasta e nos separa, Quando nao satisfeito, ou ferido em suas pro- tenades, mostra indiferenca, dureza, desprézo, aver- sio pelos outros, Comecemos por nés mesmos, ame- mo-nos, estimeme-nos, respeitemo-nos a nés mesmos em nossa qualidade de Filhos de Deus, e nio tarda- remos. em ter iguais sentimentos em relacio a0 pré- ximo. Segundo ponto. — Se Deus nos ama a todos nés como Filhos, justo que més nos amemos uns 20s outros, por isso mesmo que éle nos ama. Nao constitui © amor que Deus nos tem o motivo, a regea @ a medi- da daquele amor que nés nos devemos mituamente? Seremos, acaso, mais dificeis ¢ mais delicados do que Deus, nada vendo de amével naqueles a quem éle ama? Nao equivale isto a condenar-lhe o julzo e o proceder @ a autorizé-lo a nfio nos amar a més? Pois que temos afinal nés para The atrair o amor, que nfio tenha nosso irmao? E por que nos ama Deus? Porque somos seus Filhos. Mas nosso irmio também o € Se, por conseguinte, néo o julgamos digno de nosso amor, também nfio nos julgamos dignos do amor de Deus; ¢ assim se rompem todos os lagos de earidade que nos prendem a Deus. J& no nos assiste ‘9 direito de achar que éle nos ama como filho, se née o amamos como Pai, porque no amamos o pré- ximo como irmao. Que Ihe havemos de responder se, bt RETIRO HSPIRITUAL um dia, nio nos quiser reconhecer, ¢ nos excluir da heranca paterna? Nesse dia, serio nossos préprios prineiplos que nos condenarSo. i Terceixo ponto. — © titulo de filho de Deus & razio sempre subsistente para amar o préximo. Bste titulo éle munca o alquer que soja feu pro- ceder em relacio a si 0, & outrem, ou mesmo a Deus. Concedamos que nada tenha de agrad4- vel. Mas no havemos de amé-lo por ser éle quem 6, nem pelas boas qualidades — seria um amor todo natural. Vejamos néle apenas sua qualidade de Filho do Deus, e se, baseado nislo, a f¢ nfo nos provar Seguramente que éle merece 110880 amor, entao esta- mos dispensados do amé-lo. Alegamos, porém, que seus defeites o tormam insuportivel no trato com outros. Paciéneia, temos que os suportar, como tam- bém Deus os suporta. A caridade é téda sobrena- tural, cleva-se acima dos defeitos e das fraquezas hu- manas, e 96 vé no proximo aquilo que a bondade ¢ a graca de Deus néle pds. No mais, encontra razdes de sobra para exercer as virtudes cristis. Concedo ainda que nos dé motivo de queixa, nos ofenda, nos prejudique, e nos queira fazer mal. B, porque nio se comporta como filho de Deus e falta ao seu dever, estamos nds por acaso no direito de fa- zer 0 mesmio? Nao, porque, apesar das suas muitas faltas, élo conserva, o seu carater de Filho de Deus, merece por conseguinte nossa boa vontade. Apiede- mo-nos déle, perdoemos-lhe, fagamos-lhe bem eonfor- me fér vidvel, © nao deixemos que coisa alguma altere a carldade téda cordial que lhe devemos. ‘Mas se fér pecador, ¢ grande pecador? Detestemos néle 0 peeado, como Deus o detesta, ¢ amemos a sua pessoa, como Des a ama. Nao nos amou Deus, a nds que somos e néo pademos deixar de ser pecadares? Que éramos nés quando éle nos elevou A gloriosa ca- tegoria de filho? Que fomos em seguida? Onde esta- QUARTO DIA 5 riamos © nossos pecados tivessem levantado obst4- culos a0 seu amor? His nossa medida, Evitemios os maus, 08 libertines, os hereges, 0s impios, toda nqué- lo que nos possa eorromper a fé ou os costumes. Mas rezemos por todos, lamentemas o estado em que se eneontram, intoressemomos pela sua, a ey nanto |houver @ menor esperanca de salva-los, en- Guanto Deus nfo os liver rejeltudo © amaldicoado para sempre, nada nos dispensa de amé-los A caridade ¢ a rainha das virindes, ¢ | oct dis- intivo dos filhos de Deus! E como a tenho pouso ¢o- ee fe nilida menos praticade! Acabou-se, parém, e entrego-lhe hoje o meu coragéo, para que o diri- ja, @ disponha de todos os seus sentimentos, que, em felagio ao préximo, devem ser todos sobrenaturais. Se a caridade me animar o coracie, se o dilatar, hh de se tornar éste bastante largo para abracar, ‘em seu amor, todos 08 cristéos, e até todos os bo- mens. © idélatra, 0 judeu, 0 maometano, todos podem vir a ser filhos de Deus. Devo, pols, orar por élet, para que_se convertam, empregando todes os melas ‘fa meu alcance. Felizes aquéles que consagram a esta boa obra seus bens, sous traballios, sua vida! Posse. ea juntar-me a éles, pelo menos com meus desejos e minhas orag6es. SEGUNDA MEDITAGAO. O CRISTAO DEVE AMAR SEUS IRMAOS NA SUA QUALIDADE DE FILHOS DA IGREJA. Primeiro ponto. — Se somos todos filhos dum mes- mo pai, que 6 Deus, somos também filhos duma, mes- ma mae, que € a Igreja, Esta mie comum ama a todos o8 filhos, até aquéles que se ve obrigada a eliminar do seu seio, e nao deixa de orar para que a éle tornem, o que constitul mals um motivo para hos amarmos uns nos outros. Tudo, na Tgreja, tende 4 unidade, ¢, por conseguinte, & caridade. Sao Paulo, oo REVIRO ESPIRITUAL | o _eacrevendo nos efésios (3, 4-6), fazin valer aste mo- tivo. Sois um mesmo Corpo. Bisse Corpo que tem no céa wi mesmo Chefe, Jesus Cristo, tem na terra também um chefe, Pedro e seus suceasores, Cada diocese tem um Bispo, cada pardquia um Pastor. ‘Téda assombléia de fiéis, geral ou particular, 6 uma nO govérno. Temos um mesmo Espirito, 0 Espirito Santo, que anita a Igreja o, embora varie infinita- mente suas operactes, 6 um em si mesmo, tende Sempre a0 mesmo fim, néo se contradiz em nada, © mantém entre os fiéis, quo Ihe sia déceis, unanimida- do de sentimentos. Temos um mesmo Senhor, a saber, Jesus Cristo, a quem chamamos Nosso Senhor, inyo- eando-o assim em nossay orac6es pitblicas, frisando due 0 reconhecamos como Senhor de todos ¢ cada um dos fiéis, Temos uma mesma Fé, Por téda parte o cnsinamento 4 @ mesmo, a crenea, dogmatiea ¢ moral, é uma. Nido hé, nos pontos essenciais, nenhuma dife- renga de tempo ou lugar, O que a Igreja Catélica no sdmite wniversalmente nio pertence a fé, © 0 que ataca a fé, ela o rejeita universalmente, Nao tolera nem o érro, nem o eisma, porque aquéle contraria @ unlao dos espiritos, éste a dos coragées. Temos um mesmo Batismo. Entramos todos na lgreja pela t™esma porta. O culto, o Sacrificio, os Sacramentoa sdo os mesmos. Nilo ha diversidade, a ndio ser em cer- tos ritos e cerimOnins, que nada tém de essencial. A earldade deve, pois, reinar entre os filios da mesma Tgreja, que 6, em si, unidade 6 caridade, sob qualauer aspecto que se apresente. De que crimes se torna. cul- pado para com Jesus Cristo, Espéso ¢ Chefe da Igre- Ju, 0 fiel que rompe os lacos desta caridade? Segundo ponto. — Consideremos agora o sucra- mento da Euearistia em particular, riqueza principal da Igreja, que Ihe da, aqui na terra, a posse do Corpo adordvel de seu Espdso. Vejamos o motive imperio- 89, Ol antes a obrigacao rigorosa de nos amarmos QUARTO BIA BT uns 803 outros que nos impoe éste Augusto Sacramen- to. E' o Deus de caridade quem o instituiu, levado a isto por um excesso incompreensivel de curidade, Né- Je nog d& sua propria Carne como alimento, seu pro- prio Sangue como bebida. O sex fim 6 unir-re e in- corporar-se a nds, e transformar-nos néle. Dé-se a nés sob espéeies que sfio, em si, um simbolo da caridade, como o assinalaram os Padres. Sob a espécie de pao, feito da mistura dos grios de trigo, ¢ sob a espécle de vinho, feito do suco exprimido dos bagos da uva. Di-se Indistintamente a todos os fiéis; convida a to~ dos, reis e siiditos, grandes e pequenos, ricos e pobres, sabios ¢ ignorantes, © fa-los sentar & mesma mesa, Dé-se a todos igualmente, 0 menorzinho é tratado com a mesma magnificéneia © liberalidade que o mais dis- tinto, Mas sua intengao expressa é 56 se dar a quer estiver unido a Deus ¢ ao proximo pela caridade. K” a tunica nupcial, sem a qual ninguém deve spresen- tar-se ag seu banquete, Dando-se desta forma, éle propée iimicamente desenvolver em nés esta carida- de, uma em sua natureza © dupla em scu fim. Dum Jado, 86 teremos a vida em nds se comermos a Carne do Filho do homem; doutro, comé-la-emos indigna- mente ¢ para a nossa propria condenagio, se tivermos ofendido nosso irmao de algum modo, seja por uma palavra, Demais, devemos proeurar viver de tal for- ma que merecgamos comer esta Carne divina todos os dias. E' a dee a que chega Santo Ambrésio, & o desejo do Concilio de Trento, & a prAtica da Ipreja primitiva, 6, claramente, a intengao de Jesus Cristo. Devemos, pois, entreter em nés o habito da caridade em relacio ao préxiiio, Digo mais: devemos forti- ficar e aperfeigoar dia a dia éste hAbito, que € uma disposigio exigida para a Comunbio. Neste caso, esta nio saberia ser freqiiente demais. Sao Paulo resumiu a esséncia do que acabo de dizer nestas palavras: Porque, ainda que em grande nimero, somos um mes- 5B RETRO ESPIRITUAL mo pio, um mesmo Corpo, todos que participames ~ dum mesmo pao. (1 Cor 10, 17.) Terceiro ponto, — E préprie do Espirito da Tgro- ja que os fiéis sojam um coracio e uma alma. Assim ram 05 cristios de Jerusalém, a primeira e incon- testivelmente a mais santa das igrejas particulares, que a tédas serviu de modélo. Como dizem as belas palavras de Sfo Lucas, que lhes eonstituem o maior elogio, © coragao era um e uma a alma. (At 4, 32.) Perseveravam na doutrina dos Apéstolos e na ora- 40, © partiam o pao em comum. Em comum tam- bém cram tidos os bens, e ninguém possuia nada em particular; nfio havia do meu e do teu, Ninguém era rico, ninguém pobre, ou antes, eram todos pobres, ¢ nfo faltava nada a ninguém. Aquéles que tinham ter- ras vendiam-naa e levavam 0 produto aos Apéstolo: ates, e depois os didconos por éles instituidos, di: bulam o dinheiro segundo as necessidades de cada qual. Depois de juntos terem comido o Pio sagrado, juntos tomavam suas refeigdes, chamadas agapes, que significa caridade. Ah! como eram belos o8 costu- mes da Igreja primitiva e como os tempos mu- daram! ‘A prética da pobreza voluntaria e da comunhao de bens manteve-se durante muito tempo entre o Clero, até aos poucos se tornar o cardter distintivo das Ordens religiosas. Se de modo geral nao 6 pm ticavel no mundo, nao impede que o mesmo espi to de earidade, que introduziu éste uso em Jerusa- gm, deva reinar entro os fidis de todos os paises e de todos os tempos. O desapégo dos bens terrenos, sem o qual munca og ricos se desempenhardo devida- mente do preceito de dar esmolas, que é um ramo es- sencial de earidade, nao thes incumbe menos a éles. Sem éste desapégo, o desejo de amontoar bens, ou a vontade de conserva-los, suscitaré sempre entre os eristéos desunides, processos, contendas e animosida- QUARTO DIA 9 de, sem falar de fraudes e violéncias, e acabaré por climinar a earidade dos coragses, Sem éste desapégo pobres terfio inveja dos ricos e éstes, por sua yer, trataréo aquéles com dureza, e nem ricos nem po- byes formarfio entre si um coragio e uma alma. Nao, met Salvador, nfo. merego ter a Igreja por Mae, 90 nfo amo a todos os seus filhos como irméics, nom me- rego ser admitido eo vosso Banquete Sagrado se no vier munido de caridade, e se néle a nio desenvol- ver. Serei estranho a0 espirito da Igreja se o que eu possuo nfio seja também dos pobres, e se no pre: forir perder os meus bens a conservé-los em prejui- zo da caridade. Gravai, Senhor, estas grandes yerda- des em meu coragio o sejam elas, até ao meu tiltimo dia, a norma de meus sentimentos ¢ de meu pro- ceder. TERCEIRA MEDITACKO. 0 CRISTAO DEVE AMAR SEUS IRM40S COMO ‘ JESUS CRISTO OS AMOQU. Jesus Cristo, no diseurso depois da Ceia, diseur- so que pode ser tido como o seu testamento @ a ex. pressio de suas iltimas vontades, diz-nos a todos, ha pessoa dos Apéstolos: Um novo mandamento vos dou, que vos ateis uns aos outros, assim comi0 vos cu amei. (Jo 18, 3435.) isto, acreseenta, conhece- rao que sois meus discipulos, se vos emardes uns 20s outros, E mais adiante, na mesma ocasido, continua: E’ éste meu preceito, que vos ameis uns aos outros. (Jo 15, 12.) Prestemos, pois, t0da atencio a estas pa- lavras, para verificarmos aié que ponto os cristios devem amar-se yns 20s outros. Primeiro ponto, — Outra no sera a medida do amor miétno dos cristfics, senfio a do amor que Jesus Cristo nos teve. Estas poucas pulavres dizem tudo. ‘Trata-se agora de considerar 0 excesso de sentimen- tos ¢ de testemunhos de caridade com quo Jesus Cristo 60. _ -RETIRO ESPIRITUAL . nos cumulou a cada um de nds, ¢ de que nito podemos fazer uma justa idéia sendio pela nossa mesma inca- pscidade de compreendé-las. Sabemos que veio ao mun- do para nés; que se ofereceu como vitima em nosso lugar — e isto ao nascer; que na terra s6 se oci- pou de nés; que fomos o objeto de tédas as suns preces; que @le nos dedicou suas predicagées, seus trabalhos, suas vigilias, seus milagres, sua vida oba- cura ¢ sua vida piiblics; que éle sofreu da parte dos homens e do Pai tormentos, humilhagdes, penas in- teriores inexprimivels, tnicamente para nos salvar. Sahomos de seus proprios labios que éle desejou ar- dentemente ver chegar o momento de sua Paixio, désse batismo de Sangue, destinado a layar-nos os pe- cados, ¢ niio uchou expressiio que traduzisse a ansie- dade de seu'coracao até que o batismo se cumprisse. (Ze 12, 50.) Ah! roguemosthe que nes abra o sen coracio, coragho que o amor atormentou com mais violéncia que tédas as outras aflighes; © nos reve- Je pelo menos um pouco do que sentiu por nés. Se aos grandes Santos foi dado algum conhecimento leve a ésse respeito, fol um nada em comparagio com a fornalha ardente que o devorou. Pode-se garantir apenas que, para sustentar ¢ péso de {io viclento amor, féz-ce mister nada menos quo toda a forga dum Homem-Deus. Qué resulta dai? Que nfo nos & Hieito fixar os limites da caridade que devemos aoa nossos irmZos. Quem assim procedesse niio cumpri- ria com 6 precelto de Jesus Cristo. B nao digamos — pols quem o nfo sabe? — que nosso amor nunea ha de igualar o seu. Mas, por isto mesmo que sempre ficaremoa muita aquém do nosso modélo, nutica po- deremos adiantar-nos demais neste caminho. Pega- mos aqui um coragio largo © generoso, coracio ter- ne ¢ compassive, que, dando-se ao préximo em afeto e em esforcos, nunca esteja satisteito consigo mesmo. Segundo ponto, —— Este preceito da caridade fra- terna é um preceito novo, é o proprio preceito do QUARTO DIA 61 Jesus Cristo, Antes déle, nao féra, mem sequer po- deria ter sido, indicado nestes térmos de intimagao, porque no existia ainda o modélo de tamanha ¢a- ridade, nem a graca havia aldo dada acs homens para cumprirem com tio élevado precelto. Faltava ainda o grande motivo para os animar, que seria tira, do do exemplo de Jesus Cristo. A lei mandava, de certo, ao fudeu que amaste a proxima como 2 ai mesmo (Ly 19, 18), mas que diferenga entre Este preceito e 0 de Jesus Cristo! O primeiro fora ditado fa todos os homens pela lei natural, ¢ a simples ra~ zho demonatrava a sua justeza, Visava apenas nao pre- judicar a6 préximo, ou, ento socorré-lo nas suas ne cessidades temporais, fazendo um pelo outro 0 que quisera que ste fizesse por aquéle cm iguais con- digses. © segundo 86 diz respeito aos cristaos. E urn precelto sobrenatural, inacessivel & #6 razio, @ visa na yerdade o interésse espiritual, o interésse eterno do préximo. Assim & quo Jesus Cristo 0 cha- mn meu preceito. Nao pertencia, de fato, senflo a {le dité-lo — tle o primeiro & 0 nico a cumprilo jntegralmente. Em virtude destas duas qualidades, de mandamento novo © de mandamento proprio de Jesus Cristo, podemos julgar quanto tem a pelto A sua observaneia, lembratido-nos que ée derramou ‘0 seu Sangue para nos obter a graga de pratici-lo. Terceito ponto. — E’ por esta caridade métua que Jesus Cristo quer que scus discipulos se déem 8 co- nhecer, Tomou-k como o seu distintive, ¢ fla, por assim dizer, 0 seu sélo. Era o ainal pelo qual, diz ‘Tertuliano, 08 pagios reconheciam 03 crisifios, ¢, chetos de admiracio, exclamavam: Como se amam! Nao viam, no entanto, senfo os efeitos e as demons- trages exterlores déase amor. Que toriam dito se tivessem lido nos coracdes oa sentimentos @ o5 moti ‘yos que os inspiravam’? Hoje, a caridade cristi nflo 6 mais conhecida; ©, se os verdadeiros diseipulos de 62 RETRO ESPHRITUAL Jesus Cristo séo sémente aquéles que a praticam, bem pousos ainda o so, Sou eu déste pequeno nit- mero? Que dizem meus afetos, meu modo de pro- ceder? Se 0 corag&o 6 a sede do amor, e se o amor que Jesus Cristo me tem € 0 modélo daquele que devo a meus irmios, 86 me resta estudar éate divi- no Coracéo, invoeé-lo, rogar-lhe que comunique 80 meu proprio coragio os sentimentos que animavam 0 seu, que destrua e queime néle até A ralz éste des gracado amor proprio, inimigo de thda carldade, CONSIDERAGAQ SOBRE A CARIDADE PARA COM O PROXIMO. © preeeito da caridade erista visa dois fins 0 - primeiro é nunca prejudicar o proximo em nada, quer no bem temporal, quer no espiritual. Nio Iho de- vemos mostrar azedume, nem lke guardar rancor, nem Ihe ter mé& vontade, mas perdoar-lhe as inji- ring, suportar-Ihe os defeitos, e, seja qual f6r o seu proeedimento para conosco, nunca Ihe fechar o co- raeio, que deve continuar brando e pacifico para com fle. Nao Ihe devemos dar maus exemplos, mem es- candalizi-lo de forma alguma com nogsaa palavras; nada dizer ou fazer, em resumo, que lhe posta pre- judicar a salyagao, Esta primeira parte do preceito, téda negativa, ¢ a menos importante. Supée, no en- tanto, um esférgo continuo de virtude para se tor- nar perfolte. Qual o cristio, que, embora tenha uma consciéncia delicada ¢ seja vigilante, ndo teré muito que se censurar neste ponto, quer nos pensamentos sentimentos, quer nas palavras e agdes, quer eri todo o seu modo de proceder? Basta refletir, um pou~ €o que seja, para ver logo que as faltas contra a ca- ridade constiiuem a matéria mais comum das nos- sas confisedes. Neste terreno, & medida que formos adquirindo noves luzes, descobriremos cada dia no- ‘yas faltas, que nos passavam despercebidas, sobre- QUARTO DIA cy tudo em nosso modo de julgar o préximo e em nos- gas disposigdes intimas para com €le. ‘Mas, por importante que seja éste primeiro fim do preceito da caridade cristé, o segundo o é ain- da mais. Visa, primeiro, desejar ao proximo todo o bem temporal que esliver em nosso poder, e procurar-lho- por amor a Jesus Cristo, Vise, segundo, querer sin- ecramente © seu bem espiritual, ocupar-se déle, rozar nesta intengio e trabalhar conforme 0 nosso esta~ do, e de acérdo com a autoridade que nos eahe @ 0 erédito de que gozamos, quer pelas nossas palayras © escritos, quer por meio de consolhos, avisos, admo- estagdes, instrugdes ¢ exemplos, quer por téda €3- péeie de boa obra. Todo cristo é apéstolo neste pon- to. Pode e deve contribuir para a santificacio dos seus limos e desejar que um dia estejam todos reunidos a éle na patria, celeste. Para isto, deve pro- curar fazer o que a graga Ihe inspirar, de acordo com as ocasiées e oportunidades que tiver. Como vai longe éste preceito e quais seriam a extensio e o ardor de seu zélo de crist&o, se entregasse plenamen- te o coracio aos impulsos do Espirito Santo! mste seu zélo deve abracar téda a Igreja. Deve afligir-se profundamente com as desordens que nela reina e 08 males que a atingem, @ regozijar-se com os éxitos que aleanca, para os quais deve cooperar na medida de suas fOreas. Deve interessar-se pela conversio dos hereges e infiéis, oferecendo-se e imolando-se a Deus pela sua salvac&o, nfo sémente rezando nesta inten- ¢@o, mas trabalhando e sofrendo. Assim fizeram uma quantidade de Santos e Santas que, do fundo da solidao e dos claustros em que se refugiaram, con- tribuiram talvez mais para a conversio dos infiéis pelas suas oracdes, peniténeias e desejos ardentes, que 0s proprios Mission4rios que se dedicaram a é- te ministério. A caridade do cristio deve ainda es- tender-se is almas do purgatério, nio sémente as almas dos parentes, amigos e benfeitores, mas n td- dade, formada na de Jesus Cristo, deve ser univer- sale ilimitada. O' meu Deus, como ¢ estreita ¢ fria a minha cari- dade! Julgo fazer muito quando cogito de minha que todo aquéle que se ocupa, como vés, da gléria de Deus e da salvagéo das almas, é o imitador per- feito de vossa caridade, ¢ promove seus interésses espirituais, do que se estivesse 56 @ pensar nisto. Quinto dia. PRIMEIRA MEDITAGEO, PRIMEIRO GRAU DA RENUNCIA DE SI MESMO. A rentincia de si mesmo 6 © resumo de téda a moral evangélica. $6 a esta conhece pratica bem, ‘quem cotthece e pratiea a reniiricin, Se alguém quiser vir apds mim, renuncie a si mesmo. (Mt 16, 24.) 86 quem segue o caminho da rentincia, segue a Cristo, © ha medida em que se renuncia a si mesmo, mais de ‘© Begue. Neh & menos necessario renunciar-se Primeiro ponto. — © primeiro grau da reniincia, e © mais indispensdvel, 6 renunciar & carne, isto & a0 hhomem animal ¢ terreno, aos seus instintos ¢ paixées. com os vicios ¢ concupiscéncias, disse Sio Paulo, (Gal 5, 24.) Querendo o Apéstolo indicar até que ponto deve ir esta reniincia no cristio, nfio podia empre- gar expressiio mais forte que a de crucificar a car- ne. vé pela enumeragio que faz logo em seguida, 5, 21 et seq.) Numa palavra, a carne é a natu: hhomem, que tem desejos contra o Espirito (| 5, 17), de quem 6 inimiga ‘declarada, 3 = 5 é i s : 66 RETIRO ESPIRITUAL he, mas quer que o eristiio va até a fonte e hes ataque 0 prinefpio, que 8&0 0s vicios da carne, ou hé- bitos desregrados, e as concupiscéncias, ou inclina- bes © deseios. is 0 que importa dosarraigar ¢ des- truir; pois, enquanto subsiste a causa, nio podemos deter-Ihe os efeitos. 1’ preciso, pois, remontar aquela, combaté-In, persegui-ta, arrencarlhe {Oda fibra- zinha que aparecer. A quem alega que é obra duma vida intelra, respondo que, sendo a vida do eristiio um estado de guerra continuo contra si mesmo, tera forgosamente de morrer armas na mito, Segunde ponto. — Seri mesmo necessirio renun- ciar assim a si mesmo? E por que? Porque o pe- cado original tudo corrompe no homem e nao lhe deixou nenhuma parte sf e inteira, Quem, pois, so entrega A corrugio, nao lhe perecbe o mal, tanto 6, por assim dizer, natural 20 homem. Mas comece al. guém a lever vida cristé, proponha-se sériamente evitar o mal e praticar o hem, e nio tardaraé em ve- rificar que traz em si mesmo uma tendéncia vio- lenta para o mal que deseja evitar, e uma repu: Snfinela extrema para o bem que deseja praticar, A experiéncia proya-nos tida a justera das palavras de Sio Paulo: Eu me deleito na lei de Deus segundo © homem interior; mas vejo outra lei nos meus mem- bros que repugna 4 lei do meu ospirito, @ que me cas tiva na Tei do pecado. (Rom 7; 22-23.) Verificamos a téda hora que, a despeito dos melhores propésitos e das mais firmes resolugdes, nfo fazertos o bem que queremos (Rom 7, 19), ou que a graca nos faz que- Ter, mas 9 mal que néo queremos ou que a pra ga nos leva a repelir, Assim o cristae, apenas’ se dispde a sérvir a Deus, sente-se como quo dividi- do em dois, como se néle um homem, o da na- tureza, fizease oposi¢io ao outro, o da graca. Vé-se na obrigacio de Iutar contra ag tendéncias yiciosas que traz em si, para nao ser arrastado apesar de QUINTO DIA eT sua boa voritade, e de fazer esforgos violontos para vencer as repugnincias para © bet. Convém ler, a propésito, ¢ atentamente, us palavras de Sio Paulo que acabamos de citar. Admitamos que nog retra- tam fielmente, e vejamos se & possivel alguém ser cristo sem renunciar a si mesmo. Até as almas mais inocentes sentem essas oposigdes da natureza, 6350s combates interiores. Que seri entio dagueles que, durante longos anos, alimentaram suas inclinagdes porversas de multidio de pecados, ji tornados em Abitos, © que, corrompides por natureza, sao ainda maus por vontade prépria? Desenvolvernm, até as tornarem quase invenciveis, as repugniincias que sen- tem pelo bem, devido & prolongada determinagio de niio o pratiear, ou pelo menos, & sua culpavel negli- géneia, Nao seremos nés déste mimero? B se Deus nos preservou de faltas maiores, nfo cometemos um sem mimero de outras, menores, que avivaram e in- crementaram em nés a corrugio natural? Terceiro ponto. — Esta lei de rentincia nfo & tho dura quanto parece, e, para quem se faz um dever de observa-la, vai-se tornando cada dia mais suave, Cus- ta, isto sim, dar o primeiro passo, decidir-se genero- samente, vencer as dificuldades iniciais, Aos poucos, porém, tudo se vai aplanando, a natureza vai inscn- sivelmente cedendo terreno, a graca tomando impé- rio. Demais, a paz do coragao, fruto desta romin- cia, é um poderoso incentive para perseverarmos, A alma vai percebendo, de modo sensivel, que sua mes- ma felicidade ci na terra lhe esta présa, e entdo se verifica a palavra de Jesus Cristo: Meu jugo é suave e mew péso leve. (Mt 11, 30.) Chega, finalmente, o dia om que quase no temos mais combates a dar, enguanto @ pritica da reniincia nos propereiona uma paz t6da celeste. Temos nds alguma experiéncia disto? Se temog, demos gracas a Deus e animemo-nos @ persistir nas boas resolugées tomadas. Se nfio te- or 6 RETIRO ESPIRITUAL 4 mos, fiemo-nos no testemunho dos Santos, unfni- mes a respeito, Coragem, pols, 6 minha alma! Con- sidera doravante como perigosissima tentagdo téda idéia de poupar a natureza, de entrar em entendimen- to com ela. SEGUNDA MEDITAGAQ, SEGUNDO GRAU DA RENGNCIA DE SI MESMO. Primeiro ponto. — B® 0 préprio espirito que, nés, se opée 20 Espirito de Deus. Importa,. por con- seguinte, renunciar a éle — a conseqiiéncia 6 légi- ea, Consiste éste espirito em eerta maneira de en- carar as coisas e de julgé-las, que discorda da manei- rade julgar de Deus. Nao sao os caminhos de Deus 05 nossos caminhos, dizem as Sagradas Hscrituras, nem seus pensamentes os fossos pensamentos. Assim como o Céu esta elevado acima da terra, assim tam- bém seus caminhos e pensamentos est#o acima dos nassos, (Is 4, 8-9.) Grandes sio as conseqiléncias des- ta diferenca entre os juizos de Deus e 0s nossos no que se refere ao nosso aperfeigoamento, ¢ até A néssa salvacio. Quem s6 consulta o seu proprio espirito, faz, por conseguinte, uma idéia falea da santidade cristi, ¢ a interpreta as avessas, acomodando-a 208 seus preconceitos, ao seu modo de ver, is suas in- clinagies, estreitando-a & vontade e limitando-a de maneira a favorecer preguiga e a coVardia. Pou- quissimas pessoas fazeni-se uma nocio exata do que seja, mas ficam no meio térmo entre o rigorismo € © relaxamento. Muitas, pelo contrario, consideram como indiferente & perfeichio o que Ihe é essencial, ou como esseneial o que lhe & indiferente. Dai resulta que muita gente toma decisées desaccrtadas, ora constrangendo-se fora de propésito ou concedendo-se demasiada liherdade, ora afligindo-se ou tranquilizan- dose sem -razio, ora atormentando-e com escriipu- jos ou buscando uma falsa paz. Quantas almas vive QUINTO DIA : 69 num ot noutro estado, muitas vézes devido ao pré- prio espfrito dos seus diretores, que a5 encaminham para tal estado ou néle as mantém. Na verdade, nio tivesse a rentincia ao préprio espirite outra vantagem wenfio a de nos fazer seguir trangililos e Seguros a trilha da salvacio, e como poderiamos hesitar em pratici-lo? Sé Deus, & evidente, se faz uma idéia perfeita da santidade em geral, ¢ da santidade pré- prin a cada estado © pessoa, conforme a situngdo em qué cada qual se encontra, quer interior, quer exterior. A Deus e s6 a éle devemos, pols, consul- tar, em se tratando dos principios gerals, bem como de sua aplicacéio 4s circunstimeias particulares. Quan do digo Deus, entendo o Espirito de Deus em oposi- co a0 proprio espirito, seja o nosso, seja o das pes soas & quem nos dirigimos. F” igualmente corto que, para eonsultarmos eficarmente a Deus © obtermos as luzes de que necessitamos a todo instante, & mister hijo nos apegarmos as nossas proprins idéias, o assim sermos indwzidos em érro, atribuindo a Deus o que & visceralmente nosso. Se nem sempre arriseamos & nossa salyagio seguindo o proprio espirito, no en- fanto nunea passaremos de eristio mediocre; e nos- sa devoeSo sera, As mais das véves, uma devocho mal entendida. ‘Mas, para renunciar ao proprio espirito, & mister, antes do mais, saber discerni-lo. E como? B' tao sutil, tdo habil em se disfarcar! Primeiro, descon- fiando sempre de nds mesmos e nunca nos apoiando em nosso proprio julzo, porque, se Tos engana em neg6cios temporais, h& de enganar-nos ainda mais nos espiritnais. Segundo, pondo-nos frealientemente ja presenca de Deus, para nos examinarmos sobre nossas méximas 6 juizos, e sdbre nossa norma de pro- ceder em rélagio & santidade, rogando-Ihe que nos esclareea, Terceiro, recorrendo, para nos dirigir a alma, sémente a pessoas criteriosas que, ao mos- 50 ver, posstiem o espirito de Deus; lendo livros e 0 RETIRO ESPIRITUAL piritnais conceituados, tendo em vista a santidade manifesta de seus autores, A quem tem o coracio reto € quer do fato santifiear-se, Deus da um certo inatinto de graga que Ihe facilita éste discernimen- to. Enfim, Iembrando-se de que o proprio espirito lisonjela sempre o orgulho ¢ o amor proprio, tende & singularidade, torna o homem deyoto obstinado e apegado ao seu modo de ver, préso que est As for- mas exteriores de santidade, ¢ inclinado » fazer pouco caso da mortifieagio interior, Sdo indicios se Guros que revelam ésse espirito em nés ou em ou trem. Para um estudo mais minucioso da matéria, convém ler o capitulo cingiienta e nove do Livro ter- ceito da Imitagao de Cristo, e 1é-lo amitide, aplican- do-o & propria aima. Segundo ponto. — No homem, a vontade pro pria opGe-se igualmente & Vontade de Deus. 5 mis- ter, pois, renunciar também a cla, A vontade & a ‘poreao principal do ew, que se torna necessirio dei- xar para seguir a Jesus Cristo. Ora, de nada somos tdo ciosos como de nos dirigir a més mesmog, de dispor de nossos atos. E’ érro‘ pensar que o eristio estfi no seu direito de empregar como quiser sua li- berdade em tudo que nfio fér pecado, érro que incorre muita gente boa, que dificilmente se convence do contrario. O dominio de Dens, com efeito, estende- ge a todo e qualquer ato livre, que Ihe devemos sub- meter necessiriamente, conformando-nos nfo 56 com sua Vontade expressa, mas ainda com sua Vontade de bel-prazer, até naquila que nos pareca indiferen- te, Soja qual fr, por conseguinte, o canal que nos indique esta sua Vontade, compete-nos renunclarmos logo & nossa. Nem tampouco devemos fazer proje- tos, nem empreender eoisa alguma, sem primeiro con. Sultar a Deus, Se receamos com isto levar a renin tia longe demais, é porque nao Ihe conhecemos a extensiio. Se uma sujeicao tao universal nos parece — QUINTO DIA” a insuportivel, & porque ainda nfio experimentamos a dogura, a delicadeza, a insinuacdo, ¢,/a0 mesma tempo, a efiedela que Deus emprega para dispor a nossa vontade e dobré-la & sua, Nessa dependéncia cncontram og filhos de Deus a verdadeira liberdae, ¢, pela renincia inteira e absoluta & prépria vonta- de, gozam dessa liberdade sobrenatural. Parece um paradoxo, ¢ até uma contradicio, fiear a alma tan- to mais Hvre quanto mais estA sujeila ao dominio de Deus. B', no entanto, verdade incontestavel. Na falta de cutra prova, ainda aqui nos devemos guiar pela experiéncia, pois nio resta davida de que 0. cristdo fica constrangide © poueo & vontade a0 dis- por livremente daguilo que se reserva, o enquanto aparentemente faz 0 que quer, niio raras vézes arre- pende-ce logo em seguida. Mas quem se renuncia e toma a Vontade divina como regra da sua, verifica que Deus, do seu lado, cuida dos homens com infi- nite desvélo, (Sab 12, 18) como diz a Escritura, e pela operacio da graga, leva-o a queter ¢ a necitar tudo quanto fér do seu bel-prazer, nfio permitindo que ja- mais se arrependa de ter-se conformado com a Von- tade do Alto, Nem o pssaro saberia viver fora do ar, mem o peixe fora da Agua; mas serio por isto menos livres em seus movimento’? Assim também comigo se eu fizer da vontade de Deus o meu clemen- to, ¢ se, perdendo-me na stia imensidade, renunciar & minha vontade mesquinhs e limitada. Pegamos a Deus que nos dé sua luz, e com cla a inteligéncin desta verdade. Terceiro ponte. — Precisamos, enfim, renunciar a tudo quanto for defeituoso ou contrario 4 santi- dade cristi em nosso temperamento, Digamos logo de infelo que nfo existe génio perfeito, pois a toda boa qualidade se mistura algum defelto. E’ apani- gio da eriatura, e mada nesta terra esti isento de im- perfeigaio, O génio vivo e ardente esta sujeito & impa- 2 RETIRO ESPIRITUAL ciéneia e 4 ira} a alma serena e tranqiiila tem um fun- — do de frieza e de indoléncia; a dogura degenera em. fraquezs, € a firmezn se torna aspera e inflexivel; a indole sensivel melindra-se com fregiiéncia e a in- sensivel beira & indiferenca e 4 dureza. Todo ho- mem precisa, portanto, estudar seu temperamento e, enquanto respeita o lado bom de cada qualidade, procuré corrigir 6 Iado man ou imperfeito. B jé que a indole influi fortemente sébre todo o Rosso modo de ser, os defeitos de cardter forcosamente res- sentem-gs ao serem reformados, e insinuam-se sem. euerer em nossas palavras, atos, intengdes e deli- beragdes, bem como no trato geral com o préximo. Entao sofre éate, sofremos também 6s; ¢ muitas vé- zes Deus ¢ ofendido. Aliés, féssemos Santos, @ nossa, santidado sempre estaria nublada, Ora, muitos cris- tios, ¢ dos melhores, niio dio a esta reforma do gt nio 9 devida atengie, e pouquissimos chogam, pela graca, a dominé-lo inteiramente. E’ dificil, concorda- mos, mas de nada somos incapazes com a graca de Dous. Comecemos j4, © nfio nos descuidemos déste la- do da remincia, tao agradivel a Deus, qudo essencial 4 nossa. propria perfeico. Creio que, para a conse- guir, é preciso tornar-se interior, e entregar-se sem reserva ao Espirito divine, porque Deus conhece a témpera de cada alma e o que nela contraria a graca. TERCEIRA MEDITACAO. RENGNCIA ESPIRITUAL. ‘As varlas espécies de rentincla que acabamos de meditar, dizem respeito aos cristios em geral. A que constitul o tema desta terceira meditagho sé se apli- ca is almas interiores; relaciona-se com os diversos estados pelos quais Deus as faz passar, So clus nila fa praticarem, nfio sémente niio hio de progredir, como ficaréo expostas a retroceder na cspiritualidade, Embora Deus mesmo au prepare insonslvelmente a3 - QUINTO DIA ote sucessivas renfinciss, que delas ira exigindo 4 medi- da que se adiantaram na vida interior, no entanto, por néo serem as vézes bastante déceis aos seus avises seeretos, vem a propésito fazer algumas con- sideracdes sobre tio importante matéria. Esta re- nincia, convém dizé-lo, chama-se desapropriaclo, por- que se refere a objetos espirituals, bons em si, quando, para ser exato, @ rentincia 36 diz respelto ao que é intrinsecamente mau on imperfelto, Aquéles, pois, a quem esta meditacdo nde convir, poderdo substitui-la por outras passagens tiradas das anterio- res e que Ihes causaram mais viva impressio. Primeiro ponte. — Deus comega sempre Por exigit dos almas interiores & desapropriagéo das gracas seD- siveis. Os primeiros tempos da vida espiritual cor- rem de ordinario cheios de docura e de suavidade. Entio a presenga de Deus se fax sentir na oragao e alhures de mancira tio deliciosa que a alma, que hunca até entdio experimentara nada de semelhante, ho sabe mais onde esti, por ser uma regiio toda nova para ela. © amor proprio, privado agora de bens temporais, sem ter nada muis em vista, Inn- qa-se com avidez sdbre esses bens espirituais, apeea- se a essas docuras ¢ consolagdes, nelas sacia sua fo- me e se deleita, e quisera estar sempre a degusté- las, Busca-as com sofreguidio e delas se nutre com gensualidade, Lamenta-lhes a falta quando cessam © desola-se se a privacio se prolonga domasiadamente ao seu ver, Numa palavra, tanto sues oracdes como suas morlificagoes exteriores ¢ boas obras vVisam essas doguras ¢ consolagdes, Ora, essa avareza, e338 senkualidade espiritual sic manifestamente contri- rias A pureza do santo amor, porque fixam-se nos dons do Alto, ©, enquanto se ufana de amar a Deus, na verdade s6 ama o prazer apenso ao seu servigo. ‘Nos primeiros tempos, enquanto a alma for ainda fraca e as consolagdes espirituais Ihe forem neces- 14 RETIRO ESPIRITUAL sérias, Deus tolera e desculpa nela certa imperfei¢ho, contra a qual nfo se pode precaver. Mas ha de che- gar o dia em que éle procurara curar eficazmente a alma pelas privacdes e sccuraa bem como por au- _ séncias mais prolongadas e mais frogitentes de sua parte. Enquanto isto; di-lhe a conhecer a razio pela qual assim procede e dispoe-na interlormente & ro- muneia que dela exige. Se a alma se conforma com os designios de Deus, se lhe aquiesce A vontade a seu respeito, se fica santamente indiferente ao g6z0 ou 4% privacio, se no servico de Deus comeca a consi- deré-lo a éle e ao seu bel-prazer, e nito aos seus dons, torna-se entio uma alma desapossada, e o amor pré- prio j& nd encontra alimento nos favores que ela recebe. Entfic, por causa de sua pureza e de seu de- ginterésse, Deus concedé-Ihe maiores gragas, Vejamos se tal é 4 disposigiio de alma em que nos encontra- mos. Se no fér, procuremos nela mos colocar, — pois quem nie venee éste cbstdculo, nunca se hi de distanciar na vida espiritual. "Segundo ponto. — 0 amor proprio, J4 nfo se sus- tentando com as doguras celestes e querendo, no en- tretanto, prender-se a alguma coisa, apega-se as vir- tudes que a alma exerce nesse estado, 6 compraz-se nos atoa herdiecs que pratica, nos esforcos que faz, nas dificuldades que vence, na fidelidade com que corresponde 2 graca, ma eoragem com que doma a natureza. Congratula-se, em seguida, pola facili- ade com que faz aquilo que ontrora tanto The cus- tava, e do gésto que tem pela virtude, que ge Iho tor- nou doce habita. Vendo-se elevada acima de si mes- ma, a alma julga calear aos pés todos os seus inimi- gos. Sente eniZo uma scercta vaidade, eontemplase com satisfacio, compara-se com outros, que lhe pa- recem bem aquém dela, e considera-se superior a éles. Tudo isto se passa, na verdade, de modo indelibera- do e quase irrefletido, mas nfo deixa, por isto, de ser orgulho espiritual, ao qual a alma fica sujeita, ex: QUINTO PTA oe posta que est& a cait. Para curéla déste vielo, mais porigose que o primeiro, Deus pede-Ihe agora @ desa- propriagio de suas virtudes, Permite-lIhe, com tal fim em vista, que siga outro eaminho, em que as paixdes se sublovam e seus primeiros movimentos se fazem sentir com desusada violéncia, Enquanto isto, a pra- tica da oracao, da mortifieagio, da obediéncia, da humildade, da caridade para com 0 préximo inspiram- Ihe forte repugnfinela, e tudo aquilo que outrora Iho era ficil e suave, torna-se Arduo ¢ penoso. Nilo an- da mais na planfeie, mas eseala com extrema difi- euldade uma montanha ingreme. Tem a impressio de pouco ou nada adiantar, ou meamo de estar a recuar, Vyée-se sempre em perige de cair no ablsmo quan: do na verdade nunca seu progresso fol tio mar- cado, Se, neste estado, ela souber sustentar com fir- meza a vista c o sentimento de sua miséria, se ficar humilhada, mas néio desanimada, se scntir certa alegria no 6dio ¢ no desprézo que se vota a si mesma, se consentir em se ver despojada, nfio da realida- de das virtudes, que possui sem o saber, mas do gés- to e da facilidade com que as praticava, se o senti- mento muito vivo dos vicios contririos néo produ- zem outro efeito ndbre ela sendio o de mostrar-Ihe até que ponto sua natureza esta corrompida, © como o bem que se nela enconira vem de Deus, nio tendo, pois, nenhum motivo para déle se ufanar, entio ficard despojada de téda estima prépria, do todo despré- zo por outrem. Tendo passado por esta segunda pu- Tificagio, encontraré de novo, nfio em si mas em Deus, © num mais alto grau de pureza, aquelas mes- mas virtudes que julgara ter perdido. Terceiro ponto. — Resta ainda uma serie desa- yopriacéo. A desapropriacio dos méritos ¢ da recom- pe Se de fato nunca renunciamos nem hs visitas de Deus, nem ig virtudes, ainda menos reminciamos & recompensa, Nem nos seria licito renunciar a ela, qualquer que fésse o estado de provagiic em que nos 8 RETIRO BSPIRITUAL eneontréssemos, alegando certo desinterésge quimé- Tico é ilusério. A esperanca erista, neste caso, nfo teria razio de ser. Mas o amor préprio ainda aqui se intromete de mancira sutil e delicada. A alma persuade-se que merecett o Céu a vista de tudo que fér ou sofreu na vida interior, © considera a te. compensa como Ihe sendo devida pelos seus mui- tos ntos de virtude, sacrificios e provagties, E, com efeito, quem ha de pretetider ao céu a titulo de con- quista, s¢ ste so fecha esas almas de escol? Mas Deus quer que encaremos a gldria eterna como uma raga, de que somos devedores & sua pura bondade, e N&O quer que nos apoiemos em nossos préprios méri- tos, ¢ sim nos merecimentos de Jesus Cristo, que im- primem todo o valor aos noasos. Quer ainda que, na felicldade que nos di sua posse, no consideremos 0 nosso interéase pessoal, mas, esquecidos de nés mes- mos, mergulhemos néle. Entfo, para colocar a alma numa disposicdo tio pura, permite Deus que Ihe so- brevenham dividas e tentagdes que tocam 4 sua salva- co, enauanto Ele meamo parece repeli-la, rejeitd-la, abandoni-la, A alma aprende entiio a servir a Deus inicamente por aquilo que é e merece, esperando tudo de sua mise- ricérdia infinita, submetendo-se, por amor desinteres- sado, a tudo aue for do seu agrado conceder-lhe, seja Para o tempo, seja para a eternidade, Na medida em que @ste sacriffcio, o iiltimo de todos, se fizer de modo mais perfoito, a desapropriacio também sera mais radieal. S6 Dous sabe até que ponto osta pode ser levada, sem, ho entanto, afetar a esperanca cris- t& que ainda mais se vai purificando e fortalecendo, A medida que a alma f6r abandonando seus interés- Ses nas maos de Deus. Wigue, porém, bem claro que, nessas sucessivas desapropriacdes, munea a alma ha de prevenir a gra- 8, € sim acompanhi-la; nunca ha de querer ser des- Pojada, senZo conforme aprouver a Deus. Todo sq- QUINTG DIA 7 erificio espontineo iio passa aqui de sacrificio de amor -préprio, saerificio da imaginacao, que, em ver de nos fazer morrer a nds mesmos, nod levarin a viver para nés. CONSIDER AQAO SOBRE A REWONCIA CRISTA. Quem no renuncia & carne, aos seus vicies e con- cupiscancia, 6 cristo apenas de nome; e quem afeta gémente a piedade exterior da prova de pura hipo- crisia, Hsta primeira rentincia abre-nos o caminko da salvagio. Pata mio cair no inferno, 6 preciso ou té- Ja praticado em vida, ou lamentar sinceramente na hora da morte nfo lhe ter sido fiel. Mas aquéle que sempre viveu 2 contentar a carne com seus desejos criminoses, como hd de garantir que tera, na hora suprema, éste pesar sincero? Contar com isto seria a plor das ilusdes. 5 A segunda rentincia é propria das pessoas que fa- zem. profissio especial de pledade, quer vivam no mundo, quer se consagraram a Deus pelos yotos re- ligiosos, H, embora mesmo entre clas seja rarissima, no entanto, se nela nfo se exercerem, nunca toro uma devegio aélida © verdadeira, A terecira rentincia pertence aos estados de oragio. E’ oyidente, pela propria natureza désses estados, que 86 quem © pratica hi de progredir néles. A nao ser isto, ou abandonaré ésse caminho, ou, pior ainda, se- ra um falso devoto, exposte is ciladas do deménio e 4 seducio do orgulho e do amor préprio. Se a segunda renincia supde a primeira, a tercei- ra supde ambas, Assim, quem segue a trilha comum, comeca pela primeira e nela firma sua vida crista. Mais tarde, depois de ter feito certo progresso nesse caminho, a graga o conduziré a segunda rendncia. © importante 6 deixar-se sempre gular pela graca, e igo dirigir alguém segundo suas proprias idéias, nem tragar-se um plano de devocio acomadado aos i) RETIRO ESPIRITUAL gostos @ temperamentos pessosis, pois a graca opera sempre em sentido contrario A natureza, $6 trabalha para destrui-la, ¢ so 4s vézea parece poupidla 6 para chegar mais seguramente aos seus fins. Quem fér fiel a esta segunda reniincia, nao tardara em pene- trar nas veredas interiores, e assim ver recompen- sada sua fidelidade. E, enquanto muitas almas an- dam passo a passo, de outras Deus se apodera de repente, ¢ f4-las percorrer rapidamente 0 caminho das duas primeiras reniincias para aleancarom sem demora a terceira. ‘Trés graus de paz correspondem a estas trés renin: clas, O primeiro grau consisto na paz de conscién- cia, que todo bom cristao possui, a nfio ser que a per- ea de passagem. O segundo grau consiste numa certa. calma nas poténcias da alma, que esia paz propor- ¢iona, quando a graga governa o espirito e a vonta- de. O tereeire grau 6 uma paz divina, que deseansa no fundo da alma e beira a paz dos bem-aventurados, Assim, 8 paz se val tornando mais intima e mais ina- balivel & medida que a rentincia se vai tornando mais profunda. A alma que renunciou perfeitamente 4 si mesma fica, por assim dizer, inacessivel a qual- quer perturbagao, pois a perturbagio sé poderia atin gila naquilo que ela quisesse guardar, ou recensse perder. Ora, ela sé quer 9 Vontade de Dous, e a tudo mals secritieo, nos agora bem ao par destas trés reminci Mas, quanto 4 pritica, om que pé estamos? Sera que @8 abracamos sériamente? Que nelas nos exercemos eonforme as luzes que Deus nos df © aquilo que de nés exige? A paz habitual de coracio, bem ¢omo o ee Se paz, no-lo dirfo. fa que basta renunciar A carne © aos para se salvar, # maloria dos oristacs contentarse soen isto nio quer passar adiante. Tal disposicio nado & boa em si, porque contraria a graca, que se propde conduzir a elma degrau por degrau 20 mais perfeito. QUINTO DIA 9 Ora, 6 sempre perigoso, até para a salvacio, contra- riar a graca. Importa, pois, uma vez por tédas, to- mar a resolugao de abandonar-se a ela, A alma tem tudo a Iuerar com isto, e pée-se a salvo; mas se, pelo contrario, quiser fixar limites & renincia, entao tudo arrisea. Quiséramos talvez saber qual foi a rentincia inte- rior que praticou Jesus Cristo, nosso modélo neste, como em todes os outros pontos. Se néle habitava a plenitude da graca e da santidade, por que precisou le renunciar-se a si mesmo? Respondo que nio pre- cisow renunciar-se, nem de nada desapropriar-se, e a raeiio est em que néle o eu humano nunca existiu. Em Jesus Cristo howve um s6 eu, uma presenca, a do Verbo. Assim, em sua humanidade santa, sua disposi- efio de alma ultrapassou téda renfncia, pois estava num estado fixo e permanente de aniquilamento mo- ral. N&o ignorava sua uniiio com a Pessoa do Verbo, nem as conseqiiéneias inerentes, sendo que a priv ineira e a principal era o aniguilamento incompreensi- ‘vel de que ncabamos do falar, Nao era, por conse guinte, suscetivel de menhum interésse proprio, de nenhuma busca de si mesmo, de nenhuma posse, do nada, numa palavra, que fésse pessoal, quer em Tela- oo no tempo, quer @ oternidade.’ Tudo quanto fz, tude quanto sofreu em si mesma e no corpo que ela animava, pertencia pessoalmente ao Verbo, que de tu- do se apropriava sem que a alma tivesse, nem pudesse ‘ter parte alguma. Nao de trata aqui de conceber- mos nés esta verdade, mas de aceité-la como sendo de £6, ¢ a propria esséncia do mistério da Hncarna- do. Esta dependéncia absoluta em relagdo ao Verbo, tomava as faculdades da alma de Jesus Cristo ainda mais livres, mais ativas, mais ocupadas da gléria do Pai e da nossa salvacio. © Homem-Deus, assim ani- quilado na sua umanidade, tinha indubitivelmente pleno direito de nos ditar a lei da rentincia e de se propor a si mesmo como nosso modélo. Sexto dia. PRIMEIRA MEDITACAQ, O GRISTAO E’ ADORADOR EM ESPIRITO E EM VERDADE. © cristo € adorador em espirito e em verdade. Assim o define o proprio Jesus Cristo. Mas vem a hora, e jd velo, em que os verdadeiros ‘adoradores adorarao o Pai em espirito e em verdade, Tats sao os adoradores que o Pai procura, Deus é espirito e os que @ adoram, em espirito ¢ em verdade o devem adorar. (Jo 4, 28, 24.) Pesemos bem estas palavras e procu- remos penetrar-lhes 0 sentido, pois sairam dos labios — da mesma Verdade e traduzem o cardter distintivo — do cristdio, de sorte que j hio adora como erista quem niio adora em espirito e em verdade.. Primeiro ponto, — Que 6 adoragao? E’ a homena- Bem que prestamos a Deus, como ao Ser supremo o infinitamente perfcito. FH’ a confissiio de que depen- demos déle como criaturas suas, e de que precisa: mos déle em tédas as evisas, E’ a gratidio que Ihe manifestanios pelos seus beneficios, junto ao props- sito que tomamos de cmpregi-los segundo suas in- tenedes, Por meio desta adoragio reconhecemos que Deus é nosso primeiro principio e iiltimo fim; aqué- — Te em quem devemos crer, em quem devemos esperar, & quem devemos amar acima de tudo. Abrange 0 culto que Iho rondemos por Jesus Cristo, a obedi cia que prestamos aes seus Mundamentos, a confor- midade perfeita em que estamos para com sua santa Vontadle, ¢ as disposicdes de sua Providéncia. A ado- Taco, finelmente, 6 a expressio de nosso devotamen- to intoiro, absoluto, exclusive, irrevogivel a Deus, com sendo aquéle que, por si mesmo, 6 digno de todo louver © de todo amor, de quem reechemos e e3- Peramos todos os bens temporais e espirituais, para © tempo e para a cternidade, A adoracio é, pois, a SEXTO DIA ae alma da religiio, Nao 6 um simples ato passageiro, mas uma disposigso habitual, que deve influir sébre todo o nosso modo do ser, Segundo ponto. — Que é a adoracdo em espizito? Nao. aonenia wma formalidade exterior, limitada a posiura, palavras © ceriménins; mas ¢ ainda, € prin- cipalmente, uma homenagem da inteligéneia o do co racio, e de tudo que o homem tem de espiritual, ho- menagem, por conseguinte, fundade sObre motives euja justiga, forga e necessidade a razao percebe, ho- menagem exproaga polos sentimentos e ates mais livres e mais fntimos, e prestada de plena vontade, com todo © afeto de que a alma seja capaz, Tal 6 a natureza e a esséncia da homenagem a Deus, cujos motives, que irio esclarecer o entendimento ¢ ext tar a vontade, a £% noa apresenta. E) natural que o corpo também acompanhe a alma, jf que o homem deve a Deus @ consagracio de tudo quanto é € © sett inteiro devotamento. Mas os testemunhos ex: terioves 56 tém férga om relagio a Deus conforme as disposicées de alma que cs inspiram, senfio siio meras reesan hipoerisia. O motivo que di Jesus Cristo & irrespondivel. Dens é Espirito, diz le, um puro Espirito, um Espirito infinitamente penetrante, um Espirito que esta sempre presente, que vé tudo que se passa em nés de mais geercto, que nfo se de tém as apartneias, mas escruza e coracéa ¢ experi- menta os rins. (Jer 17, 10.) H' impossivel iludir a um tal Espirito exprimindo sentimentos que nfo temo. Podemos:enganar a outrom com sparéncias de picdade, ¢ até 2 nda mesmos sSbre nossa» dispo- sigGes interiores, o que é muito comum; mas nao po- demos enganar a Deus, que lé na alma, que a conhe- “ce melhor do que cla a si mesme, e quo nao tolera outra homenagem senio aguela quo éle mesmo 10s inspira pela sua graga. Que pensou Deus até agora de tantas oragSes, que Ihe tenho dirigido, de tantos atos que fui buscar em livros de piedade, prova evi- Retiro Bepiritual — 6 a2 RETIRO HSPIRITUAT, dente de minha secura de alma e de minha indigén- ela interior? Se, no en gssas Oragdes recitadas de meméria, se nfo reprodu- aaa sea atos & medida que as Ifa, mas Ihes dava uma Stengéo apenas perfuntéria, Deus nao as tamou em consideracde porque, com efeito, eu nfo o adorei, Terceiro ponto. — Que € 2 adoragdo em verdade? E! aguela que nlio se prende As expressées, nem se- quer aos sentimentos, mas vai diretamente aos efel- tos. Assim sendo, damos a Deus, em téda ocasiio, Pravas reais de que o preferimos a tudo mais, o amamos acima de tudo, 6 nos submetemos a éle em tudo, Sem isto, a adoracio seria um culto vio, que nenhuma gléria renderia a Deus, ou seria mesmo um Culto falso, desmentido logo. em seguida pelo pré- Brio proceder do cristio. A adoracéio 6 a submissiio efetiva & Vontade divine, tmica prova real que po. demos dar de nossa disposi¢go de alma em relagio a Deus; pois quem the desobedece, seja nas minimas — coisas, quem nio se conforma com os dispositivos de sua providéncia, ou Ihe recusa os sacrificios que pede, longe de o adorar, o despreza. A verdadeira ado- racio implies. na prética de todos os deveres de san. tidade cristi, como o determinou Jesus Cristo mesmo. Aquéle que tem os meus mandamentos ¢ os guarda, Gsse é 0 que me ama (Jo 14, 21), isto & me adoma ¢ me glorifica. Notai bem que Jesus Cristo diz meus mandamentos, nio sbmente os do Devilogo, impos. tos a todos os homens pela lei natural, mas ainda aquéles que nos prescreveu no seu Evangelho & que se aplicam aos cristios cm geral, Se a adoragdo & limitada nas suas expressdes ¢ sentimentos, tam- bém o 6 nos seus efeitos, O verdadeiro adorador deve sempre tender & perfeicdo da adoracao ¢ nunca ficar satisfeito consigo mesmo, nunca dizer Basta, enquanto puder dar a Deus maiores provas de de. Yotamento. E como tais provas sio finitas, estario Sempre aquém do que Dous merece, @ daquilo que itanto, 0 coragio néo animava SHXTO DIA e lhe & devido. Ao ead pois, cabe supri-las pela nsidade de seus desejos. renee de que Jesus Cristo fala nos ver- dadeiros adoradores que adorarao o Pai. O pra i mento, que se dirige aos judéus, e néles a pale wénero humano, diz: Adorards ao Senhor teu Deus. Sem, porém, exeluir éstes mesmos titulos, Cee tao que, de modo particular como ie jee! ue le mandou que o adorasse sob o nome ral -s sim sua adoragio deve ser uma adoragio Ge bees mais terno e mais submisso, que, no fee ofan exclui-o temor e 0 respeito. Mas, trata-se dum a fe respelto inspirades no amor, sentimento prépelo dog filhos, que a todos os outros deve ditar, a “Te eu até agora esta idéia do verdadeiro ado- rador? E, se ma fiz, pracurel eu realiz-In? eee Cristo quem ma dA, e a explicagio que Ae Sate embora me pareca clevada, esti de fato iauito ast xo da idéia que éle mesmo se fazia. 8 le fo os rador perfeito, # Gle compreendeu o que nee Soberana Majestade, s6 le foi Vitima de hol een to imolado & gloria do Pai, s6 éle, durante ee vida, a tOda hora, e até ao dltimo suspiro no : da cruz, levou o devotamento de seu cotpo e aunt tho longe quanto o podia fazer um Eom Dey 2 @le prestou ao Pai o culto de adoragdo inspirai oe amor mais puro, mais desprendido de todo int se pessoal. Prestou-o destarte, nfio sémente em seu nome, mas em nosso também; @ nossas arloranten 36 seréo agradavels a Deus enquanto unidas 4s a s remos, pois, com @le e por éle, ji que éle raed por nés; adoremos como le, pelos mesmos motiv 2 © pelos mesmos fins; adoremos eam o mesmo amor © devotamento. Busquemos em seu coracho éstes be timentos, pois le 6 os teve para no-los comunicar. A nés saber aproprif-los devidamente. o

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