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O que é Satide Coletiva? Ligia Maria Vieira-da-Silva * Jairnilson Silva Paim * Lilia Blima Schraiber INTRODUCAO A Saiide Coletiva pode ser definida como um cam: po! de produgao de conhecimentos voltados para a com: preensio da satide © a explicagio de seus determinan- tes sociais, bem como o ambito de priticas direcionadas priovitariamente para sua promopdo, além de voltadas para a prevengdo e 0 cuidado a agravos e doengas, to- ‘mando por objeto nfo apenas os individuos mas, sobre- tudo, 08 grupos sociais, portanto a coletividade (Paim, 1982; Donnangelo 1983). ‘Tratandovse de uma érea nova, nem sempre hi uma preocupasio em distinguicla da Saiide Publica. Por outro lado, observarse que diversas insttuigies e programas de pés-graduagio e graduagdo pertencentes & area da Saiide Coletiva tm nomes diferentes, como Instituto de Medicina Social, Departamento de Medicina Preventiva, Escola Nacional de Saude Publica, Mestrado em Saude Comunitéria ou Instituto de Satide Coletiva. Qual a razio para essa diversidade de designagées? ‘Coma e por que ceorreu a eriaglo desse novo espa de saberes e priticas no Brasil, nos anos 1970, com a deno: ‘minagio de Satie Coletiva? Qual sua relaglo com movi rmentos semelhantes no cenario internacional? Qual sua importancia para a resolugto dos problemas de saiide da populagao e para 0 atendimento das necessidades de sade? Embora a Sade Coletiva historicamente tenha sido constituida, principalmente, por médicos, outros profs sionais, como cientistas sociais, enfermeiros, odontélo- 05, farmacéuticos, © também agentes oriundos de ot feas do conhecimento, como engenheiros, fisicos © gtets, contribuiram para sua construgio. Trata-se, Toth send aqui empregado como os autores citadosorii- 9 wlilaarar, ou sja, como conceit que designaria wn ‘ais ample complexo que uma simples dea do c- portanto, de uma drea multiprofissional e interdiscipli- nar. Para que a definigio de Satide Coletiva aqui apre- sentada seja mais bem compreendida em sua especific ‘dade e amplitude, em termos de agentes e disciplinas, & necessério rever brevemente a histéria de seus antece- dentes e seu naseimento, ANTECEDENTES Conhecimentos ¢ intervengdes sobre a satide em uma, perspectiva eoletiva foram contemplados na histéria por diversas iniciativas politicas e movimentos de ideias re sumidos a seguir. Aritmética Politica e Policia Médica Embora diversasintervengies voltadasi preservagio da satide e a0 enfrentamento das doengas, no ambito po- pulacional, possam ser registradas desde a Antiguidade eléssiea, foi apenas no periodo mercantilista e com o desenvolvimento do Estado Moderno que surgiram, na Alemanba, a Polfeia Médica, com Johann Peter Frank, ¢ 1a Inglaterra, a Aritmética Politica, com William Petty Rosen, 1994 (1958). ‘A Aritmética Politien consistia na sistematizagio de informagées populacionais sobre natalidade © mortali- dade ¢ na formulagio de recomendagdes para uma agdo ‘nacional, bem como de instancias organizativas na drea da satide. Petty, em 1687, propos a criagao de um Conse- Iho de Saide em Londres e de um hospital para 0 isola- ‘mento de pacientes com peste (Rosen, 1984 (1958). 1J4na Alemanha, a administracao do Estado era de- nominada, desde o séeulo XVII, Policia. Em 1655, Veit Ludwig Seckendorf formulou o que deveria ser um pro: grama de saiide do Governo voltado para o bem-estar da populaglo. A expresso Policia Médica foi usada por Wolfang Thomas Rau, em 1764, e posteriormente desen- 3 Seco + EXOS volvida por Peter Frank, entre 1779 ¢ 1817, em uma volumosa obra que continha recomendagdes de agdes voltadas para a supervisio da satide das populagies, 0 ‘que correspondia a regulamentagio da edueagdo médica, supervisio de farmécias e hospitais, prevengio de epi- demias, combate ao charlatanismo ¢ esclareeimento a0 iiblico (Rosen, 1994 [1958)). ne, Medicina Social e Satide Publica O termo higiene (hygeinos em grego) era um adie: tivo que designava, na Grécia Antiga, aquilo que era “silo”. Até o século XVIII, os manuais que tratavam da suide roferiam-se a seu “cnidado” ou sua “conserva- sao’, mas a partir do século XIX passaram a denom znar-se manuais de higiene (Vigarello, 1985). Sua trans: formacao em disciplina médiea e em um corpo de co: nhecimentos especificos ocorreu na Europa, entre 0 f nal do século XVIII eo inicio do século XIX (Vigarello, 1985). Na Franca om particular, em 1829, foi langada a revista Annales d’hygiéne publique et de médecine lé- gale, que no prospecius de seu primeiro niimero apre- sentava a higiene piiblica como “..a arte de conservar aa satide nos homens reunidos em sociedade. ‘uma parte da modicina’. Nessa perspectiva, a medicina nfo teria somente por finalidade estudar e curar as doongas, mas teria relagées intimas com a organizagao social: as vezes ajudaria o legislador na elaboragio de Ibis, esclarecondo frequentemente o magistrado em sua aplicacao, & sempre velaria com a administragio pela ‘manutengao da satide do pabico. (© movimento higienista foi caracterizado por alguns ‘autores como sinénimo de medicina social, termo eunha: do em 1948 por Jules Guerin, editor da Gazeta Médica de Paris. O historiador George Rosen considerava ter sido a medicina social francesa uma decorréneia dos desdobramentos da Revolugiio de 1848 e do provesso de industrializaglo, Assim, para esse autor, a Medicina So- cial Francesa apoiava-se em trabalhos sobre a situagio de satide dos operdrios realizados por Villermé (1840) ¢ Benoiston de Chateauneuf, entre outros, e propugnava imodificagies sociais para a resoluglo de problemas de saiide. Também na Alemanhsa, ideias semelhantes foram Aesenvolvidas por Rudolf Virchow e Salomon Neumann, que consideravam a cigncia médica essencialmente so- cial (Rosen, 1953) {Ja para o filésofo Michael Foucault, a medicina mo- derna é uma medicina social no sentido de que é uma pritica social, ou seja, intervém sobre a sociedade e safre as influéncias desta, mesmo quando atua sobre indivt duos, Analisando 0 corpo como uma realidade biopo Prospectus. Annales dhygione publiaue et de médecine gale, 1820. Sane 1, nO), tica, ou seja, em suas dimensdes biolégica e do poder, ‘esse autor considera que o controle da sociedade sobre 0s individuos eomega com o corpo. Nessa perspect racterizou 0 desenvolvimento da medicina moderna no periodo supramencionado (final do séeulo XVIII e inicio do século XIX) em trés configuracdes: a medicina de Bs- tado, a medicina urbana e 2 medicina da forga de traba- Yho (Foucault, 1979). 36 a denominacdo Satide PGblica surgiu na Ingla- terra, A industrializagdo, que se acompanhou do au- mento do nimero de trabalhadores assalariados, tem sido associada ao agravamento das condigdes sanitarias das populagées urbanas (Engels, 2008 (1845) e as res postas ostatais a ossa situagio. Esse fendmeno fol ob: servado particularmente na Inglaterra, no século XIX. Uma comissio governamental designada para rever a logislagao voltada para os pobres © coordenada pelo ad- vogado Edwin Chadwick elaborou, em 1842, um docu- ‘mento intitulado “Relatério ou uma Investigagdo sabre 1s Condigdes Sanitérias da Populagdo Trabathadora da Gra-Bretanha”, que continha, além de um diagnéstico sobre a situacio sanitéria, diversas proposigBes de inter~ ‘vengOes relacionadas com 0 saneamento das eidades ¢ a correspondente organizacio administrativa estatal (Ro- sen, 1994 [1958)), Seguiram-te ao Relatério Chadwick diversas iniciativas legislativas que culminaram com 0 primeiro Ato de Saxide Publica, editado em 1848, ¢ com ‘a cringdo de um Conselho Geral de Saiide (Rosen, 1994 [1958). As escolas e faculdades de Savide Puiblion 96 fo- ram criadas na Inglaterra na passagem do séeulo XIX para o XX (Paim, 2008) Também nos EUA, a industrializagdo ¢ as epide- ‘mias do final do séeulo XIX levaram o Congresso Ame- ricano a eriar um Departamento Nacional de Saiide, proposto por um movimento de reforma da satide or- ganizado em torno da Associagdo Americana do Satide Publica, em 1879 (Fee, 1994), Embora com o advento da bactoriologia tena sido conferida uma énfase & di- ‘mensao técnica da Saside Pabliea, concepgées mais am- plas foram explicitadas no infeio do séeulo XX, como na classica definicao de Charles Edward A. Winslow, Ddacteriologista e fundador do departamenta de Saide Pablica da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale (Boxe 1.1). 'No Brasil, agdes de saiide o sancamento voltadas para o espaco urbano e 0 controle de epidemias acompa: nbaram o desenvolvimento do Estado Nacional na pri meira Repiblica (1859-1930) (Lima et af., 2005). Essas _agbes, bem como as formas de organizagao estatal cor- rrespondentes, sofreram influéncia, em certa medida, dos modelos europeus anteriormente meneionados (Trin: dade, 2001). Esse periodo, marcado pela realizagio de campanhas sanitérias para o controle da febre amazela urbana, coordenadas por Oswaldo Cruz, ficou conhecida | I Capitulo 1 + 0 que Satie Coletiva? BEREM re detnico de Sade Pabiics {Em 1920, Charles Edward A. Winslow, entdo professor de Medicina Experimental da Universidade de Vale foi procurado por dole estudantes da graduagdo que queriam uma orienta- {ho sobre as carreiras 2 seguir estando particularmente inte- Fessados em saber o que era a Saude Publica. Winslow, entbo, Sentindo 8 necessidade de formular uma melhor definiglo que tenglobaste as tendéncias e possblidades dessa rea que para tle representava uma das mais estimulanteseatratvas abertu- ‘as para estudantes universitérios naqueles dias, elaborou um artigo para a revista Science, onde formulou a seguinte defi ‘ho para a Said Publica: “Saude Publica é a ciénca e a arte de prevenir a doenca prolongar a vida, promaver a sade Fisica e 2 efciéncia através fos esforos da comunidade organizada para o saneamento do meio ambiente controle das infedes comunitras, a educa- (Ho dos indviduos nos principios de higiene pessoal, a organiza- {lo dos servgos médicos e de enfermagem para 0 diagnéstico Drecoce e 0 tatamento preventivo da doenca e 0 desenvol- mento da maquina social que asseguraré a cada individuo na Comunidade um padrao de vida adequado para a manutencio da Satie” (Winslow, 1920:30~ traduao lve) como “sanitarismo campanhista”. 0 periodo seguinte, que vai de 1980 a 1964, correspondeu a progressiva ins- titucionalizagao das campanhas sanitarias, inicialmente em um Departamento Nacional de Saiide do Ministério da Educacdo e posteriormente no Ministério da Sade, criado em 1953 (Paim, 2003). Duas outras concepgies de sanitarismo desenvolveram-se nesse periodo: o deno- minado “sanitarismo dependente”, que correspondia 20 ‘modelo importado dos EUA, adotado pela Fundagio Ser- ‘vigo Especial de Saiide Pablica (FSESP), eo sanitarismo, desenvolvimentista, cujo pressuposto ora que 0 desen- volvimento econémico resultaria em melhoria do estado de satide das populagies. Paralelamente ao desenvolvimento da higiene © da Satide Piiblica surgiram diversas instituigées voltadas para a assisténcia médica individual, inicialmente fi- nanciadas pelas eaixas de aposentadoria e pensio dos sindicatos ¢ posteriormente pelo Estado, por intermédio dos Institutos de Aposentadoria e Pensio (IAP), para diversas categorias de trabalhadores (maritimos, ban- ciirios, comercisrios e servidores piblicos, entre outros). Essa assisténcia médica dirigida aos trabalhadores re- giatrados formalmente nas empresas foi posteriormente ‘estendida a suas familias com 0 apoio da Previdéncia Social, que também respondia pelas aposentadorias ¢ ‘demais beneficios trabalhistas, Por iso, foi denominada “medicina previdenciéria’. Progressivamente, desenvolveu-se um setor privado ‘que passou a ser financiado em parte pelo Estado e em parte pelo mercado, como 6 0 caso dos planos de saiide pprivados, e que configurou um modelo assistencial pre- dominantemente hospitalar, tecnifieado e voltado para ‘as ages curativas individuais Paim, 2003) Movimentos de reforma do ensino médico: a criagdo da Medicina Preventiva Entre as raizes histéricas da Satide Coletiva esto dois movimentos de reforma da medicina que busearam reotientar a pritiea médica por meio de mudangas da formagio dos médicos nas escolas de medicina. Sko eles 6 movimento em prol de uma Medicina Integral, que re sultou na criagio de uma disciplina nova no curriculo miédico, a Medicina Proventiva, ¢ 0 movimento pela Me- dicinn Comunitéria (Boxe 1.2), EEE co esic rower ‘Considerando que a Medicina Integral e a Medicina Comuni- tira foram movimentaesurgidas jf no século XX, no podemos dear de mencionar um grande reformador do ensino mécico [Abraham Flexner, também situedo no século XX. Como explca remos a seguir porém, areforma Flexner teve um carter distin to esses outros dois movimentos. Flexner, que viveu entre 1866 e 1958, foi um pesquisador € professor americano que realzou extensa investigagdo sobre ‘2 candigBes do ensino médico nos EUA eno Canads, presen: tando resultados e propostas de mudanca curricular na publ acd Medical Education in United States and Canada, A report to the Carnegie Foundation for the Advancement of teaching (Flexner, 1910), Sua preocupacdo central foi com o desnivel de qualidade entre os profissionais formados nas diferentes es colas médicas. Atento & base cientifia da medicina, enquanto Conhecimento prética profisiona, Flexner buscou apontar a ecessidade da formagio do aluno tanto nas ciéncias em geral cde maneira preparatria 8 meticina, como, er segundo esté io, nas ciéncias bisicas que dio suporte direto 8 medicina, (que seria complementado cam 0 aprendizado profssonal teem préticasclnicas hospitalares conjugadas 3 investign ‘fo laboratorial. Em suas polaveas:“.) Pode-se descrever com jvsteza que 2 moderna mecicina ¢ caacterizada pelo manejo critica da experiénca, (.) No dmbito pedagégico, a medicine ‘moderna, como todas as educagées clentifcas,¢ caracterizade pele atvidade, 0 aluno no mais apenas olha, ouve ou memo: riz; ele faz. Sua pr6priaatvidade no laboratoro e na clinica ¢ © fator principal em sua instrugao € no ensino. (.) 0 progresso da ciéncia da pitica centficae acional da medicina empre- ‘ga exatamente a mesma técnica. () Investigagioe price $30, tentgo, um 26 em espinto, método e objeto.) © hospital & «le pt6prio, em todos os sentidos um laboratéro (Bxraido de ‘Schvaiber, 1989: 109-10) ‘Com essas caracteristicas podemos dizer que 2 refrma pro posta por Fleaner € que foi amplamente acatada sstematizou ‘eformalizou as espectcidades propias 3 moderizacio da me- dlcina e com isco impulsionou essa moderizago, em contraste comas propostas da Medicina Integral e da Mesicina Comunita Fa, que apresentaram reformulacdes para o modelo ja moderne e ensino médico. Fenner, alguns anos depois do referdo estudo, expandiu sua avalingdo das escolas médicas também para alguns pases da Europe, comparando-3s com a situag30 americana, na publica ‘ho Lo formation du médecin en Eurepe e aux Etats-Unis: étude comparative (Flexner, 1927) Para uma melnor compreensio das especifeidades modern: zantes da medicina consulte Luz (1988) e Nogueira (2007) Segio + KOS ‘movimentos constituiram importante base da critiea ao ‘modo progressivamente especializado © segmentador com que a pritica médica vinha sendo desenvalvida e ensinada. Isso porque esses movimentos pretendiam ‘que os médicos, em sua pratiea cotidiana, nfo tr apenas da medicina curativa ¢, ainda mais, aquela cen: trada em ramos especializados, mas que fossem capazes| de um cuidado global do paciente. Bsse cuidado deveria buscar uma concepgio ampla de satide, como horizonte da assistoncia médiea que ofereciam nos servigos, preo- ‘cupando-se também com a prevengio e a reabilitagao do doente para a retomada de suas atividades usuais na vida social (Schraiber, 1989). Buscavam, assim, ampliar a visio do médioo quanto 4 sua intervengio, acreditando com isso que os servigos teriam, por consequéncia, uma reorientagio assisten. cial, E para alcangar essa nova visio, acreditavam ser necessirio e suficiente uma boa reforma curricular. No aso da Medicina Integral, a proposta girava em tomo dda concepgao de uma formagdo mais ampla e integrada integral), com um conjunto de disciplinas no ensino :édico que fosse capaz de rearticular 0 “todo biopsicos- social” a que correspondia 0 paciente. Jé com certa erf- tica ao excesso de aprendizado hospitalar, afastando 0 tluno das condigées de vida usuais do paciente e, assim, tornande dificil sua formagio inserida em um cuidada slobal, a proposta da Medicina Integral viu na introdu- cio de uma disciplina voltada para a Medicina Preventi vva e imediatamente articulada com diseiplinas das eién. cias da conduta e das eidneias sociais, de que se tratard ‘mais adiante também, o instrumento para a integragdo que postulava, entendendo que a propria Medicina Pre- ventiva teceria a coordenagio das disciplinas biol6gicas. No caso da Medicina Comunitsria, movimento que sucedeu ao da Medicina Integral, além de adotar tam- bém as referéncias anteriores, a critica a formagio do ‘médico enfatizou o ensino exclusivamente centrado no hospital. Propiciando 20 aluno apenas o aprendizado nas patologias mais raras e em situagdes apartadas da familia e da comunidade, o ensino hospitalar o impedia de interagir com as patologias mais frequentes e apren- der uma pritiea teenologicamente mais simplifieada, A ‘importdncia desses tltimos aspectos na proposta estava, dada pelo momento histérico em que surgiu: nos anos 1960, a medicina americana j via diffculdades de cober- tura assistencial de parte de sua populagao, sobretudo cearente @ a de idosos, uma vez que tal cobertura ‘estava, como ainda esté até hoje, muito associnda A con- digdo empregaticia. Considerando os custos exescentes dda assistincia médica, que se relacionam com as tecno: logias mais sofisticadas ¢ a simplificagio destas em pri ticas voltadas para as patologins mais comuns, a Medi cina Comunitéria surgia, naquele momento, como uma proposta de reforma capaz de satisfazer tanto a maior integrasao na atenglo prestada, com énfase nas praticas de prevenedo, como a diminuigao dos gastos com a as- sisténcia médica, o que propiciaria uma cobertura mais {cil de ser estendida a toda a populagio. ‘A reforma entao sugerida fo a de acrescentar & forma- ‘edo médica a experiéncia do aluno em priticas assisten- ais extramuros do hospital-escola, localizando-se direta mente nas comunidades e de preferéncia entre as popula- es mais carentes, esse modo, a Medicina Preventiva e a Comunitaria propuseram uma certa rearticulagio dos conhecimentos bbiomédicos na dimensio social e populacional do ndoeci ‘mento, o que ampliaria, segundo os proponentes dessas reformas, a concepgiio acerca do processo side-doenca seus determinantes que a medicina clinica vinha cons- truindo quando enfatizava uma abordagem individual biomédica. Essa critica seria retomada na Saude Co- letiva, que, no entanto, apontou para a necessidade de reformas nao 6 educacionais, mas, sobretudo, do pré- prio sistema de satide e da sociedade: das condigies mercado de trabalho dos profissionais, dos modelos de atengio & populagio, bem como das politicas econdmicas Departamentos de Medicina Preventiva ea Medicina Social AA partir da proposta da Medicina Integea, da criagio de dopartamentos de Medicina Preventiva nas escolas ‘médicas americanas ¢ dos seminarios promovidos pela Organizagio Pan-Americana da Saiide (OPAS) para a di fusdo dessas ideias e a implantagio dessas unidades aca- démicas (OPS, 1976) foram criados os primeiros departa- ‘mentos no Brasil, na década de 1960. Contudo, sua ins- titucionalizagio e expansao ocorreram, efetivamente, na Aécada seguinte, apés a Reforma Universitaria de 1968, Bmbora muitos estudos analisem essa experiéneia na América Latina e no Brasil, dois se destacam por sua abrangéncia e contribuigdes critieas. O primeiro, inici: do em 1967 (Garcia, 1972), vs walingio do ensino dos aspectos preventivos e sociais da medicina, mas foi ampliado para contemplar 0 processo de formagio e suas relagdes com a pritica médica e a estrutura social. Entre 08 tépicos analisados no ensino dos departamentos de Medicina Preventiva destacavam-se as medidas preven- tivas, a epidemiologia, a medicina quantitativa, a orga- nizago e administragio de servigos de saiide, além das ‘chamadas “ciéncias da conduta’, incluindo a sociologia, 1 antropologia e a psicologia social. O segundo estudo ‘(Arouea, 2008), coneluido em 1975, partia do recomhe- cimento das dificuldades no ensino desses aspectos em sociedades que néo produziram mudancas nos sistemas de satide e atribufam diferentes valores & vida humana Capitulo 1 + O que f Saude Coletiva? fem fungio de sua estrutura de classes sociais, situagio que configurava o “dilema preventivista’. A penetragdo da questao do “coletivo” de maneira sistematica como também pertinente & assisténcia mé~ dica aparece como um dos efeitos da implantagio desses departamentos. Originalmente tratava-se de uma certa redugio do social limitada a suas manifestagies no in- dividuo (Donnangelo, 1983) e nao como compreensao da cestrutura social em suas relagdes com a sade, seja como ‘um setor produtivo, um estado da vida ou uma drea do saber. Esse entendimento vai sendo construido, progres- ssivamente, por meio de novos estudos, tempos depois. Assim, as contradigées e conflitos presentes na so- ciedade brasileira possibilitaram uma eritiea ao preven- tivismo e uma aproximagio as concepgdes da Medicina Social elaboradas na Europa no século XIX, a partir das Jutas sociais ali desenvolvidas e, especialmente, das eon- tribuigdes de Rudolf Virchow (Rosen, 1979; Paim, 2006). A produgdo de conhecimentos no Brasil diversifica te- mas, objetos e metodologias, com distintas conotagées para a nogio de “coletivo”: como meio ambiente; como colegio de individuos; como conjunto de efeitos da vida social; como interacdo entre elementos; e *coletivo trans- formado em social como campo especifico e estruturado de praticas” (Donnangelo, 1983: 27). Esta ultima acep- fo, ou seja, 0 “coletivo” que toma o social eomo objeto privilegiado na produgdo do saber e na intervenglo, vai ‘marear o desenvolvimento da Medicina Social no Bra- sil, especialmente em programas de pés-graduacio de determinados Departamentos de Medicina Preventiva e Social e de Hscolas de Satide Publica Quando o governo passou a apoiar algumas linhas de pesquisa em Medicina Social, por meio do Programa de Estudos Socioecanémicos em Saiide (PESES) da Fio- ‘eruz, com 0 auxilio da Financiadora de Estudos e Proje- tos ~ Finep (Escore! 1999), desenvolveu-se um trabalho teérico voltado para a Medicina Social entre alguns de- partamentos de Medicina Preventiva e Escolas de Satide Pablica. Esta aproximagio a Medicina Social, no plano ‘académico, era alimentada por movimentos sociais que ‘colocavam em debate a questo satide e propostas de re- definigdo das politicas de satide no Brasil que resulta ‘ram na Reforma Sanitaria Brasileira e no Sistema Unico de Satide (SUS), EMERGENCIA DA SAUDE COLETIVA A expressio sade coletiva era utilizada desde a dé- ada de 1960 como referéneia a problemas de satide no nivel populacional (OPS, 1976) e em documentos oficiais | que mencionavam uma dada materia do curriculo mi- | nimo do curso médico, proposta pela Reforma Univer- | sitdria de 1968, Essa matéria incluia a epidemiologia, ‘a estatistica, a organizacio © administragio sanitaria, as ciéncins sociais, entre outras. Portanto, a introdugio dosses eontetidos na graduagio dos profissionais de sai de foi iniciativa dos departamentos de Medicina Preven- tiva, junto a seus equivalentes nas escolas de enferma- ‘gem, farmécia, veterindria, odontologia ete. Nos cursos de aperfvigoamento e especializacio, essas diseiplinas cram ministradas pelas escolas de sade piblica que posteriormente passaram a contribuir para a constitui- fio da frea No final da déeada de 1970, a expresso saide ooleti- ‘a foi usada como titulo do primeizo encontro nacional de cursos de pés-graduacio entio existentes no Brasil, de- nominados Medicina Social, Medicina Preventiva, Satide Comunitéria e Satide Piibliea. Nessa oportunidade, foi proposta a criagao da Associagao Brasileira de Pés-gra- rmeira turma a colar grau foi a da Universidade Federal do Acre, em agosto de 2012, A Satide Coletiva brasileira consolidow-se como es: pago multiprofissional (que reiine diversas profissies) € interdiseiplinar (que exige a integragio de saberes de diferentes disciplinas). Seu desenvolvimento, tanto ‘teérico como no que diz respeito ao ambito das préticas correspondentes, tende a ultrapassar as fronteiras dis ciplinares. Nessa perspectiva, sua evolugao tem sido na diregio de um campo, no sentido concebido pelo socislo- 0 Pierre Bourdieu’, que corresponde a um microcosmo social relativamente auténomo, com objeto espeetfico — 1 satide no mbito dos grupos e classes sociais ¢ com prticas também especificas, voltadas para a andlise de situagdes de sade que incorpora o conhecimento pro- auzida sobre os determinantes sociais e biolégicos da satide-doenga, a formulagio de politicas e a gestio de processes voltados para o controle desses problemas no nivel populacional CONSTR FINAIS: RELACOES ENTRE A SAUDE COLETIVA, A REFORMA. SANITARIA E 0 SUS Como conclusées deste capitulo, 6 possvel destacar que a Satide Coletiva no Brasil apresenta x peculasi- dade de ser construida a partir de uma conjuntura na ‘qual a questio democriticn era debatida pela sociedade civil, especialmente por movimentos sociais,ieluindo os segmentos popular, estudantil, sindicale de classe mé- dia (ntelectuais, profasionais de sade, artistas, advo- szados etc), além da academia (universidades,institutos de pesquisa e escolas de sade pblica). Essas forgas, ‘a0 mesmo tempo que combatiam a ditadura, defendiam 1 democratizagio do Estado e da sociedade, bem coma © resgate da divida social acumulada em periodos de crescimento econdmico, quando o Prodato Interno Bruto (PIB) crescia, em média, 10% ao ano (1968-1973). Destaca-se naquela conjuntura 0 movimento pela democratizagio da side, conhecido como Movimento da Reforma Sanitaria ou “movimento sanitirio", que pro: ‘Wein o Capital 38, no aul esse problem &discutio. Capitulo 1 + O que £ Saude Coletiva? 1. punha o reconhecimento do direito & saide como ineren- te & conquista da cidadania. Tem como marco a ergo do Centro Brasileiro de Estudos de Satide (Cebes), em 1976, que promoveu debates e a divulgagio de textos, socializando 0 conhecimento critica produzido por de- partamentos de medicina preventiva e social, escolas de saxide ptblica e programas de péis-traduacio e pesquisa Esto conhecimento critico nao s6 apontava para a de- sradagio das condigies de vida e da satide da populagio brasileira, mas procurava expliear a determinagio social do processo satide/doenca e da organizagio das préticas de sate, Muitas professores, pesquisadores ¢ estudantes de graduacio © pés-gradungao envolvidos em atividades de ensino, pesquisa © extensio, junto aos segmentos populares e dos trabalhadores, também participavam do movimento sanitirio, Propuseram, desde 1979 ¢ por meio do Cebes, a criagio do SUS, com cardter pibtico, deseontralizado, integral, democritico © com uma ges- ‘40 participativa. Da perspectiva académica realizaram 1uma critica os limites da Medicina Preventiva, da Me- dicina Comunitaria, da Satide Pablica e da Medicina da Familia (Paim, 2006). Surgiu dai a Satide Coletiva, como 1 possibilidade de construir algo novo, seja no conhect mento, seja nas agées de sate, inicialmente apenas ‘como uma designagio alternativa mas, progressivamen- te, como a construgio de um campo interdiseiplinar ¢ Ambito de priticas. ‘Consequentomente, esse “algo novo” jé surge articus lado a ideia da Reforma Sanitaria, Muitos dos formula- dores da Satide Coletiva também foram construtores & militantes da RSB, 0 Cebes, como um de seus sujeitos coletivos, utilizou a revista Saiide em Debate & a publi eagio de livros para divulgar muito do eonhecimento produzido nas instituigGes académicas, bem como as experiéncias dos servigos de satide e das comunidades organizadas em defesa do direito @ side. E a criagio da ABRASCO veio somar esforcos pela coneretizagao da RSB. Assim, essa associngéo © seus docentes ¢ pesdqui- adores contribuiram com a elaborago de textos e pa- lestras para a zealizagio da 8 Conferéneia Nacional de Satide, destacando-se 0 documento de referéncia intitu lado “Pelo Direito Universal & Side”. Do mesmo modo, tiveram um importante protagonismo no processo de laboraciio da Constituicdo de 1988 na temética da sai de, hem como na aprovagio das leis 8.08090 e 8.142/90, que estabeleceram, respectivamente, a organizacdo do SUS e o controle social mediante conferéncias ¢ eonse- Thos de sai Diversos autores sugerem, portanto, uma forte ar- ticulagio entre © campo da Satide Coletiva © a RSB, ‘pelo menos em sua origem ¢ na conjuntura de transicao demoerétiea. Ainda que a ABRASCO, enquanto “porta -vo2" do campo, mantenha-se nas trds wltimas décadas ‘como sujeito coletivo atuando em prol da consalidagio do SUS, na dependéncia da composicéo de suas diretorias da correlagao de forgas presente nas conjunturas, ha {ndagagies sobre a permandneia desse vinculo orginico entre a Saiide Coletiva ea RSB. Quando a RSB foi investigada como ideia, proposta, projeto, movimento e processo (Paim, 2008), foi possivel ‘identificar indicios dessa organicidade, pois 0 estudo, indiretamente, abordava ¢ refletia sobre um campo em ‘emergencia ~ a Satide Coletiva Na contemporaneidade, pode-se afirmar que a Sati de Coletiva instituiu-se, consolidande espago especifico fe auténomo, e como tal, vive em continuo processo de reafirmar-se socialmente, Mas reafirmar-se, reproduzin- do os valores e as perspectivas histérieas que animaram sua eriagdo, € também estar envolto em novos questio- namentos a exigirem sua renovagio, reapresentando- -se novamente como campo capaz. de propor “algo novo” (Schraiber, 2008), O vinculo com a Reforma Sanitaria conquistado em suas raizes histérieas e o sistema de satide existente so hoje parte desses questionamentos: de que modo eles ainda estariam representando “algo novo”? Para além da Reforma Sanitaria e do SUS, essa indagagio igualmente perpassa 0 conjunto das conquis- tas da Satide Coletiva, expressando a tensao entre o que ji se tornou uma tradigao, seu eorpo instituido de sabe- res e priticas, © novos desafios, por fazer mais e melhor ‘em torno do conquistado, reinventando-se como campo, ‘Trata-se, portanto, de formular novas perguntas para que este “novo” seja sempre posto em questiio, ou para confrontar com o tradicional, evitando certas res: tauragdes, on para realizar pesquisas e reflexdes que fundamentem a praxis transformadora de sujeitos indi viduais e coletivos Referénctes.. ABRASCO, Encino da saide pica, medina preventive e sci no Bras. Rio de ane Nile de Ycnoogia ucaconal paras Sal. de, UFR Cento Latino- Americana de Tecnologia Eucainal para 2 Sade (Orgrizagto Panamericana a Said), cola Nacional de Saude Pubes, Foen 1982 rouca ASS, 0 cera prevertivita:conubukdo para a compreen- ro cicada medina preventive S30 Pavlo-Rio de Janek! 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Justamente em funglo dessa diversidade de defini- 48es de saiide, os paises vinculados A Organizagio das Nagées Unidas (ONU) que criaram a Organizagio Mun- dial da Satide (OMS) em 1949 convencionaram afirmar que saide ¢ o completo bem-estarfisico, mental e social ‘enio apenas a auséncia de doencas. Ainda assim, muita controvérsia existe em torno de tal definigio. [No fim do século passado, considerava-se que uma das tarefas intelectuais mais instigantes e oportunas ‘seria fundamentar uma concepgiio e uma pritica vineu- ladas i ideia de sate. Ainda atual e relevante, trata-se de um ambicioso projeto que visa transformar a forma hhogeménica de conceitualizar a saide, desmedicalizé-la, ppassando a concebé-ta como capacidade social para go: zar a vida, ter prazer em viver e congquistar a qualidade de vida (Najera, 1992). Enfim, satide reconhecida como ‘qualidade de vida, solidariedade, alogria de viver, go20 festético, prazer, axé (energia), projeto de felicidade Pai, 1994; Mendes-Gongalves, 1995; Ayres, 2002). De fato, o termo satide! designa um conceito rico e ‘complexo, de grande interesse filoséfico, cientifico e pri- AGabe do pronto uma anotayio etimoligica. No idioma portugués, ‘term side derivn de ume mesma raiz etimoligica proveniente Go latim Salus, om que designava oatributo principal des cores in feiros intactos,intogros. Dele deriva um outzo radical de interesse [para 0 noso tema ~sahus ~ que no latim medieval conotava a si “Eenclo de euperacho de amengas A integrdade sia daa ajeitos tico, assim como nogdes do discurso comum, centrais para o imaginério social contemporaneo. Para respon- der essa questo, podemos tomar como hipétese, apenas para inicio de conversa, que a sade 6 uma realidade ‘iiltipla e complexa, referenciada par meio de conceitos (pela linguagem comum e pela Filosofia do Conheci- mento), apreensivel empiricamente (pelas ciéneias bio ogicas e, em particular, pelas ciéncias clinicas), ana lisdvel (no plano légico-matemético e probabilistico, por meio da Epidemiologia) e perceptivel por seus efeitos sobre o modo de vida dos sujeitos (por meio das Ciéncias Sociais ¢ Humanas). Essa questo ¢ a hipétese dela decorrente se desdobram em uma série de perguntas conceituais que anima o debate atual a propésito das bases filoséficas, cientificas e praticas do conhecimento sobre fatos ¢ fendmenos, ideias e proces 808 relativos a satide. Por um lado, é preciso propriamente perguntar s0- bre a natureza e as propriedades do conceito de satide tem si, como objeto de conhecimento e como operador de transformagées no mundo ena vide dos sujeitos que nele habitam, Kis ai uma questio fundamental: serd a saui- de uma coisa? Mas 0 que é uma “coisa”? Um algo com materialidade, tangivel, mensurdvel? Uma existéncia sensivel (no sentido de ser capaz de ativar nosso apa- rato sensorial)? Um ente provide de coneretude? (Nao lesquecamos que por muito tempo falava-se de “entidade mérbida” para designar quadros de doenca, problemas de satide ou fendmenos correlatos.) Por outro lado, é preciso questionar o sentido e o lu gar das praticas pessoais, profissionais, institucionais sociais que, de modo articulado, conformam os espagos onde a satide se constitu, Sera a satide um campo cultu- ral? Campo cientifico, campo de saberes, campo de pré cas sociais? E que natureza, modalidades e condigoes de cexisténcia distinguem tais priticas de tantas outras da vida humana em sociedade? Nesse caso, designar atos 4 Segio I + EIXOS de promogio, protegdo, cuidado e prolongamenta da vida como servigos de satide seria redundante? [Em sintese, varias dimensées ou facetas do conceito smide, reconhecidas por diversos autores, ropresentati- vos de distintas escolas de pensamento, compem a pau: ta deste capitulo: 1, A questo conceitual da satide como problema filo: séfica (ou mais precisamente, epistemolégica) crucial para o reconhecimento dos saberes sistemsticos refe- vidos 2 questdes de vida, funeionalidade, compoton- cia, sofrimento, dor, afigdo, ineapacidades, restrigses vitais e morte, 2, A satide como fato, atributo, funcio organica, estado vital individual ox fenimeno natural, definide nega- tivamente como auséneia de doengas e incapacidade ‘u positivamente coma funcionalidades, capacidades, nevessidades e demandas. 3. A medida da satide no sentido de avaliagio do estado de saiide da populagao, indicadores demogréficos e epidemioligicos, anilogos de visco, eompetindo com cestimadores econométricos de salubridade ou carga de doenga, 4. 0 valor da satide; nosse easo, tanto sob a forma de procedimentos, servicos e atos regulados e legitima- dos, indevidamente apropriados como mereadoria, ‘quanto como direito social, servigo pablico ou bem co- mum, parte da cidadania global contemporanea, 5. A praxis da suiide, enquanto conjunto de atos sociais de cuidado e atencao a necessidades e caréncias de side e qualidade de vida, conformados em campos subcampos de saberes e priticas institucionalmente rregulados, operada em setores de governo ede merca- dos, em redes sociais e institucionais. No decorrer do capitulo, cada um desses tomas eer sucossivamente apresentade e discutido, destacando sua diversidade de formas e realgando suas diversas facetas, modos e estruturus conceituais, respeitosa da complexidade dos fondmenas, eventos ¢ processos da ssavide-doenga-cuidado. QUESTAO CONCEITUAL DA SAUDE Nesta segio, apresentamos uma discussio geral das distintas facstas da satide como conceito filoséico, Pra ticamente todos os fldsofos classics, om um ow outro momento de suas obras, referem-se a temas relaciona- dos oom a saide e a doonga em suas obras. Sem divide, ‘a natureza da save constitu questio filosdfca secular. (0 grande filésofo grogo Plato, considerado fundador da Filosofia Ocidental, defendia uma oposiglo conceitual ‘entre virtude ¢ vieio, Virtude significa “saide, beleza, ‘boa disposigée de animo"; ao contririo, visio impliea “doenga, fer, fraquera". Com a intengto de demarene uma diferenga essencial entre os conceitos, Plato poe nna boca de Séerates a seguinte afirmacio: “Engendrar fa satide & estabelecer, conforme a natureza, relagies de ‘comando e submissio entre os diferentes elementos do ‘corpo; engendrar a doenca & permitir-Ihes comandar ow ser comandados um pelo outro ao arrepio da natureza” Plato, 2004: 146), Aristiteles apresenta a diade saiide-doenga como ilus- traglo de que opastos se encontram em contradigio no ‘ecessariamente por serem um verdadairo e outro falso. Para ele, dizer que “o homem é sadio" significa atribuir- -Ihe uma qualidade afirmativa; do mesmo modo, dizer “0 hhomem é doente” também ¢ atribuir-Ihe uma qualidade afirmativa, Nesse sentido, “doente” endo sadio” no que- rem dizer a mesma coisa, Assim, Aristovelos conclui que: “por exemplo, savide e doenca sfo contrérios, mas nem um rem outro é verdadeiro nem falso. [..] 0 bom & 20 mesmo ‘tempo bom e nao mau (Aristételes, 1985: 164). [Na época moderna, o filésofe francés René Descartes desenvolve duas ideias contzais sobre satide que pare- ccem contestar a viso contemporanea predominante que ‘toma seu pensamento como mecanicista, reducionista © ualista, Por um lado, defende queas sensagies da enfer~ midade (dor, sofrimento) e das necessidades (sede, fome) — 0, conforme indica implicitamente, de satide e de feli- cidade — resultam da unifio e da con-fusio mente-corpo. Por outro Indo, pretende demonstrar racionalmonte a cexisténcia da alma ao duvidar que um mecanismo feito de ossos, nervos, miisculos, veins, sangue e pele possa funcionar pela mera disposigao de érgios e sistemas (Descartes, 2004), No final do séeulo XVII, Immanuel Kant levanta duas interessantes questies relativas a0 conceito de satide, Primeiro, postula uma oposicio dialética entre ‘terapeutica (clinica, referida & docnga) o dietétiea (pre- ventiva, referida a satide). Segundo, define o sentimen- to de satide como uma das faculdades privadas do ser ‘humano, Na perapectiva terapéutica, a satide mio tem qualquer relevancia, pois o que se pretende & a supres- so ou eliminagio da doonea por fatores e procedimentos priticos. Na perspectiva da dietética como prevencao, bbuseava-se aplicar a racionalidade cientifica para pro- toner a satide, reduzindo a possibilidade de ocorréncia de doencas. Em relacio ao segundo ponte, o sentimento do saiide ndo pode deixar de ser ilusério, uma aparéncia fagaz, jd que a sensacao de bem-estar nao implica que 1 doonca esteja efetivamente ausente. O sentimento da doenga, este sim, ser4 indubitavel e inapelavel: sentir-20 ‘mal significaria sempre auséncia de saiide (Kant, 1993). Grandes filésofos contemporaneos se notabilizaram justamente por escrever sobre temas de satide e correla- tos, como Canguilhem, Heidegger, Gadamer e Foucault 0 filésofo francds Georges Canguilhom, em sua obra inaugural O Normal e o Patoldgico (2006 (1943), argu Capitulo 2 + Conceitos de Satide: Atualizagio do Debate Teérico-Metodolégico 15 ‘menta que no se pode considerar a doenga como fato objetivo, posto que os métodos da ciéncia clinica sé tem acapacidade de definir variedades ou diferengas, descr tivamente, Nessa perspectiva, 0 patolégico corresponde diretamente ao conceito de doen¢a, implicando o contra- rio vital do sadio. As possibilidades do estado de saide ssdo superiores as capacidades normais: @ sadde institui e reafirma uma certa capacidade de ultrapassar as crises determinadas pelas foryas da doenga, permitindo dessa ‘maneira instalar uma nova ordem fisiolégica, Canguilhem (2006) toma ® normalidace como categoria mais ampla, que engloba a satide e 0 patolégico como subeategorias dis- tintas. Nesse sentido, tanto satide como doenga sio nor: ‘malidade, na medida em que ambas implicam uma norma de vida, sendo a saiide uma norma de vida superior e a doenga uma norma de vida inferior. A satide transeende 4a perspectiva da adaptagio, superando a obediéneia ir- rrestrita ao modo de vida estabelecido, Ela é mais do que isso, na medida em que se constitui justamente pela transgressiio de normas e pela transformagio das fan- ‘bes vitais. Ainda assim, a tese desse autor limitou-se ‘aos aspectos fisicos, recorrendo em sua argumentagio | a exemplos de patologias como diabetes. Evitou, por exemplo, problematizar a questo mais complexa da satide mental. grande pensador francés Michel Foucault (2011), considerado discipulo e herdeiro de Canguilhem, it ialmente buscou estudar o surgimento dos padrdes de normalidade no ambito da medicina. No contexto de re- ‘eonstrucio cultural do século XVIII, buscava-se intervir sobre o individuo humano, seu corpo, sua mente, e nio ‘apenas sobre o ambiente fisico, para com isso recupers- lo para a produsio, Listar as possibilidades normais de rendimento do homem, suas capacidades, bem como os parimetros do funcionamento social normal extrapola- Fam o campo médico e passaram a ser tarefas da medici- ‘na mental, da psicologia e das ciéncias sociais aplicadas, Posteriormente, Foucault antecipa uma definigo poli- ‘tica de satide como capacidade adaptativa aos poderes isciplinares ou submissio dos corpos ao que designa ‘camo biopoderes, No iiltimo trabalho de sua vida, Canguihem (1990) ‘a obra de Kant que, como vimos, teria funda- a posigao de que a satide é um objeto fora do do saber e que, por esse motivo, nunca poderia jum conceito cientifico. Canguilhem propse que a 4 uma questao filoséfica na medida em que esté do aleance dos instrumentos, protocolos e aparelhos satide individual, privada e subjeti -se nesse easo de uma satide sem conceito, que ma relagao praxica do encontro médico-paciente, ‘exclusivamente pelo sujeito doente e seu médi- & Almeida-Filho, 1999), A ideia de que a satide ¢ algo individual, privado, singular ¢ subjetivo tem sido recentemente defendida polo filésofo alemo Hans-Georg Gadamer. Segundo esse tutor, 0 mistério da satide encontra-se em sua interio- ridade radical, em seu cardter rigorosamente privado (Almeida-Filho, 2011). A satide no se revelaria as ou- tras pessoas nem se abriria a instrumentos de medida, com outros gradientes biolégicos. Por esse motivo, nio faria sentido pensar em uma distingao entre saide e en- fermidade. Trata-se de uma questo que diz respeito so mente a pessoa que esti se sentindo enferma e que, por no poder mais lidar com as demandas da vida ou com os temores da morte, decide ir ao médico. A conclusio de Gadamer ¢ singela: por seu carter privado, pessoal, radicalmente subjetivo, a saiide nio constitui questo f- loséfica e nunca podera ser red E certo que a perspectiva, sade privada, inerente, enigmatica, radicalmente subje- tiva, justificaria considerar a inviabilidade de uma abor- ‘dagem cientifica da saide. Entretanto, uma das prin- cipais proposigées de Gadamer resulta crucial para 0 avango de uma formulagio alternativa do objeto cien- tifico da satide. Apoiando-se, como Ihe 6 caracteristico, em um argumento etimolégieo, defende a ideia de que a smide é inapelavelmente totalizante porque seu conceic to indica dirctamente integralidade ou totalidade, Por essa via, como veremos adiante, a nogio gadameriana do “enigma da snide” termina por abrir caminho a uma abordagem holistica do conceito de satide. Apesar disso, Canguilhem (1990) opde-se a exclusio. dda satide como objeto do campo eientifico, anteeipando ‘uma posigo antagénica a de Gadamer. Ele considera 4que @ satide se realiza no genétipo, na histéria da vida do sujeito e na relacio do individuo com o meio, dai por- que a ideia de uma satide filoséfien nio contradiz tomar a satide como objeto cientifico, Enquanto sate filoséfica compreende “satide individual’, sate cientifica seria a “satide piilica’, ou seja, satide dos coletivos humanos, ‘uma salubridade que se constitui em oposigio a ideia de morbidade, Com base nesse argumento, a satide fi- loséfica nao incorpora apenas a satide individual, mas também seu complemento, reconhecivel como uma sac de pibliea, ou melhor, publicizada (ou melhor ainda, po- litizada) que, no Brasil, chamariamos de Satide Coletiva (Paim & Almeida-Filho, 2000), SAUDE COMO FENOMENO NATURAL Independentemente da perspectiva filosofica assu- mida, satide como fenémeno pode ser entendido tanto ‘om termos da positividade de sua existéneia como em re- lagiio aos niveis de sua referéncia como objeto de estudo. Desse ponto de vista, a satide pode ser conceituada como fato, evento, estado, situaglo, condigdio ou processo, 16 Segao + exOs O primeiro recorte se refere & positividade do con- ceito, Nosse aspecto, saiide tem sido definida negati- vamente ou positivamente. Na concepsio negativa, 0 termo satide implica mera auséncia de doengas, riscos, agravos @ incapacidades, Na vertente positiva, saide pode denotar desempenho, funcionalidades, capacidades e percepgies. No segundo recorte, que compreende niveis de refo- réneia ou planos de existéncia, fendmenos de satide ocor- rem em niveis coletivos (populacional ou social) e indivi duais (subjetive ou clinico). No primeiro nivel, em ambito coletivo ou agregado, conceitos de satide tém sido postulados como estado, si- tuagio ou condigio atribuida a grupos ou populagdes hu- ‘manas, em espagos geogrfica ou politicamente defini- dos, ecologicamente estruturados e socialmente determi nnados. Nessa acepeiio, medidas ¢ indicadores de satide tém sido desenvolvidos e aplicados, particularmente nos campos disciplinares da Epidemiologia e da Economia dda Satide, a partir de referencial metodol6gico numérico ou estatisticn ‘Agora podemos analisar o segundo nivel ou plano de ocorréneia: a saide em Ambito individual ou singular. Nesse nivel, conceitos de satide tm sido considerados, por outro lado, por referénein a capacidade, estado on condieio individual, em uma porspectiva predominan- temente fisiopatologica que se situa, mais precisamente, nos subcampos do campo cientifico da Biologia Humana, Nessa vertente, o termo saiide tem sido telacionado a ‘uma, ou mais de uma, das seguintes ideias: (a) fungi regulada ou padrio normal de adaptagho bicecoldgica (estado resultante da manutencio ou restabelecimen- to de um equiltbrio dindmico organismo-ambiente; (¢) controle ou neutralizacéo de agentes, estimulos e pro ceess0s patol6gicos;(d) condigao resultante da correo de defeito, les, falta ou deficit em organismas vivos. Satide como equilibrio A mais antiga teoria naturalista sobre sofrimento, doonga, vida e morte, ainda vigente, atribuida a Hipd- crates, considerava a saide como estado de equilibrio vital. Essa doutrina postulava a existéncia de quatro |humores constituintes do corpo: bile amarela, bile ne- gra, ficuma sangue. No modelo hipoerética, a satide cera definida como perfuito equilibrio entre os humores e dosces com os quatro elementos constituintes do mundo: ar, fogo, terra e dua, O eonceito de saiide como equilibria © da doenca como descompensagio persiste em diferentes cosmolo gias, Nas culturas asiticas, as nogdes de satide e doen- ga predominantes ainda hoje conservam o essencial das antigas tradigées hipocritica e galénica da medicina, ‘Acreditam em forgas vitais que animam o corpo: quando ‘essas forgas operam de maneira harmonioso, hi sade; ‘aso contrario, sobrevém a doenga, As medidas terapéu- ticas desses sistemas médicos tradicionais (ventosas, sangrias, acupuntura, ioga) tém por objetivo restaurar o fluxo normal de energia no corpo doente e recuperar 0 ‘cquilibrio em sua relagio com o ambiente ‘As nogtes de satide como harmonia entre ambientes humores sobreviveram nas teorias médicas dos séculos XVII ¢ XVIIL No entanto, essa concepgio ganha farga particular no séeulo XIX, a partir do advento da medi- cina experimental de Claude Bernard, quando surge @ ideia de meio interior e 0 principio da autorregulacdo, Com a fisiologi sistémien de Bernard, 0 tema do equi librio ganhou novas formas e forgas na modelagem da Ihomeostase e na redefinigio do eoncaito de equilibrio hidroeletroitico em bases biomoleculares (Coelho & Al meida-Filho 1999) Na perspectiva darwiniana da evolugio bioligica, principal avango das ciéncias da vida no eéeulo XIX, a doenga infecciosa significa um acidente na competigio entre duas espéeies. Em um periodo de tempo suficien- temente longo, a espécie humana e os micrarganismos patogénieos tenderiam a adaptar-se mutuamente. 0 pa- égeno passaria gradualmente da situagZo de parasita a de comensal. No comeso, a enfermidade seria grave e ‘mortal, para ir se tomando gradualmente mais benigna medida que uma adaptacio mitua se processa ‘Também as chamadas doengas crénicas degenerati vas podem ser interpretadas-em uma abordagem biologi- ca evolutiva. A ocorréncia de patologis pode signfiear 0 prego pago pela espéeie humana em sua adaptacio a no- vas condigdes ambientais, Modificagdes em dieta podem ser responsabilizadas por quadros metabélicos: novas substanciae do alto poteneial alergénico, sintetizadas pela indistria ¢ langadas no ambiente, podem alterar signifcativamente o sistema imunolégico humano. A twansigho demogréfica implica aumento da expectativa de vida, 0 que possiblita 0 aparecimento de processos neoplisioos degenerativos. A mudanga cultural provo- cada pela modernizagio ¢ a adaptagio a vida urbana causam sedentarismo ¢ estresse, eatisando sobroearga fisiopatolégica para o sistema circulatério e aumentanda 6 wiseo de transtornos mentais. ‘A compreensio da doenga como excesso ou falta & ‘mais evidente quando se trata de sintomas resultantes dia exacerbagio ou redugio das fungies normais, desig- nados por prefizos refurentes a excesso ou falta, como hiperglicemia e hipoglicomia, hipertensio e hipatensio, Essas abordagens articulam-se em modelos dindmicos 4 patologia, nos quais a ideia de compensagio nfo se resume a suprimento de caréncias, mas implica estra- tégins diagnésticns © torupéuticns de reequilbragio dos processos metabdlicos e sistémicos. A despeito das dife- rentes interprotagies do que seria o conceited “equili Capitulo 2 + Conceitos de Sauide: Atualizagao do Debate Tedrico-Metodolégico 17 brio’ no ambito da satide, o que possibilita o tratamento e restabelecimento de pacientes com doencas erénicas no infecciosas, como transtornos mentais, diabetes e hipertensao, sio as nogdes de satide como equiltbrio, doenga como deseompensagio e eura como sinénimo de estabilizacdo, Saude como funcionalidade 0 filésofo norte-americano Christopher Boorse deft ne “funcionamento normal” por referéncia ao termo “efi ciéncia’, tomando 0 ambito da populacio como base para ‘sua definigio de “normalidade estatistica’. A fim de po- der usar o conceito de fungio para definir satide, Boorse (1997) aplica esse construto tanto a doengas que se ma- nifestam como enfermidade como aquelas condigdes Ia- tentes ou assintomatieas (Almeida-Filho & Jucé, 2002). Propae como alternativa o conceito de funcionamento nor. ral capaz de tornar o funcionamento orginico em estado ou condigio de normalidade (funcional). Boorse identifica fenémenos patolégicos que propése descartar como anoma- lias toGricas: (a) enfermidades estruturais —dextrocardia, deformidades menores ete. — nfo poderiam ser identifica- das como doenea porque nfo representam “problemas de satide"; () enfermidades universais —edrie, aterosclerose te, ~ também niio deveriam ser assim classificadas por- que transgridem o eritério bioestatistico de satie. ‘A perspectiva boorseana propée como base para um conceito tedrico de satide o mesmo registro da antinomia biolégica vida-morte. Como eixo de estruturagao de uma teoria da satide, prope o uso do termo “normal” no lugar de “satide" e de patolégico em substituigho a “doenga”. Isso porque 0 termo “patolégico” seria mais preciso por ‘sua correlagio com as ideins de fungio bioldgica e nor- ‘malidade estatistica ‘A fungio normal se define pela contribuigao indivi- ual, “estatisticamente tipica” em relagio & classe de re- feréncia, para a sobrevivéncia e reprodugao da espéci. Patologia: redugio da “eficiéncia tipiea” implicada na fungio normal. Satide significa simplesmente auséneia de patologia. Sendo 0 conceito de “condigdo patologica” formulado nesses termos, aparentemente justifica-se plano léqico uma definigio de satide como auséncia doenga, Assim, Boorse termina indicando que, além inexisténcia de patologia, 0 conceito de sade poder licar simplesmente normalidade, sempre no sentido ‘auséncia de condigdes patolégicas (Almeida-Filho & 2002). Pociemos resumir os elementos essenciais da teoria wna de saxide-doenga, que seriam: satide como objeto tebrico; naturalismo ou objetividade na distingdo satide e doenca; ‘conceito de doenca relacionado com 0 cumprimento de- ficiente de uma fungio biolégica comprometida porque ‘um dos componentes dessa fungio encontra-se fora da normalidade estatisticamente definida; «. satide como auséncia de doenca. Bm conelusio, Boorse insiste na proposta de uma teoria negativa da satide, na qual o fendmeno da sai- de poderia ser definido como auséncia de doenca, Nao obstante, reafirma sua conceituagio da doenga como re- ugio da “eficiéncia tipiea” implicada na fungao normal. Em consequéncia, vé-se forgado a definir satide nos ter. ‘mos funcionais (ou “bioestatfsticos’) da fisiologia, en- ‘quanto doenga ¢ vista paradoxalmente como auséncia de satide. Emerge do contraponto logico deste argumento 1 formulagio de que a doenga pode ser definida como ni cumprimento (total ou parcial) de funcao biolégica, fa qual se encontra comprometida porque um de seus componentes encontra-se fora da normalidade “bioesta tisticamente” definida. Afinal, na teoria biol6gica de fun- io (¢ seus desdobramentos), satide pode ser entendida como eficiéncia funcional, enquanto doenga ou patologia se define por falha, defeito, desvio ou déficit de funcio, sendo, portanto, rigorosamente, auséncia de normatida- de (Almeida-Filho & Sucé, 2002). ‘Satide como auséncia de doencga Inicialmente, devemos assinalar que a quase totali- dade dos autores que esereveram sobre o tema apresen- tam propostas marcadas por uma referéncia predominan- temente biolégiea. Dai decorrem, quase inevitavelmente, teorias nao da satide, mas dos processos patoligicos & seus correlatos, em que satide 6 vista necessariamente como auséncia de doenga. Como consequéncia, observase ‘uma énfase nos niveis subindividual e individual, em que efetivamente operam os processos patolégicos viven- ciais. Essa cadeia logica de omissdes impossibilita uma conceituagao coletiva da sutide (a ndo ser, é claro, como somatério das auséncias individuais de doenga). A concepefio de doenga como auséneia de satide no se restringe a modelos biolégicos ou naturalistas de pa. tologia. A teoria do papel de doente (sick role) constitui ‘a primeira referéncia conceitual, robusta e consistente, para definigées de enfermidade-sickness como compo- nnente societal do objeto complexo doenga, como veremos adiante (Parsons, 1975). A teoria funcionalista parsonia- nna serviu de matriz tedrien para abordagens da satide in- dividual como papel social, desempenho, funcionamento, atividade e capacidade, entre outras, que foram poste riormente condensadas na concepgio da satide enquanto bem-estar social, earacteristiea da retérica contempo- rinea sobre “qualidade de vida”. Nesse quadro, sade implica funglo social, estado de eapacidade étima para desempenho efetivo de tarefas socialmente valorizadas permitido pela auséneia de enfermidades, 18 Seco + EXOS Em uma formulagao tedrica estruturada que deno- mina “fenomenologia da satide", a teoria de Pérn-Nor denfeld estabeleee uma distingfo entre doenga objetiva ‘e doonga subjetiva (Nordenfold, 1995). A doenga cbjetiva 6 definida pelo potencial de capacidade funcional nao atingido por causa da doonga, enquanto a satide objet ‘va eorresponderia ao efetivo exereicio dessa eapacidade fancional. A moléstia (ou nfo satide) subjetiva teria dois ‘componentes: a consciéneia de doenga ("mere belief or ‘awareness that someone is ill’) © 0 sentimento de doenga Coed of mental states associated with illnees"). Desea ma: neira, postula Nordenfold (1995), uma pessoa P é ou esti ‘subjetivamente sadia se, e somente se: 1. nio se encontra subjetivamente enferma, 2. acredita ou sabe que est sadia ou 3, nao experimenta um estado mental associado a alguma _moléstia objetiva porventura existente. A insisténcia dosses autores em postular uma “me: Aicina te6rica” parece contraditéria com uma auténtica postura “naturalista”. Na perspectiva médiea classiea, 0 naturalismo encontra-se intimamente vineulado a ativi- dade clinica (Good, 1984). 0 alhar © 0 toque clinico, a0 agirom sobre a realidade corp6rea, docifrariam os pro- ‘cessos patolégicos, tragando uma diferenciagio entye cestados de doenga e estados saudéveis. Sempre no ref. rencial do naturaliemo, recentemente eresco 0 movimen: to denominado “medicina baseada em evidéncias”, que desloca a fonte de referineia da eficdeia da biomedicina {da experiéncia clinica para a demonstraciio experimen- tal e para os estudos de meta-andlise a partir da epide miologia, Uma anotagio complementar: de acordo com Can. uilhem (1990), satide como perfoita auséneia de doen: ‘ga situa-se no campo da anormalidade. O limiar entye saiide e doenga 6 singular, ainda que influenciado por planos que transcendem o estritamente individual, como ‘cultural eo socioeeonémico. Em iltima instéineia, a in- ‘luéneia dosses contextos dé-ee no nivel individual, En: tretanto, tal influéneia ndo determinaria diretamente resultados (satide, vida, doenga, morte) dessa interagio, nna medida em que seus efeitos eneontram-se subordina- dos a processos normativos de padronizagio, Satide-doenca como processo 0 principal modelo processual dos fendmenos pato: Yogicos, desenvolvido no seio das ciéneias biomédicas, fi batizado de modelo de Histéria Natural dar Doenga (HIND), como mostra a Figura 2.1, Nas palavras dos principais sistematizadores desse modelo, denomina-se “histéria natural da doenca o conjunto de processos inte- rrativos que criam o estimulo patolégico no meio ambien- te, ow em qualquer outro lugar, pasando pela resposta do homem ao estimulo, até as alteragdes que levam a um defeito, invalidez, recuperagdo ou morte” (Leavell & Clark, 1976: 7), (O modelo da HIND considera a evolugtio dos proceso patolégics em dois periodos consecutivos que se articu- Jam e se complements. Os periodos slo: pré-patogéne- se, quando manifestagbes patoldgicas ainda nio se ma: nifestaram, e patogénese, em que processos patolégicos 4 se encontram ativos, A pré-patogénese compreende a evoluetio das intor- relagées dindmicas entre condicionantes ecolégicos © socioceondmicos-culturnis e condigdes intrinseeas do sujei- to, até 0 estabelecimento de uma configuragio de fatores propicia & instalaglo da doenga. Envolve interagdes en- tre elementos ou fatores que estimulam o desencadea- ‘mento da doenga no organisma sadio © condicées que permitem a existéncia desses fatores. Na pré-patogénese, o conjunto resultante da estru- turagdo sinérgiea das condigées e influéneias indiretas proximais ou distais — constitui ambiente gerador da doenga. Fatores que produzem efeitos diretos sobre as fungdes vitais do ser-vivo, perturbando-as e assim pro- duzindo doenca nos sujeitos, sao denominados agentes ppatogénieos, Esses agentes levam estimulos do meio am- biente ao meio interno do ser humano, operando como twansmissores de uma pré-patologia gerada e desenvol vida no ambiente, Por sua presenga ou auséncia, atuam também como iniciadores ¢ mantenedores de uma pato- logia que passaré a existir no ser humano. Ao se consi- derarem as condigies ideais para que uma doenga tenha inicio em um individuo suacetivel, nesse modelo, ne- nhum agente sera por si s6 suficiente para desencadear 0 processo patoldgico. A eclosio da docnga depende da articulagio de fatores contribuintes (ou determinantes pparciais), de modo que se pode pensar em uma configu ragio de minima probabilidade ou minimo risco; uma configuragio de maxima probabilidade ou maximo riseo; © configuragdes intermedisiias de risco variando entre os dois extremos, Quanto mais estruttirados forem os fa- tores determinantes, com maior forga atuaré o estimulo ppatolégico. Quanto mais diversificados forem tais deter- ‘minantes, mais complexo ser 0 processo de determina clo da satide e das doengas. esse aspecto, determinantes da satide podem ser biolégicos ou socioculturais, Os determinantes biolbgicos em geral sAo classificados como genéticos ou ambientais. Os determinantes socioculturais podem ser eeondmicos, sociais propriamente ditos, culturais e psicoligicos. Determinantes biolégicos fazem parte do ecossiste- ma definidor do meio externo onde atuam como agen te etiolégico, como vetor biolGgico ou como reservatério. Fatores genéticos determinam ainda maior ou menor suscetibilidade das pessoas para a aquisicdo de doenas ou manutengio da satide. Em situagies ecolégieas des- Capitulo 2 + Conceitos de Saude: Atualizagao do Debate Teorico-Metodolégico 19 HISTORIA NATURAL E PREVENGAO DE DOEN “Leavel & Clark, 1976 Figura 2.1 + Diagrama da histéria natural da doencs. favordveis, atuam fatores fisicos, quimicos e biolégicos do meio externo que, por terem acesso ao meio interne de seres vivos, podem funcionar como agentes patogé- Determinantes sociais ¢ econdmicos da saide sio poderosos. Nao somente pobreza ou privagao determi. na problemas de satide mediante precérias condigdes de ‘vida ou pouco acesso a servigos de satide; desigualdades ‘econémicas ou iniquidades sociais constituem importan- te fator de risco para a maioria das doengas conhecidas. Por outro lado, determinantes socioculturais, expres- 0s como preconceitos, habitos alimentares, crendices ¢ comportamentos, também contribuem para determina: ‘glo, difusdo © manutengio de doencas e para a adogio de formas de protesio e promocao da saiide em grupos hhumanos. Determinantes que atuam sobre o psiquismo ‘humano, por sua presenca ou auséncia, tanto podem au- mentar a resisténcia dos sujeitos, constituindo-se em fa- tores de protegio da satide, como podem comprometer 0 ‘sistema imunologico, atuando como estressores, aumen- tando a suscetibilidade a doengas orgnicas. ‘Nesse modelo processual, a histéria natural da doen- ‘ea tem seguimento com o desenvolvimento de processos patolégicos no ser humano. £ 0 periodo denominado patogénese. Esse estgio se inicia com as primeira: teragdes que agentes patogénicos provocam no sujeito afetado, Seguem-se perturbagdes bioquimicas em nivel celular, as quais continuam como distarbios na forma fe fungiio de érgiios e sistemas, evoluindo para defeito permanente (ou sequela), cronicidade, morte ou cura. Este modelo traz uma concepeio ecolégiea de sade fe doenga, dependendo da interaglo entre agente, hos- pedeito e ambiente, representada por uma balanga que indicaria forgas em equilibrio. Tal concepgio no modelo da HND ¢ considerada duplamente otimista, pois insi- nua que é possivel eliminar 0 agente ou restabelecer 0 equilibrio a favor do hospedeiro. Assim, o homem com satide estaria no periodo pré-patogénico, embora cons- tantemente sob a ameaga de transformar-se em doente no perfodo patogénico (Arouca, 2003). Amplia-se des: se modo 0 espago de normatividade médica, quando a ‘medicina j nao se limita a atuar a partir do horizonte clinico, mediante a identifieagio de sinais e sintomas. ‘Ao contriiio, expande seu espago de intervengao para 0 periodo pré-patogénico, ou seja, para toda a vida, ja que ‘iver significaria, praticamente, prevenir doengas. Este 20 Segiol + KOS ‘modelo, consequentemente, reforga um dado projeto de ‘medicalizagio da vida e da sociedade, Contudo, 0 modelo HND representa um grande avan- ¢0 em relagio ao modelo biomédico cléssico, na medida ‘em que reconheee que satide-doenga implica um proces: 0 de méltiplas e complexas determinagdes. A vantagem principal desse modelo consiste em dar sentido sos di- forentes métodos de prevengio e controle de doencas & problemas de sate, Nao obstante seu valor para a.cons- tituiedo de novas pratieas de cuidado em satide, podemos critica-los em pelo menos dois aspects fundamentais. Por um lado, a determinagio dos fenémenos da satide coneretamonte ni se restringe & eausalidade das pato- logins (patogénese). Por outro, meras ferramentas como Ae fiato so, modelos nao podem reproduzir a realidade conereta como tal. Assim, objetos de conhecimento ¢ de intervengao do tipo satide ¢ enfermidade nfo constituem entes tangiveis portadores de ontologia prépria; expec: tativas de equilibrio e ordem nado so prinefpios regula- ores de um mundo incerto e caéticg; a “hist6ria natural as doongas” pode ser histérica, mas de maneira nenhu- ma é natural, Ja o modelo de vigildncia da satide (Figura 2.2) ialoga com 0 da HIND, embora em uma perspectiva de produgdo social da satide-doenga, Na parte superior do diagrama apresentado na Figura 2.2 consideram-se trés momentos: danos,riscos e causas. No momento do ddano (mortes, doengas ¢ agravos) seriam diagnosticados ‘aos, Entretanto, antes de casos identifiendos poderia haver indieios de danos (assintomiticos) eindicios de ex- posiglo (casos suspeitos). No momento do riseo poderia ser verifienda a exposigdo propriamente dita através da qual 0 agente ou n auséncia deste influiria sobre o indi- viduo e a populaglo, Aqui podem ser lembrados “fontes de infeegio, modos de transmisslo e de intoxicacio & outrae relagdes entre agentes © ambientes. Anteceden- do a exposigdo existiria 0 préprio rsco, seja na acepeio do senso comum, da norma juridica ou da probabilidade com base em estudos epidemioligicos (riscos absoluto, relativo e atribuivel) quando slo classificados os expos: tos as nio expostos (individuos, grupos e populagies) [No mamento da causa si considerados os determinan- tes cocioambientais das necessidades de sade que, em ‘tima andlise, podem se expressar em riscos e danos. io abstante o reconhecimento dos aspoctos biolii- cos © ambientais da saiide como estrucurantes dos fen ‘menos da satide, em todas as etapas e para todos os ele- rmentos da problemétiea da saiide-daenga como questao cientifiea e teenoldgien, resalta seu cariter histrico e politic. Portanto, ser certamente mais adequado falar tem “*histérin social da satide", em processos da. saide- -doenga-cttdado e em objeto complexe da satide, visando | Beit gon Hp iT me OT | Senso comum | Nowa juriiea Politicas publicas Iranestoraie| Promocao ‘da Sauce Suspetos Assntomaticos cua Indicice — Indice —» Caso [ Soqela | Exposigao Dano i J J be onto | i ‘Assisténcia Médico-Hospitalar | mitt de Dance CConseiénca sais ¢ ecolbgicaEdueacdo em SatdePromocio da Saide Amplada Figura 22 + Diagrama da vig lincia da sae. Capitulo 2 + Conceitos de Satide: Atualizacao do Debate Tebrico-Metodolégico 21 ‘estender o escopo de estudo dos fendmenos relativos a satide, agao e vida, assim como sofrimento, dor, afligbes © morte de seres humanos, transcendendo o ambito bio- légico restrito para uma abordagem dos sistemas ecosso- ciais ¢ cultura ‘A partir desse referencial, novos modelos tém sido ppropostos, como o apresentado na Figura 2.3, adotado ppelo texto de referéncia para a Conferéncia Mundial so- bre Determinantes Socinis de Satide, realizada no Rio de Janeiro em 2011 (OMS, 2011). Esse diagrama destaca os determinantes estruturais das desigualdades de saide fe os doterminantes intermediérios da saide. Entre os primeiros encontram-se a posigio socioeconémica (clas- se social, género, etnia, edueacao, renda e ocupagao) ¢ © contexto socioeconémico e politico. No caso dos deter- ‘minantes intermedidrios, destacam-se o eapital social ¢ © sistema de saiide. Ainda que nio haja uma preocupa- fo fundamental em conceituar saiide nessa proposta, constata-se um esforyo no sentido de indicar possiveis relagies entre determinantes sociais eapazos de ter im- ppacto sobre a equidade em satide © o bem-estar. SAUDE COMO MEDIDA Neste tépico, vamos discutir limites e possibilidades de tratamento quantitativo dos fenémenos da satide no plano individual e singular que, em nossa cultura cien- tifica, praticamente tem sido monopélio de abordagens clinieas. Em segundo lugar, vamos avaliar uma das ver- tentes de quantificagdo da satide na sociedade de maior expresso atualmente, a epidemiologia, para estimar pro- babilidades condicionais de ocorréneia, niio de doengas, mas de saiide, Em terceiro lugar, também no plano agre- gado ou coletivo, pretendemos introduzir 0 leitor a abor. dagens econométricas da satide, anslisando impasses desdobramentos de propostas de anélise quantitativa da situaglio de satide como se fosse um recurso econdmico das sociedades modernas. Inicialmente, analisemos a questio da saiide como medida no plano individual ou singular que, no que con. cere aos temas da pesquisa sobre satide-doenca, tem sido convencionalmente objeto da clinica. Partamos do principio de que satide pode ser tomada como atributo individual de seres humanos e, como tal, encontra-se vul- nerdivel a processos de mensuragao. Com vistas a uma formalizagdo proliminar da saide nesse nivel, devemos considera as seguintes proposigées: a. Nem todos 0s sujeitos sadios acham-se isentos de doenca. 'b, Nem todos os isentos de doenca sio sadios. Sabemos que individuos funcionais produtivos po- dem ser portadores de doengas, mostrando-se muitas vores profusamente sintomiticos ou portadores de se- quelas ineapacidades parciais. Outros sujeitos apre- impacto SOBRE A, EQUIDADE: EM SAUDE £0 BEN-ESTAR Figura 2.3. + Marco conceitual dos determinantes sociis da saide (Solar & Inwin, 2010). 22 Segiol + £IXOS sentam limitagies, comprometimentos, incapacitagies & sofrimentos sem qualquer evidéncia clinien de doenca. ‘Alem da mera presenga ou ausincia de patologia ou le silo, precisamos também considerar a questiio do grat: ide severidade das doengas © complicagdes resultantes, com repereussies sobre a qualidade de vida dos sujeitos. Estado de satide individual difere de patelogia, fato. res de risco ou etiologia, bem como de acesso a. servigos de savide ou intervengies. Estado de sadde 6 um atributo multidimensional dos seres humanos que pode ser ava- liado por um observador que realiza um exame ao longo de virias dimenstes, ineluindo presenga ou auséncia de doenga, fatores de riseo para morte prematura, gravi: dade da doenca, risco de vide e condigho fisiea em geral, A avaliagio resultante sera o estado de sate individual ‘em uma de duas abordagons: negativamente, pela au- séneia de doenga ou condigies de déficit funcional, ou po sitivamemte, pela presenga de eapacidade funcional ou niveis de desempenho (Almeida-Filho, 2000). Estados individuais de satide podem também ser avaliados pedindo-se A pessoa que relate sua percepeao de saiide em dimensoes diferentes, como desempenko, condigio fisica, mobilidade, bem-estar emocional, hu- ‘mor, incapacidade, dor ou desconforto, Metodologica- mente, isso impliea o desenvolvimento de instrumentos {que buseam informagées sobre os dominios de satide con- siderados, Dorivadas inicialmente da definigio original da OMS, as primeiras tentativas para tratar empirica- mente essa questdo busearam a eriagio de instrumen: tos capazes de medir a capacidade fisiea © o bem-estar social. No primeiro caso, buscou-se reeuperar conceitos de comprometimento, limitagko, incapacidade e desvan- tagem, ja revestidos de certa positividade sob a forma de indicadores de fungio, habilidade, capacidade e desem- ‘penho. No segundo easo, a teoria do capital social passou 1 ser considerada a base conceitual para a medida da chamada “satide social” por meio de seus componentes principais: interagées interpessoais e partieipagio socal Em sintese, para medir diretamente o estado ow sgrau de saiide dos individuos, a semelhanga dos prooe- dlimentos de triagem para diagndstico da doenga, foram desenvolvidos e testados instrumentos padronizados ccapazes de reconhocer o estado de “completo bem-estar fisico, mental e social’. Eases instrumentos, em alguns casos, siio longos e detalhades, especialmente aqueles relacionados com o bem-estar e a qualidade de vida que, apesar da extonsio, muitas vezes refletem apenas uma dimensio da vida do sujeito © aporte clinieo contribui para a abordagem epi- domiol6gica com critérios © operagées de identifieagio de caso, determinando quem é e quem nio é portador de uma dada patologia ou espécime de carta condigio na amostra ou na populacio estudada. Por esse motivo, 0 conceito de risco constitui uma aproximagi de segunda ‘ordem do fenémeno da doenga em populagdes, em dltima \stancia mediada pela clinica como definidora da hete- rogeneidade priméria do subconjunto (doontes). Ora, c¢ clinica desenvolve-se como saber justificado pela nagio dde patologia, incapaz de reeonhecer pesitivamente a pre ssenga ou ocorréncia da satide nos sujeitos individuais, pouco podert fazer para colaborar na constituigio de ‘uma epidemiologia da sate (Almeida-Filho, 2000), ‘Como tendéncia dominante, maximo de aproxima- ‘20 que a ciéncia epidemioldgica tom se pormitido con- siste em definir satide como atributo do grupo de nao doentes, entre os expostos ¢ o8 no expostos a fatores de risco, em uma populagio definida. Na prtica, a mai ria dos manuais epidemioldgicos ¢ até bem menos suti, chegando a definir a sade diretamente como “ausncia de doenea”. Nao obstante as evidéncias em favor da com: plexidade das situagdes de satide, os estudos epidemiol kicos normalmente cobrem doencas especificas, buscan: do levantar o perfil sociodemogrifico dos expostos o dos doentes de uma dada patologia mais do que propriamen- te descrever o “perfll patologico” (repertério de doengas de condigies relacionadas com a satide) muito menos 0 “perfil de satide" de um dado grupo social. Em sua pritica de produsao de informaglo, a epide- miologia tem instrumentalizado um repertévio de “indi- cadores de sade” que ma verdade se bascia em conta- gem de doontes (indieadores de morbidade) ou de faleci- dos (indieadores de mortalidade). Apesar das promessas de uma “epidemiologia da side", dentre os indieadores ditos de satide, apenas a medida denominada “Esperan. a de Vida” e seus sucedineos suportam uma definigio ni residual de saiide. Mesmo listados nos manuais mais respeitaveis da ciéncia epidemiol6giea, trata-se de indieadores mais demogréticos que epidemiolégicos, ain- da assim também calculados com base em dados de mor- talidade. Abordam anos de vida vividos, em geral sem considerar o estado ou nivel de saiide desses anos ou, para incluir wm termo em moda atualmente, sem nada referir sobre a qualidade de vida dos sujeitos. ‘io obstante, téenieas de avaliagSo da satide indivi- ‘dual podom ser empregadas como fontes de dados para mensuragio de niveis coletivas de saide tomados como somatério de estados individuais de saiide, Propde-se en- ‘iio, nesse caso, incluir entre as estratégins da epidemio- logia a contagem de individuos sadios, para isso desen- volvendo ou adaptando tecnologias pertinentes, no sen- tido analisado na secao anterior. Disso poderd resultar a derivagi de indieadores de “salubridade", equivalen- tes aos clissicos indicadores de morbidade. Nesse caso, contar-se-iam sadios para o eéleulo de um certo riseo de saiide, do mesma modo como se computam daentes om Sbitos para a produgio de indicadores de risco de doen cas ou de mortalidade. Basa estratégia efetivamente nfio ‘em sido enfatizada no campo da investigagao epidemio- Capitulo 2 + Conceitos de Saude: Atvalizagdo do Debate Te6rico-Metodologico 23 Logica, limitando-se a poucas avaliagbes de inquéritos domiciliares locais ou nacionais (Almeida-Filho, 2000a). Na década de 1980, no contexto de avaliagao do im- pacto de sistemas nacionais de satide, especialmente em paises europeus, ganhou relativa proeminéncia o concei to de “qualidade de vida relativa a satide”. Qualidade de vida implica abordagem do curso de vida, de acordo ‘com episédios que podem afeté-lo, incluindo deficién- cias, atividades, participagdo social, influenciados pela satide-doenca ou estado funcional. Instrumentos para medir qualidade de vida relativa a smide podem ser sgenéricos (perfil de saiide e indices de saide) ou espe- cificos (qualidade de vida em determinadas condigses, populagdes ou ciclos de vida). Juntos, esses indicado- res contribuem para construtos especificos, com me. digdo de dimensdes ou dominios constituintes de saiide que incluem, entre outros, capacidade fisica, funcionali- dade, satisfagio e percepgao de bem-estar e papel social (Almeida-Filho, 20000). -Embora seja teoricamente atraente argumentar que ‘a medida da satide deve consistir na combinagio de todos ‘0s componentes de um instrumento mais impresses sub- jetivas do individuo, na prtica as principais dimensdes! dominios dos instrumentos para medir a sate indivi- dual referem-se a variiveis comportamentais. Normal- ‘mente, essas avaliagies sfo feitas com base em presen- ‘ga-auséncia de deficiéncias nessas dimensées (e em suas subdimensées). No final é atribuida uma pontuagio (es- ‘care, grau, escala, nivel) ou estado (conceit, descriglo, ‘lasse) de acordo com os pressupostos de eada instru- ‘mento; portanto, os sujeitos sho classificados como mais ‘ou menos comprometidos (ou “doentes”) e, por negagio, ‘mais ou menos saudaveis. Como exemplo, temos 0 con- ‘ceito de satide autorreferida (SAR), que compreende um ‘construto complexo que incorpara diversos aspectos da ‘saiide fisica e outras peculiaridades individuais e sociais _que resultam em um indicador da percepcio subjetiva de ‘bem-estar e salubridade (Babones, 2009) Enfim, para a estimativa de indicadores de niveis co- de satide, sera imperativo superar uma limitagio ial da abordagem epidemioldgica, originalmente A avaliagdo dos riscos de doenca ou agravos. 1880 duas estratégias distintas, No primeiro caso, significa tratamento simétrico ao problema geval da ificagao de casos de doenga na pesquisa epidemiols- ‘convencional, com a ressalva de que sinais e sinto- ide “satide” nio podem, nesse caso, expressar mera ia de doenga. Teata-se evidentemente de desen: ‘métodos e téenicas eapazes de avaliar positiva- os niveis de salubridade em uma dada populacio, No segundo caso, deve-se desenvolver ou aperfei- ‘metodologias e tecnologias para abordar a saiide ito inverso da morbidade, entendida como “vo- populacional de patologia” ou, para usar uma ‘terminologia recente, porém consagrada, “carga global das doengas”. Ou seja, propde-se o desenvolvimento de ‘medidas do “capital sanitario” ou do “burden of disease” de populagaes ou sociedades, Em outras palavras, trata: -se de aprimorar nossa capacidade de estimar medidas do grau de “morbidade nogativa’ ou de mensurar sade como um andlogo econométrico. Nesse sentido, pesquisas na economia da satide tém contribuido para uma concepeiio coletiva de saiide, em ‘uma aproximagao instrumental ao tema da mensuragao. Dois indicadores de carga de doenga ganharam mais destaque recentemente: anos de vida ajustados por qua- lidade de vida (QALY) e anos de vida ajustados por inca. pacidades (DALY). Ambas as abordagens utilizam anos vvividos com qualidade de vida ou sem ineapacidade (que 6 um indice grosseiro de sade) para avaliar o impacto social de patologins ¢ das tecnologias destinadas a sua prevengio, controle ou erradicagao. Essas abordagens tomam renda, produgio, consumo e outros indicadores, ‘econdmicos como 0 pardmotro principal (¢ talvez ideal) para medidas de desigualdade na sociedade (Almeida Filho, 2008). Disso deriva, de modo mais evidente, 0 desdobramento de duas falécia: 4, Falicia econocéntrica: implica supor que a esfera da economia pode ser tomada como referéneia dominan- te da sociedade e que, portanto, dispositivos de expli- cagio da dindmica econémica das sociedades seriam adequados para compreender processos e objetos de conhecimento sabre a saiide ¢ a vida social. Mesmo que essa posigdo possa ser relativamente adequada para economias de mercado industriais (aquelas do mitico pleno-emprego, antes das crises), renda no parece representar medida valida e plena de accsso a0 bem-estar social aos recursos de vida (satide in: ‘cluida) em paises pobres, Mediante estruturas e di- namicas préprias, além da coneentragio de riqueza, outras desigualdades além do ranqueamento social encontram-se ativas em sociedades flageladas pela pobreza, desemprego e exclusio social. ». Falacia econométrica: implica considerar que proces s08 de produgio de satide, de relagdes sociais e de mercadorias so relativamente isonémicos e que, por- tanto, metodologias econométricas seriam adequadas para aprender variagées e disparidades em determi- nantes ¢ efeitos sobre a satide na sociedade. Embora abordagens dimensionais possam ser vilidas para produtos e outros recursos do mereado, o§ fendmenos a satide-doenga-cuidado tim atributos e proprieda- des de realizagdo e distribuigio totalmente diferentes (e ndo redutiveis a) da renda, ‘A refutagio de ambas as faldcias base tatagdo, quase trivial, de que satide néo pode ser linear- 24 Seco + EXOS mente produzida, armazenada ou investida, nem pode ser redistribufda do mesmo modo que a renda (Almeida. Filho, 2009), Nio obstante @ existéncia de importantes limitagces de medidas quantitativas de satide, 6 inogdvel sua con- tribuigo ao estudo das condigdes de saide © seus de- terminantes sociais, politicos e eeondmicos. Abordagens: ccconométricas da satide, interessantes som divida, rove- Iam-se potencialmente ites para os objetivos priméirios de incorporar rigor e sofisticagdo as andlises de custo- -ofetividade. Além disso, sua concepeao propiciou impor- tante desenvolvimento na teoria da mensuragio em sai de, considerando as possibilidades de seu emprego para medidas positivas © negativas, como capacidade vital © qualidade de vida, possibilitando comparagio e avalia- ‘40 do valor diferencial de procedimentos restauradores ou promotores de satide. Recorrendo a Canguilhem (1990, 2006), devemos ad- mitir que o oposto da patologia é a normalidade, de modo algum a saiide. Em uma perspectiva logica rigorosa, por- tanto, 0 oposto simétrieo da doenga no seria saiide e, por isso, estado de satide nao implicaria “auséncia de doonea”. Estado de satide individual difere de patolo: sia, fatores de riseo ou etiologia, bem como de acesso a sorvigos de sadide ou intervengdes. Nessa perspectiva, coneluimos sor possfvel idemtificar sinais e sintomas da “sindrome satide”, a partir de um construto empirico de- finido como “estado de satide”. A questo correlata seria, centiio, como viabilizar metodologicamente estratégias, téenieas, instrumentos e procedimentos de produgaio de dados, informagio e conhecimento com base na medida da vide. Cabe, enfim, demandar das abordagens numéricas (cpidemiolbgica e econométrica) da satide o que elas tém de melhor a oferecer, principalmente no que se refere ao estudo da situacio de satide, acesso e utilizagio de ser- vigos e sistemas de satide, bem como nas freas de ava- Tiago teenolégiea e microeconomia em satide. Isso sig. nifiea compreender impasses e aceitar limitagées dessas metodologias ¢ de seus instrumentos de mensuragdo do igrau de salubridade (ou satide coletiva positiva) e da carga global de satide” (e nfo de doenga) de uma dada populagio, respectivamente. VALORES DA SAUDE Neste tépio, propomos a avaliagio das bases lgieas, tadricas e metadalégieas da concepgio de sade como va- lor: valor de uso, valor de toca, valor de vida. Ao indicar essa abordagem, consideramos que conceitos de saide como valor-emsi, na perspectiva de estado ou situagio altamente desejavel para o ser humano, tim sido critiea- dos por varios autores por seu eariter idealista ou ut6pi- co, Ao atribuir valor & sade e seus efeitos, defrontamo -nos de imediato com a questio da distribuigae desigual © muitas vozes perversa dos entes providos de valor na sociedade eapitalista, Vida longeva e plena, com quali- dade ¢ desempenho, produtividade e satisfacao, repre: senta o ideal platénieo da saiide como valor social e poli tico que, em uma sociedade estruturalmente desigual © injusta, implicaria disparidades de acesso, distribuigao fe controle de recursos, bens e servigos. Portanto, a problematizago da satide da mane a aqui propasta pretende reafirmar que os gradientes socialmente perversos reproduzidos em nossas socieda- des refletem interagées entre diferengas biolégicas, dis- tingdes sociais, inequidades no plano juridico-politico © iniquidades na esfera ético-moral, tendo sempre como ‘expresso concreta, empiricamente constativel, desi- sgualdades em satide (Almeida-Filho 2008). Tratar essa questo do ponto de vista da critica teérica significa um ‘eaforgo inicial no sentido de conhever com mais profun- didade, para superar com efetividade, raizes, estrutura ‘ efeitos das desigualdades sociais no campo da sade. A mais importante mattiz tedrica sobre 0 concvito de satide como valor é som diivida a Teoria da -Justiga de John Rawls, prineipal mareo teérico que tem subsidiado ‘8 produgio académica sobre o toma desigualdades em satide nos pafses desenvolvidos (Almeida. Filho, 2009). A Teoria da Justiga de Rawls propée igualdade de oportu: nidades e também de distribuigao de valores, bens e ser vigos referentes a necessidades basicas socialmente re- forendadas. Entretanto, a satide nao é listada pelo autor ‘como uma das liberdades bisicas. Pelo contrério, Rawls define saiide como um bem natural na medida em que depende dos recursos (enciowments) individuais da satide, ao mesmo tempo que demarca conceitualmente a justiga (justice) como uma eategoria institucionalizada de justeza (fairness) e utiliza 0 termo “diferenca” (diffe renee) para designar solugées normativas que tomam @ justiga como distribuigao social compensatéria de bens De corto modo, a nogo rawisiana de equidade im. plica um componente estrutural do sistema de valores contratuais da sociedade burguesa, resultando em equ- valéneia entre os conceitos de equidade « justica e, cor- relativamente, entre a falta de equidade © a nosto de injustiga. Rese padrao mostra-se simétrico e consistente em relagao ao modo predominante de definigao da satide como auséncia de doenca no campo da pesquisa em sai de individual e coletiva, como vimos acima, Em sintese, equidade = auséneia de injustiga; satide = auséncia de doenga. Dando sequéncia a essa linha de pensamento, vé- rips autores desenvolveram variantes dessa abordagem neoutilitarista ao problema das desigualdades em satide (Almeida-Filho, 2009). Amartya Sen, Prémio Nobel de Economia de 1998, como uma alternativa critica & veoria Capitulo 2 + Conceitos de Saide: Atualizagio do Debate Teérico-Metodolégico 25 -rawlsiana de justica, elabora uma concepedo metodolégi- ‘ea intogrativa das desigualdades, com duplo escopo (ob- tivo e normative). Do ponto de vista da desigualdade “objetiva, equivalente A variaglo relativa de valor (mo- ‘netdrio ou social) de qualquer bem ou servigo por meio ‘de-um dado indieador econémico, a questo da desigual- de entre dois elementos — x e y ~ implica apenas com- ilidade em esealas cardinais de ardem equivalen: ‘te. Por outro lado, buscando fundamentar sua proposta, ‘teérica, Sen define o "bem-estar social” como vineulado padrdes de distribuigdo da riqueza e ndo como efeito rrenda bruta ou riqueza apropriada, introduzindo af a efi da renda relativa ou renda distribuida. A nogio de Idade normativa ~ referente ao conceito de bem- social (social welfare) — remete portanto a distri- siglo de um dado valor (renda, mas pode ser sade) dois elementos — x e y ~ de modo equanime, ‘No eixo principal de sua obra, mas também em vé- textos secundirios especificos, Sen usa imimeros, mplos do campo da saiide, em dois sentidos. Primei- ‘para caracterizar necessidades distintas, propés con- Tinhas de base diferentes para a avaliagio das Jdades e a escolha social de estratégias redistri- tivas. Nesse caso, deixa espago para a definigiio da individual no fimbito do que chama de capabili- Este conceito, de dificil tradueo para o portugués, entre “capacidades potenciais” e "competéncias”, titui valiosa indicagao no sentido da construgio do o de saiide, em uma direglo apenas esbogada na mais tardia da abordagem parsoniana, conforme in- adiante. Em segundo lugar, Sen propos tomar a esfera da coletivamente definida no plano socioinstitueio- ‘como campo de sistemas passiveis de compensagio o @ equidade, dentro do aparato do welfare state. ‘entio que um servigo nacional de satide poderia parte de um sistema de justiga distributiva indi- ‘comparivel 2 outros sistemas de justiga definidos distribuigdo direta de subsidios. O problema tornar- potencialmente mais complexo, por exemplo, a0 outras diferengas de base individual além da ‘chamada saide (Almeida-Filho, 2008). mando a ideia de quase ordenamento em espagos simultineas de Sen, trata-se de considerar 4a disparidade social em planos ou campos ‘0 conceito diversidade remete primordialmen- ie, diferenca ao plano individual, desigualdade econdmico-social, inequidade ao campo da jus- 20 politico, distinglio ao simbélico. Essa m veio tornar-se o principal marco teérico sobre o de saide como valor social, focalizando princi- ‘a questio da distribuigdo desigual e as relagdes jgualdades de renda e de saide. Como premissa ‘equidade em satide equivaleria a justica no que se refere a situagio de satide, qualidade de vida ¢ sobre- vviveneia posto que, idealmente, todos ¢ todas tém direito ‘uma justa possibilidade de realizar seu pleno potencial de satide e que ninguém estara em desvantagem para realizar esse direito, o que compreende uma capacidade coletiva de gerar satide (Almeida-Filho, 2009). ‘Apesar da insistente referéncia a nogies positivas de justica, justeza e escolha social, a problematizagio teérica «e metodolégica dos gradientes sociais em satide prioriza a negagio, operando conceitos de desigualdade e diferensa tem lugar de igualdade e equidade. Tal padro mostra-se simétricoe consistente em relagio ao modo predominante de definigdo da satide como auséncia de doenga no campo dda pesquisa em satide individual e eoletiva. Enfim, me- diante os termos injustiga e doenga, tanto a justiga como 1 satide sf tratadas como negatividade. ‘A prolifca literatura sobre determinantes sociais da satide padece de pobreza teérica na medida em que raramente se explicitam pressupostos epistemologicos € teorias sociais cruciais para a compreensio do signi- ficado dos conceitos relacionados ¢om as diferencas na satide-doenga-cuidado em populagées (Almeida-Filho, 2009), Na sociedade contemporanea, estruturas sociais, processos politicos perversos ¢ politicas de governo sem cequidade geram desigualdades relacionadas com renda, educagio e classe social, portanto inequidades, corres- pondendo a injustiga social. Algumas dessas desigual- dades, além de injustas, so infquas e, portanto, moral- mente inaceitaveis; constituem iniquidades que geram indignagio e, potencialmente, mobilizagdo social. Em paralelo, nos planos simbélico-culturais, ao construirem identidades sociais baseadas na interagio entre diferen- ‘as individuais e padroes coletivos, seres humanos afir- ‘mam, na maioria das vezes por meio de mecanismos no conscientes, sua distinglo de outros enquanto membros de segmentos, grupos ¢ classes sociais, Considerando satide um valor social, desigualdades (wariagéo quantitativa em coletividades ou populagies) podem ser expressas por indicadores demogratficos ou. epidemioligicos (no campo da satide) como “evidéncia cempirica de diferengas” em estado de satide € acesso ou uso de recursos assistenciais, Nesse caso, saiide pode constituir uma eapability, no sentido de Sen, e niio ne- cessariamente corresponder ao produto de injustigas, como no uso da nog&o de “satide real”, como visto pre- viamente. Por outro Indo, desigualdades de satide de- terminadas por desigualdades relacionadas com renda, exiucagio e classe social sio produtos de injustiga social ¢, em iiltima analise, resultantes do modo de producio econémiea predominante na sociedade; na medida em ‘que adquirem sentido no campo politico como produto os conflitos relacionados com a repartisio da riqueza nna sociedade, devem ser consideradas inequidades em satide. Por sua vez, as inequidades em sade que, mais 26 que evitiveis © injustas, sio vergonbosas, indignas, © nos despertam sentimentos de aversio conformam ini- uidades em saide. ‘A dimensio da desigualdade em sade eonstitui uma questio bioétiea fundamental. Nessa perspectiva, dis tinguir inoquidade de iniquidade nao expressa um mero cxoreicio seméntico. Signifca introduzir, no processo de torizacio, pretensamente neutro e impessoal, elementos de indignaciio moral e politica. Tomar como referéncia apenas a dimensio da justiga, na esfera da equidade (¢ de seu oposto, a inequidade) parece insuficiente no que dia respeito ao tema da dignidade humana. A protecio dos direitos bésioas de um criminoso ou a garantia das prerrogativas juridicas de um suspeito de corrupgto é certamente uma questio de equidade, posto que evoea 0 fundamento democratic de justiga igual para todos. En- tretanto, um dbito infantil por desnutriglo, uma negagie de cuidado por raases mereantilstas ou uma mutilagio decorrente de violencia racial ou de gnero conformam ‘loquentes exemplos de iniquidade em saide. Conforme os argumentos expostos, no é defensivel considerar satide um bem privado, commodity, produto, rmercadoria ou sexvigo comercializivel, atribuiindo-The valor monetario e, por conseguinte, posi e prego em. ‘um mercado de trocas econsmicas. Visando subsidiar tal posigo, um primeiro passo consiateem recorrerateoring critieas da sociedade e da politica eapazes de explicar as priticas dos sujeitos no espaco social. Aqui, a deman- da conceitual concentra-se na construgao ¢ validagao de ‘modelos explicativos eficientes dos processos histéricas ¢ sociais definidores do objeto de conhecimento em pauta, tendo como referéncia teorias de equidade e justiga. De qualquer modo, a qualificagio das desigualdades como socinis demanda a definigio do sentido de “social”. Em ‘utras palavras, para compreensio do papel das desi ualdades na produgio de doenga, morbidade e mortali: dade, assim como de satide, qualidade extensio da vide humana, ¢ imperativo a abordagem da questlo de o qué (estados, processos, eventos), antes de tudo, determina ccorréncia, forma e atuagio dos gradientes sociais. Com prioridade, cumpre estabelecer fontese origens das desigualdades de modo distinto, mas complementar, 4 aproximagio necesséria acs temas de natureza e com. ponentes das desigualdades sociais em satide do ponto de vista metodoligico. Nesse sentido, desigualdades so- ciais podem se referir coneretamente a disparidades em propriedades, renda, eduengio, poder politi sate, resultantes de relagdes de poder eeonémico e politico en- tre sujitos socais. Em conclusio, 6 necessério considerar os efeitos dos processos cle determinagio social da satide-doenga e da produgio social da atenglo-cuidado, expressos como de- sigualdades sociais na qualidade de vida, diversidade no estilo de vida einequidades nas eondigBesde amide do Segiol + EXOS jeitos. Nesse caso, visando superi-las, hia necessidadede ‘uma construgio conceitual ¢ metodolégica capaz de sub- sidiar a necessiria mobilizagio politica no sentido de tor- nar as diferencas mais iguais (ou menos desiguais); ou ‘seja, promover igualdade na diferenga, fazendo com que ‘se reduza o papel das diferencas de género, geragio, étnico-raciais, culturais e de classe social como deter minantes de desigualdades, inequidades ¢ iniquidades ‘econdmieas, sociais e de satide. Enfim, podemos analisar 0 conceito de satide como ‘um valor social e politico das sociedades modernas. Seu reconhecimento como valor de uso, a partir do qual a vida faz sentido, e a critiea a seu valor de troca, quan- do consumida e desgastada nos processos de produgio & consumo, pode engendrar uma nova praxis nessas socie- Gades. Como a moeda, a saiide nao constitui um valor ‘em si, mas se torna de fato um valor nos processos de in- tercimbio. Desea maneira, a saiide nfo é um poder que ‘se encontra no corpo, nem sequer se refere ao organismo individual, mas trata-se de um mediador da interagio cotidiana dos sujeitos sociais. Como desdobramento, seri possivel a investigagio de efeitos dos processos 80: ciais de produgio da satide-doenca-cuidado. Nesse cas0, importa explorar o impacto das desigualdades na qui lidade de vida, no estilo de vida e nas condighes de saii- de dos sujeitos. Isso significa focalizar, em uma imersio cetnogréfica na cotidianidade, as pratieas da vida didria 6, nelas, 0 efeito da distribuigao desigual dos determi- nantes da satide-doenca-cuidado, PRAXIS DA SAUDE O conceito de prtieas de satide, inicialmente pouco considerado na Satide Coletiva, tornou-se imprescind vel para compreensiio das relagies entre satide e socie- dade. No Brasil, tem-se obscrvado 0 desenvolvimento de pesquisas, reflexdes e exporimentos sobre préticas de satide em distintos centros académicos. 0 reconheci- ‘mento de seus momentos constituintes (objeto, meios de trabalho e trabalho propriamente dito) e a valorizago a dimensto subjetiva tém proporcionado espagos de co- ‘municagao e didlogo com outros saberes, abrindo novas perspectivas de reflexiio e ago. Como ilustragio dessa renovagio das priticas de saide, pode-se mencionar @ proposta da vigilincia da sadide, tal como resumida no diagrama ja deserito na Figura 2.2. ‘Ao articular 0 proceso saiide-doenga no plano co- letivo as intervengdes centradas sobre danos, riscos & determinantes socioambientais, a vigilincia da sade, enquanto modo tecnolégico de intervengio, estimula ‘uma reatualizaglo da reflex sobre promogio da satide ‘© qualidade de vida, além de articular a assisténcia mé dica e as vigilincias sanitéria e epidemiolégica. A partir dos estudos sobre modelos de atengao, apresentados no “Capitulo 21, tém sido realizadas investigagies sobre 0 ocesso de trabalho em satide. Além da experiéncia das programétieas de satide e da “estratégia da satide familia”, uma nova préxis vem se delineando no cam- 0 da Saide Coletiva, como se verificard na leitura dos pitulos subsequentes deste livro. SIDERAGOES FINAIS A oportunidade de conceber 0 complexo “promogio- de-doenca-cuidado” mediante politicas piblicas sau iveis e participagio da sociedade nas questies de satide, se estilos de vida, implica a necessidade de cons- tenta suas priticas (Paim & Almeida-Filho, 2000). Ni nte seus limites, essa proposta de resgate conceitual ser itil para o necessério debate teédrico-epistemo- gico sobre a nogio de integralidade das agbes de satide 0 estratégia de interferéncia na complexa problema- ‘tica da conjuntura sanitéria brasileira neste inicio do mi- Nesse sentido, no ambito da prixis, a Saude Coletiva, participar ativamente na transiclo epistemoldgica. Os elementos histérico-concretos aqui assinalados possibi m a andlise de novos paradigmas no campo da satide. eida-Fiho N. 0 conceto de satide: ponto cego da epidemiologia? Rev Bras Epidemiol 2000x 3(-3):¢-20. eids-Fiho N, For 2 General Theory of Health: preliminary epis- “temological and anthropological notes. Cad Saude Public 2001; 17(4;753-70, da-Fiho N. A problematia teérica da determinaclo social da “snide (nota breve sobre desigualdades em sauce como objeto de ‘conhecimento). 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