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MILTON JUNG EPROIBIDO CALAR! PRECISAMOS FALAR de ETICA E CIDADANIA COM NOSSOS FILHOS 1? edigao BestSeller Rio de Janeiro | 2018 1 ——_______ POR PRINCIPIO ou apaixonado pelo que fago. E 0 que faco parte do pti- blico sabe por ouvir falar. Sou jornalista e apresento um programa de radio. Falo muito, na crenga de que os outros vao ouvir. E falo da vida dos outros, pois o jornalista conta histérias do cotidiano que interessam ou devem interessar 4s pessoas — de preferéncia para ajuda-las a construir seu proprio pensamento. Falo de politicos e politiqueiros. De autoridades ¢ auto- ritérios. De pessoas sobre quem vale a pena falar. E de uma gente que néo valeria uma nota de rodapé, mas acaba nas man- chetes pelo cargo que ocupa e pelo mal que perpetua. Falo para inspirar as boas agdes e para incentivar trans- formagées, mas também para denunciar aqueles que ocupam a vida publica em beneficio privado, que desviam nosso di- nheiro para o prdprio bolso € que, com os tostdes que nos levam, deixam o brasileiro sem hospital, sem escola, sem seguranga e sem dignidade. Mas nao pense que eu sé falo! Tem outras coisas que faco, coisas que poucas pessoas Co- nhecem, mesmo porque sio da minha vida particular — e 7 nao devem ser interessantes para os outros. Essas coisas ey também fago por amor. Este livro me provocou a falar sobre uma dessas coisas, Sobre a coisa que eu mais amo fazer: ser pai. Nao sei em que momento esse desejo surgiu, mas quando veio foi arrebatador. Eu queria para ontem, para agora, para quando desse e viesse. Eu queria ser pai e um pai melhor do que o meu — e vo- cé nao tem ideia do respeito que sinto pelo pai que tenho. Hoje, sou pai de dois filhos, com quem vivo, ao lado de minha mulher, as pessoas mais importantes para mim. Com eles — e com ela — aprendi, cresci, amadureci, tomei vergo- nha na cara, chorei muito e me esforcei ao maximo para en- sinar alguma coisa — para valer a pena todo sonho que sonhei. Tivemos étimas experiéncias até aqui, apesar dos alertas que recebi de amigos e especialistas para os riscos de cada etapa da vida. Sobre o recém-nascido ¢ suas célicas; sobre a crianga que comega a caminhar e suas artimanhas; sobre o adolescente € suas rebeldias; sobre os que comecam a vida adulta e suas perguntas. A cada relato, as pessoas pareciam testar 0 meu prazer de ser pai. Elas falavam de problemas que se avizinhavam . e de dificuldades que eu Eu queria ser pai e um pai enfrentaria ao administrat melhor do que omeu—evo- os diferentes estagios desse cé no tem ideia do respeito —_relacionamento. que sinto pelo pai que tenho. Alguma coisa deu errado. Os anos se passaram, nés fomos crescendo juntos ¢ continuamos a curtir as fases que S¢ apresentam — ainda que angustias e preocupacées fagam pat te da parceria que estabelecemos. Neste tempo todo de con- 18 vivio, sofremos muito, nos desentendemos, ficamos com cara amarrada um para o outro, discordamos de um monte de coi- sas e levamos a frente muitas divergéncias. Mas nos resolve- mos e aprendemos com essas circunstancias, Sei l4 se é porque jamais tive a ilusio de que ter uma fa- milia seria um espetdculo digno de comercial de televiséo me preparei para crescer com os dramas que teria de encarar — assim como me preparo para o dia em que eles comega- rao a voar por sua conta € risco. Sei ld se € porque eu sempre amei demais a ideia de ser pai ou se € porque os meus filhos entenderam essa minha paixao e resolveram me dar uma forca — e, claro, eu agradeco por tudo 0 que eles Escrevo sobre ideias que teste’ No cotidiano com os meninos — fizeram por mim até aqui. O que eu sei é que nao tenho do que reclamar. Talvez eles tenham. Mais ainda a partir de agora, pois € com os outros também, pois Nao existe essa coisa de ter uma ética com os filhos e outra como colega de trabalho. Os principios e valores que nos pautam fui convencido a escrever $40 95 mesmos em qualquer para outros pais. Como sé sei _gircunstincia, nao sao adaptaveis, escrever contando histérias, me obriguei a inconfidéncias, a contar coisas que vivemos den- tro da nossa casa. E conto também de outras casas, onde vivi com os meus pais e os meus avés. Este livro se transformou em uma catarse. Apesar da emo- 40, levado pelas lembrangas e pelos desafios que assumi- mos na paternidade, tomei cuidado para nao colocar em tisco seu principal objetivo: falar com os pais sobre coe cidadania, j4 que somos fundamentais na formacao do card- 19 ter das criancas — e nosso principal compromisso é educi- -las sob esses parametros. Escrevo sobre ideias que testei no cotidiano com os meni- nos — e com os outros também, pois nao existe essa coisa de ter uma ética com os filhos ¢ outra com o colega de trabalho, Os principios e valores que nos pautam séo os mesmos em qual- quer circunstancia, nao s4o adaptaveis. Nao tem légica imagi- nar que € possivel ser honesto com os filhos, meio honesto com o vizinho e um crapula com os parceiros da vida profissional. Escrevo, também, sobre experiéncias que tive atuando ao lado de gente da mais alta generosidade, que aceitou arrega- Gar as mangas, trabalhar em parceria tornar a vida em so- ciedade um pouco melhor. Para deixar incrédulos e€ crentes perplexos, é gente que faz politica de verdade, mesmo que a pratica seja demonizada por boa parcela dos brasileiros devi- do aos maus exemplos que vemos todos os dias. Gente que faz politica na cidade, na escola, no trabalho e na comunidade. Escrevo coisas que vivenciei e absorvi ao longo do tem- po — muita coisa que s6 pratiquei, jamais havia estudado. E isso me causa arrepios, porque sei que, quando o leitor encontra uma informacao, quer fontes, referéncias, dados estatisticos. Quer tudo validado. O jornalista também pau- ta sua conduta dessa forma, mas aqui eu fui mais pai do que jornalista. Fazer o que eu fiz foi _Escrevo sobre ideias que testei também um atrevimento, 0 cotidiano com os meninos especialmente quando se | — com os outros também, sabe que 0 livro definitivo pois ndo existe essa coisa de rea sero por ter uma ética com os filhos e outra com o colega de trabalho. 20 a.C.: Etica a Nicémaco, de Aristételes, € dedicado ao filho dele, que, alids, tinha o mesmo nome do avd. Mas aceitei fa- zer pela pretensio de fazer porque sou pai. Independentemente da precisio, de conceitos que rein- terpretei, das idas e vindas do meu pensamento, hd uma cer- teza que vocé, caro € raro leitor, pode ter ao me acompanhar nas proximas paginas: tudo o que aqui est escrito foi vali- dado por minha paixao em ser pai. Vocé vai perceber que falo muito mais sobre ser pai do que sobre ser mie. Por favor, mae, nao me queira mal. Eu sei que vocé vai entender minha escolha quando terminar a lei- tura. Se me refiro a “pai” em muitas passagens, é porque aqui estd a experiéncia de um pai com seus filhos — de um pai que sé cumpre o seu papel porque tem ao seu lado uma mulher incrivel, que sabe colocar muitas das coisas no seu devido lu- gar. Nao saberia fazé-lo sozinho. Falo de um pai e de uma mie porque foi a vivéncia que tive, jamais por acreditar que esse ¢ 0 modelo de familia que definird 0 rumo dos filhos. A familia contemporanea tem miultiplas e complexas formagées. E ampliada — porque os adultos de referéncia podem nao ser apenas 0 pai ou a mae. Assim como é monogimica, é poligamica ou é poliandrica. A familia é hétero ou homossexual. E quantas experiéncias incriveis os filhos e as filhas tém e tiveram diante dessa di- versidade. Que riqueza podem encontrar nesses niicleos! Esteja escrito pai, mae, pais ou mées, estarei sempre me referindo a vocé que aceitou o convite que a vida lhe fez de ser o responsavel por assegurar a sobrevivéncia e o desenvol- vimento pleno de uma crianga — esteja s6 ou bem acompa- nhado. Sem qualquer distingao. 21 O que importa é que vocé, ao participar desta conversa que proponho, apresente-se com sua identidade e entenda a importancia do papel que exercemos diante dos filhos e filhas, Que vocé perceba que, se o desejo que temos eo de viver em um pais justo e generoso — com igualdade social, Tespei- to ao proximo e honestidade —, precisamos iniciar esse traba- lho dentro de casa e assumir a responsabilidade pela criacao de nossos filhos com base na ética. E nossa fungao ajudé-los a interpretar 0 que acontece no mundo e em especial no Brasil, onde cresce 0 processo de des- construcao da politica e se fortalece a ideia de que o pais nao tem mais jeito — quando na realidade a apuracao de irregu- laridades, a deniincia de casos de corrup¢’o e a punicao de malfeitores a que estamos assistindo sio 0 préprio jeito. Um jeito que s6 € possivel na democracia. E nosso compromisso como pai e como mae que somos alertar que estamos em um cendrio no qual aventureiros e aproveitadores se apresentam a todo instante, gente que ex- plora o desconhecimento da histéria para nos oferecer a sal- vacao da patria por meio de prticas erradas que, na maior parte dos casos, se revelaram desumanas, E nossa misséo educé-los Para a convivéncia, que se rea- liza em todos os ambientes, Teais e virtuais, incentivando que eles se expressem com base e ™ argumentos sdlidos e equilibra- dos — contrapondo-se A intolerancia e a j cida e mal-intencionada que circulam especialmente nas redes sociais, Educé-los para a vida publica, transformando-os em cida- dios, com direito a felicidade — deles, de suas familias e de seu pais. informagao distor- €m grande quantidade, 22

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