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O meu tems: Fernando Pessoa ¢ a loucura est cstieitamentesslacionada com o tema mais vaso: génio © inainin,e este € to velho como o problems do sénio om si, 14 na antiguidade gregu desde 0 ano 450 antes fe Ceisto afirmam Deméerito, Platio ¢ Aristtcles que io pode haver um grands posta sem insinia € que, ‘quem pensar chegar & possi sem o deliro das muss, palavras de Platio —estaria num camiaho errade, Tod ‘sta dscussio retoma fOlego no Renascimento ¢ reani- ra-se especialmente no séeulo XIX. Em 1863 publicase 4 primelta ediglo de eGenio © Folin do psiquiatra ita Hiano Cerare Lombroso,eujas tases marcam o Infeio dama nova dpoca na iavestigaglo da. genalidade. Todos os _6sios sGo de qualquer forma Joucos ou degenerados, eit. 4 ese central do Lamibroso,vivemente disutica nos dt tas decénios do sécalo XIX ¢ no primeito decénio do stealo XX. Quando 0 Jovem Fernando Pessoa volt, fem Agosto de 1905, na ade de 17 anos, da Alrica do ‘Sol para Lithos, pera a se Inserever 0 Curso Superior e Letras, ele deve tor tomedo conhecimento desta dis ‘essio animada, provocada pelo ivro de Lombroso © ‘spesalmente significative no fim-doséeulo, por coincide ‘com a conseigacia de toda esta geragio de escrliores © 281 poctas simbolistas © decadenisas de serem um ponto Finale os limos descendentestardios da arte europea, CConhecemos, através duma carta de Fernando Pesioa 20 seu amigo Armando Cirtes Rodrigues, & exereca ele o Tivo eDegeneragtos do psig ro Max Nordau na sue tredugo francesa, uma inluén- cla mencionada expresiemente por JoS0 Gaspar Simost na sua biogrfis do poeta. Mes continua descoahecida presenga temiien do medo ds lovcura na abundante pro- dugdo poética em lingua inglesa, que o jovem Pessoa esceven sob 0 nome de Alexander Search not anc 1908 ‘16 1909, expeciaimente-noe anos de 1907 © 1908. Deste predugio do jovem aprendiz de Poeta conservamse 115 oesas, © nés escothemos aqui uns exemplos que demons tram conchudentemente a obseisio com a qual Search, © ‘Busca, volta a0 tema da loucura. Num epontemento tm inglés inserto nas «Piginas Tntimas ¢ de Avtc-inte- pretaplos, podemos ler, datada de 30 de Agosto de 1908 Una das-minas complicagbes meatals— mals hori- vel do que 8s pslavras podem exprimir—é 0 medo de Journ, o qual em sé 6 foueur, Encontro em parte no estado que Rolinal denunci como sou no poema facial das suas eNévrosess. Ora, Roliat 6 precsamente um dos oxpoentes da escola decadentita francesa. As diferentes seoqSes do lio de Search intitulamae «Agonyo (egonia), Delirium» (dlc) «Documents of mental decadence» (documentos de decadtcia meatal) respectivamente; no su toneto Woe supremen Search responde a um amigo, (que The pergunta a ranio pela qual ee escrevefictiia © protenciosament, fingindo até as lamiras com as quais Aeprime os whealthy meno, os homens saudves 282 eBoonuse, deer friend, though to be mad is sweet Sometimes, and though at others nameless woe, ‘Yer never human pain the pain ean meet ‘Of the mad brain that doth its madness know; ‘Because my sclnce Teara'd has made complete ‘The knowge of an il that cannot go. A expreséo emy scence Ieartde indie jf express mente que 0 jovem poeta conhecia discussto ecerca de Binio e iasinin A difell readaptaséo do jovem regres Sado da Africa do Sul a0 ambiente lsboeta de 1905 deve ter agravado ena erie © scentuado & sensogio dum foe ‘mento foal, este Kolamento astocinge & conscincie de senialidade © espethase numa poesia de Outubro de 1907 CGitemos apenas os veros mais sinifictivos: Never T have so deeply fet my exclusion from mankind. To one side the sane, to the other the Tame a {the alt and the blind; ‘To one side the healthy, the good, the strong, those {in life's prime, ‘To the other side the slaves of genius, of madness, [of crime At no time have T felf 10 deep the gull between [ne snd me. Init itioey, madness or crime, or genius —or wat is this pain?» ‘Apesar do exagero javenil deste verso eneontramos 283, eles uma constante, L6 « distingo entre ot sos © os doentes, os geiaisloueos e os norms flies, que cea- parece sob viras formas, na poesia portuguese de Fer- nando Pessoa, especialmente naquela de Alvaro de Cam- ‘os, como veremos mus adiante. O medo da loucura é ‘io intents no jovem Search que ele dea todo um longo poem, intitulado «Prayers — prece — a0 seu de- sejo ardente de nfo cair na deméncs, Cho apenas ot Delmeiros versos «Oh God, if Thou be'st anything ‘Har this trail prayer that T fing Like 1 flame leaping past control "From out the hell that i my sul ‘Oh God, lt me not fall insnet» Na poesia «Approaching» Search descreve a. aproxi- ‘magio amearadora da Toveura dum modo parecido como © faré mals tarde Alvaro de Campos. E na poesia «Be it solv de 20 de Abril de 1908 Search abundona-s, 20 que parece, com uma certa resignagdo, ao abrago a Toueurs; cito x pentkime estrofe: of giva mo all over to terror, ‘All unto madness and woe; yield up my thoughts unto error. "Twas to be so; be it solo Deve ter havido um momento que podemos stear no ano de 1909 ou talvez 1910 em que Fernando Pessos se libertou, pelo menos parcialments, deste medo obsesivo di lovcura, ¢ este momento coincide com leit 284 ‘mencionads do livro de Noréau. © decadentismo com fdas suas conoiagdes deprimeates wlohe varrido do cplrton, como ele etereve 8 Armando Corte Rodrigues, ‘pela etora de Marx Nordau e pela gndstfcasueea.» Ora, 0 lio de Nordau foi um alaqueeztrado contra os artistas ‘moderne, to 6 contra o8 artistas do fim do século. Og alo 6, na opinto de Norden, adversrio de Lombroso, um fenémeno soudével, o: moderaos, porém, sfo uns dege- rerados © por iso mesmo no podem ser giniose as suas ‘obras io. condenivel Este veredicto da degeneragio de{xou vestigiog na obra de Fernando Pessoa, © 8 ct Ho dos helerénimos corresponde, entre cutras cols, 4 esta tentatva de Ubertarse do decadentismo de Ale sander Search, Significtivaments, nem aa obra de Al berto Caciro nom nagusla de Ricerdo Reis encontramos 1 menor also ao tema da loucua, enguanto que Alvaro {de Campos conserva, como veremos, vestpios do deci endimo e mantém o tema da loveura, Pessoa passa & Aefinirse ‘no. futuro como um histeroneurasténieoo, tanto me carta s Adolfo Cesis Monteiro dos anos 30 como mime carta de 1919 a dols psguistras frances, Incluida nas «Péginas fosimss. No entanto, 0 tema de Joucura volta & aparecer na obra portuguesa do autor, © ‘gui, em primeio lugar, aas «Notas para um poems dae mitico vobre 0 ‘Fausto'» que datam dos élimos tempos de Search, L€ de 1908 © se prolongam depois pela vide intern de Peston, Este sFouston nfo € outra coisa sent {0 teangplancaglo’ do todos os temas obsesivos de AI sander Search para portugués ¢ @unifiepfe, ou, melhor dito, a exteriorizagdo destas obsessbes numa figura. mi tica—uma espéie do despersonlizagio dos conflites 3105 vvidos por Search ‘A cxpressio woubels, por ex, que Search empress Aversas veaes paca ceracterizar o seu estado, volta 2 ape recet no ¢Faustov nesta vers: #Bu sou 0 Inferno, Sou Cristo negro Pregado na cruz fgnea-de mim mesmo.» © tema da Toucurs surge, por um lado, coma con sequéncia da reaidade vivia, tal como no fragmento VIE do tema I: «ex cambaelo Peles vie escurae da loscura tos vagor do sso, pelo horror De haver reldade ee haver sr, De haver o facto da realidad. Por outro lado, a loueura anda ligada eos grandes representantes da bumanidade que, coaforme o plano de Fernando Pessoa, deveriam dialogar com Fausto. Assim fala Cristo no fragmento TX do tema TE: A sonar venei mundos Minha. vam sonho fi ‘Cerra teus olhos profundes Para a verdade que déi. ‘A Tlusto 6 mle da Vida: ui doi, e tudo por Deus. 6 2 loucura incompeosndida Vai avante para ot eéus» 286 ‘A valriagio da loucura mudow, como vemos; a lou cura €considerada como wm grande forg eriadors, epe- ‘lalmente quando escarnecida pelos omens. Estamos perto da interpretacio que Miguel de Unamuno dew 20 Dom Quixote de Cervantes, Do mesmo modo, noutro feag- mento do #Fauston de Pessoa declra Shakespeare: +86 o Ioucura € que & grande! E $6 ela € que felt» ‘A. revaloriagio da Joucura manifesiase também esta pergunta do fragmesto VII do tema TI: A Towcara por que 6 Mais sf que a fala dela?» Falteme o tempo pare referivme extensaments 00 volume oThe mad Fiddlers, «© Vilinista louco», uma oletdaea de pormas inglesee que o autor quis publi- far, por volta de 1916, na Tnglaters, © que deseavolve temas da cortente péssimbolsia do primeiro «Orphen» ‘duma manera bastante vzinba da poesia georgine entto vigente na Inglaterra e caracteriada por uma. simpli clade rebuscada que Peston tenta imitar. Mais tarde, com a predomintacia do vanguardismo no +Orpheu It f no rnee publicado wOrpien IMly, 0 pocta deve ter considered ultrapassadss estas tentativas péssimbotstas do eMad Fiddler e isto explice a rendacia definitive & Sela de publinr ester verses, alguns deles de clevada (qualidade artistca. O préprie titulo da colegio, porém, revela que o posts e 2 loucura eram ideias firmemente seociadas na mente do autor. 287 ‘Voliemo-nos agore para as poesia de Alvaro de Cam- pos; nels encontramos novo material para o nosso tem. [Nas grandes odes de época senscionisa — 1916 — bé ‘echos como este, tirado de «Passage das hore; vii ‘nhanga de histeria eloucura em Campos tommaseevidente: Poder ri, vie, re despejedaments, Rir como ‘um copo entorado, ‘Absolutamente doido 26 por seni, ‘Absolutemente roto por me rogar contra as eos, Ferido na bocs por morder cosas, (Com as unas om sangue por me agartar a eons, E depos déem-me e cele que quisrem que eu me Dembrare Neste shimo verso hd alusio & eosla do manicé- mips, © 0 minicémio € evecado noatto poems de Cam- os, datndo de 1934; af revela-se o estado intermeto entre a loucura e lucidez artticn que Pessoa deve ter ‘considered com sendo earactritica do bomem crador. ‘xa velba engin, Esta angstin que trago h séeulos em mim, ‘Tranebordow da. vase, ‘Em légrimes, em grandes imegineg6es, ‘Em sonhos em estilo de prsadelo sem horror, [Em grandes emogées sibitas sem sentio nenhum. ‘Transbordou ‘Mal soi como conduzi-me aa vida Com este malestar a fazerme pregat na. alma! Se ao menos endoidecesse deverasl ‘Mas no: este estar entre, Bite quase, Ente poder str que. Is, Um internado mum manicomio ¢, uo menos, Telguém, a sou um jaternado sum manicémio stm Tanicémio. Exiou doido a ftio, FEtou licido © lou, Bsow alhelo a tudo e igual a todos: [Extou dormindo derperto com sonhes que sio Toveaes Porque no so sonhos EExou assim 0 sLcido loucor, es formula de AWvaro de Campos para a sua exténcl © pare a existéacin do poeta em sis Tuite distante das obsesies prementes do jovem Search, fo entanto aperentado com ele, Campos alade com uma naturliede brinealhona 20 momento outzora tio temido fi entrada da insinis no seu ser: Ore até que enfim... porfltamente Chev eal ‘Tenho a loucura exactamente ne cabegs (© poema termina mum gest de ndusea perante a pro- ria obra ea propria existéaca. Mas esta nfusea momer- ‘nee nfo impede que Cempos glorifique a Toucura dos randes representantes intlectuais da humanidade, os 289 Unieos conhecerom sma fama péstuma duredoiza; asim ia, ma poesia wGazctbes, datada de 1928 ou 1925: Dos Lioyd Georges da Babi [No roan s hiéria nada. Dos Briands da Asitia ou do Ezipto, os Troizkys de qualquer colénia rege ou romans jd passada, O'nome € moro, inde que esi ‘86 0 parvo dum poets Que azn filostia, Ou um geémetrs maduro, Sobrevive a este tanto pouca (Que estd para trés n0 escuro TE nem a bistéria j histor, ou um loveo © grandes homens do Momento! 0 grandes gris a ferve! De quem a obscuridade foge! “Aproveltem sem pensamentol ‘Tratem da fama e do comer, (Que aman é dos loveos de hoje! © congresso presente & uma das muita confirmacbes esta profecia. A mesma conviegio, conforme a qual 0 toro pertencs aos wloucos de hoje reaperece nos ver 405 da ¢Mensagems, composts quase no mesmo tempo fem que Campos esceeveu a possia eGezatihss, Nesta evocapio das grandes figuras da. hstéria portuguese jé ‘fo hd luger para a inva da feliidade dos outos, que ‘anto aflgin © jovem Search, que tanto amargurou Al 200 varo de Campos, quando escreve: «Na ease detronte de ‘mim € dos meus sonhos / Que felicdade hi sempre! Moram ali pestoas que desconhego, que vi mas nfo i. Sho felizes porque nfo so eu.» Nada disso na eMen- sagems, onde 0 posia mantém, pelo contrrio, um des prezo profundo pelos goms materais da via e por todos ‘aqueles que sb contentam com cles. Logo na. segunda ‘ds eMensagems, aquela eas quinasy,poderos er 40s deuses vendem quando do. Compras glésa com desgraca. Ai dos fetizes, porque so 6 0 quo passals Os protagonistes da hstévia portuguesa, evocados polo posta na eMensagems, no intuito evidente de che ‘ar a consiéaca do seu povo para os fetes sobre-hume- nos dos seus antepassados, so todo eles exemplos dum Toacure crindora, que tenia o impossivel para conguistar © futuro. Na eMensagem», est loucura jé nfo & uma Particulardade dos ports e flsofos, ela perience, pelo contririo, a todos agueles qué tentam cealizac um grande projecto, desprezando 0 conforto duma vide cémoda, Esta atiude enconta sua expresso culminante nesta conhcida possa dedicada a D. Sebasit: ‘Louco, sim, love, porque quiz Qual a sorte a nto dé. io coubo em mien miahe eerteza; Por isso onde © areal esti, FFicou mou ser que houve,nlo 0 que hd 291 ‘Minha loucura, outros que me a tomem Com 0 que nea i, Sem a loucara que ¢ o homem Mais que a besia sada, CCadiver adiado que procriaty ‘Aqui jf fo fala 0 poeta particular, 0 engenheiro Alvaro de Campos, neste texto fala © posta nacional, © ‘Super\Camées aute-prognostieado, Imbuldo do seu sono ressdnieo dima regsneras60 glorioss de Portagsl. Com viva edmicacko do pocta pela figura lendéra e louca ‘de D, Sehasito contrast 0 seu desprez0 acentuado pela besta sadiay, por ums populaglo que passt a vide sem Ideaise sem grandes projetos, fra o interese de ganar mais, de comer bem e de perpetuar a spéci. Os versos: «Minha loucura, que me a tomer com o que n seam como a iitima mensagem de Pessoa ao seu povo [No seria insufelente interpetar estes vers 0 pé da letra no sentido dum esteito sebestianismo mestinico Ge esperanga no Quinto Império. Parece-me lic, tendo fem conta 0 verso «com © que nela inv interpretar este pelo como uma exortaglo a todos os portuguese pa conceberem grandes projectes para regenerar © sou pals ‘A loacura a que Peston se refer aa poetin dedcada © D. Sebastiio alo é uma loucura desitegrante © cadtica, antes wma loueura Heide, virada pare © futuro, com tudo 40 que nla fas em energie criadora forga de vontade © de trabalho. Aqueles que no ssbom ot no ‘querem mobiiznr a sva loucura criadora em servigo de Portugal, caem sob o veredieio do poota: so eles as 292 pouco inveiveisabertas suds e cadiveres adiados que procriamy ge que cle fala na porsia «Dom Sebas ‘ios, Uma versa camp deta unica val sr pain as ePorugsache Forecmgen der Geer Gesescha, Mes ter A puleapto cit previa paca I. 293, FERNANDO PESSOA B AS FICCOES DO ABISMO Jom invalger, mas carsctritica generosidede, ‘yrtlie Ceneno quis parts comigo alguns dos documen- tos inditog que tem vindo a coligir na sequéncis du sua ‘importante investiga sabre 0 ermatiamo em Fermando esioa. Coneretamente, passou-me as referéncia 3 Cabala ‘qe até agore encontrou no esélo de Pessoa, bem como 4 informagio de quals os livros de incidéncia cabalistica {que ele anctou ou comentou, (0 material dsponivel permite desde jd sugerie que Pesca via a Cabale como uma dstplina afim e telco ‘nada com outros ramos do ermetismo os quas, pasando pele elguimia © incindo 0 Ros-Crucismo, tém em ‘comum um eardctrincitco e, portant, no sentido mais famplo do tsrmo, aio de naturexa gnéstica, algo no entnto necesicio confrontr, antes de mai, ‘© problema fundamental do como perspectivar 0 estudo do misticsmo ¢, especialmente, do hermetisno em Fer~ ‘mando Peiton, E a pergunta que me fag0 & basica: até ‘que ponto podia Fernando Pessoa acreditar na vibiidade ‘ba sun propia iniciagSo mia? Toda inicinggo mista, ‘que tem por objetivo a salvagio pessoal do candidate através do conhecimento de Deus, presuple a {6 na pos: sbildade da redeneio través desc conhecimento. Mas 297 quere-me perecer(@ 0s Ieitores familiares com a sua obra ‘neanteardo of neceisrioe exemplos to faeiimente como 4) que tal £6 nfo exists em Peston. No poema lg Deut, em enja primeira seopi0, Ablomo, arma ee sibito ‘contro. Deuss, Pessoa acaba por definir Deus como sausincia (assim, efectivamente negar a expeiéneis do Seu encontro) a0 declarer que «Deus é um grande inter val, / Mas entre qué e qué? .v: 0 encontro de Deus foi fina, eneontro do um esvziado esago intervalar. Nes Sonetos Rosacrucistas, onde Deus & logo definido como squele a quem a Verdae morte, o proprio Pal Roseacru, que econheceo, ecalao—sendo esse calar, porvetara, 3 iofes Inilagko postvel que tem a oferecer. E num dos mais inferesantes textos inétos que consltei (como © poema Além Deus, provavol discuss implicit da con- cepilo de Deus coma Abismo formulada pelo teorfista Jacob Boehme no inicio do Séeulo XVID, Pessoa diz so ‘mesmo expliiamente: «..}Hé quem teahe visto Deus face a face no espelho migico dos grandes fingdores. Ha quem tenhs sentido a unio com 0 Cristo nas ante- mares da iusto dos Mestres. Conhecedores da Verdade, eles préprios 2 velam, porque, primeiro, no pode set revelada—e a essa ordem cles mesmos obedecem—e, depois, porque, no podendo reveléla, mais thes convémn revelat 0 que nfo hé—lirior © pérolas do Abismo. [Ai dos que encontram belazn nas fiegbes do. falso bismo! Beleza sé a hi'na supecticlemelga da terra verée, no enrrer brando dos ros, © Cristo que hf no & a mene tra, mas 0 Cristo que se encontra ¢ a mentia, porque € da esincia do Cristo 0 io poder ser encontrado SSonkar t-lo encontrado — isto ¢ todos pode eabero (3/6, 14/282), Trate-se do eDeus Absconditusy de todo © gnos 298, ticismo —mas um Deus que abscéndito continsaré, por ‘© seu conhecimento, ou a gnose, nlo ser possvel. Dos Sistemas mistios inicitieos, cuja fongio & o redentor oahesimento de Deus, parece assim nfo sobrar mals, para Pessoa, do que o préprio sistema, esvaziado de fur” ‘0. Do que foi concebida como uma estrutra de signi FiagHo, fice apenas a esrutura, sem 2 significagSo para que foi eoncebi. ‘A gnose conte extencialment aa negasio dt nego fo que & a sinagéo existencial do homem, conseguida tras da reelglo da dversidade ¢ da fragmentaglo do {also mundo das aparéncas e na integragSo na unidade transmundane da verdade divina. Fregmentaggo ¢ uni dade sio, portanto, para os gnéstcos, os pélos opostes fem que © homem se debate. Mas Pessos, mais do que eahum outro posia ou pensador, assumiu a fragmen- ‘acto como a prdpriaeitacie do sou sistema do signi lo. Escrevendo numa época ainda em estado de choque pea amorte de Deus» crtifieada por Nietzsche ao mesmo fempo que emuncieva que wo mais estranbo de todos os convidadoss, © nilsmo, estava & portas, Pessoa ‘mantém e utllan pera uma compreensto arepiantemente ‘moderna do mundo aguilo que 0 gnosiismo, reirads a posibilidade do aacontro de Deus, serve pare signifcar mas totalmente do que nenfume outrafisofia, pois que se tora também, ¢ apenas, em nilismo, Pesoa é um potia misico sem a possibilidade da f, caja sintaxe meta fsica 56 pode portanto referenciarse & absurda incoe- réocia de um universo fragmentedo onde as apuréacas slo as nics eséncias que hé, Bem o sabe Alberto CCeeco, o Mestre posivel dz gnose impossivel E tlvez que & propria necesidade estrutural ¢ semintin do des 299 obrumento heteronimico de Pessoa pudesve em parte Sec entendide, com algoma vantagem, nesta perspetiva. (© conceita do homem como mierocosmo do universo maniemse, mas se 0 wniverso ¢, por iso, também o homem, € fragmenta, a correspondéncia entre o ho- mem ¢ o univers 56 pode exstir em termos de frame taglo, © mio de uniéade. € ana isto 0 que Pesos diz no poema onde, porventara, lida com mais elareza com este probleme: E como so estlhagos Ao ser, a5 cols dispersas ‘uucbra a alma em pedagos fem peseas diversas, ‘Asim a Deus imito, ‘we quando fez 0 que € ‘lrowlhe 9 infin a unidade até» (Ore Poa, Ro do Jar, 80, ‘p- Si) [No me foi ends possvel determinar com a necess- ria seguranga qual 2 fungio espectica da Cebala no sis tema floséfico de Pesos. Parece 0 eatanto possvel mar que 0 cabalismo, para ee, aio era o da Cabals judsies proprismente dita, mas antes aguele que, no con- texto de'uma tradkjdo neo-platOnica esencilmente erst 300 —emboraheterodoxa — fol sendo sucesivamenterecupe- edo e difundio, Assim, tinha na sun biblioteca um tremplar da 42 edigo, publicada em 1926, da KebBalla ‘Unveiled de MocGregor Mathers, iro que leu com par- Wieular atengio, como ¢ stestado pelos numerosos subl- Ihados e enotages. Mathers foi particularmente infuente ta Inglaterra do iniio do Steulo, como agente act 4p revivalimo mistioo entio na mods em que também pasticiparam Gurdjieff ¢ Madame Blavatsky. A Kebballa ‘Unveiled 6 uma tradusio amplamente anotada © inter pretadn da Cabala Denutada de Knorr von Rosenroth fue, no fim do Século XVI, velo tornar acesiveis ao ‘muito ero importanes pustageas do Zohar—o livro bso “do. eabalimo.judsico—e amplos excertos de comentadores da escola de Issac Lari [Nilo 6 impossrel que interesse de Pessoa pela Cabala tenha preceddo a aqulsgfo relaivament tarda do livro de Mathers, pois que também tba a obra, de cardter no entanto mais generieamonte judaco do que propre mente cabalitic, Sayings of the Jewish Fathers, culos dois volumes foram publcades pela Cambridge Univers Press em 1897 ¢ em 1900. # interesante nolar que ume as passagens anotades ¢ sublinhadas por Pessoa #2 aque se refer As relagSes entre o eabalismo ¢ 0 erst tismo, Por outro Tedo, uma menslo de Pesson & eligio completa do Zohar em inglés (que comeyou a set publi cada em 1931 e 26 terminoa em 1949, bem depos da sus morte) ¢ a encomenda, datada de 1952, de um lvro sus peltamente inttulads Le Grand Secret dex Kebalistes, fe alestem 0 stu continuado inorese pela Cabal, apon- tam também pare o tard desenvolvimento expecializado dese interest. 301 De maior inporiinia me perece ser um manuscrto de Peso, infelzmente som deta (ms 54-80), que revele ter ldo na Biblioteca Nacional o Hivro fundamental do cabolismo crstio, De Arte Cabalistica, de Johnones Reuehlin, primeiro publicado em 1517. Mas é de nove rovivel que o interes de Peson por esta obra se deva 2 tentatvanelafeita de integrar« Cabala no cristanismo RReuchlin procurou funcir as erengas judsies nas ts Tdades (Caos, Toca e Messias) com a equivaente divisio Ieéparta da. Histéria passada, presente e futura da Humanidade formulada pela escola espritualista © mile- ntita ets de Joachim de Flore —a Tdade da Let ov 2 Pai, do Evangelho ou do Filo, ¢ do Espirito Sant. A parte o comentiro, em inglés, de que «0 lito, embore algo complexe, parece cutiofos, Postoa fez as restates ‘anlagGes em lati, Entre ela, bé um significative apon- ‘amen, referido as péginas 752-754, de que «Deus nko 6 mimero (..) nem unidades. Mats uma vez, portato, 9 problema de unidade diving Tol © que imediacam train, Mas o comeatério de maior interest € o que lida ‘com os irs estos da evolugo espirtual do homem 20 ‘mundo, o¢ quas, apés resumir a argumentardo de Reu- cilia, Pessoa coloce esquematcamente nos seguntes ter~ mos: el. Ces o corpo, comege a alma; 2. Csssa a alma, ‘omega a rato; 3, Cessa a poténcia intelectual, e comega ‘Evia anolapfo acentun a posible de que Pessoa ‘enka achado acurioso» na obra de Reuchlin precsamente © que nela hé de convergente com a especulao profé- tea Yonguimita, que € parte integrante da antiga tradigho ailesarsta portuguesa — desde ae Trova de Bandara 8 Hitéria do. Futuro de B® Anténio Vieira —na 302 ‘mesmo nas suas manifesagSes epecficamente scbastdni cas, por sua vex também se integrarem elementos do messinismo judsico. E é esta tradigfo que me parece ‘tar na bese da coneepeio mistica da Histéria reflection ta csrutura tskpartia da Mensagem. Com efete, © cspirtulismo Joaguimita propée uma visto profitica e inition de Hiséria, a qual regista em figurar emblemd- sicas;e Pasi, na Mensagem —obra também do carter femblemitico © mo, propciamente, épico —igualmente coneebe a Hiséra como um proceso initio que levaré 8 um profetiando vacordar» na xhoran que enuncia ter chegedo apis a nevoents dspersio de Portugal nos Uli ros Dias que, dentro de ama concepjdo tpicamente nilenarista, necessariamente precedom a redengio, Mas, ‘mais uma ez agul, misico sem £6, Pessoa te to de subtiuir © que no espirtulisno Joaguimite era visdo por aquilo que nele nfo pode ser mais do que vontade (Com efcito, morte Deus, o sentido metafiico do mundo eda sua Hisérin também no pode mas ser encontrado, tem de pasar a ser-es contro 303

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