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Por que estudar hoje 0 portugués arcaico? Comegamos por uma pergunta porque ela costuma ser fei a quando se sabe que uum dos nossos principais interesses de pesquisa sobre a lingua portuguesa se centra nesse periodo de sua histéria, Para alguns, talvez muitos, 0 interesse por um momento téo recuado na histéria do portugues, mais recuado ainda para nés, falantes do portugués brasileiro, 0 estudo desse tempo nao passa de especulacao, “curti¢ao” erudita, naquela compreens » de que o no imediatamente aplicavel nao faz sentido, é quase uma inutilidade. F claro que € essa uma concepeao banal, mas existente.. Sem diivida, trabalhar sobre periods recuados na historia de qualquer lingua exige, pelo menos, certa “erudigao”, no sentido de que, diferentemente do trabalho sobre qualquer lingua na sincronia contemporanea a0 pesquisador, se faz, necessirio que, para além do conhecimento de teorias e métodos da Lingtiistica, esteja ele informado sobre varios aspectos da contextualizagio histérica em que funcionava a lingua no momento estudado. Ele nio pode deixar de conhecer, por exemplo, aspectos da sociedade em que lingua era ucilizada como inscrumento cotidiano de comunicagio. Nao pode ignorar também 0 passado desse periodo pretérito, jd que o que era antes ¢ 0 que veio depois so balizamentos para apreender-se aquele momento que se quer estudar. ¢ assim, no caso do portugués, a ter-sea necessidade, muitas vezes, de ir buscar Chega nolatim dados que, paraum estudo do portugués de nossa contemporancidade, jd nose fazer 16 O portugués arcaico: nnecessdrios. Nao se podedeixar deconhecer também comose processavaa transferéncia daquela lingua, que era falada, para a matéria escrita, cuja documentagio seré a base empirica para observar o que seria a lingua em uso. Daf requerer-se, necessariamente, uma certa preparagao filolégica que informard ao pesquisador sobre mecanismos das escritas medievais ¢ da transmissio dos manuscritos ja que ainda nao existia o texto impresso. Por tudo isso, pelo menos, é um trabalho que exige alguma informagio, se ndo formagao, quese podeconsiderarhojcerudita, no sentido, portanto, detrararem-sedesaberes que sociopoliticas, outros centros de interesse tém dominado entre os pesquisadores de linguas, fo séo mais passiveis de serem difundidos para todos, porque, para além de razdes os lingiiistas, ambém porque outros objetivos perseguem hoje o ensino das linguas ¢ da lingua portuguesaentre elas, em queos problemasda histéria presentesio muito maisurgentes deseremequs jonadoscexplicadosdo queosdahistéria pregressa. E nao havia deserdiferente, senao serfamos fortes candidatos a alienacio da realidade em que Contudo, para li desse trabalho que se pode considerar hoje erudito — estudar o portugues arcaico pelo portugués arcaico ~ ha d notivagdes externas” ao mero interesse ntificoecultural préprioao pesquiisador (que nunca deverd ser minimizado, ao contrétio!) para voltar-se hoje ¢ aqui ao primeito periodo documentado da histéria do portugues ‘Vejamos, entreranto, como exemplo, algumas das “motivagdes externas” a que nos referimos: No plano da Lingiit ica tesrica de hoje, os dados do passado das linguas podem fornecer argumentos para teorias que tém como objetivo explicagdes dos mecanismos cognitivos ¢ psicolégicos que estio na base de qualquer lingua histérica. Para outras teorias lingiifsticas contemporineas, tal como os dados empiricos das linguas em uso no presente, abrem portas para a compreensio de aspectos de periodos passados, os dados empiricos de periodos passados fornecem elementos para a explicicagao de fendmenos em uso no presente. Referimo-nos, nos dois casos, respectivamente, &s teorias gerativas ¢ is teorias sociolingiifsticas contemporaneas. Ultapassando 0 plano teérico geral para a compreensio das linguas ¢ da historia das linguas ¢ considerando, agora, a relagéo entre o periodo arcaico do portugues ¢ 0 portugués contemporaneo, destacamos duas motivagdes que podem mover 0 pesquisador na diregio do conhecimento do periodo arcaico. Poderiamos dizer, parafraseando, que nada, ou quase nada, nas Iinguas se perde, tudo se transforma e é observando o pasado que se podem recuperar surpresas que © presente, com freqtiéncia, nos faz, Para algumas perplexidades que a variagao sincrénica levanta, um ripido olhar para a hist6ria passada esc Exemplos de todos conhecidos: por que irmaos, mas coracdes, eas no singular temos irmdo, coragito, cao? Por que fazerlfeito, ver/visto, escreverlescrito, se o geral & verbo de infinito -er ter participio em ~ido? Variagées do presente, herangas do pasado, Queremos com isso dizer que 0 passado se esgueira pelo presente e pode clareé-lo, mesmo que se tenha, teoricamente, em muitos casos, como explicar (ou descrever?) 0 presente Por que estudar hoje o portugués arcaico? V7 sem viagens pelo passado, Sem dhivida, para quem hoje usa ¢ tem a oportunidade de refletir sobre a lingua que usa, alguma informacao histérica passada é um instrumento titil para abrir caminhos para o conhecimento de sua lingu: Quire aspecto de quie estamos pouco conscientes ¢ que ¢ fortemente motivador para o dria do portuguésainda nfo se 3s padres do uso prestigiado, estabelecidos pelos graméticos. O portugues estudo do portugués arcaico é 0 fato de que aquela altura da his explicitaraanorma, ancaico escrito, representago do falado, move-se independente dos gramticos e do ensino do portugues padrao nas escolas, dé que por toda a [dade Média curopéia ¢ 0 latim a lingua da escola, para 0s raros escolarizados, Tanto gramdticas do portugués como “portugues lingua de escola” sé entram na cena da nossa histéria no século XVI. Quais as conseqiiéncias desses fatos histricos para quem descobre interesse pelo portugues naquele periodo? Caracteriza a documentagio escrita dessa época a variagio. Nao apenas variagio se iniciam nos meados na grafia — as primeiras propostas de ortografia para o portugu do século XVI — mas também a variagio na morfologia ¢ na sintaxe. Pela variagéo grifica se podem depreender indicios de realizages fonicas conviventes¢ pela variagao morfoldgica ¢ sintitica podem ser percebidas possibilidades estruturais, entio em uso, que sio indicadores para mudancas que depois vicram a ocorrer € que, a partir da normatizagao as gramarical, a documentacio escrita exclui, jd que serdo sempre algumas das variant selecionadas para 0 uso escrito normativizado das linguas. Com isso queremos por em de fala do que os textos escritos posteriores & normativizagao gramatical. ‘0 é importante subsidio para o conhecimento da lingua em uso de entéo, apesar das restrigdes necessariamente aque 0 fato de que 0 texto escrito do perfodo arcaico se aproxima, em geral, mais da Assim, a documentagao remanescente do periodo arca impostas na transferéncia do oral para 0 escrito. Alem disso, essa variagio documentada fornece dados significativos pata o proceso histérico de mudanga da lingua e para melhor apreensio ¢ compreensio de variantes que obretudo, persistiram para akém do periodo arcaico e até hoje permanecem em variante mas nao apenas, regionais do portugués. O portugués arcaico: fonologia, primeira parte deste livro, depois de introdugées que julgamos esclarecedoras para os iniciantes sobre os limites do portugués arcaico « sobre caracteristicas da documentagao remanescente e como trabalhar com elas, procuraremos rastrear as estruturas caracteristicas do portugués arcaico, marcando, sempre que possivel, a vatiagio interna refletida na documentagio. Nas roras de O portugués arcaico: fonologia, morfologia ¢ sintaxe sinalizaro nossos » dos dados como ni caminhos ~ tanto na organizag interpretagdes ~ 0 que tém legado, ¢ pode ser aplicado a histéria do portugues, a dialectologia histdrica, a analise estructural, também as teorias sociolingiiisticas ¢ ainda a Filologia, Sem esta, ¢ impossivel desvendar 09s meandros que um periodo passado, representado pela escrita, nos apresenta. Seguiremos assim um percurso de Lingiiistica Histérica histérica ¢ nao a-histérica, formal, que também é possivel de ser percorrido, como tém feito estrururalistas e gerativistas diacrénicos. Definindo o portugués arcaico O portugués arcaico no tempo da lingua portuguesa Denominamos aqui portugués arcaico 0 pertodo histérico da lingua portuguesa que se situa entre os séculos XIII e XV. A simplicidade dessa afirmativa recobre alguma discussio que merece set apresentada, mesmo de uma forma que esteja longe de esgorara questao. Alids, qualquer tentativa de periodizacio histérica, como qualquer classificatéria ou taxionomia ¢ arbitrdria ¢ esté necessariamente condicionada pelos principios que estao na base da classificagao. A delimitagio do portugués arcaico, no fluxo da histéria da Iingua portuguesa, no poderd fugir a essa fatalidade. Os histor adores ¢ fildlogos que a esse periodo do portugués se tém dedicado sio unanimes em situar seu inicio nos prineipios do século XIII, porque para isso tém uma razao explicita: € nesse momento que a lingua portuguesa aparece documentada pela escrita O tempo queo precede é denominado ou de periodo pré-literdrio, deumamaneira ger: latim ainda nao se podem detectar tragos da fucura variante romanica que se esbogava ; ou € subdividido em pre-histdrico, quando na documentagao remanescente em no noroeste da Peninsula Ibérica; e em proto-historico, em geral situado a partir do século IX, quando jé esses tragos podem ser detectados por especialistasem documentosescritos 22 Oportugués arcaico no tradicionalmente chamado lati barbaro, isto é, latim notarial ou tabelidnico, veiculado na drea romanica ances das linguas romanicas se tornarem linguas oficiais Marcam 0 nascimento do portugués arcaico, ou seja, 0 inicio da histéria escrita da lingua portuguesa o Téstamento de Afonso il, datado, indiscutivelmente, de 1214, ea 1979) Admite-se também queas mais antigascantigasdeamigoedeamordo Cancioneiro Noticia do Torto, que hoje se considera que foi escrita entre 1214-1216 (Co Medieval Portugués se situam, na sua origem, nos inicios do século XIII, jé que tanto a Cantigada Ribeirinha, deamigo,ea Cantiga da Garvatia, de mor, rém como inspiradora Maria Pais Ribeiro, a Ribeirinha, personagem documentada na Hist6ria como amance do rei D. Sancho I, que deteve a coroa portuguesa entre 1185 ¢ 1212. Recentemente, Giuseppe Tavani propoe que se recue para 1196 a data do mais antigo texto poético — uma cantiga de escérnio de Joam Soares de Paiva, identificada por seu primeiro verso: Ona faz ost0 senhor de Navarra, Pata'Tavani (1988:41), 0s fatos narrados no poema se situam naquela data ¢ 0 ora (= agora) que inicia o poema ¢ indicio de sua contemporancidade em relagio aos eventos histéricos referidos. Nao se pode deixar de estar ciente de que, enquanto o Zéstamento de Afonso Hea Noticia do Torto sao documentos escritos na segunda década do século XIII, as versbes escritas das referidas cantigas persistem nos Cancioneiros hoje conhecidos, que sio cépias tardias: o da Ajuda, dos fins do século XIII; ¢, do comeco do século XVI, 0s cancioneiros da Biblioteca Nacionalde Lisboa co da Vaticana, embora descendentesde uma compilagio de meados do século XIV. Entre os fins dos séculos XII ¢ XIII, as cantigas circulavam na tradigao oral e, pode-se admitir, em folhas escritas soltas com poemas de um poeta ou mesmo em “livros” de poemas com 0 conjunto da sua producio. Se 0 inicio do portugués arcaico pode ser marcado pelos fatos descritos, o limite final desse perfodo é uma questéo em aberto, embora se costume considerar século XVI como o ponto de partida de um novo periodo na histéria da lingua. Um ticos, estd & espera limite final para a fase arcaica da lingua, com base em fatos lingti ticas de que se estabeleca uma cronologia relativa para o desaparecimento de caracterf lingitisticas que configuram o portugués antigo em oposigao ao moderno. Enquanto essa cronologia nao estiver feita — ¢ certamente indicaré no um ponto no tempo mas uma fase de transicao delimitavel no tempo — sio acontecimentos extralingiifsticos que sao tomados como balizas para marcar o fim do periodo arcaico, tais como: o surgimento do livro impresso, em substituigio aos manu itos medievais, nos fins do século XV, e suas conseqiiéncias culturais; o incremento da expansio imperialista portuguesa no mundo, que se refletiu na sociedade portuguesa européia pelo contato com novas culturas ¢ novas linguas, provocando, certamente, reflexos na lingua portuguesa no seu processo de variagao e mudanga; 0 delineamento de uma normativizagéo gramatical, a partir de 1536, com a gramatica de Fernao de Oliveira, ¢ de 1540, com a gramatica de Joao de Barros, Definindo o portuguésarcaico =. 23. aparelho pedagégico que, juntamente com as cartilhas, que se multiplicaram daf por diante, dario conformacio explicita a um futuro “dialeto” que se tornard a base para 0 ensino, Desde entao seré 0 portugués a lingua da escola ao lado do latim, lingua exclusiva da escola em toda a Idade Média romanica. Os acontecimentos istéricos enumerados sio de fato extralingiifsticos, mas na historia de qualque' so condigdes que podem favorecer 0s processos de mudangas nas linguas. Os trés acontecimentos mencionados inter-relacionados ¢ outros que possam ser destacados ngua, os fatores extralingiiisticos, tanto culturais como sociais, favoreceram, muito provavelmente, mudangas lingiiisticas que vieram a climinar as caracteristicas que em geral se apresentam para a fase arcaica do portugues. 0 Falta ainda, contudo, uma investigagio sistemdtica da documentaca remanescente do portugués arcaico, em confronto com o do século XVI, para que, com maior rigor € precisio, nos permita dizer nao apenas que o periodo arcaico termina nos fins do século XV ou na primeira metade do século XVI. Subdividindo o portugués arcaico Também se discute, e € uma questdo j4 antiga, a subperiodizagao do portugues arcaico. Leite de Vasconcelos limitava-se no inicio do século xx a designar pela expressao tinica de portugués arcaico. J4 Carolina Michaélis de Vasconcelos, com base na producao literdria medieval portuguesa, subdivide esses trés séculos: o perfodo trovadoresco até 1350 © 0 periodo do portugués comum ou da prosa histérica. Ess. posicao foi aceita por Serafim da Silva Neto na sua Historia da Lingua Portuguesa. L. F. Lindley Cintra opée ao portugués antigo, do século XIII as primeiras décadas do XV, 0 portugués médio, dai até as primeiras décadas do século XVI. Outros estudiosos sse perfodo do portugués, como Pilar Vasquez Cuesta, fazem a mesma delimitagao temporal, mas adotam a designagao de galego-portugués ¢ de portugués pré-cldssico. Coma dicotomia galego-portugués do problema que éde carter nao apenasd portugues se faz necessdrio ressaltar uma face cenfoque iacrénico, mas também diatpico. para a questao da subperiodizagao nao € apenas baseado na produgio liter. so, explicitamente, o de Carolina M. de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto, mas tem ria, como. a ver com a possivel diferenciagao dialetal da lingua falada a que se poderia opor uma primeira fase do pertodo pré-moderno,em que haveria uma unidade galego-portuguesa, refletida na documentagio escrita, € uma segunda fase em que se poderia definir a distingao entre o diassistema do galego eo do portugues. Fatoreshistéricos direcionaram adiferenciagao entre o galego co portugués que. na sua origem, constituiam uma mesma rea lingitistica em oposigéo a outras areas ibero-romanicas. A questéo da unidade galego-portuguesa em uma primeira fase do periodo arcaico jé € de ha muito defendida pelos estudiosos da lirica medieval do ocidente 24 O portugués arcaico ibérico ¢ rem scu limite final estabelecido em 1350. Tanto que lirica galego-portuguesa é uma designagao geralmente accita, embora alguns especialistas tenham observado que essa designagao caberia com maior precisio & lirica prépria de poctas de variados locais da peninsula, enquanto a lirica religiosa de Afonso X — as Cantigas de Santa Maria — teria caracteristicas diferenciadoras, que seriam mais préprias a0 galego antigo que ao portugués, Parece-nos que esse € um ponto a ser ainda sistematicamente pesquisado: 0 confronto entre © conjunto de cantigas do cancioneiro mariano ¢ 0 do cancionciro profane. Clarinda Maia (1986), literdrios escritos entre os séculos XIII ¢ XVI (1255 a 1516), demonstra o processo partir de um corpus de 168 documentos nao- de diferenciagao histérica entre o galego ¢ 0 portugués, a0 examinar documentos de além ¢ aquém tio Minho (fronteira antiga entre a Galiza ¢ Portugal). Verifica que, ao longo do cixo temporal examinado, os fatos fonéticos ¢ morfoldgicos estudados demonstram a diferenciagio entre as variantes do noroeste hispanico, isto é, 0 galego © 0 portugués da drea entre 0 Minho ¢ 0 Douro, © chamado portugués setentrional, na dialectologia portuguesa contemporanea. Este trabalho confirma as proposigdes que defendem uma fase comum galego-portuguesa € uma subseqiiente, em que as duas dreas se definem. A propria autora deixa claro que, para confirmar 0 que demonstrou a documentagio estudada, se faz necessério estudo anilogo sobre documentos do mesmo tipo escritos na drea centro meridional portuguesa Essa titima area vem historia pretérita diferente, jf que af se desenvolveram os chamados dialetos mogdrabes — dialetos romanicos falados pelos cristios que ficaram sob o dominio 4rabe, desde o século VIII ¢ durante o processo de Reconquista (séculos X1 ao XIII no ocidente peninsular). Com a Reconquista se encontram na parte centro~ meridional o chamado galego-portugués do norte e a variante romanica que se usava no centro-sul portugues. Nao se deve, portanto, desligar a periodizagao temporal da realidade lingitistica diferenciada no espago. Com base nisso, parece procedente uma subperiodizacio do portugués arcaico, em que se considere uma primeira fase galego-portuguesa ¢ outra que se definirs como portuguesa, sobretudo a partir da centralizagao politica no eixo Coimbra-Lisb Definidos os limites do novo reino portugués, sela-se um destino histérico diferenciado para 0 portugués € o galego. Esse fato culmina com a decisio de D. Dinis, que fal em 1325, de legalizar 0 portugués como lingua oficial de Portugal. Sumarizando a questGo © quadro seguinte (Castro, org, 1988:12) sumariza diferentes propostas de periodizagao para a histéria da lingua portuguesa: Definindo 0 portugués arcaico =. 25. | Epoca | Leite | Silva] Cla Lindley ' de Vasconcelos Neto V. Cuesta Cintra até s, IX pré-histérico | pré-histérico (882) - até + 1200 proto- proto pré-literério | pré-literdrio (1214-1216) histérico hist6rico aré | galego. | portugués | 1385/1420 portugués. | trovadoresco | portugués antigo até 1536/ arcaico portugués portugués portugués 1550. omum: pré-classico | médio até s. XVIII portugués portugués portugués portugués moderno | moderno clissico | _clssico até s, XIX/XX moderno portugués portugués moderno moderno Enquanto maior ntimero de estudos sistematicos da documentagao remanescente escrita em portugués entre os séculos XIII e princfpios do XVI nao esteja feito com 0 objetivo de estabelecer os limites do perfodo arcaico em relagio ao moderno ¢, no interior do arcaico, as subdivisées necessérias, se pode aceitar que uma designagio abrangente, como portugués arcaico (batismo do mestre Leite de Vasconcelos) recubra o periodo que vai do primeiro documento escrito ~ 0 Téstamento de Afonso IT até, pot exemplo, 1536/ 1540, datas das primeiras reflexdes sistematicas e com intengao normativizadora, sobretudo a primeira, sobre a lingua portuguesa: a Gramatica da linguagem portuguesa, de Ferrio de Oliveira, ¢ a Gramatica da lingua portuguesa, de Joao de Barros. Nao deixemos de ter claro, entretanto, que as taxionomias jd propostas ou se baseiam em fatos histéricos extralingiifsticos, decorrentes da hi ou da histéria da literatura ou de informagées sobre a dialetz toria externa de Portugal 40 diatpica diacronica que fayorece a hipérese de uma primeira fase galego-portuguesa, seguida de outra em que o galego ¢ 0 portugués jé se apresentam como diassistemas distinguiveis, tendo os meados do século XIV como divisor de aguas. Para tornar precisa essa subdivisio, o estudo da documentagao nao-literiria escrita do Douro para o sul entre o século XIE ¢ 0 XVI ¢ essencial. A poesia trovadoresca, que finaliza em meados do século XIV, mostra certa unidade que levou isso tem a ve a denominé-la de lingua galego-portuguesa. No entanto, certamente . Os estuidos existentes com 0 “dialeto literario” proprio a esse tipo de producio poet em prosa classificada como literaria permitem reconhecer diferengas, a partir da metade do século XIV, entre textos escritos considerados galegos ¢ textos escritos portugueses Os fatos jé conhecidos permitem considerar que se defina como provavel limite inicial da segunda fase do periodo arcaico a segunda metade de trezentos. Observe-se, 26 Oportugués arcaico contudo, no quadro transcrito, que os especialistas que subdivi propéem como limite da primeira fase datas posteriores, entre 1385 € 1420. lem 0 periodo arcaico Portanto, a nosso ver, para que se chegue a determinar com rigor o limite iltimo do perfodo arcaico ¢ possiveis subdivisdes, faz-se necessdtio ainda que se tome ou retome a documentagao remanescente com o objetivo de nela buscar as respostas a tais quests. Antigos textos referidos A, Cantiga de Escérnio datavel de 1196 (proposta de Giuseppe Tavani) de autoria de Joam Soares de Paiva (ou Pavia): CBN, 1330; CV. 937 Ora faz. ost’o senhor de Navarra, pois en Proeng’ est” el-Rei d’Aragon; non Ih'an medo de pico nem de marra Tarragona, pero verinhos son; 5 nen an medo de lhis poer bogon e riir-s'an muit’'Endurra e Darra; mais, se Deus traj’ 0 senhor de Mongon, ben mi cuid’eu que a cunca Ihis varra, Se Ih'o bon Rei varré-la escudela 10 que de Pamplona oistes nomear mal ficard aquest’outr’ en Todela, que al non 4 /a que olhos algar; ca verrd i 0 bon Rei sejornar ¢ destruir até burgo d’Estela: € veredes Navarros lazerar € 0 senhor que os todos candela. Quand’el-Rei sal de Todela, estra ele sa ost ¢ todo seu poders ben soften i de trabalh’ ¢ de péa, ca van a furte tornan- sen correr; guarda-s’ el-Rei, come de bon saber, que o non filhe luz en cerra alba, ¢ onde sal, is’ ‘ar tom a jazer 20 jantar ou se non aa Ra. (leitura critica de Manuel Rodrigues Lapa, ‘antigas d’esedrnio e de maldizer dos cancioneiros medicvaisgalego-portugueses. Vigo, Galaxia, 1965. p. 366-367). B. Cantiga de amigo (A Cuntiga da Ribeirinha) proposta como sendo de autoria do rei D. Sancho I (falecido em 1212, nascido em 1154 ¢ rei a partir de 1185) Definindlo 0 porlugués arcaico = 27 CBN 456 Ai eu, coitada, como vivo em gram cuidado por meu amigo que ei alongado Muito me tarda © meu amigo na Guarda! Ai eu, coitada, como vivo em gram desejo por meu amigo que tarda e non vejo! Muito me tarda © meu amigo na Guarda! (leitura critica de J. Leite de Vasconcelos, Textos Arcaicos, 3* ed., 1923. p. 17. Reproduzida em Elsa Gongalves e Maria Ana Ramos, A lirica galego-portuguesa. Lisboa, Editorial Comunicagéo, 1983. p. 129). C. Cantiga de amor (A Cantiga da Garvaia) de Pai (ou Paio) Soares de Taveirés, contemporineo de D. Sancho I. Inspiradora: D. Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha, filha de Paai Moniz ¢ amante do rei Sancho I: A 38 No mundo non me sei parelha mentre me for como me vai, ca ja moito por vis ¢ mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraia quando vos cu vi em saia Mao dia me levantei que vos entom nom vi fea E, mia senhor, des aquelha 10 me foi a mi mui mal dai! E vés, filha de dom Paai Moniz, ¢ bem vos semelha aver eu por vés guarvaia, pois eu, mia senhor, dalfaia 15 munca de vés ouve nem i valia d’iia correa. {leitura critica de Valeria Bertolucci Pizzorusso, Le Poesie de Martin Soares, Bologna, 1963. p. 59-60. Reproduzida em E, Gongalves ¢ M. A. Ramos, A lirica galego- portuguesa, Lisboa, Editorial Comunicagio, 1983. p. 134-135). D. Inicio do primeiro documento nao-literdrio escrito em galego-portugués: © testamento de D. Afonso II, datado de 1214 (original atualmente no ANTT): 28 = Oportugués arcaico En’o nome de Deus, Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e saluo, teméte o dia de mia morte, a saude de mia alma e aproe de mia molier raina dona Orraca ¢ de me(us) filios ¢ de me(us) uassalos e de todo meu reino fiz. mia mada p(er) 5 q(ue) depos mia morte mia molier ¢ me(us) filios € meu reino © me(us) uassalos ¢ todas aq(we)las cousas q(te) De(us) mi dew en poder sten en paz een folgacia. Primeiram(en)te mado q(ue) meu filio infante don Sancho q(ue) ei da raina dona Orraca agia meu reino enteg(ra)m(en)te ¢ en paz. E ssi este for morto sen semmel, 0 maior filio q(ue) 10 ouuer da raina dona Orraca agia o reino entegram(en)te € en paz Essi filio bard nd ouuermos, a maior filia que ouuermos agia’o. (leitura paleografic documentos escritos em portugnés. Revisito de um problema histbrico-lingitéstico. Coimbra, 1979 (Separata da Revista Portuguesa de Histéria. T. XVII, p. 312). interpretativa de Avelino de Jesus da Costa, Os mais antigos Pistas para o leitor iniciante Antes de cada uma das trés cantigas est a indica CV, CA) em que se encontra ¢ seu mimero respectivo. No texto D, apresentamos 0 inicio do Testamento de Afonso II, na leivara baseada no manusctito do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANT'T). Ao fim dos textos estio as indicagées bibliogréficas referentes as edicdes utilizadas Provavelmente para o leitor iniciante o texto que oferecers mais dificuldade sera oA, a cantiga de escarnio de Joam Soares de Paiva (ou Pavha). Sem as interpretagdes dos dados histéricos ¢ geograficos ¢ do glossério de M. Rodrigues Lapa dificilmente um leitor, mesmo especialista, decodificaria essa sétira politica “de carter rigorosamente histérico, referente & luca que se travou, depois da derrora de Alarcos (1195), entre o rei D. Sancho de Navarra, por um lado, ¢ 0s reis D, Afonso IX de Castela e D. Pedro Il de s de Castela e ainda as de Aragio, (LAPA 1965:366, nota 240). Com essa chave, abrimos varias portas da cantiga. Aragio, por outro, O rei navarro devastava as te aproveitando-se da auséncia do seu rei na Proveng O poeta est contra o rei de Navarra e é a ele que dirige seu escétnio. O recurso aos topdnimos da regiio aragonesa ¢ da regido navarra € outra dificuldade para quem nao conhece a geografia ibérica, mas R. Lapa, nas suas notas, esclarece alguns deles. Tarragona (1.4), Endurra e Darra (1.6) sio terras do rei aragor ¢ Mongon (1.7) também. Ja Todela (Is. 11 € 13) pertence ao rei navarro. A depressio geografica de Pamplona, terra navarra, é metaforicamente designada por cunca (1.8) € por escudela (1.9), por associacao a seu formato concave. Burgo de Fuela (1. 14) € cidade navarra, afastada dos limites com Aragio Definindo 0 portugués arcaico 29 Dadas essas pistas histéricas e geogréficas, consideremos o valor semantico de alguns itens nominais ¢ verbais: pico ¢ marra (1.3) sio armas da guerra medieval; a ptimeira, um tipo de langa; a outra, instrumento para quebrar pedras. Boron (1.5), segundo Lapa, é “engenho para derrubar muros, arfete”. Sejornar (1.13), verbo de origem provengal, ‘repousar’. Lazerar (1.15), ‘softer’; eandelar (1.16), ‘comandar’, associem a caudatdrios, caudilho, que tém a mesma base lexical; estréar (1.17), mostrar’, ‘apresentar pela primeira ve’, lembrem-se de estréia Filhar (1.22), verbo de acepgies mitiltiplas no periodo arcaico, aqui no sentido de ‘alcangar’. A interpretagao de Lapa para os versos 20-25 facilita a sua compreensao: “A hoste do rei de Navarra s6 se aventurava, fora do Castelo de Tudela, em pequenas sortidas nocturnas, que Ihe davam incémodo, pois o rei ordenara que, ao romper do dia, estivessem j depreciativa para o rei de Navarra: “e donde sa jantar ou, o mais tarde, a ceia” (Lapa 1965:367). em terras de Navarra”. Nos dois tiltimos versos a conclusao. i, volta outra vex para ld a horas do A cantiga traz uma rica amostra de caracteristicas gramaticais do portugues arcaico: os alomorfes do artigo: ef antes de rei, la assimilado ao -r do verbo anterior (1.9); a variante de este, agueste (1.11); a variante de posigao dona do possessivo: sa (1.18); 0 indefinido af (1.12), sua variante ar (1.23), ‘outra ver’, ‘outra coisa’ advérbios: ova (1.1); 4, ‘ai (Is. 13, 19, 23); as conjungdes: pera (1.4), ‘porém’; ca (1.13) pois? onde (1.23) ‘donde’ (‘onde era entao hu, u); preposigao atd (1.14), variante 3 0s de até, atéé, atts, no period arcaico. Da morfologia verbal prépria a primeira fase do portugues arcaico: poer (1.5), depois pars verrd (1.13), depois vind; veredes (1.15), depois vereis. Com essas pistas, almejamos que o leitor iniciante nao se perca por complicados desvios... O texto B, a leve c bela cantiguinha de amigo que se propde— nao sem discussao, é claro — que D. Sancho T tenha feito cantar sua amada ¢ amante Dona Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha, nao oferece dificuldades aos leitores de hoje. Talvez apenas & 1.2 — que ei alongado ‘que tenho longe’ (?) — levante a pergunta: alongado ou alonjado? O podia nes Jonje; mas longo, dai alongado, com tepresentando a velar /g/, podia significar tanto extenso como longingua (ef; a grande especialista da lirica ¢ do portugués medieval . Michaélis de Vasconcelos (1922: s.2. longo). Coitada (1. 1,5), derivado de evita, softimento de natureza amorosa, afetiva. Guarda (1.8), cidade portuguesa, onde estaria a época representar a palatal /3/, entao alongado se derivaria de nas lides da guerra o rei-poeta D. Sancho | OC, conhecido na tradicao dos estudos medievais portugueses como a Cantiga da Garvaia &, dos textos poéticos do Cancioneiro Medieval Portugués, talver aquele que mais fez correr tinta, E continuaré a correr, pois o seu mistério ficard por desvelar- se completamente, Supde-se que lhe falte uma estrofe final que talvez desse a chave 30 O portugués arcaico: a0s s us exegetas. Propée-se que “a senhor branca ¢ yermelha” (1.4) — ‘de pele branca ¢ rosada’ (2) seja a mesma Dona Maria Paes Ribeiro, jd que se sabe por dados histéricos que Paai Moniz (1.11) ¢ 0 pai da amante assumida do rei Dom Sancho. Discute-se se € esta uma cantiga de amor, se de maldizer. Se de um tipo, se de outro, as interpretagées serdo diferentes. Fica muito por saber, desde a nterpretagio classica de C, Michaélis, dada no comego do século, reavaliada por R. Lapa (1965:144-161) a recente de Francisco Rico, de 1973, que transcrevo de E. Gongalves e M. A. Ramos (1983:135-136): “O poeta morre de desejo (mais do que de amor cortés), desde que viu en saia a “filha de dom Paai Moniz”; esta quer que ele louve sua formosura, descrevendo-a nao em saia como a vi, mas adornada com um manto luxuoso [a garvaial, artificio a que o trovador nao esté disposto, visto nunca ter recebido da dona ‘valia d’via correa’.” Do ponto de vista estritamente lingiiistico a cantiga levantou, pelo menos, dois problemas semanticos: que significard retraia (1. 5), que ser& garvaia (1. 13)? Parece que ninguém mais discute que garvaia seja uma palavra de origem germanica que se refira a algo de grande valia, supondo-se, no caso, que seja ‘um manto digno de rei’. Serd esse manto real com que a dama quer ser retratada (2), descrita (2), pintada (?), cantada (), lembrada (?) (retraer’ poderd ser tudo isso ¢ mais ...) pelo poeta que em “mui mal dia” (1. 10) se levantou ea viu em sata, isto é, em eés (expresso também da lirica medieval), que quer dizer ‘em trajes nao-ptiblicos’.. Sem diivida, muito deveria softer 0 coitado trovador para retraer com garvaia quem ele desejava em saia, ou menos! Voltando as pistas lingitisticas: senor (1. 49), sem a flexao redundante do feminino, ausente dos nomes de lexemas terminados em -r, -/ no periodo arcaicos aguelha (1. 9), va demonstrative aguela; mia (1.49), pos palatal, ‘minha’; menire (1. 2), conjungio temporal, ‘enquanto’, que deixou de ser ante pouco freqiiente, mas documentada em alguns textos, do sivo feminino, antes da insergio da nasal usada, mas que ficou firme em outras variantes hispanorromanicas; des (1. 9), pteposicao & qual ainda nao se associava o de, ‘desde’. Na morfologia verbal: moira, 1! pessoa do presente do indicativo antes de regularizar-se pelo infinitivo ‘morrer’; querede depois quereis, pela sincope do d ¢ ourras regras fonolégicas também o verbo aver, com valor possessivo lati subseqiientes, Note-se 0, perdido para rer, a0 longo do periodo arcaico: aver garvaia (1. 13), aver valia (1. 15-16). © texto D € documento jurfdico, portanto de nacureza formular, de que apresentamos apenas 0 inicio. Jé desde 0 comego do século xx foi criteriosamente publicado ¢ minuciosamente comentado por José Leite de Vasconcelos (1959:63-93) e, recentemente, por A. de J. da Costa (1979:307-321), que compara a versio do ANTT a descoberta nos arquivos da Sé de Toledo na década de 1970. Aqui vao apenas algumas observagées. 31 Talvez dificulte a compreensio do iniciance: a prol de (1. 3) ‘em prol de’; manda (1. 4) ‘mandado’, aqui ‘testamento’; entegramente (1. 8), ‘integramente’, ‘inteiramente’s semmel (1.9); por metonimia ‘descendéncia’, Note-se aqui também o verbo aver em estrutura de posse: filho que ei (1.8), agia meu reino (1. 8), 0 maior filho que ouver (1. 10); cagia 0 reino (1. 10), se filio baron non ouvermos (1. 11). O verbo ser, com attibuto de valor semintico transitério: eu... seendo sano e salvo (1. 1), a par de estar — aguelas cousas sten en pazeen folgdcia (1.6), qui do subjuntivo etimolégico de estar; depois substituido por esteja, analogico a seja. Para o texto D, diferentemente dos anteriores, utilizamos uma edigéo diplomatico-interpretativa que deixa entrever com mais precisio caracteristicas da grafia ¢ da escrita medieval, do que ficam despojadas as edigdes criticas O eitor nao iniciado ibstituitd ser nesse tipo de estrucura Sten seapresenta na forma tranhard o uso de parénteses ao longo do texto: indicam cles que os segmentos dentro dos parénteses sio desenvolvimentos das abreviaturas, de uso muito freqiiente nas escritas medievais, de responsabilidade do editor. Caracterist cas da grafia de entao estéo representadas sem interferéncia do editor. Observem-se: gracia (1. 1), folgacia (1.7), 0 < ci> representa a afticada sibilante surda do petiodo arcaico /ts/, ainda nao representada por < ¢>; molier (1.3), filios (1. 4), filio (1.7), filia (1. 11), 0
  • representa a palatal /A/ que sé sera representada pelo digrafo . etd < Ih> posteriormente; agia (1. 10), a africada palatal sonora, talvez jé fricati representada por < gi > e nao por como posteriormente ocorre! as vogais nasais estéo grafadas com til sobreposto ou seguidas de : vejam-se, por exemplo, teméte (1. 2), mada (1. 4), folgacia (1.7), baré (1.11), 26 (1. 11), mas seendo (1. 2), sten (1. 6), infante (1.7); 0 digrafo < nh > ainda nao era utilizado para representar a nasal ‘de: rina (1. 10);0ditongo palatal, al comoo sé se difunde esse uso griifico mais a nasal final nao est representado por < 40 >: sano (1. 2), mas se sabe que nessa época ja teria ocorrido a queda da nasal intervocilic: no galego-portugués que permitiu a ditongacéo; observe-se ainda o uso de para representara fricativa labiodental sonora Ii: saluo (1.2), uassalo (1. 4), ouner (1.10), outermos (1.11), essa uma tradigao grafica herdada do latim e que se manteré em uso ao longo do periodo arcaico. Note-se ainda, para conchuir, a auséncia do < h >, em todas as formas do verbo aver Trataremos das relagées entre realizag es grificas, com detathes, ao longo do capitulo “Rastreando 0 portugues arcaico” deste livro. Nos textos A, B ¢ C ocorrem também grafias distintas das atuais; com menos s fonéticas e representa freqiiénciz grafias arcaicas que se julgam que nao desfiguram as realidades fonicas de entao. es grificas entre as formas de grafar na documentacio contudo, porque sao leicuras préprias as edigdes criticas, que climinam As diferengas ¢ as variag 1ica € na contemporanea sio, em primeiro momento de leitura, uma barreira que favorece a idéia de dificuldade de compreensio dos textos do periodo arcaico pelo leitor de hoje. Como conhecer o portugués arcaico Fontes primdrias e secundarias Esbogaremos neste capitulo como podemos chegar ao portugués arcaico. Podemos conhecé-lo, diretamente, pela leitura da documentacéo escrita remanescente, quer pelos proprios manuscritos existentes, quer pela intermediagio de edigdes de viitios tipos: so fontes que chamamos de primérias. Também podemos chegar a cle pelos estudos existentes fundados nessa documentagio: séo fontes secundérias, necessérias, mas que nao substituem aleitura dos textos. Avaliaremos, de uma mancita suméria, esses dois tipos de testemunho. Sobre a documentacdo remanescente: as fontes primarias O qualificador remanescente Remanescente significa aqui os fragmentos que os percalgos da histéria, do tempo que passa, legaram aos nossos dias. A documentagio escrita em portugués arcaico s6 pode ser avaliada na sua totalidade aproximada por hipéteses que se coloquem a partir do que permaneceu ¢ de informagées indiretas que o historiador pesquise. Assim, 0 conhecimento de qualquer estagio passado de qualquer lingua se ela é documentada por algum tipo de escrita ou de inscrigdo — é sempre fragmentado, © portugués arcaico porque fragmentério ¢ 0 espélio de que dispde 0 pesquisador. O investigador dessa fase da histéria da lingua nao constituiré seu corpus, de acordo com os objetivos de sua pesquisa, mas terd de condicionar a selesao de seus dados 4 documentasio remanescente. A partir desse condicionamento inicial & que recortaré os dados que julgue nk necessérios e suficientes para responder a suas quest Daf Labov (1982:20) ter definido muito adequadamente os estudos diacrénicos ao longo dos séculos — em oposigéo aos estudos de mudangas lingiisticas em curso — como “a arte de fazer o melhor so de maus dados”. Maus dados porque “os fragmentos da documentagao escrita que permanecem sio o resultado de acidentes hist6ticos para além do controle do investigador”. Um exemplo significativo dessa situagio pode ser o jé mencionado anteriormente quando nos referimos ao Cancioneiro Medieval Portugués profano: a reconstrugio conjectural, de Giuseppe Favani (1988:55.a 121), atespeito das relagies com basena metodologia filoldgica historicas entre os trés Cancioneiros remanescentes lev: ao equinte stemma codicum etn que, documentos dessa tradi em letras do alfabeto grego, estio indicados pro ( pottica que desapareceram ¢ em letras do alfabeto latino os cancioneiros remanescentes: ‘Como conhecer 0 portugués arcaico_ 35 Ao A do stemmu corresponde o Cancioneiro da Biblioteca da Ajuda ou da Ajuda, dos fins do século XIII; ao B corresponde 0 Cancionciro da Biblioteca Nacional de Lisboa, antigo Colocci-Brancuti; a0 V, 0 Cancioneiro da Biblioteca Vaticana ou da Vaticana. Os dois tiltimos dos comegos do século XVI, descendentes de &, que devers ter sido 0 Livro de Cantigas do Conde de Barcelos, compilado, possivelmente, entre 1340 ¢ 1350, sée. XIV, portanto. A anilise filoldgica desenvolvida por Tavani leva a que se possa afirmar que além desses trés cancioneiros remanescentes (A, B € C), deve ter havido os outros indicados no stemma, Vale dizer que os trés cancioneiros nao apresentam © mesmo rol de cantigas, pelo contrério. Embora haja cantigas comuns aos trés, hé outras que sé aparecem em um dos trés ou em dois. Outras ainda sabe-se que no chegaram até nés. E porte para tal afirmativa a chamada “tavoa collociana’: um indice, elaborado no século XVI por Angelo Collocci, de um cancioneiro perdido. No stemma esta representado por fp (C). Newa “tavoa” (= tébuia) esto arroladas cantigas intituladas e numeradas de 1 a 1675. Acrescente-se que © cancioneiro mais completo dos remanescentes € 0 B, o da Biblioteca Nacional de Lisboa, ¢ a tiltima cantiga tem o miimero 1664, havendo, no entanto, muitas lacunas textuais ao longo do cédice. Uma tipologia da documentagao remanescente Pode-se organizar essa documentagio em trés grandes grupos que, a nosso ver, se complementam para um conhecimento o mais abrangente possivel dessa etapa historica da lingua portuguesa: a documentagao pottica, ou seja, a chamada “lirica galego-portuguesa” ou “c ncionciro medieval portugues”; © a documentagao em prosa nao-literaria, ou seja, a documentagao de natureza juridicas a documentacio em prosa literdria (literdrio aqui em sentido amplo, por oposigao aos textos juridicos), quer em textos originalmente escritos em portugués quer em textos traduzidos do latim ¢ de outras Iinguas A documentacdo poética E constituida do Cancioneiro profino que engloba, segundo Tavani (1988:21), para mais de 1679 poemas e se caracteriza, fundamentalmente, pelas cantigas de amigo, de amor, de escarnio e maldizer. As tiltimas so poemas satiricos de finissima critica, sem censuras verbais ou socioculturais a individuos ou a acontecimentos. Constituem um conjunto de 428 textos. segundo a edicao monumental ~ publicada em 1965 ¢ jé revista em 1970 — realizada por Manuel Rodrigues Lapa. 36 O portugués arcaico: As cantigas de amigo ¢ as de amor compoem a outra parte do cancioneito profano nguem, basicamente, porque nas primeiras o poeta fala pela amada/inspiradora, a vor de apaixonado, ou de coitadh, isto & 0 que ese di enquanto nas outras assume a sua propr sofve por amor. Para o seu estudo, com o objetivo de conhecer 0 portugues arcaico, rem-se que estar ciente, pelo menos de que: * a lirica do Cancioneiro profano se situa entre os fins do século XII ¢ os meados do século XIV, 1196-1350: s20 os limites propostos por Tavanis cobre, portanto, um século ¢ meio de produgao postica: © 05 cédices remanescentes se situam, o mais antigo, 0 Cancioneiro da Ajuda, nos fins do século XIII e os outros dois, 0 da Biblioteca Nacional de Lisboa e 0 da Vaticana sao dos i como antecedente, muito provavelmente, 0 Livro de Cantigas do Conde d. Pedro, de Barcelos, dos meados do séc. XIV’ (entre 1340-1350). O arquétipo dos trés terd sido uma compilacao realizada no seriptorium — ios do século XVI, embora tenham centro ou oficina de produgio do livro na Idade Média ~ de Afonso X, rei de Leao ¢ Castela, falecido em 1284; * assim sendo, os dados lingiiisticos fornecidos por esse tipo de documentacao podem ser considerados como um representante da manifestagio da variance literaria poética da primei a fase do portugués arcaico, Nao se pode perder de vista, contudo, que os cddices do século XVI foram copiados na Itdlia ¢ tem de ser avaliados, considerando as possiveis modifica que os distingue em relagao ao cédice ducentista do Crvcioneiro da Ajuda. Ges lingiiisticas introduzidas ao longo do tempo, 0 Desses trés cancioneiros dispie-se da edigao critica de Carolina Michaélis de Vasconcelos sobre 0 Cancioneiro da Ajuda, publicada em 1904, em Halle, na Alemanha, ainda nao substituida e recentes edigdes fac-similadas do Cancioneivo da Vaticana (Lisboa, Centro de Estudos Filolégicos, 1973) e do Cancioneira da Biblioteca Nacional (Lisboa, IN-CM, 1982). De todos ha outras edigées (cf. | ni 1988:56-60). Ao longo deste século e sobretudo nesses tiltimos anos tém sido publicadas numerosas edigies criticas de poetas individuais do Cancioneiro Medieval Portugués Além dos trés grandes Cancioneiras, acrescentamos 0 Pergaminho Vindel, hoje na Pierpoint Morgan Library de Nova York. Descoberto neste século, mas realizado nos fins do século XIII ow principios do século XIV, traz. sete poemas de Martim Codax, caja melhor edigio critica €a do mestre Celso Ferreira da Cunha (Rio, 1956). Documento de extrema significagio porque € 0 tinico testemunho efetivo da existéncia de manuscritos com a produgio de poetas individuais. fava Complementa a lirica profana 0 cancioneiro religioso, ou mariano, com 427 Cantigas de Santa Maria, ou em louvor a Santa Maria. Persiste esse cancioneiro em quatro manuscritos do século XIII, contemporaneos a seu autor ou responsivel pela Como conhecer o portugués arcaico 37 compilagao, Afonso X de Leao ¢ Castela. Dispie-se da edigao critica em quatro volumes realiza-dos por W. Metumann, publicada pela Universidade de Coimbra, entre 1959 € 1964 € o glossirio de 1972. Os quatro cédices do Cancioneiro Mariano ¢ o da Ajuda foram realizados no mesmo scriptorium, isto é, 0 de Afonso X. Pode-se afirmar de uma maneira genérica que a documentagio do Cancioneiro profanoeadomariano manifesta o galego-portugués literatioda prim: arcaico. F essa uma afirmagao genérica porque ainda nao se fez, um estudo ma afasedo portugues sabrangente. embora muito valioso, que o de R. Riibecamp (“A linguagem das cantigas de Santa Maria’. Lisboa, Boletion de Filolagia, Ie Il, 1932-1934, Separata de 96 pags.). Esse autor, a partir de um confronto, entreas C.S.M. e os cancioneiros profanos, além de c galegos do século XIII, afirma que as C.5.!M. divergem das outras pela presenga de algumas caracteristicasgalegas, ao mesmo tempoem quedivergem dosdocumentosgalegosanalisados. iderar documentos Recentemente, como jé mencionamos, tem se voltado a discutir a unidade/diversidade do galego-portugués no periodo de que nos ocupamos. A documentagao lingiifstica fornecida pelo conjunto da lirica medieval galego- portuguesa € riquissima: seus dados so essenciais para o conhecimento do léxico da época. O fato de serem poemas de estructura formal em versos rimados os torna fundamentais, no que concerne a estudos de histéria da lingua, para o conhecimento de fatos fonéticos desse periodo, como sejam, por exemplo, questdes referentes aos encontros entre vogais (hiatos/ditongos), ao timbre vocélico (abertura/fechamento), vogais e ditongos nasais/orais, A morfologia tanto a nominal como a verbal também tem nessa documentagao uma fonte fundamental. A questio da sincaxe af representada deve ser considerada, tendo sempre presente que o cardter excepcional ¢ varidvel € essencial na construgéo poética. Com os dados de que se dispée hoje ¢ que foram aqui indicados se pode dizer que © conjunto da lirica medieval portuguesa constitui um corpus hoje, de certa forma, fechado, nada impedindo, muito pelo contririo, que outros documentos remanescentes venham a set encontrados. Basta relembrar a descoberta do Perguminho Vindel ¢ as indicagoes vros de Cantigas” em bibliotecas medievais; além confirmagio de terem existido cédices histéricas de terem existido outros “Li disso, 0 fato de a reconstrugio de G. Tavani levar 3 intermedirios entre 0 arquetipo ¢ os cancioneiros rem lescentes. A documenta¢ao em prosa naéo-literaria Como ja dito anteriormente, o documento mais antigo em portugués, com data indiscutivel, é de 1214 e contém o testamento do terceiro rei de Portugal, Afonso II. Esta explicito, ao fim do documento, que dele foram feitas 13 cépias, com 0 mesmo teor, ea quem se destinam, Delas subsistem duas, uma que pertenceu ao arcebispado de Braga e est no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANT) em Lisboa coutra, destinada ao arcebispado de Toledo, hoje no Arquivo da Catedral de ‘Toledo, que 6 foi encontrada no final do sécuilo XX. 38 = Oportugués arcaico Revisa de um problema histérico-lingiiistico” (Revista Portuguesa de Historia, XVM, 1979, pp. 263 do Testamento de Afonso IT, mas poe em questio a datagio dos documentos nao-literirios Em tigoroso estudo ~ “Os mais antigos documentos escritos em portugu a 310) —, 0 padre Avelino de Jesus da Costa nao sé publica as duas cépias remanescentes até entéo considerados os mais antigos escritos em portugués. Demonstra que aqueles antes considerados os mais antigos — 0 Auto de Partithas e 0 Testamento de Elvira Sanches ‘culo XIII, sendo sim, nao sio, respectivamente, de 1192 € 1193, mas ambos dos fins do s 0s seus originais em latim, dos fins do século XT. Também demonstra que a Noticia do Torto, que se datava de 1211, deve ser situada entre 1214-1216. Neste ponto se encontra o estado da questo, ou seja, a da localizagao no tempo, dos documentos juridicos mais antigos esctitos nao mais em latim, como era a uadigio, mas na lingua que pelo menos desde o século LX ja seria a variante romAnica corrente no noroeste peninsular. Esses documentos, todavia, aparecem como extemporineos ou temporios porque s6.a partir de 1255 é que voltam a aparecer documentos juridicos escritos nao mais em latim, ¢ dai para adiante se multiplicam, até que no reinado de D, Dinis (1279- 1325) a lingua portuguesa se torna a lingua oficial de Portugal e substitui o latim na documentagio juridica. tio dificil de se reabrir porque ainda nao esta concluida uma investigagio que tenha esgorado a Embora seja esse o estado atual da questo, nao € essa uma ques documentagéo juridica remanescente nos arquivos portugueses € em arquivos estrangeiros que guardem documentagao de Portugal, tarefa onerosa, mas que nao € impossivel de ser feita. L. E, Lindley Cintra no seu estudo pioneiro ~ “Les anciens textes portugais 7, fodo arcaico nos seguintes non-littéraires, Classement et bibliographic” (Revue de linguistique romane. Pai 1963. pp. 40-58) — tipos: lassifica os textos nao-literdrios do pe . “chartes” (documentagao notarial) reais: b. “chartes” privadas; c. foros € forais (ou foros breves); d. leis gerai Os documentos notariais, quer do cartério real, quer de cartérios particulates, tratam de doacies, testamentos, compras, vendas, inventétios ere, Os foros, também chamados costumes, retinem 0 dircito consuetudinario dos diversos concelhos (= divisio administrativa de entio) que constitu‘am o reino; tratam, portanto, das imunidades ¢ dos encargos de uma comunidade. Os forais sio leis locais breves, ourorgadas por um senhor — rei, bispo, abade ou um grande senhor ~ ¢ neles se estabelecem as normas que disciplinam as relagoes entre os habitantes ¢ a entidade outorgante. As eis gerais partem do rei para todo o reino. Para o conhecimento do portugués arcaico tal documentagao é fundamental. Comegam esses textos a aparecer com muita freqiténcia a partir dos meados do século XIII. So significatiyos ¢ informativos para a hist6ria da lingua porque trazem a daa mo conhecer 0 portdgués arcaico 39 em que foram exarados, além de serem localizados ou de poderem ser localizados com certa precisao. Esse segundo dado € importante para uma aproximagao a0 conhecimento da provével variacio dialetal existente no periodo arcaico. E Lindley Cintra que inicia com metodologia segura o estudo desse tipo de documentagao, nos fins da década de 1950. Demonstra, por exemplo, a variagio dialetal galego-portugués antigo/leonés an hispanica no século XIII, inticulada A linguagem das foros de Castelo Rodrigo (1 igo na sua erudita tese de dialectologia histérica . CELE, da wtlizagio do estudo de sremati 1959) e é também dele a primeira demonstragio grafias de documentos seriados, datados, para a depreensao de fatos fonéticos, rettetidos na exctita, de possiveis dialetos regionais no periodo arcaico (cf. “Observations surc’orthographe etla langue de quelques textes galiciens-portuguais de la seconde moitié du XI sidcle”. Revue seguido por de linguistique romane, Patis, 27, 1963. pp. 59-77). Caminho esse brilhantemente Clarinda Maia, a que antes jé nos referimos (cf. “Subdividindo o portugués arcaico”). Os estudiosos da documentacao medieval no-literéria tém afirmado que tais textos informam sobrea grafiae sua relacdo com as realizacoes fonicas, também sobrea morfologia, alm do léxico que ¢ rico complementar, no que se refere as dreas semanticas que abrange, a0 dos textos mn prosa. Afirmam também que nao sio valiosos para o iterarios, pocticos ¢ conhecimento da sintaxe, devido & estrutura formular restrita, as vezes alatinada, natural a esse tipo de texto que segue modelos da tradigao juridica latina. Todavia, acreditamos qu uma observacio sistematica dessa documentagao, tanto a dos foros comoa dos documentos notariais, ainda por ser feita, no nivel da sintaxe, poderd matizar esse ponto de vista. A documentagdo em prosa literaria A problematica que envolve a documentasio em prosa literaria nesse periodo é mais diversificada. Pretendendo nao simplificar 0 problema estaremos aqui muito longe de esgoté-lo. Levaremos em consideragio na caracterizagao desse tipo de fonte priméria para o conhecimento do portugues: a. a localizagio no periodo arcaico da produgéo em prosa literdria; b. o fato de serem textos originalmente escritos em portugués ou textos traduzidos de outras linguas; c. a natureza do texto, isto & que tipo de narrativa encerram; da questo da tradigao textual que envolve esse tipo de documentagio remanescente. Esses aspectos do problema nao serio, todavia, abordados separadamente. Uma observagio para a qual chamamos a atencéo é a de que o designado aqui como prosa literdria se define, basicamente, por oposigao, nao s6 & produgao poética, mas também ao que antes caracterizamos como prosa ndo-literdria. Lemos em historias da literatura portuguesa que a prosa é mais tardia que a poesia em lingua portuguesa De fato, a documentagao escrita da produgao poética que chegou até nds é dos fins do século XIII. Mas essa produgio pode remontar a um século antes, veiculada oralmente, com certeza, ¢, por via escrita, provavelmente, antes dos fins do século XITL 40 Oportugués arcaico Observa-se, como vimos também, em galego-portugués documentagao néo-literdria desde antes de meados daquele século, Some-se a esses dados o fato de as compilagées do fim do século XIII permitirem a suposico da existéncia de textos pocticos escritos anteriormente. No queconcerne prosaliterdria, costuma-se afirmar que cla comegaa se desenvolver nos meados do século XIV, quando se apaga da documentacao remanescente a produgio poctica. Essa complementaridade cronolégica ¢ simplificadora. Tanto no que se refere & culo XIV até a segunda metade do século XV; mas dai afirmar-se, como ocorre, que houve um século poesia (nao hd de fato documentagao remanescente entre meados do s sem poesia, é dificil de aceitar!) como no que se refere & prosa nesse periodo. Algunsespecialistas, como Carolina Michaélis de Vasconcelos ¢ depois Rodrigues Lapa, defenderam com brilho que 0 Ciclo do Graal ou Maréria da Bretanha, narrativas em tomo do tema da busca do cillice sagrado da tltima ceia, j existia em porcugués (galego-portugués?) no século XIII, traduzidodo francés. Veja-se também aintrodugiode lvode Castro arecenteedigio da Demanda do Santo Graal (PIEL ¢ NUNES, Lisboa, IN-CM, 1988). Entretanto, 0 manuscrito que persistiu é do século XV, mas provadamente cépia de manusctito mais antigo. Sabe-se, também, por referencias histéricas, que existiu no medievo portugues um livro do Merlin, o mago da saga do Graal, Além disso, recentemente, foi descoberto um fragmento de manuscrito do Merlin, O José de Arimatéia, primeira das narrativas do ciclo, persiste em c6pia, dos comegos do sécuilo XVI, de texto provavelmente do século XIV. A hiscoriografia, por sua vez, um tipo de narrativa que marca toda a Idade Média a0 hispinica, apresenta-se com tradigGes textuais ricas, quanto ao ntimero de cddi contritio da maioria dos textos literdrios em prosa de que, regra getal, rémanesce 0 codex unicus, mas, em geral, nunca anteriores ao século XV os remanescentes. No seriptorivon de Afonso X, em Toledo, na segunda merade do século XIIL, se desenvolveu uma rica escola historiogréfica, ampla ¢ profundamente estudada pela filologia hispanica. E, justamente, com D. Dinis, poeta ¢ nero de Afonso X, rei entre 1279 1325, que se situam as mais antigas informacées sobre as origens da historiografia medieval em portugués: ¢ ele que manda traduzit a Crénica do Mouro Rasis, texto nunca encontrado, mas utilizado em cronicas posteriores; é seu filho Pedro, conde de Barcelos, que morre em 1354, a quem ja nos referimos ao tratar da produgao postica, que manda compilar em portugués @ Cronica Geral de Expanha, conhecida, entre as cronicas gerais da Espanha medieval, como a de 1344; é também © conde de Barcelos o responsével pelo Livro de Linhagens mais desenvolvido, 0 IV Livro de Linhagens on Nobilidrio do Conde d, Pedro, que precede no tempo a cronica de 1344. Nesse I portugués, certamente veiculadas na tradic’o oral, e ndo apenas informacées histéricas. vro de linhagens ja ha narrativas lendétias, originalmente escritas em Esses fatos se situam, portanto, entre os fins do século XIII ¢ os meados do século XIV, Entio, conchui-se, j existiam narrativas em portugués, ou traduzidas de outras linguas, pelo menos meio século antes da segunda metade do século XIV. Vale nao esquecer, Como conhecer o portugués arcaico = 47 sobretudo contudo, que os manuscritos remanescent (0 posteriore: do século XV, mas com indicadores seguros de que so cépias de outros mais antigos Tudo indica também que a narrativa da Batalha do Salado, ocorrida em 1340, foi escrita por alguém que a viveu ¢ é considerada por Anténio José Saraiva como um digno antecessor da prosa de Ferndo Lopes, unanimemente considerado 0 iniciador da prosa . 08 mais antigo: claborada, literéria propriamente dia, em portugué s tradugées de hagiografias e outros s, tipica lirerarura medieval, s6 comegam a set produzidas da segunda metade do século XIV em diante, Sabe-se que no scriptorium ‘Também se afirma que ipos de textos que transmitiam a tradicio religiosa ética cr de Afonso X muitos desses textos foram traduzidos. Vimos que a tradigao escrita do cancioneito galego-portugués se originou também ali, A historiografia hispanica ali se constituiu ¢ 0 mesmo tipo de tradi¢ao veio para Portugal com o filho ¢ o neto do rei de Ledo ¢ Castela, Nao é de se descartar qu XIV se tenham iniciado as tradugées do latim de literatura de tradicao crista, nao s6 em também jd nos fins do século XIII ¢ comegos do mosteiros mas também em outros centros de cépia. Nosso estudo sobre as versées portuguesas remanescentes dos Didlogos de Sio Gregirio, uma datada de 1416, outra situdvel por dados externos, entre os fins do século adas XLV ¢ 0 comego do XV ¢ a mais antiga, muito provavelmente anterior &s tiltimas d do século XTY, leva a supor outras cépias anteriores & versdo que situamos como anterior as duas ultimas décadas do século XIV. Dados como os apresentados permitem afirmar que ji se escrevia em prosa, nao apenas a documentagao juridica, pelo menos na passagem do século XII para o XIV ou, quem sabe, mesmo antes ‘Com isso procuramos mostrar que no se pode accitar, sem avaliar com rigor, que s6 pelos meados do século XIV surgea prosa literdria, em verndculo, no ocidente da Peninsula. E certo, contudo, quesio rarosos manuscritosdos tipos denarrativasreferidas quesejam doséculo XIV e que esse tipo de documentacao se multiplica a partir dos comegos do século XV. E na corte dos principes da dinastia de Avis que se criaré um ambiente cultural favordvel ao desenvolvimento literério. E ai que a prosa cera prioridade € ni mais a poesia, como ocorreu com D. Dinis, com seu pai Afonso III, o Bolonhés, e seu filho bastardo, o conde de Barcelos. Basta lembrar as figuras de Fernao Lopes, o cronista-mor do reino, que escreveu suas crdnicas entre 1418 ¢ 1454; de D. Duarte, 0 rei fildsofo; e de D. Pedro, Duque de Coimbra, que como scu pai, D. Joao I, escreveram obras em prosa, originalmente escritas em portugués: como 0 Livro da Montaria de D. Joao I, 0 Leal Conselheiro e 0 Livro da Ensinanga de Bem Cavalgar de D. Duaste, ou traduzidas do latim como 0 Livro dos Oficios ¢ a Virtuosa Benféitoria de D. Pedro, duque de Coimbra. A par dessa corte favorecedora & cultura, desenvolvia-se, contemporaneamente, sob a protesdo real, © mosteiro beneditino de Alcobaga que, pelos meados do século XV, reunia a maior biblioteca ou “livraria” da Idade Media portuguesa. 42 Oportugués arcaico No decorrer do século XV se multiplicam tradugdes para 0 portugues. Nao sé da literatura religiosa de tradigao crista, mas também de autores cléssicos, como é 0 caso da Vida ¢ feitos de Jiilio César, raducida do francés. Na historiografia, seguem-se a Fern Lopes, ainda no século XV, Gomes Eanes de Azurara e Rui de Pina. Para 0 conhecimento da lingua na sua fase arcaica é fundamental a produgao em prosa literdria. A documentagao poética ¢ a nao-literdria se complementam para o conhecimento do kéxico do portugués arcaico. A prosa literdria documenta abundantemente a morfologia nominal ¢ verbal, as estruturas morfossintaticas dos sintagmas nominal ¢ verbal. Sobretudo é importante para 0 estudo das possibilidades sintéticas da lingua, porque nao softe as limiragées, jé ressaltadas, da documentagao postica e juridica. Para os estudos fonéticos oferece restrigées decorrentes de nao se poder sistematizar com o mesmo rigor, relativamente possivel para a documentagao seriada nao-literdria, as relagdes entre som ¢ letra, ¢ por nao oferecer os recursos formais da poesia. © fato de essa documentagio néo ser, em muitos casos, localizada, impede também que por ela se possa chegar a dados sobre a variagéo dialetal de entao, quando € possivel uma aproximagao pela documentagao juridica. Quanto & cronologia dos fendmenos lingiiisticos, embora nao seja possivel uma seriagdo estreita, como oé, paraadocumentagio nao-literria, toda cla darada, é possivel, contudo, a partirde um corpuscriteriosamente selecionado — se nao datado, pelo menos situdvel em um determinado momento dess e periodo—estabelecer um estudo diacronico no ambito do perfodo arcaico com base nesses textos em prosa litersia, Sem diivida, & nesse tipo de texto que se podem entrever, com mais amplitude, 08 recursos sintiticos ¢ estilisticos disponiveis para o funcionamento efetivo da lingua nesse periodo, jf por serem textos extensos, jé pela variedade da tematica, Do escrito para o falado no periodo arcaico Discute-se muito sobre a relacao entre os dados que a documentacao medieval fornece ¢ a lingua entio falada. Isto é discute-se se € possivel chegar, através da documentagéo escrita ao portugués corrente. Ha até quem defenda que sobre a documentagio arcaica s6 se possam construir gramiaticas de textos, nunca uma gramatica de um estado de lingua pasado. ntagao escrita de ur E complexa a relagao entre a repres lingua ou de um estado de lingua ¢ a realidade oral a cla subjacente. Nao entraremos aqui nessa discussio, ultrapassaria nossos limites. Consideraremos, contudo, que, sendo a documentagao escrita que permanece, ¢ sendo essa uma representagao convencional da fala, desta teremos nos documentos is, no nivel fonico- um reflexo que permite tirar conclusdes até certo ponto segur: morfico, j4 que, ndo havendo entio uma normatizagao ortogrifica, a andlise da variagao da escrita oferece indicios para alguma percepgao da voz. Do mesmo modo, Como conhecer 0 portugués arcaico 43 se 0 que estd escrito procura espelhar a voz ¢ esta nos falta, pelo escrito se pode depreender, embora nao integralmente, a lingua no seu uso primeiro, em qualquer dos niveis em que se pode estrucuré-la: fonico, mérfico, sincatico, discursive. Também a auséncia de um controle gramatical normativo faz com que no texto medieval a variagio seja constante, faco que também € indicador de usos da fala. Faltard sempre o filante narivo para dirimir duividas quanto & possibilidade de estrucuras nao documentadas; para esclarecer quanto a gramaticalidade/ agramaticalidade de umas ¢ quanto & aceitabilidade/inaccitabilidade de outras. Por causa disso, consideramos que para o conhecimento 0 mais abrangente desse periodo da lingua se faz necesséria uma anilise deralhada ¢ © mais completa possivel dos trés tipos de documentacio remanescente a que nos referimos. Se pelas teorias da Lingtiistica Hist6rica e com suporte de tcorias lingiifsticas em ada de uma lingua, sio os dados empiricos, fornecidos pela documentacao remanescente, que geral s pode chegar a caracterizagio esquematica de um momento na hist6ria pa confirmarao ou nao as teorias € que permitem rastrear €em parte reconstruir o seu uso vivo. Assim, para chegar-se &s possibilidades gramaticais do portueues arcaico as teorias € os dados deverao estar interligados. Fontes secundarias: os estudos sobre o portugués arcaico Nos estudos de periodos passados de linguas jé documentadas pela escrita, € fundamental a existéncia de reflexes de gramiticos ou de outros tipos de textos em uda que transparegam comentarios sobre os usos lingiifsticos do perfodo que se es No caso do portugues arcaico, nao se dispée desse tipo de bibliografia. As primeiras obras que refletem essa preocupaciio aparecem e se multiplicam para a lingua portuguesa de 1536 em diante, em pleno século XVI, portant. Alids no € essa uma especificidade da lingua portuguesa, mas das linguas romanicas em geral jd que, nessas dreas, a lingua de cultura até iniciado 0 Renasi ins da Idade M comecam a ter significado cultural ¢ politico maior as linguas nacionais rominicas. A mento era o latim ¢ também era a lingua da escola. $6 nos ia, mas sobretudo do século XVI em diante é que partir dessa nova ideologia lingitistica surgem as gramaticas das “linguas vulgares”, isto & das linguas romanic Para o primeiro periodo histérico da lingua portuguesa nao se contar4, portanto, com 0 contribute da informagio de graméticos seus contemporineos. Tipos de estudos Consideraremos aqui como fontes secundérias para 0 conhecimento do portugués arcaico: A. Edigdes paleogréficas ou diplomaticas ¢ edigdes criticas; B. 44 Oportugués arcaico Glossitios; C. Observagées lingiiisticas que acompanham edigdes de vérios tipos; D. Monografias sobre fatos lingitsticos caracterizadores do portugues arcaico; E. Gramaticas F. Dicionérios etimolégicos; G. Histérias da lingua portuguesa. histéricas do portuge Edicdes de textos do periodo arcaico Sendo quase impossivel trabalhar diretamente com a documentagao remanescente, guardada, arquivada como obras raras — como, aliés, ndo poderia deixar de ser — em segdes de reservados de bibliotecas ¢ de arquivos, © conhecimento da documentagio sobre que discorremos anteriormente em geral se rorna possivel através da mediagao de edigdes paleogrdficas, também. chamadas diplomdticas ou de edigies eviticas. As do primeiro tipo podem ser hoje substituidas por reprodugées forogrificas cada ver de melhor qualidade técnica ou por microfilmes. Apesar disso, as edigdes diplomaticas, talver mais adequadamente denominadas de diplomtico-interpretativas, tém, entretanto, seu lugar e valor, porque transcrevem em caracteres da imprensa moderna as escritas medievais que 6 sio acessiveis para os que tém treinamento para ler esses manuscritos. Como nelas a interferéncia do editor é minima e explicitada nos critérios editoriais, tomam- se uma base importante ¢ necesséria para estudos da lingua arcaica que precisem de uma cxata informagio sobre a grafia dos manusctitos. Para estudos com finalidade lingtifstica, as edigdes criticas, que jd trazem maior intervengao do editor critico — também explicita nos critérios editoriais— como as anteriores, a0 serem selecionadas, precisam de ser avaliadas, para se ter certeza de até que ponto © discernimento, ou falta de discernimento do editor interteriu nas caracteristicas lingifsticas do documento que edita. Em geral, para estudo de grafias e para aqueles que a partir das grafias objetivam tirar conclusdes sobre fatos fonéticos ¢ sistemas fonoldgicos, as edigdes criticas nao s40 as mais adequadas, mesmo que o editor, nos seus critérios editoriais, indique em que pontos interferiu nas caracteristicas do texto que publica. Para estudos de natureza lingiistica sao mais seguras, portanto, aquelas edigdes criticas realizadas por fillogos de formacao lingtifstica, que vejam e deixem claro que o texto sobre que trabalham esté editado com o objetivo também de poder ser utilizado como base para estudos da lingua naquele periodo. Ao apresentar a documentagio remanescente, fizemos mengio a edigées criticas de alor € que podem ser utilizadas para estudos da lingua arcaica. Muitas delas jé sio m sem substicutos. E © caso da edi antigas, mas contin io do comeso deste século do Cancioneiro da Ajuda, vealizada pot Carolina Michaélis de Vasconcelos, Mencionamos também para a documentago pottica a de Rodrigues Lapa (1965) sobre as cantigas de escdrnio e maldizer contidas nos erés cancioneiros remanescentes ea de Walter Mettmann (1959-1972) sobre as Cantigas de Santa Maria de Afonso X. ‘Também nos referimos, no que diz respeito & documentagio 1 o-liverdtia, a edigao da familia de foros em galego-portugués ¢ leonés contida na obra de L. E Lindley Cintra, Como conhecer o portugués arcaico = 45 A linguagem dos foros de Castelo Rodrigo (1959) ¢ & edigao de 168 documentos da Galiza ¢ de Entre-Douro-e-Minho publicada na obra de Clarinda Maia, Histéria do galego- ‘portugués (1986). Vale destacar que esses doi fungio dos estudos lingiiisticos que tinham como objetivo no sett trabalho. Nao fizeram autores editaram os textos referidos em a edicio critica apenas pela edi sobre 0 que desenvolver 0 estudo da lingua veiculada no documento editado. (oem si, mas também para terem a base filoldgica adequada Ainda no que concemne aos documentos nao-literdrios, destacamos aqui a nova edigio quee se vem cumprindo desde 0 comeco da década de 1980 dos Portugaliae Monumenta Historica. A edigio esté sob responsabilidade de Joseph Piel, especialista no galego-pornugués medieval, ¢ de José Mattoso, historiador e medieval publicado por José Azevedo Ferreira, com embasamento filolégico clingiiistico. 0 conjunto da ‘a. Também, ultimamente. vem sendo obra juridica de Afonso X, na stia versio galego- portuguesa dos fins do século XIII para o NIV. erdria ha que acrescentar Jace extremamente variavel. Ao conjunto de textos que incluimos na categoria de prosa muitas edigées, tanto diplomaticas como criticas, mas dequalid sobretudo no que diz respeito & sua utilizagio para estudos do portugués arcaico. Destacamos como exemplare A monumental edigao critica da Cronica Geral de Expanha de 1344, em quatro volumes, realizada a partir da década de 1950 por L. F. Lindley Cintra. Funda-se na versio de um manuscrito das primeiras décadas do século XV, 0 mais antigo entre os remanescentes, embora o original seja de meados do século anterior. As edigdes de Giulano Mac como de Fernao Lopes a Crénica de D. Pedro e a Cronica de D. Fernando, escritas nas das duas das trés crénicas indubitavelmente reconhecidas chi, publicadas na Iti ptimeiras décadas do século XV, com uma tradigao textual rica ¢ complexa, mas cujos manuscritos mais antigos so dos fins do século XV. As ediges de Joseph Piel, jé antigas, mas ainda nao substiruidas das obras de D, Duarte (0 Leal Conselheivoe 0 Livro de Ensinanga de bern cavalgar toda sela) ¢ do Livro dos Offcios, tradugio do De offciis de Cicero por D. Pedro, Duque de Coimbra, autores contemporaneos de Fernio Lopes. De textos da des da Imitacito de C ss dos segunda metade do século XV hi as edi isto ¢ da Vida e pain apéstoles,realizadas por Isabel V. Cepeda, textos traduzidos que representam a literatuta de formagio crista, tao freqiiente na Idade Média, Também da segunda metade do século XV hd a edigao da Vida e feitos de Jrilio C&ar, vealizada por Maria Helena Mira Mateus. As edigdes mencionadas recobrem textos produzidos entre meados do século XIV e segunda metade do século XV, textos historiogrficos ¢ de natureza religiosa. Em 1988, nal de Lisboa a edigio critica da Demanda do Santo Grani, publicou a Imprensa Naci realizada por Joseph Piel na primeira meade do século ¢ que foi reencontrada, depois de percurso histérico singular. Pelas edigdes mencionadas, nao esquecendo a especificidade de cada texto e de sua ’a0- tradigio manuscrita, pode-se ter uma seqiiéncia cronolégica do portugués literdrio e n literario desde 0 século XIIT ao XV. 46 O portugués arcaico Hi muitas outras edigGes portuguesas valiosas de textos medievais realizadas em Portugal, no Brasil, nos Estados Unidos ¢ em outros pontos da Europa. No caso do Brasil ébom nha. nido esquiecer a atividade nesse campo realizada por Serafim da Silva Neto ¢ Celso F da Ci GlossGrios Muitas edigdes de textos arcaicos 10 acompanhados de glassdrios que podem ser exaustivos, isto é esgoram 0 vocabuldrio do texto editado, ou seletives, em que os editores escolhem nos seus verbetes os itens que julgam de inceresse para a histéria da lingua Certamente o glossério mais exaustivo que existe para o conhecimento do portuguésarcaico Eoqueacompanhaa edigio critica de La traduccién gallega de la cronica generalydela cronica de Castilla, xcalizada por Ramén Lorenzo, publicada em 1975, em Orense-Galiza, Sao exemplos de glossarios seletivos, mas fundamentais para o conhecimento do vocabulério de entao os que acompanham as edigées de Joan Zorro e Martin Codax de C. Eda Cunha e ainda 0 do Cancioneivo da Ajuda de C. Michaélis de Vasconcelos, 0 de Rodriges Lapa, que acompanha a edigéo das cantigas de escérnio e maldizer eo de W. Mettmann, o IV volume da sua edigio das Cantigas de Santa Maria. Observacées linglisticas que acompanham edicdes Muitas vezes o editor de textos faz, preceder suas edigdes de observagées arcaicos, também estudioso dessa fase do portugues, ingifsticas referentes ao documento, que sio, dados » sistematica e sistér em muitos casos, fiundamentais como destaque de especificidades do texto, Tais contudo, se tornam atomizados se se deseja ter uma compreer a da lingua que o texto veiculla, jé que, sempre, sao destacados os tacos que mais caracterizam © textos as excegbes, portanto, € ndo as regras. Monografias sobre o portugués arcaico O portugués arcaico se ressente da auséncia de monografias especiicas sobre determinado fendmenosou sobresincronias quese podem recortarnoconjuntodo period. J mencionamos o estudo, da década de 1930, de R. Riibecamp sobre a Lingnagem das Cantigas de Santa Maria, Mencionamos também a monografia de dialectologia hispinica ulo XIII, realizada medieval com base em um conjunto de foros da segunda metade do s6 em 1959, por L, FE. Lindley Cintra. Também jé nos referimos ao recente estudo lingtiistico de C. Maia sobre a documentagao notarial galego-portuguesa dos séculos XIIT ao XVI. Ha alguns outros estudos como o publicado em 1974 por E. Cruzeiro (Lisboa, C.E.F) sobre os processos de intensificagéo no portugués dosséculos XIII a0 XV ea monografiade M. Padua (Coimbra, Universidade, 1960) sobre a ordem das palavras no portugués arcaico A auséncia de andlises sistemidticas que ultrapassassem os nivcis fonéticos ¢ mérficos (concentram-se nesses niveis a de Cintra e a de Maia) nos motivou a realizar uma andlise éculo XIV dos Quatro Livros das Ditilogos de Sao Gregdrio, publicada com o titulo Estruturas Trecentistas, Flementos para uma gramdtica do exte sobre a versio portuguesa do _portuguésarcaico (Lisboa, IN-CM, 1989). Tratamosai da estruturagio do sintagma nominal Como conhecer 0 portugués arca € verbal ¢ da estruturagio do enunciado tanto simples como complexo. Precede es estudo morfossintatico ¢ s ntético um capitulo preliminar sobre a grafia do documento. ctapa necesséria em estudos lingtifsticos sobre 0 portugués arcaico. Graméticas histdricas Nio existe uma gramitica do portugués arcaico, como existem viirias para outras Iinguas romanicas. Ainda temos de recorrer as gramdticas historicas que, segundo os moldes historicistas do século XIX, tratam das “evolugdes fonéticas” ¢ mortologicas que ocorreram do latim para o portugués. Lais gramaticas apresentam tatos genericos referentes a fase arcaica, sem mencionar as fontes ¢ sem destacar as variagbes que se documentam do século XIII ao XY. E esse 0 procedimento das graméticas de J. J. Nunes, E. Williams, I. L. Coutinho ¢ estao de acordo com o modelo que seguem. Além dessas, ha a de Joseph Huber, fildlogo alemio que escreveu em 1933 0 Aliportugiesiches Elementarbuch, Em 1986 foi publicada sua traducio com 0 titulo de Gramiatica do portugués arcaico (Lisboa, Gulbenkian). A obra de Huber segue 0 modelo historicisca das graméticas h tricas; distingue-se, contudo, da S oUtrTas porque confronta o latim ¢ o portugues arca ico. Nao avanga, portanto, para fases posteriores da hist6ria da lingua e, para tanto, se baseia em um pequeno corpus apenso ao manual. A gramatica de Huber ainda se destaca por ter um estudo de conjunto, embora restrito, sobre a sintaxe do portugués arcaico. Outro auror que também se destaca nesse tipo de estudo é Said Ali que, na sua Gramdtica histor c@ apresenta importantes informagées ¢ interpretagées sobre a sintaxe arcaica. A sintaxe historica, de Epiphanio Dias, apesar de ser nica para 0 portugués. no tem uma diacronia seriada, mas trata de fendmenos sintiticos ocorrentes ao longo da historia da lingua portuguesa, sem destacar, com s stematicidade, 0 que € tipico de cada momento ou fase hise6rica do portugués; em outras palavras, nao explicita as sincronias possiveis nesse processo diacrdnico. Dicionarios caico, a Da mesma forma que nao se possui uma gramatica do portugués od iondrio desse perfodo. Para estudar o léxi de entao, ha fontes genéricas como os dicions lingua portuguesa nao dispoe de um di ro} rios etimolégicos, cujo objetivo fundamental é apresentar a origem das palavras, mas nao seu percurso ao longo da hist6ria da lingua. Eventualmente ocorrem essas informagaes neles. Dentre os tres diciondrios etimologicos existentes para a lingua portuguesa é 0 de J. P. Machado 0 que mais informa sobre esse percurso © 0 que mais apresenta dados sobre a fase arcaics O Indice do vocabulirio do portgués medieval, sob a diregio de A. Geraldo Cunha, cobre uma das lacunas existentes no ambito dos estudos sobre a lingua port em geral ¢ do seu periodo arcaico, em particular. 48 O portugués arcaico Histérias da lingua portuguesa Essa categoria de trabalhos nao se centra no periodo arcaico, é claro, mas sempre dedica alguns de seus capitulos a cle. A de Serafim da Silva Neto, da década de 1950, traz um capitulo sobre o Portugués medieval ¢ ainda se destaca como uma visio de conjunto A recente sintese de Paul Teyssier (Lisboa, $4 da Costa, 1982), com uma abordagem mais moderna, jé que aproveira a anilise estrutural, sobretudo nah storia fonolégica, eraz uma caracterizagio do portugues arcaico nos capitulos 1 ¢ TH Para concluir Nao s estdgios passados da his ¢ pode dizer que © portugues arcaico nao foi estudado. Pelo conttério, Dos . &, certamente, o mais estudado, O Sria da lingua portugues se construiu sobre gue, no entanto, deve ser marcado é que a bibliografia numerosa qui esse periodo se desenvolveu, sobretudo, dos fins do século XIX p XX. Na sua quase toralidade ela representa uma tradigio de estudos filolégico-lingtifsticos st gh ig prdpria ao historicismo oirocentista: os métodos desenvolvidos pela Lingiifstica do século XX pouco foram aplicados ao portugu ara os meados do século arcaic . Tanto no que diz respeito a possiveis estudos sincrénicos sobre essa fase pretérita como no que s¢ refere a estudos de mudanga lingtiistica, ou seja, de diacronia no tempo real. Sem diivida al siruagéo reflete a orientagio dominante na chamada I Moderna, que privilegiou ¢ ainda privilegia os estudos sincrénicos sobre a ngtifstica contemporaneidade ¢ estudos ahistéricos. Novos tempos se vislumbram, a0 que vé 0 nosso otimismo, jd que tanto os gerativismos como as sociolingiifsticas da atualidade tem aberto espaco para os dados de periodos hist6ricos passados: a rearia da gramdtica do gerativismo atual comeca a considerar fatos pretéritos das linguas como argumentos significativos para a construcéo de graméticas possiveis para as linguas naturais; a teoria da mudanga da Sociolingiifstica considera que 0 passado pode infor mar sobre as variagies anilise de variagio e mudanga € mudangas em curso no presente, da mesma forma qu no presente abre caminhos para uma melhor interpretacéo de fatos do passado. Rastreando o portugués arcaico: fonologia/fonética Concebemos em trés niveis nossa andlise — fonolégico/fonético, morfolégico/ morfossintatico ¢ sintitico. A anilise se basearé em dados da documentagao arcaica e em dados ja filtrados analises de especialistas na histéria do portugués. Serio também utilizadas informagies da gramatica do latim e dos graméticos quinhentistas do portugués. Levaremos ainda em consideragao, quando nos parecer necessétio, o portugués contemporanco. O discurso metalingiistico utilizado na exposigao procurard ser 0 mais acessivel possivel, sem pretensio de formalizacio ¢ se valerd do conhecimento de que dispomos de anilises lingiiisticas do portugues. Para chegar-se a determina io do sistema vocdlico e do sistema consonantico > contamos nem com o falante em funcionamento no portugués atcaico — que nativo, € claro, nem com descrigées contemporaneas, que 6 ocorrem do século XVI em diante ~ sao balizas os dados sobre o diassistema latino (a lingua latina na sua ssistema do diversidade temporal, regional, social, estilistica) ¢ os dados sobre 0 di portugués contemporineo, que é a nossa referencia como falante nativo, socializado nessa lingua histérica. Entre esses suportes extremos no tempo, as informagoes dos primeiros gramaticos do portugués — Fernao de Oliveira ¢ Joao de Barros — s4o dados significativos, mas sobrecudo sao informantes as representagGes graficas da documentagao remanescente ¢ 0 que se possa depreender da rima e da métrica do Cancioneiro Medieval. 50 O portugués arcaico O exame da grafia varidvel documentada de um mesmo item lexical, relacionado ao étimo e informagées dos gramaticos a partir do século XVI, além da realidade atual, permitem inferir algumas afirmativas ¢ outras suposigdes sobre o sistema fonoligico ¢ as realizagées fonicas no verfodo arcaico da lingua. ‘A documentacao poctica ¢ testemunho singular para se depreender alguns aspectos referentes as realizagdes fonicas. A rima ea métrica sugerem algumas interpretagbes sobre clisée aberto ou fechado, oral ou nasal. vocilicas, ditongos, hiatos, também sobre o timbre vocalico — O sistema vocdlico e as variantes fonéticas Abordaremos a tema vocilico, em posigio acentuada ¢ em posicéo nao- qui o s acentuada; os ditongos ¢ hiatos, detivados do latim ¢ aqueles constituidos ao longo do periodo arcaico; também as nasalizagdes vocilicas que surgem nas variantes romanicas do noroeste da Peninsula Ibérica, isto é no galego-portugués. O sistema vocdlico em posi¢do acentuada O sistema de escrita representado na documentagao do perfodo arcaico dispunha de cinco grafemas, herdados do sistema grafico latino, para as vogais: < a, ei, 0, w >. Tanto Fernao de Oliveira, na sua Grammatica da linguagem portuguesa de 1536, como Joao de Barros, na Grammatica da lingua portuguesa, de 1540, propoem “figuras”, ow seja, letras diferentes para a distingao do timbre “a grande” ¢ do “a pequeno”, do “e grande” e do “e pequeno”, do “o grande” e do “o pequeno”, resultando di vingaram em nossa ortografia, como sabemos. Joao de Barros aplicou, em parte de sua obra, a proposta ortogréfica que apresentou na gramitica Femao de Oliveira exemplifica no capitulo VILL da sua gramitica 0 que so um sistema de escri com oito grafemas para as vogais. Tais propostas nao propunha: ‘z grande” < a> de Almada; ‘a pequeno” < a > de Alemanha; “e grande” < €> de festa; “e pequeno” < ¢ > de festo ‘o grande” < w> de fermosos ¢ “o pequeno” < 0 > de fermoso. Quanto a0 e diz, em largura de uma pega de tecido) outra passagem, nao haver “diversidade” na silaba ténica, “sempre so grandes”. Assim, na primeira metade do século XVI, no dialeto padrio de Lisboa s distinguiam oito sons vocilicos em posigdo acentuada. Numa anilise fonolégica moderna, pode-se ~ ¢ é 0 que afirmam Clarinda Maia (1986) e Paul Teyssier (1982) — dizer que a distingao entre os dois timbres de a é apenas fonética, jf que o “ pequeno (fechado) é uma variante condicionada, pois ocorreria quando seguido de consoante nasal ¢ 0 “a grande” (= aberto) em qualquer outro contexto. A oposicao distintiva /al : /@/ que se faz hoje entre a primeira pessoa do plural no presente ¢ do perfeito dos verbos da 1* conjugagao (aml mos : amlalmos) no dialeto padrao de Portugal ainda nao se estabilizara, segundo C. Maia, nesse dialeto no século XVI. Vale lembrar que essa oposicao nao se faz no Brasil, nem em outros dialetos regionais de Portugal. Nos dialetos do norte (Minho e Douro Litoral), ambas as formas verbais se pronunciam abertas ¢ do centro para o sul de Portugal se 13). Com base nos dialetos mais conservadores do Norte de Portugal e da Galiza em pronunciam ambas fechadas, como no Brasil (Maia 198! que, hoje, a vogal /a/ seguida de nasal tem a mesma abertura da de outros contextos — realiza-se aberta ~ ¢ naqueles em que as nasalizagdes variam de intensidade, podendo até nao ocorrer, C. Maia (1986:318-319) diz ser esse o estado em fases mais antigas, inclusive no perfodo que abrange a documentacao que analisa (séculos XIII a XVI. Ja Paul ‘Teyssier deixa a questo interrogada: “Pode-se perguntar se, desde essa época (= época do galego-portugués), 0 fonema /al nao se realizaria como a fechado diante de consoantes nasais. Ex.: ama, ano, banho” (1982:25). A discussao em torno das discingdes do /a/ acentuado no portugués arcaico fica assim polarizada, Contudo, pode-se admitir que ainda nao eta essa diferenga fonica, se cla existia, utilizada como um traco distintiv para marcar a oposi¢ao entre aquelas formas verbais do presente ¢ do perfeito. Akém disso, pelo que se sabe de teoria fonética, pode-se também afirmar que é uma realizagao natural as vogais seguidas de nasal se articularem mais fechadas que em outros contextos. Quanto & questéo da diferenga de timbre entre as vogais médias anteriores e 1 fonoldgica ¢ nao apenas fonética. Mesmo a escrita nao dando nenhuma pista gréfica, j4 que os posteriores —/e/ : /e/ , fol : /9/ — neste caso estamos diante de uma oposi grafemas so apenas dois para os quatro fonemas, se pode ter a certeza de que a oposicao existia. Fernao de Oliveira, em 1536, apresenta exemplos que séo pares minimos para justificar sua proposta de grafia: festa <@ >: festo < e > formosos < @ >: formoso < 0 > Além desse testemunho posterior, hd as rimas da poesia medieval e, sobretudo, hé a correspondéncia histdrica sistematica, a regra geral, do latim em relagao ao portugués, com exemplificagdes em qualquer das graméticas historicas do portugués, apesar das excegdes. Em resumo € 0 seguinte: Os estudos do latim clissico em confronto com as reconstrugées feitas para o latim falado imperial, a partir de fontes documentais, mas sobretudo a partir do estudo comparado das linguas derivadas do latim depreenderam que, em grande parte da Romania (e af esta incluida a area do noroeste peninsular hispanico, a do galego-portugués) as dez vogais do latim clissico — cinco longas representadas pelo macron ¢ cinco breves representadas pela bracquia — correspondiam a sete vogais, em 52 © portugués arcaico cujo sistema o trago distintivo da quantidade ou duragio vocélica jd desaparecera em proveito das distingdes com base na oposigio de timbre, ou abertura voclica, entre as vogais médias ance ‘ores € posteriores, Esquematicament L_Gal-Port, | i je € a ‘Acrescente-se a essa correspondéncia entre itens vocilicos, a correspondéncia, também, regra geral, entre os dirongos do latim clissico, monorongados no latim imperial ~ /ae/ ¢ /oe/ ~ ¢ os fonemas vocilicos, respectivamente: /e/ ¢ /el. Da Gal. - Port. /e/ < Lat. /i/, | Gal. - Port. fe! < Lat. /@/, fel, fael Joel © que resulta em correspondencias do tipo exemplificado a seguir | acktum | poenam, _ _ fram pe - _ caccum | QO | amatum =| amado | [Ficus lado _| | portam porta amorem, 1 amor bitecam ~ boca | param “puro | Esse sistema de vogais em posigio acentuada, constituido de sete unidades distintivas ~ jf que se pode afirmar que o sistema com um /a/ aberto ¢ outro /a/ fechado, proprio hoje padrio de Portugal s6 se teré estabilizado para esse dialeto depois do século XVI-~ vigorava jé em grande parte da Romania na época do latim imperial, continua na sda lingua portuguesa. FE essa histéria que leva a afirmar-se como conser ador o sistema fase galego-portuguesa medieval e persiste na maioria dos dialetos contemporineo vocdlico em posicao acentuada do portugués. ‘A par dessa regularidade sistemética, atuaram ao longo da histéria da lingua portuguesa mudangas fonicas, condicionadas por determinaveis contextos Fonéticos que impediram a atuagao dessas regras mais generalizadas, exemplificadas no quadro anterior, Rastreando © portuguésarcaico $3. mas que nao sio “leis fonéticas” sem excegao, As gramaticas histéricas exemplificam, sugerindo, as veres, explicagoes fonéticas, além das explicagdes analdgicas ¢ de outro tipo, os empréstimos, decorrentes do contacto interdialetal ¢ interlingiiistico, Um tipo muito generalizado de mudanga fonica que atua entre as vogais é de natureza assimilatdria. Tradicionalmente se distinguem as assimilacoes metafonicas, ou seja, a metafonia (a abertura da vogal acentuada nao corresponde & regra geral porque se aproxima sua abercura i da vogal final) das inflexdes vocdlicas, quando hé © fechamento do timbre da vogal acentuada condicionado pela contigiiidade de determinaveis elementos fonicos: semivogal, consoante palatal, nasal, como em: nervo (lat. nérviu), engenho (lat. ing&niu). Hi evidencias seguras da atuagao das regras de mudanga de timbre quando clas podem ficar representadas na grafia. E 0 caso, por exemplo, da grafia isto por esto (lat. ipsu-) ou tudo por todo (lat. tatu-). Nesses casos o timbre ¢ ou 0, de acordo com &timo latino, conforme a regra geral, muda para é ou # por assimilagio & vogal final que seria realizada como vogal alta posterior /u/. Segundo Williams (1961:106-107), essas formas jd aparecem no século XII, refletidas na grafia. No corpus analisado por C. Maia (séculos XIII a XVI) bi do século XIII, a par da altissima freqiiéncia de esto. A forma tudo também ocorre 4, esporadicamente, a forma isto em documentos do fim esporadicamente desde 0 século XIII, mas na documentagao referida nao ocorre, mas sempre todo. No texto trecentista (século XIV) que analisamos (Mattos Silva 1989:150), a par de 89 ocorréncias de esto Ad tres de isto; quanto a tudo, nao ocorte, mas hd 30 ocorréncias de todo. No caso, a grafia varidvel indica a existéncia do fendmens a sua freqiiéncia rara pode indicar, entre outras possibilidades, a preferéncia ainda usada., pela forma nao-merafonizada, que veio a ser de Mais diticil de determinar ¢ 0 momento em que se dé a metafonia que muda o timbre de /¢/ em /e! (como em mafic > Tiretdat ou ser em fe! (como em monéta > mo/e! da), ou /9/ em fol (como em focu > flolgo ), ou fol em fal (como em formosa > form! a sa), jd que na grafia nao se distingue o timbre das vogais médi Segundo Williams (1961:107) m/eldo (< méru) rima com cleldo (< ciiu) no Cancioneivo da Vaticana, 0 que jé indica a metafonia em medo; jé a rima lefsa: abadlelsa, no mesmo cédice indica que a vogal acentuada do demonstrative ainda nao tinha se metafonizado, seria n alizada como prevé a regra geral de correspondéncia. Pela Gramdtica de Fernio de Oli ira, capitulos VII ¢ XVIII, sabe-se que no dialeto padrio em 1536, fermoso ¢ fermosa tinham a vogal acentuada fechada de acordo com a regra geral (lat. formésu, formosa), mas que fermésos (lat. formiisos) j& tinha a vogal acentuada metafonizada: fermosos devia ser escrito com “o grande” ¢ fermoso, fermosa com “o pequeno”, como afirma 0 gramitico. Desses dados pode-se inferir que os processos metafonicos ja atuavam, criando “excegdes” & regra geral, desde muito cedo na hist6ria da lingua, mas nao se pode afirmar 54 Oportugués arcaico ‘em que itens do léxico, a nao ser aqueles que apresentassem reflexo nas grafias. Depois do século XVI, com auxilio dos gramiticos da lingua portuguesa, é que se pode, com mais seguranga, ter informagdes mais precisas, embora rarefeitas. E, Williams tem razio quando afirma que “no presente ainda ha uma certa incerteza no uso das formas metafdnicas ¢ grande variacio de dialeto para dialeto” (1961:106). Afirmativa andloga, mas em relago &documentagao que analisa, faz C. Maia (1986:510) quando diz. que as formas com ou sem metafonia deviam corresponder a nivei ngiiisticos diferentes Pode-se entio concluir sobre 0 sistema de vogais em posigao acentuada, pelo menos, 0 seguince: * no periodo arcaico se dispunha de um sistema com sete fonemas vocilicos: + regra geral, em grande parte do léxico, correspondem essas vogais a pre determinaveis fonemas vocalicos do latim; + a atuagao da metafonia ¢ de outros condicionamentos fonéticos quebra e regularidade, permitindo os casos excepcionais em relagao & correspondéncia mais generalizada em relagio ao étimo latinos * nao se pode ter certeza se jd haveria uma distingao fonetica entre [a] © ["], seguido de nasal, mas se pode admitir que uma oposicio fonolégica entre central aberta e fechada nao existia. As vogais em posi¢do ndo-acentuada Em posigao nao-acentuada as vogais eram representadas pelos mesmos sinais gréficos utilizados na representacao das vogais acentuadas. E mais complexa, entretanto, a interpretagio dessas grafias do que na posic4o acentuada, porque a variagio gréfica na representagio das nao-acentuadas para um mesmo item do léxico € muito mais freqiiente € em contextos diversificados, 0 que nao ocorre na representagao das acentuadas. Esse fato, por si, é um indicador de flutuagio maior, como seria de esperar, por ravGes foneticas, na realizagao das inacentuadas, jé que esto em posicao de menor intensidade articulatsria. Sabemos que na sincronia atual da lingua portuguesa hd realizagoes variveis para as vogais nao-acentuadas que distinguem éreas dialetais. Esti neste ponto do sistema uma das caracteristic: que mais opdem os dialetos brasileiros aos portugueses, ¢ dialetos brasileiros entre si, Em nenhum deles os sete ou oito fonemas vocilicos do stribuido em posicao acentuada se mantém. ise muito conhecida de Mattoso Camara Jr, temos, em I stema quando Naan: has gerais, no Brasil, um sistema de trés vogais em posicio final de vocdbulo —as duas altas /i,u/, €a baixa fa/ eum, sistema de cinco elementos em posi¢ao nao-acentuada nio-final, em que as vogaisaltas ea baixa esto presentes, mas em que a oposigio entre as médias, tanto as anteriores ([é] ¢ [e]) como as fonéticas vai posteriores ({9] € [o]), se neutraliza, decorrendo disso as realizagé én fel - [el, [a] - [o] — que marcardo dialetos regionais diferentes. Rastreando o portuguésarceico 55 Qual seria o sistema das vogais 0 século XVP E esse um problema para o qual nao se tem uma resposta precisa, mas sobre o qual podem ser levantadas algumas indagagées ¢ sugeridas algumas rentativas de resposta. A descrigao de Ferrio de Oliveira de 1536, muito clara para ndo-acentuadas do portugués no periodo que precede s vogais acentuadas, da-nos apenas algumas pistas para as ndo-acentuadas. Por exemplo: quando afirma no capitulo VIII que “temos oito vogais na nossa lingua, mas ndo temos mais de cinco figuras’, exemplifica todos os casos com vogais em silaba acentuada, embora nao destaque que esté tratando de vogais numa determinada posigao no vocdbulo. Por ai se poderia inferir apenas que talvez nao houvesse variacao, decorrente da neutralizagio, na realizagéo das vogais em outras distribuigdes, j& que a percepgio aguda do autor nao fez destaque para isso, Em outro capitulo, entretanto, 0 ] XVIIL, trata da “comunicagio que algumas [letras] tém” (let aqui nio significa sinal grafico, mas produ “Das vogais, entre # ¢ 0 pequeno hé tanta vizinhanga, que quase nos confundimos, dizendo uns somir ¢ outros sumir e dormir ou durmir ¢ bolir ou bulir, E outro tanto entre Fee pequeno, como meméria ou memérea, gléria ou glorea” (1975:64). Logo adiante opoe “anavia” a “elérea, memérea’ dizendo que as tiltimas devem ser (0 sonora), ¢ apresenta logo como exemple: escritas Com é, com o sinal de acento na silaba precedente porque nao € uma “vogal pura” como o i da primeira. Essas informagées ilustram um fato claro: o de que, na metalinguagem de hoje, nos contextos dos exemplos destacados pelo gramatico, a oposigiio /ol:/u/ ¢ /e/sil se neutralizava. Correndo para trés no tempo da lingua portuguesa, vamos procurar ver — embora de uma maneita sintética ¢ que nao pretende esgotar o problema — a partir sobretudo de grafias variantes, 0 que se pode inferir sobre as vogais em posicao nao- acentuada no portugues arcaico. Em posicGo ndo-acentuada final A vogal grafada Proveniente de /a/ ou fay latino nao apresenta variagdo na grafia nos textos do nalisada por C. Maia periodo arcaico. F esta a situacéo encontrada na documentacao em toda versio trecentista dos D.S.G. que descrevemos, Huber, no seu manual sobre © portugués arcaico, ¢ também C, Maia apresentam ocorréncias da locugao em casa de, com a grafia variance em cas de, que indicaria 0 enfraquecimento ou queda do a final. As grafias , Haveria uma oposigao /e/:/i/ em posigao final? Nas origensdo portugués falado parece ter havido uma oposigao fonoldgica nesse par. O argumento histético para essa afirmativa estd no fato de ter ocorrido a metafonia quedeu origem & oposicio nos perfeiros de verbos de padrio irregular, jé realizada quando 56 Oportugués arcaico © portugués aparece documentado, como em fz/fexs estivelesteve; puslpos. Na \* pessoa havia um i final (do latim?) que condicionou o fechamento da vogal tonica; enquanto na terceira a vogal final seria /ef (do latim /i/, que jé no latim imperial seria /e/ ¢ por isso nao metafonizou a vogal acentuada. No portugues arcaico ocorrem grafias do tipo pusi, puse, pose etc. em que a vogal etimolégica esta representada. No exame das grafias a partir do século XI, observa-se, esporadicamente, a vatiagio - final, convencionada, posteriormente, na ortogratia do portugués a tiltima, que ja €a predominante no periodo arcaico: a grafia 7 ocorre, em geral, nos pronomescomplementos (mehmi,telti Hhelthi)e nas formas verbais do perteito de padrio irregular. Nos D.S.G., por exemplo, variam: soubelsoubi: trouxe/trouxis ouvelouvi (do verbo haver), predominando a grafia em ¢;€ sempre em 70 morfema da segunda pessoa do singular do perfeito -sti, em vez de =e, Essa grafia poderia ser interpretada como reflexo da latina, mas a existéncia do fechamento do timbre, por metafonia, da nica favorece a interpretacao como vogal alta, por exemplo: rulhisi e fusti por tolhestee fostee a oscilagao entre: quisisti ~ quisesti ~ quesistis ocorre também sempre marcado por i 0 morfemado imperativo: Levi, célhi, enténdi escolhi, méti, recébietc, (quese opSeao presente do indicativo eve, cothe, entende, escolhe, recebe) e, em alguns casos, a metafonia curri, iti, fugi (em vex de corre, mete, foge). ais grafias sugerem uma realizagao alta na vogal final que favoreceu 0 fechamento do timbre da acentuada. Maia conclui que a esse respeito: Desde muito cedo, /i/ ¢ /e/ finais se fundiram num tinico fonema... desde o século XII algumas palavras que terminavam em 7 proveniente de / i#/ passam a ocorrer também com ¢, O fonema resultante dessa fusio dos dois fonemas admiciria diferentes realizagées fonéticas, ora os. (1986:523) , ora timbres intermediat lel, ora J&A. Naro (1973:42) demonstra, com base em detalhada argumentagio critica a estudos cléssicos sobre 0 problema, que, no século XVI a final [i], como também a [u} deveriam ser “ligeiramente levantadas.... mas que nao podiam estar igualadas as realizagdes portuguesas [i] ¢ [u]”. Se assim era no século XVI, possivelmente no perfodo arcaico o alteamento completo do fil ¢ do /u/ nao ocorreria. As grafias , Reperimos aqui a pergunta colocada anteriormente: haveria oposigao /o/:/u/ em posigao final? Um argumento forte para admitir-se uma vogal final /u/, que se opori é também o da metafonia da acentuada: o /e/ do latim /'i/ passatia a lil ¢ 0 /o/ do latim /ii/ passaria a /u/ por assimilagio & vogal alta /u/ da silaba final escudo da grafia das formas desse tipo por C. Maia indica que a metafonia de que resultaram isto, i350, aguilo, antes esto, eso, aguelo, no se processou de uma s6 vez ou ao mesmo tempo na area galego-portuguesa. Considerando a grafia dos documentos ao norte do Minho em relagao aos de Entre-Douro ¢ Minho, admite a ao /o/ Rastreando o portugués arcaico 57 autora que a realizagio do [u] final deve ter existido no extremo meridional dessa area, jd que a grafia que reflete as formas metafonizadas é freqiiente nos documentos dai ¢ rara na drea do Minho ¢ galega. Isso lhe permite afirmar que haveria uma variagao [u) - [0] em posicao final, com possiveis realizagbes intermedirias, Reforca seu argumento o fato de, ao correr da hist6ria, a drea que veio a definit-se como portuguesa, jd no século XVI, apresentar no dialeto padrao a realizagao alta [ul ¢ na 2 galega se encontra a realizacao [o]. Relembrando Naro, citado no item anterion, poderia ter havido no periodo ‘ico um alteamento do [0], mas nao uma vogal alta do tipo /ul/. Quanto & variagao gréfica do tipo ~ <0 > em casos em que nio esta em jogo o fendmeno fonético da metafonia pode-se afirmar que a grafia < u > é mais freqiiente nos documentos mais recuados ¢ dard lugar a gratia < 0 >, Para alguns especialistas certos casos de < u > final refletem a grafia latina, sem chivida. E 0 caso da grafia do morfema verbal da 1* pessoa do plural -mus ¢ a grafia de nomes masculinos com o singular em -1, mas no plural -os, assim grafados em um momento em que ainda nao se tinham definido normas ortognificas gerais para a escrita do portugués. Um reforgo para esse ponto de vista esta wo Testamento de Afonso IT (1214), primeiro 8. Nele, 0 vocdbulo Porto nas suas ocorréncias esté com -1 numa versio € com -0 na outra, das duas la, como vime texto escrito em galego-portugués, ¢ cuja data nao permite divi remanescentes, Sabe-se que houvetreze cépiasdesse documentoesupse-sequeotextofoiditado e deve ter sido escrito simultaneamente (Costa 1976). Diante disso ¢ da variagéo em causa, pode-seadmitiraincertezade grafar dos notérios,acostumados queestavam aescreverem latim (Maia 1986:408)..Naose pode também descartarque os notirios fossem portadoresdevariantes dialetais em que oscilariam as realizagdes das posteriores em posigdo final. Ao que ficou observado pode-se concluir pelo menos: * = possivel admitir algum tipo de variagao regional nessa posigio, 0 que se pode inferir pela metafonia (quando reproduzida na grafia), conseqiiéncia da alta final; cal fendmeno fonético nao teria ocorrido ao mesmo tempo € em toda parte da area galego-portuguesa. Vale notar que, em certas areas galegas ¢ em dialetos regionais muito arcaizantes da drea setentrional portuguesa, ela ndo ocorteu e, também nesses dialetos, a vogal final nao é sempre realizada como alta; © pode-se também admitir que a variagio existente oscilaria desde uma realizagio média fechada, mas nao chegaria ao alteamento total. Diante do exposto pode-se propor como possivel, na distribuigao final, um sistema de crés membros — uma vogal central ¢ duas vogais, uma da série anterior outra da série posterior, com realizagées fonéticas varidveis que oscilariam, respectivamente, entre [e] ¢ [ i, ] (= [e] tendendo para [i)) ¢ entre [0] e [ u, - No caso 58 — Oportugués arcaico da posterior, os dados sugerem que poderd ter havido uma 4o dialetal distinta: 0s dialetos do Douro para 0 Norte com a realizacao do tipo médio e os do Douro para 0 Sul com a reali: iso mais elevada ou alteada. —m posi¢Go preténica A vogal grafada < a> Haveria mais de uma realizagao fonética para a vogal baixa: [a] ¢ [¢]? Em posigéo acentuada, como vimos, no século XVI existia 0 condicionamento que fechava ‘ir grande” em ‘z pequeno”. Fo que se depreende de Fernao de Oliveira, Ele também fornece, indiretamente,alguma informacio quando opdea realizagao “grande” 0 “pequenos”, mas o do artigo e 0 a inicial dos demonstrativos, quando precedidos ¢ fundidos & 4 Spequena” em segmentos ndo-acentuados: 0 a artigo ¢ o a pronome preposigao a sio “grandes”. Havia, portanto, em posigdo ndo-acentuada, uma realizagao distinta para 0 a, decorrente da sua maior ou menor intensidade articulatéria. Joao de Barros distingue duas realizagoes do a: é tito com < dé > nao com (ele prdprio aplica essa norma grafica), por exemplo: sddio, vddio, derivados de uma crase ou clisio nna historia da lingua (sadio e outros grafemas vocilicos que sugerem flutuacio articularéria da vogal baixa. Por exemplo, < a > varia em um mesmo item lexical com < ¢ >: apatola/ epistola; avgelho/evangelho; alefantelclefane; asperancalesperanga; asperarlesperars asteengalesteenca trasladoltrelado; sagrado/segrados sarrariserrar; piadadelpiedades piadosol piedoso. abstinéncia); antrelentre; Anrique/Enrique; saldrio!seldrio; Indicaria essa grafia varidvel uma variagio articulatéria, condicionada por contextos fonéticos favorecedores ao fechamento? Talvez sim. O contexto com sibilante, por exemplo, seria um forte candidato Not inicial absoluta, em sflaba inicial ¢ em silaba interna também. se que nos exemplos citados anteriormente a variagao ocorre em posicio As grafias / Em posigao inicial absoluta: Documenta-s © no portugues arcaico a yariacao grifica entre < e>e também o ditongo < ei >. Essa grafia varidvel é usual em certos itens lexicais, por exemplo: egrejaligeja; edadelidadeleidade; Einés/ Inés Rastreando o portuguésarcaico «9. Encontra-se também a variagio < ¢ > / em sflabas iniciais em que a vogal € travada por nasal ow sibilante: enfinta/infinta; escrituraliscritura; 0s a vogal seguinte é sempre vogal alta. Ss vale notar que ne ‘Talvez C. Maia (1986:357-359) esteja certa quando diz que € po Jo fonética fvel que durante alguns séculos a lingua se caracterizasse por um estado de fluc lari entre realizagdes da preténica anterior inicial que os entre um fe] e um [gh muito breve, préximo a [i] podendo, em certos itens do léxico ditongar-se. Sendo que essa ditongacio, documentada no galego-portugués mais recuado, € uma tendéncia também documentada em outros dialetos hispanicos ocidenta’ © que permanece ainda em areas dialetais, como no mirandés, asturiano ocidental, no leonés ¢ em dreas dialetais galego-portugues Em posicao pretonica interna: A variagéo grafica mais destacada nessa posigao € aquela entre < ¢ > ¢ quando na sflaba acentuada estao as altas /i/ ou vogais ou a0 deve indicar um alteamento da preténica, lica € que jé aparece fixado no século XVI, jé que Fernao de Oliveira dele se semivogais. Essa vari fendmeno fonético assimilatério conhecido como harmonizacao vos utiliza para exemplificar a “comunicagao entre as letras”, como vimos. Sio exemplos dessa variagao gréfica em um mesmo item lexical no corpus trecentista dos D.S.G., quer em silaba inicial quer em sflaba interna: meninicedmeninice: vegiar/vigiar; desplizelldisplizel: vevalviuvas vendital viddisa; lenguagemilinguagen; enteridolentirido Maia (1986:362-364) apresenta interessantes indicagdes dialetais e diacrénicas, a partir do exame de sua documentagao, do século XIII ao XVI, ¢ testemunhos galegos € do norte de Portugal: ¢ mais freqiiente a apresentacao grifica do alteamento nos documentos galegos que nos portugueses ¢ nos portugueses esti documentada com maior incidéncia a partir do século XV. Destaca também exemplos nas Cantigas de Santa Maria, cujos cédices so dos fins do século XII, em que ja ocorrem, por exemplo: pidimos, pidi, firidas, sirvia. Mostra também que no século XVI, no padrio da corte, alm de Fernao de Oliveira, também em Joao de Barros esté documentada a harmonizagio: bibiam, mistico, mininos, pings Tais dados informam que a elevacio do timbre da preténica por harmonizagao vocilica remonta ao século XIII pelo menos ¢ est, certamente, no dialeto padrao no século XVI. As grafias / © Em posigdo inicial absolura: Nessa distribuiggo a grafia varidvel <0 > / < u > ¢ até mesmo 0 ditongo < ou > ~ simétrico ao que ocorre com < € >, , < ei > é esporddica, 60 — Oportugués arcaico como afirma C. Maia (1986:397); contudo esta documentada. Por exemplo, o item oliveira aparece escrito: oliveira, uliveira, ouliveira, também ocorre oulivar (por olival). Nas Cantigas de Santa Maria (séc. XIII) € nos D.S.G. {séc. XIV) ocorrem: homildade/humildade, homildel humilde, homildosolburnildoso, homildangalbumildanca (com ou sem h inicial); cambém orgulbo/urgutho. Vale notar que em todos os exemplos destacados a vogal que tem representacio grifica varidvel estd seguida de vogal alta na silaba vizinha. Seria um alteamento, se admitirmos a realizagao alteada, condicionado; mais um caso, portanto, de harmonizagao vocalica. posicao pretinica interna Simetricamente ao que se passa na variagio gréfica < ¢ > / nessa mesma posigo, ocorre com as posteriores grafadas < 0 > / : a variacio gréfica mais destacada ocorte quando na silaba acentuada esto fil ou fal, vogais ou semivogais. O mesmo fendmeno assimilatério, ou seja, a harmonizagao na direcao da vogal alta, jé est indicado na grafia de documentos desde 0 século XIIL © exame dos textos analisados por C. Maia informa que, ao norte do Minho, a representagao é mais freqiiente (1986:399); na drea portuguesa jé aparece desde o século XIII, embora com menos intensidade, o que leva a autora a afirmar que ssa assimilagio vocilica constitufa ja, desde o século XII, uma tendéncia do portugues Na versdo trecentista dos D.S.G. documentamos esse tipo de grafia, indicadora acentuada alta nos itens: bogia/ moimento/muimento de harmonizacio por a imilagao a tragos da vos monumento); bugia; costumelcustume; fogueiras/fugueira outoridadelousuridade; recodirlrecudir. Tais exemplos apresentam o faro em causa em silaba inicial ¢ em silaba interna antes da acentuada, Ferndo de Oliveira testemunha, como vimos, que no século XVI a variagao ocorti no dialeto padtao de Lisboa quando afirma que das vogais “entre we 9 pequenos ha tanta virinhanga que quase nos confundimos” (1975:64) ¢ apresenta como ilustragao os casos de assimilagio em somirisumir: dormirldormin: Pelos dados de C, Maia ¢ dos D.S.G. se pode inferir que a harmonizagio nesse tipo de verbo, ou seja, de vogal temética i, comega a aparecer com maior freqiiéncia na segunda fase do portugues arcaico, ou seja, dos fins do século XIV em diante. Encontra-se a grafia <0 > / em itens esporidicos do léxico, como lagarllugar: mulberfmulher; soterrarisuternar, a que nao se pode aplis fonético do tipo assimilatério ar uma regra de condicionamento Parece que, excetuados os casos de alteamento por harmonizagao, pode-se admitir que a vogal média posterior seria realizada como [g], articulagao que se mantém na lingua culta de Lisboa ainda no século XVIII (Maia 1986:408). Rastreando © portugués arcaico 6 A oposicao entre as médias abertas ¢ fechadas em posigao pretonica A histéria das vogais nao-acentuadas em posi portugués, permite que se definam regras gerais de correspondéncia do seguinte tipo para nica, do latim para o 10 pre as vogais da série anterior ¢ posterior: Latino Portugués Latino Portugués i fil fal Tal (< alta anterior) alta posterior) Lil lel - fal fl (= média anterior) fal fe | ol Exemplos para cada caso se encontram nas gramiticas histéticas. As vogais nao- acentuadas médias do portugués resultam de um complexo fendmeno de fuséo de fonemas vocilicos latinos, como se pode observar na representacao acima. A histéria desses fonemas do portugués que pode ser acompanhada pela informacao dos gramaticos, embora sé a partir do século XVI, pela grafia da documentacao medieval ¢ também pelas variantes dialetais documentadas do portugués ao longo do tempo, permite afirmar que em determinados contextos se neuttalizatia (es Quanto 8 variagao entre as médias ~ [e] - [e} ¢ [0] ~ [9] em posigo néo-acentuada, que caracteriza o portugués brasileiro, nao se encontra hoje no portugués europeu. e neutraliza) — como vimos — a oposigao entre médias ¢ altas. Como vimos anteriormente, pela documentagio medieval, pode-se propor para a anterior uma realizagao média do tipo [e], com possivel alteamento, no s6, mas principalmente, nos casos de harmonizasio vocilica, também para a posterior; seria uma nado, Ps realizagio também média, do tipo [o],com possivelalreamentocondici avariacio média aberta/média fechada, a grafia da documentagao medieval nao fornece pistas. Contudo, se poderia adm tum sistema para as pretonicas com duas anteriores ¢ duas posteriores. fel hal € na posigao baixa um fonema /a/, com possivel variacio fonetica [a] (@]. Haveria variagio fonética médias abertas ¢ médias fechadas do tipo [el [e] ¢ fol [0]? Paul Teyssier (1982:41-43) destaca um fato significative que é o da mudanga estrutural que ocorre nesse tema de cinco elementos fil ful lel Jol fal fal Jel 62 Oportugués areaico anteriormente representados, mudanga que ter sido posterior a0 sé como conseqiiénc culo XIV. Em sintese, ia da fusio ou crase de vogais distintas postas em contato, por queda de consoante intervocilica, surgem pretOnicas médias abertas /e/, /2/ e /a/, que persistem na variante curopéia do portugues. Hus Port. Arc. 1 {antes do sée. XTV) esquieecer (lat, escaecer > preegar (lat. praedicare) caavicira (lat. *calavaria) paadeiro (lat. *panatariu) coorar (lat, colorare) ar resultantes, portanto, essas méd stia analise com os exemplo Port. Arc. 2 (depois do XIV) esquecer [e] escaccer) pregar caveira | padeiro corar [9] 6 abertas da fuusio de duas pretonicas, passaram a opor- se as fechadas, provenientes de vogais simples, de acordo com as correspondéncias etimolégicas e ge is como em: pregar (- fixar com pregos) i cadeira morar curar . plicare | . cathedra | _ morare | . curare Concluindo sua andlise, admite que, por volta de 1500, portanto no fim do perfodo arcaico, o sistema voca il Iel lel L_ Tal sistema, pro do portugues atual. Em linhas gerais, admicindo-se a and ico preténico poderia ser representado as se de Teyssier, pode-se ful Jol Jol vel no século XVI, nao persistiu: nas variantes ja mencionadas izer que ha reduces, de natureza distinta, tanto na variante brasileira como na européia do portugués. Nos dialetos brasileiros ha neutralizagio, em que as realizagoes variam entre média fechada e aberta, por vezes a depender do contexto, também a alta (cf. ex. (I)): (1) (me’ninu) ~ {me’ninu | - {mi’ninu] [moh’didu] - [mahididu] - {muhididu] (2) [ko’rah] ~ [ko’rah] ~ [ku'rah} (3) [pre’gah] - [pre'gah] Rastreando 0 portugués arcaico 63. Nos portugueses hé as médias abertas no subgrupo do Iéxico em que a pretonica € proveniente da crase histética, que nao variam com a média fechada, como no Brasil, mas se opdem as altas: : [kyrar] | (2b) pre’gar] : [pri gar] As variances brasileira e portuguesa descritas anterior mente podem ser representadas: fil Jul lil ful lel JE/ Jol lol [e] [o] el lol PB Sequéncias vocdlicas orais: ditongos e hiatos Neste subitem trataremos de seqiiéncias vocélicas orais numa mesma sikiba, os ditongos, ¢ em silabas contiguas, os hiatos. ‘Transferimos para o item subseqiiente as seqiiéncias vocilicas nasa Ditongos decrescentes, hiatos e crases Paul Teyssier (1982:26 ¢ 43) apresenta para a primeira fase do portugues arcaico, ou seja, a fase galego-portuguesa, o sistema de ditongos chamados decrescentes, representados em I ¢ informa que esse sistema se enriqueceu ao longo da segunda fase, sendo assim possivel propor o sistema representado em II para uma data a volta de 1500: I. a. ditongos com semivogal /y/_b. ditongos com semivogal /Aw/ - uy iw - ey oy ew ow ay aw 0 _ uy iw - oy ew ow oy ew - ay aw Sio exemplos de Teyssier para o sistema I: a. primeiro (lat. primariu-), mais (lat. magis), coica (lat. cocta-), fruito (lat. fructu-); b. partiv (lat. partiuic), vendew (lat. *vendeuit), cautivo (lat. captivu), cousa (lat. causa). 64 O portugués arcaico afirma-se Vale questionar nessa andlise se jd na 1? fase nao haveria o ditongo /ew/ que palavras como meu, deus, judeu (lat. meu deus, judaeu-) veriam originalmente a vogal base do ditongo aberta, por causa do seu étimo, vindo a fechar-se por assimilagao & semivogal alta. Evidéncia para isso ¢ 0 fato de nao se timar nos Cancioneiros tais ditongos com aqueles provindos de étimos que predizem uma vogal fechada, como & 0 caso do /eu! da 3* pessoa do singular dos verbos da 2" conjugagao (Ramos 1983:100-101). Se observarmos os exemplos de Teyssier que ilustram os ditongos jé documentados nos primeiros textos galego-portugueses, vemos que s6 em cousa (lat. causa) 0 ditongo portugués veio de um ditongo latino. Os outros sao ditongos secunditios, isto é, resultam de mudangas fonicas ocortidas no period de constituigao do hispanorromance do noroeste ibéric em coita, fruito, cautivo, os ditongos se formam pela vocalizaczo de elementos consoniinticos; em partie vendewa semivogal /w/ que fecha o ditongo resulta de mudangas que fizeram os elementos finais desaparecerem; em primeira, o ditongo provém da mudanga de silaba, ou metitese, do /y/ latino ¢ posterior assimilagao voctlica (ai > ei): em magis, resulta da queda ou sincope da consoante sonora intervocilica E 0 fenémeno de queda da consoante sonora em posigao intervocalica que, em geral, esté na origem dos nossos ditongos da segunda fase do portugues. Utilizando ainda os exemplos de P. Teyssier (pag, 44) para os novos elementos de II, crutis (lat. crudeles), sbis (lat. soles), céu (lat, eaeli): até o fim do periodo arcaico, palavras como essas apareciam grafadas nao com os grafemas proprios ds semivogais (i, y. para a semivogal anterior /y/ ew para a posterior /w/), mas com ¢ ou 0: crite, s0e8, 6&0, 0 que indica queantes dese tornarem s smivogais esses elementos eram vogais ¢até se ditongarem constitufam seqiiéncias vocdlicas em hiato, uma em cada silaba, portant. O fendmeno fonético teferido no pardgrafo anterior (sincope de consoantes sonores intervocilicas, do latim para o portugués) faz com que se representem na escrita do portugues arcaico seqiiéncias de vogai aba acentuada do idénticas, ocupando ou nio sil tipo (marcaremos com o diacritico < ‘> a vogal a entuada): — mia, pico, pée, leér, thigo, rife, pdo, cobr, ertin — paancéda, preegér, remiidér, voontéde — perigao, péboo, didboo, Brigae Como se trata de vogais da mesma faixa de altura atuou, a0 longo do periodo arcaico, 2 regradecrase ou de fusio de vogaisidénticas, Pela escrita pela métrica dos Cancioneirosse pode afirmar que jé no século XIII essa fusio poderia operar-se. A grafia, eventualmente, apresenta indicagio quando altemam vocibullos ora com vogais simples ora com vogais duplas. Os Cancioneiros evidenciam fatos como: na Cantigas de Santa Maria, triigo se apresenta com trés ou duas silabas; na grafia de documentagao em prosa se pode observar, por exemplo, que nos D.S.G. (texto em prosa do séc. XIV) hé 905 casos do Rastreando 0 portuguésarcaico 65. tipo descrito ¢ exemplificado anteriormente, nelas 0.3% de representagdo escrita com uma sé vogal (quando a distribuigao é em silaba acentuada) ¢ 72% com uma sé vogal, quando em silaba ndo-acentuada, Esse dado € interessante porque pode servir de testemunho para afirmar que a crase se iniciou pelas silabas nao-acentuadas A queda das sonoras intervocilicas, além de ditongos ¢ seqiiéncias em hiato de vogais idénticas, depois fundidas pela crase, produziu hiatos constituidos de vogais que no podem fundir-se por no estarem na mesma faixa de altura, como em: creo (lat. credo), candea (lat. candela). Segundo Williams (1961:35.7.A), tais hiatos permanecem até o século XVI. $6 entio se desfarem pela regra de insercio de semivogal. surgindo, assim, novos itens lexicais com 0 ditongo /e/: creio, candeia. A versio trecentista dos D.S.G. sempre apresenta a adora do hiato < e9, ea > . Na documentagao analisada por C. Maia (1986:595) 36 em um texto de 1500 ocorre a variagao < ea, eo >. em documento galego ¢ nenhum nos documentos portugueses que sio do século XIII ao XVI. Esses dados so testemunhos que confirmam a afirmativa de Williams. grafia indi Vale lembrar que ha, como nos ditongos. hiaros primérios. isto ¢, hiatos herdados do latim, Como em: apreender, compreender ( < aprehendere, comprehendere), retrair ( < arc, retraer, lat. retra/ere), € nao apenas como resultado de mudangas fénicas como as jd referidas. Ja na fase arcaica ha indicios da variagao dos ditongos < ou ~ oi >, ainda hoje no Brasil di: existente nas variantes da lingua portugues -se coisa em Portugal, consa (lac. causa); ouro, no Brasil, enquanto em Portugal, afro (lat. auru-) Esses ditongos em variagio tém origens histéricas distintas: < ou >, do ditongo latino < au >, ou resultado da vocalizagao do /1/ em < al >: mouro (< lat. mazru), otatro (< lat. akeru). < 01 >, resultado do /k/ em seqiiéncias do tipo /kt/, /ks/ ou da metétese da semivogal da silaba seguinte: oito (< lat. octo), cairo ( < lat. cori). Eventualmente a variagio, em desacordo com a etimologia, ocorre desde © século XIIL Nos D.S.G. as 1206 ocorréncias de < ou > ¢ as 126 de < oi > estao de acordo com © que a etimologia prediz. Uma curiosidade grafica do Orto do Esposo, texto dos fins do século XIV, indica talvez a dtivida do escriba diante de duas possibilidades de realizagio: ha nesse texto seis ocorréncias de noyte ( < lat. nocte) ¢ uma de nouyte. C. Maia (1986:567) dé exemplos do século XIV para essa variagao: moiro/mouto; cowsa/cousa; coirolcouro. Vimos, quando tratamos das vogais, que era possivel em posigao no-acentuada inicial a variagao < ou - 0 - u>, : ouliveira, oliveira, aliveira; eigreja, egreja, igreja. Ao longo da histéria da lingua, a monotongagao do /ey/ ¢ do /ow/ em /e/ ¢ /o/ vem se processando e distingue dialetos regionais portugueses. No Brasil em que, como nos dialetosmeridionaisportugueses, em geral semonotongam, a possibili ditongada marca variantes de natureza sociolingiiistica, mas nao apenas, parece-me; fatores 66 O portugués arcaico estilisticoseestrucurai s(distribuigao do ditongo no vocébulo, classes de palavras) entram monotongadas. No periodo arcaico ¢ ainda posteriormente se documentam, em variagio com também em jogo nessa variagao entre ditongos e vogai vogais, ditongos em formas derivadas de palavras latinas em que se vocalizaram consoantes lati is, por exemplo: trautado, fruito, conduita, conduito, luita, cautivo (lat. tractatu-, fructu-, conducta-, conducne-, lucta, caprivu-), normatizado depois em tratado, fino, condita, conduto, cativo. Ditongos crescentes Documentam-se com freqiiéncia no periodo arcaico ditongos crescentes = sen: ogal + vogal) do tipo /yul ¢ /ya/, derivados de hiatos no latim, que vieram depois a desaparecer, Muitas yezes a semivogal nessas seqiién vem grafada com h, embora seja 0 y a grafia mais usual para a semivogal anterior: — chuvha (lat. pluvia-), sobervha (lat, superpia-), nervho (lat. nerviu-), ravha (lat. ravia), correspondendo a chuva, soberba, nerve, raiva; = ravhoso, sobervhoso, limpho (raivoso, soberbo, limpo); = cémha (lat. comeat), sérvho (lat. serviat), posteriormente: conra, servo A semivogal do ditongo arcaico, nesses casos, ou desloca-se para a silaba anterior ou desaparece, mas deixa seu reflexo no alteamento do timbre da vogal acentuada. Movimento i verso ocorre, quando ditongos crescentes do latim sao recuperados: no portugués arcaico, a semivogal do étimo, por metitese, ocorre na silaba precedente, por exemplo: p. ate: aversaito, contrairo, notairo; posteriormente: adversério, contrétio, novério (lac adversariu-, contrariu-, notariu-). Na fase arcaica, o ditongo crescente que tem como semivogal o elemento /w/ — val, /wol — ocorte seguindo as velares /ki e /g/ ¢ sto geralmente representados por 1, raramente por o. Na documentagao analisada por C. Maia (1986:426), a par de miiltiplas ocorréncias de 1, do séc. XII ao XVI (guardar, quanto, qual, quarto, quantia, quartos, quando, quarvétd) ocortem onze veres, aged, agoardente, mengaa. a tiltima grafia sera a adotada pelos dois primeiros gramiticos, com a intengo explicita de distinguir a semivogal da vogal ¢ substituira a grafia antiga (cf. item “Em posigo nao-acentuada”). Na documentagio de C. Maia jé & no entanto, freqiiente a grafia que indica a perda da semivogal: gardar, agerdente, calquer, catorze, realizagdo que, segundo a autora (1986:642}, € habitual hoje no galego e nos dialetos populares do Minho. Esse fato, como outros indicados, evidenciam j4 no periodo arcaico a variagio nessas seqiiencias vocdlicas. Rastreando 0 portuguésarcaico 67 Nas seqi grifico remanescente do latim, sem valor fonico,comoem: que, aquele,aquilo, guerra, puisa ncias grafadas < ue, ui > precedidas de < q, g>0<#> €apenas um recurso Em face dessa assimetria gréfica em que q ¢ g, seguidos de a, wo representam ditongos crescentes ¢ em que 1, ui, precedidos de q ¢ g nao representam, se encontram na esctita arcaica grafias do tipo guanhar por ganhar, pagar por pagar, vaqua, por vaca espelhada nas grafias do tipo que, queria ¢, talver, hipercorretas, j4 que dialetalmente era provavel a existéncia de prontincias do tipo gardar ou calquer. Os escribas, sem uma norma ortogrifica bem definida e explicitada — 0 que s6 cna segunda metade do século XVI — demonstra nesses casos a sua vacilacdo na representagio grafica, nao sé pela assimetria da tradigéo escrita como lade fonica v: comega a estabelecer-s também pela dificuldade, certamente, de dar conta de uma reali widvel. No decorrer dessa exposigio sobre seqiiéncias vocilicas pretendemos mostrar a par do seu aspecto sistemdtico, evidéncias para os processos de constituigao de ditongos sincronia de crases, em seqtiéncias antes em hiato, além da possibilidade de variacio, na arcaica, entre ditongos ¢ entre ditongos ¢ vogais. wer Esses faros mostram que o fazer-see d de seqiiencias vocilicas do portugues é um fenémeno complexo, diversificado e varidvel queacompanha sua historia desde as origens Nasalizagdes: vogais, hiatos, ditongos As vogais ¢ os ditongos nasais do portugu consoantes nasais no latim, Essas consoantes podem estar resultam de vogais seguidas de * em posigéo implosiva. isto é fechando silaba, portanto homossilabica (lat. denve-, cambiare: port. dente, cambiar); * em posigao intervocalica, em que @ consoante do latim vai desaparecer (lat. laza, manu: port. ld, mao); © em posigao implosiva final de palavra, ou seja, antes de pausa (lat. amavt, in, cum: port. amam, em, com); © anasalidade da vogal também pode resultar da contigiiidade da consoante nasal que inicia a silaba seguinte, ou seja, heterossilébica, que nao desapareceu do latim para 0 portugues, como ocorre no caso & (lat. amare, flamma: port. amar, chama; anmu-, pannu-r port. ano, pano). Observe-se que, em todos os casos, a nasal sucede a vogal, por isso dizer-se que regra geral, a nasalidade € regressiva no portugué Comecemos pelo tipo d- amar, chama, ano e pano: esses exemplos evidenciam a permanéncia da consoante nasal latina — do -m-, do ~ mm. ¢ do -nn-, No caso das duplas ou geminadas, simplificaram-se segundo a regra geral de simplificagao das geminadas do latim para 0 portugues. ‘A presenga de uma nasal hererossildbica pode resultar no porcugués na nasalizacio da vogal precedente. Atualmente hé dialetos que nasalizam mais ou menos fortemente 68 — Oportugués arcaico essa vogal ¢ outros que nao a nasalizam. Nao se tem como saber, com exatidao, se essas vogais seriam ou nao nasalizadas no portugues arcaico. Pode-se admitir que essa variagio fonética jd existisse, distinguindo dialetos, jé que 0 contexto fonico € propicio & nasalizagio. Fssas vogais de que tratamos dialeto nasaliza. Os dados agrupados em a., b. ¢ 6. sio os que identificam a como vogais nasais Pode-se dizer que no portugués arcaico havia um sistema constituide de cinco vogais nasais, como afirmam ‘Teyssier (1982:28) ¢ M. A, Ramos (1983:96): vil hil fel fol a o as vogais nasalizaveis ow nasalizadas, quando 0 vogais classificadas Vogais seguidas de nasal implosiva, homossilabica Como em: sinto, sento, santo, conto, junto, também em campo, ambos, tempo, ombro, penumbra, limbo, manga, longo etc. Na documentacio manuscrita medieval, a representagao da nasalidade, em casos como o desses exemplos, pode estar grafada com til sobre a vogal ou com » ou m seguindo a vogal, de acordo com a grafia do latim. © problema que se coloca para a fase arcaica, no que concerne aos casos do tipo @ ése neles tinha-se uma vogal nasal ou uma vogal com travamento consonantico nasal que seria realizada como dental (p. ex.: sinto), como labial (p. ex.: campo), como velar (p. ex. longo), a depender, portanto, do ponto de articulagio da consoante subseqtiente. Os que trataram do problema se dividem: Huber (1933/1986:§238) nao vacila e considera vogal seguida de consoante nasal, quando a consoante subseqiiente é dental ou velar; outros deixam em aberto a questo como A, Ramos (1983:96); Celso Cunha, no seu estudo sobre a Rima de vogal onal com dicada em documentos do fatim nasal afirma que essa vogal jé nasal comega a estar barbaro ¢ fixa o fendmeno como iniciado no século X, Os comecos do fendmeno podemos fixi-lo no século X, quando cercas palavras principiam a ser grafadas, em documentos do latim birbaro, sem o -n- etimoldgico, sinal de que esta consoante, na lingua viva, jd se devia ter convertido no trago nasal da vogal nasal antecedente {1961:189). Nesse estudo C. Cunha defende as vogais nasais contra orais seguidas de travamento consonantico nasal, indo de encontro aos fildlogos da primeira metade do século (Michaélis, Nobiling, Nunes, Lapa, que depois accitou a andlise de C. Cunha) que consideravam a ima V nasal/oral, nao como assonancias da poética medieval galego-portuguesa, mas antes como V oral + C nasal, rimando com V oral, do tipo amigo-cingo, cingo-comigo, crago-ambos, como na cantiga de amigo de D. Dinis: Rastreando 0 portuguésarcaico 69 Madre, moyro d’amores que mi deu meu amigo quando vej‘esta cinta, que por seu amor cingo Alva & voy lieiro! Quando vej falou comigo. Alva é& voy liciro! sta cinta, que por seu amor cingo, € me nembra, fremosa, como Quando vejesta cinta, que por seu amor srago, ¢ me nembra, fremosa, como falamos ambos, Alva é voy lieiro! (cf. C. Cunha 1961:190) A argumentagio de C. Cunha de que essas vogais jd eram nasais é convincente, Nao se pode decidir se, na sua articulagio fonética, se realizaria o decurso consonintico condicionado pela consoante seguinte. Nem as rimas nem as grafias fornecem elementos para isso, Nos estudos do portugués contemporanco se divider nas suas analises os fondlogos entre fonemas vocilicos nasais ¢ fonemas vocilicos, foneticamente nasalizados, seguidos de arquifonema nasal, foneticamente realizado com um trago consonantico nasal articulado como a consoante subseqtiente — labial, dental, velar (clam}po, cfankto, slan}gue) Nasal latina /n/ em posi¢ao intervocdlica e suas conseqléncias no portugués A queda, perda ow sincope da nasal alveolar simples em posigao intervocélica do latim € um fendomeno fonético que caracteriza as variantes hispanorromanicas do noroeste q P peninsular, isto é, a variante galego-portuguesa, em oposigao as outras —leonés, castelhano etc. Considera-se que ess2 mudanga fonica comecou a ocorrer no século X ou XL e estaria em curso no século XII “nas vésperas do aparecimento dos primeiros textos escritos galego- portugueses” (Ieyssier 1982:15). Sabe-se também que, na sua origem, ¢ um fendmeno proprio ao galego ¢ a0 portugués setentrional ja que nao ocorreria nos dialetos mogdrabes (variante hiapanorroménica centro-meridional, falada pelas populacées cristas que ficaram. sob o dominio rabe a partir do século VIII). Argumento para isso sto remanescentes do -n- cindicadores no vocabulétio de di em topénimos de origem latina dessa d aletos populares do Alentejo ¢ do Algarve, em que 0 -n- etimolégico permanece, quando desaparece no noroeste peninsular (Teyssier 198216). ‘A queda da consoante deixa o trago nasal da vogal que a precede e essa nasalidade se expande & vogal seguinte. A conseqiiéncia fonica disso & 0 surgimento de hiatos constituidos de vogais nasais que sofrem mudancas subseqiientes. Pela métrica do Cancioneiro Medieval, essas seqiiéncias ainda estéo em silabas separadas, Atente-se para o fato de que a queda da nasal intervocélica se integra na regra geral do latim para 0 porcugués em que as consoantes sonoras intervocilicas simples, regra geral, desaparecem. Vimos, em “Seqiiéncias vocilicas orais: ditongos ¢ hiatos”, que essa mudanga fénica origina hiatos ¢ ditongos orais no portugues. 70 QOportugués arcaico > na mesma faixa de Se as vogais que ficam contiguas, pela queda do -n- altura, elas virdo a fundir-se, isto é craseiam-se, Na primeira fase do portugues arcaico é comum a grafia da vogal duplicada, marcada a nasalidade por til (por dois sinais de til ou por um, alongado, que recobre as duas vogais: laa ou lia; bid, bios ten ter: algitt, algitu; vit, vir (lat. lana, bor, tenere,alicunu, venire), Também ocorre a grafia com o diacritico < ’ > em cada vogal (lid, béé etc.) que se costuma interpretar como indicador de hiato. Essas grafias com vogais duplicadas, com indicagio ou nao de nasalidade, prolongam-seatéoséculo XV. Afirma e, contudo, quea fusdo ou crase das vogais contiguas comegou a realizar-se desde 0 século XIII, constituindo assim vogais nasais. Esse fato, se Jo se admitir vogal nasal nos casos discutidos no item A, permite dizer que havia as vogais nasais no sistema vocilico do portugues arcaico jé desde o século XIII. Essas vogais nasais em varios itens do léxico vém a perder a nasalidade, como em far > teer > ter; vir > viir > virz em outros se mantém ou como V nasal (124, a, p. ex.) ou foneticamente ditongadas, se sao finais (bee, bé (b89)) Se a perda do -n- intervocilico poe em contato vogais que, foneticamente, nao se podem fundir por serem de faixas de alturas distanciadas ocorrem hiatos vocélicos, em que a vogal antecedente ao - vio ser desfeitos por regras fonéticas de varios tipos, no decorrer do perfodo arcaico. Observem-se os exemplos: timolégico se torna nasal. Esses hiatos LATIM PORT. ARC. (sécs. XIII-XV) PORT. SI 1 perdonare > perdéar > perdoar - corona > corba > coroa - bona > boa > boa _ minus > — méos > meos > menos plena > chéa > chea > — cheia alheno > alhéo > alheo > alheio senu > sto > seo. > seio 3 vinu > vio > vinho > = farina > fatia > farinha > = Nos exemplos do tipo 1, 0 trago nasal vem a desaparecer, a vogal desnasaliza deixando seqiiéncias vocilicas em hiato, Em lat. minus, arc. méos/meos, mod. menos hé uma re-insergao da nasal etimolégica (assim também em miinor, arc. mfor/meor, mod. menor). E uma regra especifica a alguns itens do léxico, retomada 4 forma latina, Nos exemplos do tipo 2, apds a desnasalizacao, as seqiiéncias em hiato < eo >, sio desfeitas pela insercao ou epéntese da semivogal anterior ¢ palatal, constituindo-se um ditongo, cuja base é uma vogal também anterior ¢ palatal. Nas grafias do século XVI é que Rastreands ¢ portugues arccico 71 «0 elemento semivocélico insetido comega a aparecer. Na versio trecentista. por exemplo, dos D.S.G., nas 285 ocorréncias dessa seqiiéncia, a grafia alterna com ou sem 0 til indicador de nasalidade < eo, 20 / ea, ta >, mas nunca a grafia moderna < eio. cia >. Nos exemplos do tipo 3, o hiato nasal consticuido de vogal nasal anterior palatal, seguida de -o, -a ¢ desfeito pela insercéo de uma consoante nasal palatal /p . Pode-se acompanhar nas grafias da documentagao os estigios gréficc Sia, iha, -inha >. Admire-se que ja no século XII a realizagao com consoante nasal palatal existia. A grafi emprestado da grafia francesa e comega a ser adotado em documentos portugueses na s do tipo <-io, “iho. -inho que a indica, 0 digrafo < nh >, é recurso grafico tomado segunda metade do século XIII, primeiro em documentos da Chancelaria Real. No corpus teecentista dos D.S.G., por exemplo, convivem as trés grafias, variando sua freqiiéncia (io, “ia, 17%; ~iho, “jha, 73%; -inho, -inha, 10%). Nesse texto ocorrem as urs grafias para um mesmo vocdbulo: < vio >, < vinho >, < viho >, , < agiha >. . Essa grafia varidvel informa sobre a possivel indecisao do escriba medieval diante das possibilidades graficas que conhecia e também sobre a possibilidade de conviverem entao uma realizacio com consoante palatal ¢ outra sem, variagéo que na atualidade também se verifica na fala [‘viu] - [Vipul], por exemplo. Vogais e ditongos nasais em posi¢do final de vocabulo As vogais em posigio final no portugués arcaico resultam, em geral, da perda de elementos finais, isto é, da apdcope que faz. a nasal etimolégica vir a fechar a silaba ¢ nasalizar a vogal precedente: coratione > coragon [5], cane > can [4], amant > anan [@], ama(veJrunt > amaron [6]. Em alguns elementos gramaticais do portugués, ja no antecedente latino, a nasal fechava a sflaba, como em in, cum (port. em, com). Outras nasais finais resultam da fusio de vogais da mesma faixa de altura, alicuntn > algitt > algum (i); tunu > tia > 1m [il]; fine > fit > fim [i], vogais nasais que antes eram hiatos de vogais conseqtiéncia da sincope da nasal intervocilica etimolégi idénticas, como informa a grafia com nasal duplicada e a rima ducentista. Pode-se assim afirmar que no periodo arcaico se documentam, em posigio final também, o sistema de cinco vogais nasais (/"V/, /e/, /4/, /6/, [iil). A queda do-n-intervocilico também esté na origem dos ditongos nasais do tipo: mio, aios (Ges) (lat. manu, manos), conactes [by] (lat. corationes), ces (@] (lat. canes). Precede, historicamente, & ditongagao o hiato, decorrente da queda do -- que pas em contato vogais que estavam em silabas diferentes ¢ de faixas de altura diferentes. Esses hiaros nasais desfazem- se pela semivocalizagéo da vogal que sera'a margem do ditongo. Esses, como outros hiatos jf mencionados, desfazem-se no periodo arcaico; a métrica dos Cancioneiros fornece pistas para isso. Pode-se assim dizer que jd no portugués arcaico havia os ditongos nasais [@w, 16y1, [@- E também durante o periodo arcaico que comegaa processar-sea ditongagio das vogais, nasais /3/ ¢ /&/, em posigio final de nomes e verbos. Essa ditongagao leva 4 convergéncia na direcio do ditongo [2] que — jd no século XVI-~¢ propria ao dialeto padriio de Portugal. 72 Qportugués arcaico Observem-se os exemplos: Lat. Port. Arc. Sec. XVI (Dialeto padrao) coratione coragon [6] coragio [av] cane can [@] cao [i] amant aman (@) amam (&] ama(ve)runt amaron [6] amaram [&] Embora o padrio atual portugués ¢ brasileiro indiquem um ditongo [@W]}do lat. - one, -anee do etimolégico -anu (como em mdo > manu), hé dialetos populares portugueses do Norte em que a ditongagao resulta em [6W], com uma etapa anterior [6], tanco para os derivados -one, como de -ane e -anu, ¢ apresenta o testemunho de Duarte Nunes de Leio, gramitico da segunda metade do século XVI: No século XVI, quando no portugués literério e na lingua culta do centro do pats jd as trés terminagdes [-anu > ~ Jo, a proniincia -6 era tida pelos gramaticos ¢ (Maia 1986:604) fo, -one, > on, -ane > an] se tinham uniformizado em da época como caracteristica da regido interamner Admite-se quea convergéncia no dialeto padrao ja existiria desde a segunda metade do século XV, jé que no Cancioneiro Geral de Garcia de Rezende (coletinea de poemas do séc. XV para XVI) rimam, em varias poesias, indiferentemente, palavras provenientes dessas trés origens, enquanto no Cancioneiro Medieval galego-portugués ocorre, cexcepcionalmente, a tima -am (lat. -ane) com ~ézo (lat. anu), nas Cantigas de Santa Maria. Esses dados sugerem os limites cronolégicos dessa mudanca que levou & convergéncia em ditongo nasal, vogais nasais distintas ([é), (61). A grafia da documentacio medieval também informa sobre o curso da mudanga. Por exemplo: desse problema no corpus trecentista dos D.S.G. permite dizer que nesse conjunto de dados (mais de 3 mil itens foram examinados) 0 -om, -am, do nos substantivos sempre a rima em -do (de -ane ¢ de -anu) sugere variagéo entre -an/-do, 0 exame correspondem ao étimo, nao haveria variacao; nesse material, contudo, hi indicio de confusio gréfica, reflexo possivelmente de variagio fonica, nas formas verbais de terceira pessoa do plural do perfeito (lat. -1nt) e do mais-que-perfeito (lat. ant), que aparecem em -om ou-am pata ambos os tempos verbais, Note-se que essas formas verbais apresentam nasal final em silaba nao-acentuada, enquanto os nomes s 0, em geral, oxitonos, Isso ongo nasal pode ter sugere, pelo menos, que a mudanga dessas vogais nasais finais em comegado por uma variagao [6] - [4] em posigio nao-acentuada. O ditongo [@i), entre as linguas romanicas, € tipico do portugués e parece que de dialetos do sardo, Nao hé, portant, regras fonéticas estabelecidas, pelo estudo comparado das linguas romanicas, para explicar a ditongagao de [6], {@] em [i]. Aqueles que tém expli ado esse problema se dividem entre os que seguem a teoria de mudanga analégica, com base no [@W], proveniente de /anu/, considerado, Rastreando © portugués arcaico 73 impressionisticamente, como mais freqiiente; ¢ os que recusam a analogia ¢ propéem uma mudanga fonica ~ de -one, -unt, -ane, -ant para [@] — em que o travamento consonantico nasal favoreceu 0 desenvolvimento de uma semivogal, ditongando-se assim a V nasal final. Nessas propostas nio fica explicado como as seqiiéncias com base 0 (-one, unt) pas am a ter b: se a. explicagées fonéticas divulgadas discutem 0 problema, tendo como foco a ditongagao [Gi], isto ¢, a convergéncia para esse ditongo e no levam em conta a variante [6Ww], de atuais dialetos conservadores do norte de Portugal e que foi recusada pela_norma jé no século XVI, como vimos. Também nao levam em conta a ditongagio de [2] em [&¥, que é antiga na histéria do portugu: Se se admite um travamento consonantico que feche a vogal nasalizada pelo -1 etimol6gico, em um determinado momento da histéria do latim para o portugués, no que se refere as vogais em sflaba interna, como vimos anteriormente, pode-se admiti-lo na silaba final antes de pausa. Neste caso nao teria se enfaquecido ou apagado, depois de nasalizar a vogal precedente, como na sifaba interna, 0 decurso consonintico nasal, mas teria se mantido em posicio final, antes de pausa, soba forma de semivogal do mesmo tipo da vogal basedo ditongo ~ hw! ow /yh respectivamente nos ditongos [ai ¢ fe]. Paralelamente ao [é se desenvolveria a semivogal [w] ¢ nao [y/, jd que [él tem um trago fanico de recuo da lingua como [w]. Se assim for entendido o problema, em um determinado estigio conviveriam como variantes no diassistema do portugués o ditongo [&#] proveniente do etimolégico [-anu}, ¢ do [@], do etimolégico [-ane] e [-ant]; ¢ 0 ditongo [6%] de [6], do etimoldgico » ter rendimento funcional [one] ¢ [unt]. Como a oposisio [&ii] + [6W] parece significativo, na dis tum mesmo vocibulo ¢ em vocibulos de étimos distintos, poderia ter ocort ingdo de itens do léxivo, a variagao entre os dois ditongos nasai indica a grafia de documentos medievais, como jé atris referimos. A norm stabelece no século XVI avalia negativamente [6] ¢ prestigi ia que se variante [@¥] como esté explicito em Duarte Nunes de Lexo, jd mencionado. E esta a izagao [ow] é marcada como realizacao de prestigio até hoje, enquanto ainda hoje a re popular, arcaizante ¢ regional. Essa avaliagio sociolinguistica ¢ provavelmente o fator fonético favorecedor a0 ditongo ¢ nao & vogal nasal em posigio final contribuiram para a selegao do ditongo nasal de prestigio em detrimento da nasal final ¢ do ditongo nasal [6%] que persiste em variantes regionais do norte de Portugal. Vale lembrar, para finalizar, que, concratiamente a area portuguesa que ditonga as [a], como prontine finais, reforcando assim a nasalidade, a drea galega nao apresenta ditongo nasal final: liza, a depender da regia. ou matém a vogal seguida de consoante nasal ou a desnas O sistema consonantico e variantes fonéticas O objetivo principal deste item & demonstrar como se estruturava o sistema das consoantes no perfodo arcaico do portugués. Para isso levaremos em consideragéo 0 ponto 74 Oportugués arcaico de partida, on seja, o sistema do latim, em confronto com © do portugués que usamos para, em seguida, apresentar os dados que permitem propor o sistema para o portugues arcaico e que também permitem analisar variagées que atuavam naquela sineronia, Para alcancar esse tltimo objetivo levaremos em conta como informantes fundamentais a ggafia da document dos gramaticos do sé, XV. 1 remanescente ¢ pistas que podem ser depreendidas das observagies O sistema do latim em confronto com o atual Mattoso Camara fr. (1975:49-58) apresenta com clareza diferengas do sistema latino em relagdo ao portugués. Nele nos apoiaremos e desenvolveremos esta sintese a partir do confronto do quadro das consoantes latinas e do quadro das consoantes portuguesas SISTEMA LATINO “CLASSICO” modo ones labiais nteriores posteriores dearticulagio simples geminadas | simples geminads | mples geminadas | so. b -bb- d -dd- | g “gg constritivas su. f ff s os - _ so. - - - - laterais — 1 “le — - vibrance = - t ore _ SISTEMA PORTUGUES ATUAL node pono de labiais anteriores posteriores dearticulacio mL Le — oclusivas su. Pp t k so. b d g constritivas su. f s J so. v z 3 nasais m n | n laterais - 1 & vibrantes - | a R Antes de entrarmos na histéria, merece um esclarecimento a disposigio, neste quadro, dos dois erres do portugues. O que representamos como /r/ se classifica, sem hesitagdes, como vibrante anterior simpl . Convencionamos representar por /R/ 0 que se ode 2 vibrante simples (cf. ca/r/o ‘caro’: ca/R/o ‘carro’) ¢ que pode ser realizado como vibrante alveolar miiltipla [i], também como consoante posterior ~ constritiva posterior [x], aspirada (h], realizagdes que caracterizam di aletos contemporineos atuais da lingua Rastreando 0 portugués arcaico: 75 portuguesa, Pode-se, portanto, desconsiderando aqui seu modo de articulagio. er uma generalizagao anterior /r/: posterior /R/. As diferencas na distriiouigGo medial, interior da palavra [As geminadas latinas, sempre intervocilicas, se simplificaram, resultando na correspondente simpl (supa > sopa; abate > aba-de; cattu > gato; additione > adicao; bucca > boca; aggredire > agredir; oficina > oftcina; ossu > oso (sl; flanma > chama; annu > ano; caballe > cavalo; forru > ferro [R)). b. Nas oclusivas se mantém a mesma correlacao do latim ~ labial, anterior, posterior/surdas e sonorasapesar da atuacao da lenizagio ou abrandamento que se processou desde o latim imperial, resultando na simplificagéo das geminadas, sonorizagio das surdas ¢, na maioria dos casos, no desaparecimento das sonoras, Essas correspondéncias histéricas podem ser representadas, esquematicamente, como segue: LaBIAIS iar, -bb- -p- “pp Por. —~ ANTHRIORES Lat, at vorr. -o- -d- POSTERIORES Lar. porr. -0-/ -g- Essas mudangas encadeadas, conseqiiencia da aruacéo do mesmo fendmeno fonético nento articulatéri de enfraquec » ou Ienizagio, ndo mudaram, contudo, a configuragio do sistema (observem-se os dois quadros). Muitos exemplos de cada uma das mudangas acima representadas se encontram nas gramaticas histéricas do porrugués. c. As constritivas, que s6 se apresentavam como surdas no sistema latino. apresentam-se com stias correspondentes sonoras no sistema do portugués. por via também do fendmeno fonético de abrandamento ou lenizagio ia referido: simplificagao das geminadas ¢ sonorizagao das surdas, o que pode ser representado no esquema: 76 Oportugués arcaico LABIAIS Lar. -f fe PORI. we -£ ANTERIORES: LAP - porT. “I Essas mudangas entre as constritivas resultaram numa nova configuracio do sistema, com 0 aparecimento das homorgiinicas sonoras, inexistentes no latim, Cada uma delas constituem regras gerais de correspondéncia fonética ¢ delas ha miiltiplos exemplos nas gramaticas historicas d. Entre as posteriores se encontram no sistema do portugués atual as palatais I (/pv), a lateral (/4D). constritivas surda e sonora (/§/, /3/), an As palacalizagdes romanicas (nao s6 as portuguesas) resultam de complexas mudangas fonéticas, na maioria dos casos, condicionadas pelo contexto fonico: presenga igna pelo termo geral de palatizacao fendmenos que tenham como caracteristica fonética a de vogal ou semivogal palatal /ie/, seguindo consoantes oclusivas, Note-se que se d posteriorizagao em diregao ao palato de uma articulagao anterior, dental, oua anteriorizagao em diregao ao palato de uma realizacdo posterior, velar. Entio sao consideradas palatalizagoes tanto as assibilagdes como as palatalizagées das ochusivas dentais ¢ velares. As palatalizagées do latim para o portugues podem ser representadas nos esquemas seguintes: ASSIBILAGOES DE ANTERIORES DENTAIS E DE POSTERIORE VELARES: ar. aye -ky- k PORT + Anote- 1 que a assibilacio do tipo /k/ seguido de vogal /e\i! pode ocorrer 1 s6 no interior como no inicio da palavra, No item “As diferengas em posigao inicial” voltaremos as assibilagdes por causa do cardter de afticados desses fonemas no periodo arcaico, os quais sio hoje constritivos, Note-se também ¢ desde ja que as sibilantes » do /s/ do latim e da do portugués atual sy / podem vir também da sonoriz agao da geminada /ss/ (cf, antes ¢.) PALATIZAGOES DE ANTERIORES DENTAIS E DE POSTERIORES VELARES i y- -fl- ppl pl off kl port. Rostreando 0 portuguésarcaico 77 Anote-se aqui também quea palatalizacao do tipo /g seguido de vogal /e,i/ pode ocorrer nao s6 no interior como no inicio da palavra. As seqiiéncias < pl, fl, kl > também se palatalizam quando no inicio ¢ nao apenas no interior da palavra, Em “As variagdes co sistema no portugués arcaico” voltaremos a essas palatalizagoes por causa do carter afticado desses fonemas - exceto os provenientes de € -ssy-- no periodo arcaico. PALATALIZAGOES DE NASAL E LATERAL ANTERIOR I -gl -pl- Lars -ny- ly. -lly- + PORT p- [As mudangas fonicas esquematizadas nesse grupo d modificaram a configuragio do sistema latino introduzindo os elementos palatais no sistema do portugues /f. 3, Th, Al; além disso, como veremos adiante, provenientes desse tipo de mudanga — palatalizagao, no sentido amplo antes definido — o sistema do portugués arcaico apresentava afticadas sibilantes /ts, dz/ c afticadas palatais /¢f, d3/, além das constritivas ou fricativas correspondentes. As gramticas hist6ricas apresentam muitos exemplos dessas mudangas; serio cles utilizados mais adiante na discussio do sistema arcaico. c. Observando ainda o quadro latino ¢ 0 portugués chamamos a atengio para o fato de que as sonoras simples do sistema latino se ent aqueceram chegando ao (cf. b), com excegio da nasal labial /m/, que se manteve, sendo tanto cla como a geminada simplificada os ancecedentes histricos do /m/ do portugués (amare > amar; flamma >chama) A vibrante anterior simples latina ¢ 0 antecedente histérico da vibrante simples do portugués (cari > ca/rlo ), enquanto a geminada intervocilica resultou na vibrante multipla (carrw > ca/F/o) que assim se realiza ainda em dialetos conservadores de Portugal ¢ caracteriza algumas dreas do Brasil. As diferencas em posicao inicial De aaf tratamos, esquematicamente, das mudangas que levaram o portugues a apresentar uma nova configuracao no seu sistema, decorrentes dos processos fonéticos de lenizacao (a.-c) ¢ de palatalizagio (d). Esses fenémenos, exceto nos casos destacados no item d, atuaram sobre as consoantes no interior da palavra, Com isso queremos chamar a atet So para o fato de que a maioria das mudangas na estrutura do latim para 0 portugues se verifica nas consoantes distribufdas no interior do vocbulo. As consoantes latinas em posigao inicial se mantiveram no portugués (pare > pio; bucca > boca; tela > reia: cane >cio; gallina, > galinha; facere > fazer: salute > sade; male > mal; nidu > ninho; lege > lei; rosa > rosa). 78 O portugués arcaico Quanto As “novas” consoantes do portugués /y, 2, fy 3. A/ (cf. Quadro) em ‘Ao inicial: Wil provém da consonantizagao da semivogal posterior /u/, pelo fenomeno fonético de intensificagao ou de maior tensdo articulatéria (/w/inu >/v/ inho; /w/ano > /v/a0; /wlidere > /v/er). 15h: esse mesmo processo ¢ responsivel pela consonantizagao da semivogal /y/ (Iylam > [32s /ylacere > /3fazer) na palatal /3/, sendo essa, portanto, uma ourra fonte da palatal sonora do portugues. Vimos antes (cf. d) que 0 /g/ velar inicial, seguido das vogais /e.i/ palatalizou-se, condicionado pela lente; /g/eneru > /3/énero). vogal palatal (/g/ente > ial as Nl: em posigao ini eqiiénciay latinas ~ < cl ple, f+ > — podiam ser palatalizadas no portugués (cf. d.) (/kl/amare iflfamma > /Sfama). aparece no latim, em posigio inicial, em palavrasadquiridas porempréstimo /Glamar: Ipl/uvia > lavas hl a outras linguas (/z/ephyrum > /z/éfiro, por exemplo, do grego) Ip! ¢ Kl: sé ocorrem »-latina, integradas m posigo inicial em palavras de origem no Kéxico portugues, portanto, por empréstimo de outras linguas. As diferencas em posicao final Das consoantes latinas, podiam ocorter em posigio final /b, «dy ky sy myn, 1. 6/, De adas a lexemas nominais € verbais funcionam como morfemas flexionais. ‘Todas podem ocorrer ou travando lexemas nominais atemticos da terceira ss Ht, s, mi assox declinagio (capur, nomem, labor, animal, bos, por exemple) ou em “instrumentos gramaticais” (ab, et, ad, ae, his, cum, in, por exemplo). No portugues o inventétio em posigio implosiva & mais restrito; s6 ocorrem nessa posigao as sibilantes, as liquidas, lateral ¢ vibrante, ¢ 0 travamento nasal. Excetuando o/s/ morfemaflexional de plural, também em morfemas flexionais verbais consoantes finais de “instrumentos gramaticais” (mais, menos, com, em), as sibilantes, Hiquidas ¢ 0 travamento nasal do portugues nao correspondem a consoantes finais latinas, Jo-acentuada masa consoantes que se tornaram implosivas pelo desaparecimento da vogal final do latim ou desta e de consoante que the sucedia (mense > més; facit > fiz: fie > fez: amare > amar; animale > animal; cane > can (a .) > cao, por exemplo). Contrariamente ao que ocorre 4s consoantes em posigio inicial e, sobretudo, em posigao medial, posigdes em que os elementos do sistema se reestruturam € 0 enriquecido, em posigao final 0 inventério € simplificado pelo processo fonético de enfraquecimento do segmento fonico implosivo, que leva a seu cancelamento ou apécope, fendmeno antigo que marca a lingua latina ja na sua fase pré-clissica. Para concluir esta sintese sobre o confronto entre 0 sistema latino e o do portugués, vale por em destaque: Rastreando 0 portuguésarcaice 79 O sistema portugués se tornou mais simécrico ¢ equilibrado que o latino. Observe-se que, 2 semelhanga das oclusivas, as novas constritivas /V, Z, J. 3/ preencheram as “casas vazias” das sonoras ¢ das posteriores inexistentes no latims além disso, as nasais € liquidas apresentam no portugués elementos posteriores /p), 4 £/ inexistentes no latims Da posicao inicial para a final, vé-se que as primeiras nao se perdem, pelo contrétio, ganham novos elementos enquanto na posigio final quase todas desaparecem. Em posigao medial, apenas se perde 0 trago de germinagao. As outas, apesar de se enfraquecerem pela lenizagao, nao chegam sempre a0 apagamento ou sincope e, quando chegam, sua posigio no siscema vai ser ocupada por outro item ja ex sistema latino que sofreu, portanto, jstente No mudanga (cf, b). E.ainda na posigio interna que se encontram numerosos ganhos do sistema pelo surgimento das palatais inex Postas as caracteristicas do sistema latino em relagio ao atual pod: ‘mos, a partir dessas balizas limites no tempo, rastrear como se configurava o sistem consonintico no perfodo arcaico. As variagoées e 0 sistema no portugués arcaico O grande salto no tempo da lingua que retratamos no item terior e que recobre do latim padrio clissico do século 1 a0 século XX, no paradigma descrito por Mattoso Camara Je, pouco desvendousobteos vinte séculos da dindmica lingtiistica que tert existido presentagdo de mudangas concluidas. no curso dessa histéria, Apenas resulrou na Aqui procuraremos esbogar, dos dados de que dispomos, algo sobre o percurso histérico das mudaneas fonicas fundamentais que foram responséveis pela reestruturagio do latim para o portugues atu, fixando-nos em seguida na sineronia que interessa a este livro, a do portugues arcaico. Destacamos no item que foram os processos fonéticos de lenizagio das oclusivas econstritivas, de palatalizagio ¢ de consonantizagao das semicor Joantes, os principais responsiveis pela reestruturagao apresentada. Lenizagées, consonantizagées e palatalizagoes do latim imperial aos inicios do portugués arcaico Quanto as lenizagdes: quando o portugués aparece escrito nos inicios do século XIII hal uma representacao grifica consistente que permite afirmar que a simaplificagao das geminadas intervocilicas latinas, a sonorizagio das surdas invervocilicas ¢ 0 desaparecimento das sonoras também intervocilicas ja veriam ocorride. Pode-se aceitar o ponto de vista de que essas mudangas encadeadas se iniciaram jé nos primeiros séculos do latim imperial pela simplificagéo das geminadas que teriam desencadeado as lenizagdes subseqiientes: sonorizacio das surdas ¢ queda das sonoras. 80 = Oportugués areaico Sabe- no se process plas resultados e por informagées documentadas desses séculos, que as quedas am de forma categbrica, como, por exemplo, € 0 caso da velar sonora /g/, Essa mudanga nao atinge todo o léxico do portugués; permanece a velarsonora, emalguns contextos anotados nas gramdticas hist6ricas, como, por exemplo, quando seguida de /al ou /u/ (legume > legume, plaga > chaga, p. ex.) (Camara Jr. 1975:54). Sobre a sonori: informa racio das surdas intervocélic se que teria comegado desde a época imperial no latim ibérico (caput > cabo: amatu > amado; amicu- > amigo) (Teyssier 1982:1 1). Esse proceso de lenizagao possi selmente percorreu camadas do léxico ao longo dos séculos ¢ nao atuou simultancamente nos diversos espagos lingiiisticos da hispanorromania. Pod que informa que a queda do > -I- > “ocorrew possivelmente em fins do sée. X — por se afirmar, por exemplo, que sao a liquida /1/ ea nasal /n/ intervocslicas AO OS ‘lkimos, no tempo, a desaparecer. Teyssier ¢ Fiiz (< Felice) & exemplo, em documento em latim barbaro datado de 995, lé Fgfia (< estava em curso no século XI, nas vés hafila)” (198215). 'Também se pode afirmar que a queda do < -n- > “ainda neiros textos escritos” peras do aparceimento dos pr em portugués (Ibid.). J vimos, quando cratamos das nasalizagdes (“Nasalizagées: vogais, hiatos, ditongos”), que o resultado desse desaparecimento nao & total ja que Edcle que resulta o trago nasal, responsavel pelas vogais e ditongos nasais do portugues. Sab variantes hispanorromanicas, também que a perda do -/- ¢ do -1- do latim, que nao ocorreu nas outras 10 ocorreu também na drea dos chamados dialetos mogérabs que se estendiam pelo centro-meridional da Peninsula, inclusive no espago lingiiéstico em que ficou definida a lingua portuguesa. Essa perda é tipica, portanto, do galego- portugues do noroeste peninsular ¢daise expandiu, possivelmente, em diregio 20 sul, vencendo as variantes mogarabes que mantinham essas sonoras intervocilicas latinas. Assim, entre a data relativamente recente da perda da lateral © da nasal intervocilicas, nos albores do portugués histérico, ¢ a data recuada da nplificagao das geminadas, podemos delimitar apenas, no tempo € na estrutura, os extremos da complexa histéria que permeia entre a configuragiio do sistema latino ¢ 0 do portugues nese aspecto focalizado, ou seja, o das diferengas decorrentes das lenizagoes. Quanto as consonantizagoes: vimos que 0 /y/ ¢ 0 Jw/ latinos seguidos de vogal no inicio de silaba, quer interna quer no inicio de palavra (cf. “As diferengas em posigio inicial”) resultam, respectivamente, na palatal /3/ € na constritiva Jabiodental sonora /v/, novos fonemas consonanticos inexistentes no latim. Esse processo de intensificagio articulatéria, segundo a romanistica, jé teria ocorrido desde 0 século 1.d.C,, isto é, quando ainda 0 padrio “clissico” era forte, gragas & coesio centralizadora da capital do Império. Problema que discutiremos depois é como a constritiva roménica /v/ seria articulada no portugués arcaico. Vale chamar a atengao para o fato de que, seguindo Rastreando © portugués arcaico 81 a tradicao escrita latina, esses dois fonemas consonanticos permaneceram representados na grafia manuscrita medieval portuguesa pelos grafemas ¢.Oeo< v > s6 no século XVI séo estabelecidos para a representagio grifica desses fonemas consonanticos. Na escrita manuscrita medieval podem ocorrer como variantes graficas para representar 0 correspondente ao /y/ latino palatalizado, além do , < gis yy. yi jv ¥ © g > grafias que também sio utilizadas para a palatal sonora proveniente de oucras fontes, como veremos. Para 0 correspondent ao /w/ latino consonantizado, além do , ocorre 0 < v >, grafia que aparece esporad com mais freqiiéncia no XV (Maia 1986:470, 473-474). Com essas informagies, destaca-se que, sendo tio recuadas no tempo essas amente no século XIlIL ¢ ja consonantizagies, ainda no século XV era a gratia que refletia sua origem semivoc que predominava, Quanto as palacalizagées: vimos que uma das fontes da palatal acual /3/ é a consonantizagio do /y/ seguido de vogal do latim. Em “As diferengas na posigio medial, interior da palavra’ item d. observamos que, no scu conjunto, as palatalizagoe: de que resultaram as atuais palatais /f. 3. MAI e as afticadas medievais fas, da, tf d5/, em que nos deteremos, provieram de oclusivas seguidas de vogal ou semivogal palaral /c, if, na maioria dos casos, ou de seqiiéncias consonanticas constituidas de ks, /fl, pl. seguido de /1/. Esse conjunto complexo de palacalizagoes niio ocorreu ao mesmo tempo na histo a do latim para o portugues. A partir da exposigao de Teyssier (1982:9-15) se pode sintetizar © problema da seguinte forma: a. Jave 1 do latim imperial as antcriorizagies das velares © posteriorizacio 3 das dentais seguidas de fie /e/ que resultario nas afticadas /ts, dz, d3/, depois /s, tanto no inicio como no interior da palavra, por exemplo: Ikfivieate > esl > Isfidade ‘cidade’ /k/entum Tesi > /sfem com /glentem > id3/ > I3/ente “gente? pre/ty/um > prefts/ > Islo ‘preco” pre/ty/are > pre/de! > lala ‘prezar auldy/o > aults/ > islo ‘ougo” vildelo > veld3/ > blo ‘vejo’ falkylo > falts/ > Islo ‘fago! spon/gyla > espon/d3/ > I3fa ‘esponjit Possivelmente jé vém também do latim imperial as outras palatalizagoes anotadas em “As diferengas na posicao medial” item d. descendentes das sibilantes latinas seguidas 82 O portugués arcaico de vogal ou semivogal palatal ¢ de nasais ¢ liquidas também seguidas de elemento vocilico latal, por exemplo: ba/sy/um > bei/3/o “beijo’ ru/ssefum > rol flo “roxo! senyforem > seiplor ‘senhor celnelo > celplo ‘tenho! fili/um > filAlo ‘Filho’ entar esses novos fonemas Observe-se que a escrita do portugues adotou para repr tanto grafemas que no latiny representavam velares, & 0 caso de , adorou 0 < x> que representara no latim a seqtigneia /ks! como utilizou também novos gralemas romsanicos como < ¢ 7 ny th >. No item seguinte, voltaremos, necessariamente, ds representagoes palatalizagées grificas dos fonemas resultantes das Enquanto so muito recuadas nesta hist6ria as palatalizagoes condicionadas por nentos vocilicos pala , Sao Menos d nntigas as palacalizagdes que em como antecedente consoantes seguidas de /1/ b. Pode-se situar entre os séculos V ¢ VIII, isto é, entre a queda do Império Romano ¢ o despontar das variantes rominicas, o surgimento de seqiiencias ICM decorrentes da perda da vogal nio-acencuada Resultado na palatal /K/ - oculu > oc'lu > ofAlo, apicula > apic'la> abelAa, ovicula > ovicla > ovel ‘o/ Alo. c. Como posteriores ao século VIII podem ser situadas as palatalizagoes Ci, tcqula > tga > tel A, scope > scop' lu > 6 das seqiiéncias latinas CV que resultario na alricada, depois constritiva ef! > IS/, como em — plaga > chaga, implere > encher, elamare > chamar flamma > chama, afflare > achar, Essas seqiiéncias nem sempre apresentam como resultado a palatalizagio, mas a mudanga liquida lateral pela vibrante, por exemplo: placer > prazen, clave > eravo, flaccu > “fraco, Fem palavras consideradas “empréstimos cultos” ao lati continua a seqiiéncia latina, como em: pleno, clamars flix. Observe-se, aqui também, que, para esse novo fonema /tf/> /f/ um grafema nao existente na escrita do latim foi utilizado, < ch > , tal como 0 co < lh > para as palatalizagoes do Iny/ ¢ /ly/. Os dados apresentam, portanto, informagies, embora muito pouco detalhadas, para o fato de que as palatalizagoes do latim para o portugués nao ocorreram imultaneamente no tempo, ja que vimos que umas remoncam ao latim imperial, outras B Rastreando © portugués arca depois do século V, ¢ ourtas jé no perfodo em que se definem os dominios lingitisticos rominicos. Sua difusio pelo léxico também nao é do mesmo tipo para todos os casos se 08 casos a. ¢ &, resultam em regras gerais, em que, dado 0 contexto para isso qualificado, a regra atua, 0 caso ¢., de todos 0 mais recente, no se apresenta como os anteriores, mas marca itens lexicais com estatutos diversos no léxico que, nas palavras de Teyssier (1982:14-15) se definem como “populares”, “menos populares” ¢ “eruditas’, respectivamente, com /tf > f/, com /Crl, com ICI ~ chaga, prazer, pleno < placa, placere, pleno, por exemplo Definindo o sistema e caracterizando variantes no portugués arcaico Ha poucos estudos sobre o sistema consonantico ¢ suas variantes no portugues arcaico, Desenvolveremos a apresentagao seguinte com base, principalmente, no ca € a fonética histérica do detalhado estudo de C. Maia (1986) sobre a grafemati periodo arcaico, bascado em 168 documentos galegos ¢ do norte de Portugal (do Douro para cima), que cobrem 0 pe XIIL © os comegos do século XVI (1262 a 1516). Serio con iodo histérico entre a segunda metade do século ideradas na discussao, embora sumaria, informagées dos gramiticos do século XVI, informagoes sobre dialetos conservadores do portugués curopeu contemporinco, akém da sintese histé de Teyssier (1982) ¢ observagées de L. EL. Cintra (1963) sobre fatos graficos arcaicos. No item anterior afloramos problemas que aqui serio retomados ¢ tentaremos explicicé-los. Os principais deles sto: ¢ Haveria uma constritiva labiodental /y/, opondo-se & oclusiva bilabial Ib/ no pertodo arcaico? © As africadas sibilantes /ts/ ¢ fdz/ eas af adas palatais /tf/ © /1d3/, que resultam nas fricativas /s/ ¢ /2/, /f/ € /5/ do padrao atual, se mantinham ainda no portugués arcaico, ao lado das fricativas sibilantes ¢ palatais ISl < bessyls 151 derivadas, respectivamente: Is! < /s-/, [-ss/; laf « I , -p--bb-, Cbs onclui Ful < lat, us) “ue fe, -be: boca - —arbore por drvore, nobenta por noventa, libre por livre etc. j& existente nos documentos mais ant 0s € que cresce nos mais recentes, incluindo ai as grafias inversas em que aquilo que deveria escar com 6 aparece com v — veesta por beesta, vancos por bancos, ven por bem etc. Alm do argumento grifico, a autora joga com a dialetagao hispanica histérica, que favorece 0 insula Ibé ponto de vista de que € o substrato: mogirabe do centro-sul da p ica que reforga a oposigio etimoldgica que seré dominante apenas na area portuguesa, mas no nas outras variantes rominicas do cenero-sul da peninsula Ibéric: Para concluir podemos entao dizer quanto a questio colocada: na fase galego portuguesa, ou seja, na primeira fase do portugués arcaico, no noroeste peninsular, haveria uma oposigao entre bilabial oclusiva ¢ bilabial constritiva U/b/ : /). que convivia com os dialetos portugueses do sul em que se faria a oposigto bilabial oclusiva © constritiva labiodental (/b/ ; /v/). Na segunda fase, a oposigao Ib/ : 1 teria desaparecido nos dialetos setencrionais, neutralizando, ports uultados nto, OS res histéricos do bi e do /v/ que se mantém nos dialctos centro-meridionais, pelo reforgo do substrato mogarabe. Esta tiltima situagio configura o dialeto padrao portugues, pelo menos desde © século XVI € marca até hoje como tegional ¢ ¢ igmatizada a aico nos dialetos do norte odo a neutralizagao ji realizada desde 0 pe Em outras palavras: no periodo arcaico haveria duas areas dialetais, a setentrional, em que uma mudanga em curso levou a fusio os fonemas histéricos /b/ ce /vi, ca meridional, em que a oposigao /b/ ¢ /v/ se manteve ¢ fez recuar a mudanga nortenha ja que o dialero padrao prestigiado, estabelecido nessa area, impediu a difu necessério analisar © problema em documentacio seriada do Douro para o Sul, como o 10 da mudanga que vinha do norte, Para confirmar esse ponto de vista seria fer C. Maia do Douro para o Norte. b. A questio colocada em b se refere & existéncia ou nao de africadas sibilantes (/ts/ © [dz/) e palatais (/t8/ ¢ /dZ/) no periodo arcaico. Comecemos pelas tiltimas. Retomando alguns dados Aal constituidas de /CI/, tanto no inicio como no interior da palavra: plage > chaga, implere > enches, clamare > chamar, flamma > chama, afflare > achar. Desde 0s primeiros documentos escritos em portugués, & seqiiéncia latina corresponde o digrafo Fominico jé colocados (*Lenizagies ete.” e seus itens): icada palatal surda /tf/ provém da palacalizagao facultativa de seqiiéncias « ch > . Ela nao se confundia com a grafia da constritiva palatal representada por € proveniente do latim < -ssi-, -sse- >, como em russeu > roxo, bassin > baiso. Rastreando 0 portugués arcaico 87 Fernao de Oliveira faz a distingio da prontincia < ch > da de < x > (1975:55 e 57) ¢ também Duarte Nunes de Ledo, em 1576. $6 no século XVII (Teyssier 1982:53) € que comegam a se confundir as grafias de < ch > € < x > . Esses dados histéricos permitem dizer que a africada nao se confunde com a constritiva /f/ no s do século XVI. Vale notar que, em grande parte das provincias do Norte, em variantes regionais arcaizantes, periodo arcaico © que a oposigao /rf/ : /ff se neutraliza dep. a antiga oposigio /t{/ : /f/ ainda se mantém, Os estudos de dialectologia portuguesa contemporanea tragam os limites dessa isoglossa Fsses fatos permirem portanto dizer com seguranga que, no periodo arca havia no sistema uma africada palatal surda. Jia questio da afticada palatal sonora é mais dificil de ser situada no tempo da lingua, Sio as seqiténcias latinas const palatal — /-dy/, /+ A par da africada palatal /d3/ havia a constritiva palatal /3/ do latim /yV/ ¢ cuidas de oclusivas sonoras ¢ vogal/semivogal 1, 1g! — 0 seu timo: video > vejo; spongia > esponjas gente > gente, se-/, como em ian > jai, iviunu > jejum, basin > beijo, casen> queijo. ‘Ao contritio do que ocorre com < ch > ¢ a gratia medieval embora prefira o. Assim aparecem no y, j > para representa a constrit periodo arcaico os grafemas < g' yy. yin gh, i, jy eg > na gratia de palavras cujos étimos justificam constritivas ¢ africadas. Por via da | afirmar nilise da escrita ¢ portanto diff se haveria uma articulagio africada sonora no periodo arcaico. No scu quadro de consoantes da prim (1986:502) apr. para a segunda fi 2 fase do periodo arcaico C, Maia senta o fonema seguide de interrogagio ¢ no quadro que propée do periodo arcaico (1986:504) ela ja ndo ocorre. Teyssier usa outro recurso, parece-me, para indicar uma variagao fonética [d3] ~ [3], coloca entre parénteses 0 segmento oclusive da afticada “Md)3!” A descrigao de Fernao de Oliveira é nitida no sentido de que nao hi diferenga articulatéria do que era grafado com j ¢ g: [i] a sua pronunciagio & semelhante & do xi, com menos forga. E esta mesma virrude damos ao g, quando se segue depois dele ¢ ou # (1975:56) Assim se pode admitir que em 1536 no dialeto padrio nao haveria oposigao entre 1d3/ © 15/. O terminus ad quem, ou seja, 0 limite final, pode ser por isso sugerido. E 0 terminus a quo, ow seja, 0 a partir de quando? C. Maia (1986:472) apresenta um argumento forte para o fato de que jé no século XIII se processava a perda da africada palaral em proveito da fricativa. Observou que em documentos galegos do século XIII ¢ XIV aparecem repres rntados por < x > e nao por < ch > palavras que etimologicamente seriam no portugués /d3/ primeiro. depois /3/: sexa, Teveiva; ¢ conclui seu argumento: 88 — Oportugués arcaico Pode ter-se como altamente provavel que, no séc, XIII, jd se tinha iniciado 0 processo de transformacio da afticada pré-palacal sonora em fricativa:o resultado doens irdecimento [f] endo [ef], como seguramente aconteceria sea consoante tivesse ainda cardter africado. Vale lembrar, apenas de passagem porque ultrapassa os objetivos deste livro, que o sistema galego correrd numa direcio diferente do portugués quanto as palatais sibilances: vird a perder completamente a sonora, process que se tetia iniciado pelo menos no século XIII, como o fato descrito anteriormente indica. Esscs parcos indicios permitem apontar que a perda dessa africada se iniciou jd no século XIII e estava concluida, pelo menos no padrao lisboeta, quando o primeiro gramético da lingua descreve as suas consoantes Enquanto a afticada palatal surda permanece firme mesmo no dialeto padrao até, pelo menos, fins do século XVI a correspondente sonora comega a desaparecer no século XIII ¢ jA nao ocorre no dialeto padrao em 1536, que teré acontecido com as africadas dento-alveolares /ts/ ¢ /dz/? Relembrando alguns dados jé colocados antes: da historia do latim para o portugués resultam as sibilantes /s/ e /2/ que provém, respectivamente, do /s/ (< s-, “ss, -S- 5), como Em sine, > sem, passim > paso, port. Isls consuere > corer, Masa > ros port, /a/. Esses elementos Jo os que no quadro estéo qualificados articulatoriamente ficam de sibilantes de constritivas alveolares. A par dessas, que acusticamente se classi fricativas, havia as sibilantes africadas que, no padrio, estio qualificadas de africadas alveolares. Estas provém do /ty/, /dy/, Iky/, ke, como vimos no item a de “Lenizagoes, Consonantizagées”), por exemplor palatinm > page, audio > oto, pretiare > prezan fio > fico, vivitate > cidade, centum > cem, Chamando a atengio para o quadro do portugues padrao arual se verifica que ali esto apenas duas sibilantes /s/ ¢ /a/ que resulta, como veremos, da fusio do /ts/ ¢ /s/ e do Ide ¢ fu/. Na primeira fase do portugues arcaico parece fora de diivida: Teyssier nao vacila no seu quadro em colocar /ts/ ¢ /dz/ a par de Is! ¢ I2/ ¢, quando analisa a 5 diz: evolugao do sistema das “si O galego-portugués medi (ex: cem), Is! (ex.s sem), Idol (exs cozer) e Jal (ex. coser). Por volea de 1500, as duas afticadas /ts/ ¢ /dz/ tinham perdido 0 seu elemento oclusivo inicial, eval possuia, como vimos, os quatro fonemas /ts/ mas a oposigao entre os dois pare s de fonemas continuava a manter-se, porque seu ponto de articulagéo nao era 0 mesmo (1982:49) O ponto de articulagio referido é descrito pelos historiadores da lingua como predorsondental para as resultantes das africadas /ts/ > / g/ ¢ Idz! — / yl ¢ apico- alveolar para as outras duas /s/ e /z/. Rastreando 0 portugués arcaico 89 C. Maia no seu quadro para a primeira fase do portugués arcaico indica jé 0 “Its! > | sf” ¢ 0 “dal I 71, além do /s/ ¢ do fz/ no quadro para a fase final apresenta Est4o de acordo os dois autores, O problema que nao esti resolvido é 0 do E, Gongalves ¢ M. A. se ignora, em rigor, quando s quatro sibilantes constritivas. momento em que se perdeu o traco oclusivo das africadas Ramos (198. verifica a transformagao da africada, com subseqiiente desenvolvimento da fricativa sibilante, nao se sabendo se teriam vitalidade na lingua medieval”. C. Maia adm que na drea galega desde o século XIII j4 comegava a desaparecer a realizagao africada 103) dizem com propriedade que “ ire pelo menos na surda, como sugerem grafias de documentos galegos (1986:454). E certo que na descrigéo de Ferrao de Oliveira (1975:54-55) estao distinguidos quatro elementos sibilantes, 0 que dé base i afirmativa de Teyssier. E certo também que 08 dois primeiros gramiticos nada informam sobre “confusbes” ortogréficas entre sibilantes de origens diversas, enquanto os do fim do século XVI, Duarte Nunes de Ledo ¢ P.M. de Gindavo, atestam as confusdes ortogrificas que jé se processavam nos fins do século XVI. A grafia da documentagéo nao dé indicios seguros para acompanhar a perda das africadas sibilantes, mas permite, com seguranga, demonstrar que havia quatro fonemas aico. sibilantes no periodo Nos documentos mais antigos, em geral, hi uma razodvel sistematicidade na strada com detalhes em representagio delas. Simplificando a questio grafica, que & m C. Maia (1986:438-468), se pode dizer que as africadas depois predorsodentais constritivas séo representadas, em geral, por < c*4, ¢ 2 >, se surdas, ¢ por <>, se -.-S- > conforme 0 quadrinho jé sier (p. 50): predorsocentais ipico-alveola sonoras; ¢ as épico-alveolares constritivas por < clissico para demonstrar o problema, adaprado de Tey res su cem. i sem. Is Is/ pao paso so cozer ite > 7 cover a | Outros sinais gréficos eram utilizados, embora menos usuais, como o s visig6tico, 0 sigma grego, o ri ¢ 0 ci, da grafia latina ¢ que refletem seu étimo. lantes é documentada nos textos Essa situagio ideal para demonstrat as quatto sibi mais ntigos e conservadores. Cintra (1963:72-75) em artigo jd cléssico sobre a questo demonstra as “confu ervou em documentos ndo-literdrios es” grificas que ob: pornugueses ¢ que lhe permitiu defender que elas comegam em documentos dos arredores de Lisboa ¢ do sul de Portugal desde os finai C. Maia aprofunda a questdo ¢ fornece novas informagées sobre o problema, que nio do século XII. Com mais dados 90 O portugués arcaico desmentem Cintra, Informa, por exemplo, que, contrariamente aos documentos do norte de Portugal que sio conservadores na representagao das quatro sibilantes, os Galiza ja desde o século XIII indicam “confuusdes’ ortogrificas que sugerem que & perda do sistema de quatro elementos comesa a se refletir nos documentos galegos. Maia ainda informa que se pode admitir que € na posigao implosiva final de palavea que a realizagao dos quatto elementos comega a perder-se, uma ver que desde o século XIII ha oscilacéo grifica nessa posicao entte sz ¢x. Essa afirmativa envolve fato de que a palatalizagao da sibilance final jé se pode supor que comegasse a exist ‘em momento recuado ¢ ao 46 depois do século XVI como afirmaram fildlogos de grande >. Cunha (1986:462). Nosfinsdo séculoXVI, Gandavo, na sua Ortografia de 1574, parteem guerra contra peso, como IL. §, Révah, S. S. Neto ¢ as confines” grficas (cf Teysser 1982:30) entreas posibilidadesderepresemtarassibifantes «também Nunes de Ledo, em 1576. Esse dado ¢ importante porque se pode contrapo-lo mticos da primeira metade do século XVI, que no mencionam 0 problema aos g) n sistemitica Que se pode tirar disso tudo? Enquanto a grafia se mane conforme o quadrinho anterior, se pode deduzir que jf perdidas as africadas havin surdas ¢ sono: duas constritivas | representadas por < ¢° ¢°" > 6 duas outrasy smbém surdas sonoras, representadas por < S, -s% -8- > Quando comega a ficar docums stada a vatiagio nas grafias de um mesmo voedbuilo ~ ora com 3 ora com ¢ oF sora -7- se pode inferir que o trago distintivo que opunha as duas surdas © as dass sonoras 21 predossodentale dpico-alveolar—estava em processo de mudanga. E parece que € iso que ocorre, de Lisbon parao Sul desde 0 século XII e esté no dislero padrso dos fins do século XVI. E as variantes setentrionars: Vale lembrar,embora de passagem, que o processo de mudanga das quateo sibikantes nogalegosegue umcaminhodistinto dodo portugués Perce-seosiscerna dequatrosibilantes mas tambein se perdem as sonoras,ficando o sistema galego oriental constituide de uma interdental surda /0/, provinda das antigas africadas, ¢ de uma alveolar também /s/, como o do castelhano, Esse sistema convivecom outro constituide deapenas uma surda Jol, em geral, predorsodental. O sistema de quatro sibilantes ocorre em areas que confinam com as areas conservadoras dos d alecos do norte de Portugal Quanto a esses tlkimos, inreressa muito saber, no que se reere a esse aspecto das consoantes no periodo arcaico, que, na sincronia atual, os dialetos rurais mais conservadores do norte ¢ nordeste de Portugal mantém até hoje o sistema arcaico de quatro sibilantes, enquanto 0 padrio, como vimos — ¢ dai também 0 Brasil ~ selecionow. 6 trago predorso, tanto para a surda como para a sonora, permanecendo na sen centto-norte um sistema que selecionou o trago dpico-alveolar —o chamado “sbeira0”, isto & das Beiras portuguesas ~ tanto surdo como sonore. Es do passado porque, ai a sincronia atual reflete estigios diacronicos conviventes hoje: e dado dialetal contemporineo & um argumento significativo para a histéria a variagio diatépica atual espelha a mudanga diacrénica Rastreando o portugués arcaico 9 Analisados esses dois problemas centrais ~ 0 da oposigao ou nao /bi : /v/ € das africadas ~ que permeiam o sistema do portugués arcaico em relagao ao moderno — se pode propor um novo quadro para as consoantes que represente a situagio 20 findar 0 periodo arcaico, tomando como bi no dialeto padrao portugués a0 niciar-se seu periodo moderno: 0 que ocorreria bie Tabio- [dentais alveolares pala- | vela labiais dencais pre-dorso ipico- tais | res | dentais aly. | loclusivas su] p L bk sob d £ alricadas su | J lonsttias su { : $ nnasais n n laterais ' A vibrantes simples r mnittipla + Cabe numa breve observagio, para finalizar essa caracterizagio das consoantes no petiodo arcaico: as vibrantes fel ¢ /H(do lat. /r-/ e /-tr-) simples © milvipla eram assim ai da na desctigio de Ferrio de Oliveita, Nosso primeiro gramético apresenta uma demonstracio expressiva da oposigae em 1536 Pronuncia-se o singelo com a lingua pegada nos dentes queixais de cima, e sai o bafo tremendo na ponta da lingua. Do rr dobrado, a pronunciagio € a mesma que a do r singelo, sendo que este dobrado arranha mais as gengivas de cima, ¢ singelo nao treme tanto (1975:55). A poste jorizagao da vibrante miltipl: . que marca os dialeros contemporancos do portugues, como di mos ao iniciar esse estudo das consoantes, s6 comegou a atuar, parece, nos fins do século XIX. Segundo Gongalves Viana, primeiro foneticista moderno do portugués, em trabalho de 1883, era essa reali individual. Jé em trabalho de 1903, afirma o mes do posterior variante no autor que essa realizagio se difunde ¢ faz recuar nas cidades a vibrante multipla. Hoje € geral em Lisboa largamente adotada no resto do pais (‘Teyssier 1982:65). No portugués brasileiro é poster 1, com variados modos de realizag4o, a mais generalizada. Esse breve excurso final, confrontado com as mudangas antes estudadas, vale como um exemplo do inesperado ¢ variado ritmo na nplementacao ¢ difusio de mudangas lingiiisticas. 92 O portugués arcaico No caso da histéria das consoantes do latim ao portugues, vimos aquelas que atravessam séculos € nao estéo concluidas no diassistema do portugués. E 0 caso da mudanga de quatro para duas sibilantes e da afticada palatal surda para a constritiva correspondente. Outras consoantes permanecem durante séculos estaveis, comesam entio a mudar e se difundem com rapidez, como no caso da vibrante anterior miltipla para as realiz Ges posteriorizadas ¢ nao-vibrantes Fechando esta parte Estacionaremos aqui em nosso percurso. Voltaremos com a Morfologia, a Morfossintaxe, a Sintaxe. Sera que teremos conseguide motivar os Ieitores para © perfodo arcaico do portugués? Foi isso que nos moveu a esta aventura pelo passado do portugues. Sem pretender defender pontos de vista tedricos, nem selecionar uma metodologia especifica, procuramos aqui usar como pegas dese jogo os dados lingii ticos documentados ¢ 0s resultados dos que ja tinham trabalhado sobre o portugués arcaico, Procuramos assim armar um quebra-cabega de muitas pegas, cujo desenho esbogamos ou construimos no percurso deste livro, aprovcitando a experiéncia antes ncia adquirida no trabalho realizado nas Estruturas trecentistas (1989). Sem essa experi anterior ¢ sem teorias ¢ métodos da Lingitistica de hoje ¢ da Filologia da primeira metade do século ¢ suas renovagdes atuais jamais entrariamos nesta obra. Tivemos, ainda, a grande sorte de ter sido publicadaa obra, varias veres aqui citada, de Clarinda Maia (1986), que cobris uma lacuna importante, jd que retine ¢ interpreta grafias de documentagio seriada, trabalho de que ainda nao dispunha a histéria da lingua portuguesa, para um estudo mais seguro da Fonologia e Fonética do periodo arcaico. Para comecar Um corpus trecentista, publicado sob o titulo: Estruturas trecentistas. Elementos arcaico (Lisboa, IN-CM), da 2 tentativa de destacar e discutir pontos que julgamos de inrere para uma gramatica do portugué jos uma certa seguranga para ¢s e quando confrontamos o portugues daquela época com o de hoje. Assim, uma primeira delimitagao desta parte do presente livro se define como uma pequena gramatica, até certo ponto contrastiva, do portugues arcaico em relagdo ao portugués atual. Além disso, sempre que julgamos es sencial, olhamos para o latim, lingua que o portugues, como as demais linguas romanicas, continua. Nas Eserusuras trecentistas fizemos uma descrigao extensiva ¢ detalhada sobre a morfossintaxe ¢ sintaxe de um longo texto na sua versio do século XIV — a mais antiga versio em portugues dos Didilogos de S. Gregério, que serd sempre referida neste livro por DSG 1989. Aqui teremos esse corpus como uma béia ¢ com cla nayegaremos por campos ais restritos em relagio aos aspects selecionados da estrutura do portuguésarcaico, mas, ao mesmo tempo, numa diregdo mais ampla, porque nao nos fixaremos em um corpus especifico. A anilise sera, portanto, mais generalizante no que se refere ao periodo arcaico Contamos, para cumprir fim deste volumes com a documentagao ace .a rota, com a bibliografia sobre o tema exposta a0 ivel do periodo arcaico, que nos forneceré dados para a exemplif maiticos do portugués do século XVI, jd que nao dispomos de testemunhos de gramaticos 40 utilizada, e com a companhia eventual dos gra contemporineos ao portugues arcaico. 98 CO portugués arcaico ‘Além dessa bagagem que podemos chamar de empiica, estamos acompanhados de muitas abordagens teéricas, tanto no que se tefere & Linglifstica Histérica, mas sobretudo no que diz respeito a formas de abordar a gramética das linguas. Essa rica companhia torna este rastreio pelas estruturas do periodo arcaico muito estimulante, também divertido, mas, por outro lado, cria profundos problemas quanto a teorias © métodos a selecionar. Nesse mar revolto de tworias ¢ métodos temos de abrir veredas! E nossa intengio, antes de mais, a clareza, isto & construir um estudo acessivel 20 piblico primeiro a que se destina: é também nossa intengao € nosso compromisso com smo simplificador incoeréncias nas s avangos da Lingtifstica evitar o primar anilis es apresentadas Assim, sem receio de sermos heterodoxas, procuraremos explicitar os tpicos abordados pelos caminhos abertos plas andlises sistémicas de naturera estrucural; ahordaremos, quando os dados permitirem, as variagbes existentes nos subsistemas qque constituem a estrutura abrangente da gramétiea; nao excluiremos ~ embora nto utilizemos seu arcabouco tedrico — 0 que as (orias gerativas nos sugerirem sobre alum tpico e nto descartaremos, pelo contritio, o suber gramatical tradicional, de todos ainda o mais difandido entre os estudantes e professores de lingua portuguesa. Prometemos, ot pelo menos tentaremos, no processo descritivo adotado, manter sempre explicitas as veredas, ou andlises, escolhidas Nio economizaremos na exemplificagio, sobretudo para tornar o leitor de hoje sensivel a essa variante passada da Hingua portuguesa, © compromisso primciro, contudo, é 0 de que es breve historia da morfologia e da sintaxe do portugues arcaico possa ser «til aos estudantes © aos professores de portugues, no sentido de torné-los mais informados ¢ portanto mais conscientes de ue a lingua que usamos hoje se vem constituindo ao longo dos séculos ¢ continua 2 constituir-se em imperceptivel movimento, decorrendo disso o Faro de que conhecer melhor etapas passadas é um bom caminho para entender © explicitar variagbes existentes no presente € aparentes incoeréncias estruturais. Partamos entio! F. para comesar tomemos as palavras com que Perndo de Oliveira, em 1536, conclui a primeira gramatica da lingua portuguesa: Antes peco a quem conhecer meus erros que os emende; ¢, todavia nao murmurando em sua casa, porque destaz em si. (1975:126) O nome e o sintagma nominal: morfologia e estrutura Entendemos aqui sintagna nominal (SN) como a categoria sintdtica que tem como elemento nuclear ou bisico o nome substantive, por oposigdo ao sintagnuat verbal (SV), que tem o verbo como clemento nuclear. Por economia interna da andlise, nao aremos do SN o sintagma adjetival (SA), que, desde os estruturalismos ¢, sobretudo, s recentes propostas gerativistas, é analisado como categoria sintitica independente ¢ que tem como categoria lexical nuclear o adjetivo. A economia interna a que nos referimos se deve ao fato de que, tratando-se esta de uma anilise descritiva que se concentrari na anilise morfoligica, na distribuigao € na variagao dos ck mentos que constituem 0 SN, separar nomes substantivos de nomes adjetivos implicaria em repetir caracteristicas mérficas comuns a essas duas categorias lexicais, Na morfologia do SN focalizaremos os elementos referentes & flexd0 nominal partindo do classificador vogal tematica (VT) para as representagies mérficas do género do nimero, Nao avangaremos na morfologia nominal derivacional, que melhor cabe em um estudo do léxico € nao em um estudo morfoldgico ¢ sintitico como este. Quanto aos elem: nos no-flexionais que constituem o SN, abordaremos, nesta ordem: determinantes (DET), quantificadores (Qe) ¢ qualificadores (QU. Estamos conscientes de que essa decisdo encobre muita discussio e divergéncia tedrica. Partimos dos DET para os Qt e chegaremos a0 Ql. Dentre eles, 0s DET sao os de cariter mais gramaatical, jd que séo constituidos de subsistemas restritos de elementos, com caracteristicas 100 Oportugués arcaico miérficas € sintiticas semelhantes, enquanto os gue classificamos como Qt jd recobrem uma gama de elementos que, como veremos, rém caracteristicas mérficas € sintética diversificadas, unindo-os, contudo, 0 taco semantico que podemos chamar de quantificagio; os Ql, por sua ver, apresentam uma morfologia como a dos substantivo: cumprem, entretanto, © papel semantic de quulificar/adjetivar o miicleo do SN, mas, como esse miicleo, é constituido de um inventério aberto de itens, isto é, nfo enumeravel, Q em subsistemas marficos como os DET ¢ 0 nem agrupdv A morfolagia flexional do nome do latim para o portugués: breve meméria Basta observar o inicio do Testumento de Afonso I/ (Mautos ¢ Silva 1991:22-23), primeiro documento, entre os remanescentes, escrito em portugues em 1214, para podermos afirmar que a rica morfologia flexional do nome do latim padrio ou clissico, que além de marcat © mimero, o género, marcava a fungio sintitica (= caso) do nom na frase, nao mais existia. a proc de mia molier e de meus filios... fiz (1.3-4) (port. contemp.: ‘em prol de minha mulher ¢ de meus filhos... fiz’) (2) mia molier ¢ meus filios... sten en paz (1.5-7) inha mulher ¢ meus filho: (port. contemp.: estejam em paz) Nesses dois exemplos molier e filios se apresentam quanto 3 morfologia flexional al como hoje — mulher ¢ filbos ~ embora desempenhem fungoes sintiticas diferentes: adjunto adverbial em (1) ¢ sujeito em (2); no latim apresentariam o morfema flexional proprio a essas Fungoes sintéticas. A rica ecomplexa morfologia flexional dos nomes (substantivos eadjetivos) também esses nomes ni dos DET, Qre QI do latim passou por um violento processo de simplificagio no latim nicas. A linguas rom falado do Império Romano, que é a base dos romances, origem d romanistica tem demonstrado que s6 0s primeitos documentos em galorromance— variante romanica com documentagdo mais recuada — indicam ainda marcas flexionais diferentes para a fungio sintatica de sujeito ¢ complemento direto do verbo. Esse proceso de mudanga morfolégica, que dentre outros fatores deve ter tido como um dos principais as mudangas fonicas que entio ocorriam (a perda do trago de quantidade da vogal, o enfraquecimento de consoantes finais si0 os mais evidentes), teve como conseqiiéncia fundamental, nao apenas a simplificagio da morfologia nominal latina, mas também a reestruturacao da frase do latim para as linguas romanicas. Nessas as fingdes sintéticas no mais est4o marcadas pela flexdo do nome, mas pela ordem das palavras na frase, pelas relages semanticas entre os sintagmas na frase € pelo uso das preposigoes que, no latim, podiam marcar adjuntos adverbiais, redundantemente, com a flexdo adequada ¢ nas linguas romanicas marcam, sem a flexdo especifica, nao s6 os Onome e osintagmanominal 101 adjuntos adverbiais, mas as outras fungGes sintatie: . com excesio do sujeito ¢ do complemento direto dos verbos. Esse interessantissimo problema de mudanga esta recentemente discutido por F. Tarallo (1990, caps. 9, 10, 11) e tem. pontos mais trabalhados por romanistas, desde o século pasado. ingifstica sido um dos Decorrente do exposto, na morfologia do nome edos elementos do SN no primeiro periodo documentado do portugues, tal como hoje, vao remanescer, como elementos vi constitutivos: 0 classificador nominal, vogal temdtica (VT); a marca nao-geral do género feminino ea marca geral do mimero plural . Classes mérficas dos nomes: vogal tematica Tal como os verbos sao tradicionalmente classificados segundo a VT, podem ser os nomesdo portuguésagrupados poresse critério mérfico. Astradicionaisdeclinagéesnominais das gramdticas pedagégicas do latim nao sio mais que pa VT. Aanilisecom base nolatim clas ligmas organizados segundo a ‘oapresentaosnomesclassificadosem cincodeclinagies ou paradigmas que, de uma maneira mplificada, pode-se dizer ques identificam pela VT ¢ de VT @, também chamados de ateméticos Essa anilise se aplica aos nomes do periodo arcaico: VT : guarvaia, alfaia, correa VT <0 >: mundo, amigo, desejo VT < € >: morte, nome, satide (exemplos retirados dos mais antigos textos referidos na primeira parte deste livro. Os nomes atemati 0s ou de VT @ sio aqueles cujo lexema ou radical no singular terminam pelos fonemas consonanticos /I, r, s, n/, em outras palavras, por liquidas, sibilantes ow nasais, por ex.: senhon, luz, paz, animal, baron. Nesse tipo de nome a VT vai aparecer na forma do plu al (senhores luzes, pazes, animaes, bardes). Note- 102 Oportugués arcaico se, ainda, que no perfodo arcaico, alguns itens que hoje se incluem no tipo VI < e>, se inclufam no tipo VT , como: arvor ailez ou cilix, cdvcer, fever, mérmor, hoje: drvore, cillice, circere, fobre, mdrmore (exemplo dos DSG 1989:1 13). 10 também analisados como atematicos nomes oxitonos termina-dos em vogal como: pé, ps, ru nu. No pertodo arcaico sua grafia ~ pee, poo, cra, nu revela ainda a VT etimolégica que se fundiu & vogal do lexema pela regea fonoldgica de crase ou Fuso de vogais idénticas. Seriam entéo nomes de VI explicita. Ha nomes, entretanto, no periodo arcaico que s4o terminados por vogal acentuada com VT 0, é, por exemplo Vale lembrar ainda que, segundo a anélise que vimos seguindo, nomes do tipo amiga, filha, meestra, monja, branca, vermelha também sio do tipo VT 9, em gue 0-2 éo morfema de género que, ao acrescentar-se ao Fexema, apaga a VT < 0, € > masculino, prépria ao correspondente Por set a mesma tanto para o portugues contemporinco como para o arcaico com 0 dos nomes cs fatos podemos dizer que a classi guanto a VT pode diferengas nos itens do inventirio, correspondences aos tipos clasificados, como as destacadas anteriormente, O género dos nomes Fernao de Oliveira, autor da primeira andlise da lingua portuguesa, datada de 1536, ao conchuir suas observagies sobre © género diz com ra Porque era longo compreender tantas variedades de cerminagies, ajudou-nos a uureza © uso da nossa lingua com os rtigos ‘os quais se pre as mais das vezes acompanhar os nomes cuja companhia declara (19752114) fos géneros desses nomes. nossos dados — as “tantas variedades” de Fernao de Olive Vamos organizar aqu a seguindo de perto a anélise de Mattoso Camara Jr. (1970) para o portugues atual, ja que Eaplicavel ao arcaico, aqui também, com diferengas no inventirio de itens préprios aos trés diferentes tipos de nomes quanto ao género enasalomorfias, decorrentes de regras fonolégicas que ainda » se aplicavam, Tipos de nomes quanto ao género ao eles nomes de género tinico, isto é, ou masculino ou feminino; 2. nomes dedois generos com flexao redundant Como ji que sempre indicari 0 genero do nome. Apenas para os nomes de tipo 2 & que se 3, nomes dedois generos sem flexto redundante. via claro Fernao de Oliveira, & 0 artigo masculino ou feminino 0 soma ao artigo a marca flexional do feminino < a >, que se opori ao 0, auséncia de marca do masculino. Ausente o artigo, serd a concordancia com os DET,
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